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CÂMARA DOS DEPUTADOS DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES TEXTO COM REDAÇÃO FINAL CPI - TRÁFICO DE ORGÃOS HUMANOS EVENTO: Audiência Pública N°: 0505B/04 DATA: 6/5/2004 INÍCIO: 10h42min TÉRMINO: 13h23min DURAÇÃO: 02h41min TEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h41min PÁGINAS: 64 QUARTOS: 32 DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃO VOLNEI GARRAFA - Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Bioética da Universidade de Brasília. SUMÁRIO: Tomada de depoimento. Deliberação de requerimentos. OBSERVAÇÕES Há orador não identificado. Há intervenções inaudíveis.

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Page 1: DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO …...requerimentos. Quero, nesta oportunidade, convidar o Prof. Volnei Garrafa a tomar assento nesta Mesa. (Pausa.) Antes de passar

CÂMARA DOS DEPUTADOS

DEPARTAMENTO DE TAQUIGRAFIA, REVISÃO E REDAÇÃO

NÚCLEO DE REDAÇÃO FINAL EM COMISSÕES

TEXTO COM REDAÇÃO FINAL

CPI - TRÁFICO DE ORGÃOS HUMANOSEVENTO: Audiência Pública N°: 0505B/04 DATA: 6/5/2004INÍCIO: 10h42min TÉRMINO: 13h23min DURAÇÃO: 02h41minTEMPO DE GRAVAÇÃO: 02h41min PÁGINAS: 64 QUARTOS: 32

DEPOENTE/CONVIDADO - QUALIFICAÇÃOVOLNEI GARRAFA - Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Bioética daUniversidade de Brasília.

SUMÁRIO: Tomada de depoimento. Deliberação de requerimentos.

OBSERVAÇÕESHá orador não identificado.Há intervenções inaudíveis.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS - DETAQ COM REDAÇÃO FINALNome: CPI - Tráfico de Orgãos HumanosCPI - Tráfico de Orgãos HumanosNúmero: 0505B/04 Data: 6/5/2004

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O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Havendo número

regimental, declaro abertos os trabalhos da 8ª reunião ordinária da Comissão

Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a atuação de organizações atuantes

no tráfico de órgãos humanos. Informo aos Srs. Parlamentares que foi distribuída a

cópia da ata da 7º reunião. Sendo assim, indago se há necessidade da sua leitura.

(Pausa.) Dispensada a leitura, coloco a ata em discussão. (Pausa.) Não havendo

quem queira discuti-la, coloco-a em votação. Os Srs. Deputados que a aprovam

permaneçam como se encontram. (Pausa.) Aprovada a ata. Comunico a V.Exas.

que esta Comissão realizará nos próximos dias 13 e 14 de maio diligência no

Município de Recife, Estado de Pernambuco, para oitiva de várias testemunhas.

Solicito aos nobres Parlamentares que queiram participar dessa diligência entrarem

em contato, o mais rápido possível, com a Secretaria desta Comissão, a fim de que

sejam tomadas as providências necessárias para a aquisição de passagem e

hospedagem junto à direção desta Casa. Lembro aos Parlamentares que esta

reunião foi convocada para a realização de audiência pública para tomada de

depoimento do Prof. Volnei Garrafa, Coordenador do Núcleo de Estudos e

Pesquisas em Bioética, da Universidade de Brasília, e ainda para deliberação de

requerimentos. Quero, nesta oportunidade, convidar o Prof. Volnei Garrafa a tomar

assento nesta Mesa. (Pausa.) Antes de passar a palavra ao depoente, peço a

atenção dos senhores presentes para as normas estabelecidas no Regimento

Interno da Casa. O tempo concedido ao depoente será de até 20 minutos,

prorrogáveis a juízo da Comissão. Durante esse período de explanação dos fatos,

ele não poderá ser aparteado, vai ter o tempo para fazer sua explanação. Os

Deputados interessados em interpelá-lo deverão inscrever-se previamente junto à

Secretaria da Comissão. Cada Deputado inscrito terá o prazo de até 3 minutos para

fazer suas indagações, dispondo o depoente de igual tempo para resposta, facultada

a réplica e a tréplica pelo mesmo prazo. Sr. Volnei Garrafa, nosso convidado,

também é Presidente da Sociedade Brasileira de Bioética e faz parte do Conselho

Diretor, Presidente da Rede Latino-Americana e do Caribe de Bioética da UNESCO.

É uma pessoa com bastante experiência nessa área. Está aqui o requerimento

apresentado pelo Deputado Pastor Frankembergen, dado o seu conhecimento, e a

importância dessas explicações, dessas explanações, desses conhecimentos que,

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com certeza, vão enriquecer muito os Parlamentares desta Comissão no

desenvolvimento do seu trabalho. Com a palavra, neste momento, o Prof. Volnei

Garrafa.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Em primeiro lugar, eu queria manifestar a grande

honra que é poder colaborar com esta Casa, a Casa do povo brasileiro. É uma

obrigação de todo brasileiro poder contribuir para a melhoria do desenvolvimento da

nossa sociedade e das condições de vida da população do País. Queria agradecer a

confiança da Comissão e de todos os seus membros, principalmente o Deputado

Pastor Frankembergen, que fez o primeiro contato comigo. Em meu nome pessoal,

em nome do Núcleo de Bioética da Universidade de Brasília e da Sociedade

Brasileira de Bioética, que tenho a honra de presidir, ficamos muito honrados.

Estamos sempre à disposição para esse tipo de apoio, de auxílio e contribuição. Eu

tenho uma experiência de aproximadamente 13 anos nesse campo do mercado

humano. Em 1991, viajei à Itália com uma bolsa do Governo brasileiro, Ministério da

Educação, para fazer um projeto de pesquisa de pós-doutoramento exatamente na

área do mercado humano. Eu trabalhei exaustivamente durante 4 anos com o então

Senador italiano Giovanni Berlinguer, uma das maiores autoridades vivas no mundo,

tanto na área de saúde pública quanto na área de bioética. Esse projeto de

pesquisa, compartido Brasil/Itália, deu origem a este livro, que está na segunda

edição, na Itália, e na segunda edição, no Brasil. Chama-se: O Mercado Humano —

Um Estudo Bioético da Compra e Venda de Partes do Corpo. Ele não é um estudo

jornalístico, não é um estudo sensacionalista, é um estudo acadêmico. Quer dizer,

as referência bibliográficas aqui colocadas são todas absolutamente fidedignas. E

esse trabalho foi apresentado por mim, pelo Prof. Berlinguer, no secular prédio da

Enciclopédia Italiana, na Itália, discutido por 2 Prêmios Nobel. Uma deles, a Rita

Levi-Montalcini, que muita gente conhece, e o outro falecido recentemente, que não

é Prêmio Nobel, mas o grande cientista político Norberto Bobbio. Vou deixar este

livro com a Comissão. Trouxe alguns documentos. São textos, artigos que temos

publicados, artigos recentes da Gazeta Mercantil: Mercado de Transplantes Renais,

Legislação Dá Oportunidade à Compra e Venda de Órgãos, Comércio de Rins e

Legislação, Pesquisadores levantam informações preocupantes. São pesquisas que

nós fizemos, aqui, na Universidade de Brasília, publicadas na Revista da Associação

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Médica Brasileira. São pesquisas de denúncias, realmente. Vou deixar essa

pesquisa também com a Comissão. Eu acho que são dados importantes. Um artigo

que nós publicamos em 1993, ou seja, 11 anos atrás, na Revista do Conselho

Federal de Medicina, chamado O Mercado de Estruturas Humanas (A Soft Human

Market), que é um dado que eu vou deixar também com a Comissão, que eu acho

que é importante. Hoje está havendo no mundo, infelizmente, o encaminhamento de

certas situações para a legalização e a aceitação moral da mercantilização de

órgãos no mundo, em alguns países, a partir da visão anglo-saxônica de que as

pessoas são autônomas. E se elas são autônomas, o corpo é de propriedade delas

e elas têm direito de vender o que é delas. A posição minha e a do Prof. Berlinguer

neste livro é absolutamente oposta. Apesar de o Prof. Berlinguer ser uma antigo

comunista, um homem ateu, mas um dos homens mais íntegros e mais humanos

que, certamente, muitas pessoas desta sala conhecem, sabem e podem constatar,

nós ficamos com uma posição muito próxima à posição, por exemplo, do Vaticano,

às posições evangélicas sobre a questão da mercantilização. A nossa posição,

realmente, é contrária. Tem um outro texto, publicado na Revista Humanidades, da

Universidade de Brasília, chamado A Última Mercadoria. Na realidade, para as

pessoas pobres e vulneráveis, é a mercadoria final. Em italiano o idioma fica mais

forte. Chama-se: La Merce Finale, ou seja, a mercadoria derradeira. É a última coisa

que o sujeito tem para vender. Ele tem um filho com leucemia, ele tem uma casa

hipotecada, ele acaba tendo oportunidade de vender um rim, uma partida de sangue

ou de medula. Então, ele, pela vulnerabilidade, acaba caindo nessa tentação. Tem

um outro texto publicado aqui no Brasil, na revista Saúde em Debate, do Centro

Brasileiro de Estudos de Saúde, que chama-se: Usos e Abusos do Corpo Humano,

que é também capítulo de um livro de um Senador italiano, Stefano Rodotà, que é

Diretor da Faculdade de Direito da Universidade La Sapienza di Roma. E um

capítulo de um livro, publicado aqui no Brasil por um grupo da ABTO (Associação

Brasileira de Transplantes de Órgãos), sobre transplantes de órgãos e tecidos. É o

capítulo sobre a questão da bioética dentro desse campo. E por último, eu só queria

também referir, para que os Deputados possam ver como essa coisa está se

encaminhando para o lado da mercantilização, textos, como este aqui, publicado,

por exemplo, nos arquivos internacionais de medicina: Incentivos financeiros para a

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procura de órgãos. São textos acadêmicos, onde a questão a ser colocada, hoje, é

que deve se fazer incentivos financeiros para a procura de órgãos. Quer dizer que é

uma coisa para nós, para a nossa visão latina, para a nossa cultura humanística e

cristã, inaceitável. Então, prezados Deputados, eu vou fazer a minha apresentação,

basicamente, em duas partes, que, acho, é o que eu posso dar de contribuição para

esta importante CPI. Na primeira parte, eu vou resumir o esforço do Prof. Berlinguer

e meu na classificação que nós fizemos desse tema do mercado humano. Acho que

isso pode ajudar no sentido mais conceitual de sustentação para, se for útil, a CPI,

obviamente. E na segunda parte, exatamente, essa pesquisa que nós publicamos,

onde a gente acaba constatando que a legislação brasileira para a doação de

órgãos é ineficiente e ela possibilita a compra, a venda principalmente de rins a

partir do doador vivo não-parente. A lei brasileira, de 1997 para cá, possibilitou o

não-parente — principalmente depois de modificações de 1999 —, doar. A lei antiga

só dizia que o parente ia até o primeiro grau, marido e mulher, pai e filha, mãe e

filha, e agora abriu para todas as pessoas a possibilidade de doar. Só que havia na

lei, há na lei, um elemento legal, que seria um impeditivo. Mas, com essa pesquisa,

nós comprovamos que esse elemento impeditivo é de uma fragilidade absoluta.

Então, a lei, ao invés de proteger os vulneráveis, ela vulnerabilizou os vulneráveis.

Quer dizer, no Brasil, depois que essa lei entrou em vigência — e eu vou mostrar

esses dados aqui da ABTO e do Ministério da Saúde —, o número maior de

transplantes renais no Brasil era com doador cadáver, que é o melhor doador. Hoje,

as questões clínicas são muito similares. O seguimento dos pacientes, o sucesso

terapêutico entre o doador cadáver e doador vivo são muito próximos. A diferença é

1%, 1% a 2%. Então, a idéia, realmente, é nós termos bom sistema de capitação. E

no Brasil não faltam cadáveres. Com tanta briga nos morros, com tanto acidente de

trânsito, com as nossas estradas ruins, não faltam, então, cadáveres para doação.

Então, o problema de falta de órgãos para transplantes no Brasil não é de ausência

de órgão. É de problema de falta de capitação, de mecanismo de capitação. E como

a lei, agora, possibilita aos vivos não-parentes doarem, o que aconteceu de 1999

para cá? Aumentou. Hoje, nós temos um número muito superior de doadores vivos

para transplantes renais em comparação com doador cadáver. Isso, aí, é uma

excrescência, no sentido universal, porque no mundo inteiro os transplantes renais

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são, aproximadamente, dois terços provenientes de cadáver e um terço de vivo. No

Brasil, estamos caminhando para dois terços de vivo e um terço de cadáver. Isso

mostra, então, que, quando a lei entrou, começou a haver muito mais estímulo a

doação inter vivos. Isso além de ter desestimulado a capitação de órgãos de

cadáver, que é a melhor, estimulou também a questão da mercantilização: pessoas

pobres tendo que vender, acabam vendendo, e protegidos pela lei, o que é pior.

Então, eu acho que se esta CPI tomar essa corajosa decisão — e eu vou deixar

esses documentos como acadêmico, como pesquisador para dar sustentação às

propostas do senhores —, eu acho que é de bom tom, neste momento, o País fazer

uma revisão na lei brasileira das doações de órgãos. E esta CPI poderia ter um

papel extraordinariamente importante nesse aspecto. Eu estou falando hoje aqui, na

Casa do povo, e falei exatamente isso há duas semanas aqui, na Academia de

Tênis de Brasília. Eu tive a honra de ser convidado para dar conferência de abertura

do Congresso Brasileiro de Capitação de Órgãos, onde o Ministro fez a abertura, e

falei, exatamente, essas mesmas coisas. Eles ficaram muito preocupados. Então,

vejam, eu acho que o papel desta CPI pode ser muito importante nesse sentido para

melhorar as coisas. Eu vou, então, fazer uma projeção, vou projetar transparências,

porque vai ficar mais fácil. (Segue-se exibição de imagens.) Eu vou dividir a

apresentação em duas partes: a primeira parte exatamente essa tentativa de

classificação para a questão da mercantilização humana. O Mercado Humano

- Estudo Bioético da Compra e Venda de Partes do Corpo. É esse livro do Giovanni

Berlinguer e meu, editado pela Editora UnB, na 2ª edição, em 2001, e pela Baldini

Castoldi, que é uma importante editora italiana, de Milão.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Professor, eu queria só

pedir que apagassem as luzes para que facilitasse aqui. Já fui atendido.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Obrigado, Deputado. Então, nesse estudo, nós

fizemos uma viagem do mercado primitivo ao mercado tecnológico. A coisa não

mudou, essencialmente. Antigamente, as pessoas eram vendidas inteiras, os

escravos. Então, nós, infelizmente, “avançamos” — entre aspas — ao mercado

tecnológico da compra e venda de partes separadas do corpo. Nós propomos que

esses usos e, principalmente, os abusos do corpo humano têm 4 razões

fundamentais: a primeira razão dessa mercantilização humana é a razão

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socioeconômica, a fragilidade econômico-social das pessoas que são obrigadas a

vender. Tem um caso típico na literatura internacional que aconteceu na Inglaterra,

com o maior transplantador de rins da Inglaterra, o Dr. Raymond Crockett. Ele fez

transplantes renais com doação a partir de 4 cidadãos turcos. Isso foi publicado pela

British Medical Journal, que é uma das revistas mais importantes do mundo

médicas. O Dr. Crockett foi para a cadeia e teve o diploma dele cassado, apesar da

alta qualidade acadêmica dele, por ter, exatamente, comprado esses rins de

cidadãos turcos, que eram cidadãos vulneráveis. Um desses cidadãos turcos teve

que vender o rim, porque uma filhinha dele, de 7 anos de idade, estava com

leucemia e ele precisava de dinheiro para pagar o tratamento. Quer dizer, essa

vulnerabilidade das pessoas. Então, a razão socioeconômica é a primeira; razões

socioculturais é a segunda. Por exemplo, os japoneses, os budistas têm dificuldade

em doar órgãos; os muçulmanos também, com a questão que se o corpo não entrar

íntegro no paraíso, Alá não recebe o corpo. Então, têm razões socioculturais que

entram nessa questão também. Estruturas públicas inadequadas, certamente, são

um aspecto fundamental, porque aqui entra a questão da legislação, que tem que

ser bem aprimorada de acordo com a moralidade de cada país e, principalmente, as

estruturas de capitação, de controle de listas únicas de pacientes, etc. Então, as

estruturas públicas têm de funcionar bem. Se elas forem inadequadas, elas

possibilitam os abusos com o corpo humano. E os limites indefinidos entre a ciência

e a ética. Eu vou passar meio rápido para não me estender demais e não prejudicar

no tempo. Então, as classificações possíveis que nós propomos para o mercado

humano: primeiro, com base nas condições do corpo, se o corpo está vivo ou se o

corpo está morto. Têm pessoas que vendem o corpo, hoje, em vida. Existem

empresas norte-americanas. Isso, aí, é o país do mercado, quer dizer, tudo se

compra, tudo se vende. Às pessoas vulneráveis é oferecido: “Nós pagamos 10

dólares, se você assinar um documento que, quando você morrer, os seus órgãos

são da nossa empresa.” E essa empresa lucra 200, 300.000 dólares. Eu vou mostrar

como é que isso se dá: com base na vontade autônoma do indivíduo — e esses

países são anglo-saxônicos, que dão um superdimensionamento ao princípio da

autonomia, as pessoas são autônomas, e elas sendo autônomas têm direito sobre

seu próprio corpo. Eu vou colocar uma tese em contrário a partir do filósofo

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Immanuel Kant e com base nas bases e funções do corpo. O corpo tem partes

regeneráveis, como o sangue, como o fígado, como a medula. E começa a haver

alguns abusos no campo hepático, porque o fígado se regenera. Mas é complexo

você retirar uma parte de fígado para fazer um transplante de fígado. É uma coisa

que já tem que ser feita com mais cuidado, mas o sangue é menos complexo. E a

medula, hoje, tem ajudado muito em caso de leucemia e outros. Então, essa é uma

parte de doação. E começa, também, a haver, de certa forma, o mercado nessa

compra e venda de medula. E nas partes não regeneráveis, nas duplas, como os

rins. Os rins não são regeneráveis, mas são duplos. Então, a pessoa acaba doando

ou vendendo um rim. Na Revista Bioética, do Conselho Federal de Medicina — e eu

queria registrar a presença aqui do Dr. José Eduardo de Siqueira, um eminente

cardiologista de Londrina, no Paraná, e que é Vice-Presidente da Sociedade

Brasileira de Bioética, ele lembra desse número da Revista Bioética, do CFM —, um

dos casos clínicos que nós discutimos há alguns anos — eu era um dos editores,

nessa época — é o de um senhor, um lavrador do interior do Ceará, que teve um

problema renal, foi para o hospital de Fortaleza e, radiograficamente, foi constatado

que esse homem só tinha um rim. Ele tinha doado o outro rim para o filho do patrão,

que era o dono da fazenda, que teve a necessidade. E ele ganhou uma casa com

isso. Então, vejam como há essas coisas de vulnerabilidade. Isso está na Revista

Bioética, do CFM, e acho que pode ser incorporado. A revista é facilmente

encontrada pela biblioteca da Casa. Então, as partes não-regeneráveis são os rins,

que criam problemas, não é? E as partes únicas, essenciais, como o coração e o

pâncreas, essas aí, realmente, só depois de morto. Então, é uma classificação que

eu acho que é importante para as pessoas leigas entenderem todas essas questões.

