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    Contra capa:Escrito por um dos Eclogos Comportamentais de maior destaque

    atualmente no Brasil, atravs de uma linguagem clara e direta, este livro agecomo um guia para pessoas interessadas no estudo do ComportamentoAnimal e em especial da Ecologia Comportamental.

    Como encontrar um bom objeto de estudo? Como elaborar hipteses e test-las? Lidar com manipulao experimental no campo e em laboratrio,

    so objetos deste livro que ainda discute metodologia, levantamentobibliogrfico e descrio de comportamento.

    Bem ilustrado, incluindo pranchas coloridas, literatura comentada e umglossrio portugus-ingls, trata-se de uma orientao distncia.

    distncia da palma de sua mo, aproveite!

    Orelhas:Bilogo, doutor em ecologia (Unicamp) e atual coordenador do programa de ps-graduao em Ecologia e conservao dos recursos naturais da universidade federalde Uberlndia (UFU) onde leciona desde 1992. Pesquisador do CNPQ desde 1996,coordena o Grupo de Pesquisas em ecologia Comportamental e Interaes (UFU).Foi presidente da Sociedade Brasileira de Etologia (1998-2000). Um apaixonadopelas cincias Naturais.

    Foto da capa: Jos Sabino

    Outras obras do autor:Uma orientao ao estudo do Comportamento AnimalDel-Claro, K. 2002As distintas faces do Comportamento Animal Del-Claro, K. & Prezoto, F.2003

    Consulte:[email protected]

    Grfica ComposerTel. (34) 3236-8611 [email protected]. Segismundo Pereira, 145Bairro Santa Mnica 38408-170 - Uberlndia - MG

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    Foto Jos Sabino

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    Sumrio

    Prefcio - Para ser lido ................................................................7

    Captulo 1 - O que Comportamento Animal? ...................111.1 Introduo ........................................................................111.2- Definindo Comportamento ................................................14

    Captulo 2 - As Questes em Comportamento Animal .......162.1- Aprendendo a perguntar ...................................................162.2- As questes em Etologia ...................................................212.2.1 - Os "porqus" de um comportamento .............................23

    2.3- Hipteses e previses ........................................................242.4- Escolhendo uma questo ...................................................33

    Captulo 3 - Prepare o terreno: Observaes preliminares eorientao ................................................................................383.1- Dicas para um levantamento bibliogrfico .......................433.2- Dicas para obter a bibliografia ..........................................443.3- Tenho que ler todo o artigo? .............................................463.4- Como ler? ..........................................................................473.5- A orientao ......................................................................47Captulo 4 - A Confiabilidade das Observaes ...................494.1- A confiana em si mesmo .................................................504.2- A confiabilidade inter-observadores .................................54Captulo 5 - Definindo a metodologia ...................................565.1 - Mtodos de observao e registro ....................................59

    5.1.1 - Registro simples, em papel ..................................615.1.2- Anotaes em ambiente mido ............................635.1.3- Registros em gravador porttil .............................645.1.4- Registros atravs de imagens-foto e filmagem ....65

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    5.1.5 - Registros de sons ..................................................685.1.6- Outros equipamentos teis ....................................69

    5.2 - Como marcar um objeto de estudo? .................................705.2.2 Peixes ...................................................................725.2.3 Anfbios ...............................................................745.2.4 Rpteis .................................................................755.2.5 Aves .....................................................................765.2.6 Mamferos ............................................................77

    5.3 - A habituao do objeto de estudo a sua presena .............785.4- Tcnicas de Amostragem e observao animal .................795.4.1 - Amostragem de todas as ocorrncias ............................795.4.2- Amostragem de seqncias ............................................805.4.3- Amostragem instantnea ................................................815.4.4- Amostragem do animal focal .........................................825.5 - Definindo o tempo em uma sesso de observao ...........84

    Captulo 6 - Cuidados que todo Eclogo Comportamentaldeve (ou deveria!) ter ..............................................................87

    Captulo 7 - Modos de descrever comportamento ...............91

    Captulo 8 - Os Repertrios ComportamentaisEtogramas ................................................................................968.1 - Etapas para um bom etograma .......................................100

    Captulo 9 - Manipulao Experimental ............................105

    Captulo 10 - Consideraes Gerais ....................................110

    Captulo 11 - Literatura Recomendada ..............................115

    Captulo 12 - Pequeno Dicionrio para o iniciante emComportamento Animal .......................................................120

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    PREFACIOpara ser lido

    Desde minha infncia me interesso pelo estudo do comportamentoanimal e pela histria natural de animais e plantas. Esse assunto sempre mefascinou, assim como a muitos e muitos outros humanos que conheo.Comportamento, ecologia e histria natural aguam nossa curiosidade. Nosinstigam, mexem com nossos instintos. s vezes eu me pergunto como esseinteresse comeou?

    Filmes como os da srie "O mundo submarino de Jacques Cousteau"encantaram toda uma gerao de pessoas, hoje na faixa dos 40-50 anos,

    eram coisas incrveis 30 anos atrs. Hoje aquela srie parece simples pertodo que vemos num canal de TV a cabo, ou mesmo nas TVs educativas.Documentrios da BBC de Londres como "A vida sexual das plantas" medeixavam louco. Livros como "A vida na Terra" e "A Luta pela Vida"editados em portugus na dcada de 70 foram fundamentais em minhaformao. Mesmo famlias de baixa renda como a minha, podiam compraros fascculos semanalmente no jornaleiro. D uma olhadinha em casa, huma grande chance de voc, ou seus pais, os terem na prateleira, ouguardados num armrio.

    Nunca fui bom de futebol de rua, isso somado as coisas que eu via elia me levavam ao poro da casa onde morvamos, onde criava aranhas.Mais tarde, morando em Campinas, descobri a aquariofilia e com a ajuda deminha av Ana comprei minha primeira caixa d'gua que transformei emaqurio e passei a criar lebistes, no mesmo quartinho onde meu tio Neco,criava um monte de canrios. Intuitivamente fui aprendendo a primeira lioimportante para quem iria, no futuro, trabalhar com ecologiacomportamental: ter pacincia.

    Observar detalhadamente os peixes e canrios, era fundamental paraescolher bem os parceiros e conseguir uma prole maior, ou indivduos maisbonitos, mais sadios, que podiam render o dinheiro do lanche ou cinema,por meses. Minha histria talvez seja semelhante a sua e por isso voc

    esteja lendo esse livro. Mas talvez, seu interesse tenha se originado de outromodo, um simples anseio por conhecer o desconhecido. Talvez... Podeser!... Afinal de

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    8contas penso que estudamos o comportamento dos outros animais tentando

    conhecer melhor a ns mesmos.Em 2002, quando lancei o livro "Uma orientao ao estudo docomportamento Animal", algumas pessoas me elogiaram pela iniciativa, masconsideraram o livro muito simples, muito modesto. Entretanto, para minhaalegria, um nmero muito maior de estudantes e colegas, viram no livro, ummanual que faltava. Um guia para os primeiros passos na ecologia e nocomportamento animal. As cartas, e-mails e telefones que tenho recebido noltimo ano me motivaram a me aventurar novamente.

    Nem aquele primeiro livro, nem este, que na verdade umaexpanso, corrigindo alguns enganos, ampliando onde pensei que devesse,nenhum dos dois livros tem a inteno de ser uma obra completa, definitiva

    sobre o comportamento animal. Este livro tem a inteno de ser apenas umaobra bsica, introdutria, de um colega um pouco mais velho e experiente,para aqueles colegas mais novos, ainda em formao.

    Este um livro que pretende ajudar jovens pesquisadores aentenderem melhor o processo cientfico, em especial aquele relacionado aocomportamento animal. Por isso, muito importante que voc no queimeetapas ao ler esse livro, no pule pginas ou captulos, pois ele foi feito emuma seqncia, como se eu o estivesse orientando diretamente. Passo apasso. Trata-se, portanto, de uma orientao distncia. Distncia da palmada mo. Voc aprender com este livro que nosso maior orientador, sempreestar a esta distncia e, sempre se chamar, literatura.

    Seja ento, bem vindo! Bem vindo ao que pode ser o incio de umagrande aventura no mundo animal, basta voc querer. L fora, do outro ladoda janela, h milhares de espcies esperando por voc. A natureza, querendose revelar, como um grande amor. Isto a histria natural docomportamento animal: Um novo amor. Venha descobri-lo!

    Seja bem-vindo a esta orientao,Kleber Del Claro

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    minha famlia, em especial minha esposa emeus filhos,

    por pacientemente me dividirem com meusalunos e com a cincia.

    Aos meus estudantes, incluindo voc,pelas importantes lies de vida que me do acada dia.

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    Captulo 1

    O que comportamento animal?1.1 Introduo

    Uma cincia pode ser definida de diversas maneiras. Como umsaber, conhecimento que se adquire atravs da transmisso cultural,instruo, leitura e mesmo pela meditao. Como uma reunio de idiasrelacionadas a um determinado tipo de objeto ou assunto, dados essesobtidos por experimentao, observao ou conhecimento de fatos. Emgeral, o assunto ou objeto investigado por qualquer que seja a cincia emquesto, atende a algum dos interesses bsicos humanos: alimentao,defesa, desenvolvimento, curiosidade. Com o comportamento animal issono ocorre de modo diferente. J os homens pr-histricos estudavam ocomportamento dos animais sua volta (Fig. 1.1), seja para se alimentar ouse defender deles, seja para domestic-los ou apenas para conhec-los.

    Figura 1.1- Pinturas rupestres, estilizando lagartos, peixes e aves, em cavernas(Serranpolis - GO - Brasil). Idade estimada 10.000 anos. (foto: K. Del-Claro)

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    12Ao longo de centenas de milhares de anos da histria humana, os

    homens tambm buscaram na natureza, respostas para seus prprios atos,individuais ou coletivos. Nesse sentido, a cincia do ComportamentoAnimal pode muito bem ser definida como "um exerccio da curiosidadehumana na tentativa de compreenso da sua prpria natureza animal."

    E que exerccio mais agradvel! Na verdade, o estudo docomportamento animal pode ser muito divertido. Ir ao campo, visitarlugares paradisacos, observar beija-flores, macacos, peixes, insetos, baleiasem seu ambiente natural. Tanto para bilogos, quanto para veterinrios,mdicos, psiclogos e antroplogos, talvez no haja disciplina nessasdistintas reas do conhecimento mais acessvel do que o estudo docomportamento animal, ou etologia. Enquanto, um bioqumico ou

    geneticista precisa de laboratrios muito bem equipados, de tcnicos muitobem treinados no uso de equipamentos complexos e muito caros, umbilogo comportamental pode com apenas papel, prancheta, lpis, borracha,alguns pedaos de linha, alguns potes plsticos, pinas, alfinetes,desenvolver uma tese de doutorado, sobre algo novo, nunca antes descritoou estudado. Essa realidade especialmente verdadeira nos pases tropicais.

