filho, helio aguiar- a crítica novo-institucionalista ao pensamento da cepal- a dimensão...

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Economia e Sociedade, Campinas, v. 19, n. 2 (39), p. 211-232, ago. 2010. A crítica novo-institucionalista ao pensamento da Cepal: a dimensão institucional e o papel da ideologia no desenvolvimento econômico 1 Hélio Afonso de Aguilar Filho 2 Edison Benedito da Silva Filho 3 Resumo Este trabalho procura discutir a procedência de críticas levantadas por autores da Nova Economia Institucional à explicação da Cepal para as causas do atraso econômico da América Latina. Argumentamos que o pensamento cepalino não negligencia a dimensão institucional do desenvolvimento econômico, nem tampouco se limita a fornecer argumentos para a adoção de políticas econômicas que reforcem a ineficiência da matriz institucional desses países. Enquanto demonstramos a improcedência dessa crítica, evidenciaremos a proximidade do pensamento cepalino em relação ao institucionalismo econômico, e destarte, a viabilidade da construção de uma agenda comum de pesquisa para essas escolas. Palavras-chave: Conselho Econômico para a América Latina (Cepal); Nova Economia Institucional (NEI); Institucionalismo; Estruturalismo; Teoria da dependência. Abstract The The The The new ew ew ew institutional nstitutional nstitutional nstitutional economics critique on ECLA thought: the institutional dimension and the conomics critique on ECLA thought: the institutional dimension and the conomics critique on ECLA thought: the institutional dimension and the conomics critique on ECLA thought: the institutional dimension and the role of ideology in economic development role of ideology in economic development role of ideology in economic development role of ideology in economic development This paper aims at discussing the validity of criticism raised by New Institutional Economics against ECLA (or Cepal) explanation of Latin America economic underdevelopment. We shall argue that the cepalista approach neither neglects the institutional dimension of the economic development nor is limited to provide reasoning for the adoption of economic policies that would reinforce the ineffectiveness of the institutional matrix of those countries. While demonstrating that such criticism is misplaced, we shall also emphasize the viability of a common research agenda between ECLA school and economic institutionalism. Key words: Economic Council for Latin America (ECLA); New Institutional Economics (NIE); Institutionalism; Structuralism; Dependence theory. JEL B15, B25, B31, B52, N16. Introdução Uma vasta literatura econômica tem se dedicado ao estudo dos fatores que explicariam o fracasso econômico da América Latina, especialmente quando (1) Trabalho recebido em março de 2008 e aprovado em outubro de 2008. (2) Professor adjunto da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste-FBE) / Doutor em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: [email protected] . (3) Técnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Brasília, DF, Brasil. E-mail: [email protected] .

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Filho, Helio Aguiar- A Crítica Novo-Institucionalista Ao Pensamento Da Cepal- A Dimensão Institucional e o Papel Da Ideologia No Desenvolvimento Econômico.

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  • Economia e Sociedade, Campinas, v. 19, n. 2 (39), p. 211-232, ago. 2010.

    A crtica novo-institucionalista ao pensamento da Cepal: a dimenso institucional e o papel da ideologia no

    desenvolvimento econmico 1 Hlio Afonso de Aguilar Filho 2 Edison Benedito da Silva Filho 3

    Resumo

    Este trabalho procura discutir a procedncia de crticas levantadas por autores da Nova Economia Institucional explicao da Cepal para as causas do atraso econmico da Amrica Latina. Argumentamos que o pensamento cepalino no negligencia a dimenso institucional do desenvolvimento econmico, nem tampouco se limita a fornecer argumentos para a adoo de polticas econmicas que reforcem a ineficincia da matriz institucional desses pases. Enquanto demonstramos a improcedncia dessa crtica, evidenciaremos a proximidade do pensamento cepalino em relao ao institucionalismo econmico, e destarte, a viabilidade da construo de uma agenda comum de pesquisa para essas escolas.

    Palavras-chave: Conselho Econmico para a Amrica Latina (Cepal); Nova Economia Institucional (NEI); Institucionalismo; Estruturalismo; Teoria da dependncia.

    Abstract The The The The nnnnew ew ew ew iiiinstitutional nstitutional nstitutional nstitutional eeeeconomics critique on ECLA thought: the institutional dimension and the conomics critique on ECLA thought: the institutional dimension and the conomics critique on ECLA thought: the institutional dimension and the conomics critique on ECLA thought: the institutional dimension and the

    role of ideology in economic developmentrole of ideology in economic developmentrole of ideology in economic developmentrole of ideology in economic development

    This paper aims at discussing the validity of criticism raised by New Institutional Economics against ECLA (or Cepal) explanation of Latin America economic underdevelopment. We shall argue that the cepalista approach neither neglects the institutional dimension of the economic development nor is limited to provide reasoning for the adoption of economic policies that would reinforce the ineffectiveness of the institutional matrix of those countries. While demonstrating that such criticism is misplaced, we shall also emphasize the viability of a common research agenda between ECLA school and economic institutionalism.

    Key words: Economic Council for Latin America (ECLA); New Institutional Economics (NIE); Institutionalism; Structuralism; Dependence theory. JEL B15, B25, B31, B52, N16.

    Introduo

    Uma vasta literatura econmica tem se dedicado ao estudo dos fatores que explicariam o fracasso econmico da Amrica Latina, especialmente quando

    (1) Trabalho recebido em maro de 2008 e aprovado em outubro de 2008. (2) Professor adjunto da Universidade Estadual do Oeste do Paran (Unioeste-FBE) / Doutor

    em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: [email protected].

    (3) Tcnico de Planejamento e Pesquisa do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), Braslia, DF, Brasil. E-mail: [email protected].

  • Hlio Afonso de Aguilar Filho / Edison Benedito da Silva Filho

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    comparado experincia recente de outros pases perifricos. De fato, o descaminho latino-americano parece se tornar ainda mais paradoxal a partir da constatao de que, at fins do sculo XVIII, pases como Brasil e Mxico ostentavam praticamente a mesma renda per capita que os Estados Unidos da Amrica (Harber, 1997). A busca de uma explicao coerente para a enorme divergncia verificada nas trajetrias econmicas desses pases ao longo dos ltimos sculos constitui um objetivo central no esforo de pesquisa das teorias do desenvolvimento.