O catálogo de mercadorias. Então, nesse livro, já que é mercado, é mercadoria,

compra e venda. Então, em primeiro lugar, a escravidão e a servidão. Servidão, nós

sabemos que infelizmente em alguns Estados brasileiros ainda resiste em áreas

rurais, em áreas de desmatamento. Adoções pagas: crianças adotadas sob

pagamento, sejam crianças nascidas ou sejam fetos. O Correio Braziliense, por

intermédio da Deputada, perdão, da jornalista Beatriz Magno, ganhou um prêmio,

alguns anos atrás. Fez uma denúncia: a de que na cidade de Palhoça, em Santa

Catarina — esse material do Correio Braziliense também pode ser facilmente

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adquirido pela Comissão, não é? —, eram contratadas mulheres grávidas por

empresas, e o casal de estrangeiros ficava esperando em Florianópolis. Quando o

bebê nascia — tudo mancomunado com médicos, com cartórios —, o casal já

tomava a criança, pagava para a mulher, ia ao cartório e registrava o bebê como

filho legítimo. Então, vejam que existiam mecanismos mais sutis. Quer dizer, é uma

compra e venda. É uma adoção, que, na realidade, não é adoção, é a compra de um

feto, não é? Então, as formas são as mais variadas e criativas possíveis dentro

desse macabro mercado humano. A venda de uso. A vendo de uso nós

classificamos para quê? A venda de uso do corpo. Por exemplo, a prostituição. A

mulher está vendendo o seu corpo. Isso é uma forma de mercantilização do corpo.

Exploração do trabalho assalariado: o trabalhador que está despendendo a sua

energia por um salário muito aquém do que ele teria direito. Isso também é uma

venda de uso do corpo. Uma pessoa que trabalha em computadores 10, 12 horas

por dia, que depois vai ter uma doença irreversível. E os aluguéis de útero. O

aluguel de útero também é uma forma de venda de uso. A mulher vende o uso do

seu útero por 6, 7, 8, 9, 10 meses, não é? Quarta classificação: as cobaias humanas

remuneradas para pesquisa. Isso, felizmente, no Brasil é proibido. Eu estive há 15

dias na Itália, e um sobrinho meu, que está morando em Milão, me disse: “Olha, um

amigo meu que está morando em Londres ficou internado no hospital lá 15 dias. Ele

se submeteu a uma pesquisa de um novo antiinflamatório e ganhou mil libras”.

Então, vejam que nos países capitalistas essas coisas são possíveis. Nos Estados

Unidos existem bancos privados de sangue, de esperma, de óvulos. Felizmente,

nós, no Brasil, depois da Constituição de 1988, não temos mais isso, não é? Isso é

obrigatoriamente público. Então, as cobaias humanas remuneradas para pesquisa.

Mas é importante a gente relatar, porque no Brasil não está havendo, não existe

denúncia. Quer dizer, provavelmente não está havendo. E essa, que eu acho que é

parte importante para esta CPI, que é a compra e venda de partes separadas

— sangue e medula, esperma, óvulos e órgãos reprodutivos, placenta, embriões e

fetos. Placenta, por exemplo. A placenta era considerada juridicamente, há muitos

anos, como res nullius — do latim, restos que não têm mais finalidade, que são

jogados fora. Hoje em dia, nada mais deixa de ser aproveitado. Tudo é aproveitado.

A placenta, para a confecção de cosméticos; o cordão umbilical, para células-tronco

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embrionárias. Quer dizer, tudo tem uso e tem valor: placenta, embriões, fetos, DNA e

células — entre elas, as células-tronco embrionárias, que são objeto de uma

discussão aqui nesta Casa, na questão da Lei de Biossegurança — e tecidos e

órgãos para transplantes. Então, vejam que o catálogo de mercadorias é muito

grande, não é? Nós estamos aqui neste último, mas acho que é importante

contextualizar toda a situação. Mas certamente o objeto deste nosso trabalho foi

mais centralizado na questão de órgão. Eu queria colocar 2 exemplos históricos da

literatura sobre a questão da mercantilização, para mostrar como isso não é novo.

Na imortal obra Os Miseráveis, de Victor Hugo, a heroína do livro é uma mulher

chamada Fantine. E a Fantine, no século XVIII, é uma mulher que fica mãe solteira e

é discriminada pela sociedade. Sendo discriminada pela sociedade, ela teve que

encontrar todas as formas para sustentar a sua filhinha Cosette. E Victor Hugo conta

que, para Fantine sustentar Cosette, ela teve que inicialmente vender os seus belos

cabelos louros, por 10 francos, na época. Depois teve que vender os seus 2

incisivos centrais para a confecção de próteses — porque as pessoas não pegavam

dentes de cadáveres —, por 2 napoleões de ouro. E depois, arremata Victor Hugo,

Fantine se prostituiu, vendeu o seu corpo. Aí ele arremata: “A miséria oferece e a

sociedade compra”. Quer dizer, no mercado de rins é a mesma coisa que acontece

hoje no século XXI. Então, vejam que nós não avançamos muito. O segundo

exemplo é o de O Mercador de Veneza, que William Shakespeare escreveu em

1500, no qual um judeu, um agiota chamado Shylock, emprestou dinheiro para um

italiano, um veneziano chamado Bassanio. O Bassanio estava muito apertado, com

problemas econômicos seriíssimos. O Bassanio teve que encontrar um avalista e

pegou, como avalista, o seu amigo Antonio. Mas o Antonio também não tinha

posses. Então Shylock disse o seguinte: “Não, você não precisa ter posses para ser

avalista. Você vai fazer o seguinte: nós vamos fazer um contrato em cartório e você

vai colocar no contrato que, se vocês não me pagarem, eu tenho o direito de tirar

uma libra da sua preciosa carne cristã”. E o Antonio assinou como avalista: ”Está

bom. Nós vamos pagar e, se nós não pagarmos, você vai poder tirar uma libra da

minha carne”. Eles não conseguiram pagar. Aí Shylock, como era um agiota muito

perverso, disse assim: “Eu agora quero retirar a libra de carne que está no contrato”.

E foi feita uma sessão pública em Veneza e foi dada uma navalha para o Shylock

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retirar a libra de carne de Antonio. Aí surge uma mulher que era muito apaixonada

pelo Antonio — e que não queria vê-lo morrer, esvaindo-se em sangue —, chamada

Porzia, disfarçada de jurista. E Porzia disse o seguinte — veja que coisa

extraordinária de Shakespeare: “O Sr. Shylock poderá retirar 1 libra de carne,

porque isso está no contrato, mas terá que ser exatamente 1 libra: não pode ser

nem 1 grama a mais nem 1 grama a menos. Em segundo lugar, para o senhor

retirar essa libra de carne, não está previsto no contrato que o senhor retirará

qualquer gota de sangue. Então, se, na sua retirada da libra de carne, verter 1 gota

sequer de sangue cristão de Antonio, todos os seus bens serão confiscados pelas

leis de Veneza”. Então, vejam, é um exemplo extraordinário da história e da

literatura de como essa questão da mercantilização já estava embutida na nossa

literatura com 2 grandes autores, que são Victor Hugo e William Shakespeare. A

próxima, por favor. Para que também os Deputados vejam como essa coisa está

evoluindo para o lado macabro, o lado da defesa da mercantilização, vários

bioeticistas... A bioética trabalha com valores pluralistas. Então, um valor defendido

é a autonomia dos sujeitos sociais. Esse senhor, A. S. Daar, é um grande

transplantista. Ele é membro da Comissão de Ética da Transplantation Society, a

Associação Internacional de Transplantes. Em 1992, ele propôs essa classificação

para aquisição de órgãos — tenho essa referência bibliográfica aqui no livro:

primeira forma de doação, doação entre parentes vivos; segunda, doação de

pessoas emocionalmente relacionadas com o receptor; terceira, doações

altruísticas, de outras pessoas; quarta, ele já coloca aqui essas duas categorias

mercantilistas, a rewarded donors, que significa doações com incentivos — você dá

um incentivo financeiro e a pessoa doa. Veja, é sutil. Isso aí é a diplomacia da

terminologia. Usam termos sofisticados para encobrir que, na realidade, o que existe

é mercado mesmo; é um pobre vendendo e uma pessoa com poder de compra

comprando. Agora, essa aqui é pior: rewarded gifting. Gift, em inglês, é presente.

Uma criança ganha um gift, um presente de aniversário. Então, o rewarded gifting é

doação recompensada. Eu te dou um rim e você me dá um presente em dinheiro de

volta. Quer dizer, isso aqui já está embutido no léxico internacional de transplantes,

infelizmente. Não no nosso País! E acho que esta CPI é uma forma de obstruir isso

aí. Como a quinta ele coloca o comércio desmedido, essa compra e venda que

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houve, por exemplo, lá no Pernambuco — e que os senhores vão investigar,

certamente, com profundidade e com toda a força. E a última é a pior: doação por

coerção criminosa. Ele até separa isso do comércio desmedido. Coerção criminosa é

seqüestrar ou assassinar pessoas para retirar órgãos. Essa é uma classificação que

está colocada em revistas acadêmicas. Vocês vejam como essa coisa não é uma

coisa utópica de maneira alguma. Quando escrevemos esse livro, em 1992, muita

gente disse assim: “Mas que título horrível, O Mercado Humano”. O título era muito

agressivo. Hoje parece que isso é tão normal, como as formas sutis de incentivos a

doações de órgãos. Isso, nos Estados Unidos. Existem esse rewarded donors e

esse rewarded gifting, que eu já expliquei, doador pago e doador recompensado.

Essa aqui é extraordinária: cash death benefit . Cash é pagamento a vista; death é

morte, e benefício. Um benefício para o pagamento à vista. Quer dizer, parece que

morrer é um grande negócio, porque você faz um contrato com uma financiadora

anteriormente. Parece que é vantajoso morrer. O pagamento é antecipado e pode

ajudar nas despesas do funeral. O sujeito morre, os órgãos dele são retirados por

essa empresa, que os revende, e o dinheiro ajuda a família no funeral, enfim, nessas

coisas. Esse outro aqui é o ganho em dinheiro por vincular o consenso à doação.

Algumas vezes o sujeito morre e a família não permite que os órgãos sejam

retirados. Então, esse contrato aqui dá mais força; impede a família de alterar o

contrato. A família se nega a cumprir o compromisso de entregar os órgãos que

ficaram acertados com o morto ainda em vida. Essa modalidade envolve todos os

interessados, mortos e vivos, na manutenção de um compromisso, e passa a ser

inalienável, porque o contrato é feito em cartório. Para terminar esta primeira parte,

eu queria colocar essa questão do Kant. É uma frase de Immanuel Kant, um dos

grandes filósofos, o grande filósofo da ética, não é? Hoje não é mais... No livro dele,

Lições sobre Ética, que ele escreveu na Universidade de Koenigsberg, entre 1778 e

1780, eu acho que o Kant resolve essa questão. E eu vou deixar essa frase de Kant,

que é uma frase fundamental da academia, da filosofia e da ciência, que pode ajudar

a CPI. “O corpo constitui a condição absoluta da vida, a tal ponto que nós não

podemos ter uma idéia de uma outra vida, senão mediante o nosso corpo. E não nos

é possível usar de nossa liberdade, senão servindo-nos do nosso corpo”. A

liberdade do ir e vir. O nosso corpo é que nos dá essa liberdade de nós estarmos

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aqui hoje, segundo Kant. “O homem não é propriedade de si mesmo, visto que isso

seria contraditório”. Isto aqui é extraordinário. “É contraditório o homem ser

propriedade de si mesmo, na medida em que, de fato, ele é uma pessoa, ele é um

indivíduo, ao qual pode pertencer a propriedade de outras coisas. Se, ao contrário,

fosse uma propriedade de si mesmo, ele seria uma coisa, e é impossível uma

pessoa ser pessoa e coisa ao mesmo tempo”, segundo Kant. Eu acho isso

extraordinário. É muito simples, mas extraordinário. Então, a partir daí, com base

nisso, não lhe é permitido vender sequer um dente ou qualquer parte de si mesmo

— na época, em 1778, vendiam-se dentes, não é? Eu acho que essa frase do Kant,

de 220 anos atrás, é extremamente atual, filosoficamente, para dar sustentação às

posições desta CPI. Eu termino, então, esta primeira parte, com a conclusão desse

livro meu e do Prof. Berlinguer: “Dom de Deus” — para aqueles que acreditam na

sacralidade da vida humana; que Deus deu a vida e Deus somente que a pode tirar

—, “dom da natureza” — para aqueles que acreditam que a vida humana é um

produto de um processo natural de desenvolvimento —, “a vida humana não tem

preço. Jamais poderá ou deverá ser objeto de compra e venda, em qualquer

circunstância” — mesmo que seja circunstância de vulnerabilidade para o doador.

Eu, agora, na segunda parte da minha exposição, rapidamente vou apresentar uma

pesquisa desenvolvida sob minha orientação por duas alunas da Universidade de

Brasília, que foi publicada recentemente na revista da Associação Médica Brasileira.

A revista da Associação Médica Brasileira é classificada pela CAPES e pelo

Ministério da Educação como uma revista Qualis “A”, ou seja, de primeira qualidade,

dentro das publicações acadêmicas brasileiras. O tema é Estudo Bioético dos

Transplantes Renais com Doadores Vivos Não-Parentes no Brasil. Nós tínhamos a

suspeita de que estava existindo muita comercialização aqui. Está publicado, então,

no nº 49 (4), de 2003. Lúcia Eugênia Velloso Passarinho e Maura Pedroso

Gonçalves foram as 2 pesquisadoras, alunas nossas, que eu orientei. Para que os

Deputados tenham uma idéia, esse quadro é da Associação Brasileira de

Transplantes de Órgãos — ABTO: Transplante renal, por tipo de doador, no período

de 1995 a 1997 e no período de 1998 a 2000. Por tipo de doador: doador vivo ou

doador cadáver. De 95 a 97, os doadores vivos eram 51%. Em 98, quando mudou a

lei, passaram a ser 57%. Aumentou o percentual de doadores vivos no País, depois

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da lei. Doador cadáver, que era de 49%, caiu significativamente, para 43%. Então,

nós temos uma diferença de 14% aqui, quando nos países desenvolvidos é de 2%

de cadáver para 1% de vivo. É preferível usar órgãos de cadáver aos de pessoas

vivas, que vão doar um rim e vão ficar somente com um. Então, a predominância,

que era de 2%, subiu para 14% — o que é muito significativo — depois da mudança

da lei. Este aqui é mais claro, eu acho, porque mostra, em gráfico, como essa coisa

se deu. Em 1995, nós tínhamos doador vivo e doador cadáver. Em 95, tinha mais

doador cadáver do que vivo. Em 96 já começou a mudar. Em 97, 98, 99 e, vejam

aqui, em 2000 — o dado mais recente que eu tenho —, o número de doadores vivos

é muito maior do que o de cadáveres. Quer dizer, a lei estimulou a doação entre

pessoas vivas e desestimulou a captação de órgãos de cadáveres, coisa muito ruim,

sob o ponto de vista técnico e ético. E aqui, mostrando alguns Estados — são dados

também da ABTO. Por exemplo, Alagoas teve um aumento de 325%; Bahia, 85%;

Goiás, 203%, e assim vai. Santa Catarina, 219%; São Paulo é alto, 76%. Enfim, com

a lei, começou a haver muito mais transplante renal a partir de doadores vivos. E aí

eu comecei perguntar: desses doadores vivos, eu quero saber o percentual dos

parentes e dos não-parentes. Essa é uma questão fundamental. E, entre os

não-parentes, a segunda pergunta: a percentagem de pessoas com renda de menos

de 5 salários mínimos mensais, ou seja, o percentual de pobres entre os doadores

não-parentes. Esses dados até hoje não nos são fornecidos. Nós não temos esses

elementos. Então, nós resolvemos fazer esse projeto de pesquisa para.... Esse aqui

pode passar, por favor — é a mesma coisa —, para ser mais rápido, porque eu não

quero tomar muito tempo. Então, esse trabalho teve o seguinte objetivo: nós

pegamos a opinião de 5 diferentes segmentos sociais, aqui de Brasília: promotores

públicos, que são pessoas públicas; magistrados, juízes; população em geral,

pacientes que estavam na lista de espera para receber transplante renal aqui em

Brasília e profissionais da área de transplantes. Pegamos 5 grupos de pessoas para

entrevistar a respeito da lei que regulamenta a doação de órgãos para transplantes,

particularizando a doação de rim por doador vivo não-parente, agora com sua nova

redação, dada pela Lei nº 10.211, de 23 de março de 2001, especificamente no seu

art. 9º. Então, vamos ver o resultado da pesquisa. Foram entrevistadas 100 pessoas.

O questionário foi aplicado no final de 2001. Cem pessoas foram pesquisadas, na

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cidade de Brasília, pertencentes a 5 grupos distintos: 20 promotores públicos, 20

juízes de Direito, 20 pessoas da população em geral — nós pegamos aí na

rodoviária —, 20 pacientes renais crônicos em lista de espera para transplante renal

e 20 profissionais da equipe técnica de transplante renal da Universidade de

Brasília. Os senhores vão ver que é surpreendente a diferença das respostas em

alguns quesitos entre os 2 primeiros grupos — juízes e promotores — e o dos

profissionais da equipe de transplantes, sobre o tema. A primeira pergunta era sobre

as pessoas favoráveis ou desfavoráveis à doação de rins. Nós perguntamos: ”Vocês

são favoráveis à doação entre pessoas não aparentadas?” Os promotores públicos,

totalmente favoráveis. Os 20 foram favoráveis. Os juízes, 18 favoráveis e 2

desfavoráveis. A equipe técnica, 12 contrários e 8 favoráveis. Então, a posição da

equipe técnica é completamente diferente da de juízes, promotores, da população

em geral e dos próprios pacientes. Quer dizer, a equipe que conhece essa questão é

preocupada. Para os senhores verem, esse trabalho de pesquisa foi feito por duas

alunas do nosso curso de especialização. Nós temos, na UNB, um curso de

especialização em Bioética. Já estamos no 6º ano. Neste ano estamos com 33

alunos. Vários alunos estão aqui presentes, e também algumas autoridades — como

o Dr. Armando Raggio, o homem que introduziu no Brasil a questão de cidades

saudáveis, foi Presidente do CONASS, Secretário de Saúde do Paraná. Esse curso

já está no sexto ano, e esses são projetos de pesquisa que saem desses cursos.

Quer dizer, é a Universidade produzindo conhecimento para ajudar o nosso

Legislativo, o Executivo. A segunda pergunta foi sobre se as pessoas aceitariam a

possibilidade de pagar ou não por um rim. Eu pergunto aos Srs. Deputados e às

pessoas aqui presentes: se tiverem um filho doente — espero que não tenham —,

que precise desesperadamente de um rim, vocês tentam salvar seu filho, ou a

pessoa querida, ou a esposa, enfim? Então, as pessoas responderam à pergunta:

“Aceitariam a possibilidade de pagar por um rim?” Quatorze em 20 promotores

pagariam; 17 juízes em 20 pagariam; 17 pessoas da população pagariam.

