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  • ROSNGELA MILAGRES PATRONO

    A APRENDIZAGEM DE NMEROS RACIONAIS NA

    FORMA FRACIONRIA NO 6 ANO DO ENSINO

    FUNDAMENTAL: ANLISE DE UMA PROPOSTA

    DE ENSINO

    OURO PRETO

    2011

  • i

    ROSNGELA MILAGRES PATRONO

    A aprendizagem de Nmeros Racionais na forma

    fracionria no 6 ano do Ensino Fundamental: anlise de

    uma proposta de ensino

    Dissertao apresentada Banca

    Examinadora, como exigncia parcial

    obteno do Ttulo de Mestre em Educao

    Matemtica pelo Mestrado Profissional em

    Educao Matemtica da Universidade

    Federal de Ouro Preto, sob orientao da

    Profa. Dra. Ana Cristina Ferreira.

    OURO PRETO

    2011

  • ii

    Catalogao: [email protected]

    P314a Patrono, Rosngela Milagres.

    A aprendizagem de nmeros racionais na forma fracionria no 6 ano do ensino

    fundamental [manuscrito]: anlise de uma proposta de ensino / Rosngela Milagres

    Patrono 2011. xiv, 184 f.: il., color.; tabs.

    Orientadora: Profa. Dra. Ana Cristina Ferreira.

    Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de

    Cincias Exatas e Biolgicas. Departamento de Matemtica. Programa de

    Mestrado Profissional em Educao Matemtica.

    rea de concentrao: Educao Matemtica.

    1. Matemtica - Estudo e ensino - Teses. 2. Distrbios da aprendizagem -

    Teses. 3. Nmeros racionais - Teses. 4. Fraes - Teses. 5. Ensino fundamental -

    Teses. I. Universidade Federal de Ouro Preto. II. Ttulo.

    CDU: 511.13:37.015.3:159.953

    CDU: 669.162.16

  • iii

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO

    INSTITUTO DE CINCIAS EXATAS E BIOLGICAS

    DEPARTAMENTO DE MATEMTICA

    MESTRADO PROFISSIONAL EM EDUCAO MATEMTICA

    DISSERTAO DE MESTRADO

    A aprendizagem de Nmeros Racionais na forma

    fracionria no 6 ano do Ensino Fundamental: anlise de

    uma proposta de ensino

    Autora: Rosngela Milagres Patrono

    Orientadora: Profa. Dra. Ana Cristina Ferreira

    Este exemplar corresponde redao final da dissertao

    apresentada por Rosngela Milagres Patrono e aprovada pela

    Comisso Julgadora.

    Data: 07/07/2011

    _______________________________________________

    Profa. Dra. Ana Cristina Ferreira - UFOP

    Orientadora e presidente

    _______________________________________________

    Profa. Dra. Regina Helena de Oliveira Lino Franchi UFOP Examinadora

    _______________________________________________

    Prof.Dr. Salvador Llinares Ciscar Universidad de Alicante Examinador

    2011

  • iv

    Dedicatria

    A vocs que foram, so ou sero meus alunos. Encontro em vocs a motivao e o

    estmulo para a busca do conhecimento.

  • v

    Agradecimentos

    minha orientadora Dra. Ana Cristina Ferreira, que soube ser compreensiva, organizada,

    criativa e no poupou esforos para compartilhar comigo suas ideias, pelo apoio

    incondicional, carinho e amizade.

    Aos professores Dr. Salvador Llinares Ciscar (Universidad de Alicante) e Dra. Regina

    Helena de Oliveira Lino Franchi (UFOP), pela anlise minuciosa e sugestes dadas no

    exame de qualificao.

    minha famlia, em especial ao meu esposo Gsio e meus filhos Simone e Wanderson,

    meu amor e gratido pela compreenso nos momentos de ausncias.

    professora Cirlia, pela amizade, companheirismo e, principalmente, pelas longas

    conversas e discusses que muito me ajudaram na elaborao deste trabalho.

    direo, professores, alunos e funcionrios da escola na qual desenvolvi esta pesquisa.

    A todos que, de alguma forma, contriburam para a realizao deste trabalho.

  • vi

    RESUMO

    As dificuldades enfrentadas por professores e alunos no ensino e na aprendizagem dos

    nmeros racionais na forma fracionria motivaram a escolha do tema. A partir de estudos

    anteriores, da experincia como docentes e de uma reviso da literatura sobre o tema, foi

    construda e desenvolvida uma proposta de ensino para o 6 ano do Ensino Fundamental.

    Essa proposta se apoia em uma perspectiva construtivista de ensino (Piaget) e na utilizao

    de materiais manipulativos e jogos. A pesquisa foi realizada em uma classe de 6 ano de

    uma escola pblica de Ouro Preto, durante as aulas de Matemtica, entre os meses de maio

    a julho de 2010. A coleta de dados se deu por meio de: dirio de campo, cadernos dos

    alunos, quatro instrumentos (incio e final da proposta, ao final do ano de 2010 e maro de

    2011) e uma entrevista feita com a professora anterior. Os resultados indicam que os

    conceitos de representao e leitura de fraes (numrica e desenho), comparao de

    fraes com denominadores e/ou numeradores iguais, bem como a adio e a subtrao de

    fraes com denominadores iguais foram bem assimiladas pelos alunos. Algumas

    dificuldades foram evidenciadas no clculo do operador multiplicativo e na aplicao da

    equivalncia para comparar fraes com numeradores e denominadores diferentes. Alm

    disso, a adio e subtrao de fraes com denominadores diferentes no foram

    assimiladas como esperado. Entretanto, um fato merece destaque: a proposta foi

    desenvolvida no ambiente natural, com toda a classe e com as limitaes que isso impe.

    Apesar de tudo, a anlise indica que a proposta de ensino contribuiu efetivamente para a

    aprendizagem de boa parte dos conceitos trabalhados. A pesquisa gerou um livreto

    contendo uma verso aprimorada da proposta de ensino. Esse produto educacional se

    destina a professores e formadores de professores interessados na temtica.

    Palavras-chave: Educao Matemtica. Nmeros Racionais. Fraes. Dificuldades de

    aprendizagem. Alunos de 6 ano.

  • vii

    ABSTRACT

    Difficulties faced by teachers and students in the teaching and learning of rational numbers

    in fraction form motivated the choice of this theme for the research. From previous studies,

    teaching experience and a review of the literature on the subject, a teaching proposal was

    constructed and developed for the 6th grade. This proposal is based on a constructivist

    perspective of teaching (Piaget) and the use of manipulatives and games. The field study

    was conducted in a 6th grade class at a public school in Ouro Preto, during mathematics

    classes in the months from May to July 2010. The collection of data was realized by means

    of: a field diary, student notebooks, four instruments (used at the beginning and end of the

    proposal and at the end of 2010 and March 2011) and an interview with the students

    mathematics teacher from the previous year. The results indicate that the concepts of

    representation and reading of fractions (numeric and figures), comparison of fractions with

    like denominators and / or numerators, as well as addition and subtraction of fractions with

    like denominators were well assimilated by the students. Some difficulties were evidenced

    in the calculation with the multiplicative operator and in the application of equivalence to

    compare fractions with unlike numerators and denominators. Additionally, adding and

    subtracting fractions with unlike denominators was not assimilated as expected. However,

    one fact deserves emphasis: the proposal was developed in the natural environment, with

    the whole class and the limitations that this imposes. In spite of this, the analysis indicates

    that the teaching proposal contributed effectively to the learning of many of the concepts.

    The research generated a booklet containing an enhanced version of the teaching proposal.

    This educational product is intended for teachers and teacher educators interested in the

    subject.

    Keywords: Mathematics Education. Rational Numbers. Fractions. Learning difficulties. 6th

    grade students.

  • viii

    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1: Caraa (2005, p.32) 21

    Figura 2: Caraa (2005, p.33) 21

    Figura 3: Caraa (2005, p.35) 22

    Figura 4: Questo sobre fraes (avaliao do SIMAVE de 2008) 24

    Figura 5: Questo que envolve equivalncia (estudo PATRONO, 2004) 25

    Figura 6: Questo que envolve comparao (estudo PATRONO, 2004) 26

    Figura 7: Valera (2003, p.131) 32

    Figura 8: Valera (2003, p.133) 32

    Figura 9: Dante (2004, p.125) 35

    Figura 10: Dante (2004, p.98, 101, 127) 35

    Figura 11: Tosatto (2007, p.213) 36

    Figura 12: Mori (2004, p.146 e 148) 37

    Figura 13: Bonjorno (2006, p.141) 39

    Figura 14: Dante (2005, P.149) 39

    Figura 15: Iezzi (2005, p.185 e 194) 39

    Figura 16: Minas Gerais (2005, disponvel no CRV) 47

    Figura 17: Silva (199, p.114) 49

    Figura18: Bezerra (2001, p.99) 50

    Figura 19: Esquema para utilizao de material concreto - Gaba (1975) 64

    Figura 20: Disco de Fraes 65

    Figura 21: Modelo de carteiras da sala 69

    Figura 22: Primeira frao modelada (aluno 24, 1 encontro) 76

    Figura 23: Frao construda (aluno 24, 1 encontro) 76

    Figura 24: Frao construda (aluno 12, 1encontro) 76

  • ix

    Figura 25: Frao construda (aluno 6, 1encontro) 76

    Figura 26: No representa (aluno 2, 2encontro) 77

    Figura 27: No representa (aluno 9, 2encontro) 77

    Figura 28: No representa (aluno 24, 2 encontro) 77

    Figura 29: Contorno de cada uma das partes do Disco de Fraes (aluno 16, 2

    encontro) 78

    Figura 30: Leitura de fraes (aluno 12, 3 encontro) 79

    Figura 31: Frao de quantidades (aluno 16, 3 encontro) 79

    Figura 32: Fraes equivalentes encontradas no Disco de Fraes (aluno 6, 4

    encontro) 82

    Figura 33: Cartas do baralho Mico das Fraes 82

    Figura 34: Bonjorno (2005, p.122) (4 encontro) 83

    Figura 35: Equivalncia de fraes (aluno 3, 5 encontro) 84

    Figura 36: (aluno 24, 5 encontro) 84

    Figura 37: Fraes equvalentes (aluno 24, 5 encontro) 85

    Figura 38: Bonjorno (2005, p.126) (5 encontro) 85

    Figura 39: Comparao de fraes com numeradores iguais (aluno 24, 7 encontro) 88

    Figura 40: Comparao de fraes com denominadores diferentes (aluno 22, 7

    encontro) 88

    Figura 41: Comparao de fraes com denominadores diferentes (aluno 16, 9

    encontro) 90

    Figura 42: Bonjorno (2005, p.128) (10 encontro) 91

    Figura 43: Tiras de fraes e envelope confeccionado pelo aluno 18 (11 encontro) 92