    Na anlise dos problemas enfrentados pelos pases latino-americanos no seu rpido processo de transformao econmica e social, ao longo do sculo XX, destacam-se duas correntes de pensamento econmico, em virtude tanto da enorme influncia que exerceram sobre as polticas adotadas na regio quanto das profundas divergncias conceituais que as opem: a escola cepalina4 e a chamada Nova Economia Institucional (NEI).

    Na busca pelas razes histricas do atraso latino-americano, a Cepal se concentrou em analisar como se deu o processo de insero internacional das ex-colnias ibricas a partir do sculo XIX. Seus autores constataram que a especializao comercial, com foco na produo e exportao de alguns poucos produtos primrios, teria sido desfavorvel aos pases da Amrica Latina, em virtude tanto da tendncia elevao dos preos industriais quanto da depreciao dos produtos primrios em decorrncia da peculiar estrutura social desses pases. A rigidez institucional destes pases contribui para a perpetuao de estruturas econmicas arcaicas, que impediriam a disseminao dos ganhos do progresso econmico para as camadas mais empobrecidas da sociedade.

    Por achar-se baseada em argumentos que enfatizam a importncia do papel desempenhado pela periferia no sistema econmico mundial, em detrimento de fatores internos que historicamente condicionaram sua evoluo econmica (em especial suas instituies), a explicao da Cepal para o subdesenvolvimento latino-americano , no entendimento de North (1991), insatisfatria do ponto de vista cientfico. O autor acusa esta escola, assim como todas as demais abordagens, de inspirao dependentista, de oferecer teorias que, em essncia, consistem de nada mais que racionalizaes ad hoc para as causas do atraso das economias latino-americanas. North chega a concluir que a teoria cepalina de fato contribui para a perpetuao do subdesenvolvimento, na medida em que apregoa

    (4) Desenvolvida no perodo ps-guerra por autores vinculados Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (Cepal), a escola cepalina ainda exerce forte influncia no pensamento econmico latino-americano. Exemplo disso o surgimento do chamado neoestruturalismo a partir da dcada de 1990, que busca reformular os conceitos originais desenvolvidos pelos tericos da Cepal atravs da introduo de novos instrumentos de anlise econmica. Para uma sntese dos desenvolvimentos mais recentes do estruturalismo cepalino, ver Bielschowsky (2000).

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  • A crtica novo-institucionalista ao pensamento da Cepal: a dimenso institucional e o papel da ideologia...

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    uma ideologia intervencionista e contrria liberdade comercial, cujas implicaes econmicas s podem fazer reforar os efeitos de uma matriz institucional historicamente ineficiente.

    Crticas negligncia das instituies por parte dos tericos dependentistas j foram parcialmente refutadas anteriormente em textos de Cardoso (1977) e Sunkel (1989), os quais demonstraram convincentemente que, no estudo do desenvolvimento, os autores latino-americanos sempre enfatizaram outras dimenses que transcendem a esfera estritamente econmica, com destaque para os fatores scio-culturais e a herana das instituies coloniais. No entanto, ainda persiste a crtica mais fundamental de North, qual seja, a hiptese de uma influncia deletria do pensamento dependentista sobre a matriz institucional da Amrica Latina. Alm disso, as substanciais divergncias existentes entre a prpria Cepal e os tericos da dependncia demandam um tratamento diferenciado do pensamento cepalino quanto anlise das crticas novo-institucionalistas.

    Tomando por referncia o instrumental terico institucionalista, este trabalho busca atingir dois objetivos fundamentais. Em primeiro lugar, demonstraremos que, ao contrrio do que afirma a crtica novo-institucionalista, o pensamento cepalino apresenta importantes insights que evidenciam a importncia atribuda por esta escola s instituies no desenvolvimento latino-americano. Em segundo lugar, ao evidenciar a proximidade do pensamento da Cepal em relao tradio do antigo institucionalismo norte-americano, apontaremos a viabilidade de uma agenda de pesquisa comum, que possibilite conjugar as importantes contribuies dessas escolas para o estudo do processo de desenvolvimento econmico das sociedades.

    O texto se encontra dividido em trs sees fundamentais. A primeira delas discorrer sobre o referencial terico institucionalista, estabelecendo a necessria distino entre as propostas metodolgicas do velho e do novo institucionalismo. Na segunda seo, apresentaremos as principais contribuies de North para a teoria do desenvolvimento, bem como sua explicao para as causas do atraso latino-americano. Na terceira seo sero analisados os fundamentos da crtica de North teoria da dependncia em geral e ao pensamento cepalino em particular. A quarta seo se destina a resgatar diversas contribuies do pensamento da Cepal que demonstram a importncia atribuda por esta escola ao papel das instituies, destarte procurando refutar o argumento novo-institucionalista. Por fim, uma vez demonstrada a improcedncia de tais crticas no nosso entender, concluiremos que existe uma grande proximidade da teoria cepalina em relao agenda de pesquisa institucionalista, o que permitiria estabelecer um profcuo dilogo entre essas escolas na busca pela compreenso da natureza dos problemas econmicos enfrentados pela Amrica Latina.

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    1 O velho e o novo institucionalismo econmico Embora o estudo das instituies tenha estado presente na literatura

    econmica desde seus primrdios, o progressivo deslocamento da teoria na direo do formalismo e da abstrao prprios da metodologia empregada pelas cincias exatas acabou por releg-lo a um plano cada vez mais distante. Outrossim, autores que salientavam a importncia da matriz institucional para a compreenso da evoluo econmica das sociedades, a exemplo de List, Hamilton e os historicistas alemes, ainda exerceriam uma notvel influncia sobre o pensamento econmico de sua poca. Influenciado por essas diferentes matizes, o institucionalismo econmico ganhou fora a partir do trabalho de diversos autores norte-americanos no final do sculo XIX, passando ento a constituir um corpo terico independente, embora ainda destitudo do grau de uniformidade analtica que caracteriza as demais correntes da literatura.

