delegacias especializadas de atendimento À mulher

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1 XXIV Simpósio Nacional de História - ANPUH 2007 Simpósio Temático "Gênero, Memória e Ditadura na América Latina" Coordenação: Cristina Scheibe Wolff, Ana Maria Colling UNISINOS, São Leopoldo, Rio Grande do Sul 15 e 20 de julho de 2007 Título: DELEGACIAS ESPECIALIZADAS DE ATENDIMENTO À MULHER: OBSTÁCULOS PARA A IMPLANTAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE GÊNERO NA ÁREA DE SEGURANÇA PÚBLICA. Autor: Lana Lage da Gama Lima LESCE/UENF/Campos dos Goytacazes/RJ/BR ISP/Rio de Janeiro/RJ/BR Resumo As delegacias especializadas no atendimento à mulher vítima de violência constituem a mais importante política pública de gênero implantada no Brasil na área da Segurança Pública. No Estado do Rio de Janeiro, sua instalação data de 18 de julho de 1986 e, mesmo após vinte e um anos de existência, ainda são muitos os problemas enfrentados para que essas unidades atendam plenamente aos objetivos com que foram criadas, como resposta a intensas campanhas promovidas pelos movimentos feministas na luta por um atendimento adequado e de qualidade à mulher vítima de violência. Para além das dificuldades de ordem material, e talvez explicando porque estas persistem, fatores de ordem cultural têm constituído obstáculos para que essa política pública consiga atingir, passados tantos anos, os resultados esperados à época de sua criação. Nessa comunicação abordaremos alguns aspectos dessa questão. Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher: Obstáculos para a implantação de uma política pública de gênero na área de segurança pública. A criação da primeira delegacia especializada no atendimento à mulher vítima de violência no Rio de Janeiro ocorreu em 1986, logo em seguida de sua implantação em São Paulo no ano anterior. Ambas resultaram de uma intensa campanha promovida pelos movimentos de mulheres brasileiros, a partir de alguns princípios nascidos na luta dos movimentos sociais abrigados sob a bandeira do feminismo, nos EUA, na Europa em outros países da América Latina. Apesar das diferenças entre algumas estratégias e idéias, decorrente dos processos históricos peculiares de cada país, e apesar das

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As delegacias especializadas no atendimento à mulher vítima de violência constituem a mais importante política pública de gênero implantada no Brasil na área da Segurança Pública

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Page 1: DELEGACIAS ESPECIALIZADAS DE ATENDIMENTO À MULHER

1XXIV Simpósio Nacional de História - ANPUH 2007 Simpósio Temático "Gênero, Memória e Ditadura na América Latina" Coordenação: Cristina Scheibe Wolff, Ana Maria Colling UNISINOS, São Leopoldo, Rio Grande do Sul 15 e 20 de julho de 2007 Título: DELEGACIAS ESPECIALIZADAS DE ATENDIMENTO À MULHER: OBSTÁCULOS PARA A IMPLANTAÇÃO DE UMA POLÍTICA PÚBLICA DE GÊNERO NA ÁREA DE SEGURANÇA PÚBLICA. Autor: Lana Lage da Gama Lima LESCE/UENF/Campos dos Goytacazes/RJ/BR ISP/Rio de Janeiro/RJ/BR Resumo As delegacias especializadas no atendimento à mulher vítima de violência constituem a

mais importante política pública de gênero implantada no Brasil na área da Segurança

Pública. No Estado do Rio de Janeiro, sua instalação data de 18 de julho de 1986 e,

mesmo após vinte e um anos de existência, ainda são muitos os problemas enfrentados

para que essas unidades atendam plenamente aos objetivos com que foram criadas,

como resposta a intensas campanhas promovidas pelos movimentos feministas na luta

por um atendimento adequado e de qualidade à mulher vítima de violência. Para além das

dificuldades de ordem material, e talvez explicando porque estas persistem, fatores de

ordem cultural têm constituído obstáculos para que essa política pública consiga atingir,

passados tantos anos, os resultados esperados à época de sua criação. Nessa

comunicação abordaremos alguns aspectos dessa questão.

Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher: Obstáculos para a implantação de uma política pública de gênero na área de segurança pública.

A criação da primeira delegacia especializada no atendimento à mulher vítima de

violência no Rio de Janeiro ocorreu em 1986, logo em seguida de sua implantação em

São Paulo no ano anterior. Ambas resultaram de uma intensa campanha promovida pelos

movimentos de mulheres brasileiros, a partir de alguns princípios nascidos na luta dos

movimentos sociais abrigados sob a bandeira do feminismo, nos EUA, na Europa em

outros países da América Latina. Apesar das diferenças entre algumas estratégias e

idéias, decorrente dos processos históricos peculiares de cada país, e apesar das

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2divergências internas verificadas em cada um dos movimentos, nascidas do confronto

entre grupos com interesse diferentes, algumas idéias comuns nortearam todas as

mulheres engajadas nesse processo.