Surpreendentemente, os pacientes da lista de espera têm uma noção pública muito

forte: não pagariam; a maioria não pagaria. E, das pessoas da equipe técnica, 17

não pagariam. Dos médicos, nenhum pagaria — eram médicos, enfermeiros,

psicólogos, enfim. Esse já foi um dado diferencial. Agora, pessoas que acreditam ou

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não em doação solidária isenta de pagamento. “Você acreditaria que um

não-parente doaria um rim sem pagamento?” Os promotores públicos acreditam; os

juízes também acreditam; a população também acredita. Quem não acredita é a

equipe técnica. A equipe técnica desconfia dessa doação isenta de interesses. E

essa eu acho que é a última questão. Depois a gente tem as conclusões. Esta é aqui

é a pergunta mais importante do projeto: pessoas que acham que a lei brasileira

proporciona ou não a possibilidade de comércio. “A lei proporciona a possibilidade

de comércio ou ela a obstaculiza?” Vejam, Srs. Deputados, 17 promotores dizem

que a lei não proporciona a possibilidade, e os juízes também. Perdão, os juízes e

promotores acham que a lei proporciona a possibilidade de comércio. Quer dizer, a

lei é vulnerável. A lei proporciona a todos eles. Da equipe técnica, 100% acha que a

lei proporciona o comércio. Doze juízes em 20 acham que a lei proporciona o

comércio, a maioria, 60%; e 17 promotores em 20 acham que a lei proporciona.

Quer dizer, a nossa lei tem que ser revista. Eu queria deixar esse apelo para os

senhores. Eu acho que nós temos que acabar com a doação de doador vivo

não-parente no Brasil. Doador vivo, só o aparentado de 1º grau — pai e filho, mãe e

filha —, como era na lei anterior. Essa era a questão-chave. É um dos problemas. E

o outro problema da doação — pode passar para a próxima, por favor — eu acho

que é uma questão, que ainda continua na lei, da doação presumida. E aqui eu

queria fazer um depoimento. A Câmara teve uma papel extraordinariamente

importante, através da Comissão de Seguridade Social e da Família, em 1997, que

fez uma audiência pública para discutir a lei da doação de órgãos. E a Câmara

decidiu por maioria, foram 14 votos a zero — eu fui uma das pessoas que depus

naquela audiência pública —, a favor da doação explicitada, ou seja, que os

documentos brasileiros contivessem a expressão: “Eu quero ser doador” ou “Sim,

sou doador”. A proposta da Câmara, correta, foi para o Senado, e o Senado

inverteu. E passou a imperar, no Brasil, o silêncio do consenso, ou seja, as pessoas

que não se manifestarem passam a ser doadoras, a partir do pressuposto de que o

corpo está morto, de que salvar uma vida é um bem maior. Só que não adianta

querer fazer lei avançada. Essa é uma lei avançada. A Áustria e a Bélgica têm esse

tipo de lei. Mas a moralidade da nossa sociedade é diferente. E o que aconteceu?

Aconteceu que essa lei atrasou 10 anos o processo de doação de órgãos no Brasil,

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por culpa do Senado, que não fez audiência pública e que, arrogantemente, não

levou em consideração o que a Câmara tinha encaminhado para lá. Foi uma votação

muito rápida. O Senador Darcy Ribeiro — uma grande figura, meu amigo, fundador

da minha universidade — estava já no final da sua vida e se envolveu muito com a

questão da doação presumida. Então, foi uma votação muito emocional no Senado.

Mas a lei trouxe prejuízos muito grandes. Hoje, por exemplo, se eu doar em vida um

rim meu e, quando eu morrer, um filho meu disser que não aceita a doação, a lei

permite. Quer dizer, é uma lei paternalista. Eu, em vida, quero ser doador, eu não

quero que nenhum filho meu, ou mulher, ou mãe, que ninguém mude a minha

decisão em vida. A lei brasileira permite que essa decisão seja mudada. Quer dizer,

é uma lei paternalista. Eu acho que a vontade em vida, autônoma, livre, tem que ser

mantida, depois de determinada. Eu acho que, nos casos de dúvida, sim, a família

tem que ser consultada. Esse é outro aspecto importante, que eu gostaria de deixar

para a CPI. E eu acho também que deveria definitivamente a doação ser afirmativa.

Já está isso, mas através de medida provisória, de emenda. Acho que ela devia ser

refeita e isso ficar claro: no documento do doador vai que ele é doador e pronto, e

ponto final. Essa é a conclusão. Agora vamos ver o que a gente conclui desse

trabalho, para terminar. “A metodologia aplicada na presente pesquisa permitiu

revelar tendências indicativas de que coexistem vários impulsos motivadores, que,

somados, sugerem o encaminhamento para a lógica individualista, capitalista” — ou

seja, de compra e venda —, “ao se tratar do tema relativo à necessidade de órgãos

para transplante”. A próxima. Eu já estou terminando. Apesar desses artigos que

mostrei e de a Transplantation Society querer colocar essa questão da possibilidade

de compra e venda de órgãos, há um consenso majoritário internacionalmente nos

meios acadêmicos de rejeição ao mercado de órgãos. Felizmente, nós temos um

consenso majoritário no sentido da rejeição, definindo que uma pessoa não pode

vender parte do seu corpo, mesmo em situação de extrema necessidade terapêutica

de transplante. “Entretanto, os resultados obtidos na presente pesquisa, em que alta

porcentagem de promotores públicos, juízes e população em geral se mostram

dispostos a comprar um rim para transplante por necessidade própria ou de algum

ente querido, conduzem à reflexão sobre o grande aumento das doações em vida,

de rim para transplante, constatado nos 3 últimos anos no Brasil.” Quer dizer, como

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eu mostrei, aumentou muito a doação em vida. Então, provavelmente está havendo

uma comercialização aí. “Ao mesmo tempo, é necessário mencionar a ineficácia

histórica do sistema de captação de órgãos de doadores cadáveres.” Eu sei de um

caso, aqui de Brasília, em que morreu o irmão de um Ministro, no Rio de Janeiro, há

alguns anos, e a família queria doar os órgãos. O Hospital de Base, aqui de Brasília,

na Capital da República, situado a 2 quilômetros daqui, não conseguiu captar os

órgãos do irmão de um Ministro de Estado. Então, vejam que o sistema realmente

tem uma ineficácia muito grande. O Ministério da Saúde, com esse Congresso que

houve há duas semanas, está tentando recompor essa questão dos sistemas de

captação. Eu acho que o tema da morte encefálica tem que ser levado a fundo por

esta Comissão. A morte encefálica eu acho que é um diagnóstico seguro. Acontece

que a maioria dos hospitais brasileiros não tem condições técnicas de dar segurança

para um diagnóstico adequado de morte encefálica. Então, isso tem que ser visto

com mais rigor também. Então, não é que ele seja ruim; ele bom, sim. Eu até vou

aproveitar para mencionar um exemplo que o Prof. Siqueira sempre cita: o primeiro

transplante cardíaco ocorrido no mundo foi em 1967. Christian Barnard, lembram?

Não? Transplante de coração na África no Sul. Naquela época, Deputados, não

havia ainda o diagnóstico de morte encefálica. O diagnóstico era de morte

cardiorrespiratória. Morte era quando o pulmão parava de funcionar e o coração

parava de funcionar. Ora, se o pulmão e o coração param de funcionar, não podem

ser transplantados, porque o órgão já não serve para transplante. Como é que o

Christian Barnard tirou o coração de uma pessoa para transplantar em outra? Ele

tirou de um negro africano vivo para transplantar num branco africano, que foi

beneficiado. Vejam como essas coisas são escabrosas na história. Por isso que

Christian Barnard era contrário ao controle externo sobre a pesquisa e sobre essas

coisas. Eu vou terminando. “As tímidas e quase inexistentes campanhas

incentivadoras de doações de órgãos são desprovidas de sistematização e

continuidade.” Não deveriam ser campanhas horizontais casuísticas; deveriam ser

programas verticais, horizontais e continuados. Vale citar os seguintes dados

estatísticos: enquanto que no Brasil a taxa de doares de órgãos encontra-se em

torno de 4 a 5 doadores por milhão de habitantes, na Itália são 13, na Inglaterra são

16, nos Estados Unidos da América são 21, na Espanha já chega a quase 40. Eu

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estou com os dados atrasados. O país com índice mais alto de doação de órgãos no

mundo é a Espanha. A próxima, por favor. Então, nós temos que estimular muito a

doação altruística e generosa, que é a melhor forma, então, de a gente evitar o

mercado. “O descrédito entre os sujeitos da atual pesquisa em relação à eficiência

da lei brasileira em coibir a prática da doação remunerada de órgãos foi evidente.

Todos os grupos entrevistados, incluindo os operadores do Direito — juízes e

promotores públicos —, foram enfáticos no sentido de que a exigência de

autorização judicial para a realização de transplante com doador vivo não-parente do

receptor não representa óbice” — ou seja, obstrução — “à comercialização de

órgãos.” Essa foi uma conclusão dos próprios promotores e juízes de Direito. Ou

seja, a lei, realmente, ao invés de proteger os vulneráveis, “vulnerabilizou-os”.

“Conclui-se ser imperioso o aperfeiçoamento da legislação” — e esta CPI pode ter

um papel extraordinário e concreto nisso; isso é possível; eu acho que é bem-vindo,

inclusive para as próprias entidades de transplantes; isso é bem-vindo para o

Ministério da Saúde — “que regulamenta a doação de órgãos entre vivos

não-parentes, como forma de intervenção do Estado no interesse maior da

coletividade, protegendo a ética, a moral e a saúde, para que situações angustiantes

não precipitem decisões irreversíveis, antiéticas e até ilegais, lesivas aos cidadãos,

notadamente aos de menor poder aquisitivo e de menor grau de instrução.” Uma das

respostas de um juiz foi dramática. Ele disse: “Mas eu, apesar de saber que é

errado, se tivesse um filho necessitando de um rim, compraria”. São situações

dramáticas. Então, o Estado tem que prover formas de que isso não se torne

necessário. “Sugerem-se à Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, ao

Ministério da Saúde” — e a esta Casa — “esforços no sentido de verificar os

percentuais nacionais e estaduais acerca da utilização de rim de doadores vivos em

transplantes, com dados estatísticos de doadores parentes e não-parentes.” Este

dado nós não temos: dos doadores vivos, quantos por cento são parentes e quantos

são não-parentes; dos não-parentes, qual é a percentagem de pobres. Entre os

não-parentes deve ser realizada pesquisa socioeconômica para que se verifique

eventualmente o comércio ilegal de órgãos entre aqueles que recebem

mensalmente até 5 salários mínimos, ou seja, os mais vulneráveis economicamente,

que são obrigados a vender para quitar a hipoteca de uma casa ou para salvar a

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vida de um filho. Propõe-se, ainda — um fato importante —, que seja efetuado o

seguimento dos doadores em vida, porque o sujeito doa, o pessoal se preocupa com

o receptor e não se preocupa com o doador. A nova lei deveria obrigar o seguimento

do doador em vida, com critérios bem definidos de avaliação do seu estado de

saúde e acompanhamento por determinado período após a doação. Eu acho que

terminou. Então, eram essas as palavras e a mensagem que eu gostaria de deixar,

agradecendo mais uma vez esta muito honrosa oportunidade. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Nós é que agradecemos,

Prof. Volnei Garrafa, esse belíssimo depoimento, que nos trouxe, na verdade, muito

esclarecimento e nos despertou para algumas indagações que, acredito, sejam

importantes por parte dos membros desta Comissão Parlamentar de Inquérito. A

Comissão Parlamentar de Inquérito de Tráfico de Órgãos Humanos no Brasil foi

proposta nesta Casa para que justamente pudéssemos colaborar principalmente

com o sistema de transplantes do Brasil. Algumas dúvidas que inclusive foram

levantadas e algumas afirmações que foram feitas pelo Dr. Volnei Garrafa são

alguns dos princípios que nós estamos defendendo dento desta Comissão

Parlamentar de Inquérito Destinada a Investigar o Tráfico de Órgãos Humanos no

Brasil. Sabemos que essa contribuição foi muito grande. Vamos, neste momento,

passar a palavra aos Parlamentares. Pela preferência, vamos passar a palavra ao

Relator, Deputado Pastor Pedro Ribeiro, e, logo em seguida, ao Deputado Zico

Bronzeado.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Prof. Volnei, quero registrar

o quanto me agradou, o quanto me deixou satisfeito ouvi-lo. Certamente isso

aconteceu com todos os que o ouviram dissertar sobre esses importantes dados que

o senhor nos traz. Quero, já, de antemão, como Relator, agradecer os volumes, ou o

volume, dos muitos materiais que o senhor trouxe. Eu quero iniciar fazendo uma

pergunta: as sugestões que o senhor apresentou no fechamento estão também

aqui?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu deixei com a Taquigrafia todo o material, para

facilitar o trabalho. Está tudo aqui.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Muito bem. Na verdade,

acho que é de grande valia termos em mãos...

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O SR. VOLNEI GARRAFA - Vou deixar o livro também, que pode ser útil,

porque tem uma bibliografia farta sobre casos de mercantilização no mundo

constatados cientificamente.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Excelente. Certamente

estaremos lendo, observando, consultando. Eu fiquei... Me chamou a atenção —

parece-me que depois terei de V.Sa. uma resposta muito farta sobre isso, completa

—, mas me chamou a atenção o caso daquele professor, daquele médico que

realizou uns transplantes — parece que era turco — e foi cassado. Era um homem

famoso, e a sua licença foi cassada. Em qual país ele realizou essa intervenção

cirúrgica?

O SR. VOLNEI GARRAFA - O cirurgião era inglês, Deputado, e foi Raymond

Crockett. Está no livro, e há a referência à revista científica em que isso saiu. Foi em

1989. O cirurgião era inglês, e foi feito na Inglaterra. A Justiça inglesa é que o julgou

como culpado, e a entidade médica responsável pelo controle da atividade médica

na Inglaterra cassou o diploma desse médico, que era o principal pesquisador e

transplantador da Inglaterra. Os doadores é que eram turcos.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Então, as leis da nação não

permitem que seja feito o transplante.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Não permitem.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - O senhor iniciou falando

sobre essa ética que está existindo, que facilita muitíssimo a mercantilização. A

visão anglo-saxônica, embora a Inglaterra seja da área, é uma visão dessa abertura

de mercantilização ou a tendência é para que seja mais vigiada, tenha mais ética, de

fato, nisso aí? Qual é a situação, hoje, dos países anglo-saxônicos?

O SR. VOLNEI GARRAFA - É muito importante e oportuna a sua pergunta,

Deputado. A cultura anglo-saxônica estimula a questão da autonomia, a

individualidade, o individualismo de Calvino. Fui orientador de uma dissertação de

mestrado de um pastor presbiteriano do Paraná, Jean Selleti, sobre as raízes

protestantes da autonomia. E a teoria principal, dentro do campo da bioética, em que

eu trabalho, é a chamada Teoria Principialista, que tem 4 princípios: o princípio da

autonomia, o da beneficência — fazer o bem para o outro, respeitar a autonomia,

não causar mal —, o da não-maleficência e o da justiça. Acontece que, nessa Teoria

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Principialista, que é anglo-saxônica, de essência, há uma maximização do eu, da

autonomia, e o nós, que é o lado da justiça, fica muito apagado, muito escondido.

Então, não é que os países tenham assumido isso, mas, dentro da teoria bioética,

essa visão do respeito à autonomia passa a ser maximizada, dando, inclusive, a

justificativa para que algumas pessoas sejam donas do seu corpo e que

autonomamente possam vendê-lo. Mas, mesmo assim, os países não estão

aceitando essa questão. Agora, nos Estados Unidos, que também é um país

anglo-saxônico, como o senhor vê, começam empresas a oferecer dinheiro, a

estimular — eles chamam de estímulos. Isso começa a fazer parte natural da

coexistência entre a ciência e esse campo.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Pelas suas observações e

pelos muitos estudos feitos no âmbito das nações, o senhor verifica com qual

sentimento ou qual é de fato hoje o grau de tendência das nações a absorverem

essa autonomia, esse eu que prevalece, esse ser dono de si, que facilita a

mercantilização e o tráfico que estamos vendo?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Deputado, eu acho, creio e desejo que isso aí

não vá em frente. Eu tenho a impressão...

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Mas há tendência hoje,

professor.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu acho que não. Dentro dos meios acadêmicos,

há pessoas mais agressivas, que colocam essa questão como legal. A Índia, por

exemplo, que é um país, hoje, com 1 bilhão e 100 milhões de habitantes, foi um

mercado florescente de rins nos anos 80 e 90. Pacotes turísticos eram vendidos por

18 mil dólares na Itália — eu fui a uma agência dessas em Milão — e incluíam a

viagem para a Índia — Bombaim, Nova Deli —, incluíam o transplante, o

medicamento, a ciclosporina, e mil dólares para o doador, que era um jovem indiano.

Isso aí na Índia começou, nos anos 80 e 90, a ficar uma coisa praticamente normal.

O país começou a assumir isso aí, mas, de repente, houve uma reviravolta, através

do Congresso Nacional da Índia. O Congresso estabeleceu uma imposição

contrária, e isso hoje está sendo coibido. Então, existem, eu acho, no mundo de

hoje, fatos marginais acontecendo. Tem gente escrevendo nas melhores revistas do

mundo, defendendo essa questão em nome da autonomia. E temos nós, do outro

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lado, resistindo. A maioria, eu acho, dos cientistas é de fundamentação humanista, e

eu quero crer que essa coisa não vá muito para frente. Mas tem alguns países que

são mais liberais nesse sentido do que outros e alguns países são mais frágeis do

que outros. A América Latina, por exemplo, é um continente frágil nesse sentido.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - O senhor falou com muita

veemência, há poucos minutos, da ação do Senado, quando mudou o projeto que

saiu da Câmara, liberando para que não só os parentes doassem, e praticamente

fez um apelo para que, na hora em que estamos caminhando com esta CPI,

víssemos com muito zelo, com muito cuidado isso aí. A que grau o senhor acha e a

que nível o senhor pensa que esteja — ou tem observado, tem estudado — hoje a

tendência no Brasil para essa liberalidade, para essa mercantilização, a partir dos

casos reais de que temos tido conhecimento? Quer dizer, o senhor vê que, a partir

desta CPI, com um trabalho feito com seriedade, a gente alcance, ou possa dar um

freio, ou que comece a se estabelecer na Nação com referência a essa ética?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Deputado, eu acho a CPI da maior importância e

da maior oportunidade, porque nós estamos cansados de ouvir muitos rumores,

como aquelas histórias de crianças seqüestradas de quem tiraram os órgãos. Eu fui

atrás de muitos casos em Anápolis, em São Paulo, juntamente com o Centro de

Estudos de Violência da USP. Mas nós não somos policiais, somos cientistas, e

acabamos não encontrando esses casos. Eu quero crer que esses casos hediondos

de retirada de órgãos de crianças sejam todos crendices. Mas existe muito rumor no

País e existem casos concretos, como esse de Recife, por exemplo, e outros que os

senhores certamente levantarão. Então, uma CPI desse tipo é fundamental para dar

um basta completo e clarear definitivamente essa questão no Brasil, no sentido que

este País é de origem latina, um País cristão, para o qual a mercantilização humana

é inaceitável. Eu acho que essa é a questão e essa CPI acho que pode ter uma

força extraordinária em ser — digamos — um divisor de águas para acabar com

essa boataria, que surge muito na imprensa e que, muitas vezes, a gente tem

dificuldade de desfazer. E essa boataria na imprensa é muito contraproducente no

sentido da doação de órgãos, porque as pessoas vão ficando atemorizadas e não

doam. E a doação de órgãos é uma questão generosa, altruística, cristã, de

bondade mesmo. Então, eu acho que o papel da CPI é fundamental e pode ser

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realmente um referencial, antes e depois, para essa temática, acabar com essa

história. Eu gostaria de não ter precisado escrever esse livro, sinceramente.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - O senhor participou há

poucos dias do Congresso Brasileiro de Captação de Órgãos. O senhor pôde sentir,

absorver, verificar, participar de preocupações com essas tendências, com esses

fatos reais que estamos vendo hoje nessa problemática da captação de órgãos, para

que não haja essas discrepâncias, esses desleixos? A matéria era relevante? Eram

matérias relevantes? Podemos ter acesso a elas?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu acho que sim. O Setor de Transplantes do

