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Sobre a reforma psiquiátrica Deborah Sereno Out/2012 1

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Sobre a reforma psiquiátrica

Deborah SerenoOut/2012

1

HOSPITAL GERAL

Sec XVII- enclausuramento no Hospital Geral como resposta a desorganização social e à crise economicaprovocadas na Europa pelo transformação dos modos de produção.

“Os mendigos e vagabundos, as pessoas sem domicílios, sem trabalho ou sem oficio, os criminosos, os rebeldes políticos e hereges, as prostituas, os libertinos, os sifilíticos e alcoolatras, os loucos, idiotas e maltrapilhos,assim como as esposas molestas, as filhas violadas ou os filhos perdulários, foram através desse procedimento, convertidos em iniquios(perversos), e até transformados em invisíveis.” (Dörner, 1974, apud DESVIAT)

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REVOLUÇÃO FRANCESA

Isto provocou a retirada dos chamados direitos sociais do campo da loucura, restando aos loucos apenas o direito de serem cuidados medicamente e protegidos pelo Estado.

"Como ser alienado da sua razão o louco não era considerado como sendo igual aos demais cidadãos, não podendo associar-se de maneira fraterna com as demais individualidades no espaço social. (...) representado como um ser mutilado na sua razão, o louco não poderia exercer a sua vontade e ter discernimento para se aproximar legitimamente de sua liberdade." (BIRMAN, J. A cidadania tresloucada. In: Amarante e Bezerra Jr. et alii, 1992, p. 74).

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A Revolução Francesa(Amarante, 2007:34)

Processo de superação do Estado Absolutista, composto pela aristocracia monarquica e clero.

Abriu o debate sobre direitos humanos, sociais e politicos, precario até então, no Antigo Regime.

Atualização do conceito grego de cidadania: que vem de pólis, do espaço da cidade, espaço publico das trocas sociais, politicas, economicassobre os membros de uma comunidade.

A pólis se compartilha com os demais, na concepção ateniense o homem deveria participar da vida da comunidade, daí advindo sua virtude civica, sua responsabilidade e compromisso para com a sociedade.

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REVOLUÇÃO FRANCESA Cidadania e alienação mental

No mesmo momento e contexto histórico em que foi construído o conceito de cidadania – com a responsabilidade e possibilidade de conviver e partilhar com os outros de uma mesma estrutura política e social – foi construído também, em parte pelos mesmos atores , o

conceito de alienação mental. (Amarante,

2007:34)

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O alienado(Amarante, 2007:34)

- considerado despossuido da Razão plena - e a Razão seria a condição elementar para definir a natureza humana e diferenciá-la das demais especies vivas da natureza – haveria, na origem, um impedimento para que o alienado fosse admitido um cidadão.

(Philippe Pinel Releasing Lunatics from Their Chains at the Salpetriere Asylum in Paris in 1795

Giclee Print by Tony Robert-fleury)

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O HOSPICIO QUE ESTRANHA INSTITUIÇÃO É ESSA QUE SEQUESTRAVA E APRISIONAVA AQUELES AOOS QUAIS PRETENDIA LIBERTAR? (AMARANTE, 2007:36)

O hospital deixa de ser o espaço da filantropia e da assistencia social, para se tornar uma instituição de tratamento médico de alienados, desacorrentados, porem institucionalizados.

Os loucos permaneceram enclausurados, não mais por caridade ou repressão, mas por imperativo terapêutico.

Porem Esquirol lista 5 funções do hospício: 1. garantir a segurança do louco e de suas famílias

(estatuto de periculosidade com papel de destaque nas funções terapêuticas)

2.liberá-los das influencias externas; 3. vencer suas resistências pessoais; 4. submetê-los a um regime médico; 5. impor-lhes novos hábitos intelectuais e morais.

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ALIENISMO

O alienado: pessoa irresponsável, não era um sujeito de direito,adequado às normas que a burguesia vinha estabelecendo; escapava à imposições legais, às regras de convivio.

Psiquiatras como tutores dos menores perversos.

Aliança complementar entre Psiquiatria e Direito e de limites imprecisos.

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Funções do manicomio

Função médica, terapêutica (rapidamente contestada: massificação dos manicômios impossibilita tratamento moral, psicológico e individualizado.)

Função social: refugio para loucos pobres que necessitam de tutela, de ambiente protegido para viver.

Função de proteção da sociedade (deste grupo que não aceitava os costumes e que transitava no limite da legalidade).

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A reforma psiquiátrica

Depois da Segunda Guerra Mundial: tempos de maior sensibilidade social, respeito pelas diferenças e pelas minorias, tendo por base o holocausto e à percepção do manicomio como campo de concentração.

