1ª anotada - adaptação celular
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A célula normal é capaz de responder às suas necessidades fisiológicas
mantendo um estado de equilíbrio designado de homeostase.
Quando sujeita a estímulos fisiológicos diferentes ou a estímulos
patológicos pode desencadear um conjunto de respostas com o objectivo de
alcançar uma nova estabilidade e preservar a viabilidade celular.
Adaptação celular – resposta a um estímulo que proporciona um novo
estado de equilíbrio do metabolismo e da estrutura mais adequada à
sobrevivência no novo ambiente; sendo que é um processo reversível.
A adaptação celular pode ser de dois tipos:
- Adaptações fisiológicas – respostas celulares a estímulos normais de
hormonas ou mediadores químicos endógenos.
- Adaptações patológicas – permitem às células modular o seu ambiente
e, idealmente, escapar à lesão.
As principais respostas adaptativas são:
Atrofia → diminuição do volume da célula;
Hipertrofia → aumento do volume da célula;
Hiperplasia → aumento do número de células;
Metaplasia → alteração reversível de um tipo de células adultas
(epitelial ou mesênquima) em outro.
Caso sejam excedidos os limites desta resposta ou se a célula for sujeita
a stress ou a um agente que a danifique decorrerão uma série de eventos
denominados de lesão celular.
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Anotada de Anatomia PatológicaData: 11 de Outubro de 2007
Tema da Aula: Adaptação Celular: tipos e
mecanismos
A lesão celular é reversível até certo ponto. Se o estímulo for muito
intenso ou se persistir por muito tempo a célula atinge o “ponto de não retorno”,
sofrendo lesões irreversíveis que conduzem, eventualmente, à sua morte.
A morte celular é um dos eventos cruciais na evolução da doença de
qualquer tecido ou órgão. Existem dois mecanismos principais de morte celular,
a Apoptose e a Necrose.
A Necrose ocorre após situações de stress anormal (como a isquémia
ou a lesão química), é caracterizada por um aumento de volume da célula, com
lesão da membrana celular, ruptura dos lisossomas e consequente libertação
de hidrolases que fazem digestão enzimática dos organitos celulares , levando
ao extravasamento do conteúdo celular para o espaço intercelular; esta via de
morte celular pode resultar em disfunção tecidular considerável. É sempre um
processo patológico.
A Apoptose ocorre como resultado da activação de um programa de
suicídio controlado internamente, após o qual as células mortas são removidas
com o mínimo dano para os tecidos que as rodeiam. Em contraste com a
necrose que está impreterivelmente ligada a patologia, a apoptose
desempenha um papel em estados fisiológicos, em que há eliminação de
células indesejadas (ex.: embriogénese), mas também em estados patológicos
(ex.: células com mutações que não podem ser reparadas).
Fig. 1 – Adaptação, lesão e morte celular podem ser considerados fases de um
dano progressivo das funções e estruturas celulares normais.
A resposta celular ao aumento das necessidades da célula e a estímulos
externos conduz a uma situação de hiperplasia ou hipertrofia. Pelo contrário a
célula responde a um reduzido suprimento de nutrientes e de factores de
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crescimento atrofiando. Em certas condições pode haver uma substituição de
um tipo celular por outro, processo já referido como metaplasia.
Resumindo:
A adaptação celular aos vários estímulos pode ocorrer por três factores.
Sendo que nesta anotada apenas se vão abordar os dois primeiros.
Adaptação a Estímulos
1. Aumento da Actividade Celular
2. Diminuição da Actividade Celular
3. Alteração do Tipo Celular
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Apoptose
Necrose
Resposta FuncionalLesão Celular
Reversível
ADAPTAÇÃO
Lesão CelularIrreversível
MORTE CELULA
R
Susceptibilidade
Estimulo
Apoptose
1. Aumento de Actividade Celular
Aumento do nº de células – Hiperplasia
- Aumento da divisão celular.
Aumento de tamanho celular – Hipertrofia
- Aumento da síntese de proteínas estruturais;
- Diminuição do catabolismo proteico.