    No Brasil, por exemplo, onde se encontra a maior biodiversidade doplaneta, a maior parte da fauna de invertebrados ainda totalmentedesconhecida da cincia, seja do ponto de vista da sistemtica, da zoologia,da gentica ou do comportamento. Vamos tomar as formigas comoexemplo, insetos pertencentes a uma nica famlia de himenpteros,

    Formicidae. Estudos recentes indicam que so conhecidasaproximadamente 8.400 espcies de formigas, mas que este nmero podechegar a 20.000, sendo a maior parte composta por formigas tropicais.

    Bem, insetos so animais pequenos, relativamente pouco

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    13(estudados do ponto de vista taxonmico. Pense ento em macacos, um

    grupo j muito explorado. Recentemente trs espcies novas foram descritasna Amaznia e acredita-se que devam existir outras. Dessa forma fcilperceber que a etologia umas das frentes cientficas nas quais ospesquisadores de pases tropicais podem se colocar na liderana mundial.

    Entretanto, no fcil. Esta histria de que estudar comportamentoanimal uma coisa que qualquer um faz, no bem assim. Qualquerpessoa, leiga ou instruda no assunto pode observar o comportamento de umanimal, levantar questes interessantes. Na verdade, grupos amadores deobservadores de aves, borboletas e outros animais tm dado contribuiesinestimveis cincia. Mas, atualmente, o estudo do comportamento animaltem desenvolvido tantas reas distintas, uma variao to grande em

    terminologias especficas que, muitas vezes, apenas quem est bempreparado, capaz de compreender um determinado texto ou participar deuma discusso.

    Cada vez mais o comportamento tem se tornado uma cinciamultidisciplinar, envolvendo tcnicas de outras sub-disciplinas da biologiacomo a bioqumica, gentica, botnica, ecologia, alm de manipulaesexperimentais. Tambm a matemtica, a estatstica e ferramentascomputacionais e de engenharia tm sido fundamentais em muitos estudos.Isso tudo sem falar do ingls, a lngua atual da cincia mundial.

    Voc ainda pode utilizar apenas papel e lpis, isso pode realmenteser o suficiente, no duvide. Entretanto, bom saber que j existe, mesmo

    no Brasil, pesquisadores que alugam espao em satlites da NASA, aagncia espacial Norte-Americana, para seguir seus animais de estudo emambiente natural. Incrvel isso, no? To longe e to perto ao mesmotempo...

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    1.2 Definindo ComportamentoO que Comportamento Animal?Tudo que um animal faz pode ser caracterizado como a parte ou

    totalidade de um comportamento? Por exemplo, quando um animal sealimenta, isso comportamento (Fig. 1.2)? Um animal caando, outrofugindo, um voando, outro pairando, um cortejando, outro se esquivando.Tudo isso comportamento?

    Figura 1.2 - SerpenteLeptodeira sp engolindo um sapinho.

    A resposta , sim.

    Comportamento pode ser entendido como tudo aquilo que umanimal capaz de fazer. Mas para que essa definio fique ainda maiscompleta, temos que lembrar que os animais podem exibir comportamentosnos quais deixam de realizar atividades que envolvem movimentaes oudeslocamentos. Ao nosso olhar, parece que no esto fazendo nada. Porexemplo, dormir, hibernar, congelar-se, fingir-se de morto, o quedenominamos tanatose (Fig.1.3). Mesmo quando um animal aparentementeno est fazendo nada, esse "no fazer nada", tambm representa um tipode comportamento e tem sua funo. No caso da Hyla geografica, atanatose serve para enganar seus predadores. Fingindo-se de

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    morta ela pode, por exemplo, escapar do ataque de serpentes. Assim sendo,podemos entender comportamento como sendo o conjunto de todos osatos que um animal realiza ou deixa de realizar.

    Figura 1.3 -Hyla geografica em imobilidade tnica, tanatose, ao sermanipulada.

    Neste livro, atravs de exemplos, com o uso de modelos simples,buscarei motiv-lo a estudar o comportamento animal. Eu espero que estelivro seja como uma conversa entre um orientador e seu orientado e, queminha abordagem evolutiva e experimental, com o uso da linguagem direta,

    facilite seu aprendizado.Espero tambm que voc bilogo, veterinrio, mdico, psiclogo ouleigo, possa utilizar este manual como uma ferramenta til para a satisfaode sua curiosidade quanto ao comportamento animal. Afinal de contas, voutentar convenc-lo de que se trata apenas de "um exerccio da curiosidadehumana na tentativa de compreenso da sua prpria natureza animal".

    Ento, vamos l!...

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    Captulo 2

    As Questes em Comportamento Animal?

    2.1 Aprendendo a perguntar.Eu me apaixonei pelo estudo do comportamento caminhando pelas

    trilhas da Serra do Japi, uma floresta prxima a Jundia (SP). L vi coisasincrveis, insetos mimticos, predadores em ao, animais forrageando,cortejando e interagindo com plantas e outros organismos. Em um dia desafri fotogrfico me deparei com uma aranha estranhssima, um

    Thomisiidae, Epicadus heterogaster(Fig. 2.1). O que me chamou a atenonesse animal foi sua colorao branca, apresentando no abdome adornospontiagudos com pontos pretos no pice e os ltimos seguimentos de suaspernas e palpos, os mais distais do corpo, amarelos. A aranha quase passoudespercebida por mim, pois sua volta havia dezenas de flores brancas deuma Labiateae, do gnero Peltodon, um arbustinho rasteiro. Parei parafotografar este belo exemplo de camuflagem (Fig. 2.1 A) e, de repente, aaranha ergueu seu corpo afastando suas pernas umas das outras. Fez omesmo com seus palpos e ficou imvel (Fig. 2.1 B). To logo a fotografeinessa postura, uma pequena mariposa se aproximou e como se fosse pousarem uma flor, voou diretamente para a aranha. Imediatamente a Epicadus a

    agarrou, matou-a e comeou a se alimentar da mariposinha (Fig. 2.1 C).Por que a mariposa voou na. direo de um inimigo natural?

    Suicdio? Improvvel! Algo certamente a confundiu. Um cheiro, uma cor,alguma caracterstica da aranha enganou o inseto.

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    Figura2.1 - Epicadus heterogaster (Thomisiidae); A - parada sobre folha deMelastomataceae; B - assumindo postura de predao - postura "em flor"; C - predandouma mariposa, (fotos: Kleber Del-Claro).

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    18Algo que no pude perceber, pois temos que lembrar que o

    universo sensorial humano distinto do da aranha ou da mariposa. Podehaver cores, formas, cheiros, sons, imperceptveis a ns, mas muitoevidentes aos animais.

    Capturei algumas outras mariposas e com uma pina aproximava aspresas do predador. Pude notar que, sempre que uma mariposa batiasuas asas, a uma distncia de aproximadamente 20 centmetros daaranha, esta exibia o comportamento de erguer o corpo, afastandosimetricamente as pernas umas das outras, fazendo o mesmo com seuspalpos (Fig. 2.1 B). Minha primeira impresso com relao morfologia ecolorao desse aracndeo no foi equivocada, por se parecer com uma flor,poderia estar se beneficiando da camuflagem para escapar da ao de seus

    predadores. Mas, ao v-la repetidas vezes, em sua postura de ataque meocorreu que aos olhos de uma presa, a aranha tambm poderia estar separecendo com uma flor. Uma flor mortal para os visitantes. Ao invs deconstruir uma teia, vestir uma fantasia?

    Uma aranha, vestida para matar!Ns sabemos que os animais no enxergam o mundo do mesmo

    modo que ns. Os insetos, por exemplo, enxergam o comprimento de ondado ultra-violeta (UV). Muitas flores possuem pigmentos em suas ptalasque refletem a luz UV, servindo como guias de nctar, caminhossinalizados que atraem visitantes florais.

    Auxiliando os polinizadores a coletar o nctar, as flores

    economizam tempo e energia para as plantas. Pois estes caminhos servemtambm como uma espcie de armadilha, para que o plen fiqueimpregnado no corpo dos visitantes, nas partes adequadas suatransferncia para o estigma de outras flores, contribuindo para areproduo vegetal.

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    19Mas o que nossa aranha tem a ver com isso?

    Na realidade, tudo. O colega Eduardo Novaes Ramires, junto comseu excelente orientador Joo Vasconcellos Neto, continuaram este estudocom Epicadus heterogaster e sugerem que quando colocada em umacmara com luz UV, as partes branca da aranha se tornam enegrecidas e aspontas amareladas das pernas, palpos e quelceras, assumem um tom violeta(Fig. 2.2). A postura adotada pela aranha, mantendo as pernassimetricamente afastadas, provavelmente faz com que, aos olhos damariposa, a aranha seja apenas mais uma flor.

    O mais incrvel que esta aranha polimrfica, ou seja, apresentavariao em sua colorao, havendo exemplares amarelos (Fig. 2.3 A) quese escondem em flores de Malpighiaceae tambm amarelas e outros de

    colorao rosada e lils, que se abrigam em Melastomataceae, quaresmeiras(Fig.2.3 B). Ainda me pergunto se so todas realmente exemplares de umanica espcie? Este caso certamente teria uma pgina de destaque nocaderno de "Transmutao" de Charles Darwin.

    As aranhas Thomisiidae geralmente so encontradas no interior deflores, ou abaixo da corola, onde aguardam por suas presas (Fig. 2.4).Comumente tambm apresentam colorao semelhante das flores dasplantas onde se instalam. No caso de Epicadus, teria esse animal acapacidade de perceber visualmente a aproximao de uma presa potencial,o que desencadearia a exibio do comportamento de "postura em flor"(Fig. 2.1 B)? Em um sentido mais amplo: as Thomisidae podem perceber

    visualmente suas presas?

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    Figura 2.2 - Desenho esquemtico de como Epicadus heterogaster aparece ao olhohumano, quando submetida luz ultra-violeta. Em lils, P - pernas; Q -quelceras; Pp -palpos. As partes brancas do corpo ficam enegrecidas. Ao lado, foto PB de Bigoniaceaao natural (A) e submetida luz UV(B) (Foto: Maria Eugnia C. Amaral).

    Figura 2.3 -Epicadus hetergaster (Thomisiidae). A - padro amarelo em flor deMalpighiaceae; B - padro lils em Melastomataceae. (foto:Kleber Del-Claro).

    Figura 2.4 - Thomisiidae capturando abelha em inflorescncia (foto: K. Del-Claro)

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    212.2 As questes em etologia.

