decisões políticas e controle jurisdicional

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Decises polticas e controle jurisdicional de constitucionalidade: os atos polticos no direito comparado Gergia Bajer Fernandes de Freitas Porfirio 1. Introduo Ao longo do tempo, os atos polticos, frutos de decises polticas, sempre foram considerados atpicos, ou seja, no identificveis por uma caracterstica peculiar, seja quanto forma, seja quanto ao contedo. Foram estudados de forma casustica, contingente, sem ateno a estruturas tpicas que os poderiam caracterizar[1]. Considerou-se difcil, ou mesmo impossvel, a formulao do ato poltico segundo critrios orgnico, formal e material[2]. Alm de tudo, a nebulosa fronteira que separa os atos polticos da ao administrativa dificulta visualiz-los em concreto[3]. Algumas diferenas, entre ao poltica e atividade administrativa, podem, contudo, ser constatadas. Assenta Vergottini que na esfera poltica h mais liberdade, enquanto a rbita administrativa gira em torno do conceito de discricionariedade, concebido a partir da legalidade. Outra caracterstica diz com a forma de controle. Enquanto os atos polticos so censurveis em sede de responsabilidade poltica, os atos administrativos so impugnveis perante a jurisdio administrativa. A subtrao da jurisdio do controle dos atos polticos serve, na realidade, a resguardar o ato administrativo com tonalidade poltica. A denominao atos polticos serve, muitas vezes, como subterfgio ao controle mais acirrado. Os atos polticos devem, ento, ser constatados, determinados e compreendidos por um critrio restritivo[4]. Embora a doutrina estrangeira no atribua ao ato poltico dimenso palpvel, no existe relutncia de o enquadrar como quarta categoria, diferenciada, entre os atos emanados dos rgos de soberania. Assim, at para discernimento quanto ao objeto de estudo, o ato poltico posto ao lado do ato administrativo, do ato legislativo e do ato jurisdicional. Tal enquadramento, que parece tranqilo na doutrina europia, habituada a enxergar o controle de atos de poder em compartimentos distintos, separados em rgos, com funes no comunicantes, - diferenciadas para o controle de constitucionalidade, de legalidade e para a soluo de conflitos (Tribunal Constitucional, Jurisdio Administrativa e Jurisdio ordinria)[5] -, causa desconforto e inquietude nos pases em que se reconhece a unidade da jurisdio e a acumulao de referidas funes nos diferentes rgos jurisdicionais . Lcia Valle Figueiredo entende que os atos polticos no se diferenciam dos atos administrativos. Trata-se de normas individuais, concretas, que seguem o padro de legalidade, compreendida em amplo sentido. Assim, atos diretamente subsumidos Constituio no escapam ao controle jurisdicional, como, por exemplo, a decretao do estado de stio, a declarao de estado de defesa e opes quanto poltica econmica[6]. Odette Medauar assinala, de seu lado, que a atividade poltica normalmente diferenciada da atividade administrativa. A primeira caracterizada por concentrar tomada de decises fundamentais coletividade. A segunda tem como referncia a realizao de tarefas cotidianas na execuo das diretrizes

fundamentais. No entanto, esta distino no criteriosa, j que cada vez maior a participao de servidores nas atividades tpicas de governo, tais como fixao do contedo de projetos de leis, teor de regulamentos e decretos, apresentao de propostas que mesmo no sendo imediatamente executadas aparecem conformando atos normativos. Em suma, so entremeadas, no vrtice do Poder Executivo, funes governamentais e administrativas, o que impede que se diferencie a atividade poltica da meramente burocrtica. Melhor seria, ento, conceber o ato poltico ou ato de governo entre os atos administrativos[7]. Atos de direo suprema do Estado inserem-se no conceito. Funes relativas segurana do Estado nas relaes internacionais (poltica militar, luta contra a criminalidade e o terrorismo) e poltica internacional perante rgos internacionais so consideradas exemplo de ato poltico. Neste particular, existe consenso na doutrina. Existe convergncia de idias no sentido de que o ato poltico pode ser identificado como funo sintetizada na Constituio[8]. Releva-se, a partir desta concepo, a importncia do controle jurisdicional de constitucionalidade do ato poltico. H posicionamento diverso, no entanto, no sentido de que funo pressupe atividade teleologicamente determinada e que o ato poltico atividade imediatamente concretizada[9]. H aqueles, ainda, que ao enfatizar o vnculo com a Constituio pretendem a identificao do ato poltico com o ato constitucional[10]. suficiente dizer, no momento, que os atos polticos so atos que expressam a funo poltica concretizada, mais especificamente a funo governativa (poltica stricto sensu), conformando-se sem contedo normativo, em regras ou decises. Manifestam-se por intermdio de rgos governativos ou por participao poltica das pessoas (eleio, referendo), com expresso no direito interno ou internacional[11]. Fixe-se que nos diversos pases a teoria dos atos polticos se desenvolveu de forma peculiar, razo pela qual angustiosa a anlise comparada do instituto. Fixe-se, outrossim, que a idia de iseno judicial de uma categoria genrica de atos polticos ou com direcionamento poltico, bem como a proibio de interferncia do Judicirio em matrias reservadas ao Executivo no aparecem como tendncia nos sistemas constitucionais contemporneos[12]. Em determinadas ordens jurdicas, o controle de constitucionalidade dos atos polticos se desenvolve via politizao do judicirio. Em outros casos, optou-se por caminho inverso, pela constitucionalizao da poltica[13]. H quem defenda que toda deciso jurisdicional exerccio de funo poltica e quem sustente ser a jurisdio constitucional fonte de desequilbrio entre os poderes estatais[14]. Interfere no estudo comparado do instituto, ainda, o sistema de controle de constitucionalidade adotado em cada pas, ora seguindo a frmula do controle poltico de tradio francesa, ora o controle jurisdicional de constitucionalidade norte-americano, voltado soluo de casos concretos, com marcada influncia poltica[15]. Outra dificuldade enfrentada diz com a variao de instrumentos processuais encontrados nas diversas ordens jurdicas que servem jurisdio constitucional (tal como o recurso de amparo mexicano, a Verfassungsbeschwerde alem, o mandado de segurana brasileiro, a ao popular, o habeas corpus, o habeas data e instrumentos processuais de tutela coletiva em geral). Tambm a existncia de frmulas e procedimentos de controle de constitucionalidade dos atos polticos,

no jurisdicionais, foi um fator que tornou complexa a abordagem. Resta, ainda, enfatizar que sob a denominao jurisdio constitucional a doutrina pretende um tratamento unitrio das diversas atividades empreendidas pelos rgos jurisdicionais no sentido de fazer atuar a norma constitucional. Tal posicionamento, no entanto, desconsidera os diferentes problemas trazidos pela especificidade da tutela: exame de constitucionalidade sobre um ato de imprio danoso liberdade de algum; soluo de conflitos entre rgos superiores do Estado e deciso sobre ilcitos constitucionais cometidos por titulares de cargos polticos. As solues sero diversas - e mesmo opostas -, dependendo da natureza do processo constitucional visado[16]. Intuiu-se que o conceito norte-americano de political questions comparvel ao de actes de gouvernement francs, ao de acts of state ingls, ao atto politico italiano, ao justizfreien Hoheitsakte alemo[17]. O estudo ser direcionado confrontao crtica do instituto nas diversas ordens jurdicas, a partir de semelhanas e especificidades e no a caracterizar o ato poltico no direito estrangeiro. Observar-se-o a estrutura poltica dos diversos Estados, o controle entre rgos da atividade poltica, a possibilidade de controle jurisdicional, concentrado, difuso, por jurisdio administrativa ou ordinria, mediante aplicao do direito interno, ou externo. Tambm a hierarquizao do judicirio, bem como a competncia para julgar atos de autoridades polticas, seja em razo da matria, seja em razo da funo desempenhada. Tambm questes sobre as imunidades contribuiro para a compreenso do grau de vinculao dos atos polticos com a ordem jurdica.

2. Dimenso do ato poltico O estudo dos atos polticos tem ocorrido sem norteamentos seguros. Dada a atipicidade, procura-se-os caracterizar individualmente, medida que aparecem e se concretizam na casualidade. Tendo-se em vista a estrutura atpica, a conformidade com a Constituio garantida por meio da anlise de pressupostos, elementos e requisitos no ato concretizado ou a concretizar[18]. Os atos polticos, conforme Blanco de Morais, so percebidos nas relaes institucionais entre os rgos de poder poltico. No interferem diretamente na esfera jurdica dos cidados[19]. Esta ltima razo freqentemente invocada para justificar a ausncia de controle jurisdicional da constitucionalidade dos atos polticos. A ausncia de controle a caracterstica mais acentuada na doutrina para a individuao do ato poltico. Leia-se, neste sentido, Rui Barbosa[20]: Atos polticos do Congresso, ou do Executivo, na acepo em que esse qualificativo traduz exceo competncia da justia, consideram-se aqueles, a respeito dos quais a lei confiou a matria discrio do poder, e o exerccio dela no lesa direitos constitucionais do indivduo.

O resultado da falta de instrumentos de controle, polticos ou jurisdicionais, a sedimentao de imunidades no exerccio da funo poltica, seja quanto ao controle de atos, seja quanto responsabilizao pessoal do titular da funo poltica.

