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DELIBERAÇÃO DO CONSELHO DIRECTIVO DA
ENTIDADE REGULADORA DA SAÚDE
(VERSÃO NÃO CONFIDENCIAL)
Considerando as atribuições da Entidade Reguladora da Saúde (doravante ERS)
conferidas pelo artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio;
Considerando os objectivos da actividade reguladora da ERS estabelecidos no artigo
33.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio;
Considerando os poderes de supervisão da ERS estabelecidos no artigo 42.º do
Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio;
Visto o processo registado sob o n.º ERS/025/09;
I. DO PROCESSO
I.1. Origem do processo
1. Em 7 de Abril de 2009, recebeu a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) uma
exposição apresentada por M., relativa à não realização de uma intervenção
cirúrgica, na sequência de descolamento de retina, em estabelecimentos
hospitalares do SNS.
2. Na sequência da referida exposição, e verificada a necessidade de se proceder a
uma averiguação mais aprofundada, o Conselho Directivo da ERS, por despacho
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de 16 de Abril de 2009, ordenou a abertura de inquérito registado sob o n.º
ERS/025/09.
I.2. A exposição da utente
3. Concretamente, a exponente afirma que no dia 30 de Dezembro de 2008, “após
observação clínica por dois Hospitais Públicos, nomeadamente [os Hospitais da
Universidade de Coimbra]1 e o Hospital Central de Lisboa – São José (e tentativa
de atendimento, não conseguido, via telefone no Hospital S. Maria), os Médicos
especialistas de oftalmologia foram unânimes na necessidade urgente de
intervenção cirúrgica (Descolamento de Retina, com sintomas iniciados 72 horas
antes)”.
4. No entanto, acrescenta que “tal não foi possível, uma vez que se tratava do dia
30.12.08, véspera de passagem de ano, e as Equipas Médicas Especialistas nesta
área específica encontravam-se de férias”.
5. Note-se, igualmente, que – segundo a utente – nenhum dos Hospitais do SNS em
causa “diligenciou pelo encaminhamento via hospitalar da utente para outro
Serviço Público de Saúde, cingindo-se a informar sobre os Hospitais que poderiam
operar nesta situação”.
6. Posteriormente à realização de exames complementares de diagnóstico no
Hospital de S. José – onde a situação da utente foi considerada “muito urgente” –
a utente deslocou-se, no dia 31 de Dezembro de 2008, pelas 8h30, pelos seus
próprios meios, ao Hospital de Santo António dos Capuchos;
7. Onde, alegadamente, “o Director dos Serviços de Oftalmologia não autorizou o seu
atendimento”, tendo a utente sido intervencionada de urgência, no mesmo dia, no
[prestador privado], pelo mesmo profissional de saúde (o que motivou o envio de
factura no valor de €7 526,33).
1 Na exposição da utente foi, por lapso, identificado o Centro Hospitalar de Coimbra quando se pretendia referir aos Hospitais da Universidade de Coimbra, o que veio a ser corrigido em momento posterior e como melhor resulta dos autos.
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I.3. Diligências
8. No âmbito da investigação desenvolvida pela ERS, realizaram-se, entre outras, as
diligências consubstanciadas
(i) em pesquisa no Sistema de Registo de Estabelecimentos Regulados
(SRER) da ERS;
(ii) nos pedidos de elementos ao Centro Hospitalar de Lisboa Central,
E.P.E., de 17 de Abril, de 17 de Junho, de 7 de Agosto e de 1 de
Setembro de 2009;
(iii) nos pedidos de elementos aos Hospitais da Universidade de Coimbra,
E.P.E., de 21 de Maio, de 16 de Julho e de 11 de Setembro de 2009;
(iv) nos pedidos de elementos à exponente, de 13 de Maio e de 5 de
Agosto de 2009;
(v) na análise das respostas a tais pedidos de elementos;
(vi) na recolha de depoimentos, em 26 de Agosto de 2009:
a) de M. - exponente;
b) de F. – marido da exponente; e
c) de C. – filha de ambos.
(vii) na recolha de depoimentos, em 10 de Setembro de 2009, de
colaboradores do Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E., e
designadamente:
a) do Dr. D., Médico que atendeu a utente no Serviço de Urgência do
Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. (Hospital São José);
b) da Dra. M., Assistente Hospitalar graduada de Oftalmologia do Centro
Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E., e que acompanhou o
atendimento da utente no Serviço de Urgência do Centro Hospitalar
de Lisboa Central, E.P.E. (Hospital de S. José);
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c) do Dr. P., Director do Serviço de Oftalmologia do Centro Hospitalar de
Lisboa Central, E.P.E., no Hospital de Santo António dos Capuchos;
d) do Dr. J., Médico Oftalmologista do Centro Hospitalar de Lisboa
Central, E.P.E.;
e) da F., Coordenadora Administrativa das Consultas Externas de
Oftalmologia do Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.; e
(viii) em parecer técnico elaborado por consultor médico da ERS, em 15 de
Dezembro de 2009, sobre o eventual não cumprimento pelo Serviço de
Urgência dos HUC do protocolo do serviço para o descolamento da
retina.
II. DOS FACTOS
II.1. Dos factos relacionados com a utente
9. No dia 30 de Dezembro de 2008, pelas 22 horas, a utente, residente em Faro,
dirigia-se com o marido para o Porto quando, na viagem, sentiu uma afectação no
olho esquerdo – cfr. auto de declarações da utente junto aos autos.
10. Porque se encontrava próxima de Coimbra, dirigiu-se ao serviço de urgência dos
Hospitais da Universidade de Coimbra, E.P.E. (HUC), no qual deu entrada pelas
22h34m do referido dia 30 de Dezembro de 2008 – cfr. o referido auto de
declarações, a exposição inicial da utente, bem como o Relatório completo de
episódio de Urgência enviado quer pela utente à ERS em 23.09.2009, quer pelos
HUC na sua resposta de 2.11.2009 a pedido de elementos da ERS.
11. Como melhor resulta de tal Relatório junto aos autos, que se dá por integralmente
reproduzido e que aqui apenas se sumaria:
(i) aquando da triagem efectuada foram-lhe identificados problemas
oftalmológicos e atribuída uma prioridade “amarelo”;
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(ii) após o que foi consultada às 23h16m de tal dia 30 de Dezembro
de 2008, com referência da sua história de doença actual:
“Perda de visão desde sábado OE. Fenómenos entópticos há cerca de
um mês que permaneceram estacionários até há 4 dias.
Cefaleias esporádicas.
HP cataratas congénitas operadas há 51 anos. Usa lentes de contacto.
Córnea com diminuição da contagem de células endoteliais (sic).
Já sem LC OE.
AV ____�1/10 ____AV____�1/10
Reflexos pupilares diminuídos.
MO nistagmo horizontal e rotatório manifesto.
Bio:_córnea descompensada; CA profunda; afaquia cirúrgica; íris
alongada verticalmente; vítreo na CA_ Bio: aspecto sobreponível ao
contralat_ […]
OE descolamento temporal da retina com envolvimento da área
macular. Retina enrugada. Difícil visualização de soluções de
continuidade.
A doente é de Faro e prefere ser operada em Lisboa. Foi encaminhada
para um dos serviços de urgência de Lisboa.[…]”;
(iii) com base na observação da utente, foi então diagnosticada a
sua situação clínica:
“Problemas
Descolamento Da Retina Com Defeito Retiniano Soe (activo)
Título do problema: diagnóstico de saída (00:00h 31-Dez-2008) […]”;
(iv) o diagnóstico de saída da utente foi, então, o de “Descolamento
Da Retina Com Defeito Retiniano Soe (Confirmado)”;
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(v) após o que foi a utente objecto de “Alta Médica” com as
seguintes referências:
“Alta para: Alta para o Domicílio
Destino: Exterior Não Referenciado
Tipo de alta: Alta activa
Estado do Paciente: Inalterado
Dr. E., (Oftalmologia) / 00:00 h 31-Dez-2008”.
12. Como resulta da exposição inicial da utente, reiterada aquando das declarações
por si posteriormente prestadas à ERS, juntas aos autos, aquando da sua
observação em episódio de urgência nos HUC foi-lhe transmitido o diagnóstico de
descolamento de retina;
13. Bem como lhe foi informado “que se tratava de uma situação de intervenção
cirúrgica emergente uma vez que os sintomas tinham sido já iniciados cerca de 72
horas antes e que o processo de descolamento se estaria a desencadear muito
rapidamente por existir um tremor constante do olho (Nistagma)”;
14. Mas que “apesar da urgência, a intervenção não foi possível [nos HUC] visto a
equipa médica especialista estar toda de férias (não fosse a semana dos festejos
do fim de ano), só (re)iniciando funções na segunda-feira seguinte, 05.01.2009,
data considerada pelo Médico especialista como demasiado tardia pelo risco
iminente de descolamento total da retina e consequente perda, irreversível, de
visão.”;
15. Pelo que, por tal motivo, terá sido a utente “aconselhada a recorrer a outro Hospital
público no Porto ou Lisboa […]” – cfr. exposição inicial da utente junta aos autos.
16. Tanto terá ocorrido por o médico que a consultou nos HUC lhe ter perguntado “[…]
de onde era, ao que referiu que sendo de Faro, preferiria ir para Lisboa, tendo-lhe
nesse momento referido o médico que nesse caso deveria deslocar-se ao Sta.
Maria ou ao S. José, que possuiriam equipes permanentes”;
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17. Outrossim, a utente terá “questionado ao médico se seria necessário uma carta
por si emitida sobre a consulta havida nos HUC, de forma a entregar nos hospitais
de Lisboa, ao que o mesmo referiu que não seria necessário, uma vez que
qualquer médico que a observasse imediatamente veria a gravidade do
descolamento de retina.” – cfr. auto de declarações da utente junto aos autos.
18. Nessa sequência “De imediato se dirigiu para Lisboa, tendo entretanto o seu
marido telefonado à sua filha, C., que se encontrava em Faro, explicando-lhe a
situação e solicitando-lhe que se informasse por telefone para qual hospital se
deveria dirigir. Foi a sua filha que contactou o Sta. Maria, tendo-lhe sido referido
que não a poderiam atender porque não faziam cirurgias de descolamento de
retina de urgência. Assim sendo, dirigiu-se para o S. José onde chegou por volta
das 2h50 da madrugada do dia 31.12.2008” – cfr. auto de declarações da utente
junto aos autos;
19. Nesse sentido, vejam-se igualmente as declarações de C., filha da utente, que
referiu que “o seu pai a contactou nessa noite, já tarde, referindo-lhe o que se
estava a passar com a sua mãe e que estava a sair de Coimbra em direcção a
Lisboa depois de a sua mãe ter sido observada nas urgências dos HUC. O seu pai
pediu-lhe que contactasse com o Hospital Santa Maria em Lisboa para se informar
se se poderia dirigir para lá, o que fez de imediato, tendo sido informada em tal
contacto telefónico que o Santa Maria não fazia intervenções cirúrgicas de
urgência de descolamento de retina. Transmitiu isso ao seu pai, que se encontrava
em viagem com a sua mãe, de forma a que eles se dirigissem, então, a outro
hospital” – cfr. auto de declarações junto aos autos.
20. A utente dirigiu-se, então, para o Serviço de Urgência do Hospital S. José, em
Lisboa, onde foi “vista pelo Dr. D. (que estava acompanhado também por uma
outra médica) [e] que lhe referiu, após ter diagnosticado também o descolamento
grave de retina no OE, que não possuíam oftalmologistas para procederem de
imediato à intervenção, mas que se deveria dirigir ao Hospital dos Capuchos
(Serviço de Oftalmologia) para ser intervencionada de imediato. Aliás, fizeram-lhe
os exames e análises pré-operatórios e introduziram os resultados no sistema
informático para estarem disponíveis para os colegas. Foi-lhe entregue uma carta
de acompanhamento para entregar nos Capuchos” – cfr. auto de declarações da
utente junto aos autos.
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21. Foi, assim, emitido e entregue à utente o documento consubstanciado em
“Consulta Externa – Pedido de Consulta”, com a referência de “Muito Urgente”, e
do qual consta a referência ao descolamento de retina OE, bem como o “pedido de
marcação consulta retina cirúrgica com muita urgência” – cfr. o referido documento
junto aos autos e enviado pela utente na sua resposta ao pedido de elementos da
ERS de 13.05.2009.
22. Uma vez terminada a sua observação no Serviço de Urgência do Hospital S. José
(i) “Seriam cerca das 5h da madrugada quando saiu […] e dirigiu-
se imediatamente para o Hospital dos Capuchos, sendo que o mesmo
estava encerrado. Aguardou pela sua abertura e cerca das 8h30m já se
encontrava no Serviço de Oftalmologia, tendo entregue a referida carta
[de acompanhamento] à funcionária que se encontrava de serviço, a
qual referiu que a iria entregar ao médico que lá se encontrava, a saber,
o Dr. J.. […]”;
(ii) “Pouco tempo depois a funcionária regressou com a informação
que o Dr. J. não a iria poder atender”;
(iii) “Ainda assim, e inconformada, decidiu esperar para ver se
conseguia ser observada pelo médico. Aguardou cerca de 2 horas e por
volta das 10h30m, o referido Dr. J. ia a abandonar as instalações do
Serviço quando teve a oportunidade de o contactar e referir a sua
situação.”;
(iv) “Foi nessa altura que o Dr. J. reiterou que não a atendia, até
porque tinha ordens do Director, Dr. P., para não a atender.”;
(v) “Nesse momento, em função da gravidade, buscou auxílio junto
da funcionária, […] que a informou que atenta a época (fim-de-ano),
apenas num hospital privado teria possibilidade de ser atendida,
exemplificando até com o facto de o Sta. Maria estar a enviar doentes
para os Capuchos. Perguntou então que hospital poderia ser, tendo sido
referido [o prestador privado].” – cfr. auto de declarações da utente junto
aos autos.
23. Em função do ocorrido, a utente
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(i) “Dirigiu-se de imediato para o Serviço de Urgências [do
prestador privado], onde chegou cerca das 11h30, tendo sido chamado
um oftalmologista que na consulta confirmou a necessidade imediata de
intervenção cirúrgica.”;
(ii) Pelo que “Foi convocada a equipa imediatamente e foi
preparada para o bloco, para o qual entrou cerca das 14h30. Foi
intervencionada cerca das 15h.”;
(iii) Sendo que “Antes da operação teve oportunidade de falar com o
cirurgião que lhe referiu saber do périplo por que tinha passado e nessa
ocasião referiu que não corresponderia à verdade que o Director do
Serviço de Oftalmologia dos Capuchos não tinha autorizado a sua
observação porque ele era o próprio Director do Serviço dos Capuchos
e não teria sido isso que tinha transmitido ao médico de Serviço, o Dr.
J..” – cfr. auto de declarações da utente junto aos autos.
24. Ora, e quanto a este último aspecto, “[…] o cirurgião era o Dr. P. [… e] a
informação que lhe havia sido dada era a de que nos Capuchos apenas teria
consulta na 2ª-feira seguinte (dia 5.01.2009) para eventual cirurgia na 5ª-feira
seguinte (dia 8.01.2009)”;
25. Mas “Uma vez que ainda ia ser intervencionada, [a utente] preferiu não confrontar
mais o referido cirurgião, tendo a operação ocorrido normalmente e durado cerca
de 2 horas […]” – cfr. auto de declarações da utente junto aos autos.