Em ambos este aumento condiciona um aumento de volume do tecido
ou órgão.
Embora estes dois processos sejam claramente distintos, ocorrem,
frequentemente, em simultâneo. Os estímulos que induzem a hipertrofia e
hiperplasia são muito semelhantes e entre estes destacam-se factores de
crescimento, receptores de factores de crescimento e vias de sinalização
celular.
Hipertrofia vs Hiperplasia
Hiperplasia
Caracteriza-se por um aumento do número de células num órgão ou
num tecido, resultando num aumento de volume desse mesmo órgão/tecido.
Apesar da hiperplasia e hipertrofia serem dois processos distintos,
frequentemente ocorrem em simultâneo, e podem ser desencadeados pelos
mesmos estímulos.
Exemplo: o crescimento do útero induzido hormonalmente envolve o
aumento do número de células epiteliais e das células musculares lisas, bem
como o aumento do volume dessas células.
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Hiperplasia
Hipertrofia
A hiperplasia ocorre se a população celular é capaz de sintetizar DNA,
permitindo, assim, a divisão mitótica. A hipertrofia, pelo contrário envolve um
aumento da célula sem divisão celular.
A hiperplasia é, normalmente induzida por:
- Aumento de produção local de factores de crescimento;
- Aumento dos níveis de receptores de factores de crescimento nas
células-alvo;
- Activação de vias de sinalização intracelulares específicas.
Todas estas alterações resultam na produção de factores de transcrição
que activam vários genes, incluindo genes que codificam factores de
crescimento, receptores desses factores e reguladores do ciclo celular. No seu
conjunto vão desencadear, então, a proliferação celular.
O aumento da massa do tecido após alguns tipos de perda celular é
conseguido não só pela proliferação das células ainda existentes mas também
pelo desenvolvimento de novas células a partir de células estaminais. Assim, a
hiperplasia encontra-se dependente de vários factores:
- Capacidade das células de reentrar no ciclo celular (podem estar
quiescentes em fase G0, G1 ou G2);
- Factores hormonais;
- Necessidades funcionais adequadas.
Este processo pode ser induzido por:
Sobrecarga de trabalho (também por compensação de uma parte de um
órgão ou do contralateral, que começou a funcionar menos);
Estimulação hormonal ou por factores de crescimento;
Lesão persistente.
A hiperplasia pode ser fisiológica ou patológica.
Hiperplasia Fisiológica
A Hiperplasia Fisiologia pode ser de dois tipos:
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Hiperplasia Hormonal (Fisiológica)
Aumenta a capacidade funcional do tecido quando necessário.
São exemplos a proliferação do epitélio glandular da mama na
puberdade e durante a gravidez, e a hiperplasia fisiológica que ocorre no útero
durante a gravidez. Pode também ser induzida pela prática de actividades
desportivas (estimulação física e hormonal), deslocações em grande altitude
(hiperplasia eritróide da medula óssea - causada pelo aumento de
eritropoietina, que por sua vez traduz o objectivo fisiológico de aumento de
hemoglobina, para responder à rarefacção do ar).
Na hiperplasia hormonal, as próprias hormonas actuam como factores
de crescimento e estimulam a transcrição de vários genes celulares.
Fig. 2 – Hiperplasia mamária ductal; a seta indica o aumento das células epiteliais
glandulares projectando-se para o lúmen da glândula; C, corresponde a resto de secreção
Hiperplasia Compensatória
Aumenta a massa tecidular após dano ou remoção parcial. Ocorre, por
exemplo, no rim (hiperplasia do rim que permanece após nefrectomia parcial)
ou no fígado. Na hiperplasia compensatória, a origem dos factores de
crescimento e dos estímulos para a produção desses factores não está bem
definida.
Hiperplasia Fisiológica
Hiperplasia Hormonal
Hiperplasia Compensatória
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Hiperplasia Patológica
A hiperplasia patológica pode ser causada por um excesso de
estimulação hormonal ou de factores de crescimento que actuam nas células.
Embora esta forma de hiperplasia seja anormal, o processo permanece
controlado, sendo que a hiperplasia regride caso a estimulação seja eliminada.