    Figura 44: Soma de fraes (aluno 16, 12 encontro) 94

    Figura 45: Subtrao de fraes (aluno 10, 13 encontro) 94

    Figura 46: Bonjorno (2005, p. 135) (13 encontro) 95

    Figura 47: Multiplicao de fraes (aluno 3, 14 encontro) 96

  • x

    Figura 48: Diviso de fraes (aluno 16, 15 encontro) 97

    Figura 49: Diviso de fraes (aluno 16, 15 encontro) 97

    Figura 50: Diviso de fraes (aluno 16, 15 encontro) 98

    Figura 51: Proposta AME (p.19) (15 encontro) 99

    Figura 52: Proposta AME (p. 47) (15 encontro) 99

    Figura 53: Proposta AME (p. 47) (15 encontro) 100

    Figura 54: Frao como quociente (aluno 7, 17 encontro) 101

    Figura 55: Frao como quociente (aluno 5, 17 encontro) 102

    Figura 56: Frao como quociente (aluno 1, 17 encontro) 102

    Figura 57: Foto da confeco da caixa colorida (18 encontro) 103

    Figura 58: Romanatto, 1997, p.14 109

    Figura 59: Instrumento inicial - (aluno 24, 1 encontro) 110

    Figura 60: Instrumento final - (aluno 18, 18 encontro) 110

    Figura 61: Instrumento final - (aluno 10, 18 encontro) 110

    Figura 62: Instrumento final - (aluno 13, 18 encontro) 112

    Figura 63: Instrumento inicial - (aluno 18, 1 encontro) 114

    Figura 64: Instrumento final - (aluno13, 18 encontro) 115

    Figura 65: Instrumento final - (aluno 23, 18 encontro) 115

    Figura 66: Instrumento inicial - (aluno 1, 1 encontro) 120

    Figura 67: Atividade sobre leitura de fraes - (aluno 1, 3 encontro) 121

    Figura 68: Atividade sobre comparao - (aluno 1, 9 encontro) 121

    Figura 69: Questo 1 - Instrumento Final - (aluno 1, 18 encontro) 122

    Figura 70: Questes 2, 5 e 8 - Instrumento Final - (aluno 1, 18 encontro) 123

    Figura 71: Questo 3 - Instrumento Final - (aluno 1, 18 encontro) 123

    Figura 72: Questo 7 - Instrumento Final - (aluno 1, 18 encontro) 124

    Figura 73: Questo 9 - Instrumento Final - (aluno 1, 18 encontro) 124

  • xi

    Figura 74: Questo 6 - Instrumento Final - (aluno 1, 18 encontro) 125

    Figura 75: Questes 1 e 2 - Instrumento de novembro de 2010 - (aluno 1) 125

    Figura76: Questo 6 - Instrumento aplicado em maro de 2011 - (aluno 1) 126

    Figura 77: Questo 10 - Instrumento aplicado em maro de 2011 - (aluno 1) 126

    Figura 78: Questo 3 - Instrumento Inicial - (aluno 15, 1 encontro) 127

    Figura 79: Questo 3 - Instrumento Final - (aluno 15, 18 encontro) 127

    Figura 80: Questo 5 - Instrumento Inicial - (aluno 15, 1 encontro) 128

    Figura 81: Questo 5 - Instrumento Final - (aluno 15, 18 encontro) 128

    Figura 82: Questo 6 - Instrumento Final - (aluno 15, 18 encontro) 129

    Figura 83: Questo 9 - Instrumento Inicial - (aluno 15, 1 encontro) 129

    Figura 84: Questo 9 - Instrumento Final - (aluno 15, 18 encontro) 130

    Figura 85: Questo 4 - Instrumento Final - (aluno 15, 18 encontro) 130

    Figura 86: exerccios de reviso - (aluno 15, 16 encontro) 131

    Figura 87: Questo 2 - Instrumento aplicado em novembro de 2010 - (aluno 15) 131

    Figura 88: Questo 2 - Instrumento aplicado em novembro de 2010 - (aluno 15) 132

    Figura 89: Duas pginas do caderno - (aluno 24, 5 encontro) 132

    Figura 90: Questo 1- Instrumento Inicial - (aluno 24, 1 encontro) 133

    Figura 91: Questo 7- Instrumento Inicial - (aluno 24, 1 encontro) 134

    Figura 92: Questo 9 - Instrumento Inicial - (aluno 24, 1 encontro) 134

    Figura 93: Questes 6 e 7 - Instrumento Final - (aluno 24, 18 encontro) 135

    Figura 94: Atividades sobre Comparao - (aluno 24, 10 encontro) 136

    Figura 95: Questo 2 - Instrumento aplicado em novembro de 2010 - (aluno 24) 136

    Figura 96: Questes 2 e 8 - Instrumento Final - (aluno 12, 18 encontro) 137

    Figura 97: Questo 9 - Instrumento Final - (aluno 12, 18 encontro) 138

    Figura 98: Questo 7 - Instrumento aplicado em novembro de 2010 - (aluno 12) 138

    Figura 99: Questo 10 - Instrumento aplicado em maro de 2011 - (aluno 12) 139

  • xii

    Figura 100: Questo 5 - Instrumentos Inicial e Final, respectivamente - (aluno 10) 139

    Figura 101: Questo 7 - Instrumento Final - (aluno 10, 18 encontro) 140

    Figura 102: Questo 9 - Instrumento Final - (aluno10, 18 encontro) 140

    Figura 103: (aluno 10, 2 encontro) 141

    Figura 104: Questo 2 - Instrumento aplicado em novembro de 2010 - (aluno 10) 141

    Figura 105: Questo 7 - Instrumento aplicado em novembro de 2010 - (aluno 10) 141

    Figura 106: Questo 9 - Instrumento aplicado em maro de 2011 - (aluno 10) 142

    Figura 107: Questo 3 - Instrumento Inicial - (aluno 17, 1 encontro) 143

    Figura 108: Questo 1 - Instrumento Inicial - (aluno 17, 1 encontro) 143

    Figura 109: Item c da questo 1 e questo 8 - Instrumento final - (aluno 17, 18

    encontro) 144

    Figura 110: Questo 2 - Instrumento final - (aluno 17, 18 encontro) 144

    Figura 111: Questo 4 - Instrumento final - (aluno 17, 18 encontro) 145

    Figura 112: Exerccio sobre comparao - (aluno 17, 8 encontro) 145

    Figura 113: Questo 9 - Instrumento Final - (aluno 17, 18 encontro) 146

    Figura 114: Frao construda com dobradura - (aluno 17, 2 encontro) 146

    Figura 115: Atividades sobre multiplicao - (aluno 17, 15 encontro) 146

    Figura 116: Questo 9 - Instrumento aplicado em maro de 2011 - (aluno 17) 147

    Figura 117: Questo 7 - Pr-teste aplicado por Silva (1997, p.89) 150

    Figura 118: Ciscar e Garcia (1988, p.141) 154

  • xiii

    SUMRIO

    INTRODUO 15

    CAPTULO 1. OS NMEROS RACIONAIS NA FORMA FRACIONRIA 18

    1.1. Um pouco da histria 18

    1.1.1. Caraa e a construo dos nmeros racionais 19

    1.2. As dificuldades na aprendizagem do nmero racional representado por

    fraes 23

    1.3. Os contextos e significados das fraes 29

    1.4. O ensino de fraes em alguns livros didticos 33

    1.4.1. Introduo e desenvolvimento dos conceitos 34

    1.4.2. Utilizao dos contextos nos quais a frao est inserida 39

    1.4.3. Recursos utilizados 42

    1.5. Como trabalhar com os nmeros racionais na forma fracionria? 44

    CAPTULO 2. FUNDAMENTANDO UMA PROPOSTA DE ENSINO 51

    2.1. A teoria construtivista 52

    2.1.1. A construo do conhecimento segundo PIAGET 54

    2.1.2. A assimilao e a acomodao 55

    2.1.3. A teoria da equilibrao 56

    2.1.4. Os estgios cognitivos segundo Piaget 58

    2.1.5. O construtivismo de Piaget e a construo do conceito de

    nmeros racionais na forma fracionria 60

    2.2. O uso de materiais manipulativos 62

    CAPTULO 3. METODOLOGIA 67

    3.1. Contexto e participantes do estudo 68

    3.2. Procedimentos 69

    3.2.1. Natureza da proposta de ensino e dinmica dos encontros 70

    3.2.2. A coleta de dados 71

    3.2.3. A anlise dos dados 73

  • xiv

    CAPTULO 4. DESCRIO DO PROCESSO VIVIDO 74

    CAPTULO 5. RESULTADOS E ANLISE 105

    5.1. Panorama geral da turma 106

    5.2. Estudo de alguns episdios 117

    5.2.1. Episdios de Maria 119

    5.2.2. Episdios de Joana 126

    5.2.3. Episdios de Ana 132

    5.2.4. Episdios de Paulo 137

    5.2.5. Episdios de Eliana 139

    5.2.6. Episdios de Fabiano 143

    5.2.7. A ttulo de sntese: progressos e dificuldades apresentadas pelo

    grupo 148

    CONSIDERAES FINAIS 151

    REFERNCIAS 156

    APNDICES

    Apndice A - Estudos Pilotos 159

    Apndice B - TCLE (Diretor, pai ou responsvel e professor) 165

    Apndice C - Instrumento inicial e final 168

    Apndice D - Instrumento aplicado em novembro de 2010 171

    Apndice E - Instrumento aplicado em maro de 2011 173

    Apndice F - Elaborao dos instrumentos inicial e final 175

    Apndice G - Roteiro de entrevista: professor 178

    Apndice H - Trabalhando com fraes 179

    Apndice I - Atividades com fraes 180

    ANEXOS

    Anexo 1 - Jogos: Mico das fraes e Baralho das Fraes 181

    Anexo 2 - Baralho Hachurado das Fraes e Tiras de Fraes 183

  • 15

    INTRODUO

    Como professora de Matemtica da escola bsica, h cerca de vinte e sete anos,

    atuando no Ensino Fundamental e no Ensino Mdio, observo as dificuldades dos alunos em

    trabalhar com os nmeros racionais e, em particular, com as fraes. Vem dessa

    constatao o interesse pelo ensino e aprendizagem das fraes. Durante a graduao em

    Matemtica, fiz uma pesquisa bibliogrfica sobre fraes e, na poca, foi difcil encontrar

    trabalhos na rea. Estudei documentos oficiais, como propostas de ensino e os Parmetros

    Curriculares Nacionais, e alguns artigos e dissertaes dos quais alguns trechos foram

    usados para referenciar o trabalho. A experincia reforava a importncia de conhecer as

    dificuldades apresentadas pelos alunos, para, ento, utilizar esse conhecimento como guia

    na elaborao e desenvolvimento de propostas de ensino. Realizei ento, na Especializao

    em Educao Matemtica, uma pesquisa de campo aprofundando um pouco mais os

    conhecimentos tericos e conhecendo as dificuldades apresentadas pelos alunos. Nessa

    pesquisa, os participantes, alunos do Ensino Fundamental de Santa Rita de Ouro Preto, ao

    resolver o instrumento proposto, apresentaram as seguintes dificuldades na aprendizagem

    de nmeros racionais representados por fraes:

    - Dificuldades em representar uma frao, seja com desenho ou smbolo;

    - Dificuldades em identificar fraes equivalentes;

    - Dificuldades em efetuar operaes com fraes: adio, subtrao, multiplicao,

    diviso;

    - Dificuldades em comparar fraes;

    - Dificuldades em aplicar fraes na resoluo de situaes-problema.