preciso cuidado, pois, na sedimentao da dimenso do ato poltico. Rui Barbosa j assinalava que o mbito da ao poltica abrangeria a esfera inteira da soberania constitucional. Tal amplitude teria como resultado a reivindicao de imunidade para todo e qualquer ato do Estado. Como conseqncia, verificar-se-ia a coibio da competncia do Judicirio de tutelar direitos individuais e a considerao de todos os atos do Legislativo e do Executivo como manifestao de funes polticas. Assentou, ainda: Claro est, pois, que, dentre assuntos polticos, mais ou menos propriamente tais, a restrio h de abranger uma limitada classe de casos, e excluir a mais vasta categoria deles; porque alis a tutela judicial ficaria sendo a exceo, quando , pelo contrrio, a regra..[21]. Imunidade tem a ver com desresponsabilizao e inviolabilidade pessoal. Responsabilizao tem a ver com imposio de sanes em caso de descumprimento de dever compreendido no feixe de funes imputadas (sanes jurdicas: penais, disciplinares e civis; sanes poltico-jurdicas: censura, destituio, exonerao). tambm conexa noo de controle no Estado de Direito Democrtico (subjetivo sobre o titular da funo ou objetivo sobre atos dos rgos) [22]. Pode-se conceber uma ligao direta entre a funo poltica e o dever de assegurar bens ou valores, de suma importncia ao desenvolvimento do Estado, traduzidos e fixados na Constituio. possvel identificar algum elemento norteador da funo poltica, via transversa, nos tipos penais construdos para caracterizar os chamados crimes de responsabilidade, a que esto sujeitos os titulares da funo poltica[23]. A tipicidade penal se apresenta como controle preventivo e repressivo dos desvios ou abusos no exerccio da funo poltica. A adoo do estatuto da Corte Penal Internacional, firmado em Roma, pelos diversos pases signatrios implica, inclusive, em consolidar, na legislao interna de cada pas, regras permitindo a responsabilizao penal dos titulares de cargos polticos[24] [25]. Essa tendncia de reindividualizar a responsabilidade do titular de funes polticas e de identificar a funo, antes despersonalizada, com o titular do cargo poltico segue caminho oposto ao da histria da responsabilidade no mundo ocidental, voltada a substituir a responsabilidade penal pela poltica. Trata-se de mais uma frmula de controle jurisdicional de atos polticos, no necessariamente vinculados leso de direitos subjetivos individuais. Caminha-se no sentido de se conceber a responsabilidade penal vinculada responsabilidade poltica[26]. Percebe-se a subjetivao dos atos de poder. Fora a criminalizao de condutas praticadas no desvio ou abuso da funo poltica, meio de controle subjetivo da atuao poltica, h instrumentos processuais que levam o controle dos atos polticos a Cortes Constitucionais e Tribunais. Existem, ainda, outros instrumentos intermedirios de responsabilizao governamental, instrumentos polticos, atuantes sem a necessidade de recurso a rgos imparciais (ex.: demisso do governo, moo de censura, dissoluo da Assemblia da Repblica, referenda ministerial)[27]. O teor das decises ou dos julgamentos de rgos imparciais, jurisdicionais, aponta para a existncia ou inexistncia em concreto do ato poltico. Assim, no direito comparado, o reconhecimento do ato poltico no se impe pela doutrina e sequer pela legislao. A atuao jurisdicional fator delimitador, apesar de estar condicionada disponibilizao de instrumentos processuais que possibilitem verificar enquadramento constitucional do ato praticado ou a praticar. A reao de contrapoderes, no plano poltico, tambm mediante deciso poltica, poder acontecer como manifestao contra a inconstitucionalidade do ato poltico. Mesmo que a doutrina negue a existncia de atos polticos, definidos como

incontrolveis, existem atos originrios, fundacionais da ordem jurdica (Poder Constituinte) e atos supremos de reafirmao e garantia da Constituio (Cortes Constitucionais) que, em posicionamento extremo, ou instauram uma nova ordem jurdica ou permitem a continuidade de determinada ordem jurdica. Nesta viso linear, deciso poltica e deciso jurdica no se confundem. No entanto, na dinmica jurdica, sem rompimento, impossvel determinar onde comea o processo poltico e termina o processo jurdico[28]. Neste eterno retorno aos pontos de partida existem momentos de interao entre o poltico e o jurdico, ou mtuo controle entre os poderes estatais[29] Assim, a existncia e a delimitao do ato poltico nos diversos ordenamentos so condicionadas por pressupostos negativos, impedimentos, quais sejam: impossibilidade jurdica de se o atacar jurisdicionalmente (falta de competncia ou reserva poltica); recusa e falta de interesse em se o atacar pelos demais rgos polticos; mecanismo de autoconteno dos Tribunais, ou seja, no conhecimento de questo considerada poltica pelos prprios Tribunais[30]. Decorre da a incontestabilidade. Por outro lado, questes eminentemente polticas, so atacveis pelo critrio inverso dos pressupostos positivos: possibilidade jurdica de controle de constitucionalidade, interesse, impulso processual, conhecimento da matria pelos Tribunais[31]. D-se, a, o controle jurisdicional. A anlise comparada dos atos polticos no pode, ento, deixar de ser casustica, considerando-se os diversos fatores que atuam no real dimensionamento.

3. O controle de constitucionalidade como pressuposto anlise comparada Afirma Vergottini que a anlise comparada do Direito pressupe um ponto de partida, parmetro a partir do qual a comparao ser realizada. Quase sempre o direito nacional do autor da comparao que nortear a anlise comparativa. O simples estudo do direito estrangeiro, pas por pas, no atende proposta de comparao, pois comparar significa confrontar, ressaltando-se semelhanas e diferenas. No entanto, deve-se conhecer os diversos ordenamentos para que se torne possvel a comparao[32]. O constitucionalista ressalta, ainda, que a verificao simples do direito codificado resulta em comparao parcial, ainda mais quando o objeto de estudo o direito constitucional, disciplina que compreende no s o estudo da organizao constitucional e do direito de liberdade, mas tambm o fato poltico e o complexo de normas que norteiam a ao poltica. No mbito poltico, muitos comportamentos fogem formalidade constitucional, apresentando-se, na realidade, como resultado das foras polticas dos rgos constitucionais, razo pela qual torna-se dificultosa e inoportuna a anlise formal dos institutos que lhe dizem respeito nas Constituies[33]. Na medida em que a se possibilidade caracterstica que constitucionais, particular de cada doutrina discute a prpria existncia do ato poltico, atendoou impossibilidade de controle jurisdicional do mesmo como o peculiariza frente aos demais institutos jurdicopreciso adentrar no esquema de controle de constitucionalidade, ordem jurdica visitada.

Alguns pases optam pelo controle eminentemente poltico. Outros esforam-se em controlar jurisdicionalmente a atividade poltica. Outros, ainda, tm conjugado as duas frmulas, de forma variada e com resultados diferentes.

O principal aspecto a ser ressaltado diz com as frmulas utilizadas nos diversos pases para o enfrentamento do controle constitucional dos atos polticos.

3.1 Modelos tpicos de controle de constitucionalidade O primeiro parmetro, ponto de apoio encontrado para o estudo fixado nos modelos tpicos de fiscalizao da constitucionalidade. Os grandes modelos tpicos, conforme Jorge Miranda, so[34]: a)- modelo de fiscalizao poltica: do tipo francs, europeu, desenvolvido nos sculos XVIII e XIX, em que a fiscalizao atribuda ao Parlamento, rgo legislativo, ou a rgo especial ligado ao Parlamento (como o Conselho Constitucional francs); b)- modelo de fiscalizao judicial (judicial review) desenvolvido dos Estados Unidos da Amrica, com fiscalizao difusa, concreta, incidental e, geralmente, por via de exceo; c)- modelo de fiscalizao jurisdicional concentrada em Tribunal Constitucional, tal como concebido por Kelsen e implantado pela Constituio austraca de 1920. caracterizado por mesclar caractersticas do modelo judicial com caractersticas do modelo poltico. Neste modelo, o Tribunal Constitucional, no todos os rgos jurisdicionais, atua como rgo jurisdicional com competncia especializada para tratar de matria constitucional, exercendo fiscalizao abstrata e concreta, mediante incidentes constitucionais provenientes de outros tribunais. Tal classificao contribui para uma viso analtica do controle de constitucionalidade no estudo comparado. Contudo, insuficiente para a anlise dos mecanismos e procedimentos de controle de constitucionalidade empregados para a fiscalizao jurisdicional do ato poltico. imprescindvel, para o estudo presente, o acrscimo de um outro modelo tpico, encontrado na maior parte dos pases latino-americanos. Trata-se do modelo misto, sugerido mas no desenvolvido por Mauro Cappelletti[35], concebido a partir da conjugao dos modelos de controle difuso e concentrado de constitucionalidade[36]. Nesse quarto modelo, todos os juzes e tribunais tm competncia para o conhecimento e o julgamento de questo constitucional, sendo que ao Tribunal Constitucional compete originariamente o controle abstrato de constitucionalidade das leis. A delimitao importante, pois relativiza a presuno de constitucionalidade das leis e dos atos jurdico-constitucionais em todos os nveis da Jurisdio, o que torna esse modelo de fiscalizao peculiar. Note-se que a adoo de um sistema de controle poltico de constitucionalidade, puro, implica impor ao Judicirio, em todos os seus nveis, a presuno jure et jure de constitucionalidade das leis e atos de poder[37]. O controle jurisdicional difuso, no centralizado em Tribunal Constitucional, tem como diferencial a ausncia de presunes constitucionais em favor da lei, de atos de autoridade ou de atos privados. Prevalece relao de igualdade, ao menos terica, entre rgos pblicos e particulares[38]. O controle jurisdicional dos atos polticos pleno. No controle de constitucionalidade concentrado em Tribunal Constitucional, de seu

lado, adotado nos sistemas da civil law, juzes comuns, civis, penais e administrativos so incompetentes para decidir sobre questo de inconstitucionalidade, mesmo no caso concreto. A presuno de constitucionalidade das leis vale a todos os juzes e tribunais, com exceo da Corte Constitucional. Mesmo em pases que admitem a suspenso do processo para a argio de constitucionalidade perante o Tribunal Constitucional[39]. Pode-se argumentar no sentido de que o acrscimo de um tipo misto despiciendo, pois a realidade, por si, mostra a mistura de caractersticas de um tipo de modelo de controle de constitucionalidade ou de outro. Acontece que a combinao de tipos de controle de constitucionalidade nos pases latino-americanos assume peculiaridade, regulao coerente e com sentido prprio, razo pela qual entendese a formulao de um tipo misto, contudo com caractersticas jurdico-estruturais prprias, fixadas e no transitrias, que se traduzem em composio unvoca[40]. A compreenso desse modelo tpico importante porque a presuno de constitucionalidade das leis e de atos praticados por agentes pblicos se impe juris tantum, podendo ser questionada perante todos os rgos jurisdicionais[41]. O quarto modelo tpico relevante tambm para que se entendam dois movimentos em sentido contrrio no controle de constitucionalidade atual: nos pases com estrutura jurdica fundada no sistema romano-germnico, com controle de constitucionalidade concentrado, caminha-se ao controle difuso; os sistemas jurdicos fundados a partir do judicial review, de outro lado, apresentam traos do controle concentrado. Os modelos de controle de constitucionalidade permitem avaliar admissibilidade, intensidade e freqncia do controle de constitucionalidade dos atos polticos nos diversos ordenamentos jurdicos.

4. Estudo dos atos polticos no direito estrangeiro 4.1. Estados Unidos da Amrica Enquanto nos pases da Europa a noo de ato poltico conexa temtica das imunidades dos atos de poder e inviolabilidade pessoal do titular da funo poltica (seja como privilgio, seja como garantia de autonomia funcional), nos E.U.A., os atos polticos so tratados a partir da doutrina da political question. Isso significa que a negativa de controle de constitucionalidade dos atos polticos nos tribunais americanos de natureza material, mas se traduz em impedimento processual quando declarada pelo juiz no caso concreto. No se trata, pois, em bice preestabelecido provocao dos tribunais. Muito pelo contrrio, existe o entendimento de que as aes de qualquer autoridade do Executivo podem ser submetidas ao crivo do Judicirio, inclusive atos do Presidente. Nem mesmo atos de emergncia escapam a priori do judicial review[42] . O controle de constitucionalidade adotado no direito norte-americano tem como pressuposto a existncia de ao ou litgio real em que a apreciao sobre a constitucionalidade surge como causa remota do pedido de manifestao jurisdicional, no como causa principal. Nesta sistemtica, no existe apreciao consultiva ou a priori de constitucionalidade, exige-se prejuzo ou perigo imediato a interesse pessoal, ainda que correspondente ao interesse da comunidade imediatamente conexo. Da a exigncia de legitimidade para a postulao jurisdicional[43].