Ministério da Saúde tem toda essa documentação. Eles vão fazer os Anais. Acho

que certamente é só a CPI requerer. O Ministério, obrigatoriamente, tem que ceder e

certamente vai ceder com muita propriedade, com muita agilidade. Quando a gente

conversa com médicos que trabalham com transplantes, vê que são todos contrários

à questão da mercantilização. Mas eu queria deixar uma outra sugestão também

para a CPI: eu acho que o Conselho Federal de Medicina deveria tomar uma

posição mais firme com relação aos médicos que fazem transplantes, por exemplo,

renais, com doador vivo, não-parente, e que tem a suspeita de estar havendo uma

mercantilização. Uma vez, um transplantador, em Curitiba, no Paraná, me disse isso:

“Olha — era um senhor de origem árabe —, chegou um patrício meu aqui com um

doador lá do interior do Mato Grosso. Isso não é papel meu. Eu sou um médico. Eu

fiz a cirurgia”. Eu disse a ele: “Olha, eu acho que você tinha um papel”. Então, eu

acho que, nesses casos, o Conselho Federal de Medicina — e a CPI poderia dar

uma sugestão nesse sentido — deveria ser mais firme, no sentido de os médicos

transplantadores não realizarem transplantes renais com doador vivo, não-parente,

quando existir qualquer suspeita de uma pessoa muito pobre, que não tem nada a

ver com o receptor e que se constata com facilidade que há um interesse financeiro

no meio.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Prof. Volnei, eu não sou

médico. Então, não sei tratar do físico. Eu sou médico de almas; sou pregador do

Evangelho, e o meu esforço é para que as almas sejam salvas. Então, por isso, não

estou muito afeito ainda a muitas terminologias. A morte encefálica, que é

fundamental para o médico dizer que a pessoa está pronta para ser manipulada,

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para ser operada como doador de órgãos, é fundamental para essa decisão. O

senhor falou que é esse o exame. Todavia, muitos hospitais não estão prontos para

diagnosticar com segurança a morte encefálica. Quais os exames essenciais para a

caracterização da morte encefálica que os hospitais não estão bem preparados?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu participei no segundo semestre do ano

passado, em audiências públicas feitas pela Assembléia Legislativa do Rio Grande

do Sul, sobre a questão de transplantes, doação. Chegou lá um pesquisador da

Escola Paulista de Medicina, a UNIFESP — Universidade Federal de São Paulo, um

pesquisador gaúcho. Não me lembro o nome dele, acho que é... Cícero Galli

Coimbra, exatamente. Ele tem pesquisas dizendo que você usando crioterapia, ou

seja, baixando a temperatura de animais com morte encefálica, esses animais

retornam à vida. O irmão desse Dr. Cícero, que é um advogado importante, muito

agressivo, uma pessoa muito agressiva, truculento, eu diria — não me lembro o

nome dele, é uma pessoa desprezível —, esse senhor, o outro Galli, advogado, foi

extremamente descortês, porque o primeiro deles fez uma apresentação nesse

encontro em Porto Alegre, foi na Assembléia Legislativa. E eu fiz somente uma

pergunta, porque que as famílias das pessoas que estão na lista de espera ficaram

apavoradas, porque se realmente essa questão existe de que pessoas com morte

encefálica poderiam voltar à vida, essas pessoas não estão mortas. Isso aí é de uma

responsabilidade extraordinária. Ele disse que isso é feito em animais, dá alguns

exemplos em literatura e tal, mas a literatura médica internacional não reconhece

isso. Eu fiz uma pergunta para ele. Eles ficaram muito incomodados com essa minha

pergunta. Disse assim: “Doutor, nos Estados Unidos da América do Norte, que é um

país extremamente rigoroso com essas coisas, tem um órgão de controle que se

chama Food and Drugs Administration, que é similar à nossa Vigilância Sanitária

aqui no Brasil, que é muito rigorosa, e o conceito de morte encefálica existe nos

Estados Unidos há muitos anos, desde 1968. Eu quero perguntar para o senhor:

quantos processos judiciais existem contra médicos, ou contra entidades médicas,

que adotaram o conceito de morte encefálica?” Ele enrolou, enrolou, enrolou e não

respondeu. Eu disse: o senhor não me respondeu. O senhor, por favor, me responda

à pergunta. Ele baixou a cabeça assim: “Nenhum”. Ora, se essa questão de morte

encefálica é assimilada num país como os Estados Unidos, que é tão rigoroso

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nesses aspectos, e não tem nenhum processo judicial até hoje nesse sentido, isso

me dá uma segurança de que realmente isso aí seja uma coisa cientificamente

inconstatada. Então, acho que se desfaz essa dúvida. Segunda questão — e eu

relatei isso aqui: os hospitais brasileiros, infelizmente, não estão capacitados para

fazer diagnóstico de morte cerebral. Tem que ser feita uma radiografia cerebral com

contraste para ver se está havendo ou não circulação de sangue no cérebro. A

morte encefálica significa o quê? Que não está havendo circulação sangüínea

cerebral. Então, para o hospital dar o diagnóstico de morte encefálica ele tem que ter

condições técnicas para com absoluta segurança — não é 99, é 100% de segurança

— que realmente aquela pessoa esteja em estado de morte encefálica para que

seus órgãos serem retirados.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Então, estaria havendo

negligência na liberação de licenças de muitos hospitais que fazem transplantes,

que têm que usar metodologia de diagnosticar morte encefálica?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu não sei, mas eu acho que esta CPI deveria

certamente chamar o Ministério da Saúde, as pessoas responsáveis e a Associação

Brasileira de Transplantes de Órgãos para dar essas respostas aqui aos senhores.

Eu sou um professor de Bioética, não sou um médico transplantador, mas eu tenho

essa preocupação, como cidadão e como pesquisador na área de ética. Então, eu

tenho impressão de que o Brasil terá que se aparelhar melhor. Eu acho que uma

legislação mais rigorosa nesse sentido de exigência de funcionamento, e eu dei um

exemplo aqui. O Hospital de Base da Capital não conseguiu captar órgãos de um

irmão de um Ministro de Estado. Quer dizer, então, isso é complexo.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - E nós conhecemos o caso

de um garoto chamado Marcos também de 6 anos de idade. Doutor, em que se

pode aperfeiçoar o sistema de captação no País?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu acho que em vez de campanhas esporádicas,

verticais, episódicas — mês de outubro é o mês da campanha, nem sei qual é o mês

da campanha —, que o Brasil transformasse isso em programas horizontais

continuados de esclarecimento. Eu acho que se a lei mudar, se o Congresso

Nacional fizer uma programação positiva, afirmativa para a sociedade brasileira,

Deputado, a sociedade brasileira é generosa, na grande maioria é cristã, é

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humanista, o brasileiro, sendo generoso, vai ser um doador em potencial. Então,

essa que é a questão. Acho que isso tem que ser embutido no cotidiano nosso, tem

que estimular não a nossa memória de fixação, que é uma memória de vida curta,

de uma campanha, mas uma memória de conservação. Eu posso ajudar o outro

através de, se um dia eu morrer, eu doar. Uma boa lei, um bom sistema, um bom

programa horizontal e continuado de estímulo à doação e obviamente de captação e

de controle — aqui fundamental —, controle social, controle público das listas de

espera para transplantes. O controle não pode ficar na mão de médico, o controle

tem que ser da sociedade, entidades de pacientes, parentes de pacientes, os

Parlamentares, enfim, o Estado também.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Eu me sinto estimulado a

fazer outras perguntas, mas respeito os demais Deputados que precisam participar.

Quem sabe, se essas perguntas que eu tenho não forem contempladas, eu as faça

no final. Agradeço as respostas prontas e importantes do senhor.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Com a palavra o

Deputado Zico Bronzeado, do PT do Acre.

O SR. DEPUTADO ZICO BRONZEADO - Sr. Presidente, Sr. Relator, Prof.

Volnei, Deputados e Deputadas e público presente, primeiro, acho que foi de

fundamental importância a vinda do Prof. Volnei a esta Comissão. A gente passou a

ter uma noção geral do problema abordado por esta CPI. Pudemos, na verdade, ter

uma aula de ética a respeito das doações ou não doações. E eu também não sou

um especialista na área; na verdade, um pouco, porque eu sou acadêmico de um

curso de educação física no meu Estado, interrompido pelo mandato. E comecei a

também estudar o corpo. Mas tenho aqui uns 3 questionamentos, na verdade, uma

pergunta para nós e para o Ministério da Saúde. Acho que o professor também vai

nos ajudar a regulamentar, na verdade, essa lei. E temos que ter convicção de que a

maioria das leis aprovadas nesta Casa nunca estão acabadas. Nós somos

testemunhas de que todos os dias companheiros entram com emendas à

Constituição de 1988, muitas e muitas emendas à Constituição. Então, são claras as

fragilidades e as leis inacabadas, e essa, de doações, é uma clareza. E na verdade

essa pergunta, professor, pode ser respondida como pode ser ouvida por todos nós:

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como a lei vai poder diferenciar doação solidária do comércio? A segunda: onde se

deveria intensificar o controle público, no doador, no receptor ou no hospital? E a

terceira, para encerrar: proibir a transferência de órgãos entre vivos é um caminho?

Então, na verdade, para que a gente possa refletir, para que o nosso Relator possa

também, no relatório final, depois de ouvirmos autoridades dessa área, ouvir o

Ministério da Saúde, ouvir os que venderam, os que doaram de graça, as famílias

que tiveram perdas de parentes e que autorizaram a doação de órgãos. E eu queria

aqui dizer que eu sou um dos que defendem a doação tanto dos vivos, dentro de

uma regulamentação, quanto dos mortos. Inclusive na minha carteira de identidade,

quando fiz, na primeira tinha assim: “doador de órgãos”. Eu achava muito

interessante. Na segunda houve um erro, não tem “doador de órgãos”. Até fiquei

preocupado. Sou um defensor da vida. Então, acho que para que os vivos

continuem vivos é necessário explorar tudo aquilo que é possível para manter vivos

os vivos. Então, seria essa minha reflexão. Agradeço, mais uma vez, a vinda do

professor. Acho que vamos estar cada dia mais fortalecidos na nossa idéia de

contribuir com o Governo para regulamentar essa lei que, na visão de todos, está

muito fragilizada com os últimos acontecimentos.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Com a palavra o Prof.

Volnei Garrafa.

O SR. VOLNEI GARRAFA - O Ministério da Saúde agora está com um novo

coordenador da área de transplantes, era o antigo coordenador de transplante no

Rio Grande do Sul, uma pessoa extremamente capaz, é um técnico, é da área. Acho

que é um momento importante. Só queria reforçar, Deputado, essa questão do

doador vivo. Não conheço nenhum caso de um rico que tivesse doado um rim para

um pobre. Eu conheço centenas de casos de pobres que “doaram”, entre aspas, rins

para ricos. Então, o problema da lei é não fragilizar, não oportunizar a que os

vulneráveis, os mais frágeis tenham que vender pedaços de seu corpo, essa compra

e venda. Mas tenho certeza de que a sabedoria desta Casa saberá refletir isso muito

melhor do que eu.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Outro Deputado inscrito,

Deputado Dr. Francisco, tem a palavra neste momento.

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O SR. DEPUTADO DR. FRANCISCO GONÇALVES - Sr. Presidente

Neucimar Fraga, Pastor Pedro Ribeiro, caro Prof. Volnei Garrafa, é um prazer muito

grande recebê-lo nesta Comissão para falarmos um pouco sobre transplante de

órgãos. Primeiramente, eu estava aqui no início da apresentação, queria saber se

sua formação é médica.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Por incrível que pareça, sou cirurgião-dentista de

formação. Eu me especializei em câncer bucal, trabalhei muitos anos em

Estomatologia, doença de boca, fui residente no Hospital do Câncer, em São Paulo,

andei pelo campo da saúde pública e acabei na bioética, onde espero ficar para

sempre.

O SR. DEPUTADO DR. FRANCISCO GONÇALVES - Quando a gente estuda

o capítulo sobre o estudo da morte, a gente sabe que a morte não é um fenômeno

isolado, os tecidos morrem em tempos diferentes. E temos debatido nesta Comissão

muitas vezes essa oportunidade de estudar mais profundamente. Tenho a formação

que considera a morte como a parada cardiorrespiratória e a morte encefálica, além

dos exames de arteriografia cerebral, também o eletroencefalograma, quando ele

está na faixa isoelétrica. Queria fazer uma pergunta ao senhor: o senhor acredita

que uma equipe médica, formada para transplante, que normalmente são 6, 7, 8, 10,

12 profissionais da área da medicina, seriam capazes, todos eles, de efetuar um

transplante com a pessoa viva? Segunda coisa: o senhor acredita que o Conselho

Regional de Medicina e o Conselho Federal de Medicina, como órgãos que julgam a

ética médica, podem ser os órgãos de representação não apenas médica, mas de

representação de toda uma população que pode reclamar junto a esses órgãos

competentes para julgar os médicos? Faço isso porque trabalhei durante 8 anos no

Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais e tive oportunidade de debater com

os colegas. Normalmente são 40 conselheiros do Conselho Regional de Medicina,

sendo 20 titulares e 20 suplentes, todos eles com oportunidade de votos em

igualdade de condições. Então, eu considero que os órgãos Conselho Regional de

Medicina e o Conselho Federal de Medicina não são órgãos corporativistas. E a

terceira preocupação que tenho é que já vi serviços instalados de alta capacidade

tecnológica de transplante de órgão serem dizimados justamente por acusações

infundadas e que levam, às vezes, as pessoas a fazerem acusações contra toda

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uma equipe de médicos, prejudicando o serviço. De modo que hoje posso garantir

para você que, após a assinatura desse indivíduo que proporcionou a doação de

órgãos, pode acabar com o serviço que, com muito custo, foi instalado. Você sabe

das dificuldades, dos trâmites que existem já no Congresso Nacional, no Ministério

da Saúde para que se possa instalar um serviço de transplantes, e esse serviço

terminar prejudicando toda uma população. Então, eu tenho uma grande

preocupação para que sejamos bastante lúcidos. Estão aqui o nosso Presidente,

Neucimar Fraga, o nosso Relator, Pastor Pedro Ribeiro, que tenho uma convivência

maior, são pessoas de bem. Que possamos ter a lucidez de mostrar ao Brasil

realmente os maus atos relacionados ao transplante, mas nunca prejudicar a

evolução da medicina e a oportunidade de vida que podemos ter através dos

transplantes de órgãos. Sobre a lei você já falou aí, paternalista, eu não quero fazer

nenhum questionamento. Muito obrigado.

O SR. VOLNEI GARRAFA - São duas perguntas, não é, Deputado? Se uma

equipe de 8 médicos faria um transplante. Eu acredito que não. Se isso

acontecesse, seria uma coisa de polícia e não uma coisa de ciência. Eu acredito que

não. Agora, se faria ou não faria eu não posso responder. Eu não faria, jamais.

Sobre os Conselhos, a história dos Conselhos vem do positivismo francês, grupos

tiveram que se auto-organizar no sentido de se proteger. E eu acho que inclusive é

natural que exista um esprit de corps entre as categorias profissionais. E existe. Na

minha área, de odontologia, eu lhe confesso que se eu pudesse acabar com o

Conselho Federal de Odontologia eu acabaria. Eu acho que ele é extremamente

corporativista, eu não gosto dele, sempre fui contrário. Posso dar exemplos aqui, se

V.Exas. quiserem, de decisões bem unilaterais, que não têm contribuído. O

Conselho Federal de Medicina já tem uma postura bastante diferente. Tive a honra

de ser editor, associado da revista do Conselho Federal de Medicina por 5 anos,

junto com outros 2 colegas. Realmente não posso falar, é uma categoria que não é a

minha. Agora, uma opinião pessoal — acho que minha opinião pessoal não tem

grande valor, porque sou apenas um cidadão nesse aspecto —, acho que o controle

dessas questões deveria ficar com a Justiça e não com as categorias profissionais.

Eu sou favorável ao que existe na maioria dos países do mundo, em que não

existem conselhos de classe que, por exemplo, julgam os pares. Os julgamentos são

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feitos via pública, pela Justiça. E acho que no futuro o Brasil deveria caminhar para

esse campo, seja advogado, médico, fisioterapeuta, psicólogo, o que for. Há conflito

de interesse de uma própria categoria analisar. Tem um caso de odontologia, no

Rio Grande do Sul, vou relatar para reforçar meu argumento. Um rapaz de 18 anos

tinha quatro terceiros molares, dentes do ciso incluso. Não é indicado, para um

rapaz jovem de 18 anos, fazer uma extração de cisos inclusos com anestesia geral,

a anestesia geral sempre traz riscos. O rapaz foi submetido à anestesia geral, em

consultório odontológico. A anestesista, a atendente. A atendente se sentiu mal

durante a cirurgia, é uma cirurgia cruenta, difícil, muito sangue, intra-óssea. O

anestesista teve que ajudar a instrumentar, deu uma queda de oxigênio e esse está

tetraplégico até hoje. O cirurgião-dentista foi absolvido pelos seus pares no

Conselho Regional de Odontologia do Rio Grande do Sul. Ele cometeu um erro,

porque uma técnica anestésica que pode trazer problemas ela é indicada para uma

criança excepcional, agora não para um jovem de 18 anos que poderia ter sido

submetido a uma anestesia local, com muito menos risco. Então, se isso fosse para

a Justiça Comum, certamente teria outro desdobramento. É erro profissional, sim,

existe muito erro profissional nas classes profissionais, e normalmente são

resolvidos ao interno das classes. Não estou aqui fazendo uma ode de ataque, de

maneira nenhuma, ao contrário, acho que o CFM tem tido um trabalho extraordinário

nesses anos. Quando a Constituição de 1988 teve a sua elaboração no capítulo da

área de saúde, o CFM teve um papel extraordinariamente importante, avançado, eu

diria. Então, quero deixar essa observação pessoal minha. Acho que temos que

avançar no futuro para controle público do Estado para todas essas questões.

O SR. DEPUTADO DR. FRANCISCO GONÇALVES - O senhor é odontólogo,

como o senhor mesmo mencionou. Vejo os profissionais da minha região, sempre

quando têm que submeter um paciente, principalmente deficientes mentais ou

físicos, à anestesia geral, eles encaminham para o hospital, nunca dentro do

consultório odontológico, porque não tem essa condição. E outra coisa importante.

Se fosse só a Justiça Comum... Os médicos, os cientistas têm dificuldades às vezes,

por causa das várias especialidades médicas. Se levar para um juiz uma

especialidade médica, ele não tem a noção exata do conhecimento médico. Por

exemplo, nós temos ginecologia, ortopedia, oncologia, anestesiologista. Dificultaria

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mais. Por isso que falo sempre do Conselho Federal de Medicina, porque a pessoa

não pode ser especialista em todas as áreas. Muito obrigado.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Só acho, Deputado, que a Justiça pediria

pareceres técnicos dos Conselhos Regionais, que seriam a peça principal desses

processos. Essa que é a minha convicção, considerando certamente...

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Com a palavra o nobre

Deputado Rafael Guerra.

O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Sr. Presidente, Sras. e Srs.