Entre essas idéias, foi marcante, na década de 1960, a caracterização, como

fenômeno de natureza pública, de aspectos fundamentais da vida das mulheres,

considerados até então como pertencentes à esfera privada, traduzida no slogan: “o

pessoal é político”. No Brasil, a importação dessa idéia colocava em xeque a

inviolabilidade do “espaço sagrado do lar”, questionando diretamente o modelo patriarcal

de família, herança do passado colonial, num momento em que o estabelecimento da

ditadura militar reprimia todos os movimentos sociais, com acusações que transitavam

entre o político e o moral, muitas vezes confundidos.

Apesar da situação política desfavorável, foi possível realizar, em 1972, o

Congresso Nacional de Mulheres, cujos temas que refletiram a variedade de questões e

de grupos abrangidos pelo feminismo. O congresso reuniu tanto representantes tanto da

direita quanto da esquerda, abordando questões polêmicas, como o planejamento

familiar. Em sua organização foi fundamental a participação da advogada Romy Medeiros,

fundadora do Conselho Nacional de Mulheres em 1949 e cujo empenho tinha sido

decisivo para a aprovação do Estatuto da Mulher Casada em 1962. Suas boas relações

com o governo militar facilitaram a realização do evento, num momento em que a violenta

repressão dos Anos de Chumbo impedia quaisquer manifestações públicas (Pinto,

2003:46-49).

Nessa mesma época, foram criados em São Paulo e no Rio de Janeiro, grupos de

reflexão, inspirados na experiência norte-americana, reunindo, em encontros informais

realizados em residências, mulheres, geralmente de classe média, que estudavam,

debatiam textos e discutiam questões do cotidiano, como a violência doméstica, o

planejamento familiar, a sexualidade. Esses grupos, embora não tivessem caráter

mobilizador, sendo formados por um número pequeno de mulheres, permitiram

discussões que embasariam reivindicações posteriores, como relata Leila Linhares

Basterd:

Nós éramos seis e criamos esse grupo de reflexão, onde então, foi

realmente um espaço nosso, muitas de nós já faziam psicanálise, mas foi

um espaço que realmente nos levou a entrar em contato com a nossa

identidade de mulher,com o que é ser mulher. E mais ainda, as nossas

questões, que levantávamos, as nossas dificuldades individuais de

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3mulheres, a gente de repente percebia, que não eram dificuldades

individuais, mas eram dificuldades das mulheres, das mulheres no mundo

que era muito sexista 1.

Mas, apesar das discussões desses grupos privilegiarem por vezes aspectos

pessoais da vida das mulheres, isso não significa que suas integrantes estivessem

alheias ao que se passava na política do país. Outra vez Leila Linhares Basterd nos dá

um interessante depoimento:

Já atuava em movimento estudantil e depois na minha faculdade de

direito, CACO, que foi uma resistência à ditadura militar e onde rapazes

e moças atuavam em pé de igualdade na luta contra a ditadura, embora

hoje em dia, quando lembro retrospectivamente, eu diria que naquela

época nós tínhamos muito mais as lideranças dos rapazes do que a

liderança das moças, que faziam a mesma militância, corriam da

polícia, se arriscavam da mesma forma. E essa minha militância

acabou me levando, quando eu terminei a faculdade, a atuar como

advogada de presos políticos. Então, a minha entrada na vida

profissional, ao mesmo tempo em que eu trabalhava no escritório de

advocacia de família, onde a gente atendia muitas mulheres, eu

participava, atuava, também como advogada de presos políticos. Nessa

advocacia de preso político duas situações me marcaram muito,

primeiro defender uma mulher que estava, enfim, perseguida pela

polícia, não tinha sido presa, ela foi julgada a revelia, e eu fui advogada

dessa mulher em uma auditoria da aeronáutica. Então, o que

significava eu com 25 anos basicamente, menos de 25 até, eu estar

defendendo uma mulher e tendo que construir uma defesa tendo essa

nítida percepção do peso da ditadura, de um peso diferenciado da

ditadura sobre as mulheres. Naquela época a gente já tinha relatos de

presas políticas sofrendo violências sexuais. Então, isso era muito claro

para mim, essa questão. E ao mesmo tempo, foi muito interessante

porque, quando eu construí essa defesa, eu também joguei com os

valores em relação à mulher, então eu apresentava essa minha cliente

1 Leila Linhares Basterd - Entrevista em 4 de julho de 2006.

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4como uma mãe de família que estava sendo obrigada a estar afastada

dos filhos, ou seja, eu de alguma maneira utilizava alguma coisa que

poderia ser os valores daqueles juízes.

Essa fala confirma o slogan “o pessoal é político”. A ditadura tinha uma forte

conotação moralista, reforçando assim modelo de família patriarcal e o padrão de

comportamento feminino derivado desse modelo2.

Era sentimento comum na época, a necessidade de assumir esse padrão como

meio de defesa diante de um possível enfrentamento com os agentes da ditadura. No

meu próprio caso, em 1972, aluna do curso de História de uma Universidade Federal do

Rio de Janeiro já massacrada pelo regime militar, ao saber que um grande amigo havia

sido preso e me sentir ameaçada, tomei como primeira providência, junto com uma

colega, passar a ir à faculdade usando soutien, coisa que havíamos abolido. É preciso

lembrar que os soutiens foram queimados em praça pública pelas feministas como

símbolos da submissão feminina e que não usá-los representava uma postura

considerada desviante pelas forças conservadoras.