Assim que a Suprema Corte desenvolveu novas modalidades de controle de atos administrativos pelo judicirio, como a public law litigation. Lide de natureza pblica analisada sob a perspectiva dos civil rights, visando a proteo da liberdade e da igualdade (equal protection of the law). Como no existe separao entre jurisdio civil e administrativa, as aes (class action) seguem o modelo do processo civil. Assim o judicirio foi provocado a se manifestar sobre poltica educacional, penitenciria, hospitalar ambiental e outras mais e a inventar frmulas para resolver problemas sociais, impostas por decises mandamentais[44]. Fora a exigncia de ao, litgio e legitimidade, existe outra limitao de ordem material, desenvolvida pela doutrina da political question, originria da Suprema Corte americana. No julgamento Marbury v. Madison (1803), decidiu-se que o Judicirio dos E.U.A. podia julgar todos os casos que se apresentassem com fundamento na Constituio, mas, por outro lado, que a competncia do Tribunal se restringia a decises sobre os direitos individuais e no se estendia a criticar a forma com que o Executivo e seus agentes desempenhavam suas funes[45]. A doutrina clssica da political question evoluiu com a utilizao da prudncia como fator delimitador na anlise das questes polticas[46], tornando-se uma verdadeira ferramenta nas mos da Suprema Corte para evitar a apreciao de casos muito complicados ou muito carregados de contedo poltico. Com o caso Baker v. Carr, julgado em 1962, em que se discutia a repartio do territrio americano para eleies, comeou a atenuao da doutrina da political question. A Suprema Corte fixou que as cortes federais eram supremas na interpretao do direito constitucional e indicou seis fatores que, analisados caso a caso, poderiam justificar a utilizao da doutrina da political question. Na prtica, a Corte acabou entendendo que o controle jurisdicional cabia em quase todas as questes, mesmo naquelas com forte contedo poltico. Apenas procedimentos e treinamentos de natureza militar, mais a hiptese de impeachment, foram enquadrados como questes polticas[47], no sujeitas a controle jurisdicional. importante deciso de junho de 1971 em que a Suprema Corte foi provocada pelo governo para proibir a veiculao, no New York Times e no Waschington Post, de artigos baseados em documentos secretos do Pentgono sobre a guerra do Vietnam. A Corte decidiu que cabia ao governo o nus de informar sobre os motivos que tornariam as publicaes danosas segurana nacional, o que no foi suficientemente provado[48]. Em 1973, no caso Gilligan versus Morgan, a Suprema Corte, declarou a impossibilidade de julgar a causa sobre composio, equipagem, preparao e controle de uma fora militar, pois a questo s poderia ser percebida sob o ponto de vista militar, daqueles poderes encarregados do controle militar: Executivo e Legislativo[49]. A doutrina da political question perdura e pode ser invocada pelos juzes americanos porque no lhes assiste o dever de julgar, apenas faculdade e oportunidade para apreciar e ponderar a relevncia das questes que lhes so submetidas a julgamento. O sentido da deciso Marbury versus Madison pode ser considerado claro e simples. Declarou-se, ali, a supremacia da Constituio sobre as leis ordinrias. Contudo, tal perspectiva, sem delimitao material ao que se pode entender como integrante do contedo constitucional assusta, principalmente em relao aos direitos, liberdades e garantias[50]. Se de um lado no existe no pensamento americano a noo de inviolabilidade

pessoal do Presidente, dos demais agentes polticos, quanto responsabilizao criminal ou poltica[51], existe um princpio de oportunidade na apreciao dos atos polticos, suportado pela doutrina da political question que d contorno a um quid de inviolabilidade das questes polticas perante o Judicirio. A doutrina da political question foi utilizada pela Suprema Corte americana, por exemplo, para rejeitar writ impetrado por George W. Bush, quando concorria eleio presidencial de 2000. Em razo de divergncia na contagem de votos, realizada de forma manual, conforme ordenado pela Suprema Corte da Flrida, a Suprema Corte americana decidiu que a questo deveria ser submetida s leis do Estado da Flrida[52]. Outro exemplo tpico do non liquet fundado na doutrina da political question foi a deciso da Corte de Massachusetts na Civil Action n.03-10284-JLT, impulsionada por John Doe I e outros contra o Presidente George W. Bush e o Secretrio da Defesa Donald H. Rumsfeld, em 24 de fevereiro de 2002. Na ao, os imputados eram acusados de empreender invaso militar no Iraque sem Declarao de Guerra pelo Congresso ou autorizao do mesmo para tanto. Ter-se-ia violado o artigo I, Section 8 da Declare War Clause. A defesa alegou que no havia jurisdio, pois se tratava de uma questo poltica no sujeita ao controle por parte do Judicirio. Decidiu-se pela political question, ou seja, fixou-se que decises sobre a conduta externa do pas so de ordem poltica, pois envolvem questes cujas resolues so atribudas pela Constituio aos poderes polticos, Executivo e Legislativo. Se houvesse divergncia clara entre os poderes polticos em relao conduo da poltica militar, no se trataria de mera questo poltica, mas de sria questo constitucional a ser resolvida pelo judicirio. Assim, o Judicirio s poderia julgar as polticas de guerra na hiptese de conflito aberto entre o Congresso e o Executivo. Na medida em a Constituio estatui que o Presidente o comandante e o chefe das Foras Armadas e o Congresso, de seu lado, tem poderes para declarar guerra e para criar e manter exrcito e marinha, os dois poderes polticos tm responsabilidades e prerrogativas em relao poltica de guerra. O Congresso, pela case law, no tem poder exclusivo para decidir se os Estados Unidos devem ou no entrar em guerra. Portanto, a ratificao pelo Congresso de atividades de guerra, ou de continuao de guerra no declarada, pode se realizar mesmo sem declarao de guerra formal. A forma a ser adotada e o contedo necessrio para a ratificao cabem exclusivamente ao Congresso apreciar, no ao Judicirio. Discordncias, debates e meras divergncias so caractersticas do relacionamento entre os poderes polticos e no significam conflito intransponvel a ser dirimido pelo Judicirio[53]. Embora o sistema de controle de constitucionalidade norte-americano seja difuso, realizado por qualquer juiz, a sistemtica do case law, sistema de precedentes, utilizada em matria constitucional e statutory law[54]. Em relao s decises tomadas contra o Legislativo, a lei cuja inconstitucionalidade assentada perde eficcia[55]. Tal mecanismo acaba por vincular as decises dos tribunais s cortes federais e s decises da Suprema Corte, o que implica em reconhecer uma centralizao do controle de constitucionalidade, fundado em regras que funcionam no apenas como normas de direito positivo, mas tambm como regras polticojurdicas (rule of law)[56] [57]. Na prtica, garante-se certa inviolabilidade da atividade poltica, por critrios tambm polticos. Tal inviolabilidade instrumentalizada no s pela doutrina da political question, mas tambm por certa centralizao do controle de constitucionalidade materializada na sistemtica do stare decisis[58]. Tem-se aplicado a doutrina em termos abrangentes, no s no campo reservado s relaes exteriores, mas, tambm, em assuntos relacionados poltica interna de governo. Assuntos que envolvem, inclusive, efeitos imediatos sobre a pessoa e a

propriedade dos cidados, direitos civis, portanto[59]. O comportamento da Suprema Corte em relao political question oscilou entre extremos, ora a Corte foi extremamente ativa ao tratar questes polticas, ora se absteve de as tratar. Tal como posta, nos casos mais recentes, a polical question serve mais a opor limites de competncia jurisdicional Suprema Corte do que a fixar mecanismos de interpretao do texto constitucional[60] [61]. 4.2. Inglaterra Afirma Giovanni Bognetti[62] que o direito constitucional britnico, apesar de no apresentar uma estrutura de Constituio formal, no difere substancialmente daquele reconhecido na Europa continental e nos Estados Unidos. Recebem tratamento constitucional as normas provenientes da common law, das leis e das convenes que disciplinam composio e competncia dos rgos com poder de imprio (Coroa, Ministros, Parlamento e as Cortes, de certa forma). Tambm integram a matria constitucional o princpio da diviso de poderes, o compromisso com o Estado de Direito (rule of law), a liberdade e os direitos da pessoa considerados fundamentais em certo momento histrico. Embora a estrutura do sistema constitucional britnico sirva supremacia do Parlamento, consolidado com plenos poderes para fazer ou desfazer qualquer instituto ou norma do sistema, a jurisprudncia e a doutrina no o reduziram a isto. Para a opinio pblica passa a idia de que o poder poltico limitado e vinculado tutela de valores individuais essenciais e de justia. Existe, pois, uma Constituio material, vivente, uma frmula poltica[63], extremamente rgida, fixada pelo sistema de precedentes[64]. Nesse sistema o ato poltico conceituado a partir do ato de poder. Os atos polticos so os atos de imprio que se manifestam como exerccio do poder soberano. So os denominados act of State. Tais atos no podem ser discutidos, fiscalizados ou sofrer interferncia do Judicirio. A deciso do juiz que no conhece de tais atos se traduz como questo de incompetncia, no sendo justificadas perante o direito material. Assim, quando a lide extravasa o mbito de competncia das cortes inglesas, seja invocando a aplicao de normas que no integram a common law, seja apresentando como causa de pedir a ilegitimidade de um ato do soberano, sequer existir possibilidade de apreciao jurisdicional do pedido[65]. O impedimento processual. Nem mesmo se admitiam em relao Coroa (Soberano, Ministros, Departamentos de Governo) a utilizao de instrumentos processuais assegurados no direito privado e vlidos contra autoridades pblicas. A Coroa tinha imunidades, no podia sofrer demandas civis ou criminais perante seus prprios tribunais. Aps o Crown Proceeding Act, de 1947, aes civis e criminais passaram a ser admitidas contra a Coroa, com o impedimento de decises impositivas diretas do Judicirio ou remedies contra a mesma. Medidas de suspenso ou de execuo forada foram evitadas mesmo que tivessem como fundamento a garantia de direitos das partes[66]. Esse posicionamento tem sido relativizado frente s relaes internacionais, em processos da judicial review, de forma a suportar o reconhecimento de direitos no plano individual. Em fevereiro de 1968, a Cmara dos Lordes afirmou que todos os rgos