É esta resposta aos mecanismos reguladores normais que distingue a
hiperplasia patológica benigna do cancro, no qual o mecanismo de controlo do
crescimento se torna defeituoso. Contudo, a hiperplasia patológica é um factor
que pode propiciar a proliferação cancerígena.
A hiperplasia constitui também uma resposta importante das células do
tecido conjuntivo na cicatrização de feridas, nas quais há proliferação de
fibrolastos e vasos sanguíneos. Nestas circunstâncias, os factores de
crescimento são os responsáveis pela hiperplasia.
A estimulação através dos factores de crescimento está também
relacionada com hiperplasia em certas infecções virais (ex.: papilomavirus, que
causa verrugas e várias lesões na mucosa).
Exemplos de hiperplasia patológica:
Pilosa;
Mama;
Endométrio;
Próstata;
Tiroideia
Hiperplasia benigna da próstata (hiperplasia miofibroglandular):
- Patologia prostática mais frequente;
- Afecta indivíduos com mais de 70 anos;
- Dificuldades urinárias associadas;
- Obstrução/retenção urinária.
Hiperplasia da tiroideia
- Aumento dos níveis séricos de TSH (por deficiência de iodo na dieta - bócio
endémico; tumor produtor de TSH ou dishormonogénese);
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- Aumento da actividade de receptores de TSH (doença de Graves)
Fig. 3 – Hiperplasia cística do endométrio
Fig. 4 – As setas indicam glândulas dilatadas que constituem grande parte do tecido prostático,
havendo compressão do estroma.
Hipertrofia
- Aumento do tamanho das células por síntese de componentes
estruturais da célula;
- Hipertrofia por aumento das necessidades funcionais.
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Fig. 5 – Hipertrofia fisiológica do útero durante a gestação. A, aparência normal do útero
(direita) e um útero gravídico (esquerda). B, células musculares lisas dum útero normal
(esquerda) comparadas com células grandes e arredondadas dum útero gravídico (direita).
A hipertrofia é, então, caracterizada não pela geração de novas células,
mas somente pelo aumento destas. Ao passo que as células que se podem
dividir respondem ao stress através de processos de hiperplasia e hipertrofia,
as células indivisíveis só respondem a processos de hipertrofia. Assim, as
células hipertrofiadas têm um maior conteúdo de DNA em relação a células
normais, provavelmente devido à paragem do ciclo celular das mesmas antes
da fase mitótica.
A hipertrofia pode ser fisiológica ou patológica e é causada pelo
aumento das necessidades funcionais ou por estimulação hormonal específica.
Como exemplo temos o coração, onde se denota que o estímulo comum para
ocorrência de hipertrofia é a sobrecarga hemodinâmica crónica, resultante de
casos de hipertensão ou mesmo valvulopatias. A síntese de mais proteínas
estruturais e filamentos ocorre de forma a equilibrar a capacidade funcional das
células com o esforço a que elas são submetidas.
No que diz respeito a mecanismos que induzem a hipertrofia, o seu
estudo é maioritariamente proveniente de dados do coração, e como tal sabe-
se que a hipertrofia envolve várias vias de transducção de sinal, que conduzem
à activação de genes, que por sua vez estimulam a síntese proteica. Entre
esses sinais destacam-se factores de crescimento (TGF-β, IGF-1, FGF),
factores de transcrição (c-fos, c-jun) e agentes vasoactivos (agonistas α-
adrenérgicos, endotelina-1 e angiotensina II).
A hipertrofia do coração está associada à re-indução do gene que
promove a expressão do factor natriurético auricular (FNA) (a expressão
ventricular deste tinha sido reprimida após o nascimento). Este vai causar um
aumento da excreção de Na+, pelo rim, diminuindo a pressão arterial e
reduzindo, por consequência, a sobrecarga hemodinâmica do coração. No
entanto, este processo atinge um limite após o qual o aumento celular deixa de
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ser viável e a sua funcionalidade compensatória perde o efeito, levando a
insuficiência cardíaca.