Como afirmou Ana Maria Colling:

A repressão busca a desconstrução do sujeito político feminino,

atribuindo-lhe a condição de indivíduo desviante. Caracterizando-a

como puta comunista. Ambas as categorias são desviantes dos

padrões estabelecidos pela sociedade, que enclausura as mulheres

num mundo privado e doméstico (Colling: 2001997, pp.118-119)

Por outro lado, o depoimento de Leila Linhares Basterd denuncia também o fato de

que as relações de gênero, em meio à militância estudantil de esquerda, não haviam

rompido totalmente com o padrão tradicional, pois as moças continuavam a ter papel

secundário, atuando sobretudo como “tarefeiras”, apesar de correrem os mesmos riscos

que os rapazes.3

2 “É significativo que o modelo de família patriarcal e da mulher reclusa e submissa ainda persista, ao menos no senso comum, como representação do passado colonial brasileiro, apesar de se mostrar insuficiente para dar conta da diversidade das relações familiares e de gênero daquela época. (...) Ancorado em um passado idealizado, o modelo de família patriarcal, ao incluir – como modelo de relações de poder – a submissão feminina, desempenha, ainda hoje, importante papel nas relações de gênero, legitimando pela tradição as situações de desigualdade e dominação entre homens e mulheres...” (LIMA:2006, pp.200-2001) 3 Rachel Soihet analisou as reações do jornal O Pasquim frente ao feminismo entre fins dos anos 60 e 1980, demonstrando que os intelectuais de esquerda muitas vezes eram tão machistas quanto os militares da direita (SOIHET: 2005, pp.307-332).

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5 Eram comum, à época, as discordâncias entre as organizações de esquerda e os

movimentos que agregavam determinados segmentos sociais na defesa de interesses

específicos, como os movimentos negros e os movimentos de mulheres. Ainda é Leila

Linhares Basterd quem depõe:

...era um grupo de mulheres que estavam querendo discutir a condição

da mulher em plena época da ditadura em 74, mulheres que estavam

sentindo um mal estar, não é bem um mal estar, estavam tentando ter

um protagonismo na política em um sentido mais amplo, ou seja, essa

política da ditadura nós não queremos, mas aquela outra política da

qual estávamos excluídas nós também não queremos, nós também

queremos ter, incluir na questão da política, a questão da mulher e

nesse sentido a gente tinha uma discordância com essa esquerda, da

qual quase todas éramos originárias, ou seja, aquela coisa da

contradição principal: primeiro, vamos resolver os antagonismos de

classe, para depois resolvermos as outras contradições secundárias.

Enfrentando todas essas dificuldades, os movimentos de mulheres encontravam,

no entanto, uma conjuntura internacional favorável, que acabou se refletindo no Brasil.

Em resposta às manifestações feministas em países da Europa e nos Estados Unidos, a

Organização das Nações Unidas – ONU declarou 1975 como Ano Internacional da

Mulher, iniciando a Década da Mulher. Com esse respaldo, nesse mesmo ano, no

auditório da Associação Brasileira de Imprensa - ABI, no Rio de Janeiro, era realizado o

Congresso O papel e o comportamento da mulher na realidade brasileira, com a presença

de grande número de feministas de diferentes tendências, como Maria do Espírito Santo

(Santinha), Moema Toscano, Sonia Malheiros Miguel, Diva Múcio, Maria Luiza Heilborn,

Carmen da Silva, Leila Linhares Barsted, entre outras. O evento conseguiu tamanha

repercussão que algumas narrativas o consideram como marco do ressurgimento do

feminismo no Brasil. Desse encontro nasceu o Centro da Mulher Brasileira – CMB.

O Centro da Mulher Brasileira só durou até 1979, mas teve um importante papel na

conscientização das mulheres, apesar das dificuldades em conciliar as diferentes

tendências do feminismo brasileiro, como aponta Célia Regina Jardim Pinto,

classificando-as em liberal, marxista e radical. As duas primeiras, de natureza mais

política, tendiam a ver os problemas com uma dimensão que extrapolava a luta específica

da mulher; e o terceiro grupo colocava a própria condição de mulher no centro da

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6discussão (PINTO, 2003:60). Sobre a tensão entre os grupos, Leila Linhares Barsted

comenta:

O Centro da Mulher Brasileira era um espaço amplo, muito amplo, onde

uma corrente forte de mulheres ainda estava com uma identidade

partidária muito maior que uma identidade feminista e o medo que nós

tínhamos é que isso pudesse ser um aparelhamento, ou seja, a

militância política partidária aparelhar um movimento que surgia

exatamente para se colocar a cima do partidarismo, ainda se colocando

no campo de esquerda, mas a cima dos partidarismos não apenas

porque a gente sabia que os partidos de esquerda tinham posições

bastantes sexistas, mas porque nós não queríamos colocar o nosso

novo movimento com as velhas práticas das hierarquias, “quem vai ser

presidente?”.

Em um período de dura repressão política, era compreensível que o movimento

feminista, como outros movimentos sociais, fossem “aparelhados” e mesmo que essa

influência viesse da esquerda, como se deu mais tarde pela ligação do CMB com o PCB,

a resistência de algumas feministas diante desse envolvimento político-partidário era

muito forte.