jurisdicionais ingleses tm poderes contra privilgios da Coroa, privilgios estes de proibir por razes de interesse pblico ou segredo de Estado a produo e utilizao, em juzo, de certos documentos considerados secretos. A deciso reformou precedente de 1942, seguido pelo governo e por tribunais, originado de caso referente ao desastre do submarino Thesis. Firmou-se, na reviso do precedente, que uma deciso incontrolvel do governo no pode impedir que juzes utilizem documentos relevantes a decises sobre a liberdade, a honra e sobre o patrimnio do indivduo. Estava em questo a utilizao de documentos oficiais referentes a investigaes criminais, inacessveis por deciso do ento ministro do interior. A partir da coube aos juzes e no ao governo a deciso final sobre a utilizao em juzo de documentos do Estado. Assegurou-se ao magistrado, tambm, o poder de examinar de forma reservada documentos secretos antes de os publicizar no processo. S ao juiz imparcial competia avaliar os interesses em conflito, individual e do Estado. Tambm a impugnao por parte do governo foi assegurada[67]. O caso Factortame exemplo dessa relativizao no plano da poltica econmica. Neste conflito, a Cmara dos Lordes enfrentou em sua deciso duas posies estranhas ao direito ingls. Em primeiro lugar, no se poderia adotar qualquer providncia cautelar contra a Coroa, conforme antiga regra da common law[68]. Em segundo lugar, a proteo pedida implicaria em aplicar o direito comunitrio (aferido da Comunidade Europia) em detrimento do direito interno[69]. Mesmo assim, em deciso pioneira, o Comit Jurdico da Cmara dos Lordes foi impulsionado pelo Tribunal de Justia da Comunidade Europia a resolver um conflito direto entre uma lei britnica e o Tratado de Roma. Em julho de 1990, o Tribunal de Justia, em questo prejudicial, decidiu pela aplicao do direito comunitrio em proteo de um direito individual[70]. A posio da Cmara dos Lordes, j expressa em outro caso, de mbito da judicial review, era no sentido de ser inadmissvel uma ordem cautelar contra uma lei. A presuno de validade da no se pudesse reconhecer temporariamente direitos contrrios do Parlamento[71]. maro de 1989, no no direito ingls lei fazia com que vontade soberana

Em 2 de outubro de 2000, o sistema jurdico ingls incorporou outro posicionamento. Corte Administrativa (the administrative court) foi instituda de forma a dar efetividade Conveno Europia na ordem jurdica interna e a aplicar o novo Human Rights Act (1998), que dispe ser ilcito o exerccio de funes pblicas com desrespeito aos direitos consagrados na Conveno Europia[72]. J existem juzes ingleses com competncia exclusiva para controlar atos de direito pblico, ou seja, para a judicial review, mediante um recurso chamado the claim for judicial review[73]. Os recursos na Inglaterra, no entanto, e sobretudo os recursos de anulao, so admissveis a critrio da Corte, que os poder recusar por serem contrrios ao interesse geral. A possibilidade da recusa de recursos consolida, na verdade, imunidades e protege de forma especial agentes pblicos ou pessoas que exercem atividade pblica, o que parece contrariar o artigo 6 da Conveno Europia[74]. Est, aqui, embutida, dizem alguns, sob a clusula da contrariedade ao interesse geral, a critrio do juiz, uma clusula de negativa de controle jurisdicional de atos pblicos. Deve-se mencionar, ainda, a existncia de legislao que assegura a defesa e segurana do Estado e que configura o servio de inteligncia britnico, sob a direo e responsabilidade poltica do Executivo. Integram-na o Security Service Act, de 1989, e o Intelligence Services Act, de 1994. Prev-se, ainda, a

existncia de um tribunal com competncia exclusiva, ex post facto, com atuao subordinada a provocao de interessado prejudicado, para determinar se existia, ao tempo da leso de seus direitos, fundamento razovel para a medida restritiva consumada, imediatamente aplicada com a finalidade de assegurar a defesa do Estado[75].

4.3. Frana Conforme Cappelletti, o controle de constitucionalidade francs sobretudo poltico. O Conseil Constitutionnel tem mais natureza poltica do que propriamente jurisdicional. O controle preventivo de constitucionalidade das leis e tratados, ainda no promulgados, por iniciativa do Presidente da Repblica, do Primeiro Ministro, do Presidente da Assemblia e do Senado ou de 60 deputados e senadores cabe, exclusivamente, a este Tribunal. A lei considerada inconstitucional no ser promulgada[76]. Aps promulgao cessa a competncia do Conseil Constitutionnel[77]. Controla-se, assim, de forma preventiva e concentrada a constitucionalidade das leis. A constitucionalidade, a partir do controle prvio, sempre presumida jure et jure. Cabe, ainda, ao Conseil Constitutionnel regrar a repartio de competncias entre o Executivo e o Legislativo e solucionar conflito de competncias[78]. Sustenta-se, contudo, entendimento de que o Conseil Constitutionnel rgo jurisdicional, a mais alta instncia jurisdicional do pas[79]. Assinala Giuseppe di Gaspare, em estudo destinado ao ato poltico italiano e ao ato de governo francs, que a sistematizao da teoria francesa dos actes de gouvernemment recebeu formulao garantista. Isto porque a jurisprudncia do Conseil dEtat desenvolveu a teoria do ato de governo como teoria do ato de execuo direta da Constituio- teoria do ato constitucional. Assim, a fonte de direito dos atos de governo a Constituio, por atribuio imediata de funo ao rgo estatal, especialmente ao Presidente da Repblica[80]. A vontade e o agir do Estado no se apresentam como expresso da vontade e do agir das pessoas fsicas que o compe, mas do feixe de funes ou complexo de funes abstratas, predefinido na lei ou na Constituio. A vinculao ( lei ou Constituio) intrnseca funo administrativa ou poltica em exerccio. A doutrina francesa entende que so insuscetveis de controle os atos que dizem respeito ao relacionamento entre rgos estatais, como o Governo e o Parlamento, e os atos referentes s relaes de direito internacional, como os ligados aos tratados internacionais e declarao de guerra. Mas o entendimento no absoluto. As relaes entre o Presidente e o Governo, as do Executivo com o eleitorado e a nomeao dos membros do Conseil Constitutionnel tambm seriam qualificadas como atos polticos. Com fundamento na teoria do ato de governo, o Conseil dEtat se recusou, at 1990, a conhecer atos que traziam questionamento sobre as relaes do Governo com um Estado estrangeiro ou outro organismo internacional[81]. O cidado ou a pessoa singular no tem legitimidade para suscitar o controle de constitucionalidade. A nica soluo contra atos que aplicam a lei ou a Constituio de forma a causar danos a direitos fundamentais invocar perante os tribunais, ordinrios ou administrativos, tratados e convenes ou desconsiderar a autoria direta, por parte de representantes do Estado, de dano ou violao do direito causada. Apesar de guardio da liberdade, o juiz no tem acesso a violaes por parte da Administrao, nem pode controlar a lei ou atos de governo

frente Constituio. Por deciso de 9 de abril de 1996, no entanto, o Conseil Constitutionnel consagrou o direito proteo jurisdicional efetiva, a recurso jurisdicional, deduzindo-o do artigo 16 da Declarao dos Direitos do Homem de 1789: Toda sociedade, na qual a garantia dos direitos no assegurada, nem a separao dos poderes determinada, no tem Constituio. De seu lado, o Conseil dtat, em 29 de julho de 1998, em deciso relativa a regulamento governamental em que se estabeleciam regras processuais perante os tribunais administrativos, invocou o direito tutela jurisdicional efetiva, desta vez deduzido da Conveno Europia e assegurado como norma de valor constitucional[82]. Os juzes franceses, mesmo os juzes administrativos, pouco a pouco, passaram a invocar princpios de direito internacional como princpios gerais de direito em suas decises[83]. Em relao aos tratados e convenes, normas escritas, o artigo 55 da Constituio francesa no deixa dvidas de que o tratado prevalece sobre a lei em caso de conflito. Em relao s normas internacionais no escritas, entretanto, existe lacuna. Alguma jurisprudncia do Conseil Constitutionnel caminha no sentido de se inserir no bloco constitucional regras de direito internacional no escrito. Assim, um ato legislativo poder ser passvel de controle de constitucionalidade por violao do direito internacional no escrito. Acontece que o Conseil Constitutionnel se julga incompetente para controlar atos legislativos perante regras no escritas de direito internacional[84]. Mas, em deciso sobre o estatuto da Corte Penal Internacional, o Conseil Constitutionnel reconheceu regras de direito internacional no escrito, ao precisar que durante o exerccio de suas funes o Presidente no poderia ser criminalmente perseguido, a no ser por alta traio (deciso 98-408DC, de 22 de janeiro de 1999). Viu-se um conflito entre a regra costumeira de direito internacional segundo a qual um Chefe de Estado, em exerccio, no pode ser submetido a persecuo penal perante Estado estrangeiro e a regra que reconhece crimes de extrema gravidade, como atos terroristas ou de genocdio, imprescritveis e sempre sujeitos a persecuo[85]. O Conseil dtat, no caso Nachfolguer, de 1987, decidiu, tambm, pelo reconhecimento de normas internacionais costumeiras. A violao de normas internacionais no escritas, havendo prejuzo, implica em responsabilizao da Administrao[86]. Em 1999, o Conseil dtat decidiu que a recusa do Primeiro Ministro de submeter a controle constitucional perante o Conseil Constitutionnel uma disposio votada pelo Parlamento no era um ato de governo. Tratava-se de ato administrativo passvel de ser controlado pelo Conseil d'tat[87]. O declnio da teoria dos atos de governo teve como conseqncia uma investida contra as imunidades dos titulares de funes pblicas. Na prtica, cinco ministros franceses, pressionados, renunciaram s suas funes quando se encontravam sob averiguao ou na iminncia de serem perseguidos por abuso de suas funes no governo[88]. Em junho de 2001, na Frana, a Assemblia Nacional props a reforma do regime jurdico de responsabilidade penal do Chefe de Estado, sustentando a submisso do Presidente jurisdio ordinria, por atos cometidos antes da investidura da funo ou sem ligao com seu mandato[89]. Em outubro de 2001, a Cour de

Cassation, impulsionada a decidir causa ambiental com possvel envolvimento do Presidente da Repblica, decidiu que as persecues penais no poderiam ser feitas durante o mandato presidencial e que o Presidente no poderia nem mesmo ser ouvido como testemunha. A competncia da alta Corte para processar o Presidente se restringia apenas a casos de alta traio[90]. Em julho de 2000, o Conseil dtat decidiu, no caso Paulin, que nem o artigo 55 da Constituio nem qualquer outra disposio de valor constitucional dispe que o juiz administrativo deve fazer prevalecer, em caso de conflito, costume internacional ou princpio geral de direito internacional sobre a norma legislativa interna (no caso, norma fiscal francesa). Reconheceram-se vlidos, costume e princpio de direito internacional, apenas em carter supletivo[91]. Vedada estaria a apreciao de constitucionalidade de ato legislativo com fundamento no direito internacional. Em 30 de junho de 2001, sobreveio lei relativa aos rfrs perante a jurisdio administrativa, regulamentando poderes de injuno, suspenso e anulao, do juiz administrativo, para a proteo de liberdades fundamentais contra atos de poder. Assim, j em dezembro de 2001, o Conseil dEtat suspendeu regulamento do Ministro do Ambiente que fixava dias determinados para a caa, com violao do direito comunitrio. Em 24 do mesmo ms e ano, o Conseil dtat entendeu inadmissvel a recusa implcita do Primeiro Ministro de fazer um decreto exigido pelo Cdigo de Sade Pblica e determinou que este o fizesse em trs meses, sob pena de multa de 152,45 euros por dia de atraso[92]. No mbito das relaes internacionais, cada vez mais, o juiz administrativo chamado a solucionar conflitos na perspectiva do direito comunitrio[93]. Toda essa casustica importante para o presente estudo para que se possa visualizar um comeo de descentralizao e de jurisdicionalizao do controle de constitucionalidade no direito francs, inclusive por tribunais administrativos, na prestao jurisdicional concreta. Em relao vida poltica, assiste-se ao incio do controle jurisdicional de atos polticos, ato de governo. Tal controle se verifica realizado no pelo Conseil Constitutionnel, mas pelos demais rgos do Poder Judicirio. Da compreender-se uma jurisdicionalizao orientada em direo ao controle difuso. A compreenso da Constituio como Constituio material, conformada tambm por normas de direito costumeiro ou princpios de direito internacional, mais a disposio de instrumentos processuais para o controle de atos de poder, abre exceo presuno de constitucionalidade das leis e de atos de poder.