26. Em resultado da realização da cirurgia, o [prestador privado] emitiu em nome da
utente a factura n.º , de 05.01.2009, no valor de € 7.526,33, cuja cópia se encontra
junta aos autos;
27. E que respeita, precisamente, à realização em tal prestador de cuidados de saúde,
no dia 31.12.2008, de uma “cirurgia de descolamento de retina com vitrectomia e
segmentação, delaminação e corte de membranas de vítreo ou subretinianas,
neovasos com ou sem endolaser, com ou sem cirurgia do cristalino” – cfr. a
referida cópia da factura junta aos autos.
28. A corroborar os factos expostos pela utente, F., marido da utente, declarou que:
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“acompanhou sempre a sua mulher aquando das deslocações aos HUC na
noite de 30.12.08, tendo-a seguidamente levado para Lisboa, onde se
dirigiu para as urgências do Hospital de São José por a sua filha lhe ter
informado que não valia a pena irem para o Santa Maria. Esteve presente
no Hospital de São José e dirigiu-se, posteriormente, com a sua mulher
para o Hospital dos Capuchos, onde, juntamente com ela, entregou a carta
que lhe havia sido emitida nas urgências do Hospital de São José. Assistiu
à funcionária a informar que o Dr. J. a mandou dizer que não iria atender a
sua mulher, tal como assistiu, após uma espera de cerca de 2 horas, ao
próprio Dr. J. a referir-lhe a si e à sua mulher que o Director não autorizava
que a sua mulher fosse consultada.
Foi para [o prestador privado] com a sua mulher, por sugestão da
funcionária do Serviço de Oftalmologia dos Capuchos, e assistiu ao Dr. P.,
antes da intervenção cirúrgica que aí viria a ter lugar cerca das 15 h do dia
31.12.08, a referir que não tinha dado tais ordens ao Dr. J., embora não
tivesse entrado em confrontação com o referido médico face ao momento
prévio à cirurgia em que se encontravam” – cfr. auto de declarações junto
aos autos.
II.2. Dos factos relacionados com os elementos fornecidos pelos Hospitais da Universidade de Coimbra, E.P.E.
29. Por pedido de elementos da ERS, de 21 de Maio de 2009, foi solicitado aos HUC
que se pronunciassem sobre os factos expostos pela utente, nomeadamente
justificando a alegada recusa de prestação de cuidados de saúde.
30. Na sua resposta à ERS, em 20 de Julho de 2009, vieram os Hospitais da
Universidade de Coimbra informar que
“[…] a doente […] foi observada no Serviço de Urgência no dia 30 de
Dezembro de 2008, pelas 22h45m, referindo perturbações visuais há mais de 4
dias.
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Foi diagnosticado descolamento da retina do olho esquerdo com envolvimento
macular e acuidade visual inferior a 1/10, informando-se a doente de que, neste
tipo de patologia, a terapêutica é cirúrgica.
Conforme consta no Registo da Urgência, a doente reside em Faro e
manifestou “o desejo de ser operada em Lisboa”.” – cfr. a referida resposta dos
HUC junta aos autos.
31. Por pedido de informação adicional, de 11 de Setembro de 2009, foi solicitado aos
HUC que dessem informação, detalhadamente e sempre que aplicável
acompanhado dos elementos documentais relevantes:
1. Sobre o(s) protocolo(s) de atendimento, intervenção e seguimento de
utentes que, apresentando-se no Serviço de Urgência dos HUC, revelem um
diagnóstico de descolamento de retina;
2. Relativamente ao(s) protocolo(s) do ponto anterior, identificação dos
eventuais níveis de gravidade ou prioridade que se encontrem definidos e
aplicáveis às diferentes situações de diagnóstico de descolamento de retina;
3. Enquadramento de uma situação com referência de “perturbações visuais
há mais de 4 dias” e diagnóstico de “descolamento de retina do olho esquerdo
com envolvimento macular e acuidade visual inferior a 1/10 informando-se a
utente de que, neste tipo de patologia, a terapêutica é cirúrgica” no(s)
protocolo(s) a identificar em decorrência dos pontos 1. e 2. supra;
4. Esclarecimento, caso o mesmo não resulte já da resposta a algum dos
pontos anteriores, sobre o hiato temporal máximo para realização da referida
terapêutica cirúrgica numa situação de um tal diagnóstico;
5. Esclarecimentos sobre todos e quaisquer aspectos que, relativamente ao
atendimento da utente M. no Serviço de Urgência dos HUC, no passado dia 30
de Dezembro de 2008, pelas 22h45m, se afastem do(s) protocolo(s) referido(s)
nos pontos anteriores, e envio do(s) suporte(s) documental(ais)
representativo(s) do cumprimento do(s) protocolo(s), designadamente quanto à
alta do Serviço de Urgência e à referenciação da utente para Serviço indicado
dos HUC em função do diagnóstico, ou para outro estabelecimento hospitalar
em função de tal diagnóstico e do “desejo [da utente] de ser operada em
12
Lisboa”. – cfr. o referido pedido de elementos da ERS de 11 de Setembro de
2009, junto aos autos.
32. Na sua resposta à ERS, em 2 de Novembro de 2009, vieram os HUC esclarecer,
no que para aqui releva:
“1. Protocolo de Atendimento, Intervenção e Seguimento de Utentes com
Diagnóstico de Descolamento de Retina.
Os doentes observados no Serviço de Urgência com diagnóstico de
descolamento de retina são marcados para uma consulta sub-especializada de
Retina Cirúrgica, 3ª ou 5ª feira mais próxima do dia em que recorrem ao
Serviço de Urgência.
Existem excepções a estes casos que são: doentes com olho único e doentes
com a mácula ainda assente. Nestes casos o médico de Urgência contacta
imediatamente um dos elementos da Secção de Retina Cirúrgica, para que a
cirurgia possa ser programada.
Na consulta de Retina Cirúrgica são dados mais esclarecimentos ao doente
acerca da sua situação clínica, sendo efectuada a proposta para cirurgia que o
doente assina.
O doente vai para o domicílio, sendo chamado logo que possível.
2. Níveis de gravidade ou prioridade aplicáveis às diferentes situações de
diagnóstico de descolamento de retina.
Os níveis de prioridade utilizados nas situações de descolamento de retina são
os seguintes:
1 – Olhos únicos
2 – Olhos com mácula ainda assente
3 – Olhos já vitrectomizados e que se apresentem com descolamento
de retina
4 – Idade do doente (doentes jovens têm prioridade)
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5 – Casos em que possa ser efectuada retinopexia pneumática: estes
casos, dado que a realização desta técnica cirúrgica envolve um tempo
de ocupação de Bloco Operatório de curta duração, podem ser
submetidos a cirurgia quase imediata, geralmente no final das cirurgias
da manhã
3 – Enquadramento de uma situação clínica em que existem perturbações
visuais há mais de 4 dias e diagnóstico de descolamento de retina do olho
esquerdo com envolvimento macular e acuidade visual inferior a 1/10.
A presença de descolamento da mácula é um sinal de mau prognóstico,
estando a recuperação visual comprometida. A urgência em operar estas
situações realiza-se de acordo com o referido anteriormente.
Quanto ao enquadramento desta situação no protocolo referido nos pontos 1 e
2, apenas podemos afirmar que não satisfaz o critério de prioridade máxima de
ter a mácula assente. Necessitamos de mais informação clínica para responder
a este quesito.
4 – Hiato temporal máximo para a realização da cirurgia nos casos de
descolamento de retina com envolvimento macular.
Os doentes são chamados para cirurgia pela ordem em que foram inscritos e
de acordo com os critérios de prioridade enunciados. Dependendo do número
de doentes inscritos e do seu grau de prioridade, o hiato temporal entre a altura
em que o doente recorre ao Serviço de Urgência e a data em que é submetido
a cirurgia varia.
[5] – Esclarecimentos sobre o atendimento prestado à utente M. no Serviço de
Urgência dos HUC no dia 30 de Dezembro de 2008.
De acordo com os registos do relatório completo de episódio de Urgência […]
a utente M. recorreu ao Serviço de Urgência dos HUC em 30 de Dezembro de
2008, referindo perda de visão do olho esquerdo há 3 dias. A acuidade visual
do olho esquerdo era inferior a 1/10 e apresentava descolamento de retina com
envolvimento da área macular do olho esquerdo. É referido no relatório de
episódio de urgência que, sendo a doente de Faro, preferia ser operada em
14
Lisboa, pelo que “foi encaminhada para um dos Serviços de Urgência de
Lisboa”.
Sendo a vontade expressa da doente não ser submetida a cirurgia nos
Hospitais da Universidade de Coimbra, mas sim num Hospital da área de
Lisboa, a doente não entrou no “Protocolo de Atendimento, Intervenção e
Seguimento de Utentes com Diagnóstico de Descolamento de Retina”
enunciado no ponto 1, nem lhe são aplicáveis os “níveis de gravidade ou
prioridade aplicáveis às diferentes situações de diagnóstico de descolamento
de retina” […]” – cfr. a referida resposta dos Hospitais da Universidade de
Coimbra junta aos autos.
33. Relativamente ao cumprimento ou não pelos HUC, no caso concreto da utente M.,
dos procedimentos e protocolos de atendimento, intervenção e seguimento de
utentes com diagnóstico de descolamento de retina por si definidos, foi solicitado
pela ERS um parecer técnico, a um consultor médico da ERS;
34. Tendo o mesmo sido emitido nos termos ora transcritos:
“Após a análise dos factos deste processo constatei que o médico
oftalmologista dos HUC fez o diagnóstico e confirmou a gravidade da
situação clínica, tendo decidido não seguir o protocolo do serviço para o
descolamento da retina, e dando alta à doente para o domicílio com a
desculpa de que a utente teria demonstrado vontade de ser tratada em
Lisboa.
Assim sendo colocam-se as seguintes questões:
Para que servem os protocolos de serviço nos HUC?
Se foi a doente que quis ter alta porque razão o clinico não assinou
“saída contra parecer médico”e sim alta para o domicílio?
Porque razão a doente saiu do hospital sem nenhuma carta de
referenciação?
Neste contexto, sem querer abordar as questões de ordem deontológica
e as de boa prática médica, a atitude do médico dos HUC parece-me
bastante controversa e contraditória” – cfr. parecer junto aos autos.
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II.3. Dos factos relacionados com os elementos fornecidos pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.
35. Por pedido de elementos da ERS, de 17 de Abril de 2009, foi solicitado ao Centro
Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. (CHLC) que se pronunciasse de forma
detalhada sobre os factos expostos pela utente, nomeadamente justificando a
alegada recusa de prestação de cuidados de saúde – cfr. o referido pedido de
elementos junto aos autos.
36. Na sua resposta à ERS, de 20 de Julho de 2009, veio o CHLC esclarecer que
“1 – Serviço de Urgência Polivalente
[…] a doente M., foi admitida no Serviço de Urgência às 2h53 do dia
31/12/2008. Foi-lhe diagnosticado um descolamento de retina do OE,
envolvendo a mácula.
A doente teve alta do Serviço de Urgência às 4.35h, referenciada à consulta do
departamento de retina cirúrgica do Serviço de Oftalmologia deste Centro
Hospitalar. A cirurgia de descolamento de retina não é realizada no âmbito do
Serviço de Urgência, uma vez que a diferenciação dos recursos humanos e
materiais para a sua execução só está disponível no Serviço de Oftalmologia.
2 – Serviço de Oftalmologia
A doente poderá ter vindo ao Serviço 7 (Oftalmologia) no dia 31/Dez ou dia
2/Janeiro (3 e 4 Janeiro foi fim de – semana) pelo que a consulta de 5 de
Janeiro era a primeira consulta de retina cirúrgica e era em função dessa
consulta que a cirurgia seria programada para terça, quarta ou quinta – feira
consoante as prioridades cirúrgicas da consulta de retina que são atribuídas
apenas no fim da consulta de segunda-feira e pelo Responsável da consulta” –
cfr. a referida resposta do CHLC junta aos autos.
37. Por último, em resposta ao pedido de elementos da ERS de 1 de Setembro de
2009, veio o CHLC “[…] informar que o Dr. J. era o médico a que a doente se
referia […]” – cfr. resposta do CHLC de 2 de Setembro de 2009, junta aos autos;
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38. Ou seja, que tal era o profissional de saúde com quem a utente contactou na
manhã do dia 31 de Dezembro de 2008, no Serviço de Oftalmologia do CHLC.
II.4 Dos factos obtidos em sede de diligências de inquirição realizadas pela ERS
39. Tendo em vista o esclarecimento dos factos relacionados com o atendimento da
utente no CHLC, e especificamente no Serviço de Urgências do Hospital de S.
José, e no Serviço de Oftalmologia do Hospital dos Capuchos, a ERS, em
diligência efectuada no dia 10 de Setembro de 2009, procedeu à recolha de
depoimentos de colaboradores do CHLC;
40. E concretamente
a) do Dr. D., Médico que atendeu a utente no Serviço de Urgência do
CHLC (Hospital São José);
b) da Dra. M., Assistente Hospitalar graduada de Oftalmologia do CHLC,
e que acompanhou o atendimento da utente no Serviço de Urgência
do CHLC (Hospital de S. José);
c) do Dr. P., Director do Serviço de Oftalmologia do CHLC, no Hospital
de Santo António dos Capuchos;
d) do Dr. J., Médico Oftalmologista do CHLC; e
e) da F., Coordenadora Administrativa das Consultas Externas de
Oftalmologia do CHLC.
41. Ao Dr. D. foi perguntado sobre os factos relacionados com o atendimento da
utente na madrugada do dia 31.12.2009, tendo o mesmo esclarecido que
“[…] confirma [que atendeu a utente M. na madrugada de 31 de Dezembro de
2008], sendo que à época era interno da especialidade, encontrava-se no
Serviço de Urgência do Hospital S. José e encontrava-se acompanhado da
assistente graduada Dra. M., que igualmente foi sua orientadora.
Igualmente confirma que à referida utente foi diagnosticado um descolamento
de retina grave.”;
17
42. Por outro lado, foi o referido profissional questionado sobre se a patologia tinha
risco de perda de visão, tendo o mesmo
“[…] referi[do] que sim, sendo que isso foi informado à própria doente aquando
da sua observação, como aliás a própria conhecia porque já vinha de outro
estabelecimento hospitalar. Aliás, segundo informação que a doente na altura
deu, vinha dos HUC, os quais lhe teriam diagnosticado a patologia, mas que
não teriam a disponibilidade para a operar nos próximos dias. Não se recorda
se a doente vinha acompanhada de algum documento relativo a tal observação
nos HUC.”;
43. Tal como foi questionado sobre se foram efectuados exames pré-operatórios
“[… tendo] confirma[do] que requisitou os exames de rotina pré-operatórios
para agilizar e tornar mais rápido o processo, de forma a que o colega de
Retina Cirúrgica e o próprio anestesista já tivessem o resultado de tais
exames.”.
