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DEPARTAMENTO DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO PARANÁ CORREGEDORIA GERAL DA POLÍCIA CIVIL Ref.: Protocolado nO lO.139.842-0-SESP Douta Corregedora Geral: Trata-se de ofício do Ilustre Diretor Geral da Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania, Doutor Luiz Carlos Giublin Junior, ao Diretor Geral da Secretaria de Estado da Segurança Pública, Ceio Rubens Guimarães de Souza, encaminhando cópia da Portaria n° 01712009, expedido pela Juíza de Direito da Comarca de Guaraniaçu, dispondo sobre trabalho de presos à sua disposição na unidade carcerária anexa a Delegacia de Policia de Guaraniaçu. Ocorre que, em seus artigos 6°,10°, §§ 1° e 2° de referida portaria, a Meritíssima Juíza delega funções a autoridade administrativa/policial, que se presume ser o Delegado de Polícia da Comarca, que não lhe competem. O artigo 144 da Constituição Federal preceitua que a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercido para a preservação da ordem pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio dos seguintes órgãos: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares. As pOlícias civis, conforme § 4°, do artigo acima citado, dirigidos por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária ea apuração de infrações penais, exceto as militares. 1

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Page 1: DEPARTAMENTO DA POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DO … · segundo ensina o jurista Damásio Evangelista de Jesus, em sua obra Lei dos Juizados Especiais Anotada (Ed. Saraiva, 10° edição,

DEPARTAMENTO DA POLÍCIA CIVILDO ESTADO DO PARANÁ

CORREGEDORIA GERAL DA POLÍCIA CIVIL

Ref.: Protocolado nO lO.139.842-0-SESP

Douta Corregedora Geral:

Trata-se de ofício do Ilustre Diretor Geral da

Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania, Doutor LuizCarlos Giublin

Junior, ao Diretor Geral da Secretaria de Estado da Segurança Pública,

Ceio Rubens Guimarães de Souza, encaminhando cópia da Portaria n°

01712009, expedido pela Juíza de Direito da Comarca de Guaraniaçu,

dispondo sobre trabalho de presos à sua disposição na unidade carcerária

anexa a Delegacia de Policia de Guaraniaçu.

Ocorre que, em seus artigos 6°,10°, §§ 1° e

2° de referida portaria, a Meritíssima Juíza delega funções a autoridade

administrativa/policial, que se presume ser o Delegado de Polícia da

Comarca, que não lhe competem.

O artigo 144 da Constituição Federal

preceitua que a segurança pública, dever do Estado, direito e

responsabilidade de todos, é exercido para a preservação da ordem

pública, da incolumidade das pessoas e do patrimônio, por meio dos

seguintes órgãos: polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia

ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros

militares.

As pOlícias civis, conforme § 4°, do artigo

acima citado, dirigidos por delegados de polícia de carreira, incumbem,

ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a

apuração de infrações penais, exceto as militares.

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DEPARTAMENTO DA POLÍCIA CIVILDO ESTADO DO PARANÁ

CORREGEDORIA GERAL DA POLÍCIA CIVIL

Arf. 144. A segurança pública, dever do

Estado, direito e responsabilidade de todos, é

exercida para a preservação da ordem

pública e da incolumidade das pessoas e do

patrimônio, através dos seguintes órgãos: ...

IV - polícias civis;

l? 4° - Às polícias civis, diriqidas por deleqados

de polícia de carreira, incumbem, ressalvada

a competência da União, as funcões de

polícia iudiciária e a apuração de infrações

penais, exceto as militares.

o mesmo preceito está inserto na

Constituição Estadual, quando trata do assunto, em seus arts. 46 inciso I e

47:

Arf. 46. A Segurança Pública, dever do Estado,

direito e responsabilidade de todos, éexercida, para a preservação da ordem

pública e incolumidade das pessoas e do

patrimônio, pelos seguintes órgãos:

I - Polícia Civil;

Arf. 47. A Polícia Civil, dirigida por delegado de

polícia, preferencialmente da classe mais

elevada da carreira, é instituição permanente

e essencial à função da Segurança Pública,

com incumbência de exercer as funções de

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polícia judiciária e as apuracões das infracões

penais, exceto as militares. (grifo nosso)

Já O artigo 4° do Código de Processo

Penal, dispõe que "a Polícia Judiciária será exercido pelas autoridades

policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a

apuração das infrações penais e da sua autoria".

Note-se que o código refere-se àAutoridade Policial, não seus agentes, auxiliares ou outras pessoas, o que,

segundo ensina o jurista Damásio Evangelista de Jesus,em sua obra Lei dos

Juizados Especiais Anotada (Ed. Saraiva, 10° edição, São Paulo, 2007, p.