4.4. Alemanha O modelo de controle de constitucionalidade alemo muitas vezes classificado como prximo ao modelo austraco intudo por Kelsen (concentrado em Tribunal Constitucional)[94]. Esse enquadramento, no entanto, cabe apenas em termos muito genricos. Entende-se que a compreenso das atividades do Tribunal Constitucional no pode vir desvinculada de razes histricas e filosficas. este o diferencial. Procuram-se evitar desvios, erros e abusos de direito, partindo-se do pressuposto de que

existe um direito supralegal e de que a lei posta pode ser injusta e antijurdica[95]. Por meio do controle de constitucionalidade das leis e de atos do poder, buscamse, ao mesmo tempo, legitimao e limitao das decises polticas, s vezes considerando-se o aspecto material, outras vezes atendo-se a formalidades, procedimentos e contedos implcitos. H plena conscincia por parte dos juzes constitucionais de que a funo que exercem encontra-se demarcada pelo princpio democrtico e pela afirmao dos valores constitucionais, em um equilbrio delicado, entre a regra da maioria e as garantias constitucionais[96]. Desta forma, procura-se garantir tanto o pluralismo como a proteo das minorias, consideradas legitimadas para reclamar na jurisdio direitos no mbito interno dos rgos constitucionais. O Tribunal Constitucional funciona como suprema corte, sobretudo quando atua como ltima instncia na funo de garantir direitos fundamentais. Atua, no plano subjetivo, aps esgotamento de recursos e manifestao dos demais tribunais. Mediante a Verfassunsbeschwerde, recurso posto disposio tanto de pessoas como de grupos, o tribunal atua no caso concreto com eficcia contra atos do poder pblico, inclusive decises polticas (lei, regulamentos, atos administrativos, do executivo e judiciais). O Tribunal Constitucional atua jurisdicionalmente quando impulsionado pela Verfassunsbeschwerde, com dupla funo: subjetiva (proteo de direitos) e objetiva (interpretao e proteo do direito constitucional objetivo). Contra decises do Executivo, no entanto, o Tribunal pode se manifestar no caso concreto por via direta[97]. A competncia originria. A proteo jurisdicional de direitos plena, no se admitindo formas e atos de autoridades com tratamento diferenciado em razo de natureza ou finalidade poltica[98]. A Lei Fundamental alem[99] confere competncia ao Tribunal Constitucional Federal para decidir sobre conflitos constitucionais entre rgos supremos da Federao e outros rgo com poderes prprios. Conflitos estes firmados sobre a extenso de seus direitos e deveres. A competncia do Tribunal Constitucional, nesta hiptese, justifica-se no fato de que toda atividade poltica deve ter como respaldo a norma constitucional e que cabe ao tribunal o direito/dever de interpretar a Constituio[100]. Com fundamento em estudo de Klaus Stern, Fbio Konder Comparato traz a conhecimento que ao se declarar competente para afirmar a prpria competncia, o Tribunal Constitucional, na dcada de 70, aplicou um princpio de autoconteno, recusando-se a fazer poltica, a interferir no campo constitucionalmente estruturado e conformado livre atuao poltica. Tal atuao, fez configurar-se uma reserva, um espao de livre atuao poltica deixado aos demais rgos constitucionais[101]. A doutrina, entretanto, rejeita a invocao da political question para explicar o fenmeno da autoconteno. Como se trata de dever e no de faculdade, o Tribunal Constitucional no pode deixar de se manifestar. No existe possibilidade do non liquet. Sendo assim, no possvel na sistemtica alem aplicar de forma explcita a doutrina da political question[102]. No significa dizer que a jurisdio intervir sempre e que todos os atos pblicos sero controlados. H, processualmente, momento reservado verificao de

requisitos de admissibilidade do pedido de apreciao jurisdicional, onde se verificam a existncia de leso efetiva ou iminente de direitos e interesse legtimo da parte reclamante, o que de certa forma funciona como condicionamento do acesso jurisdio[103]. exemplo a proibio do Cdigo de Processo Penal alemo de utilizao de documentos secretos, assim declarados pelo Executivo, em processos criminais, a ttulo de preservao da segurana do Estado. Contudo, sob a tica da tutela efetiva, o segredo recorrvel pelas partes do processo criminal perante os Tribunais administrativos, os quais decidem se o funcionrio pblico poder testemunhar e se os documentos podero ser utilizados [104]. Podem ser parte no procedimento para a soluo de conflitos entre rgos constitucionais o Bundestag, o Bundesrat, um deputado ou um partido poltico. Nestes casos, h competncia originria e jurisdio imediata em matria constitucional. A ao s admitida se o rgo de que faz parte o consultor foi lesado ou esteve sob ameaa de leso em deveres e direitos prprios, conferidos pela Constituio. Nestes procedimentos, o Tribunal apenas declara se a Constituio foi violada ou no pela medida ou omisso impugnadas. A deciso no mandamental ou injuncional, de orientao[105] . O Tribunal Constitucional da Repblica Alem se comporta como poder poltico. Contudo, por mais que suas decises contemplem aspectos polticos, no tarefa do Tribunal apreciar razes de oportunidade poltica. Na verdade, no cabe ao Tribunal intervir no processo poltico, mas, sobretudo, orientar e condicionar a deciso poltica, quando provocado, por meio de uma tica jurdicoconstitucional[106]. Neste particular, interessantssima a contribuio do Tribunal Constitucional para prevenir conflitos futuros entre rgos constitucionais. Embora sua funo precpua esteja mais ligada proteo de direitos fundamentais e garantia da Constituio, o Tribunal Constitucional forado a se manifestar na conformao das decises polticas justamente porque os polticos o procuram para a soluo de seus problemas especficos[107]. Na verdade, a contribuio do Tribunal Constitucional alemo maior no sentido de constitucionalizar a atividade poltica e menor no sentido de controlar jurisdicionalmente atos polticos. Em resumo, compete ao Tribunal Constitucional[108]: a) conhecer de recurso constitucional (Verfassungsbeschwerde), interposto por qualquer pessoa que tiver direitos violados pelo poder pblico (lei, regulamentos, atos administrativos, atos do executivo, decises jurisdicionais, inclusive a negativa de tutela cautelar), sem a necessidade de interveno de advogado, mas condicionado o recurso ao esgotamento dos recursos ordinrios. b) controle abstrato (por iniciativa do Governo Federal ou de 1/3 dos membros do Bundestag) e concreto de normas (questo prejudicial constitucional apresentada por tribunal com suspenso do processo principal, inclusive o administrativo); c) conflito entre rgos (admite-se at a legitimidade postulatria de deputados individualmente considerados ou grupos minoritrios); d) conflitos federais entre a Federao e os Lnder ou dos Lnder entre si. e) procedimento de impeachment do Presidente da Repblica e de juzes (nunca ocorrido);

f) procedimento para proibio de partidos polticos (dois procedimentos j foram instaurados contra o partido comunista -Kommunistische Partei Deutschlands, em 1956 e contra o partido socialista do Reich- Sozialistische Reichspartei, em 1952); g) recursos eleitorais. Pode-se citar como exemplo da atuao do Tribunal, na orientao da atividade dos rgos constitucionais, a deciso de 1994, em que o Tribunal decidiu pela constitucionalidade da interveno das Foras armadas alems em misses de paz empreendidas pela ONU, na Somlia, desde que ouvido o Parlamento. O Tribunal fixou, nesta deciso, regras de competncia entre Governo e Parlamento[109]. Outro exemplo apresentado pela sentena de dezembro de 1984, em que o Tribunal Constitucional decidiu, provocado pelo Partido Verde, sobre a autorizao para a instalao de msseis americanos no territrio alemo. A questo era poltica: defesa das relaes exteriores. Mas o Tribunal conheceu do conflito, pois a questo se fundava em desrespeito por parte do Governo de procedimento previsto, no qual se previa como requisito do ato a autorizao do Bundesrat. O Tribunal reconheceu que o ato era poltico, da funo do governo, mas no deixou de o apreciar sob o ponto de vista procedimental. O procedimento foi estabelecido como condio de legitimidade do ato poltico[110]. Em relao aos direitos fundamentais, desde 1945 o direito alemo pe disposio do particular contracautelas para a proteo de direitos contra a atuao imediata dos agentes estatais. Assim, h possibilidade de proteo imediata mesmo antes da utilizao da Verfassungsbeschwerde. De forma a possibilitar o reexame das medidas constritivas, sob o ponto de vista daquele que teve seus direitos violados, introduziram-se mecanismos de proteo de direitos subjetivos contra o poder estatal. Duas conseqncias sobrevieram: a jurisdio administrativa foi incorporada formalmente ao poder judicirio e os procedimentos administrativos perante a jurisdio administrativa foram modificados para permitir a defesa de direitos individuais, direitos subjetivos contra a Administrao. Assim, a jurisdio incorporou poderes no s de anulao das medidas administrativas, mas tambm poderes mandamentais, para conservar e garantir direitos dos particulares contra a Administrao. A funo jurisdicional, no que diz respeito atividade administrativa, no fica limitada a constatar a violao do direito objetivo, pois ampliada para satisfazer direitos do particular que tiver razo, com medidas cautelares direcionadas Administrao, para fazer ou deixar de fazer algo, em defesa dos direitos do particular[111]. Pode-se trazer colao, para exemplificar a atuao dos tribunais alemes, a sentena de Atlanta, do Tribunal de Justia, proferida em 1995, sobre a possibilidade de as jurisdies nacionais adotarem medidas cautelares positivas contra regulamentos comunitrios. Tal questionamento foi suscitado por questo prejudicial levantada pelo Tribunal administrativo de Frankfurt. Caso o Tribunal nacional no pudesse adotar tais medidas contra o direito comunitrio, questionarse-ia a prpria constitucionalidade da ratificao do Tratado de Maastrich, j que o Tribunal Constitucional j fixara que a medida cautelar positiva direito fundamental compreendido no direito tutela efetiva. Note-se que o Tribunal Constitucional alemo, apesar de ser rgo de reviso supremo e detentor ltimo do controle de constitucionalidade do direito objetivo, transformou-se em espao aberto para discusso de questes polticas, inclusive daquelas trazidas com fundamento em leso ou ameaa iminente de leso de direitos causados por deciso poltica. Apesar do controle de constitucionalidade ser concentrado e difuso, por meio de incidentes de constitucionalidade levados ao

Tribunal, est completamente aberta a via para discusses de causas polticas, inclusive ao cidado comum, por meio da Verfassungsbeschwerde.