    De modo a caracterizar o pensamento institucionalista contemporneo, usualmente se costuma dividi-lo em duas grandes correntes, devido s profundas divergncias tericas que as opem: o chamado antigo institucionalismo (Old Instititutional Economics OIE) e a Nova Economia Institucional (NEI). A OIE segue a tradio dos primeiros autores institucionalistas, em especial Veblen, Commons, e Mitchell, os quais buscavam analisar os fenmenos econmicos a partir, principalmente, da influncia de normas e valores coletivos, da evoluo tecnolgica e dos condicionantes histricos da sociedade, e utilizando tambm a contribuio de outras cincias humanas, a exemplo da psicologia e da biologia. Embora longe de constituir uma estrutura coesa de pensamento cientfico, essa escola foi responsvel por expandir definitivamente o escopo da anlise econmica, oferecendo toda uma nova perspectiva para a compreenso dos problemas investigados pela economia. J a NEI, embora assumidamente inspirada pelo antigo institucionalismo, dele se distancia na medida em que busca oferecer instrumentos para a compreenso da influncia da matriz institucional sobre o ambiente econmico que estejam baseados nos mesmos fundamentos metodolgicos e conceituais que estruturam o pensamento econmico convencional.

    1.1 Divergncias entre o velho e o novo institucionalismo Segundo Rutherford (1999), os principais pontos de discordncia entre o

    velho e o novo institucionalismo decorrem das opes metodolgicas adotadas por essas correntes, que apresentam, respectivamente, as seguintes caractersticas gerais: (i) a preferncia pela pesquisa histrica e por uma abordagem descritiva, em oposio ao formalismo terico; (ii) a viso das instituies como moldadoras das preferncias individuais, ao invs de exclusivamente moldadas por estas; (iii) o questionamento dos limites da racionalidade individual e a adoo de uma viso

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    multidisciplinar para a explicao do comportamento dos agentes, em oposio aceitao de muitos dos pressupostos da ao racional tal qual encampados pela teoria neoclssica; (iv) a viso das instituies como resultado do planejamento deliberado dos agentes, ao invs de emergentes de uma ordem espontnea surgida no livre mercado; e (v) a atribuio ao Estado de uma maior responsabilidade na busca pelo aprimoramento da sociedade, em oposio viso crtica do Estado que enfatiza seu carter opressor da liberdade e perpetuador de ineficincias oriundas do comportamento oportunista dos agentes.

    Obviamente, a oposio metodolgica apresentada acima no pode ser tomada como um critrio absoluto de distino entre o pensamento dos autores da OIE e da NEI. De fato, so muito mais comuns os casos onde suas ideias se encontram situadas entre esses dois extremos embora cada autor professe sua convico na direo de uma dessas concepes tericas, ele em geral estar disposto a fazer concesses a seus opositores em diversos casos concretos (Rutherford, 1999, p. 4-6). Outrossim, entendemos que a caracterizao dessa dicotomia ainda essencial para a compreenso do pensamento institucionalista em todas as suas dimenses.

    1.2 Complementaridades entre as abordagens institucionalistas

    No obstante o reconhecimento dessas divergncias analticas, ainda possvel verificar a existncia de uma grande complementaridade entre as abordagens da OIE e da NEI. Isso se deve, em particular, ao fato de ambas correntes compartilharem muitos dos mais recentes avanos tericos no estudo dos fenmenos econmicos, a exemplo das contribuies da teoria schumpeteriana, da escola austraca e de diversas outras reas do conhecimento humano, tais como a histria, a psicologia, a sociologia e a biologia (Rutherford, 1999, p. 1-4; Hodgson, 1993).

    Tanto o velho quanto o novo institucionalismo encampam hipteses como a racionalidade limitada dos agentes, a influncia decisiva de hbitos, normas e valores sociais sobre o comportamento individual, o processo de retroalimentao e de ganhos de escala que assegura a perpetuao de uma matriz institucional ao longo do tempo (efeitos lock-in e path dependence), dentre outros elementos em comum. Pode-se afirmar que as similaridades entre essas correntes no se resumem apenas nfase colocada sobre o papel das instituies na economia, pois ambas compartilham da mesma agenda de pesquisa econmica (Rutherford, 1999; Samuels, 1995).

    A imensa seara de elementos comuns e dissonantes, que ora aproxima, ora afasta o velho do novo institucionalismo, no compromete, contudo, a eficcia do pensamento institucionalista nem o descaracteriza enquanto corpo terico

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    independente na literatura econmica. Afinal, como bem aponta Samuels (1995), a ampla diversidade conceitual e o intenso debate de ideias que caracterizam a evoluo do institucionalismo so antes evidncia de sua vitalidade terica do que de uma eventual fraqueza do ponto de vista da coeso metodolgica.

    2 O argumento novo-institucionalista

    North, principal expoente da teoria novo-institucionalista do desenvolvimento, produziu relevantes insights para explicar as divergncias no desempenho das economias ao longo do tempo. O autor ressalta a importncia dos incentivos produzidos pela matriz institucional para a reduo dos custos de produo e de transao que bloqueiam a plena difuso das relaes capitalistas de produo e de troca.5 A matriz institucional concebida como um conjunto de regras, tanto formais quanto informais, bem como suas caractersticas de enforcement, que criam os incentivos que moldaro a ao dos agentes individuais e organizaes.6 Na sua capacidade de adequao e sustentao do ambiente produtivo se encontraria a chave para a compreenso da existncia de diferentes trajetrias de desempenho econmico ao longo da histria.

    (5) A proposio fundamental da teoria de North a de que as instituies se formam com diferentes graus de eficincia na promoo da cooperao entre os agentes em cada sociedade (Bueno, 2003). Estes graus de eficincia so determinados, a princpio, pelas solues encontradas por cada sociedade especfica na busca de reduzir os chamados custos de produo e de transao. Os custos de produo envolvem a forma como se estruturam as organizaes produtivas e a tecnologia por elas empregada, dependendo em larga medida dos valores e da cultura de cada sociedade. Valores que incentivem a experimentao, a mudana tecnolgica e a adoo de novos mtodos de produo so responsveis pela reduo destes custos. J os custos de transao emergem das limitaes da capacidade racional dos seres humanos e das incertezas prprias do ambiente econmico, que geram dificuldades para a especificao dos direitos de propriedade. Estes podem ser divididos em dois tipos: os chamados custos de mensurao, que se relacionam s dificuldades dos agentes em definir claramente o objeto da transao; e os custos de enforcement, que, por sua vez, referem-se incerteza que os agentes possuem com relao propriedade do bem a ser trocado, e, portanto esto relacionados a problemas de legitimidade da transao a ser efetuada (Gala, 2003). Ressalta-se que a reduo dos custos de transao pode se dar tanto atravs do estabelecimento de contratos e distribuio mais eficiente de direitos de propriedades, como por meio de valores historicamente consagrados numa comunidade, a exemplo da valorizao do trabalho braal e da honestidade, permitindo assim a emergncia de um intercmbio mais complexo e produtivo.