    As dificuldades se concentraram mais na comparao e operaes com fraes. Os

    alunos tm algumas ideias formadas, mas no tm bem construdo o conceito de nmero

    racional. Transferiram muitas regras vlidas nos clculos com os nmeros naturais para os

    nmeros racionais (PATRONO, 2004). O desenvolvimento desse trabalho me

    proporcionou um crescimento significativo acerca do tema fraes. At ento, o meu

    trabalho com os nmeros racionais era feito de forma fragmentada - decimais, fraes,

    razes, probabilidades - sem estabelecer conexes entre eles.

    Para obtermos sucesso no ensino e aprendizagem da Matemtica, e em particular,

    das fraes, no suficiente apenas saber o contedo que se vai ensinar. Outras variveis,

    como as relaes interpessoais entre professor/aluno, aluno/aluno, a dinmica das aulas, os

  • 16

    recursos pedaggicos, a concepo de aprendizagem, so fatores determinantes nesse

    processo. Durante a minha caminhada como aluna e professora, tenho passado por vrias

    transformaes nas formas de pensar e de agir. Como aluna da escola bsica, apenas tive

    acesso ao ensino tradicional1 e, nos primeiros anos como professora, reproduzi esse

    modelo, considerando que fosse a nica forma de ensinar. Na Graduao, na

    Especializao e em cursos de aperfeioamento (formao continuada), aprendi muito e a

    cada dia tenho mais convico da importncia da participao do aluno em seu processo de

    aprendizagem e na forma como conduzido.

    Em 2009, ingressei no Mestrado, com o propsito de desenvolver e analisar uma

    proposta envolvendo o ensino de nmeros racionais na forma fracionria, para alunos do 6

    ano do Ensino Fundamental. Partindo do pressuposto que grande parte das dificuldades dos

    alunos est na construo do conceito e na forma como o mesmo abordado em sala de

    aula, o meu objetivo era construir uma proposta com atividades voltadas para o

    desenvolvimento do conceito de nmero racional, representado por fraes, e das

    operaes elementares com fraes. Paralelamente ao ingresso no Mestrado, participei,

    como professora colaboradora, de um projeto de extenso coordenado pela minha

    orientadora, Dra. Ana Cristina Ferreira. No curso Aprendendo e ensinando nmeros

    racionais no Ensino Fundamental, selecionamos2, adaptamos, criamos atividades com

    fraes que foram desenvolvidas com dois grupos de alunos de 6 ano. O primeiro grupo

    era formado por 23 alunos, de quatro turmas de uma escola pblica municipal, prxima

    Universidade. Os alunos deslocavam-se de suas casas, acompanhados de sua professora de

    Matemtica, e vinham ao NIEPEM3 para participar das atividades. O segundo grupo era

    formado de 36 alunos de uma turma regular de 6 ano de uma escola pblica estadual.

    Neste caso, fomos ns (eu e um bolsista) que nos deslocamos at a escola, no horrio

    normal de aulas de Matemtica deles, para desenvolver as atividades. Em ambos os grupos,

    os professores de Matemtica se mostraram interessados em desenvolver a proposta e,

    juntos (professores, alunos, eu e o bolsista), realizamos atividades que proporcionaram a

    construo de conhecimentos acerca dos nmeros racionais na forma fracionria. O projeto

    constituiu os estudos pilotos desta dissertao (ver Apndice A, p.159).

    1 Ensino tradicional - aulas expositivas nas quais o professor explica e o aluno presta ateno s explicaes.

    A dinmica das aulas teoria, exemplos e lista de exerccios. A participao do aluno restrita. 2 A partir desse momento, o texto ser escrito na 1 pessoa do plural, por se referir s atividades relacionadas

    com a pesquisa e porque minha orientadora participou ativamente de todo o processo. 3 Ncleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Educao Matemtica da UFOP.

  • 17

    Na pesquisa de Mestrado, demos continuidade ao estudo iniciado na Monografia de

    Especializao (PATRONO, 2004), investigando agora as contribuies de uma proposta

    de ensino de nmeros racionais na forma fracionria, para alunos de 6 ano do Ensino

    Fundamental.

    Para isso, procuramos ampliar nossos conhecimentos sobre o tema, realizando uma

    reviso de literatura. No primeiro captulo, apresentamos pesquisas sobre o ensino de

    nmeros fracionrios na Educao Bsica, buscamos aprofundar nossos conhecimentos

    acerca da evoluo histrica desse conceito, procuramos analisar a forma como alguns

    livros didticos utilizados em Ouro Preto (MG) e distritos abordam o tema, discutimos

    perspectivas e desafios no ensino e aprendizagem, como dificuldades, contextos nos quais

    as fraes esto inseridas, sugestes para o ensino.

    No segundo captulo, procuramos fundamentar nossa proposta de ensino na

    construo do conhecimento, segundo Piaget, e no uso de materiais manipulativos. Com

    isso, tivemos um olhar mais crtico para o desenvolvimento, coleta de dados e anlise.

    Apresentamos nossas opes metodolgicas no terceiro captulo. A partir da

    fundamentao terica e da construo da proposta de ensino, decidimos como, onde,

    quando e de que forma desenvolv-las, justificando nossas escolhas. Alm disso,

    apresentamos o contexto no qual o estudo aconteceu e os participantes do mesmo.

    O quarto captulo traz uma narrativa do processo vivido no desenvolvimento da

    proposta de ensino. Descreve com detalhes o momento de chegada ao campo, cada

    encontro com os alunos e professores, e o momento no qual se encerra o trabalho. Sua

    inteno inserir o leitor no processo, mostrar-lhe cada aula, cada atividade e como alunos

    e professores reagiram s mesmas. Esse captulo traz os dados coletados. Contudo, no os

    apresenta de modo isolado, mas inseridos no contexto no qual foram produzidos.

    No quinto captulo, descrevemos a anlise dos dados. Apresentamos inicialmente

    uma anlise mais geral de todos os participantes, discutindo o desenvolvimento deles,

    relacionando o instrumento inicial e o final. Em seguida, uma anlise mais detalhada de

    alguns alunos apresentada em episdios, com a inteno de compreender o processo de

    aprendizagem do nmero racional na forma fracionria.

    Finalizamos com as consideraes sobre todo o trabalho realizado. Nesse momento,

    somos crticos em relao s atividades realizadas e propomos algumas alternativas.

    Referncias, Apndices e Anexos complementam esta Dissertao.

  • 18

    CAPTULO 1.

    OS NMEROS RACIONAIS NA FORMA FRACIONRIA

    Neste captulo, apresentamos nossas discusses sobre a reviso bibliogrfica acerca

    dos nmeros racionais na forma fracionria. Consideramos importante conhecer um pouco

    sobre a histria e evoluo, as dificuldades no ensino e aprendizagem, os contextos ou

    significados, como so apresentados atualmente nos livros didticos, e sugestes para o

    trabalho em sala de aula.

    1.1 . Um pouco da histria

    As fraes j eram usadas desde a Antiguidade pelos babilnios, romanos,

    egpcios, mesopotmios e gregos.

    Os babilnios foram um dos primeiros povos a atribuir uma notao racional s

    fraes e a trabalhar com fraes sexagesimais. As fraes eram expressas mais ou menos

    como se exprimem as fraes de horas em minutos e segundos: 33min e 45s = 33/60h +

    45/3600s. Os babilnios no chegaram ao uso da vrgula para diferenciar os inteiros das

    fraes sexagesimais da unidade (FERREIRA, 2001, p. 2). Era, portanto, uma notao

    que dependia do contexto.

    Os romanos evitavam o uso de fraes. Para isso, criaram subunidades para lidar

    com as transaes comerciais.

    As fraes comerciais eram chamadas de as sendo 16 asses o equivalente a 1 denarius. Mltiplos do as

    (FERREIRA, 2001, p.2).

    No Egito antigo, por volta de 2000 a.C., as inundaes do rio Nilo tinham grande

    importncia na vida dos agricultores. Quando as guas baixavam, deixavam as terras

    frteis para o plantio. De acordo com o avano do rio, os limites eram estabelecidos e as

    terras distribudas. A unidade de medida usada pelos agrimensores no era adequada para

    representar o nmero de vezes em que as terras eram divididas. Foi ento que os egpcios

    criaram um novo tipo de nmero: o nmero fracionrio (SCIPIONE, 2002). Eles

    trabalharam com as fraes unitrias e desenvolveram a ideia de frao como parte de um

    1 as = 1/16 denarius = 1/24 + 1/48 = denarii semuncia sicilius

    2 asses = 1/8 denarius = 1/12 + 1/24 = denarii uncia semuncia

    3 asses = 3/16 denarius = 1/6 + 1/48 = denarii sextans sicilius

  • 19

    todo, fraes quaisquer como soma de fraes unitrias, soma de fraes por simples

    superposio e diviso como produto pelo inverso do divisor.

    Os mesopotmios realizavam divises entre nmeros representando os nmeros

    quebrados atravs de valores aproximados, desenvolveram a notao posicional e

    trabalhavam com nmeros decimais. Com a notao posicional e 60 possibilidades de

    ocupao numrica, eles conseguiam chegar a aproximaes muito boas de nmeros

    irracionais com poucos algarismos sexagesimais, s que no trabalhavam com fraes e

    sim com nmeros decimais (BOYER, 1996).

    Contudo, foram os gregos os responsveis pelas primeiras noes e ideias

    propriamente cientficas sobre a representao fracionria. Essas ideias eram

    fundamentadas em uma lgica de raciocnio e baseadas na tentativa de formar definies

    dos termos empregados. Descobriram os racionais como aqueles que podem ser

    representados como razes entre inteiros. As fraes ou razes entre comprimento de

    cordas apareceram tambm no desenvolvimento da msica (BROLEZZI, 1996). Alm

    disso, os pitagricos dedicaram muito tempo ao estudo da msica e descobriram as

    relaes matemticas das notas musicais com o comprimento das cordas que emitiam

    determinado som.

    Segundo Brolezzi (1996), na construo da ideia dos Racionais, os trs usos de

    nmeros racionais - fraes, no Egito, os decimais, na Mesopotmia e a concepo de

    racionais como razes, na Grcia - se completam.

    Tanto os egpcios quanto os mesopotmios e gregos, embora usassem

    representaes diferentes, trabalharam com o mesmo nmero. Assim, embutidos nesses

    trs usos, esto os contextos nos quais est inserido o nmero racional, da a ideia de que

    se completam na construo dos racionais.

    1.1.1. Caraa e a construo dos nmeros racionais

    Medir e contar so, segundo Caraa (2005, p.29) as operaes cuja realizao a

    vida de todos os dias exige com maior frequncia. Situaes do nosso dia a dia

    exemplificam bem essa afirmao, como: o agricultor, ao calcular a quantidade de semente

    a ser plantada, o pedreiro, ao calcular a quantidade de material a ser gasta em uma obra,

    um operrio, ao ajustar um instrumento de preciso. Todos, independentemente da funo

    que exercem, em algum momento, tm a necessidade de contar ou de medir. O problema

    da contagem foi resolvido pelos homens com a criao dos nmeros naturais que foram

  • 20

    surgindo com a prtica diria da contagem e evoluindo de acordo com o aumento da

    intensidade da vida social de cada povo. Quando a habilidade de contar tornou-se

    insuficiente para responder perguntas do tipo quantas vezes uma grandeza cabe em outra,

    surgiu a necessidade de ampliao dos nmeros naturais. Caraa (2005) apresenta em sua

    obra Conceitos Fundamentais da Matemtica os nmeros racionais como resposta a

    essas questes.