4.5. Itlia A teoria italiana dos atos polticos se desenvolveu a partir da noo de ato de imprio. O Consiglio di Stato italiano construiu a doutrina do ato poltico como atti extra juris ordinem[112]. Prevaleceu na doutrina italiana o entendimento de que os atos polticos identificavam-se pela finalidade, ligada considerao do interesse geral do Estado e preservao da unidade estatal[113]. O ato poltico foi identificado e localizado pela doutrina, ao longo do tempo, nas relaes entre Governo e Parlamento (apresentao de projetos de lei, nomeao e destituio de Ministros, promulgao de leis); nas relaes internacionais; nas medidas de ordem interna; no poder de graa do Chefe de Estado; em atos movidos a garantir a ordem pblica e, por fim, nos chamados atos de exceo[114]. Nesse terreno, viu-se ampliada a interveno penal do Judicirio em razo de novas figuras criminais, configuradoras de crimes praticados na administrao pblica, crimes financeiros e crimes ligados a bens e interesses coletivos e sociais (sade, ambiente, segurana, terrorismo, mfia e trfico de drogas). A exploso de maxiprocessos penais e a atuao do judicirio como contrapoder estatal, nessas reas, configurou o que se pde chamar de justia poltica[115]. Este fenmeno esteve ligado corrupo no exerccio da funo poltica e administrativa, ineficincia dos outros poderes do Estado em lidar com novas formas de criminalidade que se enraizavam na atividade dos prprios poderes e desconfiana nos controles polticos e administrativos. A responsabilizao penal, na Itlia, acabou por se firmar como principal forma de controle das atividades pblicas[116]. Este fenmeno na Itlia foi implantado, segundo Ferrajoli, como um direito penal diferenciado, prolongamento da situao de exceo. E foi entendido, na poltica e no mundo jurdico, como perfeitamente coerente com a Constituio, o que tornou difcil diferenciar exceo de normalidade[117]. Ao estudar, no direito ingls e no americano, decises sobre documentos secretos por razes de Estado em conflito com o direito de defesa, proferidas na dcada de setenta, Cappelletti afirmou que enquanto as cortes americanas e inglesas decidiam pela tutela do direito individual e o acesso a documentos secretos, o Tribunal de Roma sequer levantava a hiptese de ilegitimidade constitucional de decises do Executivo que faziam omitir direitos de defesa no processo penal, direitos estes fundamentais, previstos na Constituio italiana[118]. Em outra comparao, Cappelletti questionou o segredo poltico-militar imposto pelo Governo italiano a contas bancrias de um ex-ministro e sua mulher. Segredo este acatado pelo magistrado que absolveu os acusados, o qual teria prevaricado, ao descumprir o dever constitucional de promover a persecuo penal[119]. Falar em ato poltico, contudo, no seu sentido especfico, no direito italiano, implica abordar a noo de indirizzo politico. Trata-se de funo poltica relativa ao programa de governo, tais como determinao do programa de governo, segurana do Estado nas relaes internacionais, poltica militar e segurana interna (luta contra a criminalidade e terrorismo), determinao das relaes com a Unio Europia, relaes com a Igreja catlica e com as confisses religiosas, relaes entre regies autnomas e finanas pblicas. Insere-se no contexto a atividade do corpo de ministros. O indirizzo governativo aparece na iniciativa

legislativa em vrios setores, nos decretos com fora de lei, na impugnao de lei regional e na soluo de conflitos de atribuio[120]. Com o Estado liberal democrtico, a situao de autonomia do Governo perante o Parlamento, reforada pelo conceito juridicamente indeterminado de ato poltico, mudou. Passou-se a exigir um contedo constitucional para todo ato poltico[121]. O Tribunal Constitucional italiano, em deciso que apreciava a constitucionalidade dos decreti-leggi, amplamente utilizado pelo Governo como expresso do ato de governar, fixou em 1995 jurisprudncia no sentido de que era competente para analisar os pressupostos de urgncia e necessidade do decreto legislativo antes do controle exercido pelo Parlamento, quando o decreto-lei j se transformaria em lei propriamente dita. Assim, foi julgado inconstitucional um decreto-lei por falta do pressuposto de urgncia. Em outra deciso, o mesmo Tribunal decidiu que a reiterao dos decreti-leggi no convertidos em lei era contrria Constituio[122]. A doutrina de atos polticos desenvolvida na Itlia conexa funo de indirizzo politico e compreendida como aquela que aplica de forma imediata a Constituio. Compreendeu-se que no existia propriamente liberdade quanto finalidade dos atos polticos, pois esta seria sempre vinculada materializao da Constituio. Mas haveria, sim, liberdade na escolha de meios para perseguir os objetivos constitucionais[123]. Em avano, a doutrina passou a compreender o indirizzo politico tambm pelo seu aspecto procedimental, instrumental para a consecuo da finalidade prevista. Assim, entendeu-se o indirizzo politico tambm como um ato complexo (de fattispecie complexa) realizado por meio de diversos atos ou at com titularidade atribuda a diversos rgos, atuando simultaneamente ou em momentos separados mas direcionados a nica finalidade. Os meios utilizados para o exerccio da finalidade constitucional passaram a ser garantia de efetividade do indirizzo politico. Da a visualizao do ato poltico tanto pelo aspecto formal como pelo aspecto material[124], podendo-se control-lo s vezes pela forma em que exercitado, outras vezes pelo contedo materializado. Fica evidenciado o direito como meio para a consecuo da poltica. Sentido, orientao e finalidade so-lhe determinados aprioristicamente pela atividade poltica conformadora do indirizzo politico[125]. Por emenda datada de 23 de novembro de 1999, foi incorporada Constituio italiana, no artigo 111, a clusula do giusto proceso. A nova formulao da carta italiana veio reforar garantias e possibilitar a aplicao, no direito interno, da Conveno Europia dos Direitos do Homem. Pretendeu-se, assim, delinear o giusto proceso, tambm substancial, voltado a garantias de direitos[126]. Na Itlia, a jurisprudncia no considera tratados e convenes como norma constitucional. A Conveno aplicada diretamente, mas tem status de lei ordinria. , portanto, modificvel por lei nacional posterior e passvel de no ser aplicada por juzes e tribunais[127]. O direito tutela efetiva e o direito ao processo temporalmente delimitado no assumiam caractersticas de direitos fundamentais. Tais mecanismos incorporados Constituio servem a restabelecer uma ordem jurdica garantstica, recomposta aps longo tempo de prtica judiciria excepcional. O controle de constitucionalidade difuso existe para a apreciao de questes de inconstitucionalidade levantadas pelos magistrados e centralizado no Tribunal Constitucional. Normalmente, invocado quando o magistrado entende que a aplicao da lei rigorosa e pode causar injustias. O Tribunal no controla a constitucionalidade da lei, mas a adapta ao caso concreto. Pode-se falar que coopera com Parlamento, no o controla[128]. No existe, assim, a possibilidade de

recursos individuais ou de grupos parlamentares ao Tribunal Constitucional para a tutela do direito constitucional, nem mesmo para a tutela da pessoa lesada em seus direitos fundamentais por atos de imprio (legislativo, administrativo ou jurisdicional)[129]. A tutela de um direito fundamental da competncia de tribunais comuns (civis, penais e administrativos), seguindo um procedimento tambm utilizado para os interesses comuns, fundados em legislao ordinria[130]. Os direitos garantidos na Constituio, como o direito sade, instruo, privacidade tm proteo garantida, inclusive nas relaes com a administrao pblica, pelas medidas cautelares atpicas previstas no Cdigo de Processo Civil. O Tribunal Constitucional, em sentena datada de 28 de junho de 1985 estendeu os poderes de concesso da tutela cautelar de urgncia aos juzes administrativos, para causas com contedo patrimonial e relativas ao emprego pblico[131]. A lei 173 de 21 de julho de 2000 conferiu poderes ao juiz administrativo para editar medidas cautelares, cumpridas e executadas, inclusive, mediante coero pecuniria[132]. O Tribunal Constitucional italiano, tal qual o Tribunal Constitucional alemo, interfere nos conflitos de competncia entre rgos constitucionais. Atua, nestes casos, como juiz imparcial e como rgo integrador das lacunas e ambigidades constitucionais[133]. No , contudo, invocado diretamente para a proteo de direitos constitucionais.

4.6. Espanha A lei da jurisdio contencioso-administrativa, de 1956, excluiu expressamente os atos polticos do controle jurisdicional administrativo e os diferenciou dos atos administrativos discricionrios. Dizia a exposio de motivos que os atos polticos no podiam ser considerados espcie de atos administrativos. Tambm no podiam ser caracterizados pelo maior grau de discricionariedade em relao aos atos discricionrios. Os atos polticos deveriam ser compreendidos como includos na funo poltica, confiada exclusivamente aos supremos rgos estatais. Inseriam-se no conceito de ato poltico os atos ligados defesa do territrio nacional, s relaes internacionais, segurana interna do Estado e s questes militares[134]. Pouco a pouco, a jurisprudncia passou a considerar como ato poltico atividades essencialmente administrativas. sombra dos atos polticos, acobertavam-se, por exemplo, atividades repressivas de condutas contrrias ordem pblica, desdobradas com finalidade poltica. Isentavam-se, assim, atividades de represso poltica do controle jurisdicional [135]. Alguns autores, entre eles Garca de Enterra, chegaram a afirmar a inexistncia ou inutilidade dos atos de governo, num contexto onde Poltica e Direito no se diferenciam. A partir da lei de 1956 teriam sobrevivido apenas duas hipteses de atos polticos distintos dos atos administrativos: atos de relaes internacionais e atos de relaes entre rgos superiores, fundadas estas na Constituio (relaes entre Executivo e Parlamento)[136]. Tais atos, contudo, embora no sujeitos jurisdio administrativa, sujeitam-se a rgos jurisdicionais internacionais e jurisdio constitucional, razo pela qual no se pode falar em imunidades ou incontrolabilidade[137]. Entre as medidas relacionadas segurana interna do Estado, compreendidas como funo de governo na lei de 1956, encartar-se-iam apenas aquelas de declarao de estado de exceo e de guerra, no as medidas repressivas individuais[138].