    Perguntas assim, "Como se orientam as aranhas enquanto caam?",tm despertado a curiosidade humana imensamente. No estudo da etologiapodemos identificar duas categorias bsicas de questes: aquelas quebuscam respostas imediatas para um dado comportamento e aquelas queinvestigam questes, que ao meu ver, so muito mais interessantes. Aquelasque procuram responder como o sistema evoluiu:

    "O quanto o comportamento e a colorao "floral" de Epicadusheterogaster contribuem para seu sucesso reprodutivo?".

    Nas respostas para como um comportamento ocorre, ou seja, osmecanismos intrnsecos do indivduo, pode-se investigar desde seus

    mecanismos gentico-desenvolvimentais, at seu sistema neuro-fisiolgico.Estas questes nos respondem, por exemplo, como as aranhas se orientam?Como elas enxergam? Ou seja, quais seriam as causas imediatas de umcomportamento. Vamos deixar isso mais claro.

    Imagine que voc esteja sentado em um gramado, comendo umdoce muito cremoso e cheio de recheio. Uma bomba de chocolate comcreme. tanto recheio que um pouco do creme cai no seu colo e na gramaabaixo de voc. Aps uns quinze minutos haver dezenas de pequenasformigas subindo em voc e se alimentando do doce. Como tantas formigasapareceram to repentinamente em um local onde antes, aparentemente,no havia nenhuma? Como essas formigas encontraram o creme to

    facilmente?Muitas espcies de formigas tm um senso de orientao qumica

    apurado. Sendo espcies sociais, algumas tm a capacidade de deixar pistasno substrato, substncias secretadas

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    22por glndulas presentes no abdome da formiga, que orientam as

    companheiras durante o forrageio. Assim sendo, o que ocorre que uma"operria exploradora" encontra casualmente o creme, ingere um poucodele e volta para o ninho. No caminho para casa, deixa pistas qumicas(gotinhas de secrees) que outras operrias seguiro at encontrar a fontede alimento. As prximas operrias reforaro a trilha qumica, ebrevemente uma carreira de formigas se formar at o recurso, num ir e virintenso para o ninho, at que o alimento acabe.

    Este tipo de questo, que responde apenas "Como" ocorre umcomportamento foi predominante no estudo do comportamento animal ehumano at a metade do sculo XX. Estas questes descritivas so bsicas,iniciais em qualquer estudo etolgico, pois buscam responder as causas da

    existncia de um dado comportamento (Quadro 2.1).O nvel de detalhamento para respostas a questes descritivas ir

    depender do interesse do pesquisador, ou do tipo de pesquisa que se estdesenvolvendo. Em geral, as perguntas do tipo "Como?", nos levam aestudar muitos aspectos da biologia e histria natural das espcies com asquais trabalhamos, sendo uma importante ponte com outras reas doconhecimento. Por exemplo, voltando s formigas e ao creme.

    Como mirmecologistas descobriram que as substncias deixadaspelas formigas no solo, marcando o caminho do alimento ao ninho paraoutras operrias seguirem, eram secrees glandulares? Eles tiveram querecorrer ao apoio da histologia e da bioqumica, em extensos

    procedimentos multidisciplinares.

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    Quadro 2.1 - Toda espcie composta por um conjunto de populaes, que por sua vez se

    dividem nas suas unidades bsicas funcionais, os organismos ou indivduos. Cadaindivduo tem sua prpria carga gentica, modeladora de seu desenvolvimento, fisiologia epsicologia. O modo como um animal se comporta e interage no ambiente natural, dirmuito de seu sucesso reprodutivo individual. Do sucesso ou fracasso de cada indivduo dapopulao, do valor adaptativo individual (prole vivel), resultar a composio final dopool gnico da prxima gerao.

    2.2.1 - Os "porqus" de um comportamento.

    A preocupao com as causas evolutivas de um dadocomportamento, ou seja, questes do tipo "Por que as formigas marcam astrilhas at o alimento?", comearam a surgir no sculo XIX. Estas questes

    so abundantes em Origem das Espcies de

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    24Charles Darwin. Elas buscam investigar as causas evolutivas da existncia

    de um determinado comportamento, ou seja, como aquele comportamentocontribui para um maior sucesso adaptativo do organismo. Nodesenvolvimento de sua concepo hipottico-dedutiva da natureza da vidae de seu funcionamento, Darwin no economizou energias discutindo asimplicaes de determinados comportamentos para a sobrevivncia doindivduo. Porm, infelizmente, Darwin em seu tempo no pode contar comnossos conhecimentos genticos atuais.

    No sculo XX, trs cientistas - Niko Tinbergen, Konrad Lorenz eKarl von Frisch - tiveram um papel destacado no estudo moderno daetologia. Eles iniciaram uma nova abordagem para o estudo docomportamento animal, que na dcada de 70 fez surgir a Ecologia

    Comportamental (Quadro 2.1).A Ecologia Comportamental um tipo de abordagem que revela

    as bases ecolgicas e evolutivas dos comportamentos, demonstrandoexperimentalmente a ao de um determinado ato sobre o valor adaptativode um indivduo. Assim, passamos a questionar as vantagens adaptativasdas aranhas em localizar suas presas visualmente, ou das formigas emconstruir trilhas de cheiro, fazendo uso de manipulao experimental nocampo e em laboratrio para testar predies; corroborando ou no nossashipteses. Certamente, voc poder compreender isso melhor atravs de umexemplo onde ficam claras as hipteses e premissas, tambm chamadaspressupostos, previses ou predies.

    2.3 Hipteses e previses

    Aspectos da forma e colorao animal, sempre chamaram muitominha ateno. Coisas como camuflagem, aposematismo

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    Figura 2.5 - A) H uma mariposa nessa foto, que se camufla como uma folha seca, tente

    achar o animal, divertido!; B) Brachycephalus ephipium (Brachicephalidae), sapinhoboto de ouro, um animal muito txico e demonstra isso pela sua colorao deadvertncia, um exemplo de aposematismo; C) Schaphura nigra - mmico do padroEntypus (uma esperana, ou seja, "gafanhoto verde de longas antenas filiformes". D praacreditar? - Tettigoniidae), ao lado da vespa Pompilidae do gnero Entypus (D), seumodelo. Abaixo, temos os padres Pepsis (E) e Polistes (F) de Scaphura nigra. Alm demimetizar vespas, o "gafanhoto" tambm polimrfico, imita diferentes modelos. (Fotos:Kleber Del Claro; Foto E: Ivan Sazima; Foto F: Fernando Frieiro.)

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    26ou colorao de advertncia, mimetismo (Figura 2.5). Durante meu

    mestrado, estudei ortpteros que imitam vespas para confundir seuspredadores. So "esperanas", famlia Tettigoniidae, Scaphura nigra, quemimetizam trs grupos distintos de vespas, Pompilidae e Vespidae. Coisa demaluco mesmo! Minha primeira publicao foi com mimetismo, um estudototalmente intuitivo de ecologia comportamental.

    Antes de prosseguirmos, cabe aqui um alerta. A colorao animalpode ter vrias funes, a defesa apenas uma delas. Seleo sexual,termorregulao, comunicao intra e interespecfica, dentre outras (Figura2.6). Mas vamos ao nosso exemplo com mimetismo.

    Foi em 1991 que publiquei meu primeiro estudo, um caso demimetismo entre um besouro Aticinae,Homophoeta octgoguttata (besouro-

    saltador) e seu mmico, um besouro Cerambycidae, Adesmus colligatus(serra-pau) (Fig. 2.7). Observando esses animais no campo, pude perceberque eram muito semelhantes em morfologia e colorao, ocorriam nosmesmos ambientes, horrios e poca do ano. O alticneo apresentava oterceiro par de pernas modificado para o salto, o que dificultava sua capturapor predadores visualmente orientados. Estudos de outros colegasindicavam que esses besouros-saltadores eram animais impalatveis, tinhamsubstncias txicas em seu corpo. Portanto, bons modelos para algum outroinseto, que os quisesse imitar, aproveitando-se da semelhana com umanimal ruim para enganar predadores em comum.

    Imaginei que fosse um caso de Mimetismo Batesiano. Este tipo de

    relao mimtica foi descrita pela primeira vez pelo naturalista inglsHenry Walter Bates em 1862, aps dez anos estudando borboletas na baciaamaznica. Nesta relao, um

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    27animal "ruim", ou seja, que tenha alguma caracterstica desagradvel para

    seus predadores, tais como a presena de venenos, espinhos, ferro,qualquer caracterstica que dificulte sua captura, ingesto ou deglutio,demonstra isso para seus predadores, atravs da colorao, comportamento,ou outra caracterstica saliente. Este animal impalatvel seria, segundoBates, um "modelo" o qual outros animais, que nada tm de ruim oudesagradvel para seus predadores, podem imitar. O imitador, que seassemelharia em colorao, morfologia e comportamento ao modelo, seriaconhecido como "mmico" (Figura 2.5 e 2.7).

    Pois bem, uma simples comparao visual entre os dois besouros, omodelo (Alticinae) e o possvel mmico (Cerambycidae) (Fig. 2.7),analisando cor, forma e tamanho, indicavam claramente a semelhana. A

    sobreposio de hbitat, horrio de atividade, predadores potenciais,sugeriam ainda mais que poderia realmente se tratar de um caso demimetismo. Mas em cincia, no basta que digamos o que imaginamos. Issofoi leito muito pelos primeiros naturalistas, que tiveram seu mrito, nosensinaram a descrever fatos da natureza. Os novos naturalistas tm queprovar suas idias e a que entram as hipteses e previses (MtodoHipottico Dedutivo), que norteiam as metodologias experimentais daEcologia Comportamental.

    A hiptese levantada nesse experimento foi:"Adesmus colligathus um mmico deHomophoeta octoguttata e a

    semelhana em morfologia, colorao e comportamento, aumenta as

    chances de sobrevivncia do mmico".Para se testar essa hiptese tive que imaginar as previses, ou

    tambm chamadas premissas, que fortaleceriam a suposio, no caso deconfirmadas, ou que a enfraqueceriam, no caso de rejeitadas. Uma primeirapremissa:

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    Figura 2.6 - A Arara e o Tangar-danarino so exemplos claros do uso da coloraoanimal para a comunicao intra-especfica, seleo sexual. J a borboleta, Heliconiuserato, pode usar sua colorao tanto para comunicao intra-especfica, quanto para acomunicao inter-especfica (advertncia, ela txica). Tanto a borboleta, quanto olagarto, por serem ectotrmicos, usam sua colorao para termorregular. Para o lagartinho,

    um Mabuia, ela ainda lhe confere uma tima camuflagem na vegetao. (Fotos: KleberDel-Claro)

    Figura 2.7 - esquera, Homophoeta octoguttata (Alticinae), um besouro txico,impalatvel (modelo Batesiano) e direita seu mmico Adesmus colligatus(Cerambycidae). Fotos: Kleber Del-Claro.

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    29 "H na rea de estudo, um predador de besouros visualmente

    orientado, que freqenta os mesmos ambientes que mmicos e modelos, nosmesmos horrios".