Data dessa época, fins da década de 70, um novo slogan, que levou às ruas um

grande número de mulheres: “Quem ama não mata!” Essa expressão surgiu da afirmação

de Doca Street, assassino Ângela Diniz, de que matara por amor. A absolvição do réu no

primeiro julgamento causou indignação e mobilizou as mulheres, que fizeram protestos

nas ruas, passeatas e pichações em muros, a ponto de haver um novo julgamento,

condenando o réu como culpado. A partir desse ponto, o movimento feminista iria

direcionar suas ações para a realização de políticas públicas em favor das mulheres,

entre as quais a criação de delegacias especiais para atender as vítimas de violência.

A condenação de Doca Street e a divulgação progressiva de casos semelhantes na

imprensa, num ambiente de lenta abertura política, deram fôlego ao feminismo. Nesse

período foram formadas várias Organizações Não Governamentais – ONG, constituídas

basicamente por mulheres voluntária, com o objetivo de apoiar as mulheres no

enfrentamento de todos os tipos de violência como estupros, maus tratos, incesto,

espancamentos, perseguição a prostitutas (COSTA, 2005). Essas ações abriram espaço

Page 7: DELEGACIAS ESPECIALIZADAS DE ATENDIMENTO À MULHER

7para a maior participação de outras mulheres, inclusive de outros segmentos sociais

além da classe média.

Nos anos oitenta com a gradual abertura política, os movimentos feministas foram

mudando seu veículo de ação. Se antes a ditadura e a própria resistência das mulheres

os afastou da representação político-partidária, agora, os partidos, novos ou

reconstruídos, foram criando seus próprios aparelhos de luta pelos direitos das mulheres.

Por outro lado, “a eleição de partidos políticos de oposição para alguns governos

estaduais e municipais forçou as feministas a repensarem sua posição frente ao Estado

na medida em que a possibilidade de avançar em termos de política feminista era uma

realidade” (COSTA, 2005).

As feministas realizaram atos públicos, apoiaram a candidatura de mulheres na

política, criaram conselhos como o Conselho Estadual da Condição Feminina, em 1983

em São Paulo, o CNDM – Conselho Nacional dos Direitos da Mulher - em 1985, que tinha

status de ministério, e reivindicaram a implantação da primeira delegacia de mulheres em

São Paulo, como um instrumento mais concreto para coibir a violência contra a mulher.

Diferentemente do que acontecera na década anterior, a conjuntura política permitia que a

parceria com o poder público fosse encarada como uma forma de conseguir uma resposta

efetiva às reivindicações.

A Constituinte mobilizou as mulheres e foi encaminhada à Assembléia Legislativa, a

Carta das Mulheres, promovida pelo CNDM, que continha emendas enumerando uma

série de direitos que deviam ser reconhecidos e garantidos para a mulher . O documento

consistiu num dos mais abrangentes e importantes elaborados pelo feminismo brasileiro

contemporâneo (PINTO, 2003:75). Em meio a outras propostas, constava a criação de

uma delegacia especializada no atendimento à mulher, que devia ser complementada por

uma série de outros serviços de apoio às mulheres vítimas de violência. A idéia defendida

era que esses serviços fossem criados em todos os estados da federação.

A campanha junto aos parlamentares pela aprovação de suas demandas, chamada

na imprensa de lobby do batom, teve pleno sucesso: as feministas conseguiram “aprovar

em torno de 80% de suas demandas, se constituindo no setor organizado da sociedade

civil que mais vitórias conquistou” (COSTA, 2005).

Assim, em 1986, Franco Montoro cria em São Paulo a primeira delegacia de

mulheres do país. No ano seguinte uma unidade era implantada no Rio de Janeiro,

durante o primeiro período de governo de Leonel Brizola.

Com a abertura política verificou-se o retorno de importantes lideranças da vida

política brasileira, entre os quais Leonel Brizola, tido como um dos principais inimigos do

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8regime militar, que figuraria em uma lista, divulgada pelo governo, com oito nomes

proibidos de voltar ao Brasil (SENTO-SÉ, 1999:53). No mesmo ano da Lei da Anistia,

1979, o líder trabalhista chegaria ao Rio de Janeiro disposto a reorganizar o antigo Partido

Trabalhista Brasileiro - PTB, que após disputas acabou ficando sob o controle de Ivete

Vargas. Brizola, então, criaria o Partido Democrático Brasileiro – PDT, sob cuja legenda

disputaria e ganharia as eleições para governador, tomando posse em março de 1983.

A valorização da educação escolar é tomada como questão prioritária na plataforma

política do PDT e mesmo que se apresentasse, inicialmente, como “peça de campanha”

indiscutivelmente tornar-se-ia um projeto educacional transformador das estruturas sociais

marcadas pela exclusão e segregação dos segmentos mais carentes à base da pirâmide

social fluminense. Em um período de retomada das disputas político-partidárias o PDT era

notadamente marcado pela adoção de personalidades representativas dos movimentos

de defesa dos negros, das mulheres e dos indígenas, e outras figuras com forte apego

popular, no seu quadro partidário; a proposta de trazer o povo ao cerne da atividade

política se constituiria como uma tentativa de reverter a ordem estabelecida caracterizada

pela grande exclusão social (SENTO-SÉ, 1999:167).