    (6) Para North (1991), as instituies seriam as regras do jogo em uma sociedade, conformando os incentivos para os agentes e as organizaes atuarem na busca de suas finalidades especficas. As instituies, de forma geral, consistem de limitaes informais, regras formais e tambm de suas caractersticas de enforcement. As limitaes informais incluem as convenes, as normas de comportamento e os cdigos de condutas reconhecidos. As regras formais, a princpio, diferem das regras informais apenas em grau; so criadas por decises de corpos polticos, jurdicos e econmicos, baseadas nos modelos subjetivos dos governantes e daqueles que tm o poder de colocar em pauta, atravs do Estado, as regras de seus interesses. As caractersticas do enforcement so as garantias de cumprimento dessas limitaes e regras, bem como dos contratos por elas mediados. Neste caso, destaque especial deve ser dado ao papel do Estado, cuja atuao fornece a base para as transaes efetuadas em sociedades complexas baseadas em trocas impessoais. Historicamente, o Estado acaba por se tornar o principal responsvel pela distribuio ineficiente dos direitos de propriedade, pois estabelece regras e direitos de propriedade em troca de ingressos fiscais, sem necessariamente guardar um compromisso para com a racionalidade econmica.

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    2.1 O papel das instituies na promoo da eficincia Em sociedades fundadas em densas redes de relaes personalistas, a

    exemplo da Amrica Latina, embora os custos de produo sejam altos, os custos de transao permanecem relativamente baixos. Isso porque os custos de verificao e de garantia dos direitos de propriedade so reduzidos em funo do incentivo ao cumprimento dos contratos que decorre do relacionamento pessoal (Fiani, 2002). Nas sociedades economicamente mais complexas, entretanto, os custos de produo so baixos e os custos de transao so altos, pois, em virtude da concorrncia e da dominncia de relaes materiais, no sujeitas a um comprometimento individual de longo prazo, os empreendedores so capazes de empatar um maior volume de capital fixo e se acham estimuladas a investir mais constantemente em inovaes tecnolgicas. Nestas sociedades, as trocas so impessoais, com o elevado grau de especializao e diviso do trabalho, demandando uma maior interveno deliberada na formulao de instituies.

    Quando discute o problema da eficincia, North tambm transcende o enfoque estritamente alocativo e de curto prazo que caracteriza a anlise neoclssica. Ele aponta a existncia de uma modalidade de eficincia distinta da produtiva, a qual denomina adaptativa, e que consiste na capacidade das sociedades se adaptarem s constantes transformaes do ambiente econmico, atravs da inovao tecnolgica e da mudana institucional.7 Dois fatores so, na viso do autor, imprescindveis para assegurar essa capacidade no longo prazo: a garantia de liberdades fundamentais e a progressiva elevao do nvel educacional da populao.

    2.2 Estado, sociedade e path dependence

    Como as fontes do crescimento econmico e tambm seus custos so derivados dos incentivos estabelecidos pelo marco institucional, arranjos com maior ou menor grau de eficincia podem perdurar em virtude das prprias falhas que caracterizam os mercados polticos, e tambm porque as instituies possuem

    (7) So profundas as implicaes desta nova dimenso do conceito de eficincia para aquelas teorias que anteriormente apontavam um nico e estritamente determinado fator como responsvel pelo processo de desenvolvimento econmico (Engerman; Sokoloff, 2003). Em outras palavras, as instituies importam, mas no existe uma instituio que seja nica, especfica e insubstituvel, e que deva ser replicada em todas as sociedades de modo a assegurar seu crescimento econmico sustentado. Antes, imprescindvel compreender a significncia das vrias estruturas sociais e culturais que distinguem as sociedades, no intuito de adapt-las de modo a ampliar suas possibilidades de desenvolvimento. Analisando conjuntamente as noes de eficincia produtiva e adaptativa, podemos concluir, com base na teoria de North, que, embora inexistam modelos ideais e universalmente replicveis de instituies, existem algumas condies gerais que se fazem necessrias para assegurar a atuao eficiente dos agentes econmicos. A matriz institucional deve oferecer condies para a competitividade e para a tomada descentralizada de decises, de modo a recompensar a aquisio de habilidades e conhecimentos produtivos, alm de especificar e tornar efetivos os direitos de propriedade.

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    ThiagoTexto digitadoque bosta de definio de custo! um custo que no pode sermedido. Baseado em que evidencia empirica pode se concluir que os custos de produo so maiores naAm. Lat.???

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    ThiagoTexto digitadolixo ideologico!

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    rendimentos crescentes, caracterizados por uma srie de externalidades e complementaridades de rede. A mais importante causa de persistncia das instituies reside nas limitaes informais, que por natureza evoluem mais lentamente ao longo do tempo. Portanto, devido ao carter path dependence do processo de mudana institucional, a histria importa para o desenvolvimento.

    A Amrica Latina constitui, na viso de North (1994), um notrio exemplo de persistncia de matrizes institucionais ineficientes em razo dos mecanismos de path dependence. A apropriao de ganhos redistributivos, por parte de grupos polticos aferrados ao poder, impede a modernizao do aparato institucional, perpetuando a vigncia de estruturas de governana centralizadoras e excessivamente burocratizadas, e de fato constituindo um imenso entrave para o desenvolvimento desses pases. A reduzida mobilidade social, associada a um elevado grau de rigidez institucional, contribui para a sustentao de elites desprovidas de interesse econmico voltado produo material e inovao tecnolgica, constituindo tambm um estmulo emergncia de governos autoritrios e de violentos processos de ruptura poltica. Assim, ao contrrio do que afirmam as teorias centradas na hiptese de explorao dos pases perifricos, a NEI credita o atraso econmico destes, primordialmente, histrica ineficincia de suas matrizes institucionais, que impede a consolidao de um ambiente de estabilidade favorvel ao pleno desenvolvimento das foras capitalistas.