- momentos de reconstrução do vinculo social

A forma como cada sociedade enfrenta a doença, a invalidez e o tratamento marcará as diferenças nos movimentos de reforma porém:

Não há atenção comunitária sem um Estado social: um sistema de saúde universal, equitativo, descentralizado e participativo (Sistema Nacional de Saude)

Não há cuidado ético sem dignidade e humanidade. (DESVIAT, 2008: 156)

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A reforma psiquiátrica

Apesar das particularidades de cada pais, Desviat (2008) cita 3 constantes:

- a territorialização, setor

- a continuidade do atendimento (entre os diversos serviços)

- integração dos 3 niveis de atendimento/ diferentes niveis de prevenção.

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PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL E A POLITICA DE SETOR - França

Este movimento se inicia na década de 40, no hospital psiquiátrico de Saint Alban, com Tosquelles, psiquiatra catalão, exilado antifranquista da guerra civil espanhola.

Experiencia radical de transformação do H. P. em plena ocupação alemã da França (usando os artistas presos políticos, a população )

É esta experiência que nos anos 50 ganhará relevância nacional e que foi denominado de psicoterapia institucional.

(e que terá todo um desdobramento importante, junto com Jean Oury, a criação de la Borde, com Guattari, a análise institucional, a esquisoanálise, movimento institucionalista...).

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Tosquelles e Saint Alban

Quando chega em Saint Albain, em Lozere, esta já era uma instituição aberta.

O hospital fazia parte do caminho para a feira: os camponeses entravam no hospital para ir a feira com suas vacas, os pacientes vendiam seus trabalhos, suas artes.

Tosquelles oportunizava todas as possibilidades de troca entre o dentro e o fora, (vistas grossas ao esquema de fuga, os enfermeiros ajudando os pacientes escapar no final de semana para a casa do próprio enfermeiro para receber os 50 francos pelo seu resgate: bom pra todo mundo!)

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Tosquelles e Saint Alban

Lozere tinha uma particularidade com a relação ao Estado, não tinha Estado em Lozere, os prefeitos eram trocados a cada 3 meses, e os camponeses sabiam disso, o que facilitou a criação de uma associação Societe de la CroixMarine, da qual dependiam todas as atividades do hospital (clube etc) e também as atividades externas, e sua sede ficava no exterior de Sant Albain.

Essa sociedade era administrada por uma cooperativa de doentes, visando uma psicoterapia aberta e seus membros mantenedores eram pessoas de fora do hospital que pagavam uma taxa de inscrição para promover e financiar atividades independentes da administração do hospital e para ter liberdade de tomar iniciativas que iam além das práticas correntes...

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Tosquelles e Saint Alban

Tosquelles buscava pessoal não psi para trabalhar, pessoal da comunidade, artistas, pessoas que sabiam estar com e sem armaduras e (de)formações teóricas.

Em 42 o hospital se abre para acolher pessoas que fugiam em massa do campo.

“Durante a ocupação alemã os franceses fugiam sem comida e sem nada (...) Nesse período, o hospital estava povoado de loucos e estrangeiros. Os pacientes se colocavam a serviço dos refugiados políticos, refugiados judeus.(...) então chegaram Paul Eluard e (...) sua esposa: uma mulher de teatro que trabalhou bastante conosco, demonstrando extraordinárias habilidades com pacientes esquizofrênicos. (...)”(Tosquelles, 1987)

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FOBIA DA LOUCURA

Quando ainda morava na Catalunha, antes de 1931 e antes de chegar à psicanalise, a equipe do hospital psiquiátrico de Réus onde se formou e trabalhou (foi constituído com a cooperação entre os diversos habitantes da vila associados entre si), nessa época, a equipe estudava teorias e práticas psicoterapêuticas de grupo.

Ensinavam os doentes à não se alienarem e a não se comportarem como loucos em público, ensinavam assim literalmente: Alucinem, delirem mas aqui dentro do hospital... Para ele, os grupos são feitos para excluir de seu meio a loucura, a fobia da loucura é condição natural do humano e é por isso que considera uma utopia essa estória de ação terapêutica na comunidade, a qual deve ser acompanhada com todo cuidado.

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Hospital Psiquiátrico como Escola de Liberdade

Tosquelles diferencia espaço de liberdade de escola de liberdade e diz que isto se trata de um percurso com o objetivo de reformular as condições de liberdade.

Há uma pluralidade de espaços através dos quais se possa realizar esta escola de liberdade de diferentes maneiras. Mas lembra que cada lugar tem sua lei, uma lei que regula as mudanças do lugar, dos espaços.