35), deve entender-se como Delegado de Polícia:

o art. 4°, caput, do CPP estatui que "a polícia

judiciária será exercido pelas autoridades

policiais no território de suas respectivas

circunscrições, e terá por fim a apuração das

infrações penais e da sua autoria". A CF, no

art. 144, § 4°, dispõe que "às polícias civis,

dirigidos por delegados de polícia de carreira,

incumbem, ressalvada a competência da

União, as funções de polícia judiciária e a

apuração de infrações penais, exceto as

militares". Combinando esses dispositivos,

pode-se concluir que, se a Constituição diz

que a polícia judiciária é função da polícia

civil, dirigido por delegado de polícia, e se o

CPP afirma que a polícia judiciária será

exercido pelas autoridades policiais, o

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conceito de autoridade policial identifica-se

com a figura do delegado de polícia.

Fernando da Costa Tourinho Filho, em seu

Manual de Processo Penal (Ed. Saraiva, 8° edição, São Paulo, 2006, p. 64),

acerca da Polícia Civil, entende que esta tem, por finalidade, investigar as

infrações penais e apurar a respectiva autoria, a fim de que o titular da

ação penal disponha de elementos para ingressar em juízo, como bem o

diz o art. 4° do CPP.

Então, partindo-se deste entendimento,

tem-se que a principal atribuição da Polícia Civil seria a apuração das

infrações penais, através do meio legal e adequado que é o inquérito

policial, assim definido por Guilherme de Souza NuccL em seu Código de

Processo Penal Comentado (Ed. Revista dos Tribunais,5° edição, São Paulo,

2006, p. 75):

Trata-se de um procedimento preparatório da

ação penal, de caráter administrativo,

conduzido pela polícia judiciária e voltado acolheita preliminar de provas para apurar a

prática de uma infração penal e sua autoria.

Seu objetivo precípuo é a formação da

convicção do representante do Ministério

Público, mas também a colheita de provas

urgentes, que podem desaparecer, após o

cometimento do crime, bem como a

composição das indispensáveis provas pré­

constituídas que servem de base à vítima, em

determinados casos, para a propositura da

ação privada.

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CORREGEDORIA GERAL DA POLÍCIA CIVIL

A Lei Complementar n° 14/82, com suas

posteriores alterações, que instituiu o Estatuto da Polícia Civil do Paraná,

dispõe, em seu artigo 2°, que à Polícia Civil incumbe, em todo território

estadual, a preservação da ordem pública e o exercício da Polícia

Judiciária, Administrativa e de Segurança, com a prevenção, repressão e

apuração das infrações penais e atos anti-sociais, na forma estabelecida

pela legislação em vigor.

Em nenhum momento citam a

Constituição Federal, o Código de Processo Penal, o Estatuto da Polícia

Civil ou outras Leis em vigor, que, dentre as atribuições da Polícia Civil ou

do Delegado de Polícia, está a guarda de presos provisórios ou

condenados, bem como que este está equiparado ao diretor de presídio,

mencionado na Lei n° 7.210/84, excetuando-se a guarda de presos

provisórios, enquanto interessarem à investigação policial, prevista no

inciso VII, do art. 6° da Lei Complementar 96/2002.

Aliás, a Lei 7.210/84, que instituiu a Lei de

Execução Penal, em seu artigo 75, Parágrafo único, exige que o diretor de

estabelecimentos penais resida no local ou nas proximidades e dedique

tempo integral à função:

Arf. 75. O ocupante do cargo de diretor de

estabelecimento deverá satisfazer os seguintes

requisitos:

Parágrafo único. O diretor deverá residir no

estabelecimento, ou nas proximidades, e

dedicará tempo integral à sua função.

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DEPARTAMENTO DA POLÍCIA/CIVIL .-......DO ESTADO DO PARANA ~CORREGEDORIA GERAL DA POLÍCIA CIVIL .

A mesma Lei, em seus artigos 102 e 103,

dispõe que a Cadeia Pública destina-se ao recolhimento de presos

provisórios, que cada Comarca terá pelo menos uma, a fim de resguardar

o interesse da administração da iustiça criminal e, que o estabelecimento

deverá ser instalado próximo ao centro urbano, observando-se na

construção as exigências mínimas referidas no artigo 88 e seu parágrafo

único, porém, não faz menção quanto à responsabilidade pela guarda e

demais atos relativos aos presos.

Guilherme de Souza Nucci (Leis Penais e

Processuais Penais Comentadas, Ed. Revista dos Tribunais, 2° edição, 2007,

p. 104e 105),quandO aborda o assunto, assim define Cadeia Pública:

Cadeia Pública: é o estabelecimento

destinado a abrigar presos provisórios, em

sistema fechado, porém sem as características

do regime fechado. Em outras palavras, a

cadeia, normalmente encontrada na maioria

das cidades brasileiras, é um prédio (muitas

vezes anexo a Delegacia de Polícia) que

abriga celas. Não há trabalho disponível, nem

outras dependências de lazer, cursos, etc.,

justamente por ser lugar de passagem, onde

não se deve cumprir pena.

o próprio Estatuto Penitenciário do Estado

do Paraná, leva ao entendimento que o Delegado de Polícia não pode,

ao mesmo tempo, administrar a unidade policial e o estabelecimento

penal, conforme disposto no parágrafo 1° do artigo 3°, ao mencionar que

nas com arcas onde não existirem estabelecimentos presidiários, suas

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DEPARTAMENTO DA POLÍCIA CIVILDO ESTADO DO PARANÁ

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finalidades seriam, excepcionalmente, atribuídas às cadeias públicas

locais, excetuando-se às restrições legais, ou seja, aqueles critérios previstos

no artigo 75 da Lei de Execução Penal.