    O autor discute os nmeros racionais no captulo II, intitulado O problema da

    medida. J no incio, questiona o que medir - Todos sabem em que consiste o comparar

    duas grandezas de mesma espcie - dois comprimentos, dois pesos, dois volumes (p.29).

    Traz exemplos de comparao de dois segmentos de reta e comenta que, em geral, pede-se

    uma resposta para a pergunta quantas vezes um segmento cabe em outro, e a resposta pode

    se tornar extremamente complicada, seno impossvel. Ento, para comparar dois

    segmentos, necessrio:

    1. Estabelecer uma unidade de medida;

    2. Responder a pergunta quantas vezes com um nmero que exprima o resultado da

    comparao com a unidade.

    Para o autor, o problema da medida apresenta trs fases e trs aspectos distintos:

    escolha da unidade, comparao com a unidade e a expresso do resultado dessa

    comparao por um nmero. O primeiro e o terceiro aspectos esto intimamente

    interligados e cada um deles condiciona o outro (p.30). Se vamos medir comprimentos, a

    escolha da unidade pode ser o centmetro, por exemplo, e a expresso do resultado ser em

    centmetro. A praticidade, a comodidade e a economia devem ser consideradas na escolha

    da unidade. Como exprimir o resultado da medio do comprimento de um tecido usando a

    lgua? Seria incmodo porque na expresso do resultado poderiam aparecer nmeros mal

    enunciados que no trazem uma ideia clara da medio. Em resumo, se pretendemos uma

    expresso clara da medio, a liberdade de escolha da unidade bem restrita e

    condicionada natureza da grandeza a ser medida.

    O novo campo numrico surgiu, quando no foi possvel exprimir com um nmero

    inteiro quantas vezes uma grandeza cabe em outra. Dois exemplos de comparao entre

    dois segmentos de reta so apresentados pelo autor:

  • 21

    Figura 1: Caraa (2005, p.32)

    Figura 2: Caraa (2005, p.33)

    Na figura 1, o segmento AB, medido com unidade CD = u, mede 4. Dividindo a

    unidade CD em trs partes iguais e tomando para nova unidade u = CE, temos que AB =

    12 (subdiviso da unidade) 4.

    No caso da figura 2, CD cabe trs vezes em AB e sobra uma poro PB inferior

    unidade. Como fazer para exprimir ainda numericamente a medio de AB com a mesma

    unidade CD? Subdividindo CD em trs partes iguais, a medida de AB, em relao nova

    unidade, 11. A medida dada pela razo (vista como quociente entre dois nmeros) dos

    dois nmeros, 11 e 3. Mas essa razo impossvel em nmeros inteiros e tornou-se uma

    dificuldade que foi resolvida atravs da negao dessa impossibilidade, que o autor

    chamou de negao da negao. Vejamos: temos dois inteiros m e n (n 0) que esto entre

    si na seguinte relao aritmtica - ou m divisvel por n ou no . Se m divisvel por n,

    os dois nmeros definem, por meio da operao de diviso, um terceiro nmero chamado

    de quociente, se no, nega a existncia do quociente. A definio de Caraa (2005) para o

    novo campo numrico consiste em negar essa negao e, desse modo, constri o novo

    nmero - o nmero fracionrio. Diz-se que a medida do segmento AB, tomando CD como

    unidade, o nmero e escreve-se AB = . CD, quaisquer que sejam os nmeros inteiros

    m e n (n no nulo) (p.35).

    4 Uma mesma grandeza tem, portanto, tantas medidas quantas as unidades que a medio se faa. Se, com a

    unidade u, uma grandeza tem medida m, com outra unidade u = u: k a mesma grandeza tem medida m = m. k (Caraa, 2005, p.31).

  • 22

    Figura 3: Caraa (2005, p.35)

    Se m divisvel por n, inteiro (caso da figura 1), e se m no divisvel por n,

    fracionrio (caso da figura 2).

    Os moldes da criao desse novo campo numrico foram:

    - O princpio de extenso - criao de novos nmeros expressos pela comparao de dois

    segmentos (figura 2);

    - A anlise da questo - mostra que a dificuldade reside na impossibilidade da diviso em

    nmeros inteiros;

    - O princpio da economia5 - os novos nmeros abrangem todas as hipteses de medio

    (figuras 1 e 2) e se reduzem aos nmeros naturais, desde que o caso de medio seja

    anlogo ao da figura 1.

    Nesse captulo, o autor apresenta tambm todas as propriedades desse novo campo,

    trazendo definies e consequncias.

    Com isso, temos os nmeros racionais como a generalizao dos nmeros naturais.

    Apesar de herdar conceitos e propriedades, esses novos nmeros apresentam

    peculiaridades que geram dificuldades a sua aprendizagem. Rodrigues (2005) comenta

    algumas, como a escolha da unidade, formas diferentes de representar uma mesma

    quantidade, um mesmo nmero representando quantidades diferentes, em funo da

    unidade. Segundo ele, essas peculiaridades agregam dificuldades compreenso da relao

    de ordem entre os nmeros racionais. Concordamos com ele e acrescentamos a

    compreenso do conceito. Para que o aluno compreenda o que o nmero racional,

    importante que ele trabalhe com quantidades diferentes (contnuas e discretas6), perceba as

    diversas formas de representar um mesmo nmero, e que um mesmo nmero, ou mesma

    representao, pode ter significados diferentes (contextos).

    5 Quer dizer convm que as novas definies sejam dadas de modo tal que as leis formais das operaes lhes

    sejam ainda aplicveis (Caraa, 2005, p.26). 6 Contnuas e discretas referem-se medida e contagem. Tomemos, por exemplo, uma folha de papel e

    algumas bolinhas de gude. Na folha de papel, o todo (ou unidade) contnuo e nas bolinhas de gude, para se saber o todo, preciso cont-las. As quantidades discretas surgem da contagem e so representadas por nmeros naturais.

  • 23

    1.2. As dificuldades na aprendizagem do nmero racional representado por

    fraes

    Desde a criao, as fraes apresentaram dificuldades e o seu uso foi evitado o

    quanto pde porque representavam uma forma difcil de clculo (FERREIRA, 2001), mas

    seu estudo se justifica, entre outras razes, por ser fundamental para o desenvolvimento

    de outros contedos matemticos (propores, equaes, clculo algbrico) (BRASIL,

    1998, p.103).

    Ainda nos dias atuais, as fraes constituem um dos contedos matemticos que

    oferecem mais dificuldades de aprendizagem. Segundo Brolezzi (1996, p.1), o ensino de

    Matemtica no tem conseguido construir na mente dos alunos um conceito de Nmero

    Racional que permita sua utilizao mais tarde. As operaes com racionais so, quando

    muito, mecanizadas em torno de algumas regrinhas bsicas geralmente confundidas uma

    com as outras.

    Encontramos, na literatura, diversas pesquisas (ROMANATTO, 1997; SILVA,

    1997; RODRIGUES, 2005; OLIVEIRA, 1996; BEZERRA, 2001) que discutem as

    dificuldades dos alunos na aprendizagem de nmeros racionais representados por fraes.

    Essas dificuldades, geralmente, permeiam todo o Ensino Fundamental e Mdio. Parte delas

    se relaciona construo do conceito. Isso acontece porque, geralmente, os alunos tm

    dificuldade para perceber a frao como um nmero. Hiebert e Beher (apud TINOCO &

    LOPES, 1994, p.13) constataram que as crianas no percebem um nmero racional, ou

    frao, como um simples nmero. A ideia de que frao um par de nmeros naturais

    persiste em muitas crianas por um perodo de tempo considervel, mesmo depois de terem

    iniciado o estudo dos nmeros racionais.

    Acostumados a trabalhar com os nmeros naturais, a tendncia transferir para os

    racionais na forma fracionria as regras de clculo, operando com as fraes como se

    fossem inteiros. Em uma pesquisa realizada com alunos de 4 a 8 srie do Ensino

    Fundamental (hoje 5 ao 9 ano), Patrono (2004)7 verificou que vrios alunos somaram e

    subtraram numeradores e denominadores como se fossem nmeros naturais isolados,

    reforando os resultados encontrados por Hiebert e Beher. Os resultados evidenciaram

    dificuldades em todas as questes propostas (representao, comparao, equivalncia,

    operaes e aplicao de fraes em situaes-problema) e em todas as sries.

    7 As pesquisadoras realizaram esse estudo em Santa Rita de Ouro Preto, distrito de Ouro Preto. Sendo assim,

    tais dados so relevantes, dada a proximidade do contexto no qual a presente pesquisa se desenvolveu.

  • 24

    Avaliaes externas, como SAEB, SIMAVE, tm mostrado as dificuldades dos

    alunos de 5 e 9anos do Ensino Fundamental e 3 ano do Ensino Mdio nas questes que

    envolvem os nmeros racionais na forma fracionria. Geralmente, o percentual de acertos

    nessas questes muito pequeno e as dificuldades variam desde a representao at as

    operaes (PATRONO, 2004).

    O Boletim pedaggico do SIMAVE, ao comentar os erros dos alunos nas questes

    que envolvem os nmeros racionais, afirma: talvez a forma de trabalhar os nmeros venha

    priorizando a memorizao e, com isso, ao lidar com os nmeros fracionrios, poucos

    alunos chegam a relacionar os naturais, inteiros e racionais de modo compreensivo

    (MINAS GERAIS, 2001, p. 61). Outro boletim mais recente (2008) comenta os erros da

    questo abaixo, cuja habilidade exigida identificar a frao correspondente parte de um

    inteiro dividido em partes iguais:

    Ao marcar as opes A (36,6%) e B (6,3%), os alunos parecem

    considerar que o inteiro foi dividido em apenas trs partes. J na opo C (17,4%), o aluno parece no ter lido atentamente e se confundiu com o que est sendo questionado, indicando a frao correspondente regio

    branca, e no a cinza (MINAS GERAIS, 2008, p.75).

    Figura 4: Questo sobre fraes (avaliao do SIMAVE de 2008)

    Apenas 38,5% dos alunos de 9 ano que fizeram essa avaliao acertaram essa

    questo, 1,2% deixaram em branco. Embora esse tipo de questo seja um dos mais

    trabalhados em sala de aula, percebe-se, pelo percentual de erros (60,3%), a necessidade de

    uma maior explorao do conceito e representao de frao.

    Os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN), em suas orientaes didticas para

    terceiro e quarto ciclos, no item nmeros racionais, afirmam:

  • 25

    embora as representaes fracionrias e decimais dos nmeros racionais

    sejam contedos desenvolvidos nos ciclos iniciais, o que se constata

    que os alunos chegam ao terceiro ciclo sem compreender os diferentes

    significados associados a esse tipo de nmero e tampouco os

    procedimentos de clculo (BRASIL, 1998, p.100).