    Pois bem, havia dezenas de aves que podiam ser includas nessacategoria, porm a maioria de difcil captura e manipulao em cativeiro.Indo ao campo, pude notar que lagartos tambm poderiam ser importantespredadores de besouros na rea de ocorrncia dos animais. Na literatura e,em conversas com colegas, descobri que lagartos Tropiduridae comoTropidurus itambere, oram comuns na rea de estudo e se alimentavam deinsetos, tais como besouros e formigas. Eram de fcil captura emanipulao em laboratrio, condio mpar para a execuo de uma

    bateria experimental. Um primeiro passo foi ento vencido, tinha umpredador, conhecido e capturado. Um segundo passo seria demonstrar aimpalatabilidade do modelo, gosto ruim no caso. Assim sendo, surgiu asegunda previso:

    "Os modelos so realmente impalatveis".Alticinae foram coletados e oferecidos para pintinhos (Gallus

    gallus) de sete dias e para os lagartos. Foram rejeitados e a seguir ospredadores receberam larvas de besouros reconhecidamente palatveis(Tenebrio molitor), sendo que as comeram imediatamente, comprovando a

    impalatabilidade do alticneo. Terceira premissa: "Os mmicos so palatveis e, portanto, podem ser predados pelos

    lagartos".

    Alguns dos serra-paus, besouros supostamente mimticos

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    30dos alticineos "ruins" foram oferecidos para pintinhos e lagartos que no

    tiveram nenhum contato prvio com o modelo. Os serra-paus foramprontamente atacados e predados, comprovando sua palatabilidade. Trsimportantes etapas foram ento vencidas para a confirmao da hiptesemimtica:

    1. Os modelos so ruins (impalatveis),2. Os mmicos so bons para comer (palatveis),3. H predadores interessados nos dois e que sabem reconhecer a

    diferena no sabor.

    Agora, vem nosso experimento chave, comprovar a quarta

    premissa: "Predadores visualmente orientados confundem mmicos com os

    modelos e os rejeitam".

    Para tanto imaginei a seguinte seqncia experimental:

    A - Os lagartos recebem uma larva de besouro palatvel (T. molitor) -intervalo (5 minutos);B - Os mesmos lagartos recebem um besouro modelo - intervalo (5minutos);C - Os mesmos lagartos agora recebem um besouro mmico - intervalo (5minutos); D- Por fim ofereceria aos mesmos lagartos uma larva de besouropalatvel (T. molitor).

    Para que a previso fortalecesse a hiptese mimtica, os lagartosteriam que comer a larva palatvel, antes e depois do contato com modelose mmicos. Isso demonstraria que no

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    31estavam nem com fome e nem j saciados, respectivamente. Mas, os

    lagartos teriam, fundamentalmente, que rejeitar o modelo e o mmico. Issodemonstraria que uma "escolha" foi feita. E foi exatamente isso queocorreu. Os lagartos inexperientes ao tentarem capturar os modelos(besouro-saltador) os cuspiam e pousavam a boca vria vezes na areia dofundo do terrrio e no se aproximavam mais da presa. Quando osTropidurus viam os mmicos (serra-paus), se aproximavam, examinavam erecuavam, portanto rejeitavam os mmicos, realmente confundiam osmmicos com os modelos. No Quadro 2.2, separei didaticamente cada etapado processo para uma melhor compreenso da importncia de cada premissapara a confirmao da hiptese.

    Com este exemplo espero ter esclarecido o que so hipteses,

    premissas e, sua importncia. Espero tambm que lenha compreendido oque Ecologia Comportamental, uma parte da cincia do comportamentoanimal que buscas as causas evolutivas dos comportamentos. E por falar emcomportamento, no exemplo descrito a anlise do comportamento dos doisbesouros foi fundamental para a comprovao da hiptese mimtica.

    Os besouros modelos, os Alticinae saltadores, tm no salto umaimportante defesa contra predadores visualmente orientados, como aves,por exemplo.

    Toda ao na natureza passa por uma anlise de custo e benefcio,sendo que em geral os animais tomam decises nas quais os benefciossobrepujam os custos da ao, caso contrrio h uma perda em valor

    adaptativo. Assim sendo, tentar pegar uma presa pequena, de baixo valorenergtico e de difcil captura pode no ser "economicamente vivel". Hum gasto energtico em algo que simplesmente no traz um retornosatisfatrio.

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    Quadro 2.2 - Diagrama de um teste de hipteses em um caso de mimetismo.

    Os serra-paus no podem saltar das plantas quando perturbados ecair por entre a vegetao como fazem os modelos saltadores, pois no tmo terceiro par de pernas modificado para pular. Mas eles, como bonsmmicos, imitam este comportamento.

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    33Quando perturbados estes besouros levantam vo e fecham as asas em

    pleno ar, simulando um salto, caindo por entre a vegetao, exatamentecomo fazem seus modelos.Pois bem, agora voc j sabe que alm de muito pertinentes o

    interessantes, as questes sobre as causas proximais de um comportamento(questes tipo - Como?) nos revelam dados importantes da biologia ehistria natural do organismo que estudamos. Entretanto, estas questesdevem ser preliminares em nossa busca para entender o papel de umdeterminado comportamento sobre o valor adaptativo de uma espcie(questes tipo - Por qu?), ou seja, o quanto exibir ou no um determinadocomportamento pode contribuir para o sucesso individual. Geralmente,nessa fase da orientao, uma das questes mais comuns que escuto de

    meus alunos a seguinte:

    "Como eu encontro uma questo bonita como esta para estudar emcomportamento animal? Como eu sei que ser um estudo promissor?".

    2.4 Escolhendo uma questo.

    D uma olhada nas fotos que se seguem:

    Aps analisar as imagens cuidadosamente, faa a si mesmo asseguintes questes:

    Algum desses animais chama minha ateno mais do

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    34que os outros?

    Qual deles desperta mais minha curiosidade e interesse? Alguma dessas imagens me causa desconforto, repugnncia, medo? Qual foto me causa uma sensao maior de bem-estar? Com qual imagem eu me identifico mais?

    O que eu quero sugerir a voc que a primeira coisa a definir,quando se quer realmente estudar comportamento animal, um objeto deestudo, ou uma questo, que mais lhe agrade. Seu trabalho tem que lheproporcionar prazer, curiosidade e satisfao. No se pode estudarcomportamento animal sem alegria, sem felicidade. Esses ingredientes sobsicos para aguar sua curiosidade, persistncia e dedicao. Tem que ser

    como se voc estivesse iniciando um namoro ou reacendendo as brasas noseu corao.Uma dica para encontrar um objeto de estudo, ou assunto, que lhe

    interesse aprender a olhar a natureza. Muitos bilogos que conheopodem caminhar um dia todo por uma mata sem enxerg-la, isso triste...Quando se caminha numa floresta, ou no cerrado, onde quer que seja, deve-se observar cada detalhe com calma, com curiosidade... No estamos numacorrida, estamos numa vitrine, onde a natureza quer se exibir. Com umapaixo sedutora e carinhosa, a natureza quer nos fazer descobrir seussegredos mais ntimos, suas histrias mais fabulosas. A capacidade deperceber essas histrias o que faz de ns naturalistas. O naturalista dentro

    de cada um de ns a alma do eclogo comportamental.Na definio de sua questo, uma primeira opo a se fazer

    definir se voc pretende trabalhar com um objeto de estudo, tambmdenominado modelo ou espcie, ou com um assunto,

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    35um tema. Assim sendo, voc pode definir sua linha de pesquisa em

    comportamento animal em um grupo, por exemplo, peixes. Sua escolhapode ser ainda mais seletiva com relao ao objeto da investigao, vocpode se restringir ao estudo de peixes de cavernas, ou definir estudos aindamais especficos sobre a biologia e comportamento de uma determinadaespcie de peixe caverncola. Uma das grandes vantagens em se trabalharcom um modelo especfico em um pas tropical que h sempre uma grandechance de se descobrir uma novidade sobre a espcie e mesmo sobre ogrupo. Isso se deve principalmente ao nmero ainda relativamente pequenode estudos que temos para a maioria das espcies conhecidas nosneotrpicos. Mas h um porm, uma das grandes dificuldades que podemsurgir nesses estudos refere-se exatamente falta de material bibliogrfico,

    de informaes bsicas disponveis para muitos grupos. Muitas vezes vocter que partir do zero, ou da comparao com espcies prximas. Outroproblema comum acontece quando o pesquisador se apaixona pelo estudo deuma espcie, que ainda no foi descrita, que ainda depende da taxonomia.Lembre-se aqui de um conselho: respeite e preze sempre seus colegasuniversitrios, professores, tcnicos, alunos, mas valorize especialmente ostaxonomistas. Eles, os taxonomistas, que vo dizer quem "seu bicho" esem essa informao, nada feito.

    Por outro lado, voc tambm pode definir sua linha de pesquisa emum determinado assunto, por exemplo: reproduo. A partir da voc podeoptar pelo estudo da corte e cpula, da seleo sexual, ou da nidificao em

    qualquer grupo animal. Nesse caso, voc pode mudar de um txon paraoutro, conforme as oportunidades aparecerem, ou de acordo com asnecessidades de sua pesquisa. O que lhe interessa no explorar um tema?A grande vantagem aqui no ficar restrito a um grupo animal

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    36apenas, podendo muitas vezes expandir os horizontes para estudos

    multidisciplinares. O grande problema se perder e no conseguir seorientar adequadamente, pois voc precisar de muito mais leitura econhecimento terico. Muitas pessoas que se prope a estudar conceitos,assuntos, demoram a reconhecer exatamente os limites dentro dos quaispodem e devem trabalhar, e um tempo precioso acaba sendo perdido.

    Tanto trabalhando com um determinado animal, quanto com umtema, voc pode obter sucesso, mas no basta apenas que isso lhe agrademuito, que lhe d muito prazer. Orientao e leitura so peas fundamentaispara o sucesso em estudos de comportamento animal. Mais frente nsdiscutiremos formas adequadas de auxili-lo nesses itens.

    Uma outra dica importante alert-lo para evitar a escolha de um

    objeto ou local de estudo que lhe cause medo, averso, asco, ou qualquersensao desagradvel. No lute contra suas limitaes pessoais em umasituao como esta. Para estudar comportamento animal de um modoeficiente, voc tem que estar se sentindo bem com o seu trabalho na maiorparte do tempo. Se voc sofre de aracnofobia, evite escolher aranhas comoseu objeto de estudo! Se voc tem medo de escuro, no v querer trabalharcom morcegos! Se no sabe nadar, peixes podem no ser uma boa opo! Sesofre de escoliose ou algum outro problema de coluna, elaborar etogramasde formigas em cativeiro, ser uma verdadeira tortura!