    Nos pases anglo-saxnicos, a reao da sociedade expanso tributria do Estado possibilitou a modernizao institucional e a limitao dos poderes da Coroa. Nos pases ibricos, contudo, a tradio absolutista e a ausncia de uma resistncia articulada de setores da sociedade civil, em virtude da fragmentao poltica, fizeram com que o Estado acabasse por subjugar e mesmo absorver por completo a esfera privada, moldando-a segundo seus prprios interesses. Tomando um pas como exemplo, a saber, o Mxico do sculo XIX, Coastworth (apud North, 1991, p. 116-117) aponta algumas dessas caractersticas deletrias da tradio institucional ibrico:

    The interventionist and pervasively arbitrary nature of the institutional environment forced every enterprise, urban or rural, to operate in a highly politicized manner, using kinship networks, political influence, and family prestige to gain privileged access to subsidized credit, to aid various strategems for recruiting labor, to collect debts or enforce contracts, to evade taxes or circumvent the courts, and to defend or assert titles to lands. Success or failure in the economic arena depended on the relationship of the producer with the political authorities (...)

    A pauta institucional imposta por Portugal e Espanha s suas colnias segue desempenhando at hoje um papel determinante na evoluo econmica destes pases. Mesmo aps a independncia, a centralizao e o intercmbio

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    ThiagoTexto digitadoquando, como e pq surgiram essas ins-tituies?

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    ThiagoTexto digitadono temos nada de novo aqui, somente o blablaque a cultura iberica vs cultura anglo saxonicablabla historia importa path dependencelixo

    ThiagoRealce

    ThiagoTexto digitadons temos melhores ensaistas tupininquins a la weberque ja disseram isso h tempos e nada provaram. no que exatamente difere dos paises anglo saxoes?

    ThiagoRealce

    ThiagoLinha

    ThiagoTexto digitadosrio, que lixo ideologico! justificao do mito da su-perioridade cultural/racial dos brancos anglo saxoes/eslavos sobre os latinos, negros, orientais, arabes, etc etc

    ThiagoTexto digitadoqual a relao de causa e efeito?

  • A crtica novo-institucionalista ao pensamento da Cepal: a dimenso institucional e o papel da ideologia...

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    personalizado continuaram constituindo o bojo das relaes sociais nas ex-colnias. As tentativas de descentralizao, por sua vez, redundaram em novos esquemas de reconcentrao de poder, com as provncias autodenominadas federadas passando a atuar de forma paternal na busca de transferncias e regalias do poder central para suas respectivas regies (Kalmanovitz, 1997).

    2.3 O papel da ideologia e dos modelos mentais

    Ao contrrio de outros autores mais prximos da tradio neoclssica, que adotam uma verso mais radical do individualismo metodolgico na qual as preferncias individuais so tomadas da mesma forma que so dadas, North salienta a importncia das instituies como formadoras e perpetuadoras dos interesses individuais. A matriz institucional no se limita a sinalizar aos agentes qual a possibilidade mais vantajosa de ao; ela, de fato, os impele na direo de um determinado padro de organizao econmica vigente, a partir do estabelecimento de crenas, hbitos e valores compartilhados. Da decorre a importncia da cultura e da ideologia enquanto elementos determinantes da trajetria de desenvolvimento das sociedades. Segundo North (1991, p. 111):

    Ideas and ideologies matter, and institutions play a major role in determining just how much they matter. Ideas and ideologies shape the subjective mental constructs that individuals use to interpret the world around them and make choices. Moreover, by structuring the interaction of human beings in certain ways, formal institutions affect the price we pay for our actions, and to the degree the formal institutions are deliberately or accidentally structured to lower the price of acting on ones ideas, they provide the freedom to individuals to incorporate their ideas and ideologies into the choices they make.

    O reconhecimento da importncia da ideologia e da cultura enquanto elementos capazes de moldar as preferncias individuais no implica assumir a matriz institucional como dada ou subestimar a capacidade dos agentes transformarem conscientemente as instituies segundo seus prprios objetivos. O que o autor ressalta, aqui, a necessidade de considerar, para o entendimento da evoluo das sociedades, o impacto dos modelos mentais compartilhados no direcionamento da ao individual, que fica ainda mais evidente quando analisado o custo econmico do desvio em relao aos padres de comportamento historicamente consolidados.

    3 A crtica novo-institucionalista ao pensamento cepalino

    A crtica de North ao pensamento da Cepal consiste de dois argumentos fundamentais. Em primeiro lugar, o autor sustenta que a anlise estruturalista em geral, caracterstica do pensamento cepalino, negligencia a influncia da formao institucional dos pases latino-americanos sobre seu desenvolvimento econmico,

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    tomando como dada e irreversvel sua posio perifrica no comrcio internacional. Em segundo lugar, sugere-se que a ideia de dependncia, adotada tanto por autores cepalinos quanto marxistas e outros vinculados ao estruturalismo,8 pressupe uma relao de dominao econmica e poltica que se faz imposta pelas economias centrais, no derivando, portanto, de qualquer tipo de caracterstica intrnseca das economias perifricas. Segundo o autor (North, 1991, p. 99-100),

    (...) both the writings of the Economic Commission for Latin America (ECLA) and dependency theory explain the poor performance of Latin American economies on the basis of the international terms of trade with industrial countries and other conditions external to those economies. Such an explanation not only rationalizes the structure of Latin American economies, but also contains policy implications that would reinforce the existing institutional framework.