    Os PCN (1998) apontam, em todos os nveis, os obstculos8 geralmente

    encontrados pelos alunos ao trabalhar com nmeros racionais:

    Enquanto nos nmeros naturais um nmero natural tem uma nica representao, nos

    nmeros racionais cada nmero racional pode ser representado por diferentes (e infinitas)

    escritas fracionrias (ex. 1/3, 2/6, 3/9, 4/12,... diferentes representaes de um mesmo

    nmero);

    A comparao entre nmeros racionais. Acostumados com relaes como 3 > 2, os alunos

    tero de compreender desigualdades que lhes parecem contraditrias, por exemplo, 1/3< ;

    A ordem de grandeza, no caso dos naturais, compreendida atravs do tamanho da

    escrita numrica (8345 > 83). Nos racionais, no entanto, a comparao no obedece ao

    mesmo critrio (2,3 > 2,125);

    Ao multiplicar um nmero natural por outro natural (sendo este diferente de 0 e 1) a

    expectativa encontrar um nmero maior que ambos. Assim, ao multiplicar 10 por , os

    alunos se surpreendero ao ver que o resultado menor do que 10, e isso lhes parecer

    incorreto;

    A sequncia dos nmeros naturais permite estabelecer sucessor e antecessor; porm, para

    os racionais, isso no faz sentido, uma vez que, entre dois nmeros racionais quaisquer,

    sempre possvel encontrar outro racional.

    Alguns desses obstculos foram observados claramente em nosso estudo anterior

    (PATRONO, 2004). Apenas 3,4% dos participantes do estudo9 acertaram a questo que

    envolvia a noo de equivalncia, e 10,9% do total a comparao de fraes. Abaixo

    trazemos duas imagens dessas questes.

    Figura 5: Questo que envolve equivalncia (estudo PATRONO, 2004)

    8 Estamos considerando obstculos e dificuldades com o mesmo significado.

    9 Os participantes desse estudo foram 119 alunos da 4 8 srie (atualmente, do 5 ao 9 ano) de uma escola

    pblica de um distrito de Ouro Preto.

  • 26

    Esse aluno explicou corretamente como encontrou a frao , mas no percebeu que

    = . Do total de alunos, 61,3% resolveu da mesma forma.

    Figura 6: Questo que envolve comparao (estudo PATRONO, 2004)

    Esse aluno no soube usar a comparao para identificar a frao mais prxima de .

    A explicao dada parece evidenciar uma associao entre denominadores menores e

    fraes menores.

    Todos esses obstculos ficam mais difceis de solucionar se no for estabelecida uma

    relao (naturais como caso particular dos racionais) entre os nmeros naturais e os

    racionais. necessrio que o aluno perceba que as regras vlidas para os naturais, agora,

    precisam ser repensadas.

    De acordo com Caraa (2005), os nmeros racionais so uma generalizao dos

    nmeros naturais e a construo seguiu o princpio da economia ou princpio de

    permanncia das leis formais. O conjunto de leis operatrias, formado pelas propriedades

    formais das operaes dos nmeros naturais, conservado nos nmeros racionais, e os

    naturais passam a ser um caso particular dos racionais. Que regras ento precisam ser

    repensadas? Todas. Tomemos, por exemplo, a operao de soma e os quocientes 3 e 510

    .

    Somando 3 vezes com 5 vezes, temos 8 vezes ou 3 + 5 = 8. Tomemos, agora, a operao

    de soma e os quocientes e . Somar com diferente de somar 1 com 1, ou 3 com 5. A

    soma s far sentido se os quocientes forem expresses de uma mesma unidade.

    Romanatto (1997, p.89) explica que esta uma tarefa que exige, inicialmente, que as

    fraes sejam expresses de um mesmo todo, de uma mesma unidade, e requer, em

    seguida, a necessidade de padronizar ou dimensionar um tamanho/medida para, ento,

    poder somar, e que os novos contextos so de naturezas distintas, o que implica que,

    tanto a noo de nmero, quanto a interpretao das operaes elementares precisam ser

    feitas com mais ateno (p.90).

    10

    3 e 5 representam o nmero inteiro de vezes que um segmento cabe em outro.

  • 27

    Oliveira (1996, p.49) analisou vrios artigos sobre a aprendizagem de fraes e os

    problemas encontrados foram:

    dificuldades para localizar fraes na reta numrica; dificuldades no trabalho

    com nmeros mistos e fraes equivalentes nas operaes com fraes;

    dificuldades em entender o conceito de uma frao, mesmo possuindo

    possibilidades computacionais, isto , o que existe um conhecimento

    instrumental das fraes, mas no o conhecimento das relaes subjacentes s

    mesmas; dificuldades para ver as vrias interpretaes do conceito como

    tpicos relacionados; uso predominante de estratgias e propriedades dos

    nmeros naturais quanto ordem das fraes e tambm razo e proporo;

    interferncia de habilidades pertencentes ao contexto contnuo no contexto

    discreto; dificuldades em representar fraes de forma simblica, isto , em

    modelos fsicos ou diagramas, devido ao uso excessivo de figuras pr-divididas;

    busca de um raciocnio mecnico (regras e truques) no trabalho com fraes.

    Desses problemas, os mais comuns so: a utilizao de regras, estratgias e

    propriedades vlidas para os naturais, forma nica de representar fraes utilizando figura

    (retngulos), dificuldades de interpretao e utilizao das fraes em situaes

    contextualizadas. Esses so obstculos no apenas apresentados pela literatura, mas

    vivenciados por ns e inmeros colegas em nosso cotidiano.

    Romanatto (1997), em sua tese de doutorado11

    , apresentou um importante estudo

    terico sobre os nmeros racionais que, at hoje, mencionado na maioria das pesquisas

    sobre o tema. Para ele,

    muitas das dificuldades apresentadas pelos estudantes na compreenso de

    determinadas classes de problemas, bem como na resoluo dos

    algoritmos associados s operaes matemticas com certos tipos de

    nmero, podem estar relacionadas ao no entendimento de que, em cada

    conjunto numrico, a noo de nmero, assim como as operaes com ele

    realizadas, so, na maioria das vezes, diferentes daquelas do conjunto

    numrico anterior (ROMANATTO, 1997, p. 87).

    Desenvolveu o estudo em seis captulos e quatro deles (III ao VI) so dedicados

    exclusivamente aos nmeros racionais. No captulo III, discute as noes, os construtos, a

    aquisio do conhecimento e um modelo para aprendizagem dos racionais. No IV, discute

    o processo de ensinar e aprender os nmeros racionais na escola, trazendo as diversas

    ideias e contextos expressos por esse nmero. Aponta obstculos como: compreenso das

    fraes imprprias como fraes, diferentes interpretaes da multiplicao e diviso,

    comparadas s efetuadas no conjunto dos nmeros naturais, nfase dada pelos livros

    didticos aos algoritmos (livros atuais apresentam outra abordagem), falta de discusso

    qualitativa das operaes nos mais diferentes contextos, compreenso dos racionais nos

    11

    Nmero racional: relaes necessrias sua compreenso.

  • 28

    contextos nos quais esto inseridos. No V, apresenta o nmero racional como uma teia de

    relaes. O modelo semelhante a uma teia de aranha onde, no centro, estaria a notao

    com a e b inteiros e b 0. Nos enredamentos mais prximos, estariam as notaes

    (fracionria, decimal, porcentual) e, emergindo ou incidindo do ponto central, as relaes

    construdas ou adquiridas a partir dos diferentes contextos. No VI, discute uma nova viso

    do processo de ensinar e aprender os nmeros racionais. Todas as discusses feitas

    constituem um bom referencial, tanto para pesquisadores, quanto para professores que

    atuam na sala de aula.

    Segundo o Programa para o Ensino Fundamental - 5a a 8

    a srie - Matemtica

    (1995), a maioria dos professores reconhece que os alunos encontram muitas dificuldades

    no estudo de fraes e que isso se deve a algumas causas principais:

    - as fraes so usadas menos frequentemente na vida diria e so menos facilmente

    descritas que os nmeros naturais;

    - a representao escrita das fraes relativamente complicada;

    - no fcil ordenar as fraes na reta graduada;

    - para o clculo com fraes, existem vrias regras e estas so mais complicadas que

    aquelas usadas com os nmeros naturais (MINAS GERAIS, 1995, p.59).

    Muitas vezes, so causas de dificuldades tambm para professores que, por no

    compreender o conceito de frao, tm receio de utilizar prticas alternativas em sala de

    aula. Realizando estudos pilotos, tivemos a oportunidade de observar a satisfao de uma

    professora, ao perceber o conceito de multiplicao e diviso de fraes, utilizando

    dobradura em papel. Em determinado momento, ela exclamou: Puxa, agora entendi a

    regra prtica. importante que o professor, em sua formao (profissional ou

    continuada), possa experimentar prticas diferentes que o auxiliem no exerccio de sua

    profisso.

    Silva (1997)12

    trabalhou, em sua pesquisa, com alunos e professores. A partir do

    estudo realizado, apontou alguns obstculos didticos, relacionados ao

    ensino/aprendizagem de fraes:

    Ponto de vista nico - a concepo parte/todo no contnuo praticamente a nica com que

    os alunos se deparam na introduo do conceito de frao e de nmeros decimais.

    Dupla contagem das partes - o modelo parte/todo no contnuo, dado a partir da contagem

    das partes, desenvolve a linguagem de frao sobre um modelo esttico em que as figuras

    12

    Sobre a introduo do conceito de nmero fracionrio

  • 29

    so representadas com todos os traos de diviso aparentes, e, nesse padro, leva alguns

    alunos ao sucesso.

    Discretizao do contnuo - o modelo de referncia que a criana tem o de quantidades

    discretas representadas pelos nmeros naturais, o que cria dificuldades para ela trabalhar

    com o modelo parte/todo no contnuo usado na maioria dos livros e pelos professores na

    introduo da frao.

    Viso deturpada no trabalho com quantidades discretas - o uso de quantidades discretas s

    aparece para trabalhar a frao de quantidade (operador sobre os naturais) e visto somente

    sob a concepo parte/todo.

    Nomeao aleatria - os livros didticos, de forma geral, at a quarta srie (hoje quinto

    ano), introduzem o conceito de frao com vrios ttulos: frao, nmeros fracionrios,

    nmero racional.

    Formalizao abusiva - comum nos livros didticos das sries iniciais do Ensino

    Fundamental a introduo de algoritmos para introduzir alguns conceitos como os de

    equivalncia de fraes e para as operaes (p. 74 e 75).

    Esses obstculos vm ao encontro do que temos observado e vivenciado em nossa

    prtica. Concordamos com a autora quando diz que h dois pontos que provocam

    obstculos ontognicos13

    no ensino dos nmeros fracionrios: o formalismo abusivo com

    que apresentado o conceito de nmero fracionrio e o modelo (parte/todo) apresentado

    mecanicamente atravs da contagem, sem que se verifiquem os pr-requisitos necessrios

    (conservao de rea, medida,...) (SILVA, 1997).

    A literatura mostra que as dificuldades so antigas, variam desde a noo at

    operaes e aplicaes. O trabalho com os contextos ou significados da frao pode

    minimizar as dificuldades de aprendizagem e contribuir para a construo do conceito.