    Uma ltima dica nessa etapa. Se algum tentar question-lo quantoao animal que voc escolheu para estudar, pergunte os motivos, escute, pois

    pode ser uma voz mais experiente tentando lhe mostrar as pedras docaminho. Entretanto, no deixe que os problemas apresentados odesanimem.

    Ningum pode dizer, nem mesmo um bom orientador, o

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    37que um jovem sonhador capaz de fazer.

    Tarefa Antes de passar ao Captulo 3, pense em uma questo que gostaria

    de responder. D uma volta num jardim, num parque, numa reserva, ousimplesmente olhe um passarinho na rua e tente imaginar questes quepudessem ser testadas experimentalmente. Pense em questes simples,geralmente um bom trabalho de pesquisa composto por uma srie dequestes simples, que bem respondidas daro uma clara viso do processocomo um todo.

    Aglaoctenus lagotis (Araneae), carregando ovissaco

    Exemplo de uma questo:Como o cuidado parental nessa espcie?

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    Captulo 3

    Prepare o terreno: Observaes preliminares eorientao

    Quando voc imaginar que j tem uma "pergunta" em suas mos, outrasdvidas vo surgir:

    Ser que j no responderam a questo que eu estou me propondo aestudar?

    Ser que tem jeito de estudar o que eu estou querendo? No haveria, com esse mesmo objeto de estudo, ou assunto,outras

    questes que me interessassem mais? Ser que o que quero fazer vai resultar em um trabalho de boaqualidade?

    Quem vai poder me orientar? Onde vou encontrar ajuda?Nesse momento, em que o primeiro passo j foi dado, ou seja, voc tem

    uma pergunta inicial, vou dar-lhe as dicas bsicas para diminuir suasdvidas e angstias. Temos que ter um objetivo final em vista, um projetobem elaborado, bem definido, bem embasado cientificamente e sem errosmetodolgicos. Se voc acompanhar esse livro, passo a passo, sem pularetapas, estaremos criando, juntos, uma linha de orientao ao seu interesse

    em estudar comportamento animal.Pois bem, definida a pergunta, ou questo, dois novos problemas seapresentam: como realmente iniciar o estudo e o que ler!

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    A melhor forma de responder as suas dvidas nesta etapa orient-loa ler e observar. Observe o mais naturalmente possvel seu objeto deestudo. No incio de toda investigao cientfica, o melhor a se fazer observar o objeto de estudo vontade, anotando tudo que achar importante.Lembre-se de que dependendo do animal, voc deve tomar alguns cuidadospara que ele no perceba sua presena, seu cheiro, etc. Voc deve tomarcuidados para no provocar ou inibir comportamentos. Darei algumas dicascom relao a esse assunto mais frente. O que interessa nesse momento deixar bem claro que voc precisa se familiarizar com seu objeto de estudo,

    conhecer a nomenclatura das partes do animal, suas limitaes fsicas efisiolgicas. Voc precisa sentir que est gostando do que se prope a fazere que sabe da importncia de seu estudo.

    Para que suas dvidas e medos se dissipem, nada melhor do que lernesse momento. So os artigos cientficos, principalmente, que diro sevoc est no caminho certo, se algum j respondeu a sua pergunta, ou quala relevncia de seu estudo. A bibliografia fundamental e pode realmentetornar as

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    40coisas interessantes. Por isso, o incio do levantamento bibliogrfico e as

    observaes preliminares tm que caminhar paralelamente, pois so faces deuma mesma moeda. Vamos dar um exemplo.Em 1991, incentivado por dois colegas, Carlos Frederico Duarte da

    Rocha e Paulo Srgio M. C. Oliveira, eu comecei a estudar interaes entrehempteros-formigas. Passei ento a observar o comportamento dessesanimais. Nessas relaes, os hempteros da famlia Membracidae sugam asplantas e eliminam fezes que so coletadas pelas formigas. Na literatura,descobri que essas exsudaes desses insetos possuem gua, aminocidos,sais minerais e acares, dentre eles um tipo especial denominadomelezitose. Em troca desse alimento as formigas protegem os hempteroscontra inimigos naturais. Nas observaes preliminares percebi que mesmo

    agrupamentos desses insetos, localizados em pontos altos de rvores ouarbustos, so encontrados e atendidos por formigas. Quando estavaestudando o membracideo, Guayaquila xiphias, notei um dia a chegada deuma fmea em uma planta. Ela comeou a sugar seiva e a defecar. Oexsudato comeou a cair no cho e nas folhas abaixo e em pouco tempo umaformiga encontrou uma das gotas, passou a procurar por mais, subiu naplanta e achou o animal. Em quinze minutos a fmea j era cuidada porvrias formigas de uma mesma colnia.

    Embora hempteros sejam pragas de arroz, hortalias e outroscultivares, a literatura me ensinou que no havia nenhum estudo publicadorespondendo como as formigas faziam para encontrar os hempteros.

    Somando observaes preliminares e a bibliografia lida, eu e meu colegaPaulo S. Oliveira tivemos a idia de testar se as gotas de exsudatopoderiam estar servindo como pista para as formigas encontrarem oshompteros mais

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    41facilmente. Isso seria bvio para quem estuda hempteros e formigas no

    campo. Entretanto, ningum tinha feito antes.Este estudo nos permitiu demonstrar experimentalmente que as gotasde exsudato que caem no solo e folhas realmente servem como pistas paraas formigas encontrarem membracdeos (Fig.3.1). Alm disso, pudemosverificar que essa estratgia especialmente importante nas fases iniciais doestabelecimento de uma colnia. Este exemplo ilustra como observaessimples podem se tornar importantes e resultar inclusive em um estudoindito, quando amparadas por um bom levantamento bibliogrfico.

    Figura 3.1. - Formigas Ectatomma e Guayaquila xiphias.

    H muitos outros exemplos que poderiam ser citados, como o que

    vem ocorrendo recentemente com um grupo de jovens bilogos quetrabalham com opilies (Aracnida). O levantamento bibliogrfico revelou,por exemplo, que um desses estudos, bsico, enfocando o etograma(repertrio comportamental) de uma espcie de opilio era o primeiro a serfeito para todo esse grupo animal. Os estudantes, Abner E. Campos eWilton Pereira, do curso de Cincias Biolgicas da Universidade Federal do

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    433.1 - Dicas para um levantamento bibliogrfico.

    Atualmente podemos fazer um levantamento bibliogrficosimplesmente nos encaminhando at uma biblioteca universitria esolicitando ao funcionrio responsvel uma consulta eletrnica noBiological Abstracts ou outra base de dados. A consulta ao BiologicalAbstracts indispensvel para um bom levantamento bibliogrfico. Emalgumas universidades o prprio pesquisador faz seu levantamento.

    Outros modos de consulta esto disponveis atravs da internet,como o www.scielo.br, a Web of Science, que pode ser acessada atravs dapgina da Capes (www.capes.gov.br) ou da Fapesp (www.fapesp.br),geralmente atravs de um servidor de universidade pblica. Atravs da

    Capes artigos completos podem ser obtidos gratuitamente via internet ecopiados para seu computador, pelo www.capes.gov.br/periodicos. So osditos PDFs. Para poder fazer uso destas maravilhas modernas (se voc temmenos de 30 anos, no faz idia do inferno que era fazer um levantamentobibliogrfico dos ltimos dez anos manualmente nos abstracts) basta saberlistar palavras-chave, em portugus e ingls, principalmente.

    . Palavras-chave, ou key words, so termos ou expresses que oajudaro a encontrar a bibliografia desejada. Uma palavra obrigatria ognero do animal que voc estuda, sua famlia, ou at o seu nome popular.Se for uma pesquisa por assunto, use o termo prprio, por exemplo:

    predao. Podemos tambm fazer um levantamento atravs do nome de

    algum autor, quando sabemos que aquela pessoa publica muito no assuntoque desejamos trabalhar. Vamos dar um exemplo. Se voc quer trabalharcom seleo sexual em insetos, um conjunto de palavras chave muitoimportante seria: Sexual selection, insects,

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    44reproductive behavior, sexual behavior, mate choice, mating behavior.

    Um tipo de artigo que costuma ajudar muito em levantamentosbibliogrficos, para que tenhamos certeza de que nada de importante tenhaescapado, so as revises. Atravs do levantamento bibliogrfico do artigode reviso, voc pode checar e complementar seu prprio levantamento.Assim sendo, sugiro valorizar buscas em peridicos tais como "Annual

    Review of...". Em alguns casos a literatura citada em livros tambm podeauxili-lo a encontrar os artigos mais gerais e os "clssicos" no assunto emque se concentra sua pesquisa.

    3.2 - Dicas para obter a bibliografia.

    Localizar peridicos na internet e capturar os artigos que estodisponveis atualmente uma tima opo. Uma verdadeira maravilha,pois a opo a isto ir pessoalmente a uma biblioteca que tenha a revista,do ano e volume que voc precisa, para fazer uma cpia xerogrfica.

    Mas no seria isso uma vantagem?Rato-de-biblioteca o que deveramos ser! Nada como folhear a

    Animal Behaviordo ms para quem gosta de comportamento! Mas vocpode evitar esse prazer solicitando um artigo atravs da bibliotecauniversitria, pelo Comut (um sistema de troca - comutao - bibliogrficaentre instituies). Tente obter um artigo pelo Comut ao menos uma vez, uma "experincia" bem interessante.

    Uma outra maneira de conseguir o texto que voc precisa solicit-lo diretamente ao autor. Acredite, alguns pesquisadores tm um enormeprazer em enviar uma cpia autografada do artigo

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    45e se sentem prestigiados em receber uma solicitao como essa. Para isto,

    pegue o endereo do autor nos resumos que voc obtm atravs dolevantamento eletrnico e redija uma carta, um e-mail, ou produza umcarto, solicitando o artigo. Disponibilize seu endereo em uma parte docarto, ou no final do e-mail, para que o pesquisador possa recort-lo, col-lo na carta e lhe enviar a cpia. Isso especialmente til quando solicitamoscpias de colegas que vivem em pases cuja escrita muito diferente danossa, como o pessoal do Oriente Mdio, sia, Oceania e Leste Europeu.Veja um exemplo de carto que voc pode utilizar:

    Pois , o exemplo est em ingls. Mas voc pensou mesmo que iaescapar disso?

    Infelizmente a maior parte da literatura disponvel em ecologia ecomportamento animal est em ingls e a maioria dos peridicos que vocvai utilizar aceitam apenas artigos em ingls. Muitas revistas brasileirasimportantes j so totalmente em ingls, veja o exemplo da Cincia &Cultura, revista da Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia, SBPC.Assim sendo, voc tem ao menos que ler ingls, ou est perdido.

    Para iniciar uma leitura de textos em ingls, sugiro que

    ToDr. Boss Yavnizecvich da Silva.Institute of Biology, University X. Dear

    Colleague,I would like to receive a copy of your paper: "Defensestrategies in birds", published in Behaviour and Ecology,5:112-115, 2002.