44. Já a propósito da razão ou procedimento para a intervenção cirúrgica em
descolamento de retina e razão da sua não realização à utente, referiu que
“[…] a cirurgia da retina é uma cirurgia de urgência diferida e que a sua
realização não é feita no Serviço de Urgência mas apenas pelos colegas que
se dedicam à área da retina cirúrgica, pelo que o protocolo consiste na
referenciação urgente dos doentes para o serviço especializado e que no caso
era o Serviço de Oftalmologia – Departamento de Retina Cirúrgica. É no âmbito
desse procedimento que emitiu o pedido de consulta externa, para realização
de cirurgia no Serviço. Esclareceu ainda que havendo diferentes níveis de
urgência em descolamento de retina, o caso da utente necessitava de
intervenção rápida”;
45. Sendo que, quando questionado se a situação desta utente em concreto era
compaginável com ter, em face de tal diagnóstico, uma consulta no dia 05/01/2009
e, eventualmente, ser operada em 08/01/2009,
“[…] referiu que a intervenção deveria ser realizada o quanto antes, embora no
período de uma semana ainda pudesse ser defensável.”;
18
46. Ainda que, quando questionado sobre se tal facto seria in concreto possível sem
prejuízo da doente, já esclareceu que
“[…] tendo a doente em questão uma situação também de afectação da
mácula, quanto maior for o período de espera pela intervenção menor será a
sua capacidade de recuperação, pelo que será sempre mais aconselhável o
menor tempo de espera para a realização da intervenção, razão pela qual
referenciou a utente para o serviço numa situação de “muito urgente”.
47. Por último, foi o Dr. D. questionado sobre se seria normal ou possível que esta
doente não fosse atendida no Serviço de Oftalmologia na manhã do dia
31/12/2008, acompanhada de referenciação por si feita (pedido de consulta muito
urgente), tendo referido que
“[…] não seria uma situação normal e que a experiência que tem é que o
Departamento de Retina Cirúrgica dá, regra geral, seguimento e resposta às
situações verdadeiramente urgentes, pelo que mesmo que não fosse para
operar no próprio dia, seria normal que a doente fosse observada e ficasse
encaminhada” – cfr. auto de declarações junto aos autos.
48. Foram igualmente recolhidas as declarações da Dra. M. Assistente Hospitalar
Graduada de Oftalmologia do CHLC, que declarou que
“[…] tem conhecimento [do episódio de urgência da utente M.] por ter
acompanhado o Dr. D., que à época era interno […] e foi diagnosticada uma
situação de descolamento de retina, tendo sido seguido o protocolo para tais
situações, ou seja, referenciação para a Consulta de Retina Cirúrgica. Aliás,
recorda-se de terem sido efectuadas as rotinas pré-operatórias logo no Serviço
de Urgência, de forma a agilizar o processo.
Questionada sobre se seria normal que a utente, referenciada com um pedido
de consulta muito urgente ao serviço indicado (Departamento de Retina
Cirúrgica) não fosse vista no dia 31/12/2008, imediatamente após a sua
observação no Serviço de Urgência, esclareceu que isso dependerá da
orgânica, funcionamento e procedimento do Serviço e Departamento, bem
como de quem está nesse dia distribuído ou escalado para a Retina Cirúrgica.
Questionada sobre se a situação da utente poderia compaginar-se com uma
situação de marcação de consulta para 05/01/2009 e eventual cirurgia em
19
08/01/2009, referiu que a cirurgia de retina é urgente mas dependerá de cada
caso clínico e decisão do especialista” – cfr. o respectivo auto de declarações
junto aos autos.
49. Por sua vez, o Dr. J., Médico do Serviço de Oftalmologia do CHLC, esclareceu que
“[relativamente à sua actividade no dia 31/12/2008], pela análise da sua
agenda, […] nesse dia de manhã estava escalado para urgência no Hospital de
S. José, pese embora ter-se ausentado de tal Serviço de Urgência para vir ao
Serviço de Oftalmologia fazer uma vitrectomia de urgência, pelas 9h da manhã
e após fim da mesma teve que imediatamente regressar ao Serviço de
Urgência no Hospital de S. José.”.
50. Foi o referido profissional especificamente questionado sobre se se recordava de
ter contactado com alguma doente nessa manhã do dia 31/12/2008 no Serviço de
Oftalmologia, tendo referido
“[…] que não pode esclarecer tal facto porque não se recorda, até porque
nesse dia, como já referido, não estava no serviço e apenas lá foi fazer uma
cirurgia de urgência.”.
51. Já quando questionado sobre o procedimento aplicado às situações de
descolamento de retina,
“[…] referiu que o Serviço de Urgência não tem condições para fazer a
intervenção, pelo que quando diagnosticado o protocolo consiste na
referenciação para o Serviço de Oftalmologia – Departamento de Retina
Cirúrgica.”;
52. E indagado sobre se seria aceitável uma situação como a da utente que veio
referenciada do Serviço de Urgência com pedido de consulta cirúrgica “muito
urgente”
“[…] referiu que a cirurgia de descolamento é urgente e deve ser efectuada o
quanto antes, embora irá depender da programação possível do funcionamento
do departamento.”.
53. Quando questionado sobre se se poderia numa situação de descolamento de
retina muito grave, em 31/12/2008, agendar para consulta, em 05/01/2009, e
cirurgia, em 08/01/2009, esclareceu que
20
“[…] tanto depende sempre da capacidade de resposta do departamento, e
especificamente em tal situação no dia 01/01/2009 era feriado, o dia
02/01/2009 “uma ponte”, pelo que o primeiro dia útil seguinte era Segunda-feira
dia 05/01/2009” – cfr. auto de declarações junto aos autos.
54. O Dr. P., que também prestou declarações e que é o Director do Serviço de
Oftalmologia do CHLC, mas que igualmente interveio na situação da utente, na
qualidade de cirurgião responsável pela intervenção realizada ao início da tarde
desse mesmo dia 31.12.2009, mas já no [prestador privado], declarou que
“[…] possui conhecimento [do episódio relativo à utente] e que pode esclarecer
a forma pela qual a utente foi atendida no Serviço. A utente veio referenciada
do Serviço de Urgência com descolamento de retina, mas o seu Serviço
funciona com uma programação à segunda-feira de cada semana para a
cirurgia vitreo-retiniana, pelo que em função do dia em que a doente surgiu (era
uma 4ª-feira), e sendo 5ª-feira feriado e 6ª-feira tolerância de ponto, foi-lhe
marcada consulta para a 2ª-feira seguinte, dia 05.01.2009. Se não fosse 5ª-
feira feriado e 6ª-feira tolerância de ponto, a doente seria vista na 4ª-feira e
seria programada para a semana seguinte a sua cirurgia (sem prejuízo de
quando se detectam situações imediatas se poder alterar a programação).
Questionado sobre se a utente foi vista no Serviço no dia 31.12.2008, referiu
que foi vista apenas a carta de acompanhamento elaborada pelo Serviço de
Urgência e que deu, então, a indicação que a utente entraria na “programação”
ou seja, em consulta na 2ª-feira seguinte para cirurgia durante a semana.
55. Já quando indagado sobre se procedeu à realização de cirurgia nesse mesmo dia,
à utente, mas no [prestador privado]
“[…] confirmou e esclareceu que terá sido chamado pelo colega de urgência
[do prestador privado] para a realização de cirurgia, que embora não se
recordando da hora terá sido efectuada, presumivelmente, pelas 18h ou 19h
desse dia” – cfr. auto de declarações junto aos autos.
56. Por fim, foi inquirida F., Coordenadora Administrativa das Consultas Externas de
Oftalmologia do CHLC, sobre o procedimento de atendimento e marcação de
consultas externas no serviço, tendo a mesma referido que
21
“[…tal] procedimento é variável consoante seja a forma de tomada de
conhecimento de um pedido de consulta externa.
Indagada concretamente sobre o pedido de consulta externa muito urgente que
era portadora a utente M., junto aos autos e que lhe foi exibido, referiu que
sendo um pedido entregue em papel, o administrativo que se encontra no
balcão irá proceder no sentido de fazer chegar ao médico triador tal pedido,
embora se estiver sensível para o diagnóstico – in casu descolamento de retina
– poderá também encaminhar o doente para o médico de cirurgia de retina.
Questionada sobre se um(a) administrativo(a) que recebesse tal pedido de
consulta muito urgente em dia de semana pelo início da manhã e que fosse
apresentá-lo ao médico que se encontrava no Serviço de Oftalmologia, referiu
que tanto constituiria um procedimento normal e que, inclusivamente, será apto
a garantir a celeridade do conhecimento da situação pelos médicos. Será, até,
o procedimento mais rápido. Se assim não suceder teria que o pedido de
marcação ficar no dossier de pedidos urgentes que o médico triador
semanalmente verifica e, nessa sequência, dá as necessárias instruções. Mas
num caso muito urgente é sempre levado ao médico.
Questionada sobre se o facto de a já supra referida utente se ter apresentado
no serviço no dia 31.12.2008, pela manhã, poderia ter alguma influência no
procedimento de marcação e triagem da situação, referiu que tal dia era uma
4ª-feira, dia útil, e que o serviço estava a funcionar e que teriam sempre que lá
estar médicos em consulta e no próprio internamento, pelo que tal facto não
terá qualquer influência quer no procedimento, quer na forma ou capacidade de
fazer chegar aos médicos o pedido de consulta muito urgente e realização do
mesmo.” – cfr. auto de declarações junto aos autos.
III. DO DIREITO
III. 1. Das atribuições e competências da ERS
57. De acordo com o n.º 1 do art. 3.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio, a
ERS tem por missão a regulação da actividade dos estabelecimentos prestadores
de cuidados de saúde.
22
58. Sendo que estão sujeitos à regulação da ERS, nos termos do n.º 1 do artigo 8.º do
Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio, “[...] todos os estabelecimentos
prestadores de cuidados de saúde, do sector público, privado e social,
independentemente da sua natureza jurídica, nomeadamente hospitais, clínicas,
centros de saúde, laboratórios de análises clínicas, termas e consultórios”.
59. É manifestamente esse o caso do Hospital de S. José e do Hospital de Santo
António dos Capuchos, integrados no Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.,
e dos Hospitais da Universidade de Coimbra E.P.E., que se encontram registados
no SRER da ERS.
60. Consequentemente, o CHLC e os HUC são estabelecimentos prestador[es] de
cuidados de saúde, para efeitos do referido art. 8.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de
27 de Maio.
61. As atribuições da ERS, de acordo com o disposto no n.º 2 do art. 3.º do Decreto-
Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio, compreendem “[…] a supervisão da actividade e
funcionamento dos estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde no que
respeita:
a. Ao cumprimento dos requisitos de exercício da actividade e de
funcionamento;
b. À garantia dos direitos relativos ao acesso aos cuidados de saúde e dos
demais direitos dos utentes;
c. À legalidade e transparência das relações económicas entre os
diversos operadores, entidades financiadoras e utentes”.
62. Por seu lado, constituem objectivos da actividade reguladora da ERS, em geral,
nos termos do art. 33.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio:
“[…]
b) Assegurar o cumprimento dos critérios de acesso aos cuidados de
saúde, nos termos da Constituição e da lei;
c) Garantir os direitos e interesses legítimos dos utentes;
23
d) Velar pela legalidade e transparência das relações económicas
entre todos os agentes do sistema;
[…]”.
63. No que se refere ao objectivo regulatório de assegurar o cumprimento dos critérios
de acesso aos cuidados de saúde, as alíneas a) e d) do artigo 35.º do Decreto-Lei
n.º 127/2009, de 27 de Maio, estabelecem ser incumbência da ERS “assegurar o
direito de acesso universal e equitativo aos serviços públicos de saúde ou
publicamente financiados” e “zelar pelo respeito da liberdade de escolha nos
estabelecimentos de saúde privados”.
64. Incluem-se ainda nos objectivos regulatórios da ERS, nos termos do artigo 37.º do
Decreto-lei n.º 127/2009, de 27 de Maio, e entre outros,
(i) analisar questões relativas às “[…] relações económicas nos
vários segmentos da economia da saúde, incluindo no que
respeita ao acesso à actividade e às relações entre o SNS e os
operadores privados […]” (alínea a) do referido artigo 37.º); e
(ii) analisar questões sobre “[…] a organização e o desempenho
dos serviços de saúde do SNS” (alínea c) do referido artigo
37.º).
65. Em face do exposto, cumpre à ERS analisar, à luz das referidas atribuições, as
eventuais consequências dos comportamentos relatados, designadamente sob o
prisma
(i) de uma lesão do direito fundamental de acesso aos cuidados
de saúde; e
(ii) de uma violação dos interesses legítimos da utente,
designadamente financeiros, que daí possam ter decorrido.
III. 2. Do direito de acesso universal ao serviço público de saúde e da proibição de rejeição infundada de pacientes nos estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde
66. O direito à protecção da saúde, consagrado no art. 64.º da Constituição da
República Portuguesa (doravante CRP), tem por escopo garantir o acesso de
24
todos os cidadãos aos cuidados de saúde, o qual será assegurado, entre outras
obrigações impostas constitucionalmente, através da criação de um Serviço
Nacional de Saúde (SNS) universal, geral e, tendo em conta as condições
económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito.
67. Dito de outro modo, a CRP impõe que o acesso dos cidadãos aos cuidados de
saúde no âmbito do SNS deve ser assegurado em respeito pelos princípios
fundamentais plasmados naquele preceito constitucional, designadamente a
universalidade, generalidade e gratuitidade tendencial.
68. Por sua vez, a Lei de Bases da Saúde, aprovada pela Lei n.º 48/90, de 24 de
Agosto, em concretização da imposição constitucional contida no referido preceito,
estabelece na sua Base XXIV como características do SNS:
“a) Ser universal quanto à população abrangida;
b) Prestar integradamente cuidados globais ou garantir a sua prestação;
c) Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as
condições económicas e sociais dos cidadãos”.
69. O n.º 4 da Base I da Lei de Bases da Saúde estabelece que “os cuidados de saúde
são prestados por serviços e estabelecimentos do Estado ou, sob fiscalização
deste, por outros entes públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins
lucrativos”, consagrando-se nas directrizes da política de saúde estabelecidas na
Base II que “é objectivo fundamental obter a igualdade dos cidadãos no acesso
aos cuidados de saúde, seja qual for a sua condição económica e onde quer que
vivam, bem como garantir a equidade na distribuição de recursos e na utilização
de serviços”.
70. Ora, nos termos do n.º 2 da Base IV da mesma Lei, “para efectivação do direito à
protecção da saúde, o Estado actua através de serviços próprios, celebra acordos
com entidades privadas para a prestação de cuidados e apoia e fiscaliza a restante
actividade privada na área da saúde”.
71. O Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. foi criado pelo Decreto-Lei n.º 50-
A/2007 de, 28 de Fevereiro, e resulta da integração de quatro estabelecimentos
25
hospitalares, a saber, o Hospital de S. Marta, o Hospital de D. Estefânia, o Hospital
de S. José e o Hospital de S. António dos Capuchos.
72. Os Hospitais da Universidade de Coimbra foram criados, com a natureza de
entidade pública empresarial, pelo Decreto-Lei n.º 180/2008, de 26 de Agosto.
73. O CHLC e os HUC integram, assim, o conjunto das “instituições e serviços oficiais
prestadores de cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde”, isto é,
pertencem ao SNS, tal como definido pelo n.º 2 da Base XII da Lei de Bases da
Saúde, e cujo Estatuto foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º 11/93, de 15 de Janeiro.
74. Ora, se, nos termos do art. 2.º do Estatuto do SNS, “o SNS tem como objectivo a
efectivação, por parte do Estado, da responsabilidade que lhe cabe na protecção
da saúde individual e colectiva”, cada uma das instituições que o integra
desempenha um papel de elevada relevância na prossecução de tal imposição,
devendo garantir o direito de acesso universal e igual a todos os cidadãos aos
cuidados por si prestados.