    1.3. Os contextos e significados das fraes

    As dificuldades de aprendizagem das fraes podem advir no s da forma como os

    nmeros racionais vm sendo trabalhados nas escolas, como tambm da complexidade

    desse nmero. A no compreenso dos diferentes significados (contextos, subconstrutos,

    relaes) nos quais as fraes esto inseridas pode ser a origem da grande dificuldade dos

    alunos ao trabalhar com as fraes. Vrios autores discutem esses diferentes significados.

    Kieren (1976) (apud SILVA, AGUIAR & LIMA, 2000) denomina subconstrutos:

    13

    Obstculo ontognico - obstculo que segue desde o conceito at a formalizao (fase definitiva).

  • 30

    1. Fraes ordinrias, que podem ser comparadas, adicionadas, subtradas etc.;

    considerando-se, aqui, a frao como relao entre a(s) parte(s) e o todo;

    2. Fraes decimais, formadas a partir de extenso dos nmeros inteiros, via nosso

    sistema de numerao decimal;

    3. Classes de equivalncia (fraes equivalentes: 1/2, 2/4, 3/6..., e 2/3, 4/6, 6/9...);

    4. Razes expressas na forma p/q, sendo p e q nmeros inteiros, e q diferente de zero, e

    que indicam uma relao entre duas quantidades;

    5. Operadores multiplicativos que transformam as quantidades pela ao de operaes

    aritmticas e algbricas (1/2 de 1/4; 2/3 de 1/2), sendo as estruturas cognitivas bsicas

    necessrias interpretao desse subconstruto a noo de proporo, composio e

    identidade;

    6. Quocientes de divises na forma x = p/q, satisfazendo equao qx = p, para os quais

    a partio, habilidade cognitiva para dividir um objeto dado em um nmero de partes

    fundamental,

    7. Medidas ou pontos numa reta numrica, subconstruto associado a propriedades

    topolgicas, segundo, Behr, Lesh, Post & Silver (1983).

    J Romanatto (1997) chama subconstrutos de contextos e os subdivide em seis:

    Medida - relao parte/todo, como se faz na escola, usando grandezas discretas e

    contnuas. A ideia presente a de comparao. Ex: de uma pizza (unidade/todo: 1 pizza)

    ou de 9 bolinhas de gude (unidade/todo: 9 bolinhas). A unidade/todo dividida em

    partes iguais e tomado determinado nmero delas. No exemplo dado, a unidade/todo

    dividida em trs partes iguais e so tomadas duas delas.

    Quociente - A ideia presente de partio. possvel trabalhar o quociente quando um

    nmero de objetos precisa ser dividido em certo nmero de grupos. Ex: repartir 3 pizzas

    para 4 pessoas. O nmero representa o quociente de uma diviso exata.

    Razo - Uma razo uma relao de comparao multiplicativa entre duas quantidades de

    mesma medida. Ex: pode representar 2 meninas para cada 3 meninos. A relao presente

    na razo de parte/parte.

    Operador multiplicativo - Ex: calcular de 20. O operador faria ento duas operaes:

    uma diviso do todo em quartos, e, em seguida, uma multiplicao, tomando-se 3 dessas

    partes. O operador nos d a ideia de mquina: um todo/unidade vai ser transformado e a

    notao est relacionada a essa transformao.

  • 31

    Probabilidade - Nesse caso, a relao parte/todo deve ser vista como uma comparao

    entre chances favorveis ou necessrias e as chances possveis. Pode ser trabalhado como

    uma extenso da relao parte/todo.

    Reta numrica - ideia de que a notao a/b expressa, em algumas situaes, um nmero na

    reta numrica. O autor sugere o trabalho com a reta numrica no incio dos trabalhos com o

    nmero racional, principalmente nas atividades que envolvem as ideias de medida e

    quociente.

    Os subconstrutos 1 (fraes ordinrias), 2 (fraes decimais) e 3 (classes de

    equivalncia) de Kieren podem ser encaixados no contexto medida (relao parte/todo) de

    Romanatto, porque so representaes diferentes de um mesmo nmero.

    Ferreira (2001) tambm chama de contextos:

    - Nmeros racionais como partes de todos - situaes que representam a relao

    parte/todo (medida), envolvendo ideias de quantidade (discreto) e medida (contnuo). A

    autora afirma que dos contextos mais prximos. Concordamos, e essa proximidade

    tanto pode estar ligada ao fato de o nmero racional ser vistos como nmeros de

    medida ou nmeros que representam experincias de medir (p.8), como pela sua

    explorao em sala de aula;

    - Nmero racional como um quociente - representa uma diviso, mas, para compreender,

    necessrio saber que, embora tenha a mesma representao a/b, agora provavelmente

    a e b representam coisas distintas. Por exemplo: repartir 2 bolos para 3 pessoas (a

    refere-se aos 2 bolos e b s 3 pessoas);

    - Nmero racional como razo - duas quantidades so comparadas multiplicativamente. A

    interpretao diferente das ideias de parte-todo e quociente e requer a compreenso do

    relacionamento comparativo de a e b, envolvendo a ideia de equivalncia;

    - Nmero racional como um operador - a ao como operador refere-se a uma

    interpretao algbrica de . Interpretao vlida para estudar a multiplicao de

    nmeros racionais vistos como uma composio de funes;

    - Outros contextos significativos: probabilidade, reta numrica, etc.

    Valera (2003) dedica um captulo de sua dissertao para discutir esses contextos e

    os denomina diferentes significados das fraes. Em sua abordagem, identifica seis

    significados para as fraes: frao como relao parte/todo, frao como quociente, frao

    como razo, frao no estudo das probabilidades, frao como ideia de escala, frao como

    ideia de porcentagem, frao como operador. A discusso feita em relao aos contextos

  • 32

    ou diferentes significados das fraes a mesma, o que muda somente a forma de se

    expressar. Um ponto que nos chamou a ateno a apresentao da reta numrica como

    um caso particular da relao parte/todo.

    Figura 7: Valera (2003, p.131)

    Observa-se que, nesse caso, a frao no se associa a uma parte de uma

    figura ou ainda a um subconjunto de objetos, mas se reduz a um nmero

    abstrato e, como ilustra a figura acima, um nmero entre o 0 e 1 e

    um nmero entre o 1 e 2 (VALERA, 2003, p.132).

    Para esse autor, esse modelo representa dificuldades especiais para os alunos,

    principalmente quando no segmento de reta figuram duas ou mais unidades. A maioria

    deles tende a considerar como unidade a totalidade do segmento.

    Outra sugesto interessante apresentada pelo autor a utilizao da reta numrica

    para representao de fraes como medidas.

    Figura 8: Valera (2003, p.133)

    Para ele, ao considerarmos os nmeros racionais na interpretao de medida,

    proporcionamos o contexto natural para a soma (unio de duas medidas) e para a

    introduo dos decimais (VALERA, 2003, p.133).

    Alm de discutir detalhadamente os contextos ou significados da frao, Valera

    tambm comenta e traz sugestes de atividades que podem ser utilizadas em sala de aula.

    Algumas delas com a utilizao do material reguinhas de Cuisenaire14. Llinares (1988)

    14

    um material formado por reguinhas de madeira de diferentes cores e comprimentos. Foi criado pelo

    educador belga George Cuisenaire Hottelet.

  • 33

    (apud VALERA, 2003) recomenda esse material como recurso adequado para desenvolver

    as ideias que relacionam as fraes s ideias de medidas.

    Outros autores como Silva (1997) e Rodrigues (2005) no discutem esses contextos

    em itens separados, mas os desenvolvem em suas sequncias ou instrumentos de atividades

    e trabalham com alunos e professores. Esses trabalhos so voltados para as sries iniciais

    do Ensino Fundamental (3 e 4 sries - hoje quarto e quinto ano) e os contextos

    trabalhados so relao parte/todo, quociente, medida e noes de razo. As atividades so

    equilibradas entre o discreto e o contnuo.

    A ideia central expressa pela diversidade semntica (subconstrutos, contextos,

    significados), utilizada pelos autores por ns citados, pode ser traduzida como atividades,

    exemplos ou situaes-problema em que o nmero racional est inserido.

    So nesses contextos que as diferentes relaes que fundamentam o nmero

    racional so construdas ou adquiridas. importante, ento, que os professores de

    Matemtica reflitam sobre sua prtica e procurem alternativas que propiciem aos alunos a

    compreenso das fraes inseridas nesses contextos.

    As dificuldades e os erros dos alunos, ao resolver os diagnsticos dos estudos

    pilotos e deste estudo, reforam o pressuposto de que as dificuldades advm da construo

    do conceito e parece evidenciar a necessidade de um trabalho com as fraes incorporadas

    em todos esses contextos. No queremos dizer que todos devam ser trabalhados em uma s

    srie ou ano, mas, como Romanatto (1997), defendemos a ideia de que sejam bem

    explorados ao longo do Ensino Fundamental.

    Outro fato que tambm refora essa necessidade a abordagem que os livros

    didticos atuais vm apresentando sobre as fraes. Os livros didticos analisados no

    prximo item abordam todos esses contextos e, em livros mais antigos, no se via essa

    preocupao. Razo, probabilidade, porcentagem eram desenvolvidos sem relao com a

    frao e a ideia de frao como quociente no aparecia.

    1.4. O ensino de fraes em alguns livros didticos

    O livro didtico costuma ser um importante recurso nas escolas. Muitas vezes, o

    professor organiza todo o seu plano de trabalho a partir das unidades do livro didtico

    adotado. Nesse sentido, consideramos interessante conhecer como algumas das colees

    mais utilizadas nas escolas de Ouro Preto apresentam os nmeros racionais na forma

    fracionria.

  • 34

    Escolhemos trs colees dos anos iniciais do Ensino Fundamental (1 ao 5 ano -

    antiga 1 4 srie) e trs dos anos finais (6 ao 9 ano - antiga 5 8 srie) e, tendo em

    vista nossa inteno de desenvolver uma proposta de ensino para alunos do 6 ano,

    focalizamos apenas os volumes destinados ao 5 e 6 anos dessas colees15

    .

    Os livros analisados foram:

    a) 5 ano (antiga 4 srie):

    1. Matemtica - Vivncia e Construo, 4 srie - Luiz Roberto Dante, 2004;

    2. Hoje dia de Matemtica, 5 ano - Cludia Miriam Tosatto, Edilaine do Pilar F.

    Peracchi, Carla Cristina Tosatto, 2007;

    3. Viver e aprender Matemtica, 4 srie - Iracema Mori, 2004.

    b) 6 ano (antiga 5 srie):

    1. Matemtica - Fazendo a diferena, 5 srie, Jos Roberto Bonjorno, Regina

    Azenha Bonjorno, Ayrton Olivares, 2006;

    2. Tudo Matemtica, 5 srie - Luiz Roberto Dante, 2005;

    3. Matemtica e Realidade, 5 srie, Gelson Iezzi, Osvaldo Dolce, Antnio

    Machado, 2005.

    De acordo com os propsitos de nosso estudo, formamos trs categorias de anlise

    para esses livros: Introduo e desenvolvimento dos conceitos, utilizao dos contextos nos

    quais a frao est inserida e recursos utilizados.