Deputados, nobre Relator, nosso convidado, Prof. Volnei, não ia fazer nenhum

questionamento, mas realmente, depois de certas afirmações, eu queria confirmar

algumas coisas que eu acho que até não estou acreditando muito que o senhor

disse. Mas, em relação aos Conselhos, o Conselho Federal de Medicina foi criado,

não sei a data da lei, mas aproximadamente há uns 50 anos. É um órgão público,

uma autarquia, tem legislação específica, assim como outros Conselhos que foram

criados posteriormente, assim como a Ordem dos Advogados do Brasil, que reúne

as entidades da área do Direito em uma só. Temos Associação Médica Brasileira,

Federação Nacional dos Médicos, etc. O órgão da ética, autarquia pública, legal,

constituída por lei, é o Conselho. A OAB acumula todas as atividades: as científicas,

as corporativas e as éticas. O Conselho é um órgão voltado para a fiscalização do

exercício profissional, a ética e a vigilância da ética. Então, pergunto ao senhor

realmente, porque acho que isso é preciso ficar bem registrado: o senhor acha que

os Conselhos deveriam acabar? O senhor acha que são órgãos que não têm

finalidade nenhuma social? O senhor responde no final. Essa a primeira pergunta.

Se isso for verdade, acho até que as outras perguntas perdem o sentido, mas, de

toda forma, acho que essa é a primeira questão. Segundo, o senhor disse aqui que

os hospitais brasileiros não têm condições de fazer um diagnóstico correto de morte

encefálica. Queria que o senhor reafirmasse isso, porque fica gravado, fica em notas

taquigráficas, porque isso é da maior gravidade. Professor, se aceitarmos essa

afirmação do senhor, acaba o transplante no Brasil. Eu, por exemplo, não poderia

ser doador, não aceitaria que nenhum amigo, ninguém da minha família pudesse vir

a ser doador, porque seria obrigado a aceitar que em caso de um acidente, em caso

de um traumatismo, o diagnóstico de morte nunca será correto, nunca será

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adequado. Se for assim, acabamos com o transplante no Brasil, porque hoje o Brasil

é o segundo país transplantador do mundo e o Serviço Brasileiro de Transplante de

Rim, que vai ser homenageado aqui, na Câmara, na semana que vem, vai receber

uma homenagem em Londres como o maior serviço de transplante de rim do

mundo. Então, se não temos como diagnosticar a morte corretamente, se os

hospitais não têm condições, então, o transplante cardíaco acabou, o transplante de

pulmão acabou, o transplante hepático acabou. O transplante de rim só se for numa

correria: parar o coração para o médico assinar o atestado de óbito, aquela correria,

porque logo, logo, o órgão morre também, o rim não fica vivo 24 horas esperando

achar um transplante, achar um doador, arrumar um avião para levar. Fui Secretário

de Saúde do Estado de Minas Gerais. Durante o meu tempo, o Governo do Estado,

que tem aeronaves próprias para uso do Governador, para uso de outras coisas, de

outras autoridades, o serviço de transporte aéreo do Governo do Estado sempre

tinha um plantão caso fosse necessário para o MG Transplantes enviar uma equipe

para retirar órgão, trazer esse órgão em tempo hábil para que a gente não perdesse

o órgão. Então, queria saber se o senhor reconhece os critérios de morte que estão

na legislação, tanto do Ministério, como do ponto de vista científico, do Conselho

Federal de Medicina, e se os hospitais podem ou não podem, na opinião do senhor?

Terceiro, em nenhuma hipótese, a ação dos Conselhos — essa não é uma pergunta,

é uma observação, mas o senhor pode comentar, se quiser —, a ação de qualquer

Conselho profissional confronta ou impede a ação da Justiça Comum. Ao contrário,

o que a gente tem visto sempre é subsidiar científica e eticamente a Justiça Comum.

O Conselho não invalida a ação judicial, não invalida a Justiça. Em todos os casos, o

cidadão tem direito de recorrer, de acionar judicialmente. Agora, a Justiça pode ter a

perícia própria, os peritos próprios, designados, ou pode utilizar ou credenciar outros

peritos. E uma decisão ética ou disciplinar de um conselho de órgão pode ser um

subsídio para a Justiça. Mas, basicamente, era em relação aos conselhos, aos

critérios de morte e ao aparelhamento dos hospitais brasileiros.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Perfeito. Em primeiro lugar, me surpreende a sua

preocupação em defender os Conselhos. Eu estou aqui para defender o povo

brasileiro, as pessoas, e não os Conselhos. Acho que os médicos são objetos dentro

desse processo, e o sujeito é o cidadão. Então, o final da questão é o cidadão. Os

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Conselhos deveriam acabar? Eu não disse que os Conselhos deveriam acabar.

Acho que deveria mudar o seu perfil. Os Conselhos são policialescos. Eu acho que

há conflito de interesse, onde pares julgam pares, e esse papel deveria ser

assumido pelo Estado, pela Justiça, como na maioria dos países desenvolvidos isso

acontece. A maioria dos países não tem OAB, como o Brasil tem, não tem os

conselhos ligados, como autarquias públicas, como o Brasil tem. O Estado se

responsabiliza, as Prefeituras, a Justiça, essa coisa toda. Essa é uma visão

internacional e pessoal. Em segundo lugar: os hospitais brasileiros não têm

condições de dar diagnóstico provisório. Claro que muitos têm, doutor. Eu orientei

teses na Paulista de Medicina, nesse hospital a que o senhor está se referindo. A

chefe do serviço de captação foi minha aluna. Então, é claro, eu conheço o Hospital

do Rio. O Dr. Medina é meu amigo pessoal, estamos escrevendo o capítulo de um

livro. Eu não sou contra os transplantes, sou a favor dos transplantes bem feitos,

com segurança. O senhor sabe disso, o senhor foi Secretário de Saúde de um...

O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Todos somos, todos somos.

Representante do povo também sou.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Pois é. Claro, certamente.

O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Estou aqui para defender o cidadão

brasileiro.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Certamente. O senhor foi Secretário de Saúde

de um dos maiores Estados do País.

O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Pois é, mas o senhor deu a

entender que o senhor está aqui para defender o povo, e eu estou aqui para

defender médico.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Não.

O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Estou aqui, eleito pelo povo, para

defender o cidadão brasileiro. Gostaria que o senhor se ativesse às respostas e não

fizesse comentários desse nível.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Pois não. Então, há hospitais que, sim, têm

condições, e hospitais que não têm. O Hospital de Base, aqui de Brasília, chegou o

momento em que todos os jornais estavam dizendo que não tinha medicamento, não

tinha gaze. Um hospital que não tem gaze, Deputado, não tem condições de dar um

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diagnóstico de morte encefálica. O senhor sabe, por falta absoluta de equipamento,

de medicamento, etc. Então, tem hospitais que têm e hospitais que não têm.

Durante anos, fui Presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, há 15 anos,

o CEBES. É um órgão democrático do setor sanitário brasileiro. O Brasil é um dos

países que menos aplica o seu percentual de PIB em saúde. Hoje, é menos de 4%.

Os Estados Unidos estão gastando 14% do PIB em saúde; a Holanda, 11%; a Itália,

9,5%; a França, 9,5%; o Brasil, 4%. Então, nós temos pouco, gastamos pouco e

temos que aproveitar para gastar da melhor forma possível. Então, realmente, é um

problema, um país que tem que se preocupar com alimentação infantil, com

vacinações, com tantas coisas, e os transplantes são caros. Então, essa que é a

questão. Eu acho que os hospitais, para serem credenciados, deveria haver um rigor

maior no credenciamento. Os que são credenciados, realmente, que funcionem.

Então, não é uma questão de desconfiança. Dizer que não funciona; não, tem

muitos. Minas Gerais tem ótimos hospitais, o Rio Grande do Sul tem ótimos

hospitais, São Paulo, Paraná, etc. etc. Mas, infelizmente, nós temos grandes

deficiências no setor sanitário brasileiro. Então, uma lei que seja mais rigorosa, com

um Estado que funcione, vai preservar a qualidade do atendimento. Então, essa é a

questão. Acho que tinha mais uma: o critério de morte encefálica. Acho o critério de

morte encefálica absolutamente seguro, Deputado. Tenho convicção disso. Mas,

desde que ele seja realmente feito com condições técnicas. Gostaria de dar esse

depoimento, aqui, também, para os senhores e senhoras. O mundo evolui sob o

ponto de vista de moralidade. A moralidade não é uma coisa parada, a moralidade

evolui. Hoje, tem que haver um respeito ao pluralismo moral. Mas é impressionante

como algumas idéias novas nos chocam. A conferência de abertura do II Congresso

Mundial de Bioética, que já faz 10 anos, foi em Buenos Aires, foi dada por um

grande filósofo australiano, Peter Singer, que defendeu o avanço do conceito de

morte encefálica para o conceito de morte cortical. A córtex é a parte do cérebro que

nos dá noção de ir e vir, de espaço, de tempo etc. O que esses filósofos querem

defender? Que existem certos animais que têm determinado tipo de comunicação e

linguagem que seriam mais humanos do que alguns humanos que não têm mais

nenhuma capacidade e que esses humanos já não teriam serventia. Veja o senhor

como são chocantes, e são conceitos que vêm da Filosofia. Se um conceito como

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esse de morte cortical para o futuro evoluir para conceito de morte, significa que

algumas pessoas de idade, tetraplégicas não seriam mais consideradas como

pessoas vivas. Veja o senhor que são embates terríveis nesse campo. E nós somos

do campo humanístico, do campo hispânico, do campo latino. Acho que nós todos

estamos dentro desse grande campo, mas essas opiniões vêm com muita força.

Semana passada eu dei uma entrevista para a revista Veja sobre uma tentativa nova

no Canadá de ser restaurada a eugenia, por exemplo. E os alemães já estão

assustadíssimos. Então, todo dia nós somos atropelados por essas coisas. Acho

que nós temos que trabalhar no sentido de que realmente os hospitais, que o

sistema público funcionem com segurança. Eu queria reforçar o conceito de morte

encefálica. Eu acho que aqueles 2 pesquisadores, o Galli Coimbra, estão fazendo

um estardalhaço tremendo e causando uma insegurança muito grande no País.

Acho até importante a CPI escutá-los e depois escutar especialistas para

exatamente confrontar porque isso aí está trazendo muita intranqüilidade entre os

doadores e as famílias de pessoas que estão na lista de espera.

O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Sr. Presidente, fico satisfeito porque

acho que fica mais claro o depoimento do Prof. Volnei. Quer dizer, os hospitais

brasileiros, credenciados corretamente pelo Ministério da Saúde, têm condições de

fazer um diagnóstico de morte encefálica, na opinião do depoente. O

credenciamento pode vir a ser revisto. Acho que nós devíamos até ouvir o Ministério

nesse aspecto, para que essas normas sejam revisadas. É uma contribuição que

devemos dar, é uma forma até de contribuirmos. Então, os hospitais credenciados,

em tese, podemos rever o credenciamento, mas em tese, têm condições. Quer dizer,

a medicina brasileira tem condições de fazer um diagnóstico de morte encefálica.

O SR. VOLNEI GARRAFA - O senhor me permite, Deputado? Esse exemplo

que eu dei do Hospital de Base, quando começaram, ele foi descredenciado.

O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Eu compreendo perfeitamente.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Ele foi descredenciado pelo Ministério e agora

está voltando a ser credenciado.

O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Nisso aí nós estamos plenamente

de acordo. E há outro ponto aqui, os critérios de morte adotados no Brasil — de

morte encefálica —, na legislação, são na opinião de V.Sa. corretos. Eu queria só

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acrescentar que — aí vem a questão do Hospital de Base e de outros hospitais do

Brasil —, essa questão não se refere aos transplantes ou diagnósticos de morte

encefálica apenas, se refere à falência no financiamento do SUS. Reforçar o que

senhor disse, quer dizer, o nosso País é dos países que menos investe, menos

aplica percentual do PIB em saúde. Só para que todos aqui, a audiência e os

Parlamentares, enfim, todos os que estão aqui presentes saibam, o País hoje, neste

ano de 2004, está aplicando 1,9% do PIB em saúde apenas. O nosso depoente citou

vários países com 9, 11 etc., 1,9%. A Frente Parlamentar da Saúde, eu não tenho

aqui em mão, mas vai chegar ao conhecimento da Nação, divulgou ontem um

manifesto denunciando as dificuldades do setor, o baixo financiamento. E nós

estamos trabalhando, para os senhores verem ainda como estamos, como a

economia reflete na saúde. Nós estamos trabalhando num projeto de lei para elevar

o percentual do PIB em saúde no Brasil para 2,5%. E vamos ter que brigar muito

para conseguir 2,5%. Então, essa realidade dos hospitais é uma realidade do SUS.

Por isso que o Ministério tem que credenciar corretamente quem está aparelhado,

tanto para fazer o tipo de diagnóstico quanto para fazer o transplante. Era isso que

eu queria. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Obrigado, Deputado

Rafael Guerra. Acredito que essa intervenção foi importante, as respostas também

foram dadas. O Dr. Volnei ratificou novamente que alguns hospitais estão bem

preparados, nem todos têm o mesmo preparo, mas alguns têm um preparo

realmente para dar as condições técnicas, para dar um diagnóstico de morte

encefálica. Dr. Volnei, o senhor fez algumas afirmações que nós, inclusive, de

acordo com alguns dados que nós também temos, vieram se encontrar, quando o

senhor disse, durante a fase preliminar, que no Brasil não faltam órgãos nem

doadores, mas o sistema é que não tem capacidade para absorver todos os órgãos

disponíveis para o transplante. É isso mesmo?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Não, o sistema não tem tido agilidade para

captar os órgãos disponíveis. Então, o problema de órgãos no Brasil não é de falta

de órgãos, é problema de agilidade e de infra-estrutura para a captação desses

órgãos.

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O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Diante dessas afirmações,

e a CPI também tem documentos que comprovam que não faltam doadores e não

faltam órgãos no Brasil, o que falta é realmente capacidade de gerenciamento para

absorver todos esses órgãos, se com os órgãos já disponíveis, com os doadores

que já existem disponíveis no Brasil, o sistema não consegue funcionar e aproveitar

todos os órgãos, se o Ministério amplia a campanha de doações de órgãos no Brasil,

para aonde vão esses órgãos? Se com os que estão disponíveis o sistema não

consegue absorver todos e aproveitar todos, se aumentarem os doadores, aonde

vão para esses órgãos, se ele não consegue dar conta nem dos que estão

disponíveis no momento?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Isso é um problema seriíssimo. Acho que o

Deputado Rafael Guerra levantou com muita propriedade a questão orçamentária.

Por exemplo, fígados no Estado de São Paulo, de acordo com a disponibilidade

orçamentária do SUS, os fígados não são totalmente aproveitados pelos sistema

público, acabam indo para o sistema privado, por quê? Porque o orçamento público

do SUS para os transplantes hepáticos chega até um certo teto e depois não é mais

suficiente. Então, eu acho que a questão orçamentária tem que ser discutida dentro

desse contexto, porque não adianta ter uma quantidade extraordinária de órgãos,

digamos, para atender a todas as milhares de pessoas que estão nas listas se não

há condições de financiamento para essas cirurgias, que nós sabemos que são

caras.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então, o SUS, o Ministério

da Saúde, ao intensificar as campanhas de doações de órgãos, e ele não dando

suporte para que os órgãos disponíveis, a partir desse aumento do processo de

doação, sejam aproveitados, está praticamente sendo parceiro do sistema particular

de transplante, porque esses órgãos estariam indo para o sistema particular de

transplante da rede privada no Brasil?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu acho que essa questão tem que ser

pesquisada, Deputado. O número de transplantes feitos no Brasil tem aumentado,

principalmente os transplantes renais, mas há Estados onde eles diminuíram. No

Distrito Federal, por exemplo, diminuiu nos últimos anos por problemas conjunturais.

Agora tem uma outra questão. Por exemplo, no caso de transplante renal, as

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diálises renais também são muito caras. Então, de repente, é um bom investimento

para o Estado utilizar todos esses órgãos e realizar os transplantes e ficar somente

no controle do paciente e não ter mais os gastos com diálises renais. Então, são

questões que são orçamentárias, são financeiras e são questões que têm que ser

discutida a priorização sob o ponto de vista econômico e sob o ponto de vista ético,

mas faz parte realmente de todo esse contexto que os senhores estão aqui

discutindo.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - O Ministro da Justiça, em

recentes audiências e congressos, sempre que tem a oportunidade de usar a

palavra, tem dito que a CPI do Tráfico de Órgãos vai prestar um desserviço ao

Brasil. O senhor concorda com essa frase?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Não, não concordo, não concordo. Eu acho

que... Como eu disse, eu estou me dedicando há anos a pesquisar essa questão do

mercado humano. E a gente ouve muitos murmúrios, muitos boatos, são sempre

assustadores. E eu até hoje não consegui nenhum caso, realmente, por exemplo, de

uma criança que tenha sido morta... Aquela história: no Barra Shopping no Rio de

Janeiro uma criança desapareceu e apareceu uma semana depois com uma cicatriz

renal. Uma vez o Correio Braziliense deu uma notícia desse tipo. Eu fui com a

jornalista: “Escuta, sigilosamente, nos dê o endereço, nós vamos atrás, eu levo

alguém das entidades médicas, nós vamos radiografar. Se essa criança tem

realmente somente um rim, é porque realmente tiraram o rim dela para transplante,

não tiraram para comer.” Aí, vai dar o endereço, você não acha o endereço. Então,

são boatos. Existe muito boato. E isso na população causa muita apreensão, isso

vem no sentido inverso do espírito generoso da doação. Então, eu queria reforçar:

eu acho uma CPI desse tipo extremamente séria, e ela pode ser um balizador em

antes e depois dessa questão, dessa boataria, desses comentários para deixar a

sociedade mais tranqüila.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - É comum em alguns

Estado brasileiros, aonde a gente vai, encontrar uma pessoa que disse que ouviu

história de um jovem que foi numa boate, encontrou uma mulher bonita, ela

colocou...

O SR. VOLNEI GARRAFA - Na bebida.

