demonizacao do continente africano o entendimento do mito

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DEMONIZAÇÃO DO CONTINENTE AFRICANO, E DA CULTURA INDIGENA O ENTENDIMENTO DO MITO. “Novo Mundo” não seria diferente, pois o diabo cristão também adotou as feições dos deuses das religiões nativas antagônicas ao cristianismo. A principio, foram os deuses indígenas os primeiros a serem demonizados, tais como Anhangá (ou Anhangüera), um deus do panteão tupi-guarani, erroneamente identificado como um “espírito malfazejo”. Com a entrada maciça dos povos africanos, em substituição a mão de obra escrava indígena a partir do século XVII, foi a vez dos deuses africanos serem renegados. Os europeus, em sua maioria, viam os povos primitivos (indígenas e africanos), como seres “inferiores”. Contudo, alguns europeus não se demoraram a tentar disseminar a sua religião, e conseqüentemente a sua cultura, entre os povos nativos. Ora, qualquer forma de discriminação se torna completa quando o discriminado adere à ideologia do

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DEMONIZAÇÃO DO CONTINENTE AFRICANO, E DA CULTURA INDÍGENA O ENTENDIMENTO DO MITO. “Novo Mundo” não seria diferente, pois o diabo cristão também adotou as feições dos deuses das religiões nativas antagônicas ao cristianismo. A principio, foram os deuses indígenas os primeiros a serem demonizados, tais como Anhangá (ou Anhangüera), um deus do panteão tupi-guarani, erroneamente identificado como um “espírito malfazejo”. Com a entrada maciça dos povos africanos, em substituição a mão de obra escrava indígena a partir do século XVII, foi a vez dos deuses africanos serem renegados.

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DEMONIZAÇÃO DO CONTINENTE AFRICANO, E DA CULTURA INDIGENA O ENTENDIMENTO DO MITO.

“Novo Mundo” não seria diferente, pois o diabo cristão também adotou as feições dos deuses das religiões nativas antagônicas ao cristianismo. A principio, foram os deuses indígenas os primeiros a serem demonizados, tais como Anhangá (ou Anhangüera), um deus do panteão tupi-guarani, erroneamente identificado como um “espírito malfazejo”. Com a entrada maciça dos povos africanos, em substituição a mão de obra escrava indígena a partir do século XVII, foi a vez dos deuses africanos serem renegados.

Os europeus, em sua maioria, viam os povos primitivos (indígenas e africanos), como seres “inferiores”. Contudo, alguns europeus não se demoraram a tentar disseminar a sua religião, e conseqüentemente a sua cultura, entre os povos nativos. Ora, qualquer forma de discriminação se torna completa quando o discriminado adere à ideologia do colonizador. Não foi uma atividade missionária ingênua e desinteressada que introduziu o cristianismo (em especial, o catolicismo) em nosso continente. Mas, sim o poder das armas bélicas, e uma descaracterização cultural dos povos dominados, com um posterior processo de aculturação e dominação sócio-econômica.

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Houve um processo de sincretismo religioso no Brasil, e em outras partes da América Latina. Mas, limitando-nos ao contexto brasileiro, podemos dizer que os negros africanos foram forçados a camuflarem as suas práticas religiosas para evitarem maiores hostilidades. Com isso, os orixás passaram a ser associados aos deuses católicos. O problema não é o sincretismo em si, pois é possível que duas religiões se complementem, tal como acontece com o xintoísmo e o budismo, no Japão. A questão é que a igreja católica sempre discriminou as religiões africanas, sempre as demonizou, de tal forma que não é coerente afirma-se, ao mesmo tempo, afro religioso e católico, pelo menos enquanto a igreja não rever seus conceitos.

Da mesma forma como várias entidades indígenas foram demonizadas, os orixás africanos também foram alvos de um estigma, e que foi imposto não por simples  ignorância ou fundamentalismo religioso. Houve um processo de desumanização dos povos africanos que foram escravizados. Os europeus acharam que deveriam “civilizar” os povos nativos, mas, claro, impondo a eles a sua própria visão de mundo. O problema é que esta visão de mundo só agravou a só agravou a discriminação, pois introjetou nos povos ditos primitivos um auto preconceito. Estes povos passaram a se ver como “pecadores”, destituídos de uma “graça” divina, e em casos extremos como “sujos” e dignos de uma punição.

A independência do Brasil não representou uma autonomia cultural e ideológica, pois as elites dirigentes se viam como uma extensão – uma filial da metrópole, digamos assim - dos antigos colonizadores, vendo-os como um modelo a ser seguido. Logo, a estrutura social continuou a mesma, e conseqüentemente a escravidão. Com o tempo, o povo passou a elaborar os seus princípios e a codificar os seus valores morais e sócio-culturais tendo por base o ponto de vista europeu. Isto em si não é de todo ruim, pois de fato os europeus fazem parte da composição étnica de nosso país. Porém, esta aculturação se deu num processo opressor e penoso para muitos brasileiros.

A aversão às religiões de matriz afro extrapola as barreiras religiosas porque ela está impregnada do racismo contra as populações africanas. Esta aversão é o resultado dos mais de 300 anos de escravidão, e de um processo de aculturação que fez com que os brasileiros elaborassem seus princípios e valores tendo como modelo o que era mais aceito pelos antigos colonizadores europeus. Logo, para ser aceito era necessário se parecer com os europeus, viver como os europeus, e crer nos deuses europeus. Não podemos entender o sincretismo religioso como uma mera camuflagem. Mas, também, e principalmente, como uma tentativa de fuga de uma possível opressão perpetrada pela sociedade. É o medo da reprovação social que faz com que as pessoas se digam católicas “não-praticantes”.

Foi a instituição religiosa Igreja Católica Apostólica Romana quem primeiro demonizou as crenças nativas africanas. E, atualmente, são as igrejas pentecostais as que mais se dedicam ao combate às religiões afro. Existem religiões pentecostais que têm na completa eliminação dos cultos afro um ideal a ser seguido. Evidentemente, isto não é uma generalização, pois há cristãos evangélicos tolerantes e sem preconceito. Contudo, é inegável que para muitos evangélicos o “diabo” tem nome africano. O curioso é que nas religiões pentecostais há grande percentual de afro-descendentes (pardos e negros), o que revela que a aversão aos orixás também extrapola as barreiras de classificação “racial”.

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O futuro para as religiões afro-brasileiras parece ser incerto. Há algumas iniciativas de valorização e autodefesa, porém nada que seja um consenso entre os seguidores dessas religiões. Diante de uma perspectiva de futuro não muito animadora, o que poderia ser feito para acabar com um estigma secular?

(autor desconhecido)

Fonte: correionago