Ao lado do projeto educacional, marcado pelo Programa Especial de Educação,

idealizado por Darcy Ribeiro, então vice-governador, cuja face mais visível eram os

Centros Integrados de Educação Popular – CIEP, destacava-se a política de segurança

pública, que enfatizava o papel das políticas sociais no enfrentamento da criminalidade e

adotava o discurso do respeito aos direitos humanos, com vistas à modificação das

práticas policiais, tarefa colocada sob a responsabilidade do Coronel Nazareth Cerqueira.

Em abril de 1983, logo após sua posse, Brizola criaria o Conselho de Justiça,

Segurança Pública e Direitos Humanos, como instrumento de democratização dos

aparelhos de intervenção do Estado na área de Segurança Pública, objetivando a

eliminação das práticas de práticas abusivas e discriminatórias das classes

desfavorecidas (HOLLANDA, 2005:92). O Conselho que era presidido pelo próprio governador Leonel Brizola e, na sua

ausência por Vivaldo Barbosa, secretário de Justiça e tinha amplas atribuições, tratando,

mediante a criação de comissões especiais, de temas díspares como jogo do bicho, a

atuação das polícias civil e militar e a situação dos menores infratores. Em 1985 foram

criadas duas importantes comissões, a Comissão Especial para o Grupo Tortura Nunca

Mais e a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, presidida pela advogada Diva

Múrcio, com participação de mulheres parlamentares, como a deputada Rosalda Paim e a

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9vereadora Dilza Terra, ambas do PDT, e a deputada Lucia Arruda e a vereadora

Benedita, do PT, junto com representantes de mais de vinte grupos feministas.

E é Diva Múrcio quem afirma:

Nós criamos esse conselho visando a criação da delegacia da mulher...

A proposta foi levada primeiro a Vivaldo Barbosa que o encaminhou ao

governador e ao Secretário de Polícia Civil que na época era Arnaldo Campana. A partir

daí, as mulheres empreenderam uma árdua campanha em prol da delegacia, que incluiu

a ocupação da Secretaria de Justiça, no segundo andar do anexo do Palácio da

Guanabara, com a criação de um Plantão de Assistência Jurídica para mulheres em

casos de violência ou questões da família. Como participavam do conselho,

representantes da Polícia Militar, do Ministério Público, da Defensoria Pública, havia

como prestar apoio às mulheres enquanto a delegacia não fosse implantada, o que

custou várias negociações 4.

Ainda em 1985, seria implantado, no âmbito da polícia civil, pelo então secretário

Arnaldo Campana, o Centro Policial de Atendimento à Mulher – CEPAM, cuja criação se

configuraria como um avanço na luta do movimento de mulheres apesar de não ter se

constituído como uma delegacia especializada já que apenas encaminhava os registros

ali realizados para as delegacias distritais conforme aponta a Delegada Martha Rocha:

...ele era um setor dentro do gabinete da Polícia Civil, da chefia, ficava

no térreo do prédio – fazia o registro, mas a investigação era procedida

pela delegacia da área; naquele momento o CEPAM trabalhava,

inclusive, em horário de expediente e se você buscar na legislação das

resoluções da Polícia Civil a instituição do CEPAM é posteriormente à

instituição da Delegacia 5.

Paralelamente à proposta que havia sido encaminhada pela Comissão Especial de

Defesa dos Direitos da Mulher, o deputado Eurico Neves, do PTB/RJ enviaria, no mesmo

ano de 1985, um projeto de lei para a criação de uma delegacia especializada no

atendimento à mulher, dizendo-se inspirado pelo modelo da Delegacia de Defesa da

4 Diva Múrcio Teixeira - Entrevista em 26 de junho de 2006

5 Martha Rocha - Entrevista em 23 de maio de 2006.

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10Mulher de São Paulo. Em depoimento ao jornal Tribuna do Advogado/OAB-RJ, na página

8 da edição de setembro de 1985, ele expunha os motivos que o moveram:

“A mulher carioca, com a instalação dessa delegacia

especializada, poderá denunciar todo tipo de violência de que vier a ser

vítima. E isto ocorrerá dentro de condições que respeitem a sua

dignidade humana e os seus direitos como mulher. Atualmente, sempre

que alguma mulher é violentada ou espancada, ao se dirigir à polícia

ainda se vê diante de um constrangimento adicional: o medo de ser

ridicularizada. Nessa Delegacia, elas serão atendidas por policiais

femininas que terão uma visão mais humanitária do drama da mulher

que é vítima de uma violência”.

A referência ao modelo paulista é inevitável pois a criação dessa delegacia foi uma

idéia totalmente original, sem nenhuma referência a outro órgão semelhante em todo o

mundo6. Assim, tanto a Delegacia de Defesa da Mulher de São Paulo, quanto suas

congêneres de Belo Horizonte e do Rio de Janeiro, resultaram da idealização do

movimento feminista brasileiro. E o CEPAM, embora prestasse um primeiro atendimento

diferenciado às mulheres, não contemplava totalmente suas reivindicações.