75. Na realidade, as instituições e serviços do SNS são classificados em função das
suas responsabilidades e valências efectivamente exercidas – cfr. n.º 1 do artigo
12.º do Estatuto do SNS;
76. Sendo que quer os HUC, quer o Hospital de S. José, integrado no CHLC, são
classificados, no seio do SNS, e pelos seus meios e disponibilidades, como
estabelecimentos hospitalares com capacidade e o dever legal de prestação de
serviços de urgência polivalente – cfr. Despacho n.º 5414/2008, de 28 de Janeiro,
publicado no DR, 2.ª Série, n.º 42, de 28 de Fevereiro;
77. De onde resulta, necessariamente, a sua qualificação como estabelecimentos
hospitalares com capacidade permanente e ininterrupta para a prestação de todo o
tipo de cuidados de saúde diferenciados.
78. Ora, recorde-se que o direito de acesso à prestação de cuidados de saúde deve
ser avaliado, pelo menos, numa quádrupla perspectiva: qualitativa, temporal,
geográfica e económica.
26
79. Assim, o acesso aos cuidados de saúde deve ser, desde logo, compreendido
como o acesso aos cuidados que, efectivamente, são necessários e adequados à
satisfação das concretas necessidades dos utentes (vertente qualitativa).
80. Deverá, igualmente, um tal acesso ser sempre garantido em tempo útil (vertente
temporal) e a todos os utentes, onde quer que vivam ou se encontrem, tal como
decorre da citada Base II da Lei de Bases da Saúde (vertente geográfica).
81. Efectivamente, a perspectiva temporal do acesso obriga à prestação dos cuidados
de saúde em tempo útil, em face do que concretamente sejam as necessidades
dos utentes e os cuidados efectivamente necessários para as suas satisfações.
82. Esta configuração do direito de acesso dos utentes aos cuidados de saúde
prestados nas instituições que integram o SNS vem, no fundo, concretizar o
referido art. 64.º da CRP, que lhe atribui como características fundamentais a
universalidade, generalidade e gratuitidade tendencial.
83. Ora, tendo a Lei de Bases da Saúde, na sua Base XXV, definido como
beneficiários do SNS, designadamente, “todos os cidadãos portugueses”, é
incumbência dos estabelecimentos hospitalares do SNS, em concretização da
referida universalidade, prestar os seus serviços de saúde a todos os beneficiários
do SNS que deles necessitem, efectivando, assim, o seu direito de acesso aos
cuidados de saúde.
84. E, relativamente à determinação do tipo de cuidados de saúde que devem ser
abrangidos pelo SNS, impõe-se a garantia, com maior ou menor grau, de uma
prestação integrada de cuidados globais de saúde aos seus beneficiários.
85. Consequentemente, e se é certo que a violação do direito de acesso, como direito
complexo, pode surgir sob diferentes formas, ou ser originada por diferentes
causas, é igualmente certo que uma das suas violações mais gravosas e últimas
consubstancia-se na rejeição infundada de pacientes;
86. Que pelo seu próprio significado de “recusa, renúncia ou repúdio”2, constitui o
oposto de “acesso”;
2 Cfr. Dicionário de sinónimos, 2ª Edição, Porto Editora.
27
87. E que, consequentemente, já se acharia em absoluto e insanável conflito com o
quadro legal vindo de apresentar.
88. Ainda assim e como visto, o Legislador cuidou de expressamente proibir a rejeição
discriminatória ou infundada de pacientes, primeiramente no Decreto-Lei n.º
309/2003, de 10 de Dezembro, aplicável à data dos factos;
89. E actualmente no Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio.
III.2.1 A violação dos critérios de acesso aos cuidados de saúde no Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio
90. Efectivamente, o direito de acesso aos cuidados de saúde é, também e desde
logo, conformado pelo Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio.
91. Assim, e no que concretamente respeita ao objectivo regulatório da ERS de
assegurar o cumprimento dos critérios de acesso aos cuidados de saúde, as
alíneas a) e b) do artigo 35.º Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio,
estabelecem, como visto, que é incumbência da Entidade
a) Assegurar o direito de acesso universal e equitativo aos serviços
públicos de saúde ou publicamente financiados; e
b) Prevenir e punir as práticas de rejeição discriminatória ou
infundada de pacientes nos estabelecimentos públicos de saúde ou
publicamente financiados.
92. Outrossim, é estabelecido, na alínea b) do n.º 2 do artigo 51.º do Decreto-Lei n.º
127/2009, de 27 de Maio, que
“Constitui contra-ordenação, punível com coima de € 1000 a € 3740,98
ou de € 1500 a € 44 891,81, consoante o infractor seja pessoa singular
ou colectiva:
[…]
28
b) A violação das regras relativas ao acesso aos cuidados de saúde,
incluindo a violação da igualdade e universalidade no acesso ao SNS e
a indução artificial da procura de cuidados de saúde; […]”.
93. O Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio, veio, então, tipificar como ilícito contra-
ordenacional comportamentos que consubstanciem uma violação das regras
relativas ao acesso aos cuidados de saúde;
94. Designada mas não limitadamente quando os mesmos representem uma violação
da igualdade e universalidade no acesso ao SNS.
95. Sucede, porém, que os factos e comportamentos aqui em análise ocorreram em
30 e 31 de Dezembro de 2008;
96. Pelo que não se encontravam tipificados, até ao momento da entrada em vigor do
Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio, enquanto ilícito contra-ordenacional.
97. Assim, e apesar da violação das regras de acesso aos cuidados de saúde, e
designadamente da igualdade e universalidade no acesso ao SNS, serem já
preocupações regulatórias da ERS ao abrigo do anterior Decreto-Lei n.º 309/2003,
de 10 de Dezembro, apenas com o referido Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de
Maio, é que as mesmas foram erigidas à categoria de ilícito contra-ordenacional
punível com coima;
98. Sendo que, nos termos do n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27
de Outubro, na redacção resultante da Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro,
(Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas – RGCO)
“1 – A punição da contra-ordenação é determinada pela lei vigente no
momento da prática do facto ou do preenchimento dos pressupostos de
que depende.
2 - Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente
modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já
tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já
executada”.
99. Ora, os factos supra apresentados são anteriores a 26 de Junho de 2009, data de
entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio, não sendo,
consequentemente, subsumíveis à ilicitude contra-ordenacional a que agora
poderiam estar sujeitos;
29
100. O que ademais constitui a imediata decorrência do princípio fundamental da
proibição de aplicação retroactiva de lei contra-ordenacional.
101. Assim, a presente análise dos factos faz-se somente à luz do referido objectivo
regulatório de assegurar o cumprimento dos critérios de acesso aos cuidados de
saúde;
102. O qual consubstanciava já, à data dos mesmos, uma atribuição da ERS por lhe
incumbir, entre outras competências, prevenir e punir os actos de rejeição
discriminatória ou infundada de pacientes nos estabelecimentos do SNS, enquanto
concretização da garantia do direito de acesso universal e igual a todas as
pessoas ao serviço público de saúde – cfr. al. d) do n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-
Lei n.º 309/2003, de 10 de Dezembro;
103. Sem que, pelas razões vindas de referir, sejam os factos subsumíveis ao
referido tipo contra-ordenacional estabelecido na al. b) do n.º 2 do artigo 51.º do
Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio.
III. 2.2. Dos factos imputáveis aos Hospitais da Universidade de Coimbra
104. Recorde-se que a utente M., tendo sentido uma afectação no olho esquerdo, no
dia 30 de Dezembro de 2008, e encontrando-se próxima de Coimbra, dirigiu-se ao
serviço de urgência dos HUC, no qual deu entrada pelas 22h34m do referido dia.
105. Aquando da triagem que lhe foi efectuada no referido Serviço de Urgência,
foram-lhe detectados problemas oftalmológicos e atribuída uma prioridade
“amarelo”, tendo sido consultada pelas 23h16m, de tal dia 30 de Dezembro de
2008;
106. Com base na observação que lhe foi feita, foi então diagnosticada à utente um:
“Descolamento Da Retina Com Defeito Retiniano Soe (activo)
Título do problema: diagnóstico de saída (00:00h 31-Dez-2008) […]”3;
3 Cfr. Relatório completo de episódio de Urgência enviado quer pela utente à ERS em
23.09.2009, quer pelos HUC, na sua resposta de 2.11.2009 a pedido de elementos da ERS.
30
107. Tendo sido posteriormente objecto de “Alta Médica” com as seguintes
referências:
“Alta para: Alta para o Domicílio
Destino: Exterior Não Referenciado
Tipo de alta: Alta activa
Estado do Paciente: Inalterado
Dr. E., (Oftalmologia) / 00:00 h 31-Dez-2008”.
108. Assim, foi-lhe diagnosticado descolamento da retina do olho esquerdo com
envolvimento macular e acuidade visual inferior a 1/10, tendo sido a utente
informada de que, neste tipo de patologia, a terapêutica é cirúrgica;
109. Mais acrescentando a utente que foi ainda informada que se tratava de uma
situação de intervenção cirúrgica emergente uma vez que os sintomas tinham sido
já iniciados cerca de 72 horas antes e que o processo de descolamento se estaria
a desencadear muito rapidamente por existir um tremor constante do olho
(Nistagma);
110. O que aliás nunca foi desmentido pelo HUC, nas suas respostas de 20 de Julho
de 2009 e de 2 de Novembro de 2009;
111. Sendo que nesta última resposta, é mesmo referido que a “presença de
descolamento da mácula é um sinal de mau prognóstico, estando a recuperação
visual comprometida.”.
112. Quanto à urgência em operar estas situações, a mesma resulta, segundo os
HUC, dos “[…] níveis de prioridade utilizados nas situações de descolamento de
retina [que] são os seguintes:
1 – Olhos únicos
2 – Olhos com mácula ainda assente
3 – Olhos já vitrectomizados e que se apresentem com descolamento
de retina
31
4 – Idade do doente (doentes jovens têm prioridade)
5 – Casos em que possa ser efectuada retinopexia pneumática: estes
casos, dado que a realização desta técnica cirúrgica envolve um tempo
de ocupação de Bloco Operatório de curta duração, podem ser
submetidos a cirurgia quase imediata, geralmente no final das cirurgias
da manhã”.
113. Sendo que, de acordo com os procedimentos e protocolos de atendimento,
intervenção e seguimento de utentes com diagnóstico de descolamento de retina
definidos no Serviço de Urgência dos HUC:
“Os doentes observados no Serviço de Urgência com diagnóstico de
descolamento de retina são marcados para uma consulta sub-
especializada de Retina Cirúrgica, 3ª ou 5ª feira mais próxima do dia em
que recorrem ao Serviço de Urgência.
Existem excepções a estes casos que são: doentes com olho único e
doentes com a mácula ainda assente. Nestes casos o médico de
Urgência contacta imediatamente um dos elementos da Secção de
Retina Cirúrgica, para que a cirurgia possa ser programada.
Na consulta de Retina Cirúrgica são dados mais esclarecimentos ao
doente acerca da sua situação clínica, sendo efectuada a proposta para
cirurgia que o doente assina.
O doente vai para o domicílio, sendo chamado logo que possível.”4.
114. Assim, relativamente a tais procedimentos e protocolos definidos pelos HUC em
situações de utentes a quem é diagnosticado descolamento de retina;
115. Importará referir que, no caso concreto vindo de analisar, nem tampouco tais
procedimentos ou protocolos terão sido respeitados no Serviço de Urgência dos
HUC;
116. Um vez que, conforme aliás referido pela própria utente, “apesar da urgência, a
intervenção não foi possível [nos HUC] visto a equipa médica especialista estar
4 Cfr. resposta dos HUC de 2 de Novembro de 2009 junta aos autos.
32
toda de férias […] só (re)iniciando funções na segunda-feira seguinte, 05.01.2009,
data considerada pelo Médico especialista como demasiado tardia pelo risco
iminente de descolamento total da retina e consequente perda, irreversível, de
visão.”;
117. Pelo que, por tal motivo, terá sido a utente “aconselhada a recorrer a outro
Hospital público no Porto ou Lisboa […]”5;
118. O que, de acordo com os HUC, se deveu, conforme “referido no relatório de
episódio de urgência [ao facto de], sendo a doente de Faro, prefer[iu] ser operada
em Lisboa, pelo que foi encaminhada para um dos Serviços de Urgência de
Lisboa”.
119. No entanto, segundo a utente, tanto terá ocorrido por o médico que a consultou
nos HUC lhe ter perguntado “[…] de onde era, ao que referiu que sendo de Faro,
preferiria ir para Lisboa, tendo-lhe nesse momento referido o médico que nesse
caso deveria deslocar-se ao Sta. Maria ou ao S. José, que possuiriam equipes
permanentes”;
120. Por outro lado, não se pode olvidar que os HUC, na resposta de 2 de Novembro
de 2009, ao pedido de informação da ERS, não se pronunciaram sobre a forma
como haviam procedido à referenciação da utente, nem tampouco forneceram
cópia de qualquer documento relativo à referenciação da utente para Serviço
indicado dos HUC em função do diagnóstico, ou para outro estabelecimento
hospitalar em função de tal diagnóstico e do “desejo [da utente] de ser operada em
Lisboa”, tal como lhes havia sido expressamente solicitado no pedido de
elementos da ERS, de 11 de Setembro de 2009;
121. Não obstante, resulta do relatório completo de episódio de Urgência, assinado
pelo profissional médico que atendeu a utente no Serviço de Urgência dos HUC,
na parte relativa à “História da doença actual” que a utente foi “encaminhada para
um dos Serviços de Urgência de Lisboa”.
122. Já na parte relativa à informação sobre a “Alta Médica”, é referido ter sido
efectuada “Alta para o Domicílio” com destino “Exterior Não Referenciado”;
5 Cfr. exposição inicial da utente junta aos autos.
33
123. O que aliás é confirmado pela própria utente, a qual refere que tendo
“questionado ao médico [que a atendeu na urgência dos HUC] se seria necessária
uma carta por si emitida sobre a consulta havida nos HUC, de forma a entregar
nos hospitais de Lisboa, [foi pelo mesmo referido] que não seria necessário, uma
vez que qualquer médico que a observasse imediatamente veria a gravidade do
descolamento de retina.”6.
124. Mais se refira que o próprio profissional médico que atendeu a utente no Serviço
de Urgência do CHLC (Hospital São José) “[n]ão se recorda se a doente vinha
acompanhada de algum documento relativo a tal observação nos HUC.”.
125. Do vindo de expor resulta então que os procedimentos e protocolos definidos
pelos HUC, e mais pormenorizadamente descritos supra, não foram seguidos
naquela madrugada de 30 para 31 de Dezembro de 2008;
126. Como aliás os próprios HUC acabaram por confirmar, na sua resposta de 2 de
Novembro de 2009, em que referiram, quer “[…] a doente não entrou no “Protocolo
de Atendimento, Intervenção e Seguimento de Utentes com Diagnóstico de
Descolamento de Retina” enunciado no ponto 1, nem lhe são aplicáveis os “níveis
de gravidade ou prioridade aplicáveis às diferentes situações de diagnóstico de
descolamento de retina” […]” – cfr. a referida resposta dos Hospitais da
Universidade de Coimbra junta aos autos.
127. Ora, e tendo-se inclusive solicitado parecer a um consultor técnico da ERS, o
qual referiu que “[a]pós a análise dos factos deste processo [pode concluir] que o
médico oftalmologista dos HUC fez o diagnóstico e confirmou a gravidade da
situação clínica, tendo decidido não seguir o protocolo do serviço para o
descolamento da retina, e dando alta à doente para o domicílio com a desculpa de
que a utente teria demonstrado vontade de ser tratada em Lisboa.”7;
128. E assim sendo, pode-se indagar, tal como foi feito em tal parecer técnico,
“Para que servem os protocolos de serviço nos HUC?