    Em outras palavras, critica-se a Cepal por utilizar um elemento exgeno e ad hoc para explicar o atraso latino-americano e, destarte, justificar as polticas econmicas populistas implementadas ao longo do sculo XX na Amrica Latina, o que afinal evidenciaria seu vis ideolgico e a fragilidade de suas construes tericas. Trata-se, portanto, de uma crtica fundamental, completamente diversa daquela levantada por autores neoclssicos, que se limitavam a testar as hipteses cepalinas de deteriorao dos termos de troca e de barreiras transferncia de tecnologia para os pases perifricos. Como os modelos mentais construdos pelos agentes econmicos influenciam decisivamente as trajetrias desenvolvimento, o autor acusa os tericos cepalinos, bem como os da dependncia, no apenas de estarem equivocados quanto s causas do subdesenvolvimento latino-americano, mas o que ainda mais grave de contriburem para reforar esse atraso, na medida em que alimentam uma ideologia antiliberal que mascara as contradies internas desses pases e justifica as relaes de poder estabelecidas pelo status quo poltico (North, 1991).

    (8) Embora o conceito de dependncia ainda seja frequentemente utilizado de maneira ambgua ou excessivamente limitada, inegvel sua importncia para a compreenso da dimenso institucional da trajetria econmica da Amrica Latina, na medida em que permite analisar de forma conjunta as diferentes contradies existentes nos mbitos interno e externo dessas economias. Contudo, devido sua impreciso terica e s grandes divergncias metodolgicas existentes entre os tericos que utilizam tal conceito, torna-se extremamente difcil caracterizar uma escola de pensamento econmico dependentista, tal como fazem diversos autores novos-institucionalistas. Em particular, preciso distinguir os autores marxistas, que em geral empregam o conceito de dependncia numa tica mais restrita, subordinada lgica do capitalismo expressa na diviso internacional do trabalho, de outros que possuem uma viso mais favorvel da sociedade capitalista e que, destarte, optam por aplicar o conceito de dependncia num enfoque ampliado, apontando assimetrias de poder internas s economias perifricas e com uma dinmica mais independente em relao s transformaes das economias centrais. Para uma sntese dessas divergncias e de suas consequncias para as crticas dirigidas teoria da dependncia, ver Cardoso (1977).

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    3.1 Crtica negligncia das instituies no pensamento dependentista e cepalino

    Para a compreenso da natureza da crtica novo-institucionalista, cumpre estabelecer com preciso quais os critrios analticos empregados pelos autores da NEI para embasar seu argumento quanto suposta negligncia da matriz institucional nos modelos dependentistas e cepalinos. Em essncia, tais modelos atribuem as causas do atraso latino-americano relao de dependncia estabelecida entre centro e periferia, na qual a Amrica Latina e as demais ex-colnias europeias ocupam uma posio passiva e necessariamente submissa lgica ditada pela evoluo tecnolgica dos pases industrializados.

    Os autores novos-institucionalistas no negam o papel passivo imposto pela diviso internacional do trabalho aos pases perifricos, nem tampouco os problemas oriundos da especializao produtiva em setores de baixo dinamismo tecnolgico. Sua crtica se dirige no ao diagnstico cepalino dos sintomas do atraso, mas sim de suas origens: a NEI busca na prpria evoluo histrica da matriz institucional latino-americana a chave para compreender sua condio atual de subdesenvolvimento. Nas palavras de North (1991, p. 117):

    The divergent paths established by England and Spain in the New World have not converged despite the mediating factors of common ideological influences. In the former, an institutional framework has evolved that permits the complex impersonal exchange necessary to political stability and to capture the potential economic gains of modern technology. In the latter, personalistic relationships are still the key to much of the political and economic exchange. They are a consequence of an evolving institutional framework that produces neither political stability nor consistent realization of the potential of modern technology.

    Por tudo isso, tais autores consideram equivocado atribuir o atraso da periferia ao seu papel desempenhado no comrcio internacional ao longo da histria. Tampouco consistente o argumento de explorao, por parte de Portugal e Espanha, como causa fundamental do empobrecimento da Amrica Latina. A influncia mais deletria das metrpoles ibricas sobre a evoluo de suas colnias no foi a drenagem de suas riquezas pois o crescimento econmico no deriva do acmulo de capital fsico, e sim do progresso tecnolgico. De fato, na viso desses autores, o maior mal causado pela trajetria ibrica teria sido a consolidao de um marco institucional sobejamente ineficiente nesses pases, impedindo assim sua modernizao econmica.

    3.2 Crtica ideologia cepalina A crtica de North ideologia que embasa o pensamento cepalino

    obviamente no se dirige aos resultados imediatos das polticas encampadas pela

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    Cepal ou sua racionalidade em termos de eficincia econmica. Na verdade, o autor questiona as consequncias a longo prazo da aceitao, por parte da sociedade, de um iderio intervencionista e antiliberal, calcado na ideia de superao da suposta condio de subordinao econmica dos pases atrasados em relao aos mais ricos. Os grupos de interesse que detm o poder na Amrica Latina se acham empenhados em preservar a estrutura institucional vigente de modo a proteger seus ganhos econmicos, e acabam por fazer uso dessa ideologia em seu prprio proveito, acentuando assim a ineficincia das instituies locais. Segundo North (1991, p. 99),

    [T]he increasing returns characteristic of an initial set of institutions that provide disincentives to productive activity will create organizations and interest groups with a stake in the existing constraints. They will shape the polity in their interests. Such institutions provide incentives that may encourage military domination of the polity and economy, religious fanaticism, or plain, simple redistributive organizations (). The subjective mental constructs of the participants will evolve an ideology that not only rationalizes the societys structure but accounts for its poor performance.

    Como os agentes compartilham modelos mentais que condicionam, em ltima anlise, grande parte de suas decises, existe o risco de que o intervencionismo estatal e a rejeio do livre comrcio, enquanto oportunidade de desenvolvimento, acabem por incutir nos indivduos valores e objetivos opostos queles caractersticos de uma sociedade progressista. Inmeros exemplos histricos ilustram como o fortalecimento de valores nacionalistas e coletivistas pode degenerar em supresso da democracia, xenofobia, protecionismo, averso mudana institucional e ao progresso tecnolgico, etc.