Cada lugar tem sua lei. Uma reunião de trabalho da cooperativa não é o mesmo do que se passa no grupo do clube que por sua vez é diferente do que se passa nos limites de um caderno ou no psicodrama. “Essa é a liberdade do espaço psicoterapêutico, mas para salvaguardar esse espaço é preciso aceitar que na cooperativa se jogue um jogo diferente”. (p.109)

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1º encontro

A cidade para ele é um lugar explodido, muitos fragmentos, lugares, mais ou menos conectados entre si ou justapostos uns aos outros... a liberdade consiste em poder ir de um lugar ao outro.

Na prática, não há um lugar especifico ou privilegiado para a psicoterapia, mas há um inicio, há sempre um primeiro encontro, com o doente, a equipe, os familiares, história, demandas, cria tensões... Depois que ele vai embora, para outro lugar... a história recomeça em circunstâncias históricas e materiais humanos e físicos diferentes.

Mas sempre há um primeiro lugar e esse primeiro encontro é fundamental para que o paciente possa retornar ao mesmo lugar, ir a outro, voltar com sua família, ou procurar os ... policiais. (p.114)

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A PSICOTERAPIA INSTITUCIONAL

Conjunto de ações que permitem a criação de transferencias multifocais

Mannoni (1970 apud DESVIAT:26): a instituição como uma trama de linguagem inconsciente (do coletivo e de cada um dos sujeitos),

inconsciente que deve ser usado para tornar a instituição um espaço de circulação de palavras no lugar de um ambiente repressor.

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Psicoterapia institucional

Depois da ocupação nazista, consolidou a psicanálise (lacaniana) na psiquiatria francesa.

Instituição como “analisador”: buscava-se uma “escuta analítica coletiva”. (DESVIAT, 2008)

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Jornadas Nacionais de Psiquiatria em 1945

No HP Sante- Anne

Para as quais convergiram 2 posições:

A psicoterapia institucional com Tosquellese Daumezon no inicio, e depois Oury e a psicanalise Lacaniana (La Borde)

A politica de setor com Bonaffé

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POLITICA DE SETOR(Bonnafé, 1945)

Necessidade de uma nova psiquiatria, de modificação das formas de atendimento que não asilares, instigava geração de psiquiatras recem saidos da ocupação e de campos de exterminio.

40% pacientes em HP franceses morreram durante a Guerra

Genocídio de judeus foi precedido pelo extermínio dos velhos dos asilos, dos doentes incuráveis e dos loucos (Alduisio, apud Desviat, 2008: 27)

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Politica de Setor

De 1945 a 1947, pleno clima de libertação, realizaram-se as Jornadas Nacionais de Psiquiatria que estabeleceram as bases da politica de setor.

Implicava numa modificação profunda da atitude da sociedade para com as doenças mentais

Em nome do Sindicato dos Psiquiatras Hospitalares: estruturar um serviço publico de ajuda e tratamento à disposição da população, para permitir acesso universal a formas de atendimento e qualidades de serviços até entao reservado a poucos.

Abandono do conceito de assistencia para estratégia de projetos terapeuticos individuais considerando a dimensão publica e coletiva.

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Politica de Setor

Circular de 15 de março de 1960 – Relativa ao programa de organização e equipamento dos departamentos em matéria da luta contra as doenças mentais, assinada pelo Ministro da Saúde publica:

-descentralização do HP que deveria atuar como uma etapa do tratamento

Busca-se assistencia descentralizada em pequenas zonas em torno de uma multiciplicidade de serviços comunitários

Tratamento o mais precoce possivel; assegurar o pós-tratamento, evitando recidivas; separar o minimopossivel o paciente da familia,; cobertura de toda a população de uma região delimitada.

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Politica de Setor

3 principios fundamentais: Principio de setorização ou zoneamento Principio de continuidade terapêutica: uma

mesma equipe deveria tratar e se encarregar do paciente, nos diferentes serviços e momentos do tratamento, da prevenção, da cura e da pós-cura.

Eixo da assistência desloca-se do hospital para o espaço extra hospitalar (evitar o efeito cronicizador da instituição) (DESVIAT, 31)

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Crise do Setor

A politica centralizadora francesa e dificuldades de integração da psiquiatria infantil (há os que propõem um só setor acabando com a divisão adulto e infantil

Especificidades por faixas etarias ou patologia provocou cisão na pratica psiquiatrica em detrimento de uma pratica que englobasse todo o campo da psiquiatria e conservasse a unidade da disciplina.