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O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - ...na bebida um remédio,

levou para um quarto, um motel ou para um apartamento. No outro dia essa pessoa

amanheceu dentro de uma banheira cheia de gelo, com um corte no corpo. É

comum. E em quase em todos os Estados que a gente vai, as pessoas dizem que

aconteceu naquele Estado. Mas o senhor não acha também que tanto esse fato

como esse fato dessas supostas crianças que teriam sido seqüestradas e levadas

para algum lugar e retirado um órgão podem estar sendo usados por organizações

criminosas que realmente praticam algum tipo de crime em relação a esse assunto e

usam essas supostas estorinhas para tentar dissuadir a opinião pública de que isso

é tudo ilusão e lenda urbana também?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Olha, Deputado, eu, nesses anos todos que eu

estou me dedicando a isso, e numa ocasião eu trabalhei junto com o Prof. Paulo

Sérgio Pinheiro, do Centro de Estudos de Violência da USP, em todos os casos que

nós fomos atrás, nós chegamos a nada. Quer dizer, o boato... Teve o caso de uma

senhora em Anápolis, por exemplo, que teriam retirado os olhos da filha para tirar a

córnea. Nós fomos lá na casa, a casa não existia, o número não existia. A nível

internacional, houve uma grande denúncia de um senhor alemão, era um conde

alemão, que tinha uma empresa, ele se chamava Rovenborg — está no livro aí, tem

a referência bibliográfica. Esse senhor tinha uma empresa com sede na Holanda,

nos anos 80, e ele vendia 3 coisas, olha que coisa macabra. Ele vendia crianças

para adoção, órgãos para transplantes e mercenários para a guerra. Ele tinha 2.500

mercenários cadastrados para a guerra de uma hora para outra e vendia também

órgãos. Esse sujeito foi preso na França depois. Mas aqui no Brasil, eu queria lhe

dizer... Eu diria com segurança, pelo menos com toda a informação: nesses anos de

pesquisa séria que a gente tem feito, juntamente com o Centro de Estudos de

Violência, eu já depus também na Subprocuradoria-Geral da República, uma

ocasião, sobre esse tema, eu nunca tive nenhum caso desse tipo. Eu reforço os

casos do doador vivo não-parente, onde acaba tendo um comércio, uma compra,

uma doação às vezes para o ganho de uma casa, essa questão de Pernambuco que

surge agora, que eu acho que é importantíssima de ver se houve mercado

realmente. Esse mercado triangular com a África do Sul era o que era feito nos anos

80 com a Índia. Italianos e franceses iam para a Índia, só que como a Índia proibiu,

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então, começaram a buscar formas alternativas. Então, eu acho que realmente esse

tipo de coisa não existe no Brasil. Uma antropóloga norte-americana escreveu um

artigo muito violento, muito violento. E eu agora, na Itália, quando estive há 15 dias

atrás, uma editora de uma revista italiana disse assim: “Nós recebemos esse artigo e

não aceitamos sua publicação.” E, particularmente com o Brasil, essa antropóloga

fala de crianças de que foram retirados órgãos em Pernambuco. Acho esse trabalho

de uma fragilidade extraordinária. Essa pesquisadora andou pela UNICAMP, é uma

antropóloga, mas também eu infelizmente não me lembro do nome dela, mas é um

trabalho sem nenhuma base científica, ele é assustador. Então, eu queria colocar

minha certeza, pelo menos a minha segurança, certeza não, porque é difícil, mas a

segurança desses casos todos que nós procuramos, que isso não existe, Deputado.

Existe comércio, sim, nessas formas a que eu me referi, mas não esse comércio

violento, rampante, em nosso País, eu não tenho realmente evidência.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Só para corrigir, eu falei

na pergunta que eu fiz ao senhor anteriormente, no Ministro da Justiça, mas é

Ministro da Saúde, Humberto Costa, que tem feito as afirmações, e não o Ministro

da Justiça, de que a CPI vai prestar um desserviço ao País.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Acho que não.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - É comum, Dr. Volnei, e a

gente tem acompanhado alguns casos sobre denúncias de irregularidade no sistema

de transplante, retirada de órgão de paciente sem autorização da família, retirada de

órgão, venda de cadáveres para as faculdades. O senhor acredita nessa

possibilidade de pessoas que vendem cadáveres para as faculdades, contrariando a

legislação do transplante?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Olha, na Colômbia houve um saco macabro, em

Cali, há alguns anos atrás. Os professores de Anatomia e o reitor estavam

envolvidos. Os mendigos da cidade eram mortos, isso aí saiu na imprensa

internacional, está também aí nesse livro com a bibliografia. E aqui no Brasil na

cidade de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul. O jornal Zero Hora denunciou.

Realmente eram funcionários do serviço de anatomia com o serviço de autópsia do

Instituto Médico Legal que estavam vendendo órgãos de cadáveres para Faculdades

de Medicina privadas que compravam para estudo. Esse caso também foi

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constatado alguns anos atrás no Rio Grande do Sul. A referência também está aí no

livro.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - O senhor conhece o caso

de Franco da Rocha, agora em 2001, o médico que foi preso?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Não.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Foi preso, responde

inquérito policial por retirada de órgãos de 13 cadáveres e venda de 15 cadáveres

para as faculdades particulares de São Paulo e Minas Gerais?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Não, esse mais recente eu não sabia, não.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Pois é, existe um

processo aberto na cidade de Franco da Rocha. O médico foi preso. Quando o

senhor falou que o Conselho Federal de Medicina devia ser mais duro, esse médico,

que foi preso em 2001, coincidentemente, é o mesmo médico que foi denunciado em

1988, na cidade de Taubaté, pelo Diretor do Hospital Universitário de Taubaté, Dr.

Roosevelt Kalume. Ele foi denunciado juntamente com mais 3 médicos daquele

hospital por retirada de órgão de paciente. E foi comprovado, através de inquérito

policial feito pela Polícia Federal, pelo Ministério Público, foi denunciado e foi julgado

pela Justiça local, foi indiciado, e eles vão a júri popular. Então, esse médico foi

preso em 2001, Diretor do Instituto Médico Legal da cidade de Franco da Rocha,

São Paulo. Ele coincidentemente é o mesmo médico que fazia parte de uma equipe

médica do Hospital Universitário de Taubaté, que foi denunciado pelo diretor do

hospital também, que é médico. E aí o diretor, o Conselho Regional de Medicina de

São Paulo, ao invés de punir os médicos, tentaram cassar o diploma do Diretor, que

é médico, porque disse que ele faltou com a ética ao denunciar os colegas.

Coincidentemente, esse médico foi preso agora, em 2001, responde inquérito.

Temos em posse da CPI toda a documentação de inquérito policial que comprova

essa prática criminosa, inclusive com o depoimento do delegado que investigou e

apurou o caso desse médico.

O SR. VOLNEI GARRAFA - O caso de Taubaté eu acompanhei pela

imprensa, tenho um livro, foi publicado um livro sobre isso, me foi enviado, mas

realmente a informação que eu tenho é desse livro. O caso de Poços de Caldas

também parece que houve um depoimento aqui há algumas semanas atrás, eu

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também conheço pela imprensa e não tenho nenhuma, não tenho experiência,

enfim, não tive nenhum contato com o caso.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Só para lembrar aos

membros da CPI que esse médico foi denunciado em Taubaté, que foi indiciado, que

já perdeu em duas instâncias e agora perdeu na Justiça de São Paulo, os

desembargadores também julgaram procedentes as denúncias e os 4 médicos vão a

júri popular. Quando ele foi denunciado e indiciado em Taubaté, ele foi transferido

para Franco da Rocha, na função de médico novamente, e agora ele foi preso em

Franco da Rocha, responde a inquérito, ele foi transferido, agora está em Guarulhos

exercendo a medicina como se nada tivesse acontecido. Quando o senhor disse que

os Conselhos às vezes deveriam ser mais duros com alguns maus profissionais,

sabemos que existem, como existem no Parlamento, maus Parlamentares, como

existe na Polícia, como existe na Justiça, os próprios juízes que foram denunciados,

existe em toda categoria, existem na igreja falsos pastores, falsos padres, no

Ministério Público, pessoas também que não condizem com a ética. Nenhuma

instituição do Brasil está isenta de ter nos seus quadros pessoas que não condizem

com a ética, com a lisura e com a idoneidade que é a instituição, que deveriam

também ser punidos. Mas só fiz esse relato aqui para aqueles que acompanham

essa sessão saber que existe. O senhor relatou alguns casos, e eu estou citando

outros casos, com depoimento de delegado, promotor e juiz que fizeram

investigação, indiciaram e processaram alguns dos elementos, mas que infelizmente

eles ainda não foram punidos pelo Conselho Federal de Medicina, que é o órgão da

instância superior, que está superior até aos Conselhos Regionais. Pode até existir

algum corporativismo pela questão de coleguismo, da amizade. O Conselho deveria

ser um órgão mais realmente independente e agir com mais transparência e mais

independência em relação a este assunto. Agora, vamos falar de um assunto, eu

também acho que é um assunto importante, quando o senhor falou da questão da

morte encefálica. o senhor disse que alguns hospitais brasileiros, muitos estão bem

preparados, têm equipe técnica preparada, capacitada, mas alguns têm dificuldade

em dar realmente um diagnóstico, um conceito de morte encefálica, que é um dos

exames exigidos pela legislação, tanto pela Lei nº 9.434 como pela Lei nº 10.211,

com exames que realmente podem diagnosticar a morte. A partir daquele momento,

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o paciente, através da autorização da família, pode fazer a doação de todos os seus

órgãos. Mas a questão da morte encefálica, já vi algumas matérias de médicos

brasileiros, de médicos ingleses, de médicos japoneses também discutindo o mesmo

conceito. Alguns dizem que morte encefálica foi um método inventado para facilitar

transplante no mundo. E eu estive conversando recentemente com uma autoridade

no assunto e depois estive conversando com algumas pessoas. Eu queria só dizer

da necessidade da reformulação realmente da Lei de Transplante no Brasil. No

Brasil, a eutanásia é crime. Então, nenhuma pessoa, mesmo que queira, pode pedir

a um juiz uma autorização para um médico desligar um aparelho de um ente querido

seu que está há 120 dias respirando só por aparelhos, está com diagnóstico de

morte cerebral ou coisa assim. No Brasil, a eutanásia é crime, ninguém pode

autorizar que o médico desligue um aparelho para que a família enterre o corpo. É

isso?

O SR. VOLNEI GARRAFA - No segundo semestre do ano passado, a Folha

de S. Paulo, na página 3, que tem a página TENDÊNCIAS/DEBATES, fez a

seguinte pergunta: “Você é a favor ou contra a eutanásia?” Um amigo nosso de São

Paulo, Padre Leo Pessini, foi contra, eu fui a favor, mas quero...aqui vamos dividir.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Mas a legislação brasileira

proíbe?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Proíbe. Existe a eutanásia passiva e a eutanásia

ativa. Obviamente eu sou absolutamente contra a eutanásia ativa, a eutanásia que

existe na Holanda, que a Austrália está querendo. Agora, a eutanásia passiva, eu

queria discorrer dois minutos sobre isso.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Mas eu queria fazer uma

pergunta só antes do senhor discorrer sobre essa questão da eutanásia, porque o

Código Penal proíbe a eutanásia. É um crime você desligar o aparelho de uma

pessoa que está no hospital mesmo com o diagnóstico de estar respirando só por

aparelho, o corpo está vegetando. Mas eu quero perguntar o seguinte: A lei de

transplante permite, a partir da autorização da família, que os médicos

transplantistas — a partir da autorização da família, que os médicos transplantistas

— retirem órgãos vitais de um ser humano, mesmo com ele respirando apenas por

aparelhos, um conceito que está com morte cerebral. Pergunto: qual a diferença que

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existem, cientificamente, entre desligar o aparelho de uma pessoa que está com

morte cerebral e tirar o coração dela?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Desculpe.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Qual a diferença que

existe entre a eutanásia, desligar o aparelho para que o corpo seja liberado para o

enterro e tirar um coração da pessoa? A legislação, o Código Penal proíbe desligar o

aparelho, mas a legislação de transplante permite a retirada do coração.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Não, o sistema fica no sistema de

coração-pulmão artificial para que os órgãos sejam mantidos, para que seja possível

tecnicamente o transplante. Agora, Deputado, veja, o Código Penal Brasileiro é de

1940 para essa questão, mal a penicilina havia sido descoberta, tivemos tantas

descobertas de lá para cá. Sim, sim, está em vigor. Aqui na Câmara um aluno meu

fez um levantamento de projetos na área de bioética que tramitaram na Casa e para

nossa surpresa dividimos em 5 grupos: aborto, eutanásia, técnicas reprodutivas,

engenharia genética e transplantes. Eutanásia tinha 4 projetos, 3 era do mesmo

Parlamentar, um é Senador do Amapá, se não me engano. Nenhum projeto

conseguiu sequer Relator nas Casas, porque é um tema muito espinhoso realmente.

Mas eu queria lembrar o seguinte: vamos ser muito claros, hoje, no Brasil — eu falei

isso em vários lugares, então não tenho temor de falar aqui —, a quantidade de

mortes compassivas, por paixão, por caridade, feitas de norte a sul, de leste a oeste,

todos os dias, é muito grande, médicos maravilhosos, generosos, paciente

canceroso terminal, com dores terríveis, descontrole de esfíncter, de repente tem

uma infecção secundária de pulmão, pela lei brasileira o médico é obrigado a entrar

com antibiótico para dar quem sabe mais 8, mais 10, mais 15 dias de vida. E

médicos com maior capacidade, autoridade, dignidade e moral, dizem que assim

não dá mais, conversam com o paciente e com a família, são mortes caridosas. O

próprio papa João Paulo, perdão, Pio XI falava sobre isso. A questão das pessoas

morrerem na hora certa, nós temos uma hora para nascer, uma hora para viver, uma

hora para morrer. Hoje em dia, com tanta tecnologia, nós podemos postergar isso aí,

por muitos dias, por meses, talvez, é a chamada de distanásia. Os americanos

chamam a distanásia de futilidade terapêutica, futility, futilidade. Os espanhóis são

mais duros, chamam de encarniçamento terapêutico. Acho que esse é um tema para

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o Congresso também começar a refletir, nós temos tanta tecnologia, eu acho,

porque realmente está acontecendo eutanásia passiva, ou seja, deixar morrer, veja,

não ficar investindo mais, porque nós temos condições com medicamentos, com

tecnologias, com equipamentos etc. Agora, a sua pergunta eu acho que, eu quero

reforçar a minha segurança sobre o conceito de morte encefálica. Acho que o

ex-Presidente, que é um homem que admiro, Itamar Franco, foi muito corajoso

quando aceitou a sugestão do Conselho Federal de Medicina para avançar no

conceito brasileiro de que até 93 era de morte cardiorrespiratória para morte

encefálica e o Brasil entrou no contexto internacional. Esse é um consenso

internacional. Então, você tem o conceito de morte encefálica na China comunista,

nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, não é uma novidade, não é colocar a roda

em pé. Inclusive morte encefálica é um conceito hoje internacionalmente aceito.

Agora como ele depende de tecnologia sofisticada, ele tem que ter uma aparatologia

que dê suporte e segurança para tudo isso. Acho que essa é a questão-chave e,

obviamente, como é uma aparatologia sofisticada e é cara, tem que haver recursos

para que seja bem controlada.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - O senhor, como estudioso

da área, Sr. Pedro Ribeiro...

(Intervenção inaudível.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Quando fiz uso da

palavra, nobre Parlamentar, não tinha mais ninguém inscrito, quando eu estava

falando V.Exa. estava se inscrevendo.

(Intervenção inaudível.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Não. V.Exa. ficou o tempo

todo aqui no plenário e a lista foi passada 3 vezes por V.Exa. e V.Exa. não assinou a

lista. Quando eu peguei a palavra para interpelar, V.Exa. pediu ao Secretário para ir

até a mesa levar a lista para o senhor, foi isso?

(Intervenção inaudível.)

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Pediu para levar, e

quando o senhor foi lá eu comecei a interpelar. V.Exa. ficou o tempo todo e a lista foi

passada 3 vezes pela Secretaria. V.Exa. está aqui desde o início da reunião e não

assinou. Dr. Francisco chegou e assinou, Zico Bronzeado chegou e assinou. Eu

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estou fazendo uso da palavra agora. Eu também, além de ser Presidente, sou

Parlamentar, tenho o mesmo direito que V.Exa. Vou fazer minha última pergunta e

depois vou passar a palavra para o próximo inscrito. O próximo inscrito aqui é

Geraldo Resende, depois Carlos Mota.

O SR. DEPUTADO GERALDO RESENDE - Sr. Presidente, estou dizendo

que me inscrevi antes de V.Exa. começar com a pauta.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Isso não é verdade.

O SR. DEPUTADO GERALDO RESENDE - Em segundo lugar, o mesmo

direito que tem V.Exa., mesmo V.Exa. estando presidindo a Casa, tenho eu também.

Aqui não tem diferença de Deputado, mesmo que um Deputado esteja ocupando a

Presidência. Mas eu gostaria — porque eu logicamente vou ter que me retirar — de

dizer que me senti prejudicado na medida em que V.Exa. está tomando todo um

tempo que poderia ter dado a outros Parlamentares.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Quero dizer ao nobre

Deputado Geraldo Resende que estamos conduzindo esta Comissão com bastante

parcialidade. Eu perguntei 3 vezes à Secretaria da Mesa, só tinha 2 inscritos: Zico

Bronzeado e Dr. Francisco. Depois, o Deputado Rafael Guerra pediu a palavra, a

lista foi a ele e ele usou a palavra. Eu, até o momento, não havia feito interpelação.

Eu aguardei por último, deixei todos falarem e pedi para a lista passar, e passou 3

vezes e V.Exa. não assinou a lista. Quando não tinha mais ninguém inscrito, e eu ia

interpelar, V.Exa. pediu para falar. Eu pedi para levar a lista para o senhor, para

V.Exa. A lista foi, o senhor já assinou e vai ser...

O SR. DEPUTADO GERALDO RESENDE - Eu acho que já estamos tomando

mais tempo. Tudo bem, continue a sua interpelação e eu vou ter que...

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Se V.Exa. tivesse

explicado a situação e tivesse pedido, eu até abriria mão.

O SR. DEPUTADO GERALDO RESENDE - A qualquer momento, nós

podemos fazer a inscrição agora.

O SR. DEPUTADO CARLOS MOTA - Sr. Presidente, só uma questão de

ordem para facilitar esse debate, por que não adotamos, acho que está burocrático o

sistema de inscrição para falar. Na CCJ, basta que a gente levante a mão, alguém

da Mesa, porque, às vezes, é no tempo que você quer perguntar. E nesse meio

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tempo, até que alguém levante daí, venha aqui, assine, a CCJ não adota o sistema

de, eu pelo menos me lembro, a Seguridade Social também, para falar basta um

sinal e a própria Mesa coloca lá na ordem quem levantou o dedo primeiro, quem

manifestou, só para facilitar, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Então V.Exa. fazendo a

proposta, nós podemos acatar a partir da próxima reunião esse procedimento, mas o

procedimento adotado até o momento foi esse, até porque foi avisado no roteiro da

audiência pública qual seria o procedimento de inscrição. Pois não, Deputado.

O SR. DEPUTADO ANDRÉ DE PAULA - Se V.Exa. me permitir, eu queria

fazer a V.Exa. uma sugestão.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Pois não.

O SR. DEPUTADO ANDRÉ DE PAULA - Eu percebo que o nobre Deputado

Geraldo Resende está angustiado com a questão de tempo e V.Exa.,

institucionalmente, como Presidente, tem uma angústia menor. Talvez, até como

gesto de delicadeza, de gentileza, V.Exa. pudesse abrir mão para que ele fizesse a

pergunta e pudesse sair e V.Exa. voltasse a argüir e fizesse então a sua última ou

últimas perguntas, é por uma questão só de gentileza, como sugestão.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Eu perfeitamente atendo

ao apelo de V.Exa., e se o Deputado tivesse feito da mesma forma eu cederia a

palavra, só que não achei justo ele dizer que eu o prejudiquei, porque quando eu

comecei a falar ele não estava inscrito ainda. Se S.Exa. quiser fazer uso da palavra

neste momento, eu concedo a palavra.

O SR. DEPUTADO GERALDO RESENDE - Vou esperar.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Mas eu até, com esse

episódio, tirou aqui minha linha de raciocínio para fazer a pergunta ao Dr. Volnei.

Então, diante desse fato, vou passar a palavra a V.Exa.