A Constituio de 1978 introduziu uma clusula geral de tutela efetiva frente s atividades dos poderes pblicos e deixou claro a sujeio dos cidados e dos poderes pblicos Constituio e ao ordenamento jurdico[139]. Ficou afastada qualquer possibilidade de imunidade judicial de titular do poder pblico, razo pela qual entendeu-se superado o conceito de ato poltico[140]. O recurso de amparo, disposio de pessoas de direito pblico e privado, pessoas fsicas, jurdicas, do Defensor del pueblo, do ministrio pblico e de rgos do Estado, com postulao perante o Tribunal Constitucional, frmula subsidiria de proteo de direitos, expresso do direito tutela efetiva, concreta, de direitos fundamentais[141]. Por meio deste remdio constitucional o Tribunal Constitucional constantemente provocado a decidir sobre poltica de governo, atuando sobre atos jurdicos (questes de direito) e sobre comportamentos materiais (questes de fato)[142]. Atos no submetidos jurisdio administrativa e no passveis de recurso por violao de direitos fundamentais so controlados pelo Tribunal Constitucional, dando-se enfoque competncia constitucionalmente fixada para a atuao de determinado rgo soberano (ex.: conflito entre rgos constitucionais, relao entre Estado e Comunidades Autnomas). Conflitos de competncia entre rgos com funes constitucionais, especialmente entre o Governo e as cortes generales (Congresso), so dirimidos perante o Tribunal Constitucional. O Tribunal, impulsionado pelo rgo usurpado em suas funes pode, no conflito de competncias, declarar nulo atos realizados por rgo incompetente. Insere-se na competncia do Tribunal Constitucional, da mesma forma, o conflito de competncias, negativo ou positivo, entre o Estado e as comunidades autnomas[143]. O Governo se responsabiliza politicamente perante o Congresso dos Deputados, sujeitando-se a moo de censura e a troca de Presidente. Paralelamente, atos sujeitos ao controle poltico podem ser controlados perante Tribunal administrativo. Mesmo que no qualificados como administrativos, recebem enquadramento no Direito Administrativo. Em sentena do Tribunal Constitucional (45/90), em amparo, ficou consignada a posio do Tribunal de no admitir que atos administrativos com finalidade poltica fossem subtrados ao controle jurisdicional. Tal deciso sobreveio por violao do artigo 24 da Constituio pelo Conselho de Ministros, o qual teria deixado de implementar frmulas e meios de acesso tutela efetiva constitucionalmente garantida. Afirmou-se, ali, tambm, a existncia de rgos com natureza bifronte, ou seja, rgos ao mesmo tempo constitucionais e administrativos, como o Conselho de Ministros, com funo de direo poltica. Funo que no se refere diretamente a situaes jurdicas subjetivas, nem mesmo se enquadra na esfera de auto-organizao da Administrao do Estado. Fogem, portanto, do direito administrativo e da esfera de competncia da jurisdio contencioso-administrativa. Parecia, primeira vista, revivida a teoria dos atos polticos, mas a sentena foi prolatada em outro contexto. Apesar do entendimento de que a transcendncia poltica da questo submetida ao Tribunal Constitucional no impedia a verificao dos limites e obrigaes constitucionalmente impostos, ou seja, vinculao ao programa constitucional, o amparo no foi conhecido por ilegitimidade de parte e por falta de requisito essencial utilizao do remdio constitucional: violao ou ameaa a direito concretizada ou a se concretizar. As corporaes de advogados impetrantes foram consideradas sem legitimidade processual para defender em nome prprio direitos de todos os jurisdicionados. Tambm o requisito da leso efetiva e concreta de direitos no havia sido observado[144]. Na verdade, a falta de

instrumentos processuais para o reclamo da inconstitucionalidade por omisso assemelhou-se, em resultado, incontrolabilidade dos atos polticos. Outra deciso que pode ser considerada exemplo de superao da teoria dos atos polticos foi dada pelo Tribunal Supremo em 4 de abril de 1997. Decidiu-se ali que documentos taxados de secretos pelo Governo, porque ligados luta contra o terrorismo, poderiam ser usados na instruo penal em defesa de direitos fundamentais[145]. Deu-se prevalncia proteo de direitos fundamentais, ao direito tutela efetiva, em detrimento do interesse de segurana e defesa do Estado[146]. Antes da deciso, o Tribunal de Conflitos, em dezembro de 1995, decidira excluir documentos classificados como secretos de processo contenciosoadministrativo. O Tribunal Constitucional decidiu, em recurso de amparo, que no se podia deduzir da deciso do Tribunal de Conflitos a existncia de matrias reservadas, imunes ao controle jurisdicional. A classificao dessas matrias pelo Conselho de Ministros podia ser impugnada na via ordinria, perante jurisdio contencioso-administrativa. No esgotadas as vias jurisdicionais, inadmitia-se o amparo[147]. A supresso dos atos polticos do ordenamento jurdico espanhol veio a ser solidificada com a lei do governo de 1997 e com a lei da jurisdio contenciosoadministrativa de 1998. A primeira dispe que que os atos de governo sero impugnveis perante a jurisdio contencioso-administrativa. A segunda estabelece que a proteo de direitos fundamentais, os regramentos e as indenizaes relativas aos atos de governo, de qualquer natureza, esto submetidos jurisdio contencioso-administrativa. Esto previstos recursos e medidas assecuratrias contra atos administrativos, contra atos lesivos praticados em via de fato, contra omisso, contra atos preparatrios de contrato, bem como poderes de injuno do juiz administrativo para ordenar que se realize determinada prestao, inclusive com medidas coercivas. Tudo isso para que se realizem os dispositivos constitucionais[148]. O tema dos atos polticos, contudo, tende a reaparecer com a criao do Centro Nacional de Inteligncia, viabilizado pela lei 11/2002, ligado ao Governo, institudo com a finalidade de proteger e promover interesses polticos, econmicos, industriais, comerciais e estratgicos da Espanha e prevenir perigo ou ameaa independncia, soberania e integridade territorial. Previu-se, ainda, na lei orgnica 2/2002, a criao de nova competncia jurisdicional legada a magistrado do Tribunal Supremo para autorizar, tambm com finalidade preventiva, medidas que afetem direitos individuais, tais como interceptao telefnica e violao de domiclio, bem como a classificao de documentos como secretos[149] .

4.7. Amrica Latina Jean Rivero, em seu Curso de Direito Administrativo Comparado, questiona a existncia de um sistema de direito administrativo peculiar nos pases latinoamericanos. A influncia do sistema norte-americano de controle de constitucionalidade e o controle de legalidade da Administrao, orientado pelo sistema europeu-continental, de origem francesa, seriam fatores diferenciadores, conformadores de um sistema especfico. Acontece que, na opinio do autor, apesar da influncia norte-americana, os mtodos de raciocnio e a tcnica jurdica utilizados nestes pases seguem o direito europeu-continental. Da, salvo pequenas excees, entende no haver, na prtica, diferenas realadas. Outro fator que, ainda segundo o autor mencionado, aconselha no identificar um sistema latinoamericano peculiar, diz com a instabilidade poltica que, apesar da profuso de regramentos constitucionais relativos ao regime administrativo, interfere no regime administrativo destes pases. Em regra, as instituies no tiveram tempo

de incorporar regramentos constitucionais, o que faz evidenciar uma prtica jurdica que comporta grande diversidade de solues, substancialmente diferente daquela idealizada em teoria[150]. Esse pensamento to explicitamente traduzido por Jean Rivero permeia, na verdade, a maior parte das obras daqueles que se preocupam com o direito comparado. assim que Giuseppe Vergottini oferece a Amrica Latina como exemplo de sistema globale de controle da constitucionalidade, prximo quele concebido ao tempo de Weimar, no qual o Estado se ocupava do controle da constitucionalidade. Tal qual o chefe de governo tinha o poder de decidir sobre o estado de exceo, na Amrica Latina, era o poder militar quem garantia a Constituio, seja por meio da concentrao do indirizzo politico (governo direto) seja mediante superviso e possibilidade de interveno (governo indireto). Assim foi definido, assegura o autor, na Constituio do Peru de 1933, na do Paraguai, de 1940, na do Equador de 1945, na do Brasil, de 1946 e assim por diante[151]. Note-se que a assertiva de que cumpria aos militares a garantia da Constituio, nos Estados totalitrios da Amrica Latina, questionvel. Transparece, na situao, o significado ambguo da palavra Constituio, principalmente quando considerada a Constituio material, na maior parte das vezes subvertida na ordem jurdica destes pases[152]. Vem a advertncia de que tudo depende da compreenso que se tenha de Constituio. necessrio, portanto, situar devidamente o contexto em que sustentada a inexistncia de um modelo tipolgico de controle de constitucionalidade na Amrica Latina. Mauro Cappelletti, apesar de reconhecer, com fundamento na obra de James A.C. Grant[153], a contribuio das Amricas para um sistema de controle de constitucionalidade das leis com carter jurisdicional[154], e de fixar a originalidade do mandado de segurana brasileiro e do juicio de amparo mexicano, omite de seu panorama tipolgico o tipo de controle judicirio de constitucionalidade prprio aos pases da Amrica Latina. Mesmo advertindo que no entende de todo correta a afirmao de Dieter Engelhardt no sentido de que a justia constitucional nos pases latino-americanos funciona simplesmente como substituta da justia administrativa[155] e admitindo que, na verdade, estes sistemas mistos ou intermedirios de controle de constitucionalidade dificilmente se enquadrariam nos dois grandes blocos de controle, o difuso e o concentrado, tendo-se em vista o modo como a questo de legitimidade constitucional resolvida, por via de ao e de exceo[156], Cappelletti no estabelece novos parmetros para a conformao de outro modelo tipolgico. Contudo, deixa a opinio de que na Amrica Latina que se encontra mais evidente um fenmeno de confluncia entre civil law e common law tambm no que diz respeito aos princpios de direito pblico, em especial do direito constitucional[157]. Apesar da diversidade cultural, da variao de influncias do direito aliengena e de profundas diferenas no direito processual, estudos em torno da planificao de um Cdigo de Processo Civil para a Amrica Latina, a fim de possibilitar cooperao internacional, buscou certa homogeneizao[158] [159]. Tambm o Pacto de So Jos da Costa Rica[160] serviu como padronizao de expectativas em torno da proteo dos direitos humanos e do que se entende como devido processo legal, tambm substancial, no mbito jurisdicional e administrativo[161]. Embora no haja homogeneidade no que diz respeito utilizao de um controle difuso ou concentrado de constitucionalidade, havendo pases que praticam os dois sistemas e outros que optam pelo modelo difuso, pode-se dizer que prepondera a outorga ao Judicirio da guarda da Constituio, de modo concentrado ou difuso, mas sem a funo de apreciar incidenter tantum a constitucionalidade das leis[162]. O controle de constitucionalidade se faz por via direta ou por exceo mediante a aplicao da lei ao caso concreto. Quer isto dizer que no controle