    A hiptese de que os modelos mentais compartilhados desempenham um papel determinante na formao das preferncias individuais traz importantes consequncias para o estudo do desenvolvimento e da mudana institucional nas sociedades. Em particular, salienta-se o fato de que mesmo os agentes que buscam reformar a estrutura econmica vigente tm sua ao restringida pela influncia dos modelos mentais por eles herdados (North, 2005). Isso ajuda a explicar porque polticas e instituies que se mostraram bem-sucedidas em alguns pases no podem ser replicadas em outros, nos quais o comprometimento dos agentes para com a mudana menor em funo de sua ideologia e de seus interesses pessoais.

    4 Institucionalismo e ideologia no pensamento da Cepal

    inegvel que as ideias da Cepal tiveram uma influncia decisiva sobre as polticas de desenvolvimento adotadas pelos pases da Amrica Latina ao longo da segunda metade do sculo XX (Bustelo, 1998). O longo perodo de crescimento

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    experimentado por essas economias, especialmente aps o trmino da Segunda Guerra Mundial, pode ser em grande parte creditado ao sucesso das polticas de substituio de importaes e de promoo da industrializao atravs de forte intervencionismo estatal, constituindo nitidamente uma estratgia de inspirao cepalina. Contudo, o esgotamento desse modelo de industrializao a partir da dcada de 1980 precipitou um intenso debate terico quanto sua viabilidade no longo prazo e mesmo quanto ao seu apregoado sucesso nas dcadas precedentes.

    O pensamento desenvolvido pela Cepal preocupou-se fundamentalmente em ressaltar as especificidades dos pases latino-americanos, o que por sua vez tambm demandou uma anlise mais detida da evoluo histrica de suas instituies e das relaes econmicas desses pases com o restante do mundo. O ponto de partida desta reflexo, segundo Bustelo (1998), foi uma profunda insatisfao com a teoria econmica dominante, considerada inadequada para a explicao da trajetria de desenvolvimento dos pases perifricos ao longo da histria.

    4.1 Fundamentos do estruturalismo cepalino

    O estruturalismo da Cepal assenta-se sobre trs premissas fundamentais. Em primeiro lugar, as economias do centro e da periferia so fundamentalmente distintas: enquanto o centro se distingue pela diversificao produtiva e por um elevado grau de homogeneidade social, a periferia apresenta uma estrutura socialmente heterognea e economicamente especializada. Segundo Bielschowski (2000), a especializao produtiva da periferia se consolida historicamente com as seguintes caractersticas: (i) baixo grau de diversificao de sua pauta de exportaes, composta essencialmente de produtos primrios; (ii) ausncia de diversificao horizontal e complementaridade setorial na indstria; (iii) integrao vertical; (iv) presena de setores exportadores modernos na forma de enclaves; e (v) demanda por bens manufaturados cujo abastecimento se d exclusivamente atravs de importaes.

    Em segundo lugar, tais estruturas desenvolvem uma relao de dependncia regida pela diviso internacional do trabalho. Por dependncia, compreende-se uma relao de necessria hierarquia entre dois polos de uma mesma estrutura. Embora mutuamente condicionados, o desenvolvimento de um desses polos se acha inescapavelmente subordinado s condies impostas pelo outro, em funo da liderana tecnolgica deste. Desenvolvimento e subdesenvolvimento so, portanto, processos diretamente relacionados, j que centro e periferia desempenham funes distintas e complementares no sistema econmico mundial. No se pode, portanto, dissociar o processo de evoluo das

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    estruturas econmicas destes pases de seu papel enquanto polos num sistema dual, no qual evoluem de forma conjunta e mutuamente determinada.9

    Por fim, em terceiro lugar, uma vez que reproduzem a disparidade existente entre suas estruturas produtivas, as relaes comerciais entre centro e periferia de fato contribuem para reforar o subdesenvolvimento. Em outras palavras, ao contrrio do que afirma a consagrada teoria ricardiana, o livre comrcio acentua as desigualdades entre as naes, pois permite que o centro se aproprie dos frutos do progresso tcnico obtidos na periferia. Isso porque a maior capacidade de mobilizao poltica dos trabalhadores e empresrios nos pases desenvolvidos impede que os aumentos de produtividade ali obtidos se traduzam em menores preos para a periferia, sendo ao invs disso apropriados na forma de maiores rendimentos para esses agentes; alm disso, a desvalorizao dos produtos primrios, que ocorre pari passu ao aumento dos preos dos importados em funo da peculiar estrutura social dos pases perifricos,10 impede que estes tenham um aumento suficiente da produtividade do trabalho que lhes permitisse ampliar sua capacidade de poupana e acumulao (Bustelo, 1998).

    4.2 Elementos institucionalistas presentes no pensamento da Cepal

    A abordagem empregada pelos tericos da Cepal possui uma dimenso necessariamente histrica, com nfase na anlise da evoluo institucional dos pases latino-americanos e nos efeitos de suas contradies sociais. Pode-se mesmo afirmar que do enfoque histrico-estruturalista cepalino deriva um mtodo de produo cientfica profundamente atento para o comportamento dos agentes sociais e para a trajetria das instituies ao longo da histria (Bielschowsky, 2000). O estruturalismo cepalino, de acordo com Bustelo (1998), no se detm apenas na anlise da dimenso histrica dos fenmenos econmicos, mas procura tambm dar nfase s questes institucionais, com uma abordagem holstica, observando a importncia das preferncias individuais e da cultura para a consolidao de sua condio perifrica.

    Para compreender o papel desempenhado pelas instituies no pensamento cepalino, devemos, em primeiro lugar, salientar a distino existente entre o estruturalismo original da escola estruturalista francesa e o estruturalismo desenvolvido pela Cepal. Este no guarda uma identificao completa com aquele,

    (9) importante ressaltar que a relao de dependncia no se acha restrita ao mbito das relaes de troca da periferia, mas tambm se faz presente na organizao interna dessas economias, atravs da consolidao de toda uma superestrutura institucional que justifica e conserva as relaes de produo existentes na infraestrutura primrio-exportadora.

    (10) Essa peculiaridade reside, de um lado, na abundncia relativa de mo-de-obra disponvel, que gera aumentos de salrios menores do que a produtividade, e, de outro, na existncia de elites locais que possuem elevado grau de propenso a consumir e de elasticidade-renda de importaes. Esses fatores tambm contribuem para a progressiva deteriorao dos termos de troca no comrcio internacional. Ver Bustelo (1998).