Financiamentos dos hospitais pela previdencia social e dos dispensarios pelos municipios impediu expansão das estruturas ambulatoriais

HP continua sendo centro do atendimento. (RelatorioMassé, de 1992: 70% dos 800 setores de psiquiatria e 60% dos setores de psiquiatria infanto-juvenil permanecem ligadas aos centros – hospitalares. (Desviat:34)

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INGLATERRA

Em 1943: Bion e Rickman organizaram os doentes do hospital de Northfield – soldados com disturbios mentais –em grupos de discussão, fazendo-os participarem da direção do centro de tratamento.

A guerra fez com que o Estado se encarregasse de todos os recursos sanitários, integrando-os e regionalizando-os num Plano de Emergencia para garantir assistencia aos soldados e à população civil.

Em 1942 o relatório Beveridge cria seguro global, para fortalecer os serviços públicos e atacar os 5 gigantes: a indigência, a doença, a ignorância, a miséria e o desemprego.

Em 1948: Lei de Criação do Serviço Nacional de Saude, paradigmatica até hoje e considerada significativa peça de engenharia social no mundo ocidental. (DESVIAT, 2008:34)

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COMUNIDADE TERAPÊUTICA

Foi uma solução para a escassez de pessoal em tempos de guerra, ie, um meio de organizar as atividades das instituições totais e parciais.

Até hoje: Relatorio da OMS de 1953 recomenda que os HPs, em sua totalidade, fosse uma comunidade terapeutica.

Isto quer dizer: “a responsabilidade do tratamento não fica restrita ao pessoal médico, mas concerne também aos outros membros da comunidade, isto é, aos pacientes”(Jones, 1958 apud DESVIAT, 2008:35)

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Maxwell Jones – 1959(Amarante, 2007:42)

- organizou “grupos de discussão” e „grupos operativos‟, envolvendo os internos mais ativamente de seus tratamento, convocando-os para participação em todas as atividades disponiveis.

- função terapeutica é tarefa de todos: tecnicos, familiares, pacientes.

- reuniões e assembléias; atividades coletivas (bailes, festas, excursões etc) (DESVIAT, 2008:35)

- analise de todas as situações com ênfase na equipe para evitar situações de abandono, descuido e violencia.

- luta contra hierarquização ou verticalidade dos papeis sociais: processo de horizontalidade e „democratização‟ das relações.

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ANTIPSIQUIATRIA(FINAL DOS ANOS 50 COM

REPERCUSSÃO NOS 60)

Laing e Cooper implantaram as comunidades terapeuticas e psicoterapia intitucional nos hospitais, mas logo perceberam que tais transformações não tinham futuro.

Passaram a considerar que os „loucos‟ eram oprimidos e violentados, pelas instituições psiquiátricas, também na familia e sociedade.

O discurso dos loucos denunciava as tramas os conflitos e as contradições na familia e sociedade.

HP radicalizaria as mesmas estruturas opressoras e patogenicasda organização social, manifestadas na familia.

Por essa critica às estruturas sociais e familiares ficou associada aos movimentos contestatórios e antinstitucionais que abalaram a Europa Ocidental na decada de 60 e culminaram em Maio de 68.

Ponto de encontro do movimento contracultural ingles: esboçavam-se no imaginario social os limites entre a razão e a desrazão. (DESVIAT, 2008:157)

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ANTIPSIQUIATRIA(Amarante, 2007:54)

Influencia da escola de Palo Alto e do „duplo vinculo‟ A doença mental não existe como objeto natural,

como diz a psiquiatria e sim, de determinada experiencia do sujeito com relação ao social.

Portanto, não havia proposta de tratamento da doença mental e sim, de permitir que a pessoa vivenciasse a sua experiencia; esta seria a terapeutica pois o sintoma expressaria possibilidade de reorganização interior.

Terapeuta: auxiliar a pessoa a vivenciar e superar este processo, acompanhando-a, protegendo-a da violencia (inclusive da psiquiatria).

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Título Original: Le Roi de CoeurAno/País/Gênero/Duração: 1966 / Itália França / Comédia, Drama, Guerra / 102minDireção: Philippe de Broca

Durante a Primeira Guerra Mundial, Charles é enviado à uma cidade da França para desativar uma bomba colocada lá pelos alemães. No entanto Charles é perseguido por alguns alemães e vai parar em um hospício onde os presos se convencem de que ele é o “Rei de Copas”. Sentindo-se na obrigação de ajudar os loucos, ele decide leva-los para fora da cidade.

Antipsiquiatria

Basaglia: A comunidade terapêutica deve ser considerada então como uma fase transitória na evolução do hospital psiquiátrico e não sua meta final. A comunidade terapêutica é um local em que todos os componentes, doentes, enfermeiros e médicos, estão unidos em um total comprometimento, onde as contradições da realidade representam o húmus de onde germinam a ação terapêutica recíproca.