Fig. 6– Comparação entre um coração normal (em cima), um coração hipertrófico (à esquerda)
e um coração com células miocárdicas em necrose (à direita).
2 - Diminuição da Actividade Celular
Por redução do tamanho celular – atrofia
- redução da síntese de proteínas estruturais;
- aumento do catabolismo proteico.
Por diminuição do número de células – involução
- morte das células por apoptose
Atrofia fisiológica
É frequente durante o desenvolvimento embrionário, como é o caso da
atrofia do canal tireoglosso e do notocórdio. No entanto, é um processo que
também ocorre na vida pós-embrionária tal como é indicado seguidamente:
- adulto jovem – timo
- adulto idoso – útero, ovário, testículo, cérebro, tecido linfóide, etc.
Atrofia patológica
Pode ocorrer de forma local ou generalizada, sendo as causas mais
frequentes as seguintes:
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- Diminuição de funcionalidade – quando um membro está imobilizado
durante muito tempo, o músculo esquelético atrofia rapidamente. A redução
rápida de tamanho celular pode ser revertida se a actividade do músculo for
readquirida num curto espaço de tempo; se o período de ausência de
actividade muscular for muito prolongado, o número de fibras musculares
esqueléticas diminui;
- Perda de inervação – o dano causado em nervos conduz à atrofia das
fibras musculares inervadas por estes;
- Diminuição do suporte sanguíneo – a isquémia tecidual resulta numa
atrofia, devido à perda consequente de células;
- Diminuição da estimulação endócrina – essencial para o normal
funcionamento de glândulas endócrinas, a mama, órgãos reprodutivos…;
- Nutrição inadequada – situações de marasmo podem levar à utilização
de células musculares esqueléticas como fonte de energia, o que por sua vez
origina a atrofia muscular por depleção celular (caquexia);
- Envelhecimento – o processo de envelhecimento está associado à
perda celular, tipicamente observada em tecidos que contêm células
permanentes (ex.: cérebro e coração);
- Compressão – compressão tecidual durante um período de tempo
pode causar atrofia. Esta é, provavelmente, resultante de alterações
isquémicas provocadas pela insuficiência de irrigação desses mesmos tecidos
(ex.: escaras).
As mudanças celulares associadas à atrofia são representadas pela
redução do tamanho das células até um ponto em que elas ainda são viáveis e
cuja sobrevivência é possível. A atrofia não é mais do que um processo que
equilibra o volume celular com os níveis reduzidos de irrigação sanguínea,
nutrientes ou estímulos tróficos. Assim sendo, apesar das células atróficas
estarem reduzidas na sua função elas não estão mortas! Contudo, é importante
ter em conta que se o suporte sanguíneo for inadequado para manter a
viabilidade das células atróficas,
podem ocorrer danos irreversíveis
e mesmo morte celular.
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Fig. 8 – Atrofia testicular com testículo normal à esquerda e testículo atrofiado à direita.
Os mecanismos da atrofia são ainda pouco conhecidos, mas é muito
provável que afectem o equilíbrio entre a degradação e síntese de proteínas,
tendo o aumento de degradação celular um papel fundamental na atrofia.
Alguns dos mecanismos envolvidos neste processo são a via da ubiquitina-
proteossoma (responsável pela degradação de muitas proteínas citosólicas e
nucleares) e o aumento de vacúolos autofágicos nas células (vacúolos que
contêm fragmentos celulares e, dentro dos quais, os lisossomas libertam as
enzimas hidrolíticas).
Fig. 9 – A, atrofia do cérebro dum homem de 82 anos com doença aterosclerótica. Atrofia é
devida ao envelhecimento e redução de suporte sanguíneo. B, cérebro normal dum homem de
36 anos. É de notar que a atrofia estreita as circunvoluções e alarga os sulcos cerebrais.
A reter…
Conceito de alteração adaptativa
o Processo reversível mediante a remoção do estímulo
Definições de Hiperplasia, Hipertrofia, Atrofia e Metaplasia;
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Doenças associadas: Bócio (hiperplasia nodular da tiroideia),
hiperplasia benigna da próstata, atrofia cerebral.
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