O SR. DEPUTADO GERALDO RESENDE - Primeiro, quero agradecer a

presença ao Dr. Volnei. Desde o início — tive também outra atividade paralela aqui,

e aqui isso é comum — não acompanhei no total a sua intervenção, mas tenho o

livro, tenho lido vários artigos de S.Sa. e sei da sua capacidade e do seu

reconhecimento na comunidade científica como uma das pessoas que é expert na

área de bioética no nosso País. E acho também que o Dr. Rafael Guerra, Presidente

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da Frente Parlamentar da Saúde, em algumas questões nos pareceu até mal

compreendido. Mas, logo depois, no debate que houve, as questões foram

colocadas no seu devido eixo. Acho que deu uma clareada nas posições de S.Exa.

acerca de algumas questões que não são muito caras. O ano passado mesmo, a

questão do financiamento da área de saúde, tivemos uma luta histórica aqui para

que não fosse subtraído do Orçamento da saúde um montante de recursos de quase

4 bilhões, que certamente iria prejudicar a saúde de um modo geral, não só na

questão dos transplantes. Foi uma luta que o nosso Presidente Rafael Guerra e com

a participação de todos os Parlamentares, de todas as entidades hoje que

representam o setor de saúde estiveram mobilizados. E agora mesmo com a

questão da pré-falência do sistema de saúde hoje no País, estamos também

mobilizados, estamos também já programando para os próximos dias algumas

outras atividades, no tocante de melhorar cada vez mais o aporte de recursos para o

Sistema Único de Saúde. Mas gostaria de poder pedir ao Presidente, e com a

generosidade dele, que demonstrou há pouco, que a gente pudesse, eu entrei com

requerimento hoje, para convidar o Coordenador Nacional do Sistema Nacional de

Transplante do nosso País. Seria importante que a gente o ouvisse. E aí é uma

sugestão que estou dando ao Presidente e que ele tem de submeter logicamente

aos nobres Pares, que nós temos várias convocações, vários requerimentos, mas

que pudéssemos antecipar o depoimento do Presidente para que muitas dúvidas,

muitos questionamentos que estão havendo, a gente já tivesse esses dados e,

inclusive, pudéssemos, após a explanação do Coordenador Nacional, inclusive para

subsidiar nossos trabalhos doravante. A questão de alguns elementos que foram

enfocados hoje aqui, a construção do Sistema Nacional de Transplante do País,

como está hoje a Unidade da Federação com unidades acerca dos transplantes,

quantos hospitais estão credenciados hoje para fazer transplante, quantos hospitais

hoje estão credenciados para fazer captação de órgãos no País, a questão dos

parâmetros que norteiam a retirada de órgãos, essa questão da morte encefálica,

que hoje é um consenso mundial e que há questionamento de alguns companheiros,

alguns Parlamentares da própria Comissão, para poder ter todos os parâmetros

elucidados, para poder ver como podemos contribuir para a gente criar normativas

que possam, inclusive, fazer com que os credenciamentos que o próprio Ministério

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da Saúde faz hoje possam ser melhorados no aspecto de a gente melhorar o

sistema de transplante no nosso País. Enfim, e poder, inclusive, enumerar número

por número, todos os transplantes havidos e acerca de transplante de rim,

transplante hepático, transplante de córnea, transplante de coração, que estão hoje

no nosso País, inclusive para a gente poder verificar quais as Unidades da

Federação, a exemplo do Distrito Federal, que tenho lido nos jornais, que está tendo

descompasso com esse evoluir que estamos tendo hoje no nosso País acerca disso.

Por isso gostaria de fazer isso, pedir a V.Exa., inclusive ouvindo os Parlamentares

que estão aqui, que a gente possa antecipar o depoimento, porque esse número vai

nos dar subsídios importantes. E aqui temos ex-Secretário de Saúde, fui Secretário,

tem aqui a presença do meu amigo Armando Raggio, que também foi Secretário de

Saúde do Estado do Paraná, para que a gente... nosso amigo e nosso companheiro,

importante também que a gente não aponte também, e deve ser um resultado da

CPI, duas vias, ou seja, a via de a gente procurar melhorar o sistema de transplante

do País, mas sem esquecer que a gente tem de fazer e a gente tem de exigir do

Ministério a prevenção para que a gente diminua as longas filas de espera que está

tendo em todos os transplantes no nosso País, ou seja, que a gente aponte, criando

uma sistemática para a gente evitar transplante de rins, que poderia ser evitado

tranqüilamente se a gente enfrentasse a questão das infecções renais, a questão do

diabetes, a questão da hipertensão arterial, que, consequentemente, vamos apontar

em duas vias para isso, ou seja, melhorar o sistema de transplante do País e ao

mesmo tempo fazer com que haja, de fato, prevenção para que a gente não tenha

que estar gastando recursos que são importantíssimos, que poderiam ser

canalizados para outras áreas da saúde pública. Era isso, Sr. Presidente, que eu

gostaria, porque eu também estou angustiado porque a gente sabe muito bem que

hoje a gente tem de retornar às bases e a gente tem horário de avião marcado e

muitas vezes algumas localidades que somos oriundos há poucos vôos e a gente

poderia perder também o nosso vôo.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Agradeço ao nobre

Deputado Geraldo Resende, queria, inclusive, ressaltar que a sua participação nesta

Comissão, que está sempre presente, participando, discutindo, apresentando

convocação, requerimento. Inclusive temos em mão requerimento de S.Exa.

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solicitando convocação do Coordenador do Sistema Nacional de Transplante, Dr.

Roberto Soares. Fizemos um acordo aqui, na Secretaria, se tivesse possibilidade de

fazer votação ainda hoje extrapauta, mas tem de ser nominal e não temos quorum e

vamos colocar em votação na terça-feira, mas já vamos fazer contato com o

Coordenador a possibilidade de ele vir na quarta-feira. Então, vamos já convidá-lo

para quarta e na terça a gente vota o requerimento e a gente já pode ouvi-lo na

quarta-feira já com o devido requerimento aprovado, requerimento de S.Exa., já

estamos fazendo esse acordo. Concedo a palavra ao nobre Deputado Carlos Mota.

O SR. DEPUTADO CARLOS MOTA - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados,

gostaria de fazer uma observação. Não conheço e não tive ainda o prazer, o

privilégio de conhecer a obra do Prof. Volnei Garrafa, bem assim não pude

comparecer aqui no decorrer de toda fala do professor, mas lembrar que por volta de

1997, 1998, desses boatos que surgiram que foram relatados aqui, na minha região

houve preocupação muito grande com adoção de crianças. Sou de uma região muito

carente, que é o Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, e houve uma

preocupação muito grande, primeiro, com adoções de crianças feitas por europeus,

por italianos, alemães, que iam a minha cidade e procuravam crianças e adotavam

essas crianças. Na época, o Município preocupou-se com isso e tentou rastrear

essas crianças no exterior. Conseguiu praticamente verificar o paradeiro de quase

todas elas, recebeu fotos das famílias, mas isso criou um transtorno, porque

avacalhou, diria assim, o sistema de adoção que de alguma forma era vantajoso

para algumas famílias extremamente carentes da minha região. Em seguida,

começou pedidos de crianças a pessoas residentes em Campinas e uma assistente

social, de Campinas, não sei se anonimamente, avisou à cidade de Minas Novas,

que tinha dúvida quanto aos verdadeiros motivos que essas famílias, esses casais

de Campinas estavam demonstrando em relação a essas crianças do meu

Município. O Município então começou a fazer quase um veto, quando aparecia

alguém que queria adotar criança da região, sem que houvesse um procedimento

legal. Mas a mera suspeita fez com que desestimulasse essas adoções. Gostaria de

saber de V.Sa. se nesses estudos se o senhor já deparou com algo ou suspeito ou

já intuiu sobre a possibilidade do sistema de adoção ser um banco de órgãos e se

haveria necessidade de nós criarmos na legislação, que trata da adoção, uma

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espécie de rastreamento permanente e um recenseamento, até diria, porque você

adotar o filho nem sempre os vínculos afetivos são estabelecidos ali e nessa

capacidade humana de chegar a absurdos, que são inimagináveis, sempre carreguei

comigo essa preocupação, se não haveria necessidade, até para que o instituto da

adoção que eu defendo, sou de uma região pobre, possa realmente funcionar. Hoje

há uma dúvida na minha região, pessoas extremamente carentes que deixam os

filhos, às vezes até no abandono, e são desestimuladas a aceitar a questão da

adoção, sobretudo por receio do futuro, do destino dessa criança. É o que eu

gostaria de ouvir de V.Sa.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Deputado, fico muito contente de o senhor

levantar essa questão. Esse é um tema que me preocupou durante muitos anos.

Quando a Procuradoria Geral da República, há uns 3 anos atrás me chamou, o tema

era esse. Na época, fizemos a seguinte sugestão. E essa opinião também é

compartilhada com o professor italiano, nós fizemos esse livro juntos. É claro e eu

também sou favorável às adoções. É muito melhor que uma criança que esteja na

rua, sofrendo, que ela fique num cálido lar no estrangeiro do que na rua aqui no

Brasil. Agora, acho que o Brasil tinha que criar um rigor. Estou de acordo

inteiramente com o senhor no sentido de, em caso de adoção para estrangeiros, os

nossos consulados no exterior deveriam seguir essa criança pelo menos num

espaço de 3 a 5 anos, para saber como é que elas estão. Ter um acompanhamento,

sabe? Porque hoje em dia é tanta coisa, essas questões de pedofilia em países

como Bélgica e outros. Então são coisas tão escusas. Eu resisto, sabe, como

pessoa, como ser humano, como cristão, eu resisto a pensar nessa possibilidade de

adotar uma criança para retirada de órgão.

O SR. DEPUTADO CARLOS MOTA - Eu gostaria de introduzir uma

observação, professor, se o Presidente permite, que havia certas atitudes que ou

causavam um sentimento de crença absoluta em valores elevadores e valores

humanos ou então gerava desconfiança, porque, às vezes, os casais — o que não é

habitual —, adotam crianças, às vezes, deficientes, crianças deficientes físicos, um

casal na Europa ou lá em Campinas... Claro que poderia ser realmente esse casal

movido por um sentimento altruístico. Mas, pela lógica das coisas, de modo que eu

acho que talvez esta Comissão pudesse, dentro disso — foi bom ouvir e saber que o

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senhor compartilha dessa preocupação —, um grande serviço que a Comissão

prestar seria instituir ou indicar ou formular uma modificação na nossa lei,

principalmente na lei civil que trata de adoção, estabelecendo, talvez, essa sugestão

de obrigar o Poder Público a rastrear, por algum tempo, com contatos, com visitas,

com atestado de vida e residência, criando um dispositivo que possa... Eu acho que

uma norma dessas iria inibir eventuais adoções feitas com o propósito de retirada,

de assassinato, não é, de crianças, de jovens, para o abastecimento do mercado de

órgãos. Um dia vi na revista e fiquei espantado com um cidadão que fez uma

estimativa de quanto vale um ser humano se fossem doados todos os seus órgãos.

Saiu numa revista dessa aí, Superinteressante, se não me engano.

(Não identificado) - Trezentos mil dólares?

O SR. DEPUTADO CARLOS MOTA - Trezentos milhões de dólares. É coisa

espantosa. Essa era a observação que gostaria de fazer, Sr. Presidente.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Obrigado, nobre

Deputado Carlos Mota. Concedo a palavra ao nobre Deputado Rafael Guerra.

O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Sr. Presidente, depois do entrevero,

nosso convidado acabou ficando sem responder a algumas questões que V.Exa.

tinha feito. Acho que era importante. Gostaria que o senhor esclarecesse bem a

questão relativa à eutanásia, à morte encefálica e o que o senhor disse de morte

caridosa, alguma coisa assim, porque isso, para um leigo, é uma coisa muito

complicada. Acho até que o senhor, como especialista, tem condições de esclarecer

até muito melhor do que eu. Eu sou cirurgião, não sou especialista em morte e

diagnóstico de morte. A gente procura salvar. Fiquei preocupado, porque, a

eutanásia, no meu modo de entender — se eu estiver errado, o senhor me corrija —,

se houver um diagnóstico de morte acefálica, não se trata de eutanásia. Morte

encefálica é morte. Quer dizer, hoje há meios artificiais na Medicina. O doente que

está com morte encefálica, com a pressão arterial muito baixa, há condições de se

manter a circulação, elevar a pressão, fazer com que o rim continue produzindo

urina. Isso não quer dizer que a pessoa está viva, porque se a pressão cair abaixo

de 7, 6 ou 5, pressão arterial máxima, o rim pára de filtrar. O rim não morre junto

com cérebro. O rim pode morrer 12 horas depois. Não sei quantas horas. Isso é que

não consigo definir bem. O que eu entendo é isso — se eu estiver errado, o senhor

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me corrija —: morte encefálica é morte. No caso da morte encefálica, quando está

se tirando o órgão, quer dizer, o que se considera no País, na Medicina e na lei é

que a morte encefálica é morte. A eutanásia não é permitida no País em hipótese

nenhuma. Também não se confunde com o que o nosso convidado estava dizendo

em relação a não dar antibiótico a uma pessoa que está grave. Não é a mesma

coisa, há uma diferença. Por exemplo, um doente terminal de câncer que já está

com falência de múltiplos órgãos, que está com uma série de problemas, de um

jovem de 18 a 20 anos atropelado. Esse jovem a gente faz todo o possível, por

exemplo, para recuperar um rim, para manter o seu coração batendo para ver se dá

tempo de o cérebro diminuir o edema. Agora, um paciente que está em fase terminal

de câncer, não tem nenhum sentido procurar fazer o rim dele funcionar para ele

sofrer mais. Acho que o senhor falou em morte caridosa nesse sentido. Quer dizer, o

paciente está em fase terminal, então não há sentido fazê-lo sofrer mais, fazer seus

familiares sofrerem mais, porque a ciência não tem como salvá-lo. Então, o senhor

veja um outro exemplo: um paciente que tenha uma outra doença grave, pode ser

em fase terminal de câncer mesmo, isso está consumindo as células do sangue do

paciente. Não tem sentido ficar dando uma transfusão de sangue dia sim, dia não,

para que ele fique mais tempo com câncer. O que entendo é isso, que a ética

profissional, a ética médica não obriga a usar meios extraordinários ou artificiais

para manter a vida de uma pessoa que não tem condições de sobreviver. Entendo

dessa forma. E separo a questão da eutanásia, que é proibida, e que eu não

defendo. Aí tenho uma posição diferente da do professor, talvez até pela própria

origem religiosa também. Eu sou católico e na nossa Igreja, para os cristãos em

geral, a eutanásia é rejeitada. Então a minha formação, não é simplesmente pelo

fato de ser católico, a minha formação, desde os 5 anos de idade, me leva nesse

caminho. Isso é outra coisa. Então a eutanásia, não se faz a eutanásia no Brasil.

Não é permitida. Não tem nada a ver com a morte encefálica. E não usar meios

extraordinários não é eutanásia, é não prolongar o sofrimento da pessoa. O senhor

estava perguntando nesse caminho sobre a eutanásia. Aí houve o entrevero e o

senhor acabou não respondendo. Gostaria que nos orientasse também como

professor de Bioética.

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O SR. VOLNEI GARRAFA - Obrigado, Deputado. Até estava preocupado,

porque esse é um tema muito delicado e se a gente deixar ele meio solto parece que

a gente disse certas coisas... Até lhe agradeceria, mais uma vez. As perguntas

anteriores que o senhor me fez me permitiram esclarecer certas coisas que a gente,

às vezes, de repente, solta, não com rigor. Mas, enfim, acho que ficaram claras. E

eu lhe agradeço. Sim, mas eu devo lhe dizer que, dentro do nosso campo da

bioética. — o Prof. Siqueira está aqui presente —, o primeiro Vice-Presidente da

Associação Brasileira de Bioética é um padre. É o Padre Leo Pessini, que é uma

figura extraordinária, nosso amigo pessoal. Eu presidi o Congresso Mundial de

Bioética, há 2 anos atrás. Foi aqui em Brasília. Ele foi o Vice-Presidente. Foi a

pessoa que... Somos realmente muito ligados. O Leo defendeu a tese de doutorado

dele — uma tese maravilhosa, exatamente sobre a distanásia. A palavra “distanásia”

é uma palavra inclusive de origem da Igreja católica. Distanásia é o prolongamento

artificial da vida sem necessidade. Então, o Leo trabalha, com muita propriedade,

essas coisas. Quando a gente fala pessoalmente: “Leo, e a questão da eutanásia

mesmo?” A Colômbia, Deputado, já aprovou, e o Uruguai, surpreendentente, tem

isso aprovado desde 1930. E o que eu queria me referir — aí eu lhe agradeço

porque esse espaço permite esclarecer — é ao tema da despenalização da

eutanásia passiva. É complicada a despenalização da eutanásia passiva. Quer

dizer, pela lei brasileira, pelo Código Penal de 40, se alguma família entra na Justiça

contra um médico que, de repente, poderia ter prolongado por mais 15 dias a vida,

pode dar problemas para esse médico. Ninguém entra, felizmente, ninguém entra.

Não é? Porque o médico tem o bom senso de deixar essa coisa acontecer. Mas, há

alguns anos atrás, um colega nosso de São Paulo — que é um dos grandes

infectologistas deste País, o Caio Rosenthal —, o Caio escreveu um artigo na Folha

de S. Paulo dizendo: “Olha, eu deixei meu pai morrer, porque eu não agüentava

mais”. O Caio tem essa opinião parecida com a minha. Um Promotor lá do interior de

Pernambuco processou ele. Ele se chateou 6 anos por causa dessa história. (Risos.)

E sabe? É um negócio terrível. E ele tinha sido generoso com o pai dele, porque ele

não agüentava mais ver o pai dele sofrer. Quer dizer, ele não investiu mais. É isso

que o senhor está dizendo. Mas há uma sutileza nessa terminologia que é

importante, não é? Isso que eu acho... Eu só aproveitei o espaço, a partir da

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pergunta do Presidente, mas é que eu acho que seria importante o Congresso,

quem sabe, discutir. Eu não sei se nós estamos moralmente preparados para que

isso avance; mas, de qualquer maneira, discutir. A gente tem que discutir. É a

moralidade que vai cambiando com os tempos, não é? Na Colômbia, foi

surpreendente: o Congresso colombiano discutiu isso, em 98, e acabou aprovando

inesperadamente a despenalização da eutanásia passiva, porque ela era passiva de

crimes lá, como aqui no Brasil é também. Agora, eu acho importante a sua

intervenção e dizer o seguinte: não tem nada a ver eutanásia com morte encefálica.

(Risos.) Morte é morte, não é? Morto é...Eutanásia é você deixar levar uma pessoa

para aquele caminho. Então, acho que fica claro isso aí. Estou à disposição, se

alguma dúvida mais pairar.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Concedo a palavra ao

nobre Deputado Pastor Pedro Ribeiro.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Dr. Volnei Ribeiro, tivemos

no decorrer de todo o processo de conversação e de diálogo informações profundas

e importantíssimas. Estas aí, por exemplo, que ficaram muito claras. Eu diria que é o

“projeto do lindo” (risos), porque aí temos que lançar esse projeto. Mas eu quero

fazer perguntas pontuais para embasamento do nosso relatório. Como o senhor

define tráfico de órgãos humanos? Eu vou fazer logo todos, depois o senhor... Quais

as modalidades de tráficos de órgãos existentes? Existem pactos internacionais que

proíbam o comércio de órgãos? Pactos internacionais.

(Intervenção inaudível.)

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Não, pactos entre nações,

que o tratado pode ser individual, não é? Pactos. Tem conhecimento, doutor, de

uma legislação, de algum País que permita a comercialização de órgãos? E quais os

pontos da Lei do Transplante do Brasil que favorecem ou favoreceram o comércio

de órgãos? Quais os pontos da Lei do Transplante do Brasil que favorecem ou

favoreceram ou permanecem favorecendo o comércio de órgãos humanos? São

esses pontos.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Definição de tráfico de órgão, eu acho que é

quando existe o usufruto de alguém com perda, com abuso para o outro. Quando

existe também trocas monetárias, no meio dessa questão. Eu acho que esse tráfico

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pode ser interno no País ou para o exterior. Existem casos pontuais. Então, o que

nós conseguimos levantar nesses — realmente anos — olha, eu fiquei muito tempo

dentro de biblioteca para fazer esse livrinho aí. (Risos.)