Em 1986, as críticas promovidas pelas classes médias e alguns segmentos da

imprensa carioca à política de segurança de Brizola, calcada na garantia dos direitos

humanos, e a grande divulgação de problemas na polícia, devidos à insubordinação de

alguns dos seus quadros, fez com que o sentimento de insegurança crescesse no Rio de

Janeiro. A abordagem sensacionalista e a repercussão dada aos crimes contra a mulher

da imprensa constituíram então uma forma de pressão para uma mudança na linha de

condução da política de segurança pública (HOLLANDA, 2005, p.36).

Visando conter os efeitos da pressão promovida pela opinião pública, o governador

nomeou para o cargo de Secretário de Polícia Civil o presidente da Ordem dos

Advogados do Brasil – OAB/RJ, Nilo Batista, conhecido por sua articulação com os

movimentos sociais e pela sua atuação na defesa dos direitos humanos. Sobre a sua

nomeação Nilo Batista afirma:

6 Encontro Nacional de Delegadas/os. Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres – PR; Secretaria Nacional de Segurança Pública – MJ. Belo Horizonte, 2006.

Page 11: DELEGACIAS ESPECIALIZADAS DE ATENDIMENTO À MULHER

11Naquela crise na qual o governo federal ... pretendia fazer uma

intervenção no Rio ... o Governador Brizola me convidou e eu me

esquivei duas vezes, cometi o ‘erro’ de conversar com ele e ele me

convenceu que era meu dever cívico largar tudo e ir ajudá-lo a

contornar aquele problema e eu que, digamos, nunca tive vocação para

a linha de frente... 7

A nomeação de Nilo Batista contribuiria decisivamente para a reforçar a atuação do

movimento feminista para a implantação da delegacia, como afirma Diva Múrcio:

Foi mais fácil o diálogo com o Nilo Batista, nós já o conhecíamos há

muito tempo, todas nós já éramos praticamente amigas dele, mas a

pressão foi muito forte...

Assim, finalmente, no dia 18 de Julho de 1986, oito dias após a posse do novo

Secretário de Polícia Civil a primeira Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher do

Estado do Rio de Janeiro seria instalada na Rua da Relação nº 42, em substituição ao

CEPAM. Nilo Batista confere ao movimento de mulheres toda a responsabilidade por essa

criação:

...como você sabe, o movimento é completamente rachado e havia uma

unanimidade nele, que a DEAM era uma coisa importante. Eu, no

tempo que passou, só, digamos, solidificou essa minha convicção: eu

não tomaria por mim a iniciativa, eu acho que a violência doméstica

está claramente associada, aqui, ao nosso percurso específico, nós

fundamos a pena pública em uma conjuntura de poder punitivo

doméstico senhorial.

Na ocasião, o Delegado Ivan Vasquez, então assessor especial de Nilo Batista,

defendeu na imprensa a criação da DEAM “para acabar com o crime invisível da violência

doméstica até bem pouco tempo omitido por todos”8. Vasquez chamava também a

atenção para a importância da delegacia ser chefiada por uma mulher, já que isso

facilitaria o depoimento das vítimas, mas, na época da inauguração da DEAM, só existia

7 Nilo Batista - Entrevista em 23 de maio de 2006. 8 Jornal do Brasil. 1º caderno, p. 15. Domingo, 13 de julho de 1986.

Page 12: DELEGACIAS ESPECIALIZADAS DE ATENDIMENTO À MULHER

12uma delegada, no estado do Rio de Janeiro. Esse fato, como explica Diva Múrcio,

representava mais uma dificuldade:

...nós tivemos dificuldade porque, nas nossas próprias reivindicações ...

tinha que ter uma delegada mulher e só havia uma delegada mulher no

Rio de Janeiro, que era a Marly Preston. Ela estava amamentando

inclusive, nós conseguimos que ela viesse da casa dela em um gesto

de muita solidariedade e assumiu a DEAM.

A proposta original da Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Mulher era a

criação de três delegacias de forma imediata, afirma Diva Múrcio:

Pois é, quer dizer, nós queríamos logo porque iria fazer uma na zona

sul, uma na zona norte e uma no centro para não privilegiar. Nós não

conseguimos na zona sul, mas foi melhor, porque Niterói se antepôs;

nossa demanda era sempre com a reivindicação local.

Entre as dificuldades enfrentadas na época da criação da DEAM, estavam a

necessidade de convencer os quadros da policia de que violência doméstica era uma

questão pública e de legitimar as mulheres no exercício de uma profissão tida como

masculina, como explica a Delegada Martha Rocha:

... na época de Marly, quando davam saída no rádio, entrava alguém e

falava uma piada do tipo ‘é melhor você dirigir um tanque’.

Outra ex-delegada da DEAM Centro, Inamara Costa, hoje Coordenadora

das Delegacias Especializadas de Atendimento á Mulher, cargo instituído

formalmente em 2006, complementa esse depoimento sobre a tensão entre

policiais homens e mulheres, flagrante ainda nos anos 90:

Olha, quando a gente - eu me recordo bem - , quando a gente dava

saída na viatura, no rádio da viatura, a gente comunicava que a gente

tava em diligência ...com certeza não tinha um dia que nós

entrássemos em contato com o rádio que não diziam ‘vai pra casa lavar

roupa, fazer comida, não sei o que’. Mas eu penso sempre assim, o

Page 13: DELEGACIAS ESPECIALIZADAS DE ATENDIMENTO À MULHER

13bom humor é a melhor arma que você tem, então, a gente continuava o

trabalho e muitas vezes a gente falava assim: “bom dia pra você,

amigo, que não gosta da gente, mas a gente está aqui trabalhando e te

ajudando” 9.