É o jogo das contradições – mesmo a nível dos médicos entre eles, médicos e enfermeiros, enfermeiros e doentes, doentes e médicos – que continua a romper uma situação que, não fosse isso, poderia facilmente conduzir a uma cristalização dos papéis.

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Limites da comunidade terapêutica

não atuar fora da instituição: em geral, os beneficios terminam quando o paciente sai da comunidade terapêutica.

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PSIQUIATRIA DEMOCRÁTICA -Italia

Segunda metade dos anos 50, Basaglia inicia o processo de transformação e liberação do hospital psiquiátrico de Gorizia, inspirado nas comunidades terapêuticas inglesas, principalmente Maxwell Jones: processo de extremo cuidado e responsabilização coletiva (médicos, enfermeiros e doentes)

Experiencia que se encerra 11 anos depois quando a equipe médica se demite num ato de posicionamento político:

O hospital psiquiátrico de Gorizia – por sua história e por ter se tornado um ponto de referencia na evolução da psiquiatria italiana – tinha a responsabilidade de denunciar quais e de qual natureza são os obstáculos que impedem a continuidade de sua evolução. Um ato de recusa responsável de uma cumplicidade insustentável, recusa em aceitar os limites impostos pelo externo minando o trabalho pela técnica da demora, à pergunta quando vou para casa?, só nos restaria a tagarelice dos velhos manicômios que responde AMANHÃ, sabendo bem que amanhã não existe no calendário de vocês.

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A INSTITUIÇÃO NEGADA

A instituição psiquiátrica, instituição total (Goffmann), é uma instituição da violencia que tem por fim a invasão sistemática do espaço pessoal do doente.

Deixaram para trás as técnicas inovadoras do tipo institucional, reduzidas a mera camuflagem dos problemas, diante da luta contra a exclusão e a violencia institucional, a demolição dos manicomios e a transposição da crise do doente mental para o âmbito social.

A psicopatologia foi colocada entre parênteses A pratica psiquiátrica torna-se uma ação política

(DESVIAT, 2008: 42 e 43.)

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A INSTITUIÇÃO NEGADA

Em As instituições da violência p.107 Basaglia afirma que o paciente internado no hospital psiquiátrico é o único paciente estigmatizado independentemente da doença, e mais adiante, é um homem sem direitos, submetido ao poder da instituição, a mercê do delegados da sociedade (os médicos) que o afastou e excluiu.

Fala assim do abuso do poder do diagnóstico psiquiátrico. O psiquiatra sanciona aquilo que a sociedade já executou, excluindo de si aquele que não se integrou ao jogo do sistema. Mas tal sanção não tem o menor caráter terapêutico, já que se limita a separar o que é normal do que não é, entendida a norma não como conceito elástico e passível de discussão, mas como algo FIXO E ESTREITAMENTE LIGADO AOS VALORES DO MÉDICO E DA SOCIEDADE QUE ELE REPRESENTA... (grifo do autor) (p.125)

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A INSTITUIÇÃO NEGADA

Deve-se, portanto, reconhecer que a única possibilidade de aproximação e de relação terapêutica no momento, e em praticamente qualquer lugar, se dá a nível do doente mental LIVRE, ou seja, livre também da internação forçada e onde se pode manter uma relação de reciprocidade com o psiquiatra. Nesse caso o caráter integrante do ato terapêutico é evidente, na recomposição das estruturas e das funções que já entraram em crise, mas que ainda não foram definitivamente rompidas com o internamento. (p.105)

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A INSTITUIÇÃO NEGADA

(...) Na realidade parece que somente agora o psiquiatra está redescobrindo que o primeiro passo para a cura do doente é à volta a LIBERDADE, da qual vem sendo privado até os dias de hoje pelo próprio psiquiatra.(...) Mas hoje o psiquiatra se conscientiza de que os primeiros passos em direção a “abertura” do manicômio produzem no doente uma transformação gradual na sua maneira de colocar-se em relação ao mundo e em relação à doença, na sua perspectiva das coisas, restringida e diminuída não somente pela doença, mas pela longa hospitalização. Desde o momento em que transpõe o muro do internamento o doente entra numa nova dimensão emocional...(por volta de 1964) (p.114)

40

Não ao manicomio

Toda tentativa de abordar o problema deve ser acompanhado de um significado social e se fazer acompanhar de um movimento estrutural de base que se ocupe daquilo que ocorre quando um doente mental recebe alta: do trabalho que não consegue, do ambiente que o rejeita, das circunstâncias que, em vez de contribuírem para sua reintegração, acuam-no gradualmente de volta aos muros do hospital psiquiátrico.