O SR DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Imagino.

O SR. VOLNEI GARRAFA - É muita revisão. (Risos.) Então, o que nós

conseguimos foi isso aí. Foi isso aí. Foi bem recebido na Itália. As pessoas ficaram

chocadas um pouco, porque elas se deram conta de que essa coisa parecia que era

muito marginal e só de imprensa sensacionalista. De repente, nós encontramos

muitos casos mencionados na literatura, como esse do Sr. Giovanni Berlinguer e

assim como muitos outros, mas sempre marginais. Então, a definição acho que é

isso aí: quando há troca, quando há benefício de um e sofrimento ou perda de outro

e há ganhos materiais, enfim. Sobre a questão das modalidades de tráfico. Acho que

coloquei na minha apresentação mais ou menos, e estou deixando aqui, a

classificação que a gente fez, que algumas pessoas dão e o que nós entendemos, a

nossa posição, que é absolutamente contrária à questão de qualquer forma de

mercantilização, mesmo que exista uma dificuldade. É por isso que o Estado tem

que prevenir; se antecipar, para que uma pessoa vulnerável não tenha que chegar a

esse ponto, a essa tristeza de uma situação desse tipo. Se existem pactos entre

nações contra o tráfico, não conheço. Sei que a Índia tomou realmente uma decisão

bastante dura, porque estava havendo realmente uma corrida muito forte para

transplantes renais serem feitos na Índia.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Na sua visão, seria bom,

quem sabe a partir desse nosso trabalho, se se levantasse essa visão de um pacto

internacional contra isso? Porque, veja bem o caso de Pernambuco e o senhor citou

a Índia. O caso de Pernambuco — agora ficou claro que havia um desrespeito.

Quem sabe, se lá para eles não pesa, porque não conhecemos a legislação — por

sinal, já temos aqui o nosso cooperador, o médico que nos ajuda, já levantando isso

aí —, mas para nós não vale nada, vamos buscar no Brasil. Se houvesse, quem

sabe, um trabalho em torno desse pacto, haveria mais respeito às leis. Talvez se

coibisse essa expansão, essa intenção de eles entrarem nos outros países para

fazer isso aí.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Deputado, acho que prevenir nunca é mal.

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O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - É verdade.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Se um pacto desse tipo pode ser preventivo,

acho que mal ele não vai fazer, já que ele vem exclusivamente para o bem.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Mas é oportuno?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Acho que é oportuno. Se, por exemplo, a

Comunidade Européia, que sabe que existe alguma ... O Prof. Berlinguer agora é

candidato — inclusive está com 80 anos; estive com ele, quando estive na Itália,

alguns dias atrás — a eurodeputado. Ele certamente seria uma pessoa que seria o

interlocutor numa questão dessas, digamos, a nível de Comunidade Européia,

exatamente para proteger os vulneráveis. Acho que, nesse sentido, seria uma coisa

afirmativa. Tendo dito, Deputado, que assim como nós — nós, espécie humana

— construímos em 1948 a Declaração Universal dos Direitos Humanos, com tanta

tecnologia agora que está vindo, com células-tronco, essa coisa toda, acho que está

na hora de a comunidade internacional das nações elaborar uma espécie de

estatuto da vida, onde coisas como essa passem a ser contempladas no sentido de

prevenção, porque certamente não vai ter o poder de lei, mas tem poder moral muito

grande sobre as nações e sobre as pessoas. Acho que essas coisas... O lado

negativo disso aí tem que ser realmente denunciado, tem que ser definido o que não

se quer e se é possível estabelecer mecanismos para que isso seja evitado,

prevenido, acho que é importante. É importante também, nisso tudo... Certamente,

isso que vou dizer é chover no molhado. A importância desta CPI acho

extraordinária, mas é importante... A responsabilidade de todos os senhores é

extremamente grande. Porque é muito importante que as coisas saiam muito bem

dosadas daqui, para que isso não se transforme em temor para a população e que

não venhamos, com a melhor das intenções, atrapalhar esse campo promissor, que

é generoso, que, enfim, ajuda tantas famílias e tantas pessoas a diminuir o seu

sofrimento, que é o campo dos transplantes de órgãos. As pessoas não podem

entender que isso é uma questão que vai contra isso. Não é. Vai a favor, e tenho a

certeza de que os senhores têm isso muito claro. Quando falo sobre esse tema,

tomo muito cuidado porque sou meio empolgado e, às vezes, conforme quem

escuta, acha que eu sou contra transplante de órgão. E não é. Então, acho que a

gente tem de ter muito cuidado porque, de repente, você quer fazer um bem e está

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causando pânico nas pessoas. Isso aí eu acho complexo. Legislações que

permitam... Não, eu acho que não existe. O problema é que os grupos que fazem

esse tipo de comércio procuram furos nas legislações. O senhor sabe que sempre

tem. Essa questão do doador vivo não-parente no Brasil acho que é pela fragilidade

da sociedade brasileira, onde um terço da população não tem acesso aos bens de

consumo mais básicos e acaba tendo que vender. Dentro da nossa realidade... Uso

muito esse exemplo com os meus alunos: a diferença entre ética e moral. A ética é

do grego ethikós, que significa modo de ser, modo de proceder das pessoas. Os

romanos, que vieram um pouquinho depois e criaram o Direito romano, quando

resolveram criar as primeiras leis tomaram a seguinte decisão. “Bom, qual é a lei

boa? A lei boa é aquela que exprima aquilo que a maioria pensa.” Como eles não

tinham o ethikós, do grego, usaram o mores, do latim, que é moral. Alguns autores,

alguns filósofos consideram ética e moral como sinônimos. Ethikós é o modo de ser,

o modo de proceder e mores é hábito, costume, aquilo que é costumeiro, aquilo que

é habitual. São mais ou menos iguais. Agora, os hábitos e os costumes vão

mudando com o tempo e não adianta a lei querer avançar além dos hábitos e dos

costumes de uma nação. O problema da doação presumida de órgãos não deu certo

por isso. A idéia era muito boa, mas não estávamos preparados para isso. Então,

essa questão da doação, por exemplo, inter vivos não-parentes num país como o

Brasil, com tanta fragilidade social... Acho que essa é a razão que não deveria

constar da lei. Não é que seja ruim. Se todos fossem pessoas autônomas...

Certamente uma pessoa com todas essas posses não iria doar um rim para uma

pessoa que ele nunca viu na vida. Poderia até, eventualmente... Quando o

Deputado, que saiu, lembrou o caso de pessoas que adotavam crianças

paraplégicas, por exemplo...

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Ele está ali.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Desculpe, Deputado. Mudou de lugar, não é? O

senhor sabe que isso é uma coisa que me preocupou muito. Tive notícia e constatei

que alguns casais europeus estavam adotando... Depois tive um exemplo concreto.

Aquele jogador de futebol, o Roberto Carlos, tem um filho adotivo paraplégico — e

Down, inclusive. Tem pessoas que tem uma... Acho que não chegaria a tanto nível

de generosidade, mas tem pessoas que têm esse nível de generosidade. Acho que

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a gente tem que pensar um pouco afirmativamente. Essa questão da moralidade é

fundamental. Não é que a lei brasileira do doador vivo não-parente seja ruim; acho

que ela não é compatível com nosso momento de desenvolvimento sociopolítico,

cultural e principalmente econômico, porque vulnerabiliza os mais fracos. Essa é a

questão. Não conheço legislações que permitam isso; não conheço, realmente. Mas

acho que as pessoas mal-intencionadas aproveitam os furos da lei e usam isso aí.

Pontos da lei que favorecem o mercado. Como a este aqui já me referi, quero

reforçar talvez essa questão do doador vivo não-parente e, em segundo lugar, acho

que a lei deve ser bastante rigorosa. Ela é, mas essas coisas às vezes têm que ir

para a prática. É a questão que o Deputado Rafael Guerra levantou do controle da

morte encefálica nos bons hospitais. Isso aí acho que tem de ser rigoroso. E a

questão do controle das listas. Numa ocasião, fui convidado para dar uma

conferência em Rio Preto pelo Dr. Agenor Spallini Ferraz, um grande brasileiro,

quando o programa de Ribeirão Preto, que se chama Interior Transplantes,

completou 10 anos. Isso foi em 1998 — já faz alguns anos. Fiquei extremamente

impressionado com o que eles fizeram lá. Até recomendo o nome desse homem —

Agenor Spallini Ferraz. Ele foi quem implantou o sistema de transplante no Estado

de São Paulo. Acho que foi dois Governos anteriores. Ele tem uma experiência

prática muito concreta em Ribeirão Preto. Eles começaram o sistema da lista única.

No sistema de Ribeirão, cada pessoa tem uma pontuação. Cada caso tem uma

pontuação: a idade do paciente, a distância de onde ele mora para o centro, as

questões imunológicas. E, dentro dessa pontuação, tem um número, e aquele

número vai dar o lugar para ele na lista. Todos são anônimos e não há maneira de

furar a lista. E o controle é um controle social, que está na mão das famílias, etc.,

etc. Vejam que é possível a gente colocar essas coisas com correção se a lei é

levada a sério, se ela for bem aprimorada. Então, deixaria como última palavra as

suas questões. E, se ficou alguma coisa pendente, o senhor, por gentileza, me

argua. Acho que seria um bom momento de uma revisão na legislação e não no

sentido de destruição. A legislação brasileira não é ruim; ela é boa. Diria até mais:

ela é muito boa, mas precisa de alguns ajustes. E, na medida em que alguns anos

passarem e que experiências novas venham sendo acumuladas, ela pode ser

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ajustada no sentido de melhorar essas pequenas distorções que eventualmente

tenham ocorrido.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Até diria, Prof. Volnei, que

além de a lei ser boa, apesar dos ajustes que necessita, o principal é o controle.

Como em todas as coisas no Brasil, temos boas leis. Elas não acontecem porque

ninguém controla, ninguém respeita.

O SR. VOLNEI GARRAFA - A priorização econômica para o setor sanitário...

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Daí vêm essas coisas

todas. Quero agradecer a sua contribuição inestimável, importantíssima. Queria até

pedir a esta relatoria, solicitar disponibilidade para que em algumas questões, quem

sabe pontuais ou genéricas sobre essa área, que em nosso relatório o senhor

pudesse estar ao nosso alcance para que pudéssemos gozar, mais uma vez, do seu

conhecimento, da bagagem que o senhor nos traz. Esta relatoria se sente muito

satisfeita com sua participação.

O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu é que agradeço. Fico muito honrado de estar

aqui, nesta Casa — mais uma vez reforço isso — absolutamente à disposição. E

mais: em nome da Sociedade Brasileira de Bioética... Várias pessoas estão aqui

presentes, como o Prof. Siqueira, que é um grande cardiologista... A sociedade está

à disposição: o Padre Leo Pessini, pastores, rabinos. A nossa sociedade é

absolutamente pluralista: temos pecadores, santos, ateus, cristãos, enfim, e

convivemos pacificamente, nos toleramos, nos respeitamos. A sociedade está à

disposição. Temos um corpo, hoje, de mais de 600 associados e, se for necessário,

qualquer colega nosso, facilitaremos todo o possível para estar à disposição desse

importante trabalho. Obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Saindo do campo da

ética, da Justiça, e entrando no campo bíblico, a Bíblia diz, professor, que não há um

justo sequer; todos pecaram. Então, não tem pecadores e santos. Todos nós

carecemos da graça de Deus. Nós agradecemos...

O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Só uma observação, Presidente,

antes de terminar. Queria cumprimentar o nosso convidado e dizer que a

contribuição dele foi importantíssima. Estabelecemos aqui um debate bem aberto,

bem franco, que esclareceu pontos que acho fundamentais. A pergunta que V.Exa.

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fez a ele — o que é tráfico? Tráfico é o comércio proibido. O tráfico de drogas... É

comprar e vender coisa que não pode no Brasil. Devemos, reforçando o que o

professor disse, aperfeiçoar a lei de transplantes, a normatização, a lista única, que

está funcionando bem melhor do que quatro, cinco anos atrás, e discutirmos... Esta

é a contribuição que a nossa CPI pode dar ao País: discutir a questão do comércio.

Estava perguntando a algumas pessoas que talvez entendam mais do que eu e não

existe lei que proíba isso no Brasil — o comércio de órgão. Primeiro, hoje seria

possível córnea e rim, porque o resto, morre — fígado, coração...

(Intervenção inaudível.)

O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - É difícil. Ah, medula óssea. Está

certo. Nesses 3 casos, exatamente. Nos outros casos, não é nem tráfico nem

comércio, é assassinato — roubo, seqüestro ou assassinato. Se for usar o coração

de alguém, é assassinato. O tráfico é o comércio proibido. Temos de discutir a

criação de uma legislação que impeça o comércio. Não quer dizer que, com isso,

vamos conseguir impedir, mas pelo menos vamos ter um instrumento legal. Nesse

sentido, Presidente, a preocupação que o professor também manifestou, e que

talvez o Ministro tenha dito, que a CPI pudesse prejudicar o transplante... Confesso

que até eu cheguei a pensar nisso dessa forma no começo da questão. Em seguida,

surgiram os fatos de Pernambuco e passei a avaliar que era importante que a gente

estivesse trabalhando para mostrar que a nossa Casa está atuando, para poder

melhorar a legislação e para contribuir. Nesse sentido, se a gente souber fazer esse

tipo de trabalho, com contribuição como a que o professor deu aqui hoje, acho que a

gente não vai prejudicar em nada o transplante de órgãos — a gente vai tranqüilizar

o cidadão brasileiro de que há uma legislação, que há uma norma, que há

segurança. É nesse sentido que estarei aqui sempre contribuindo para que esta CPI

possa contribuir para o nosso País. Defendo um pouquinho, embora não seja nem

do partido do Ministro, o que ele disse. Porque essa preocupação poderia haver

realmente, se o nosso trabalho não estivesse sendo conduzido da forma como

V.Exa., o Relator e os nossos convidados estão conduzindo. Acho que não vai haver

nenhum problema. Vamos melhorar e contribuir. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Obrigado, nobre

Deputado Rafael Guerra. O Pastor Frankembergen tem a palavra.

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O SR. DEPUTADO PASTOR FRANKEMBERGEN - Sr. Presidente, gostaria

até de pedir desculpas porque tive que sair. Começamos aqui na audiência, mas

tivemos de sair para participar de uma reunião conjunta no Senado, importante para

o nosso Estado. Quero aqui pedir minhas desculpas, já que deveria permanecer

aqui na Casa, já que fui o autor do requerimento convidando o Prof. Volnei. Mas

quero aqui somente agradecer a presença do professor. Com certeza, não pude

assistir e participar da audiência como um todo. Mas, pelas declarações dos nobres

pares, com certeza foi de grande contribuição para esta Comissão. E não será

somente hoje, como o nobre Relator, Pastor Pedro Ribeiro, solicitou que em outra

oportunidade V.Sa., juntamente com a sua equipe, poderão contribuir para que o

relatório desta Comissão seja um relatório que venha realmente contribuir para a

nossa Nação, principalmente com relação a essa questão do transplante. Então, eu

quero agradecer. E muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Queremos agradecer ao

Prof. Volnei e a toda sua equipe que se faz presente aqui nesta audiência pública;

dizermos da satisfação de tê-lo aqui conosco, a sua colaboração, o material que

está disponibilizando para a Comissão Parlamentar de Inquérito que, com certeza,

vai enriquecer muito o relatório e vai servir de base para que os nobres

Parlamentares possam se aperfeiçoar sobre o assunto, para que nós possamos,

através dos serviços prestados por esta Comissão Parlamentar de Inquérito, no final

dos trabalhos, realmente oferecermos uma proposta séria, contundente para o

Sistema Nacional de Transplantes que venha beneficiar principalmente aqueles que

estão nas filas dos transplantes durante todo esse tempo. Eu... na verdade, aquela

hora em que houve o problema, o impasse, eu ia fazer uma pergunta ao professor, e

não sei se ele tem a resposta para me dar, mas eu queria... Não sei se o senhor tem

o dado, como estudioso do assunto — só para encerrar também essa parte aqui,

professor —, o Brasil é o segundo país maior transplantista do mundo. O primeiro

são os Estados Unidos. Qual é o tempo de... o senhor sabe, através de estudo, qual

o tempo médio, na fila de espera, de uma pessoa nos Estados Unidos?

O SR. VOLNEI GARRAFA - Eu não sei. Mas eles têm dificuldades também.

Eu conheço, por exemplo, um artigo científico feito em Los Angeles que a doação

era muito baixa. E, por exemplo, em comunidades negras, em comunidades

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hispânicas, havia muita rejeição à doação. Então, eles começaram a fazer

programas públicos de incentivo, e tal. Eles estavam com 13, 14, conseguiram pular

para 20 e poucos. Mas tem fila. É claro que é um tempo menor do que o nosso.

Quem está, realmente... o país que é exemplar na questão da doação, da rapidez,

da captação, é a Espanha. Realmente, é o país que... eles têm quase o dobro de

índice de captação do que nos Estados Unidos, por incrível que pareça.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Obrigado, Prof. Volnei,

pela participação, pela colaboração aos membros desta CPI. Muito obrigado. Que

Deus possa abençoá-lo e continuar inspirando, por meio do estudo, juntamente com

a equipe, sobre o assunto. Nós temos alguns requerimentos em pauta,

requerimentos do Pastor Pedro Ribeiro. São 3 requerimentos. E nós vamos até pedir

aos nobres Parlamentares... fazer a proposta que esses requerimentos sejam

votados em bloco. Requerimentos nºs 27, 28 e 29, do Deputado Pastor Pedro

Ribeiro. (Pausa.) Não havendo quem queira se opor à proposta, então vamos

colocar em votação os Requerimentos nºs 27, 28 e 29, do Deputado Pastor Pedro

Ribeiro: Requerimento nº 27/04, do Sr. Pastor Pedro Ribeiro, que "solicita a oitiva do

Dr. Sérgio Raimundini Cavechio, Coordenador da Central de Notificação, Captação

e Distribuição de Órgãos e Tecidos do DF”; Requerimento nº 28/04, do Sr. Pastor

Pedro Ribeiro, que "solicita a oitiva do Dr. Helcio Luiz Miziara, Chefe do Núcleo de

Anatomia Patológica do Hospital de Base de Brasília”, e Requerimento nº 29, do Sr.

Pastor Pedro Ribeiro, que "solicita a oitiva do Diretor do Hospital de Base de

Brasília, Dr. Aloísio Toscano França”. Para encaminhamento da matéria, o nobre

Deputado Pastor Pedro Ribeiro.

O SR. DEPUTADO PASTOR PEDRO RIBEIRO - Sr. Presidente, realmente

sendo prático, em razão até de estarmos observando os 3 juntos — e V.Exa. já leu a

ementa —, e eu vejo que há plena concordância, então são estes os requerimentos

que apresento. E agradeço pelo apoiamento.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Deputado Rafael Guerra.

O SR. DEPUTADO RAFAEL GUERRA - Eu ia dispensar a justificativa, até

porque está aprovado, não há nenhuma dúvida.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Neucimar Fraga) - Em discussão a matéria.

Não havendo quem queira discuti-la, coloco em votação. Os Deputados que a

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aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.) Aprovada. Não havendo mais

quem queira fazer uso da palavra, esgotados todos os assuntos e tratados,

agradeço a presença de todos e declaro encerrada esta reunião.