    1.4.1. Introduo e desenvolvimento dos conceitos

    Livros do 4 ou 5 ano

    No livro 1 - Matemtica, Vivncia e Construo, o autor aborda as fraes nos captulos

    8 e 9. Nesses captulos, so apresentadas as noes de frao, fraes equivalentes,

    simplificao de fraes, comparao de fraes, operaes (adio, subtrao,

    multiplicao, diviso) e fraes nas porcentagens e probabilidade. Os recursos visuais

    (figuras, ilustraes) so muito usados, tanto na introduo dos conceitos, quanto no

    desenvolvimento e atividades. Os exemplos e atividades propostas so diversificados e

    percebe-se neles o cuidado de conduzir compreenso do conceito. A multiplicao, por

    exemplo, trabalhada com duas ideias: soma de parcelas iguais (multiplicao de nmero

    inteiro por frao e vice-versa) e frao de frao.

    15

    Uma das colees a adotada pela escola cujos alunos participaram de nossa pesquisa, e as outras duas so

    as mais usadas na regio.

  • 35

    Figura 9: Dante (2004, p.125)

    A imagem mostra a ideia quanto vale a frao de uma frao. As figuras ilustram

    o passo a passo do clculo e ajudam na compreenso. O professor, na sala de aula, pode

    trabalhar a mesma idia, usando outros recursos como dobradura.

    Permeando os tpicos aparecem itens com os nomes S para conversar, Voc

    sabia que e Desafio. Esses itens so interessantes e envolvem Histria da Matemtica,

    expresses usadas no dia a dia como, por exemplo, numa frao de segundo, discusso

    de algumas classificaes de fraes e questes para anlise dos alunos, objetivando a

    descoberta de uma regra prtica para soluo imediata dos problemas.

    Figura 10: Dante (2004, p.98, 101, 127)

  • 36

    Essas atividades podem ajudar os alunos a se interessar mais pela Matemtica e so

    um convite para atividades em grupo, uma vez que pedem para discutir ou analisar com os

    colegas.

    No livro 2, Hoje dia de Matemtica, as autoras abordam o tema em diversos

    captulos:

    - Captulo 2 - Nmeros, clculos, medidas e formas - no item 4 - Explorando fraes;

    - Captulo 4 - Medidas, nmeros, formas espaciais e operaes - no item 3 - Fraes,

    medidas e decimais;

    - Captulo 6 - Nmeros, medidas e formas planas - no item 1 - Fraes e decimais;

    - Captulo 8 - Nmeros e operaes, formas e medidas, nos itens 4 e 5 - Fraes e decimais

    e Fraes, decimais e porcentagem.

    As fraes aparecem relacionadas a outros assuntos, como medidas e porcentagem.

    Os recursos visuais, como ilustraes, tabelas e grficos, so bem utilizados e a figuras so

    menos frequentes. O ponto forte da abordagem a interdisciplinaridade dentro da prpria

    Matemtica. A introduo de fraes feita no contexto operador multiplicativo com o

    clculo de fraes de quantidades. Mas, se o aluno no tem a noo de frao, como vai

    calcular, por exemplo, de 24 laranjas? Esse tipo de introduo parte do pressuposto de

    que os alunos j possuem a noo de frao. A equivalncia e a comparao foram pouco

    exploradas. Esses temas, embora sejam difceis para os alunos, so essenciais para a

    compreenso de fraes.

    Abaixo, trazemos uma imagem de uma questo envolvendo medidas, frao e

    decimal. Quase todas as questes propostas aos alunos seguem esse formato, integrando

    dois ou mais assuntos.

    Figura 11: Tosatto (2007, p.213)

  • 37

    No terceiro livro, Viver e aprender Matemtica, a autora aborda fraes nas

    unidades 8 (Fraes) e 9 (Fraes: operaes). Trabalha desde a ideia de frao at as

    operaes, seguindo uma linha semelhante a do Dante (2004).

    Apresenta, tambm, permeando os tpicos das unidades, itens intitulados Fique

    sabendo e Procure saber. O primeiro apresenta explicaes de tpicos das unidades, e o

    segundo um convite discusso para a procura de respostas.

    Figura 12: Mori (2004, p.146 e 148)

    A abordagem adotada nos livros engloba os principais conceitos sobre fraes e os

    assuntos so bem desenvolvidos. Os autores procuram relacionar as fraes, sempre que

    possvel, a uma situao do dia a dia ( das moedas, do terreno,...). A linguagem

    simples e acessvel a alunos desse nvel de ensino.

    Livros da 5 srie ou 6 ano:

    No livro1, Matemtica: Fazendo a diferena, os autores abordam o tema na

    unidade 7, trabalhando a noo de frao, equivalncia, simplificao, forma mista,

    comparao e operaes (adio, subtrao, multiplicao, diviso e potenciao). De

    incio, apresentam uma situao e sua interpretao (do dia a dia, ou no) e vo

    desenvolvendo os conceitos.

    Os recursos visuais, como ilustraes, tabelas, figuras, so muito utilizados. As

    atividades so diversificadas, ou seja, trazem atividades diferentes para um mesmo

  • 38

    conceito, por exemplo, para a adio e subtrao, as atividades propostas envolvem soma e

    subtrao em figuras pr-divididas e coloridas de forma diferentes, s com operaes, em

    situaes-problema, em tabelas onde a soma ou a diferena calculada nas linhas e

    colunas. Essas atividades so divididas em dois grupos: atividade resolvida, onde

    apresentado um problema e sua soluo, e atividades que so os exerccios para os alunos.

    No segundo livro, Tudo Matemtica, o autor aborda as fraes de forma

    semelhante ao da 4 srie, tambm de sua autoria, comentado anteriormente. A semelhana

    aparece na abordagem dos conceitos (como so introduzidos e desenvolvidos), mas

    apresenta diferenas no contedo: o da 4 srie desenvolve at a diviso de frao por um

    nmero natural, e o da 5 srie s at a multiplicao de frao por nmero natural.

    Procuramos observar, ento, a coleo, e verificamos que o contedo de fraes

    desenvolvido ao longo das quatro sries (5 a 8 srie). No livro da 6 srie, feita uma

    reviso, trabalha-se o outro caso de multiplicao (frao por frao) e se introduz a

    diviso de frao por um nmero inteiro. No livro da 7 srie, trabalhada a diviso de

    frao por frao. O da 8 srie trabalha a frao dentro do conjunto dos racionais. A

    complexidade dos nmeros racionais pode ter sido uma das causas da opo por um

    trabalho em espiral, desenvolvido ao longo das quatro sries do Ensino Fundamental.

    Como no livro da 4 srie, so mantidos os itens Voc sabia que e Desafio, e o

    S para conversar substitudo por Trocando ideias, porm, com o mesmo objetivo:

    levar os alunos discusso. Ao final do captulo, apresentam-se duas novidades: Revendo

    o que aprendemos (reviso dos pontos principais do captulo), e Redao - Escrevendo

    sobre o captulo (a proposta que o aluno escreva sobre o que quiser do captulo).

    Consideramos a proposta da redao muito interessante, porque uma oportunidade de os

    alunos desenvolverem a escrita na Matemtica.

    No terceiro livro, Matemtica e Realidade, os autores abordam o tema no captulo

    5 e no incio do captulo 6, para relacionar frao decimal com nmero decimal.

    Desenvolvem desde a ideia de frao at as operaes, utilizando recursos semelhantes

    (ilustraes, figuras...) aos usados pelos outros autores, porm, a forma diferente. Por

    exemplo, trabalham a equivalncia, mas no a utilizam para comparar fraes e nem para

    somar ou subtrair fraes, o que bem utilizado pelos dois primeiros. Apresentam um

    nmero maior de exerccios, com um grau maior de dificuldade, divididos em exerccios e

    exerccios de reforo. Apresentam tambm um desafio ao longo do captulo.

    Os livros 1 e 2 trabalham as operaes e sugerem exerccios mais simples, enquanto

    o livro 3 sugere at expresses, como mostram as imagens a seguir.

  • 39

    Figura 13: Bonjorno (2006, p.141)

    Figura 14: Dante (2005, p.149)

    Figura 15: Iezzi (2005, p.185 e 194)

    Os trs livros de 5 srie abordam as fraes utilizando uma linguagem de fcil

    compreenso. As figuras e ilustraes representam bem as situaes colocadas. Os dois

    primeiros do mais nfase aos conceitos e utilizam mais a equivalncia. A escolha por um

    ou outro vai depender do professor, do nvel de dificuldade/facilidade de aprendizagem da

    turma e tambm da proposta pedaggica da escola.

    1.4.2. Utilizao dos contextos nos quais a frao est inserida

    Consideramos contexto como sendo atividades ou situaes-problema nas quais o

    nmero racional est inserido. Nessa anlise, consideraremos os seguintes contextos:

  • 40

    1. Relao parte/todo - a representao indica a relao entre o nmero de partes tomadas

    (a) e o nmero de partes em que o inteiro foi dividido (b).

    2. Quociente - a representao indica o quociente (diviso) de a por b.

    3. Operador - a representao indica o clculo da frao de uma quantidade. O operador

    realiza duas operaes: a diviso por b e a multiplicao por a.

    4. Razo - a representao indica a comparao entre duas grandezas. Incluiremos aqui a

    probabilidade e a porcentagem.

    5. Reta numrica - a representao indica um ponto na reta numrica.

    Ao analisar como os livros do 5 ano utilizaram os contextos, verificamos que:

    - Livro 1 - Matemtica: Vivncia e Construo

    Os cinco contextos aparecem, porm, com maior nfase na (o): relao parte/todo (ex:

    papel dobrado em partes iguais, algumas coloridas - relao entre as partes coloridas e o

    total de partes, figuras divididas em partes iguais com partes coloridas - relao entre as

    partes coloridas e o total de partes, flores coloridas, bales coloridos com a mesma relao

    anterior - nmero de flores ou de bales de uma cor e o total, ferramentas - comparao

    entre, por exemplo, o nmero de martelos e o total de ferramentas), quociente (trabalhado

    como frao e diviso - ex: dividir igualmente 2 folhas entre 3 pessoas) e operador (para

    calcular fraes de quantidades - de uma dzia). O contexto razo apareceu no tpico

    Fraes e medidas, expressando a ideia de quantas vezes uma medida cabe em outra, de

    acordo com a construo dos racionais por Caraa (2005), e a reta numrica apareceu em

    dois exerccios que pediam a frao correspondente aos pontos.

    - Livro 2 - Hoje dia de Matemtica

    So trabalhados os contextos relao parte/todo e operador. Em nenhum momento foi

    utilizada a frao como quociente (noo de diviso/partio, como, por exemplo, repartir

    dois chocolates para cinco pessoas). Apesar de associar com frequncia a noo de frao

    com medidas, a ideia de quantas vezes uma medida cabe em outra no foi explorada. A

    reta numrica apareceu algumas vezes, mas representando nmeros inteiros ou o racional

    na forma decimal. O operador apareceu em todas as unidades em que a frao foi

    desenvolvida, de forma abusiva (p. 66 - de 30 laranjas, p.80 - de 60 alunos, p.137 -

  • 41

    de hora, p. 217 - de litros, p.312 - das letras da palavra contente), embora a inteno

    tenha sido no trabalhar a frao solta, mas relacionada a alguma situao.