Mais adiante, ao se referir sobre as dificuldades do enfrentamento destas questões para uma reforma da lei psiquiátrica ele diz quea única explicação para isso é de ordem socioeconômica:pois o sistema social italiano, longe de ser um regime econômico de pleno emprego, não tem interesse nenhum em reabilitar o doente mental, que não poderia ser recebido por uma sociedade que nem sequer resolveu o problema de trabalho de seus membros sãos. (p.116-117)

41

1962- Aldo Moro (centro-esquerda) ensaiaram reformas sociais

“Não ao manicomio”: amplo movimento sustentado por movimento estudantil e sindicato dos trabalhadores.

Negação do manicomio se uniu à critica a todas as instituições de marginalização: os reformatorios, os presidios,os albergues de assistencia social e as instituições que sustentavam a fachada ideológica e moral do sistema social: a familia, a escola e a fabrica. (DESVIAT,2008: 43)

42

TRIESTE

Em 1971, inicia a experiência de Triesteao assumir a direção do OspedallePsichiatrico Provinciale de Trieste, dando inicio a sua desconstrução, sendo oficialmente abolido em 1980. Culmina com a Lei 180 que acaba com os hospitais psiquiátricos na Itália.

43

LEI 180

Votada e aprovada pelo Parlamento Italiano em maio de 1978.

Basaglia, no dia seguinte a aprovação da Reforma afirma que pela sua lógica interna e pelas características do campo em que age a lei abre mais contradições do que as resolve. (inNICÁCIO, p.98)

A lei proíbe a construção de novos hospitais psiquiátricos; os serviços psiquiátricos passam a ser os serviços de território, podendo haver enfermarias psiquiátricas em hospitais gerais com no maximo 15 leitos; o estatuto jurídico em relação ao doente mental que durante o processo passou de internado coagido a voluntário, depois hóspede, garante-lhe agora todos os direitos civis e sociais incluindo o direito ao tratamento; fica abolido o estatuto de periculosidade social do doente mental, base de todas as legislações anteriores. (Id. Ibid, p.98)

44

LEI 180

Isto representa um salto de qualidade: as pessoas são atendidas porque estão mal e não porque são perigosas; a responsabilidade dos serviços é em relação ao sofrimento e não a periculosidade,ou seja, isto não significa uma sanção, mas uma responsabilidade terapêutica.

Com o tratamento sanitário obrigatório está previsto o direito do cidadão a recusar o tratamento e a obrigação dos serviços de não abandonarem esse cidadão a si mesmo.

Esta qualidade absolutamente diferente de outras legislações refere-se a possibilidade de lidar com os dois pólos da contradição: os direitos do cidadão de um lado e as necessidades desse mesmo cidadão de ser atendido; a proibição da internação e a obrigação dos serviços em intervir;a responsabilidade dos serviços e a liberdade do cidadão.O trabalho está em lidar com estas duas dimensões. (NICÁCIO, p.99)

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DESINSTITUCIONALIZAÇÃO NÃO É DESOSPITALIZAÇÃO

Podem-se criar estruturas de tratamento ágeis no tecido urbano sem por isso se trabalhar no campo social. Estes equipamentos simplesmente miniaturizam as antigas estruturas segregativas e interiorizam-na. (Guattari-Caosmose 195).

Ou seja, estes serviços, ainda que espalhados pela cidade, podem funcionar com a mesma lógica do manicômio (segregação e exclusão.

A desinstitucionalização implica num processo social complexo, que gera conflitos, crises e transformações dentro da rede mais ampla das estruturas institucionais (inclusive aquela relativa a poderes e competências), nas quais o serviço psiquiátrico está inserido, o que demanda rearranjos na organização na saúde, na justiça, nos modos de administração dos recursos públicos.(Tikanore, p.76 -).

46

LEI 180

A lei proporcionou instrumentos para a reforma e estabeleceu medidas concretas e operacionais, embora provocasse muitas dinamicas de conflito e transformação. (Desviat, 2008: 46):

47

Traços caracteristicos da psiquiatria comunitaria italiana (Tansella e Willians, 1987

apud Desviat, 2008: 46)

Desaparecimento do HP foi entendido como processo gradativo mais como não realização de internação do que como saida dos cronicos das instituições

Novos serviços projetados mais como alternativos que como complementares ou adicionais ao HP

Psiquiatria hospitalar deveria ser complementar ao serviço de atendimento comunitário, não o inverso.

Integração completa entre os diferentes serviços dentro de diferentes areas que delimitavam o atendimento psiquiatrico. Manutenção das equipes dos serviços domiciliares, ambulatoriais e de internação, facilitando a continuidade do atendimento e o apoio a longo prazo.