    Thank you very much,Sincerely yours,

    Fulano de tal.Fulano de Tal

    Univ. Fed. Uberlndia, Inst. Biologia,38400-902 Uberlndia, MG, Brasil

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    46voc se inscreva em cursos de ingls instrumental, eles so comuns nas

    universidades. Outro modo pedir o auxlio de colegas que sabem oidioma, para conhecer a estrutura gramatical bsica da lngua. Depois comprar um bom dicionrio e gastar ao menos meia hora por dia tentandotraduzir os textos. No tempo das vacas magras, esta estratgia foi muito tilpara mim. Alguns amigos como Paulo Bonilha me deram uma fora danadae eu pude me tornar independente na leitura em ingls "pilotando" odicionrio. Ingls vocabulrio! Com dedicao, voc logo estar apto aler textos tcnicos com destreza. Confie sempre no seu potencial.

    3.3 - Tenho que ler todo o artigo?

    Mas claro! O mais difcil voc j conseguiu, que foi obter oartigo, ou livro, ou tese que voc precisava. Agora voc pensa em lerapenas pedaos? Tome muito cuidado com isso. E comum que pessoasleiam apenas os resumos (abstracts) dos artigos e tirem conclusesapressadas. H casos na literatura de hipteses que foram embasadas emartigos que na verdade contrariavam o que se estava propondo, sendo que oerro, provavelmente, ocorreu devido a uma leitura errada ou incompleta doartigo original.

    Ler uma coisa maravilhosa, especialmente na fase inicial de umapesquisa, pois a leitura vai lhe abrir os olhos, vai gerar novas e maisinteressantes questes. Voc acaba se tornando f de alguns colegas de

    profisso, falando deles com carinho e com a intimidade de um amigo. Deoutros voc j fica desconfiado, duvida de suas hipteses e comea apensar em como provar que ele est errado. Quando isso acontece porquevoc est realmente lendo com vontade.

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    473.4- Como ler?

    Comece lendo o resumo do artigo, em muitos casos a leitura doresumo j vai deixar claro para voc se o artigo ou no relevante para seuestudo. Se voc estiver apertado de tempo, leia a a introduo, procuresempre entender os objetivos do estudo. D uma passada na discusso, vejacomo o autor amarra os objetivos, metodologia e resultados com outrosestudos existentes. Assim voc j poder classificar os artigos queselecionou entre os que tm prioridade mxima na leitura, at aqueles quepoder deixar para quando sobrar um tempinho.

    Fichar o artigo sempre uma boa idia. Eu, normalmente, anexo umcarto aos artigos que j li com nmeros indicando partes importantes do

    texto para que eu possa me recordar facilmente delas. Isto muito til nahora de redigir um texto, pois as idias para a discusso vo surgir maisfacilmente e voc poder ter uma re-leitura mais dinmica dos estudosselecionados.

    3.5- A orientao.

    Aqui, vou comentar um pouco sobre os orientadores e a orientao,pois muitas vezes os jovens cientistas acreditam que um orientador asoluo para seus problemas.

    Quando eu era aluno de graduao eu imaginava isso, que todos os

    problemas se resolveriam se eu encontrasse um bom orientador. Semdvida, um bom orientador ajuda muito, mas toda e qualquer atividade depesquisa, depender principalmente de voc. E preciso que voc goste doque est fazendo, que se dedique e que leia muito. Nenhum orientador fazmilagres, por melhor que ele seja.

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    48Tive orientadores que me queriam apenas como tcnico

    especializado, um piloto de centrfuga. Outros para dizer aos colegas queenfim tinham conseguido um orientado. Tive um que era uma me super-protetora, no me deixava fazer nada, fazia tudo por mim. S me ensinou aser inseguro. Na minha peregrinao por um bom orientador, tive umagrande lio com Joo Vasconcellos Neto e Fernando A. Frieiro Costa, queme ensinaram a olhar a natureza sem pressa, a procurar pelos detalhesimportantes em cada relao e pela primeira vez me mostraram comoobservar comportamento animal no campo. Observar com olhos denaturalista. Juntos, descobrimos que orientador e orientado podem se tornaramigos, desde que saibam que os assuntos profissionais no podem ficarem segundo plano.

    A outra grande lio que tirei do convvio que tive com mais de umadzia de orientadores, foi descobrir que um dos melhores tutores aqueleque indica com preciso o que o orientado deve ler. Aprendi isso com PauloS. Oliveira, que me ensinou tambm a vibrar com os resultados de umapesquisa, pular de alegria com um "paper" publicado na mo, isso fundamental. Estou comentando essas coisas, pois a relao entre orientadore orientado parte essencial do bom andamento de um estudo e acredito quemuitos dos leitores ainda dependam de seus orientadores. Ento, sugiro queevite se indispor com qualquer orientador. Se a relao no estiver legal,converse, tente acertar as coisas, ou mude de orientador. Faa isso sempredeixando uma porta aberta. Como a cobra quem engole o sapo, muitas

    vezes para termos um bom orientador temos que aprender a engolir nossossapinhos.

    Um bom orientador pode fazer a diferena. Mas no se fie a isso,lute para ser independente, pois muitos colegas passam a vida todaengolindo sapo, sem nunca virar cobra.

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    Captulo 4

    A confiabilidade das Observaes

    Nesse ponto da orientao j temos uma pergunta, j sabemos que aleitura essencial para um bom estudo em comportamento animal.Compreendemos que a leitura deve Caminhar de mos dadas com asobservaes iniciais do objeto do estudo ou do assunto em questo. Masvoc ainda deve estar inseguro, principalmente quanto confiabilidade dosdados que ir coletar, no est?

    Sinceramente, espero que sim. Esta uma preocupao necessria a

    todo bom pesquisador. Trabalhamos com cincia, com causas naturais, comcomportamento animal, no laboratrio o diretamente na natureza. Muitasvezes estamos sozinhos quando observamos um evento raro e, pergunto, oque d credibilidade aos dados que coletamos? O que garante o valor e aidoneidade de um estudo?... O seu nome.

    Nossa profisso uma das mais belas e romnticas sobreviventes deum tempo onde o nome de cada cidado tinha seu valor individual, o pesoda honra. O que garante o valor do seu estudo seu nome, isso mesmo!

    Enquanto voc trabalhar direito, fizer bem feito, no der motivoalgum para desconfianas, o que voc fizer ter valor e ser reconhecido.Portanto, preze seu nome, a nica coisa certa que temos em cincia e, uma

    vez perdida a credibilidade, ela pode no ser recuperada jamais.Ento, para no queimar o nome toa, vale algumas dicas sobre

    como aumentar a confiabilidade da observao, ou seja,

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    50como saber que estamos fazendo o melhor. Em comportamento animal h

    alguns pontos bsicos que podem ser comentados, alm daquelesanteriormente apresentados, como:

    1. Definir perguntas simples. Vrias perguntas simples encadeadasrespondero s questes mais complexas;2. Fazer um levantamento bibliogrfico o mais completo possvel erealmente se dedicar a ler;3. Durante as observaes preliminares, confront-las com o que se sabeatravs da literatura.4. Discutir suas questes, seu levantamento bibliogrfico e as primeirasobservaes com um orientador, ou colega mais experiente.

    Agora passo a comentar outros pontos relevantes.

    4.1- A confiana em si mesmo.

    Os animais apresentam diferentes aspectos anatmicos emorfolgicos, ento voc deve em primeiro lugar se familiarizar com anomenclatura das partes do animal que voc est estudando. Por exemplo,no so todos os bilogos que entendero um comentrio sobre o gaster deCamponotus crassus. Eles tero dificuldades iniciais por muitos nosaberem que se trata de uma formiga e em segundo lugar, por no terem

    conhecimento de que gaster um outro nome para o abdmen das formigas.Num outro exemplo, poderamos comentar que os "pentes" de uma espciede escorpio so muito finos. Um leitor que no tenha familiaridade com anomenclatura das partes de aracndeos poderia pensar que o escorpio umanimal peludo que precisa

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    51de uma boa penteada de vez em quando, no mesmo?

    Aprender os nomes das partes do corpo do animal que voc estuda ento essencial, pois somente assim voc poder agilizar suas anotaessobre o comportamento do animal e compreender seu significado,reconhecendo a nomenclatura na bibliografia consultada. Isso pode ajud-lotambm a entender melhor as limitaes fsicas e fisiolgicas do animal quevoc estuda, o que pode ser fundamental na descoberta de comportamentosque visam sobrepujar estas limitaes.

    Camponotus crassus, Formicinae

    Mas voc no ter apenas que se familiarizar com nomenclaturas, osanimais tm tambm diferentes percepes, seus rgos dos sentidosfuncionam de modo diverso ao nosso e certamente enxergam o mundo deuma forma diferente. Portanto, para um ornitlogo, cuidados com barulhos,

    especialmente sons de vozes humanas e com a colorao das roupasutilizadas para as observaes de campo, so fundamentais. As aves podemperceber facilmente um observador atravs do som e da visualizao,dificultando seu estudo. Gatos, por sua vez, alm de boa audio e viso,tm um olfato incrvel. Ento, basta que voc abuse um pouco nodesodorante, ou na falta de uso dele,

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    52para que isso seja percebido pelo seu objeto de estudo. Em estudos com

    formigas e peixes, em cativeiro, o uso de anteparos obrigatrio. Vocpode provocar comportamentos em um animal e fazer interpretaesequivocadas, por estar permitindo a ele que perceba sua presena.

    No h uma receita bsica para esta fase de familiarizao, cadaanimal apresentar suas especificidades e voc ter de aprender a comolidar com esses fatores. Mais uma vez insisto que o melhor professor nessecaso, ainda ser a literatura.

    Tambm o domnio sobre os equipamentos e tecnologia que vocempregar em seu estudo um fator fundamental para aumentar aconfiabilidade intrnseca do observador. Se for observar aves, ter queaprender a utilizar binculo, luneta, cmera fotogrfica com zoom e

    teleobjetiva, gravador com microfone direcional. Se for observarpseudoescorpies em cativeiro dever saber utilizar uma lupa. Se for estudarpeixes em ambiente natural ter que saber nadar, ou se for o caso, aprendertcnicas de mergulho. Se for estudar morcegos ter que saber montar redesde malha fina, como concert-las, como manipular o animal coletado e terque ser vacinado contra a raiva. Uma das piores coisas que podem acontecera voc durante uma observao de campo estar com um evento importantena sua frente e no saber como utilizar os equipamentos que esto sua mopara documentar e registrar o comportamento.