Catarina Elizabeth Noble, também ex –delegada da DEAM Centro, reproduz a fala

de um dos policiais sobre a chefia das mulheres na polícia:

Ah rapaz eu acho que vou aposentar, não agüento mais isso! Eu

saio daqui vou para casa, tem uma mulher, aí eu saio de casa, venho

para o trabalho, tem uma mulher aqui para me mandar. Aí eu não

agüento mais isso!

Essas dificuldades são confirmadas pela Delegada Maricyr Praça, que também

chefiou a primeira DEAM:

O pior de tudo era o preconceito do policial contra aquele outro que

trabalha na DEAM porque a DEAM era encarada como delegacia de

brinquedo porque a DEAM não matava, a DEAM não atirava, então era

delegacia de brinquedo e delegacia de brinquedo não precisava de

nada. Os próprios policiais que trabalhavam nas outras delegacias

tinham preconceito com aqueles que trabalhavam nas DEAM.

Essa atitude se refletia, como também aponta a delegada Maricyr Praça, na

dificuldade em conseguir recursos humanos e materiais para o funcionamento das

DEAM, pois mesmo as policiais femininas partilhavam dos preconceitos em relação ao

trabalho nas DEAM:

É a própria discriminação, não é só do homem policial mas da mulher

policial também tanto que sempre foi muito difícil conseguir funcionários

para as DEAM. Na época, eu pedi ao Drº Rafik Louzada [Chefe de

Polícia], um grande colaborador das DEAM, dentro do que era possível,

que nos desse funcionários e ninguém queria trabalhar na DEAM e nós

chegamos ao ponto de publicar uma chamada no Boletim Interno da

9 Inamara Costa – Entrevista em 25 de maio de 2006.

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14Polícia Civil para aqueles policiais que tivessem interesse em trabalhar

na DEAM e nós não tínhamos quadro. A DEAM-Centro abrangia uma

área muito vasta, porque não tinha a DEAM-Jacarepaguá, tinham

pouquíssimas DEAM nesse período, eu pegava quase o Rio inteiro e

eu não tinha policiais, tanto que em um plantão noturno eu fechei a

Delegacia porque eu não tinha quem datilografasse os RO [registros de

ocorrência]. A que ponto naquela época nós chegamos, eu não tinha

quem... datilografasse o registro de ocorrência 10.

Esse depoimento é complementado por Martha Rocha:

No início eu acho que isso até aconteceu mais ou menos como se

fosse uma sub-delegacia. É bom lembrar que o policial não é um ser

extraterrestre, não veio de Marte e nem de Vênus, o planeta do amor,

tem muito esse conceito de que crime é seqüestro, roubo e tráfico de

entorpecentes.

A visão da DEAM como um trabalho policial diferenciado é por Teresa Maria

Pezza, outra ex-delegada da DEAM Centro, que foi também estagiária do Plantão de

Assistência Jurídica, vinculado à Comissão Especial de Defesa dos Direitos da Mulher:

...nós reclamávamos, ‘puxa aqui a gente não prende as pessoas’, mas

como a gente fazia as pessoas se sentirem bem, as pessoas voltavam

lá na delegacia para agradece>, Era uma coisa assim bastante

gratificante, esse trabalho de DEAM. É uma coisa assim, é um trabalho

– digamos – mais assistencialista do que policial, mas vale muito a

pena 11.

A concepção da DEAM como um serviço prestado à população,

construído em parceria com esta, é apontada por Martha Rocha:

10 Maricyr Praça – Entrevista em 31 de maio de 2006. 11 Teresa Maria Pezza – Entrevista em 19 de maio de 2006.

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15Um outro dado que é mais interessante nessa construção das DEAM,

do projeto DEA, é a interlocução com a comunidade, talvez porque a

DEAM tenha surgido com esse estreito relacionamento com o

movimento de mulheres. Isso que hoje é tão discutido, que é a

necessidade de interlocução com a comunidade, ela sempre foi feita, lá

atrás, desde 86, ela foi feita, porque havia representação da

comunidade através do movimento de mulheres.

A delegada aponta o projeto da DEAM como precursor da concepção do

Programa Delegacia Legal, implantado a partir de 1999, no governo Garotinho:

Como eu gosto de dizer, a DEAM é a prima mais velha da Delegacia

Legal porque a DEAM na sua concepção, ela inicialmente tinha um

serviço de assistente social para o primeiro atendimento, mostrando

que a DEAM é uma casa que não tem portas, que a qualquer hora do

dia vai ter alguém para te atender como toda delegacia de polícia, e

que não necessariamente o que você vai buscar na delegacia é uma

solução de um problema de ordem policial e o melhor cartão de visitas

de uma DEAM é uma mulher bem atendida... Então, a DEAM teve essa

concepção de perceber que a Delegacia é uma porta de entrada de

problemas não necessariamente policiais.