Apoio às equipes interdisciplinares, as visitas domiciliares e as intervenções em momento de crise.

48

TRIESTE- Rotelli e Dell’ Acqua

Como em todas as reformas, na Italia, seu desenvolvimento foi desigual, conforme cada região.

Há importante critica à ausencia ou falta de recursos alternativos.

Em Trieste: desenvolveu-se uma ampla rede de serviços, atenção especial ao atendimento à cronicidade, tanto no espaço de acolhida como na reabilitação por meio de trabalho.

49

TRIESTE- Rotelli e Dell’ Acqua

Centros de SM, 24 hs/dia: serviços medicosambulatoriais, hospitalização breve, centros de tratamento-dia, hospital noturno, alimentação e serviços de assistencia social permitiu o fechamento do HP sem causar abandono dos cronicos.

A empresa Social de Trieste, com cooperativas de pacientes: resposta ao problema de reinserção social, do atendimento à cronicidade psiquiatrica; salto radical da benemerencia para o mundo do trabalho normalizado ainda que protegido. (DESVIAT, 2008:47)

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A querela

Em encontro franco-italiano, ocorrido em Courchevel, em 1968, e nos anos sucessivos : o pessoal de Gorizia acusava o movimento francês de ter censurado, em nome de uma ideologia de cura, o debate e a análise do lugar, da posição da psiquiatria na regulação das relações sociais e institucionais da saúde e da doença mental.

Citação de Basaglia neste encontro: A psicoterapia institucional no plano teórico, opõe-se a comunidade terapêutica, mesmo se plano prático as realidades institucionais sejam análogas: liberalização do hospital, responsabilização geral, coletivização da instituição etc. todavia entrevemos, na elaboração teórica da psicoterapia institucional, a afirmação e a codificação de uma psiquiatria fundada sobre a instituição, sobre a cura do doente, abstraindo sua atuação de todo contexto e significado político-social. Para a psicoterapia institucional, o doente é um paciente a ser indagado, analisado e curado através de técnicas institucionais elaboradas com este objetivo; portanto através do fantasma real da própria instituição...

51

A querela

A posição francesa com relação ao movimento basagliano foi registrada num texto de Guattari, após a publicação da Instituição Negada, em 1970:

Para a antipsiquiatria, a intervenção política constitui o preliminar de qualquer terapêutica. Mas a palavra de ordem negação da instituição, que só tem sentido se assumida por uma vanguarda real e solidamente ligada à realidade social, não corre o risco de servir de trampolim para uma nova repressão social, no nível global da sociedade e, portanto, sobre o próprio estatuto da loucura?(...) Renunciar a sugestão médica para cair na sugestão coletiva constituiria apenas um beneficio ilusório. Penso que Basaglia e seus colegas superarão certas formulações atuais, um pouco apressadas e extrairão a própria escuta da alienação mental sem rebate-la sistematicamente sobre o social. As coisas são relativamente simples e devem ser violentas quando se trata de negar a instituição repressiva. São muito mais dificieis quando se trata de compreender a loucura...

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Rede alternativa de saúde mental

Todos os grupos se reúnem em Bruxelas em 1975 para o lançamento de uma rede internacional de alternativa a psiquiatria. Segundo Guattari(Caosmose, p.195): “Propusemo-nos a conjugar e se possivel, ultrapassar as tentativas diversas inspiradas em Laing, Cooper, Basaglia etc... Tratava-se sobreturdo de se libertar do careter mass-mediáticoda antipsiquiatria para lançar um movimento que engajasse efetivamente trabalhadores de SMe os pacientes”. Importantes reuniões são realizadas em Paris, Trieste, São Francisco, México, Espanha.

Essa Rede continua animada por Rotelli. Então, lá pros anos 80, início dos 80, criou-se no

Brasil a Rede de Alternativas a Psiquiatria

53

Tribunal Franco- Basaglia -realizado na sala Adoniran Barbosa,do Centro Cultural SP

Folha se São Paulo de 27 e 28 e 29 de maio de 1984: a psiquiatria tradicional ou repressiva foi julgada pesando sobre ela as seguintes acusações: seqüestro social, confinamento, desqualificação civil e política do indivíduo, psiquiatrização dos conflitos sociais, uso abusivo de neurolépticos e eletrochoques e intolerância diante dos comportamentos considerados “desviantes”.