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    53Um aspecto fundamental para a garantia da confiabilidade intra-

    observador, ou auto-confiabilidade, ou confiabilidade intrnseca , como jfoi dito, no lutar contra limitaes individuais.Se voc tem receio de trabalhar com aracndeos, como o escorpio

    amarelo, Tityus serrulatus, da foto anterior. Se voc tem receio de trabalharno escuro, noite, ou pior, se tem medo de assombrao, no adianta quererestudar o comportamento desse escorpio. Alm de noturno ele abundanteem cemitrios. No lute contra suas limitaes, lembre-se de que esta deveser uma atividade prazerosa.

    O domnio da metodologia utilizada outro ponto fundamentalpara a confiabilidade do observador. Discuta sua metodologia com colegase com seu orientador, compare-a com nutras similares existentes na

    literatura. Se voc tiver incertezas metodolgicas, elas se manifestaro otempo todo e acabaro sendo transmitidas a seus pares e depois ficaroexplcitas em seus resultados de pesquisa e apresentaes. Todo cuidadonesse quesito pouco. Mais uma vez, ler muito importante. Ensaiosiniciais, experimentais, apenas para adequar a metodologia, ou para testarseu bom funcionamento, assim como para aperfeioar o uso de tcnicasespecficas ou uso de equipamentos, so muito relevantes nessa fase.

    Saber que est fazendo um estudo de comportamento animal bemfeito uma certeza que vem com o tempo e com a dedicao. Muitas vezesperdemos dados iniciais e recomeamos as observaes de um modo maisadequado. No se desanime se isso acontecer. Os tropeos iro diminuindo

    medida que voc ganhar experincia, mas sempre iro ocorrer. Errandoaprendemos e como sempre erramos, sempre estamos aprendendo.

    Portanto, se um colega lhe disser que nunca erra, que no

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    54tem dvidas quando inicia um novo estudo, aconselhe-o a ser mais zeloso

    com o prprio nome.4.2- A confiabilidade inter-observadores.

    Muitas vezes voc estar desenvolvendo uma atividade de pesquisaem conjunto com um colega, e da vem uma pergunta:

    "Como sabemos que estamos tendo as mesmas percepes sobre osdiferentes comportamentos executados pelo animal que estudamos ?"

    Alm de tudo o que j foi dito anteriormente, pois para se terconfiabilidade inter-observadores, inicialmente luta-se por uma boa auto-confiabilidade, um exerccio simples pode ajudar muito.

    Em primeiro lugar, os parceiros de estudo devem observarconjuntamente o animal em estudo e discutir as observaes, formas deanotaes e interpretaes resultantes. Muitas vezes ser necessria areleitura em conjunto de alguns artigos para que se chegue a um acordosatisfatrio. Quando sentirem que chegaram a um acordo, no mnimo emrelao maioria dos pontos abordados, agora ambos devem observarsimultaneamente o modelo, porm fazer seus registros independentemente.Ao final de uma srie de sesses, os observadores devem confrontar suasanotaes. Esse procedimento dever ser repetido at que se tenha uma

    sobreposio maior do que 90%.Esta tcnica, eu escutei pela primeira vez do Prof. Ivan Sazima daUnicamp, em um de seus cursos de comportamento. Considero-a muitovlida e tenho observado seu emprego com sucesso entre muitos de meusestudantes. Ela costuma ser boa tambm para revelar afinidades eincompatibilidades entre

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    55parceiros de estudo, fortalecendo grupos em alguns casos e em outros

    desencadeando mudanas que estavam sendo postergadas, mas queprejudicavam a ambos os parceiros.No caso de trabalhos em equipe, sugiro que logo no incio j sejam

    discutidas as obrigaes de cada um no estudo, desde sua elaborao at suaredao, pois da atuao de cada um depender a ordem dos autores napublicao resultante. Esses pontos devem sempre estar bem claros para queno haja desentendimentos no futuro.

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    Captulo 5

    Definindo a metodologia

    Normalmente nessa fase da investigao cientfica ns ficamosmuito animados. Emprimeiro lugarporque a nossa questo j parece estardefinida. Em segundo lugar j nos sentimos mais seguros, pois olevantamento bibliogrfico e a leitura nos permitiram eliminar um monte dedvidas. Comeamos a entender os propsitos do estudo, as teoriasenvolvidas e suas implicaes. Em terceiro lugar, as observaespreliminares, somadas ao que aprendemos lendo e na discusso com colegas

    ou com um orientador, mostram que o estudo vivel e promissor. muitobom que todo pesquisador esteja animado nessa fase, pois o que vem pelafrente no fcil.

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    57Muitas vezes, quando estamos definindo uma metodologia, ficamos

    inseguros e nos perguntamos:

    Ser que isso vai funcionar? Ser que assim que se faz? Ser que meu orientador est atualizado e posso confiar nele

    plenamente?

    Estas dvidas so muito importantes e devem ser consideradascuidadosamente, pois qualquer erro na metodologia ir inviabilizar seuestudo. Voc ter coletado um monte de dados e perdido um longo tempo,por nada. A definio da metodologia a ser empregada totalmente

    dependente das observaes preliminares, da leitura e da definio clara deuma questo, como j discutimos. Entretanto, nessa fase todo bomorientador deve instigar, argir, provocar seus alunos, no sentido deconduzi-los a uma definio clara da(s) hiptese(s) e premissa(s) oupreviso(es) que esto testando. Isso bsico e fundamental, pois obriga aler, a refletir, a discutir, o que conduz a eliminao da maioria dos errosmetodolgicos e por fim ao sucesso.

    Infelizmente, tenho notado que quando questiono um jovempesquisador, num congresso ou durante um de meus cursos de ps-graduao, sobre as hipteses sendo testadas em seu experimento, comumperceber a falta de definio terica, ou seja, de hipteses bem delineadas.

    Em geral, percebo isso quando a pessoa comea imediatamente a descreversua metodologia. Receita de bolo todo mundo sabe fazer. Mas exercer acriatividade, fazer cincia, no para qualquer um. Esse um exerccio dosmais pacientes, dos que lem. Portanto, mais uma vez chamo a ateno paraa importncia da leitura, a qual o melhor professor para um bom cientista.

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    58Deve ficar claro aqui que a escolha das hipteses e previses

    relacionadas sua pergunta inicial, faz parte da fase de delineamentometodolgico de seu estudo. Partindo definitivamente para uma etapa maisprtica, indo ao campo, ou observando os animais em laboratrio, vamosganhando experincia, em termos de confiabilidade da observao,conhecimentos bsicos sobre a situao e das possibilidades de intervenono sistema. Relendo artigos, livros e teses, vamos tendo idias sobre quaismetodologias empregar, sua viabilidade, utilidade em cada fase do estudo,se nossas prprias idias esto corretas, se nosso orientador no est errado.Por isso, necessrio estar sempre atualizado com a leitura de textos, poisnovas metodologias podem aparecer, ou velhas idias podem cair por terra.

    H muitos artigos e livros bsicos que podem nos ajudar nessa fase,

    no apenas na definio da metodologia, mas chamando nossa ateno paraa forma como mantemos os animais em laboratrio, como os alimentamos,sobre procedimentos ticos na experimentao animal. Eu recomendo quetodo pesquisador que esteja se iniciando em Comportamento Animal leia oartigo de Altmann, um clssico e um dos primeiros textos sobre mtodos deobservao e registro etolgico em campo e cativeiro. Recomendo tambmo artigo de Cuthill que discute a relao entre a tica e a metodologia daexperimentao animal e o livro de Martin & Bateson, um livro intuitivo,cheio de exemplos de metodologia nos mais diversos grupos, incluindodicas de anlise estatstica e outras leituras recomendadas. Recomendotambm o livro que eu e Fbio Prezoto editamos, que resume as distintas

    linhas do comportamento animal atual e como podemos nos inserir em cadauma delas. Todas estas bibliografias esto citadas e comentadas em umalistagem de estudos que podem ajudar em

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    59sua orientao, presente no final deste livro.

    A seguir, em nossa orientao, darei dicas sobre mtodos,ferramentas e manipulao experimental.J estava na hora, no mesmo?

    5.l- Mtodos de observao e registro.

    Agora que j sabemos quem ou o qu vamos observar, onde equando, ns devemos definir se faremos uma observao direta ou indireta.Na observao direta, a mais comum, ns podemos observar o animal comou sem o auxlio de instrumentos. Quando observamos sem binculos,lupas, lunetas, ou seja, sem instrumentos, dizemos que se trata de uma

    observao direta, vista desarmada. Algumas pessoas usam o termo "aolho nu", mas evite isso, a no ser que voc j tenha visto olho com roupa.

    As observaes com instrumentos so muito comuns. Para quemtrabalha com aves, um binculo indispensvel. Assim como para quemobserva o comportamento de protozorios no trato digestivo de ruminantes,um microscpio fundamental. Para quem vai noite ao campo, uma boalanterna, com baterias novas e de reserva, equipamento bsico. Lembre-sede levar um pedao de papel celofane vermelho na bagagem, muitosanimais noturnos, ou no enxergam, ou so menos estressados pela luzvermelha. Uma simples folha de papel celofane vermelho na frente dalanterna pode fazer a diferena entre conseguir ou no observar um inseto,

    por exemplo.Voc pode tambm fazer observaes indiretas, atravs de gravaes

    com cmeras filmadoras, tendo boas imagens em VHS, para observarrepetidas vezes. Essa tcnica exige um pouco mais de experincia doobservador, dependendo do animal o

  • 8/6/2019 DelClaro2004ComportamientoAnimal

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    60equipamento necessrio pode ser caro. A filmagem j nos remete aos

    mtodos de registro de comportamento. Pois nesse caso, o que foiobservado, fica automaticamente registrado.A quantidade de pessoas que se interessa por comportamento animal

    enorme, havendo desde indivduos a organizaes populares, amadoras,de autodidatas, alm dos organismos e institutos oficiais de pesquisa. Muitodesse interesse por comportamento animal se deve a simplicidade dosmateriais necessrios para estudos em etologia. Isso sempre comentado,mas vale a pena recordar, para algumas reas da cincia o uso deequipamentos sofisticados primordial, mesmo nas etapas iniciais dapesquisa. Em comportamento animal basta um caderno, lpis e borrachapara que uma pessoa possa fazer seus registros preliminares. Esse fator de

    praticidade, j fez e faz muita diferena, mesmo nos dias atuais, onde temosmaiores facilidades na obteno de recursos mais sofisticados. Alm dissotudo, voc no pode menosprezar sua capacidade mental de memorizao epercepo, no mesmo? Certamente voc tem condies de ir ao campo,observar um determinado comportamento e chegando em casa ou nolaboratrio, transcrever suas observaes com detalhes para o caderno oucomputador! J que assim, sem hesitar, me diga quais so os animais dasfotos do captulo inicial desse livro? Ah! No lembra! Ento qual foi oanimal da ltima foto que voc viu? Essa fcil!

    Pois , por melhor que voc considere sua capacidade dememorizao no confie nela para observaes de comportamento animal.