    - Livro 3 - Viver e aprender Matemtica

    Os contextos mais utilizados so: relao parte/todo e operador. A relao parte/todo

    explorada em diversas situaes, como relacionar nmero de meninas e total de pessoas de

    uma equipe, nmero de bolas vermelhas e total de bolas de uma caixa, em figuras divididas

    em partes iguais e em conjunto de objetos. O operador no clculo de fraes de

    quantidades: de 20 mas (p.136), de uma figura (p.137). A razo aparece no incio da

    unidade, contando como as fraes surgiram, para comparar superfcies e para comparar

    chances favorveis e chances possveis, ou seja, a probabilidade. O quociente pouco

    explorado e a reta numrica no aparece.

    Quanto aos livros de 6 ano:

    - Livro 1 - Matemtica - Fazendo a diferena

    Os contextos mais utilizados so: relao parte/todo e operador com os mesmos tipos de

    atividades dos livros da 4 srie. O quociente s aparece para mostrar a forma mista de um

    nmero fracionrio, como, por exemplo, para encontrar a forma mista de , dividimos 16

    por 5 para achar a parte inteira e o resto forma com o denominador 5 a parte fracionria. A

    reta numrica aparece em um nico exerccio, para identificar a frao correspondente aos

    pontos dados, e a razo s desenvolvida associada porcentagem.

    - Livro 2 - Tudo Matemtica.

    Os cinco contextos so trabalhados. Para apresentar as vrias ideias de frao, o autor

    apresenta os contextos relao parte/todo, operador e quociente. A relao parte/todo

    explorada nos itens frao de uma figura ou objeto ( de uma folha de papel), e frao de

    um conjunto de elementos (discreto - dos bales so azuis). O operador aparece no

    clculo de frao de um nmero ( de 18) e o quociente como quociente de dois nmeros

    (diviso/partio - 2 folhas repartidas para 5 pessoas). A razo aparece no item Fraes e

    medidas e tambm associada porcentagem e probabilidade. A reta numrica aparece

    em uma explicao de soma de fraes e em alguns exerccios para associar a frao a

    pontos indicados. O contexto menos explorado foi a reta numrica.

  • 42

    - Livro 3 - Matemtica e Realidade

    Os contextos mais utilizados so relao parte/todo e operador. O quociente aparece em

    como transformar uma frao imprpria em nmero misto. A razo aparece associada

    porcentagem e a reta numrica no mencionada. Os autores usam poucos exemplos e

    muitos exerccios.

    Identificamos contextos atravs da leitura e anlise da abordagem de fraes feitas

    pelos autores. A palavra contexto, ou significado, no utilizado por eles. Dante (2004,

    2005) usa As ideias de frao no livro da 4 srie e Algumas ideias associadas frao

    no livro da 5 srie. Esses termos usados por ele podem ser traduzidos em contextos ou

    significados: frao de uma figura ou de um objeto e frao de um conjunto de elementos -

    contexto relao parte/todo; frao de um nmero - contexto operador multiplicativo;

    frao como quociente entre dois nmeros - contexto quociente.

    Defendemos o trabalho com os cinco contextos no 5 e no 6 ano. O professor

    precisa estar atento forma como vai abord-los. Situaes que ajudem os alunos a

    compreender o conceito devem ser privilegiadas em relao aos algoritmos.

    1.4.3 Recursos utilizados

    O livro didtico um recurso utilizado pelo professor no ensino e aprendizagem de

    diversos contedos e, em particular, das fraes. E os autores de livros didticos, na

    abordagem das fraes, que recursos utilizam?

    Nesse item, discutimos os recursos utilizados pelos autores dos livros aqui

    analisados.

    Livros de 5 ano:

    - Livro 1 - Matemtica: Vivncia e Construo

    O autor utiliza situaes que o aluno pode experimentar, como medir o comprimento e a

    largura da mesa da sala aula, do quadro etc.; ilustraes na maioria das situaes

    apresentadas, figuras divididas em partes iguais, dobraduras em papel, curiosidades (voc

    sabia que), questes para discusso em grupo (s para conversar) e desafios. Exemplo de

    um desafio: Quanto minutos correspondem a 2 horas? (p.108).

  • 43

    - Livro 2 - Hoje dia de Matemtica

    As autoras apresentam ilustraes, situaes do dia a dia, como frao da hora (metade, um

    quarto), medidas (meio quilmetro, meio metro, meio quilograma etc.), figuras divididas

    em parte iguais, quebra-cabea Tangram (usado para trabalhar equivalncia), pequenos

    textos, tabelas, grficos e um ensino interdisciplinar dentro da prpria Matemtica,

    integrando fraes com medidas e porcentagem.

    - Livro 3 - Viver e aprender Matemtica

    A obra oferece um pouco de histria (para mostrar a necessidade de contar e medir),

    ilustraes, figuras divididas em partes iguais, exemplos do dia a dia ( do nosso planeta

    gua, da pizza), o Tangram (para trabalhar composio e decomposio de figuras

    fazendo medio), e questes que so um convite pesquisa - procure saber, como, por

    exemplo, Que nome recebem os grficos cujos dados so representados em um crculo?

    (p.142).

    Livros do 6 ano:

    - Livro 1 - Matemtica - Fazendo a diferena

    A obra traz situaes do dia a dia (Vou levar um quarto do queijo. S quero meio copo

    de suco (p.119).), ilustraes, figuras divididas em partes iguais, tabelas (para organizar

    dados), o Tangram (para trabalhar soma de fraes), tiras de fraes (para trabalhar a

    equivalncia), jogos (o aluno se diverte e trabalha com as fraes).

    - Livro 2 - Tudo Matemtica

    O autor utiliza exemplos do dia a dia, como receitas, informaes reais, ilustraes, figuras

    divididas em partes iguais, tabelas (para organizar dados), grficos (para trabalhar fraes e

    porcentagem), oficina de Matemtica ( um convite aos alunos a cortar, medir, identificar

    fraes, colocando a mo na massa), projeto em equipe, redao, questes para discusso

    (trocando ideias) e desafios.

    - Livro 3 - Matemtica e Realidade

    Nessa obra, apenas encontramos tabelas, ilustraes, figuras divididas em partes iguais, em

    um nmero bem menor. O Tangram foi explorado em vrios tpicos - noo, equivalncia,

    comparao.

  • 44

    Todos os autores apresentam o contedo e depois propem exerccios para os

    alunos variando apenas a quantidade que cada um prope. . Recursos como ilustraes,

    figuras divididas em partes iguais so utilizados por todos e outros, como dobradura, jogo,

    Tangram, tiras de fraes, por um ou outro. Esses recursos so estticos nos livros. As

    ilustraes, tabelas, grficos, figuras divididas em partes iguais, receitas, informaes reais

    so usados por alunos e professores na leitura e interpretao das atividades propostas. O

    trabalho com outros recursos, como jogos, dobraduras, Tangram, oficina de Matemtica,

    redao, vai depender da forma de trabalhar do professor. Se o aluno tiver a oportunidade

    de construir, dobrar, manipular esses recursos, a aprendizagem das fraes pode se tornar

    mais fcil para eles, contudo, importante que o professor planeje suas aulas e saiba usar

    esses materiais com propsitos bem definidos. Caso contrrio, o recurso ou material pode

    se tornar um obstculo.

    1.5. Como trabalhar com os nmeros racionais na forma fracionria?

    H mais de trinta anos, Dienes (1975 apud VALERA, 2003, p.120) defendia o uso

    de material concreto16

    no ensino de fraes. Segundo ele, ao iniciar o estudo desse tema, a

    criana est na idade em que ela aprende melhor a partir de sua experincia pessoal do que

    a partir da experincia dos outros. Nesse sentido, ser necessrio construir um ambiente

    de aprendizagem no qual a criana manipule objetos e materiais que lhe permitam atribuir

    significado s fraes e estabelecer relaes entre fraes. Dienes (1975 apud VALERA,

    2003, p.120) sugeria para tais exerccios o uso de material didtico concreto, sob a forma

    de blocos multibase, fatores coloridos, reguazinhas encaixveis ou de outros pequenos

    objetos.

    Hoje, muitas escolas possuem alguns materiais concretos que podem ser utilizados

    no ensino de fraes, como, por exemplo, Rgua de Fraes, Cubo de Fraes, reguinhas

    de Cuisenaire, Disco de Fraes, mas, na maioria das vezes, os professores no sabem

    como utiliz-los. Silva (1997) observou que as professoras que participaram de seu estudo

    no se sentiram seguras com o contedo de fraes e falaram muito em material concreto,

    mas no sabiam bem o que fazer com eles. Parece que o uso do material concreto

    resolve todos os problemas (SILVA, 1997, p. 73).

    16

    Estamos considerando material concreto e material manipulvel ou manipulativo com o mesmo

    significado.

  • 45

    Nacarato (2005) tambm chama a ateno para o uso desse tipo de material.

    Segundo ela, um uso inadequado ou pouco exploratrio de qualquer material manipulvel

    pouco ou nada contribuir para a aprendizagem matemtica. O problema no est na

    utilizao desses materiais, mas na maneira como utiliz-los (p.4).

    Para Romanatto (1997, p.120), o ensino de fraes nas sries iniciais do 1o grau

    deve ajudar os estudantes a compreenderem esse conceito, a explorarem as suas relaes e

    a construrem noes de ordem e equivalncia. Para isso, sugere o trabalho com as

    grandezas discretas e contnuas, fraes da vida diria e materiais manipulveis.

    O PCN (1997) sugere a utilizao de problemas histricos e do boas orientaes

    para o trabalho com os contextos, a equivalncia, as operaes. O conceito de equivalncia

    e a construo de procedimentos para obteno de fraes equivalentes so fundamentais

    para resolver problemas que envolvem a comparao de nmeros racionais expressos sob a

    forma fracionria e efetuar clculos com esses nmeros. Sugere que, na adio e subtrao

    de fraes com denominadores diferentes, as propriedades de fraes equivalentes sejam

    aplicadas. Se o conceito de equivalncia for bem trabalhado, os alunos no tero

    dificuldades em transformar fraes com denominadores diferentes em fraes com o

    mesmo denominador (no necessariamente o menor).

    J a multiplicao com fraes pode ser pensada como partes de partes do total.

    Por exemplo, x pode ser interpretado como procurar dos de um todo.

    Da, temos que x = . A partir de vrias experincias como essa, os alunos

    podero construir um procedimento para multiplicar fraes.

    A diviso pode ser interpretada como partes que cabem em partes. Assim :

    pode ser interpretado como quantas partes de cabem em .

  • 46

    Comparando, pode-se perceber que cabe uma vez e meia em . No entanto,

    representaes desse tipo nem sempre permitem uma adequada visualizao do resultado.

    Por isso, outras estratgias devem ser usadas. Um exemplo pode ser a utilizao da

    propriedade um quociente no se altera quando dividendo e divisor so multiplicados por

    um mesmo nmero. Assim:

    8

    15

    1

    8

    15

    2

    3

    3

    22

    3

    4

    5

    3

    24

    5

    3

    24

    5

    (BRASIL, 1997, P.105).

    O que acontece, na maioria das vezes, a utilizao da ideia do inverso

    multiplicativo sem a compreenso. O aluno memoriza a regra sem compreender o porqu.

    Esse aprendizado pode ser esquecido facilmente ou confundido. Quando, no processo de

    ensino e aprendizagem, h preocupao com a heurstica (caminho ou mtodo que le