Se foi a doente que quis ter alta porque razão o clínico não assinou
“saída contra parecer médico”e sim alta para o domicílio?
6 Cfr. auto de declarações da utente junto aos autos. 7 Cfr. parecer técnico junto aos autos.
34
Porque razão a doente saiu do hospital sem nenhuma carta de
referenciação?”
129. Sendo portanto, e como concluído em tal parecer, o comportamento evidenciado
nos HUC “bastante controvers[o] e contraditório”.
130. Resulta assim, que não foi assegurado pelos HUC à utente em questão o acesso
aos cuidados que, efectivamente, se apresentavam como necessários e
adequados à satisfação das suas concretas necessidades (vertente qualitativa);
131. Nem tampouco, um acesso em tempo útil (vertente temporal), e
independentemente do local onde a utente vive ou se encontre, tal como decorre
da citada Base II da Lei de Bases da Saúde (vertente geográfica);
132. Efectivamente, e embora a perspectiva temporal do acesso obrigue à
prestação dos cuidados de saúde em tempo útil, em face do que concretamente
sejam as necessidades dos utentes e os cuidados efectivamente necessários para
as suas satisfações;
133. O que se verificou foi que tendo sido diagnosticado à utente “Descolamento Da
Retina Com Defeito Reteniano Soe (confirmado)”, foi dada alta à utente para o
domicílio com destino para exterior não referenciado;
134. Isto é, não só não se verificou a concretização do direito fundamental de
acesso aos cuidados de saúde, naquele concreto Serviço, atentos os protocolos
de atendimento, intervenção e seguimento de utentes com diagnóstico de
descolamento de retina que são adoptados no Serviço de Urgência dos HUC;
135. E que obrigariam a que nos casos de doentes com olho único e doentes com a
mácula ainda assente, onde se incluiria a utente em questão, “[…] o médico de
Urgência contacta[sse] imediatamente um dos elementos da Secção de Retina
Cirúrgica, para que a cirurgia [pudesse] ser programada”;
136. E que, como visto não, foram respeitados;
137. Como o mesmo Serviço não cuidou de, em face da indisponibilidade ou
impossibilidade de dar seguimento imediato à situação clínica da utente, pelo
encaminhamento devidamente referenciado para um estabelecimento hospitalar
35
que pudesse proceder ao efectivo atendimento e solução do problema clínico da
utente;
138. O que se traduz claramente numa “recusa, renúncia ou repúdio” de acesso aos
cuidados de saúde de que a utente em questão necessitava;
139. E, consequentemente, numa violação grosseira do direito fundamental de
acesso aos cuidados de saúde.
III. 2.3. Dos factos imputáveis ao Centro Hospitalar de Lisboa Central
140. Em face da recusa na prestação de cuidados de saúde que foi alvo nos HUC, a
utente deslocou-se, pelos seus próprios meios e, como visto, sem ser
acompanhada de qualquer referenciação, ao Serviço de Urgência do Hospital S.
José (CHLC), em Lisboa.
141. Uma vez chegada a tal Serviço, foi admitida pelas 2h35m, tendo-lhe sido, então,
diagnosticado pelo profissional médico que a atendeu (Dr. D.) descolamento grave
de retina no OE.
142. No entanto, e por que em tal Serviço de Urgência não se encontravam presentes
oftalmologistas para procederem de imediato à intervenção, foi a mesma
informada que se deveria dirigir ao Hospital dos Capuchos (Serviço de
Oftalmologia) para ser intervencionada de imediato;
143. Ainda no Serviço de Urgência foram-lhe efectuados os exames e análises pré-
operatórios e introduzi(dos) os resultados no sistema informático para estarem
disponíveis para os colegas, e foi-lhe ainda entregue uma carta de
acompanhamento para entregar no Hospital dos Capuchos.
144. Assim, como lhe foi emitido e entregue um documento consubstanciado em
“Consulta Externa – Pedido de Consulta”, com a referência de “Muito Urgente”, e
do qual constava a referência ao descolamento de retina OE, bem como o “pedido
de marcação consulta retina cirúrgica com muita urgência”8;
8 Cfr. o referido documento junto aos autos e enviado pela utente na sua resposta ao pedido de elementos da ERS de 13.05.2009.
36
145. Ou seja, em face da impossibilidade de ser a utente desde logo intervencionada
no Serviço de Urgência – dado que “[a] cirurgia de descolamento de retina não é
realizada no âmbito do Serviço de Urgência, uma vez que a diferenciação dos
recursos humanos e materiais para a sua execução só está disponível no Serviço
de Oftalmologia.”9 – foi então “referenciada à consulta do departamento de retina
cirúrgica do Serviço de Oftalmologia deste Centro Hospitalar”.
146. Refira-se a este respeito que o próprio profissional médico que atendeu a utente
no Serviço de Urgência referiu que “[…] havendo diferentes níveis de urgência em
descolamento de retina, o caso da utente necessitava de intervenção rápida”10;
147. Isto porque, atendendo a que a utente apresentava uma situação também de
afectação da mácula, quanto maior for o período de espera pela intervenção
menor será a sua capacidade de recuperação, pelo que será sempre mais
aconselhável o menor tempo de espera para a realização da intervenção, razão
pela qual referenciou a utente para o serviço numa situação de “muito urgente”.
148. Assim, e após ter-lhe sido dado alta pelas 04h35m, a utente dirigiu-se então ao
Serviço de Oftalmologia [no Hospital dos Capuchos], onde aguardou pela sua
abertura “[…] e cerca das 8h30m [… entregou] a referida carta [de
acompanhamento] à funcionária que se encontrava de serviço, a qual referiu que a
iria entregar ao médico que lá se encontrava […]”.
149. Acontece que, de acordo com o referido pela utente pouco tempo depois a
funcionária regressou com a informação que [um tal profissional médico] não a iria
poder atender.
150. Recorde-se que, de acordo com o referido pela utente, a mesma decidiu esperar
para ver se conseguia ser observada pelo médico, tendo então se encontrado por
volta das 10h30m com o referido profissional médico que lhe “[…] reiterou que não
a atendia, até porque tinha ordens do Director, Dr. P., para não a atender.”.
151. A esse respeito, acrescente-se que de acordo com a informação prestada pelo
CHLC, em resposta a pedido de elementos da ERS de 1 de Setembro de 2009,
era o Dr. J. (…) o médico a que a doente se referia11, isto é, o profissional de
9 Cfr. resposta do CHLC de 20 de Julho de 2009 junta aos autos. 10 Cfr. auto de declarações junto aos autos. 11 Cfr. resposta do CHLC de 2 de Setembro de 2009 junta aos autos.
37
saúde com quem a utente havia contactado na manhã do dia 31 de Dezembro de
2008 no Serviço de Oftalmologia do CHLC.
152. E foi o referido profissional especificamente questionado sobre se se recordava
de ter contactado com alguma doente nessa manhã do dia 31 de Dezembro de
2008 no Serviço de Oftalmologia, tendo referido “[…] que não pode esclarecer tal
facto porque não se recorda, até porque nesse dia, como já referido, não estava no
serviço e apenas lá foi fazer uma cirurgia de urgência.”.
153. Ou seja, foi efectivamente confirmado pelo Dr. J. que nessa manhã do dia 31
de Dezembro de 2008 esteve, efectivamente, no Serviço de Oftalmologia do
Hospital dos Capuchos (CHLC);
154. Mau grado o facto que tanto não seria inclusivamente suposto ter ocorrido, uma
vez estava escalado para urgência no Hospital de S. José, mas que apesar disso
ausentou-se de tal Serviço de Urgência para vir ao Serviço de Oftalmologia fazer
uma vitrectomia de urgência, pelas 9h da manhã e após fim da mesma teve que
imediatamente regressar ao Serviço de Urgência no Hospital de S. José.
155. Já o Director do Serviço de Oftalmologia do CHLC, Dr. P., confirmou que a
utente veio referenciada do Serviço de Urgência com descolamento de retina, mas
o seu Serviço funciona com uma programação à segunda-feira de cada semana
para a cirurgia vitreo-retiniana, pelo que em função do dia em que a doente surgiu
(era uma 4ª-feira), e sendo 5ª-feira feriado e 6ª-feira tolerância de ponto, foi-lhe
marcada consulta para a 2ª-feira seguinte, dia 05.01.200912;
156. Quando questionado sobre se a utente foi vista no Serviço de Oftalmologia, no
dia 31 de Dezembro de 2008, referiu que foi vista apenas a carta de
acompanhamento elaborada pelo Serviço de Urgência e que deu, então, a
indicação que a utente entraria na “programação” ou seja, em consulta na 2ª-feira
seguinte para cirurgia durante a semana.
157. Deste facto resulta assim claro que, não obstante a utente ter sido referenciada
pelo Serviço de Urgência do CHLC com um diagnóstico de descolamento grave de
retina no OE e de lhe ter sido entregue uma carta de acompanhamento para
entregar no Serviço de Oftalmologia do Hospital dos Capuchos e documento
12 Cfr. auto de declarações junto aos autos.
38
consubstanciado em “Consulta Externa – Pedido de Consulta”, com a referência
de “Muito Urgente”;
158. A utente não foi atendida em tal Serviço de Oftalmologia do CHLC;
159. Aparentando não haver sequer qualquer registo formal de que a mesma ali se
tenha deslocado naquele dia, uma vez que na resposta do CHLC, de 20 de Julho
de 2009, a pedido de elementos da ERS, é referido que “A doente poderá ter
vindo ao Serviço 7 (Oftalmologia) no dia 31/Dez ou dia 2/Janeiro (3 e 4 Janeiro
foi fim de – semana) […]” – destaque nosso;
160. O que claramente demonstra que tampouco o referido Serviço 7 (Oftalmologia)
do CHLC possuirá registos formais da presença da utente que lhe permitisse
responder de forma clara e inequívoca à ERS sobre o dia em que a utente esteve
no Serviço de Oftalmologia;
161. E que, portanto, tudo assentou num procedimento em que “foi vista apenas a
carta de acompanhamento elaborada pelo Serviço de Urgência” pelo Director do
Serviço;
162. E na transmissão, por tal Director, da indicação que a utente entraria na
“programação” ou seja, em consulta na 2ª-feira seguinte para cirurgia durante a
semana.
163. Ou seja, está-se perante uma situação em que o Director de Serviço de
Oftalmologia confirmou a presença da utente e de que havia sido analisada a carta
de acompanhamento elaborada pelo Serviço de Urgência;
164. Mas em que o próprio CHLC não tem sequer a certeza da concreta data em que
a utente se terá dirigido ao Serviço de Oftalmologia;
165. Não tendo, portanto, sido efectuado qualquer registo da presença daquela
utente, naquele Serviço, naquela manhã de 31 de Dezembro de 2008, de onde
resulta que tal Serviço assentou o seu comportamento, pelo menos relativamente
à utente, em mera “informalidade” – ademais de rejeição -;
166. E no não seguimento de qualquer procedimento mínimo que garantisse à utente
– e ao próprio CHLC – o registo do episódio, bem como a satisfação das concretas
necessidades de cuidados de saúde da utente.
39
167. Assim, não só a utente não foi atendida, como não foi dado seguimento imediato
a um pedido de consulta muito urgente requerido pelo Serviço de Urgência;
168. Que foi “visto” pelo Director do Serviço;
169. Tal como não há qualquer registo da passagem utente por aquele serviço
naquele dia;
170. Tal como – necessária e consequentemente – nem tampouco a utente foi
integrada para “programação” ou seja, para consulta na 2ª-feira seguinte e para
cirurgia durante a semana.
171. E se é certo que o Serviço de Urgência do Hospital de S. José cumpriu o que de
si seria esperado;
172. Ou seja, e não obstante a questão dos protocolos de referenciação que infra
melhor se analisarão, a actuação dos profissionais de saúde de tal Serviço de
Urgência terá sido adequada à satisfação das concretas necessidades da utente,
na medida em que não só foram providenciados desde logo os exames e análises
pré-operatórios adequados à intervenção a que devia ser submetida, como foi
entregue uma carta de acompanhamento para entregar no Hospital dos Capuchos,
bem como o documento de “Consulta Externa – Pedido de Consulta”, com a
referência de “Muito Urgente”;
173. O mesmo não se pode dizer do Serviço de Oftalmologia, que manifestou um
comportamento altamente censurável e criticável de “recusa, renúncia ou repúdio”
de acesso aos cuidados de saúde de que a utente em questão necessitava;
174. Tendo para isso adoptado comportamentos “informais” e de todo coadunáveis
com a organização mínima de serviços de estabelecimentos hospitalares,
mormente do SNS.
175. Ou seja, praticou o Serviço de Oftalmologia do CHLC uma violação grosseira do
direito fundamental de acesso aos cuidados de saúde.
176. Por outro lado, deve também ter-se presente que, atenta a rejeição explícita
praticada pelo Serviço, mas igualmente atenta a informação dada,
designadamente nos Serviços de Urgência por onde tinha passado sobre a
40
gravidade do seu estado e do risco iminente de perda de visão, a utente buscou
auxílio junto de funcionária do Serviço de Oftalmologia do CHLC;
177. A qual lhe terá dito que “[…] atenta a época (fim-de-ano), apenas num hospital
privado teria possibilidade de ser atendida, [… sendo que quando a utente
perguntou sobre] que hospital poderia ser, [lhe foi] referido [o prestador privado].”.
178. Desde logo se refira que é inaceitável que por ser época (fim-de-ano),
aparentemente apenas no sector privado a utente lograria satisfazer as suas
necessidades de cuidados de saúde;
179. Mas a verdade é que, em função dos episódios pela qual a mesma vinha
passando, quer nos HUC, quer no CHLC (e ainda a informação que havia obtido
quanto à indisponibilidade do Hospital de Santa Maria), a utente tinha, em tal
momento, essa mesma percepção;
180. E, portanto, viu-se efectivamente num quadro de rejeição reiterada e, assim, na
necessidade de não poder contar com estabelecimentos hospitalares do SNS.
III. 3 Dos interesses legítimos da utente, designadamente financeiros
181. Importa, por último, analisar da consequência directamente decorrente da
rejeição infundada a que foi sujeita a utente M., quer nos HUC, quer em especial
no CHLC, e que motivou que buscasse auxílio junto de funcionária do Serviço de
Oftalmologia do CHLC, a qual lhe terá dito que “[…] atenta a época (fim-de-ano),
apenas num hospital privado teria possibilidade de ser atendida, [… sendo que
quando a utente perguntou sobre] que hospital poderia ser, [lhe foi] referido [o
prestador privado].”.
182. Em função do ocorrido, a utente “[d]irigiu-se de imediato para o Serviço de
Urgências [do prestador privado], onde chegou cerca das 11h30, tendo sido
chamado um oftalmologista que na consulta confirmou a necessidade imediata de
intervenção cirúrgica.”.
183. Nessa sequência, “[…] foi convocada a equipa imediatamente e foi preparada
para o bloco, para o qual entrou cerca das 14h30 [e foi] intervencionada cerca das
15h.”;
41
184. Sendo que “[a]ntes da operação teve oportunidade de falar com o cirurgião que
lhe referiu saber do périplo por que tinha passado e nessa ocasião referiu que não
corresponderia à verdade que o Director do Serviço de Oftalmologia dos Capuchos
não tinha autorizado a sua observação porque ele era o próprio Director do Serviço
dos Capuchos e não teria sido isso que tinha transmitido ao médico de Serviço, o
Dr. J..”13–
185. Ora, e quanto a este último aspecto, “[…] o cirurgião era o Dr. P. [… e] a
informação que lhe havia sido dada era a de que nos Capuchos apenas teria
consulta na 2ª-feira seguinte (dia 5.01.2009) para eventual cirurgia na 5ª-feira
seguinte (dia 8.01.2009).”.