    Voc pode e vai se enganar muitas vezes. Seja cauteloso, repitaobservaes, isso aumenta a confiabilidade de suas observaes e mais doque isso: preserva seu "nome". Toda carreira slida se faz gradativamentee em nosso meio de trabalho, na cincia, tudo se constri em torno de umnome pelo qual voc

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    61deve lutar para fazer ser respeitado e preservar. Para isso, a primeira pessoa

    para com a qual voc tem que ser honesto voc mesmo.Tudo bem! Materiais bsicos para o registro de comportamentoanimal so papel, lpis e borracha. Mas podemos e, muitas vezes devemos,utilizar outros recursos. Mas quando e o que usar? A experincia, asobservaes preliminares e o conselho do orientador e colegas maisexperientes vo ajudar muito nessa hora. Vejamos alguns exemplos.

    Cientista (H.M.T.Silingardi - tomando dados de campo no cerrado)

    5.1.1 - Registro simples, em papel.

    Tenha um bom caderno de campo, desses de capa dura, eu prefiro.Ou ento, faa melhor. Compre uma prancheta de madeira, umas folhasplsticas, alguns lpis HB e n 2, so mais macios e bons tambm paradesenhar. A seguir, elabore uma boa ficha de campo, na qual constem todasas informaes que voc vai precisar. Faa vrias cpias xerogrficasdessas fichas e, pronto! V test-las no campo. A seguir apresento oexemplo de

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    62ficha de campo que usei no artigo sobre o comportamento de localizao de

    hempteros por formigas. Todas as anotaes em itlico representamregistros feitos diretamente no campo.

    Coleta de dados do estudo; "As gotas de exsudato so pistas que as

    formigas usam para encontrar os hempteros mais facilmente?"

    Registros na planta 17

    Dia 13 de Maro de 1992 sem sinal de hempteros.Condies: Sol, 22-25C, Fazenda Campininha, rea Aberta.Grupo Tratamento

    Espcie de formiga Camponotus rufipes

    N deIndivduos

    Horrio

    Horrio da exposio do exsudato 0 13:00

    0 13:052 13:07

    3 13:094 13:11

    Formigas no anel de 30 cm nabase da planta

    3 13:15

    0 13:05

    2 13:071 13:097 13:11

    Formigas na planta

    7 13:15

    Uma observao importante sempre que voltar do campo fazeruma cpia das fichas usadas, ou transcrev-las o quanto antes para umarquivo de computador. Feito isso, guarde cpias das fichas ou dosdisquetes em locais diferentes, por exemplo, uma na sua casa e uma na salado orientador. Leve isso a srio,

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    63pois computadores podem pegar vrus e terem que ser formatados. Conheo

    gente que foi assaltada e levaram o caderno de campo, namorada quecolocou fogo no caderno de campo de namorado infiel, extravio debagagem com a tese toda l dentro, etc. Fatalidades acontecem, previna-se.

    5.1.2 - Anotaes em ambiente mido.

    Se voc estuda peixes ou anfbios e tem que fazer anotaes emambiente aqutico, ou sob chuva, papel e lpis no vo resolver o problema.H solues para isso. Voc pode comprar um tipo especial de caderno ecaneta com a qual se escreve embaixo d'gua. Esse equipamento no muito caro, mas importado, sendo encontrado em algumas lojas de

    produtos para mergulho. Outra maneira de adquiri-los comprandodiretamente de firmas internacionais especializadas em vender materiais depesquisa e para uso no campo. Essas firmas enviam catlogos com seusprodutos e preos para as universidades, geralmente para os cursos deBiologia, Engenharia Florestal e Agronomia. Tambm pela internet fcillocaliz-las, use palavras-chave como: forest supplies, field work supply,research equipments.

    Um modo tupiniquim de resolver esse problema voc pegar umcano de PVC branco. Um cano desses usados em construo civil, para osistema de esgoto. Um pedao de cano com 15 cm de dimetro e cerca de30 cm de comprimento mais do que suficiente. Pegue o cano e faa um

    corte longitudinal nele. Agora, aquea gua em uma panela e despeje emuma bacia. Coloque o cano dentro e v abrindo-o at ele ficar quase reto.Voc pode terminar de endireitar seu pedao de cano colocando-

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    64o entre um pano e passando ferro quente em cima. Pronto! Agora voc tem

    uma folha branca, de PVC, que no se desmancha na gua. Para escrever,basta um lpis preto N2 ou HB. D para escrever at embaixo da gua,mas no d pra fazer muita coisa. Voc ter que transcrever suas anotaesassim que chegar em casa ou no laboratrio, mas resolve bem o problema.

    Recentemente, um jovem colega, Eduardo Bessa (Cebimar/ USP),me deu uma outra boa dica. Submerso em seus estudos, literalmente, eledescobriu que planilhas podem ser impressas em folhas de plstico polistercom impressora laser-jet. Fotolitos tambm aceitam impresso em jato detinta comum. Pode-se escrever nessas folhas com lpis comum e elas podemser reutilizadas, apagando o lpis com borracha simples. Um pacote de 100folhas desse material custa 70 reais e dura muito tempo.

    5.1.3 - Registros em gravador porttil.

    Essa costuma ser uma boa soluo em muitos casos. Quandogravamos os registros das observaes no precisamos tirar os olhos decima do animal observado para escrever. Isso costuma ser timo quandoestamos fazendo um animal focai, logo explico esse termo. Quando temosque registrar um monte de dados de fenologia de plantas, tambm timoter um gravador.

    Entretanto, h alguns inconvenientes srios e de muito risco no usode gravadores. O primeiro deles voc ir ao campo 3 se esquecer de levar

    pilhas ou fita novas. O segundo problema que voc ter dois trabalhos, ode gravar e o de transcrever a gravao. Muita gente posterga essa etapa,que chata e acaba perdendo registros, pois a fita pode se desmagnetizar, apessoa pode us-la novamente por desateno, pode acabar esquecendo

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    65ou no entendendo bem o que quis dizer com uma determinada palavra ou

    frase usada no registro. Quando usado na chuva, normalmente voc tem quepor um plstico protegendo o gravador o a gravao fica abafada, quaseinaudvel. Um outro grande problema que, dependendo do animalobservado, usar gravador fica impossvel, pois se o animal pode perceberseu som, isso pode provocar ou inibir, algum tipo de comportamento.

    5.1.4 - Registros atravs de imagens - foto e filmagem.

    A fotografia uma ferramenta bsica para a documentao decomportamento. Atravs dela voc pode comprovar aquilo que realmenteobservou e muitas vezes isso necessrio. Por exemplo, na comprovao de

    que determinada espcie de beija-flor visita o contata estames e estigmas emum estudo do comportamento de visitantes florais. Voc precisar da fotopara indicar o animal como um potencial polinizador. Caso voc observeinfanticdio em um primata neotropical, uma foto ser de extrema valia paraa aceitao de suas observaes. Isso ocorreu casualmente com os colegasLuclia Nobre Carvalho e Guilherme Mouro. Durante um curso de campoeles observaram infanticdio e canibalismo em ariranha. Com as fotos, estescientistas publicaram um belo estudo na revista Mammalia. Veja uma dasfotos (Fig. 5.1).

    Figura 5.1 - Macho de ariranhapredando filhote no pantanal.(Foto cedida porL. N. Carvalho e G. Mouro)

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    66Mas a fotografia pode tambm ser usada corriqueiramente como

    um registro simples, por exemplo, das formigas que visitam os nectriosextraflorais de espcies de cerrado (Fig. 5.2). Para quem trabalha commimetismo, ou algo que envolva colorao, uma foto vale ouro, pois umadas coisas mais difceis em etologia registrar com preciso uma cor.(Figura 2.1 2.7). Assim sendo, essa uma das ferramentas bsicas paradocumentao e registro de comportamento, sendo muito utilizadaprincipalmente por bilogos.

    Figura 5.2 -Formigas (Pheidole sp) cm nectrio extrafloralde Qualea multiflora (Vochysiaceae).

    Particularmente, fao a maioria de meus registros em diapositivos(slides), principalmente por poder us-los tambm em aulas e palestras. H

    hoje em dia bons equipamentos de captura de imagens (scanner) que nospermitem transformar os slides em imagens impressas, sem perdasignificativa na qualidade da informao.

    O problema principal na fotografia que os bons equipamentos socaros e o custo da compra e revelao de filmes tambm. Para possuir umamquina fotogrfica boa, com lente simples de 50mm, voc vai gastar maisou menos uns 350 dlares americanos. Uma lente macro (l00mm), queamplia a imagem, para fotografar pequenos animais ou detalhes custa quaseo preo

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    67da mquina. O mesmo pode ser dito para uma teleobjetiva (75-200mm). Eu

    gosto muito de mquinas Pentax, tenho uma antiga, de ferro, pesada, masextremamente resistente e durvel. Difcil de quebrar e dar defeitos. Almdisso, muito "obediente", pois faz tudo que quero. Isso muitas vezes noocorre com mquinas eletrnicas. Outras marcas podem ser facilmenteobtidas no mercado brasileiro, como Nikon, Minolta, Yashika, e Cannon.

    As cmeras digitais so um xod recente e algumas permitem at arealizao de pequenos filmes. Porm, algumas vezes no permitemampliao das imagens, outras vezes focam no fundo, ao invs do objeto deinteresse. Muitas no congelam bem a imagem, ficando sem foco animaisem movimento. Em contrapartida voc no precisa revelar, ou comprarfilmes, para ter uma imagem em seu computador. So excelentes para

    paisagens. Um curso de fotografia ajuda bastante, tanto quanto colegascomo Jos Sabino e Cludio Patto que colaboram com dicas e cursos.

    Com relao filmagem, esse processo est muito diversificado edifundido em nosso meio atualmente. Todas as instituies de pesquisapossuem uma filmadora e um videocassete, muita gente tem essesequipamentos em sua casa. H

  • 8/6/2019 DelClaro2004ComportamientoAnimal

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    68equipamentos baratos de captao de imagem, que as lanam em

    computador e voc pode editar e gravar em CD. um timo recurso,especialmente em condies de laboratrio e para animais que alteram seucomportamento na presena do observador. Voc pode deixar oequipamento ligado por horas, registrando tudo e depois assistirrepetidamente as cenas para uma descrio detalhada de algum tipo decomportamento. As fitas costumam custar barato, menos que um filme deslide e voc no precisa pagar para revelar.

    As principais desvantagens com os filmes so a necessidade detranscrio, similar aos problemas com gravadores, a inexperincia dooperador. A perda da possibilidade de usar as imagens em aulas oupalestras de modo gil, direto, no existe mais. As recentes filmadoras

    digitais j lanam a imagem no computador, possibilitando a edio.

    5.1.5 - Registros de sons.

    Muitas vezes ne