A ausência de carceragem nas DEAM também é uma dado que remete ao

Programa Delegacia Legal. Os acusados da DEAM Centro ficavam custodiados na

POLINTER.

Conclusão

Hoje, passados vinte e um anos após a criação da primeira DEAM, denominada

atualmente DEAM Centro, somente mais outras oito foram implantadas no estado do Rio

de Janeiro: as unidades de Niterói (1986); Duque de Caxias (1987); Nova Iguaçu (1990);

Campo Grande (1991); São Gonçalo (1997); Jacarepaguá (2001); Belford Roxo (2001) e

Volta Redonda (2002). Esse dado demonstra que as dificuldades enfrentadas pelas

pioneiras na luta pela implantação dessa política de atendimento especializado à mulher

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16vítima de violência permanecem, apesar dos inegáveis avanços que as políticas públicas

de gênero vêm obtendo e apesar dos princípios que regeram sua implantação

convergirem para práticas posteriormente valorizadas com a implantação do Programa

Delegacia Legal, que vem proporcionando, apesar de resistências à sua efetivação, uma

profunda reforma nas práticas policiais no Estado (PAES: 2004). As queixa relativas à falta de infra-estrutura hoje não são muito diferentes daquelas

apresentadas anteriormente pelas delegadas que passaram pela chefia da DEAM Centro.

Na verdade, elas refletem as dificuldades da aceitação, por parte da polícia e, mesmo, da

população, da idéia defendida pelas feministas, desde a década de 60, de que a violência

doméstica é crime e constitui um problema público. A aceitação plena desse princípio

exige uma verdadeira quebra de paradigmas em uma cultura que tem o patriarcalismo

como modelo de família (LIMA:2006). Os preconceitos, ainda hoje existentes com relação

à mulher, afetam as relações e representações de gênero perpetuando, apesar das

inegáveis mudanças, traços de uma cultura construída dentro de parâmetros morais

judaico-cristãos, que continua, muitas vezes, responsabilizando a mulher pela violência

de que é vítima (LIMA:2004).

BIBLIOGRAFIA BANDEIRA, Lourdes e Suárez, Mireya (orgs.). Violência, Gênero e Crime no Distrito Federal. Brasília, Editora UNB, 1999. BLAY, Eva Alterman. Violência contra a mulher e políticas públicas. Estudos Avançados. Vol.17 nº 49. São Paulo: Sept./Dec. 2003. BRANDÃO, Elaine Reis. Violência conjugal e o recurso feminino à polícia, in: BRUSCHINI, Cristina e HOLLANDA, Heloísa Buarque de. (orgs.). Horizontes Plurais – novos estudos de gênero no Brasil. São Paulo: FCC/Ed.34, 1998. CERQUEIRA, Carlos Magno Nazaret, BARBOSA, Sérgio Antunes e ÂNGELO, Ubiratan de Oliveira - Polícia e Gênero e distúrbios civis: controle e uso da força polícia. Coleção Polícia Amanhã; Textos Fundamentais de polícia 4. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2001. COOLING, Ana Maria – A Resistência da Mulher à Ditadura Militar no Brasil. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997. COSTA, Ana Alice Alcantara. O Movimento Feminista no Brasil: Dinâmicas de uma Intervenção Política, in:Labrys, estudos feministas. Janeiro/julho/2005 (on line). www.unb.br/ih/his/gefem/labrys7/liberdade/anaalice.htm. Arquivo capturado em junho de 2006. HOLLANDA, Cristina Buarque. Polícia e Direitos Humanos: política de segurança pública no

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17 ______________________– Penitentes e solicitantes: gênero, etnia e poder no Brasil Colonial ,in: Nader, M.Beatriz; Silva, Gilvan V. da; Franco, Sebastião P. – História, Mulher e Poder. Vitória, ES: EDUFES, 2006. PAES, Vívian Ferreira. Os desafios da Reforma: uma análise de novas e velhas práticas da

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PINTO, Célia Regina Jardim. Uma História do Feminismo no Brasil. Coleção do povo Brasileiro. São Paulo. Editora Fundação Perseu Abramo, 2003. SENTO-SÉ, Trajano. Brizolismo: estetização da política e carisma. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999. SOIHET, Rachel – Feminismo x Antifeminismo de Libertários: a luta das mulheres pela cidadania durante o regime autoritário, in: Soihet, R.; Bicalho, M. Fernanda B; Gouvêa, M. de Fátima S. – Culturas Políticas. Ensaios de história cultural, história política e ensino da história. Rio de Janeiro: Mauad, 2005. VIEIRA, Renato Soares. As singularidades da violência de gênero e o papel das delegacias especializadas de atendimento à mulher – mitos e realidades. Monografia apresentada à UFF. Niterói, 2005. ENTREVISTAS Nilo Batista: 03 de maio de 2006

Teresa Pezza: 19 de maio de 2006

Martha Rocha: 23 de maio de 2006

Catarina Noble: 24 de maio de 2006

Inamara Pereira da Costa: 25 de maio de 2006

Maricyr Praça: 31 de maio de 2006

Diva MúcioTeixeira: 26 de junho de 2006

Leila Linhares Basterd: 04 de julho de 2006