186. A verdade é que a situação da utente seria de tal forma urgente, que a mesma
foi intervencionada nesse mesmo dia, ao início da tarde;
187. E tanto deve servir para também se enquadrar a gravidade da rejeição praticada
pelo Serviço de Oftalmologia do CHLC;
188. Que se limitou a “ver” a carta de referenciação do Serviço de Urgências e nem
cuidou sequer de providenciar por uma consulta à utente.
189. E considerando que como “[…] ainda ia ser intervencionada, [a utente] preferiu
não confrontar […] o referido cirurgião, tendo a operação ocorrido normalmente e
durado cerca de 2 horas […]” – cfr. auto de declarações da utente junto aos autos;
190. Uma vez que, como já visto e pelo próprio admitido, o cirurgião que nesse início
de tarde a intervencionou no [prestador privado] foi o Director do Serviço de
Oftalmologia do CHLC que apenas horas atrás tampouco terá permitido que a
utente fosse observada no Serviço por si dirigido.
191. Em resultado da realização da cirurgia, o [prestador privado] emitiu em nome da
utente a factura n.º , de 05.01.2009, no valor de € 7.526,33, cuja cópia se encontra
junta aos autos;
192. E que respeita, precisamente, à realização em tal prestador de cuidados de
saúde, no dia 31.12.2008, de uma “cirurgia de descolamento de retina com
vitrectomia e segmentação, delaminação e corte de membranas de vítreo ou
13 Cfr. auto de declarações da utente junto aos autos.
42
subretinianas, neovasos com ou sem endolaser, com ou sem cirurgia do cristalino”
– cfr. a referida cópia da factura junta aos autos.
193. A corroborar os factos expostos pela utente, F., marido da utente, declarou
que:
“acompanhou sempre a sua mulher aquando das deslocações aos HUC na
noite de 30.12.08, tendo-a seguidamente levado para Lisboa, onde se
dirigiu para as urgências do Hospital de São José por a sua filha lhe ter
informado que não valia a pena irem para o Santa Maria. Esteve presente
no Hospital de São José e dirigiu-se, posteriormente, com a sua mulher
para o Hospital dos Capuchos, onde, juntamente com ela, entregou a carta
que lhe havia sido emitida nas urgências do Hospital de São José. Assistiu
à funcionária a informar que o Dr. J. a mandou dizer que não iria atender a
sua mulher, tal como assistiu, após uma espera de cerca de 2 horas, ao
próprio Dr. J. a referir-lhe a si e à sua mulher que o Director não autorizava
que a sua mulher fosse consultada.
Foi para [o prestador privado] com a sua mulher, por sugestão da
funcionária do Serviço de Oftalmologia dos Capuchos, e assistiu ao Dr. P.,
antes da intervenção cirúrgica que aí viria a ter lugar cerca das 15 h do dia
31.12.08, a referir que não tinha dado tais ordens ao Dr. J., embora não
tivesse entrado em confrontação com o referido médico face ao momento
prévio à cirurgia em que se encontravam” – cfr. auto de declarações junto
aos autos.
194. Ora, a intervenção da utente no [prestador privado] é consequência directa e
necessária da rejeição de que foi objecto quer no Serviço de Urgência dos HUC,
quer no Serviço de Oftalmologia do CHLC.
195. Ou seja, tanto o comportamento do Serviço de Urgência dos HUC concorreu
para a produção de um tal resultado e é apto ao mesmo;
196. Por ter, como visto, procedido à rejeição infundada da utente;
197. Como o Serviço de Oftalmologia do CHLC, que pura e simplesmente rejeitou
infundadamente a utente, é apto a produzir o referido resultado da intervenção da
utente num estabelecimento privado de saúde.
43
198. Dito de outra forma, a lesão financeira da utente e decorrente de se ter visto na
necessidade de ser intervencionada num estabelecimento privado de cuidados de
saúde é resultado da actuação do Serviço de Urgência dos HUC;
199. Quanto é resultado da actuação do Serviço de Oftalmologia do CHLC;
200. Porquanto se qualquer um destes Serviços tivesse cumprido o seu dever legal
de garantir o acesso da utente aos cuidados de saúde que necessitava (e que lhe
foram diagnosticados), a referida lesão nunca se teria produzido.
201. Ou seja, a lesão financeira da utente é resultado directo e imediato dos
comportamentos ilícitos verificados no Serviço de Urgência dos HUC e no Serviço
de Oftalmologia do CHLC, devendo tais Serviços assumir responsabilidade pela
referida lesão financeira produzida à utente.
IV. AUDIÊNCIA DE INTERESSADOS
202. A presente decisão foi precedida da necessária audiência escrita de
interessados, nos termos do art. 101.º n.º 1 do Código do Procedimento
Administrativo, aplicável ex vi do artigo n.º 41.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27
de Maio, tendo sido chamados a pronunciar-se, relativamente ao projecto de
deliberação da ERS, a exponente M., os Hospitais da Universidade de Coimbra,
E.P.E., e o Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E..
203. Refira-se que, por contacto telefónico com a ERS datado de 31 de Dezembro
de 2010, veio o marido da exponente, F., informar, relativamente ao projecto de
deliberação notificado, que se estaria [entenda-se a exponente] “[…] totalmente de
acordo com o teor da mesma, tendo já contactado um advogado para defesa dos
seus interesses e da sua mulher junto dos Tribunais e a quem pretende remeter a
referida deliberação final.” – cfr. a descrição do teor da conversa telefónica, no
memorando constante dos autos.
204. Por outro lado, os prestadores em causa, exerceram o seu direito de pronúncia,
relativamente ao projecto de deliberação da ERS notificado.
205. Na sequência da pronúncia dos HUC, foram realizadas diligências
complementares oficiosamente ordenadas pela ERS, ao abrigo do disposto no art.
44
104.º do Código do Procedimento Administrativo, tendo sido, em concreto,
remetido a esta entidade, ofício de pedido de elementos, em 29 de Janeiro de
2010, e ofício de insistência por resposta ao pedido de elementos inicial, remetido
ao mesmo estabelecimento em 3 de Março de 2010.
IV.1. Da pronúncia dos Hospitais da Universidade de Coimbra, E.P.E.
206. Por ofício de 11 de Janeiro de 2010 (doravante, pronúncia dos HUC) – junto
aos autos e cujo teor aqui se transcreve no que importa relevar –, vieram os HUC
defender, em síntese, no exercício do referido direito de pronúncia, o seguinte:
a) Como questão prévia, alegam os HUC ser “[…] fundamental saber da
identidade do consultor médico da Entidade Reguladora da Saúde (ERS)
neste processo, e quais as suas credenciais”, afirmando que “[…] o referido
consultor tece alguns comentários, como sejam, a “atitude do médico dos
HUC, parece-me bastante controversa e contraditória”, e “para que servem
os protocolos de Serviço nos HUC?”, os quais evidenciam um
desconhecimento técnico nesta área, em função dos dados por nós
fornecidos.”;
b) Referindo em seguida que “Não corresponde à verdade não terem sido
respeitados os procedimentos ou protocolos definidos pelos HUC em
situações de utentes a quem é diagnosticado descolamento da retina”,
alegando que o protocolo do Serviço de Oftalmologia para descolamento da
retina terá sido seguido no caso em concreto;
porquanto,
c) “[…] a mácula estava descolada como se comprova na folha de Urgência”
alegando que, por este motivo, “[…] a doente seria referenciada para a
próxima consulta de Vítreo e Retina, onde seria agendada a cirurgia”;
d) Sendo que “[…] em todos os períodos de férias [quando] existe menos
pessoal no Serviço (Agosto e Dezembro), existe sempre consulta e cirurgia
para estes casos.”;
45
e) No que respeita o referido no § 110 do projecto de deliberação notificado,
alegam os HUC que os factos em causa resultam desmentidos, de forma
notória, “[…] através da observação do protocolo do Serviço e da folha de
urgência da utente.”;
f) No que concerne os § 109, 116, 117 e 119 do projecto de deliberação
notificado, entendem os HUC que “[…] não existe qualquer dado, a nível do
processo, que comprove as afirmações da utente.”;
g) Consideram ainda o referido nos § 137 e 138 do projecto de deliberação
notificado, como “[…] completamente irreais pois se houve uma
recusa/renúncia ou repúdio de acesso aos cuidados de saúde neste
Serviço foi unicamente por parte da doente, conforme se pode constatar na
folha de Urgência.”;
h) Contestando por fim, o referido no § 127 do projecto de deliberação
notificado, indagando, a este respeito, “[…] como pode o referido consultor
tirar a conclusão que o médico decidiu não seguir o protocolo do Serviço?
Em que parte do processo se baseia para tirar a referida conclusão?”;
i) Juntam, com as suas alegações, o documento “Relatório completo de
episódio de Urgência”, documento que havia sido já junto aos autos, quer
pela exponente, em 24 de Setembro de 2009, quer pelos HUC, em 2 de
Novembro de 2009.
IV.2. Das diligências complementares
207. Tendo-se constatado, em face da referida pronúncia dos HUC, a necessidade
de obtenção de esclarecimentos adicionais, foi este prestador oficiado no sentido
de habilitar a ERS, com a informação e documentação descritos infra:
1) Cópia do documento comprovativo:
a) de pedido de consulta de Vítreo e Retina para a utente M. emitido pelo
Serviço de Urgência dos HUC, na sequência do atendimento da utente
em 30 de Dezembro de 2008, pelas 22h45m; e
46
b) de efectivo agendamento da consulta em questão pelo correspondente
Serviço.
2) Cópia do(s) documento(s) comprovativo(s) da prestação de informação à
utente quer do pedido de consulta emitido, quer do seu efectivo
agendamento e correspondente data e hora.
3) No caso de inexistência dos referidos elementos documentais, informação:
a) da data para a qual a consulta de Vítreo e Retina seria agendada;
b) da data para a qual a cirurgia correctiva do descolamento da retina
diagnosticado seria agendada.
4) Relativamente ao período temporal compreendido entre os dias 22 de
Dezembro de 2008 e 09 de Janeiro de 2009, inclusive, identificação:
a) do número de cirurgias correctivas do descolamento de retina realizadas
em cada um dos dias em questão; e
b) relativamente a cada cirurgia correctiva de descolamento da retina
identificada nos termos da alínea anterior:
i) da data de realização da consulta de Vítreo e Retina em que a cirurgia
foi agendada;
ii) da data de realização do diagnóstico de descolamento da retina,
identificando se o mesmo resultou de consulta de urgência nos HUC,
de consulta externa nos HUC, ou de consulta externa de outro
estabelecimento hospitalar e objecto de transferência ou
referenciação para os HUC.
208. Em resposta ao pedido de elementos da ERS, em sede de diligências
complementares, por ofício de 15 de Março de 2010, vieram os HUC afirmar que,
a) Quanto ao ponto 1, alíneas a) e b) e quanto ao ponto 2, do pedido de
informação da ERS, “[...] não foi pedida consulta de retina vítreo nem a
mesma foi agendada nos HUC porque a doente manifestou, ao Médico que
a atendeu no Serviço de Urgência, querer ser operada em Lisboa [...]”;
47
b) Quanto ao ponto 3, alínea a), a consulta de vítreo e retina, “[...] se a doente
fosse seguida e tratada nos HUC, [a consulta] seria marcada para o dia 06
de Janeiro de 2009”;
c) Quanto ao ponto 3, alínea b), “[…] a data para a qual a cirurgia correctiva
do descolamento de retina seria agendada dependeria do número de
doentes que estivessem nessa altura inscritos para cirurgia, bem como do
nível de gravidade e prioridade aplicável a cada um dos casos, pelo que
não é possível precisar essa data.”;
d) Quanto ao ponto 4, alíneas a) e b), sobre o número de cirurgias correctivas
de descolamento de retina realizadas entre 22 de Dezembro de 2008 e 9
de Janeiro de 2009 bem como as datas da realização do diagnóstico e da
consulta de Vítreo e Retina em que a cirurgia foi agendada, o prestador
juntou o quadro seguinte14:
Data da cirurgia
Patologia Proveniência Consulta CVR em que [a] cirurgia foi agendada
26/12/2008 Redescolamento de retina
Consulta de CVR 24/12/2008
24/12/2008
26/12/2008 Descolamento de retina
Serviço de Urgência
24/12/2008
26/12/2008
5/01/2009 Descolamento de retina
Serviço de Urgência
24/11/2008
25/11/2008
Redescolamento de retina
Serviço de Urgência
30/12/2008
5/01/2009
07/01/2009 Redescolamento de retina
Serviço de Urgência
30/12/2008
5/01/2009
09/01/2009 Redescolamento de retina
Serviço de Urgência 6/12/2008
6/01/2009
IV.3. Análise dos argumentos aduzidos pelos Hospitais da Universidade de Coimbra, E.P.E.
14 Tabela constante da pronúncia dos HUC, cujo teor integral ora se transcreve.
48
209. Refira-se, desde já, que os argumentos apresentados pelos HUC em sede de
audiência de interessados e de diligências complementares ordenadas pela ERS
foram devidamente considerados e ponderados;
210. Verificando-se, no entanto, que os mesmos não são de molde a infirmar os
factos e sua apreciação, tal como constantes do projecto de deliberação da ERS.
211. Efectivamente, e quanto à questão levantada pelos HUC sobre a identidade do
consultor médico que prestou o já referido parecer à ERS, note-se que os autos do
processo, que corre termos na ERS e que contém os elementos documentais de
suporte ao projecto de deliberação notificado, sempre esteve (e está) disponível
para consulta dos interessados;
212. Com efeito, nos ofícios que acompanharam o projecto de deliberação
notificado, vinha mencionado que o processo estaria disponível para consulta – cfr.
as cópias dos ofícios constantes dos autos;
213. Pelo que, a todo o momento, e em particular durante o prazo de exercício do
direito de pronúncia, poderiam os HUC ter tido acesso, por consulta dos autos, não
só à identificação cabal do médico consultor da ERS, autor de tal parecer técnico,
bem como ao teor integral do mesmo parecer.
214. O certo é que os HUC questionam a identidade e credenciais do referido
consultor médico, por entenderem que as considerações vertidas no referido
parecer, designadamente que “[…] a atitude do médico dos HUC parece-me
bastante controversa e contraditória […]” e “para que servem os protocolos de
Serviço nos HUC?”, demonstrariam desconhecimento técnico na área em causa,
face aos dados que terão sido fornecidos pelos HUC.
215. Ora, atento o teor dos argumentos em seguida aduzidos por este prestador,
sumariamente descritos no § 206, alíneas b), c) e d) supra, verifica-se que os HUC
contestam, em suma, a imputação, constante do projecto de deliberação
notificado, de que no caso concreto da utente M., não terão sido respeitados, por
este prestador, os procedimentos e protocolos de atendimento, intervenção e
seguimento dos utentes com diagnóstico de descolamento de retina pelo mesmo
prestador definidos;
49
216. Discordando do teor e conclusões do parecer técnico, o qual, como já referido
supra15 foi solicitado para aferir do cumprimento ou não pelos HUC, no caso
vertente, de tais procedimentos e protocolos, tendo-se concluído em tal parecer16,
designadamente, que o médico terá “[…] decidido não seguir o protocolo do
serviço para o descolamento da retina […] e dando alta à doente para o domicílio
com a desculpa de que a utente teria demonstrado vontade de ser tratada em
Lisboa”.