O tribunal promovido pela Rede e com apoio de sindicato dos médicos e psicólogos foi uma encenação: O juiz era o ex-coordenador de SM do Estado, Dr Luis Cerqueira, o promotor e a defesa também foram interpretados por médicos da área. Testemunhas de acusação, pessoas que haviam passado pelo tratamento tradicional, entre eles, o jornalista Renato Pompeu, um soldador de soldas, do lado da defesa atores, interpretando um psiquiatra da velha escola, um dono de laboratório farmacêutico e familiares dos supostos doentes mentais. (a encenação começava com uma gravação de um crime narrado por Gil Gomes e era seguido pela encenação da internação de um rapaz erotomaníaco – maníaco sexual- apoiado pela família e pela policia!)

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Reforma psiquiátrica brasileira

Instituída pela Lei 10.216, de abril de 2001, mas seu “inicio” é marcado pela Carta de Bauru, resultado do Encontro Nacional dos Trabalhadores de Saúde Mental ocorrido em Bauru/ SP, em 1987 e que resultou na I Conferencia de Saúde Mental, na Luta Antimanicomialetc...

A reforma psiquiátrica se insere dentro do contexto do movimento de direitos humanos e movimento da reforma sanitária, sendo este último responsável por apoiar os parlamentares que defenderam a implantação do Sistema Único de Saúde - SUS na Constituição de 1988. [Política do SUS: responde aos princípios da universalidade (para todos), da integralidade (em todos os âmbitos –intersetorial), da equidade (diminuir a disparidade sociais e regionais) e participação social].

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A REDE

Emergências psiquiátricas/internação em hospitais gerais de curta duração;

Os CAPS, responsáveis pelo tratamento em regime de atenção diária,e reinserção social dos usuários pensados a partir de projetos terapêuticos singulares e por meio de atividades terapêuticas grupais e oficinas realizadas por equipes multiprofissionais; (os CAPS III) possuem leitos para rápidas internações, desenvolvendo noções de hospitalidade no lugar de hospitalização;

Dentre os serviços substitutivos, os CAPSs são os articuladores estratégicos da rede e da política de saúde mental num determinado território: regulam a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua área de atuação e dão suporte à atenção à saúde mental na rede básica; organizam a rede de atenção às pessoas com transtornos mentais nos municípios (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005) Outra porta de entrada na rede se dá com as equipes do Programa de Saúde da Família (PSF) das Unidades Básicas de Saúde (UBS), responsáveis pela atenção básica do município.

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A REDE

O serviço residencial terapêutico, as residências terapêuticas: para até 8 moradores, podem ser mistas ou não; tem um

coordenador, profissional de saúde mental (psicólogo, um terapeuta ocupacional, assistente social etc, ligado ou não ao CAPS) e 6 acompanhantes comunitários (ACs) por residência que trabalham em dupla durante o dia e sozinhos no plantão noturno no esquema de 12 por 36hs. Todas as residências do município (aproximadamente 25) estão a cargo das OSs.

Programa “De volta para casa”: Lei nº 10.708, de 31 de julho de 2003, criado pelo Ministério da Saúde, visa a reintegração social de pessoas acometidas de transtornos mentais, egressas de longas internações (dois anos ou mais) e tem como parte integrante o pagamento pelo SUS (para SMS) do “auxílio -reabilitação psicossocial” (no valor de R$240,00).

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A REDE

Os CECCOS, centros de convivência e cooperativas, o mais vigoroso e radical dispositivo de toda reforma (e infelizmente, um dos que tem menos investimentos governamentais), pois tem como objetivo articular a comunidade e os usuários em atividades artísticas, culturais, esportivas e oficinas (artesanato, costura, bijuteria etc). Alguns CECCOS comercializam esses produtos nas Feiras de Economia Solidária, organizadas pela Rede de Saúde Mental e Economia Solidária. Esta Rede é um coletivo de organizações da sociedade civil, de empreendimentos econômicos e solidários e projetos de geração de trabalho e renda organizados por usuários, técnicos e familiares dos serviços substitutivos da rede de saúde mental do Estado de São Paulo

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REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

AMARANTE, P. (2007) Saude mental e atenção psicossocial, Rio de Janeiro: Ed Fiocruz

DESVIAT, M. (2008) A reforma psiquiátrica (tradução de Vera Ribeiro), Rio de Janeiro: Ed Fiocruz, 2ª reimpressão

GUATTARI, F. (1992) Caosmose:um novo paradigma estético (tradução de Ana Lucia de Oliveira e Lucia C. Leão), Rio de Janeiro: Editora 34

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental no Brasil - Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas, Brasília, novembro de 2005 (internet).

TOSQUELLES, F. (1987) Escola de Liberdade In, Lancetti, A. (org) Saude Loucura4, São Paulo, Hucitec.

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QUESTÃO

Que influencias da reforma européia vocesvêem no seus trabalhos e na reforma psiquiátrica brasileira e como elas operam nos seus serviços?

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