Parecer da D. Delegada de Polícia,

Doutora Soraya Maria Mendes da Silva, à época Corregedora Auxiliar da

Corregedoria Geral da Polícia Civil do Paraná, ilustra bem a matéria:

"Quer parecer que o Poder Judiciário, na

figura de alguns de seus Juízes, vem utilizando

a expedição de Portarias na tentativa de

solucionar os problemas relacionados ao Juízo

de Execução; vem igualando as cadeias

públicas aos estabelecimentos penais

legalmente previstos para o cumprimento de

pena. Para tanto, parece haver uma

equiparação da figura do Delegado de Polícia

ao Diretor de Presídio, arf. 75 LEP/84 citado

anteriormente. Todavia, considerando as

funções legalmente previstas ao Delegado dePolícia, comentadas anteriormente a função

de Diretor de Presídio não é atribuição do

Deleaado de Polícia, consubstanciando-se em

flagrante desvio de função. Aparentemente,

utiliza-se o magistrado de analogia in malan

parfen, pois lhe atribui funções que não são

previstas em lei. Entendeu o legislador em

consignar na Lei de Introdução ao Código

Civil diretrizes sobre o preenchimento das

lacunas legais. Dispõe o arf. 4° CCB: "Quando

a lei for omissa, o juiz decidirá de acordo com

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DEPARTAMENTO DA POLÍCIA,CIVIL ..a....,DO ESTADO DO PARANA ~CORREGEDORIA GERAL DA POLÍCIA CIVIL

a analogia, os costumes e os princípios gerais

do direito". Como define João José Caldeira

Bastos, li a analogia é o processo lógico que

autoriza a criação de uma regra jurídica,

derivada da lei, aplicável a um fato omisso.

Situa-se, pois, no setor de aplicação do direito,

onde opera como elemento supletivo da lei

(grifo nosso)". A Portaria encontra-se dentro de

umas das prerrogativas do Poder

Regulamentar da Administração, contudo é

necessário que tenha uma Lei como

fundamento de validade. Não se admite que

uma Portaria seja inovadora a ponto de exigir

mais do que exige a Lei que trata do assunto."

Não pode a Autoridade Policial, seus

agentes ou auxiliares, serem desviados de suas funções simplesmente

porque não existem vagas em Estabelecimentos Penais, quer para

cumprimento de penas em regime fechado, quer para semi-aberto ou

para presos provisórios, pois constitucionalmente as atribuições da polícia

civil são outras, além de que não possuem os servidores policiais civis

qualificação nem treinamento especializado para a guarda de presos, e a

manutenção destes, mesmo que em regime semi-aberto ou provisório, em

qualquer carceragem anexa, ou na própria delegacia de polícia

colocaria em risco sua segurança, visto que as unidades dependeriam de

servidores especializados e destinados somente a esta função.

Após décadas submetendo policiais e os

próprios encarcerados em situações que atentam a saúde e aos Direitos

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~ DEPARTAMENTO DA POLÍCIA CIVIL%~~ DO ESTADO DO PARA~Á

'f"'NJ:El~~<f) CORREGEDORIA GERAL DA POLICIA CIVIL

Humanos, o Conselho Nacional de Justiça, através de seu presidente, quer

cumprir a lei e zerar o número de presos em delegacias:

"Em sua última visita à Bahia como presidente

do Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar

Mendes cobrou do governo do Estado a

diminuição do número de presos em

delegacias, locais destinados a detenções

provisórias. Para ele, as 5,6 mil pessoas nessa

situação na Bahia e as 60 mil no Brasil estão

"amontoadas em péssimas condições".

(Jornal A Tarde, 20.03.2010)

Diante do acima exposto, entendo, s.m.j.,

que a custódia de presos condenados quer em regime fechado, regime

semi-aberto, aberto ou presos provisórios, nas unidades carcerárias, anexas

ou não às Delegacias de Polícia, não está inserida no ordenamento

jurídico como atribuição dos Delegados de Polícia, nem de seus agentes

ou auxiliares, não Ihes cabendo, portanto, a custódia nem a fiscalização

da execução de suas penas e liberação de materiais, etc, voltados ao

trabalho do preso.

Submeto a Vossa apreciação.

CUriti~~ 2010.

t:~'<: Sérgio Taborda".J'1;f;. Corregedor-Geral Adjunto

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