217. E a respeito destes argumentos, e em concreto, quanto à negação, pelos HUC,
de “[…] não terem sido respeitados os procedimentos ou protocolos definidos
pelos HUC em situações de utentes a quem é diagnosticado descolamento da
retina”, recorde-se que foram os próprios HUC que, em resposta a pedido de
informação adicional da ERS de 11 de Setembro de 2009, prestada no decurso do
inquérito da ERS, em 2 de Novembro de 2009, referiram que “[…] Sendo a
vontade expressa da doente não ser submetida a cirurgia nos Hospitais da
Universidade de Coimbra, mas sim num Hospital da área de Lisboa, a doente não
entrou no “Protocolo de Atendimento, Intervenção e Seguimento de Utentes com
Diagnóstico de Descolamento de Retina” enunciado no ponto 1, nem lhe são
aplicáveis os “níveis de gravidade ou prioridade aplicáveis às diferentes situações
de diagnóstico de descolamento de retina referidos no ponto 2”17.
218. Ou seja, consta dos autos a declaração expressa de que no caso da utente não
foi seguido o protocolo;
219. Nem tendo logrado, por outro lado, os HUC aduzir qualquer informação ou
prova, de que, como alegam, “[…] a doente seria referenciada para a próxima
consulta de Vítreo e Retina, onde seria agendada a cirurgia.”.
220. Com efeito, e para além da negação, não aduziram os HUC, nem na pronúncia
nem na resposta ao pedido dirigido em diligências complementares, factos que
permitissem apreciar em sentido contrário;
221. Tal como remanesce sem explicação, pelos HUC, o já indagado no processo
de inquérito sobre as razões pelas quais foi dada alta à utente para o domicílio
com destino para exterior não referenciado, sem qualquer menção à alegada 15 § 33 do projecto de deliberação notificado. 16 § 34 do projecto de deliberação notificado. 17 § 32 e 126 do projecto de deliberação notificado.
50
pretensão de marcação de consulta à utente, nem emissão de uma carta de
referenciação;
222. Ou seja, remanesce sem qualquer explicação – para além da efectiva violação
grosseira do direito de acesso da utente aos cuidados de saúde de que
necessitava – a razão pela qual os HUC se limitaram a rejeitar a utente, não lhe
prestando – nem programando uma tal prestação – os cuidados de saúde de que a
mesma necessitava.
223. A verdade é que após ter sido diagnosticado à utente o descolamento de retina
com a gravidade que já supra se apresentou;
224. E que, recorde-se e como os próprios HUC referiram, perturbações visuais há
mais de 4 dias – cfr. resposta dos HUC à ERS de 20 de Julho de 2009;
225. E que apresentaria um sinal de mau prognóstico – cfr. a resposta dos HUC à
ERS de 2 de Novembro de 2009;
226. Vieram os HUC, em sede de diligências complementares, limitar-se a repetir
que a predita consulta não foi marcada, por a doente ter manifestado a vontade de
ser atendida junto de outro estabelecimento;
227. Mas que “[...] se a doente fosse seguida e tratada nos HUC, [a consulta] seria
marcada para o dia 06 de Janeiro de 2009”;
228. O que demonstra à saciedade a não aplicação do protocolo, o qual não é de
aplicação voluntária;
229. O qual, seguramente, não existe para ser aplicado “em função da vontade” dos
utentes.
230. E recorde-se que, na já referida resposta dos HUC à ERS de 2 de Novembro
de 2009, vieram estes esclarecer que o Protocolo de Atendimento, Intervenção e
Seguimento de Utentes com Diagnóstico de Descolamento de Retina determina
que
“Os doentes observados no Serviço de Urgência com diagnóstico de descolamento
de retina são marcados para uma consulta sub-especializada de Retina Cirúrgica,
3ª ou 5ª feira mais próxima do dia em que recorrem ao Serviço de Urgência.”.
51
231. O protocolo não faz qualquer reserva ao facto de tal 3ª ou 5ª feira mais próxima
do dia em que recorrem ao Serviço de Urgência dever ser dia útil;
232. Uma vez que o mesmo visa, claro está, garantir que qualquer doente
diagnosticado com descolamento de retina seja observado em consulta sub-
especializada de Retina Cirúrgica, o mais tardar, no quinto dia após tal diagnóstico.
233. E ao terem vindo confirmar, em sede de diligências complementares, que “[...]
se a doente fosse seguida e tratada nos HUC, [a consulta] seria marcada para o
dia 06 de Janeiro de 2009”;
234. Estão os HUC a confirmar que uma utente diagnosticada de descolamento de
retina com perturbações visuais há mais de 4 dias teria – eventualmente e na
melhor das hipóteses - consulta sub-especializada de Retina Cirúrgica 11 (onze)
dias após o início da patologia;
235. Ou seja, mais do dobro daquilo que será o máximo de tempo aceitável para
aguardar por uma tal consulta;
236. E de onde resulta manifesto e evidente o comportamento violador do direito de
acesso da utente pelos HUC.
237. Mas ainda sobre esta questão, e de forma a afastar-se por completo os
argumentos dos HUC, recorde-se que tampouco é a ERS ou um seu consultor que
identifica a gravidade da situação da utente;
238. Em face da gravidade que um diagnóstico de descolamento da retina do olho
esquerdo com envolvimento macular e acuidade visual inferior a 1/10 representa.
239. Cite-se, a mero título de exemplo, a Recomendação n.º 02/05, de 15 de
Novembro de 2005, do Conselho Executivo da Ordem dos Médicos, a qual define
como “[…] imperativo deontológico a ser observado pelos médicos responsáveis
das unidades em que se pratique cirurgia da retina e/ou vítreo-retiniana e que
simultaneamente assumam compromissos de tratamento de doentes urgente, que,
um descolamento da retina em olho anteriormente útil, com menos de um mês
de evolução, deverá ter prioridade absoluta sobre as outras cirurgias
programadas […]”, e que,
52
“se a unidade em causa não possuir pessoal ou equipamento necessário para
responder com a solução terapêutica mais adequada, deve estar previamente
assegurado o encaminhamento de tais doentes para local adequado.”.
240. E, como visto, não somente os HUC “decidiram” não aplicar o protocolo
alegadamente por “vontade da doente”;
241. Sendo que se a questão fosse a “vontade da utente” em ser submetida a
cirurgia em outro estabelecimento (de Lisboa), porque razão não foi assegurado o
encaminhamento da utente para local adequado?
242. Ou se a utente pretendia ir para outro estabelecimento, sem ser através de
encaminhamento por parte dos HUC, porque razão não lhe foi dada alta contra
parecer médico?
243. Na verdade, os HUC limitaram-se, como já referido, a dar alta à utente para
exterior não referenciado;
244. Ou seja, limitaram-se a mandar a utente embora;
245. Sem sequer lhe haverem agendado consulta sub-especializada de Retina
Cirúrgica numa situação em que a utente corria – e correu – risco de perda de
visão;
246. O que bem demonstra a total e absoluta falta de fundamento dos argumentos
apresentados pelos HUC.
247. E relativamente ao alegado pelos HUC de que as considerações relativas ao
atendimento da utente no Serviço de Urgência, sendo baseadas em “[…]
afirmações da utente […]” não encontram apoio no restante quadro factual
subjacente à análise da ERS;
248. Refira-se que este argumento apenas pode ser o resultado de uma negação
pelos HUC de todo o remanescente quadro factual constante dos autos;
249. E assente em prova distinta de declarações da utente.
250. Os HUC não podem deixar de tirar as devidas ilações do facto de,
relativamente à urgência da intervenção e respectiva impossibilidade de esta vir a
53
realizar-se em tempo útil, constar dos autos, designadamente na ficha de urgência
do CHLC, a declaração do médico responsável pelo atendimento, Dr. D., que a
utente “[…] tendo recorrido ao HUC onde lhe disseram que só tinha vaga para
operar na próxima 2.ª feira, achando que seria muito tarde para o efeito,
recomendando a doente que recorresse ao nosso Centro Hospitalar”;
251. Por outro lado, no âmbito das diligências de inquirição levadas a cabo pela
ERS, consta do depoimento do mesmo Dr. D. do CHLC, que “[…] segundo
informação que a doente na altura deu, vinha dos HUC, os quais lhe teriam
diagnosticado a patologia, mas que não teriam a disponibilidade para a operar nos
próximos dias […]”18;
252. E que ao ter informado a utente do risco de perda de visão, verificou que “[…] a
própria [utente] conhecia [tal risco] porque já vinha de outro estabelecimento
hospitalar.”;
253. Ou seja, já no serviço de urgência dos HUC lhe havia sido transmitido que a
mesma corria risco de perda de visão, e que a vaga para operar na próxima 2.ª
feira seria muito tarde para o efeito.
254. E estamos, então, perante uma situação em que uma utente se apresenta num
serviço de urgências de um estabelecimento hospitalar de Lisboa pelas 2h35m da
madrugada;
255. Já vinda dos HUC – como aliás resulta da ficha da urgência e não de
“declarações da utente”;
256. E que logo na altura referiu ao médico da urgência do CHLC que os HUC lhe
disseram que só tinham vaga para operar na próxima 2.ª feira, achando que seria
muito tarde para o efeito.
257. E a gravidade do diagnóstico seria tão evidente que foram, inclusivamente,
efectuados exames pré-operatórios logo no serviço de urgência do CHLC para
agilizar a cirurgia de que a utente necessitava urgentemente.
18 § 42 do projecto de deliberação notificado.
54
258. Resulta, assim, de documentos e de depoimento de terceiro, recolhido no
processo de inquérito, afirmações em tudo similares aos factos tal como foram
expostos pela utente no mesmo processo de inquérito;
259. Tal como todo o quadro factual é assente num conjunto de elementos de prova
- todos eles precisos e concordantes - com a situação experimentada pela utente,
seja nos HUC, seja no CHLC;
260. Pelo que os factos que basearam o entendimento da ERS, e motivaram as
conclusões quanto aos factos imputáveis ao prestador em causa, não assentam só
nas declarações da exponente, sendo corroborados pelos demais elementos
probatórios constantes do processo.
261. E acresce ainda que, como resulta da resposta dos HUC ao pedido de
elementos da ERS realizado em sede de diligências complementares, não foi
efectuada nenhuma cirurgia correctiva de descolamento de retina após o dia 26 de
Dezembro de 2008 até ao dia 5 de Janeiro de 2009;
262. Ou seja, os factos relativos à actividade dos HUC nesse período são evidentes
e claros;
263. E afastam por completo os seus argumentos;
264. Antes corroborando a afirmação de que “apesar da urgência, a intervenção não
foi possível [nos HUC] visto a equipa médica especialista estar toda de férias (não
fosse a semana dos festejos do fim de ano), só (re)iniciando funções na segunda-
feira seguinte, 05.01.2009, data considerada pelo Médico especialista como
demasiado tardia pelo risco iminente de descolamento total da retina e
consequente perda, irreversível, de visão.”;
265. O que é inclusivamente corroborado pelos HUC quando referem que “[...] se a
doente fosse seguida e tratada nos HUC, [a consulta] seria marcada para o dia 06
de Janeiro de 2009”.
266. Em conclusão, os HUC nem tampouco lograram provar o alegado na sua
pronúncia de que em todos os períodos de férias, “[…] existe sempre consulta e
cirurgia para estes casos.”;
267. Uma vez que, na realidade, não existia;
55
268. E também aqui em absoluta contradição com o seu (inaplicado) protocolo.
269. Reitera-se, portanto, a conclusão de que a actuação deste prestador originou
uma violação grosseira do direito fundamental de acesso aos cuidados de saúde;
270. Concluindo-se, por todo o exposto, que a pronúncia dos HUC não apresenta
qualquer elemento, factual ou jurídico, que imponha uma alteração ou revogação
do conteúdo projecto de deliberação da ERS.
IV.4. Da pronúncia do Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.
271. Por ofício de 19 de Janeiro de 2010 (doravante, pronúncia do CHLC) – junto
aos autos e cujo teor aqui se transcreve no que importa relevar –, veio o CHLC
defender, em síntese, no exercício do referido direito de pronúncia, o seguinte:
a) “[…] concorda inteiramente com a alínea d) da Instrução [leia-se alínea d)
da decisão constante do § 202 do projecto de deliberação notificado19] -,
“[…] indo de imediato dar início às diligências necessárias à melhoria da
organização dos serviços de urgência oftálmica.”;
b) “ […] o CHLC não violou o direito fundamental de acesso aos cuidados de
saúde, rejeitando, ou repudiando a utente […] pois só o teria feito se se
entendesse que a consulta indicada para o dia 5 de Janeiro e a cirurgia
indicada para o dia 8 de Janeiro seriam demasiado tardias para a situação
da utente”;
c) Defendendo, sobre este aspecto, que “[…] como no próprio projecto de
deliberação se refere […] o direito de acesso deve ser avaliado numa
perspectiva temporal, ou seja, deve ser garantido “em tempo útil”;
19 Que dispunha o seguinte: “ O Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE deve imediatamente adoptar as medidas necessárias a evitar ocorrência(s) similares, bem como à permanente aplicação dos procedimentos ou protocolos de referenciação e atendimento de utentes que, apresentando-se nos Serviços de Urgência revelem um diagnóstico de descolamento de retina, de forma os mesmos sejam, efectivamente, aptos a assegurar a garantia de um acesso universal, geral, tendencialmente gratuito e, especialmente, em tempo útil em função da necessidade de cuidados de saúde de tais utentes;”
56
d) E que, “[…] conforme se refere na “Avaliação do Acesso dos Doentes com
descolamento da retina a cirurgia correctiva nos hospitais do SNS – ERS
2008 – […]”;
e) “[…] e de acordo com parecer técnico obtido por este CHLC, sendo a
possibilidade de recuperação variável, em função da causa, da localização,
das dimensões do descolamento e da sua duração, um tempo médio de
espera cirúrgica de 3 a 5 dias, com operação na mesma semana em que se
procede ao diagnóstico, “afigura-se razoável”, enquanto que períodos
superiores a 10 dias podem pôr em causa o legítimo direito ao acesso à
respectiva cirurgia correctiva no tempo clinicamente aconselhável […]”;
f) Acrescentando ainda que, “A doente, aliás, terá comprometido um bom
prognóstico ao ter recorrido ao SNS passadas mais de 48 h da diminuição
da acuidade visual e cerca de um mês passados os primeiros sintomas”;
g) E mais referindo que “[…] a falta de registo e de marcação da consulta […]
ter-se-ão devido apenas ao facto da doente não ter pretendido esperar por
aquelas datas. Se não tivesse tomado tal opção, certamente a doente teria
sido objecto de registo e marcação de consulta para o dia 5, e de
programação de cirurgia para o dia 8 de Janeiro.”;
h) Quanto à questão atinente à assunção de responsabilidades pela lesão
financeira da utente [alíneas e) e f) da decisão constante do § 202 do
projecto de deliberação notificado], veio este prestador alegar na sua
pronúncia que “[…] não sendo evidente, […] que a dilação da intervenção
proposta não seria razoável e adequada à situação da doente, também se
não afigura evidente que a intervenção [do prestador privado], no valor de
7526, 33€, tenha sido consequência directa e necessária da referida
dilação proposta pelo CHCL, afigurando-se que a “lesão financeira” se terá
devido tão só a uma opção da utente, que entendeu não querer esperar
pelo calendário indicado pelo Serviço de Oftalmologia.”.