difuso e no concentrado, via exceo, a apreciao da constitucionalidade da lei no se faz dissociada do caso a ser julgado. No vincula e no tem efeito erga omnes, portanto. Julgam-se, assim, fatos e atos sobre o parmetro da legalidade e da constitucionalidade. V-se, nos pases latino-americanos, uma jurisdio constitucional especial que rompe com os modelos tradicionais, concentrado e difuso, estabelecidos a partir de anlise de elementos formais e institucionais. Nestes pases, o controle de constitucionalidade entendido, sobretudo, como um controle material, substantivo garantido mediante tcnicas processuais, mecanismos jurisdicionais[163]. Outro ponto em comum diz com a jurisdio constitucional das liberdades[164], ou seja a previso de instrumentos processuais assegurados pela Constituio para tutelar direitos contra leis, decretos, atos de governo e de quaisquer autoridades, inclusive juzes no exerccio da funo jurisdicional (mandado de segurana, habeas corpus, habeas data, amparo). Em alguns pases, como no Brasil, tal tutela estendida para assegurar direitos e interesses coletivos, despersonalizados (mandado de segurana coletivo, ao civil pblica, ao popular), o que possibilita ampliar o quadro dos direitos materiais garantidos em diversos planos: sade, ambiente, educao, patrimnio pblico, interesse pblico, implementao de polticas pblicas e outros mais[165]. Note-se, ainda, que o modelo misto de controle de constitucionalidade, conjugado com a instrumentalizao processual da tutela coletiva, tem suma importncia nos dias de hoje na fiscalizao de atos polticos pelo Judicirio, por via de ao e no propriamente por exceo ou questionamento incidental. Dada a substitutividade processual na defesa de interesses individuais por rgos pblicos ou coletivos, assenta Dinamarco, o fenmeno chega a assemelhar-se jurisdio voluntria e vem a ser chamado de tutela coletiva de ofcio ou coletivizao de ofcio dos litgios individuais. A busca de resultados no mbito poltico e social, fora do plano puramente tcnico, direcionada a maximizar a soluo de conflitos e leses a direitos e segue no sentido de criar normas antes inexistentes e no de aplicar simplesmente a lei ao caso concreto[166]. As cortes supremas na Amrica Latina so chamadas a prestar jurisdio por meio desses instrumentos processuais, seja em razo de competncia originria (ex.: contra atos do presidente), seja em via recursal[167]. O controle de constitucionalidade, nos pases latino-americanos tem, ento, ligao estreita com o controle pelo Judicirio de qualquer ato de autoridade, dos dispositivos de leis, visando, em muitos casos, a tutela de direitos fundamentais[168]. No que se refere aos direitos coletivos, difusos e individuais homogneos, dado o controle difuso aplicado em caso concreto, assiste-se proliferao de julgamentos com eficcia ampliada a fatos conexos ou situaes assemelhadas que acabam por assegurar eficcia s polticas pblicas assentadas na Constituio[169]. A legitimao processual conferida a associaes e ao ministrio pblico para buscar na jurisdio a inconstitucionalidade de polticas pblicas, adotadas em desconexo ou omitidas, acaba por transformar o Judicirio e o ministrio pblico em agentes polticos do Estado[170]. Mesmo que se questione a legitimidade democrtica para tanto, trata-se de um mecanismo de controle das polticas pblicas previsto em lei e j exercido pelas instituies com atribuio [171]. A jurisdio constitucional assim posta, aberta a diversidade de causas, apresenta problemas de intranqilidade quanto interpretao constitucional e de instabilidade quanto aos critrios de deciso, problemas j h muito ressaltados por Cappelletti, quando percebeu incompatibilidade entre o sistema difuso e o concentrado em pases que no adotam o princpio do stare decisis[172].

Mas, por outro lado, tem prevalecido o aspecto positivo. A dinmica constitucional e o pluralismo na interpretao do que se entende por Constituio e normas constitucionais tm possibilitado uma jurisprudncia constitucional rica e tm viabilizado a manuteno de bases democrticas contra sistemas autoritrios, de longa data recorrentes na Amrica Latina[173]. Tal atuao, contudo, embora tenha se firmado em reas de implementao de polticas pblicas e de controle dos atos do Executivo, no se manifesta com a mesma expresso garantista no mbito do direito criminal repressivo, na defesa de direitos e garantias frente persecuo penal. Neste campo, evidente um retrocesso, muitas vezes fundamentado na luta contra o crime organizado, contra a corrupo ou para a responsabilizao penal daqueles titulares de funes pblicas. Note-se, inclusive, que na maior parte dos Estados latino-americanos a competncia para tratar de assuntos ligados cooperao jurdica internacional tende a ser centralizada em um rgo especial, no jurisdicional, desvinculado do Judicirio e inserido na estrutura orgnica do Executivo. Mesmo que tal competncia seja atribuda a rgo ligado ao Judicirio, ligado Suprema Corte de Justia, a atribuio concebida como sendo de natureza administrativa e no jurisdicional. Procura-se separar as funes de tal forma que as informaes desse rgo especial, referentes interpretao do direito estrangeiro ou nacional, no interfiram nas decises do Judicirio nacional, sob a forma de precedentes. Assim posto, as consultas a este rgo (chamado no Uruguai de Autoridade Central), no vinculam nem o Estado consultado nem o Estado consultor[174]. Delineia-se, pois, uma exceo poltica garantia jurisdicional. A importncia dessas unidades administrativas centralizadoras, viabilizadoras do comportamento externo do Estado no cumprimento de tratados, convnios e protocolos internacionais para a temtica dos atos polticos relacionada ao princpio da reserva poltica, que condiciona prestaes mtuas entre Estados a valoraes polticas, ligadas segurana, ordem pblica e outros interesse considerados essenciais aos mesmos. Tal apreciao, que antes cabia ao juiz (como por exemplo, na determinao de delitos polticos, na apreciao da ordem pblica), passou a competir ao Executivo, o que faz de um rgo acessrio um rgo com capacidade de decidir sobre a viabilidade ou no da cooperao. Tudo isto de forma a que o veto cooperao impea a atuao do juiz no sentido de aceitar ou no o encargo de cumprir as prestaes solicitadas pelo Estado estrangeiro. Trata-se de um controle poltico preliminar[175]. Problema existe quanto delimitao das medidas cautelares requeridas no mbito jurisdicional. Alguns pases no as tm jurisdicionalizadas na ordem jurdica interna. So executadas, portanto, a critrio de rgos da administrao, da polcia administrativa, sem a possibilidade de controle jurisdicional sobre pressupostos, requisitos e proporcionalidade dos meios em relao finalidade objetivada[176]. Privilegia-se a ordem pblica internacional do Estado em detrimento dos princpios e regramentos constitucionais do mesmo, bem como da tutela efetiva de direitos. Resta por fim, neste tpico, assentar preocupao quanto a um ressurgimento da doutrina dos atos polticos. O enfrentamento de questes ligadas abertura de arquivos de perodos ditatoriais diferenciado nos diversos pases. Fora a perspectiva de possvel instabilidade poltica decorrente da publicidade das atuaes militares nos perodos ditatoriais e de hipotticas responsabilizaes por crimes praticados contra a humanidade naqueles perodos[177], a discusso sobre a abertura de arquivos envolve a garantia de direitos civis, pressupostos para a participao democrtica - como os direitos informao e transparncia

da atuao poltica -, bem como a garantia de direitos personalssimos das vtimas e de suas famlias, tais como o acesso a dados pessoais clandestinamente catalogados, o direito intimidade e livre disposio de dados pessoais[178]. Na Argentina, em deciso datada de 21 de agosto de 2003, o Senado, mesmo sem competncia para funcionar como legislador negativo, competncia assegurada Suprema Corte, anulou a Lei de Anistia para abrir a possibilidade de exrepressores serem julgados em territrio argentino e no na Frana ou Espanha, pases que reclamam extradies[179]. O ato poltico da anistia, cuja revisibilidade pelo Judicirio era inadmissvel, sob a perspectiva de uma nova ordem constitucional, pde ser reapreciado, contando-se com a imprescritibilidade e a mxima relevncia social da persecuo dos crimes contra a humanidade. No Brasil, Decreto presidencial, publicado em 27 de dezembro de 2002, regulamentou a catalogao de documentos considerados sigilosos, concebidos estes como sendo dados ou informaes cujo conhecimento irrestrito ou divulgao possa acarretar qualquer risco segurana da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessrios ao resguardo da inviolabilidade da intimidade da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art.2). Destes documentos, so classificados como ultrasecretos, dentre outros, dados ou informaes referentes soberania e integridade territorial nacionais, a planos e operaes militares, s relaes internacionais do Pas, a projetos de pesquisa e desenvolvimento cientfico e tecnolgico de interesse da defesa nacional e a programas econmicos, cujo conhecimento no-autorizado possa acarretar dano excepcionalmente grave segurana da sociedade e do Estado (art. 5, pargrafo 1). A classificao de documentos como ultra-secretos, sigilosos durante o prazo de cinqenta anos e a partir dele mantidos em sigilo por tempo indeterminado, conforme o interesse da segurana da sociedade e do Estado, compete ao Presidente da Repblica, ao VicePresidente, aos Ministros e equiparados, aos Comandantes da Marinha, do Exrcito e da Aeronutica. Em busca do consenso poltico entre os poderes, e querendo evitar o confronto com as Foras Armadas, novo governo, institudo em 2003, estuda frmulas que assegurem estabilidade quando da abertura de arquivos[180]. A relutncia, ao que parece, pensada, primeira vista, politicamente, ou seja para proteger atos do governo e titulares de funo poltica e no em termos de tutela efetiva de direitos da coletividade, de vtimas e de familiares[181]. Note-se que na Amrica Latina a problemtica do controle jurisdicional dos atos polticos neutralizada por meio do direito processual. , portanto, casustica e no apriorstica. Melhor explicando, o direito tutela efetiva traduz-se no direito de ao, garantia de acesso jurisdio. Embora sejam, hoje, amplos os mecanismos de acesso ao Judicirio, o exame da causa a ele apresentada restringido pelos condicionamentos da ao (legitimidade, interesse e possibilidade jurdica)[182]. Em relao s medidas cautelares, observam-se urgncia, necessidade e proporcionalidade dos meios em relao aos fins. Em relao ao direito material, dada a potencializao da eficcia dos direitos sociais com a utilizao de frmulas processuais de proteo antes reservadas aos direitos fundamentais clssicos, a jurisdio a via principal para a concretude constitucional[183]. Este reconhecimento amplo dos direitos sociais no comum na maior parte das Constituies e tem como resultado evidenciar a eficcia desses direitos a partir da garantia jurisdicional e no por meio de implementao das diretivas constitucionais[184]. assim que, em relao ao ordenamento argentino, Gordillo se express