IV.5. Análise dos argumentos aduzidos na pronúncia do Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E.
57
272. Refira-se desde já, e à semelhança das considerações incidentes sobre a
pronúncia dos HUC, que os argumentos apresentados pelo CHLC em sede de
audiência de interessados, foram devidamente considerados e ponderados;
273. Verificando-se, no entanto, que os mesmos não são de molde a infirmar os
factos e a sua apreciação, tal como constantes do projecto de deliberação da ERS.
274. No que respeita a negação, pelo CHLC na sua pronúncia, dos factos imputados
no projecto de deliberação notificado, quanto à renúncia, por este prestador, na
prestação de cuidados de saúde à utente, alegando que tal só teria sucedido se
“[…] se entendesse que a consulta indicada para o dia 5 de Janeiro e a cirurgia
indicada para o dia 8 de Janeiro seriam demasiado tardias para a situação da
utente […]”, refira-se que não só este entendimento não foi manifestado
anteriormente pelo CHLC, nas respostas por si prestadas no decurso do processo
de inquérito;
275. Nem as diligências encetadas pela ERS permitiram apurar factos que
conduzissem a tal convicção.
276. Bem pelo contrário, os factos constantes do processo são de molde a infirmar o
ora defendido pelo CHLC na sua pronúncia.
277. Com efeito, os factos apurados permitiram constatar, em primeiro lugar, que na
verdade a utente não foi sequer atendida no Serviço de Oftalmologia dos CHLC;
278. Uma vez que, e conforme amplamente analisado supra, houve uma recusa
expressa no Serviço de Oftalmologia do CHLC em observar a utente;
279. Pelo que todo o argumento falece pela base, uma vez que não havendo sido
observado, não é aceitável que agora se procedam a alegações genéricas e
abstractas sobre a possibilidade – teórica – de um doente com tal diagnóstico
poder aguardar 9 dias, ou seja, de 31 de Dezembro de 2008 a 8 de Janeiro de
2009.
280. E esta utente em concreto, podia de facto aguardar?
281. Obviamente, o CHLC sobre isso nada refere;
58
282. Porque para isso teria que ter observado, no seu Serviço de Oftalmologia, a
utente.
283. A falta de apego à realidade dos argumentos apresentados pelo CHLC é ainda
demonstrada pelo facto de se ter verificado que no Serviço de Oftalmologia de tal
prestador imperaram os procedimentos “informais”;
284. Sendo absolutamente inaceitável que, como aliás resulta da própria resposta
do CHLC ao pedido de elementos da ERS, de 20 de Julho de 200920, que a doente
poderia ter vindo a tal Serviço de Oftalmologia, “[…] no dia 31/Dez ou dia
2/Janeiro (3 e 4 Janeiro foi fim de – semana) […]”;
285. Ou seja, nem sequer o CHLC possui um registo da presença da utente no dia
31 de Dezembro de 2008;
286. Pelo que tampouco devem agora merecer aceitação os argumentos de que a
utente seria, seguramente, submetida a cirurgia em tempo útil.
287. Por outro lado, na factualidade apurada consta que a análise da situação da
utente pelo Director do Serviço de Oftalmologia do CHLC cingiu-se a uma análise
do pedido de consultas elaborada pelo Serviço de Urgência;
288. Documento esse que referia um “pedido de marcação de consulta retina
cirúrgica com muita urgência”;
289. O que deveria implicar que o Director do Serviço de Oftalmologia em causa,
quando visse uma tal carta, tivesse pelo menos o cuidado de observar a utente;
290. A que acresce que se igualmente tivesse analisado a Ficha da Urgência teria
tomado conhecimento das declarações do médico que assistiu a utente no Serviço
de Urgência, o qual produziu como informação clínica que “[…] Refere diagnóstico
de descolamento de retina OE […] com sintomas desde há 3 dias, tendo recorrido
ao Hospital [de] Coimbra onde lhe disseram que só tinham vaga para operar na
próxima 2ª feira, achando que seria muito tarde, recomendando a doente que
recorresse ao nosso Centro Hosp. [CHLC].”.
20 § 36 do projecto de deliberação notificado.
59
291. Ora, não é aceitável invocar-se o estudo “Avaliação do Acesso dos Doentes
com descolamento da retina a cirurgia correctiva nos hospitais do SNS – ERS
2008 – […]”, bem como um “[…] parecer técnico obtido por este CHLC”;
292. Dos quais se retira que o tempo médio de espera para cirurgia deve ser de 3 a
5 dias;
293. Quando o CHLC admite que a utente já teria sintomas desde há 3 dias;
294. E que teria que aguardar – eventualmente e se efectivamente viesse a ser
efectivamente atendida, atenta a absoluta falta de registo no Serviço de
Oftalmologia do CHLC da presença da utente nas suas instalações – mais 5 dias
pela consulta de retina cirúrgica, ou seja, até 5 de Janeiro de 2009;
295. Para eventualmente ser submetida a cirurgia em 8 de Janeiro de 2009;
296. Ou seja, 11 (onze) dias após o início da patologia;
297. Isto é, mais do dobro daquilo que será o máximo de tempo aceitável, e de onde
resulta manifesto e evidente o comportamento violador do direito de acesso da
utente pelo CHLC.
298. Resulta, assim, da factualidade imputada que a utente não foi atendida, não
tanto porque se tratasse de situação clínica que pudesse aguardar, como alega
entretanto o CHLC na sua pronúncia, mas antes por manifesta recusa dos serviços
respectivos;
299. Com efeito, nos depoimentos recolhidos pela ERS em sede de diligências de
inquirição, referiu o colaborador do CHLC, Dr. J., “[…] especificamente em tal
situação no dia 01/01/2009 era feriado, o dia 02/01/2009 “uma ponte”, pelo que o
primeiro dia útil era Segunda-feira dia 05/01/2009”;
300. Referindo ainda o Dr. P., Director do Serviço de Oftalmologia, que “[…] em
função do dia em que a doente surgiu (era uma 4ª-feira), e sendo 5ª- feira feriado e
6ª-feira tolerância de ponto, foi-lhe marcada consulta para 2ª-feira seguinte, dia
05.01.2009. Se não fosse 5ª-feira feriado e 6ª-feira tolerância de ponto, a doente
seria vista na 4ª-feira e seria programada para a semana seguinte a sua cirurgia
60
(sem prejuízo de quando se detectam situações imediatas se poder alterar a
programação).”21
301. Ora, daqui resulta que a eventual integração da utente na programação de 5 de
Janeiro de 2009 não foi motivada, como defendido pelo CHLC na sua pronúncia,
por tratar-se de situação que pudesse aguardar, mas antes por indisponibilidade
dos serviços respectivos para proceder ao atendimento imediato da utente – é
aliás o Dr. P. quem afirmou perante a ERS, como consta supra, que não fossem os
dias seguintes dias não úteis, a utente teria sido observada no próprio dia 31 de
Dezembro.
302. Recorde-se, ainda, e ao invés do que ora alega o CHLC, que a situação da
utente foi qualificada como “Muito Urgente”, e merecedora de uma intervenção
rápida e imediata;
303. E de onde resulta, também e necessariamente, que o próprio médico do
Serviço de Urgência do CHLC qualificou a situação da utente como merecendo
intervenção imediata;
304. Ou, quando muito, no menor do tempo admissível para a cirurgia de
descolamento de retina;
305. E nunca no maior de tal tempo admissível.
306. Com efeito, aquando da observação no Serviço de Urgência do Hospital S.
José, e como já referido, a situação da utente foi qualificada como “Muito Urgente”,
tendo sido emitido e entregue o documento com a menção “Consulta externa –
Pedido de consulta”, com a referência de “Muito Urgente”22, tendo sido, ainda,
efectuadas neste serviço rotinas pré-operatórias, de forma a agilizar o processo23;
307. Relembrando-se, ainda, que dos depoimentos recolhidos pela ERS, em sede
dos quais os inquiridos declararam que “[…] mesmo que não fosse para operar no
próprio dia, seria normal que a doente fosse observada e ficasse encaminhada
[…]”24 e que para pedidos de consulta cirúrgica “muito urgentes” – situações
21 § 53 e 54 do projecto de deliberação notificado. 22 § 21 do projecto de deliberação notificado. 23 § 48 do projecto de deliberação notificado. 24 Cfr. declarações do Dr. D., constantes dos autos.
61
similares à da utente – “[…] a cirurgia de descolamento é urgente e deve ser
efectuada o quanto antes”25.
308. E o quanto antes não é, seguramente, submeter-se uma utente “muito urgente”
e com risco de perda de visão a uma espera de 11 (onze) dias após o início da
patologia para realização de cirurgia;
309. E a confirmar, por fim, a necessidade de intervenção urgente, recorde-se que a
situação da utente seria tal que a mesma foi intervencionada nesse mesmo dia 31
de Dezembro de 2008, ao início da tarde, tendo sido chamado, expressamente
com tal propósito, o médico responsável pela intervenção cirúrgica26;
310. O qual, como já referido, era o Dr. P., que aparentemente não viu razão para
operar a utente nesse mesmo dia umas horas antes;
311. Mas que já terá encontrado uma tal razão quando a cirurgia foi realizada no
[prestador privado].
312. E é assim que a invocação genérica e abstracta de considerações de um
estudo elaborado pela ERS27, sem estar coadjuvado por qualquer elemento
concreto atinente à efectiva observação da utente, não é suficiente de molde a
infirmar a provada e fundamentada necessidade de intervenção ”muito urgente”;
313. Nem tampouco a invocação de um parecer técnico que terá sido obtido pelo
CHLC, mas cujo teor a ERS desconhece, logra provar o ora invocado pelo CHLC;
314. Uma vez que, desde já se refira, não tendo a utente sido efectivamente
observada pelo Serviço de Oftalmologia, não terá, seguramente e por falta de
“objecto ou elementos para perícia”, um tal parecer uma qualquer aplicação
concreta ao caso da utente.
315. No que concerne, por último, à invocação de que a lesão financeira da utente
“[…] se terá devido tão só a uma opção da utente, que entendeu não querer
esperar pelo calendário indicado pelo Serviço de Oftalmologia”, sempre se diga
25 Cfr. declarações do Dr. J., constantes dos autos. 26 § 55 e 186 do projecto de deliberação notificado. 27 “Avaliação do acesso dos doentes com descolamento da retina a cirurgia correctiva nos hospitais do SNS”, estudo da ERS de Setembro de 2008, disponível no sítio electrónico desta Entidade.
62
que, não foi carreado para o processo de inquérito, pelo CHLC, qualquer facto ou
elemento donde resulte que a utente foi devidamente informada quanto à alegada
suficiência da dilação proposta para o tratamento;
316. Como nunca o poderia ter sido, pelo simples facto de a utente não ter sido
sequer observada.
317. Pelo contrário, face à rejeição a que foi sujeita, a utente terá procurado auxílio
junto de funcionária do Serviço de Oftalmologia do CHLC, a qual lhe terá dito que
“[…] atenta a época (fim-de-ano), apenas num hospital privado teria possibilidade
de ser atendida […]”.
318. Assim, o CHLC, com as considerações vertidas na sua pronúncia, não logra
infirmar os factos imputados, e que basearam a convicção de que a intervenção da
utente no [prestador privado] é consequência directa e necessária da rejeição de
que foi objecto, no Serviço de Oftalmologia do CHLC;
319. Entendendo-se assim, como anteriormente, que o CHLC deverá assumir, de
forma solidária com os HUC, as responsabilidades pela lesão financeira provocada
à utente, assumindo os custos da intervenção cirúrgica.
320. Pelo que, e em face de todo o exposto, a ERS mantém, na íntegra, o seu
entendimento constante do projecto de deliberação notificado.
V. DECISÃO
321. O Conselho Directivo da ERS delibera, assim, nos termos e para os efeitos do
preceituado nos artigos 41.º, n.º 1 e 42.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de
Maio, emitir uma instrução aos Hospitais da Universidade de Coimbra, E.P.E. e ao
Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E., nos seguintes termos:
a. Os Hospitais da Universidade de Coimbra, E.P.E. violaram, de forma
grosseira, o direito fundamental de acesso aos cuidados de saúde da
utente M. aquando do seu episódio no Serviço de Urgência ocorrido em
30 de Dezembro de 2008;
63
b. O Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. violou, de forma
grosseira, o direito fundamental de acesso aos cuidados de saúde da
utente M. aquando do seu episódio no Serviço de Oftalmologia ocorrido
em 31 de Dezembro de 2008;
c. Os Hospitais da Universidade de Coimbra, E.P.E. devem
imediatamente adoptar as medidas necessárias para evitar
ocorrência(s) similares, bem como para a permanente aplicação dos
seus procedimentos e protocolos de atendimento, intervenção e
seguimento de utentes que, apresentando-se nos Serviços de Urgência,
revelem um diagnóstico de descolamento de retina, de forma a que os
mesmos estejam, efectivamente, aptos a assegurar a garantia de um
acesso universal, geral, tendencialmente gratuito e, especialmente, em
tempo útil em função da necessidade de cuidados de saúde de tais
utentes;
d. O Centro Hospitalar de Lisboa Central, E.P.E. deve imediatamente
adoptar as medidas necessárias para evitar ocorrência(s) similares,
bem como para permanente aplicação dos procedimentos ou protocolos
de referenciação e atendimento de utentes que, apresentando-se nos
Serviços de Urgência, revelem um diagnóstico de descolamento de
retina, de forma a que os mesmos estejam, efectivamente, aptos a
assegurar a garantia de um acesso universal, geral, tendencialmente
gratuito e, especialmente, em tempo útil em função da necessidade de
cuidados de saúde de tais utentes;
e. Os Hospitais da Universidade de Coimbra, E.P.E. e o Centro Hospitalar
de Lisboa Central, E.P.E., em face dos comportamentos ilícitos
adoptados pelo Serviço de Urgência do primeiro e pelo Serviço de
Oftalmologia do Hospital de Santo António dos Capuchos, devem
solidariamente assumir as responsabilidades pela lesão financeira
provocada à utente, assumindo os custos resultantes da intervenção
cirúrgica realizada à utente, no dia 31 de Dezembro de 2008, em
estabelecimento hospitalar privado;
f. Sem prejuízo da responsabilidade solidária dos Hospitais da
Universidade de Coimbra, E.P.E. e do Centro Hospitalar de Lisboa
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Central, E.P.E., deve cada um deles proceder imediatamente ao
pagamento de metade dos referidos custos.
g. Os Hospitais da Universidade de Coimbra, E.P.E. e Centro Hospitalar
de Lisboa Central, E.P.E. devem dar cumprimento imediato à presente
instrução, bem como devem dar conhecimento à ERS, no prazo
máximo de 30 dias após a notificação da presente deliberação, dos
procedimentos adoptados para o efeito.
322. A instrução ora emitida constitui decisão da ERS, sendo que a alínea b) do n.º
1 do artigo 51.º do Decreto-Lei n.º 127/2009, de 27 de Maio, configura como
contra-ordenação punível in casu com coima de € 1000 a € 44 891,81, “[….] o
desrespeito de norma ou de decisão da ERS que, no exercício dos seus poderes,
determinem qualquer obrigação ou proibição”.
323. A versão não confidencial da presente decisão será publicitada no sítio oficial
da ERS na Internet.
O Conselho Directivo