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    cuja orientao bsica consistiu em privilegiar o eixo das sincronias na anlise socioeconmica, construindo a partir da uma sintaxe das disparidades nas organizaes sociais. J o estruturalismo cepalino empenhou-se em destacar a importncia dos parmetros no-econmicos dos modelos macroeconmicos, analisando assim os efeitos engendrados pelas caractersticas institucionais das economias perifricas. Segundo Love (2005, p. 100):

    Latin American structuralists sought to move economic history beyond a description of economic configurations, flows, and flux to a more analytic treatment of critical structures both dynamic and relatively static elements in the economic ensemble that underlay long-term performance as well as cyclical patterns. That is, they sought to specify those structures that had contributed to economic development and those which had impeded it.

    Como o comportamento das variveis econmicas depende em grande medida das caractersticas destes parmetros no-econmicos, consequentemente podemos concluir que o estruturalismo um enfoque orientado pela busca de relaes diacrnicas, histricas e comparativas (Bielschowsky, 2000, p. 21). A prpria noo de subdesenvolvimento s se faz compreensvel para a Cepal enquanto fenmeno histrico e derivado do processo de evoluo institucional. Nas palavras de Furtado (1983, p. 43):

    O subdesenvolvimento , portanto, um processo histrico autnomo, e no uma etapa pela qual tenham, necessariamente, passado as economias que j alcanaram um grau superior de desenvolvimento.

    Os autores cepalinos jamais consideraram o atraso econmico da Amrica Latina como uma condio inescapvel ou uma mera consequncia da evoluo natural do capitalismo. Ao contrrio, seu esforo consistiu justamente em buscar elementos caractersticos dessas economias que explicassem sua condio de subdesenvolvimento.11

    (11) Devemos asseverar que o prprio conceito de dependncia no implica uma mera constatao da realidade imposta pela histria aos pases latino-americanos. Ao contrrio, ele corresponde a uma relao dialtica que se manifesta em diferentes esferas, tanto no mbito econmico do comrcio internacional e das relaes de produo existentes nos pases perifricos, quanto no mbito poltico dos conflitos de classe e do papel do Estado nessas economias (Cardoso, 1974). Essa relao de dominao econmica se consolida no bojo da expanso capitalista para os pases perifricos, o que evidencia a importncia de sua dimenso institucional, na medida em que moldada pela prpria participao dos atores nacionais envolvidos no processo de transformao econmica. Alm disso, a relao de dependncia no se consolida de forma unidirecional em certo sentido, pode-se mesmo afirmar que tambm os pases centrais so dependentes em relao aos perifricos, na medida em que se encontram cada vez mais sujeitos aos efeitos de restries na oferta de produtos primrios indispensveis ao funcionamento de suas economias. Assim, as relaes econmicas e sociais estabelecidas entre centro e periferia evoluem ao longo do tempo e adquirem uma nova dimenso na medida em que se mostram cada vez mais evidente a complementaridade e a mtua dependncia de suas estruturas produtivas.

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    Sunkel (1989) encontra diversas similaridades entre o instrumental terico do antigo institucionalismo (OIE) e o projeto de pesquisa cepalino. Segundo o autor, em ambas correntes de pensamento econmico

    (...) el proceso econmico no se considera como un mecanismo esttico, circular, reiterativo y equilibrante, limitado principalmente a lo que sucede en los diversos mercados, sino como un proceso evolucionario y socio histrico en marcha, causa y efecto acumulativos de conflictos y cambios en las fuerzas econmicas, sociales, culturales y polticas. Los individuos no se equiparan a computadores programados para maximizar una funcin de bienestar, dentro de determinadas limitaciones; y las empresas tampoco se consideran como computadores programados para maximizar las utilidades, dentro de una funcin de produccin y ciertas restricciones financieras. Se conciben como entidades sociales y culturales, relativamente autnomas pero institucional y estructuralmente configuradas y circunscritas en lo que respecta a valores, normas, comportamientos, formas de asociacin y organizacin (Sunkel, 1989, p. 150).

    fundamental considerar a influncia dos fatores no-econmicos na anlise histrica de sistemas sociais que se caracterizam por um profundo grau de heterogeneidade econmica e tecnolgica, como no caso das economias subdesenvolvidas. Por exemplo, sem um estudo aprofundado da estrutura agrria desses pases no possvel explicar a tendncia concentrao da renda ocorrida durante a fase de industrializao, nem a rigidez da oferta de alimentos geradora de presses inflacionrias. Sem uma percepo clara das caractersticas da industrializao tardia, no possvel entender a inadequao tecnolgica que gera o desemprego e a subutilizao da mo-de-obra. Segundo Furtado (1997, p. 17-18, grifo nosso):

    Como fatores no-econmicos regime de propriedade da terra, controle das empresas por grupos com viso transnacional dos investimentos, permanncia de grande parte da mo-de-obra fora dos mercados organizados, etc. integram a matriz estrutural do modelo com que trabalha o economista, ao darmos nfase ao estudo de tais parmetros fomos chamados de estruturalistas. Em certo sentido, os estruturalistas retomaram a tradio do pensamento marxista, na medida em que este colocou em primeiro plano a anlise das estruturas sociais para compreender o comportamento dos agentes econmicos.

    A crtica cepalina ao modelo historicamente consolidado de insero da Amrica Latina no comrcio internacional no implica, em absoluto, atribuir a esse modelo a causa do atraso da regio, mas sim a perceber nele um instrumento de manuteno do subdesenvolvimento. As solues apontadas pelos autores da Cepal a diversos problemas econmicos enfrentados pela regio necessariamente implicavam uma urgente e profunda transformao das instituies desses pases (Street; James, 1982).

    No se sustenta, portanto, a crtica novo-institucionalista suposta negligncia da Cepal no tratamento dos elementos institucionais que

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    condicionaram o desenvolvimento das economias latino-americanas. Alis, tal negligncia seria antes cometida pela prpria NEI, na medida em que o individualismo metodolgico por ela adotado exige o tratamento de conjuntos sociais (tais como pases e regies) como unidades isoladas e independentes do sistema que as envolve. Neste caso, a anlise das assimetrias de poder permanece necessariamente limitada s instituies do sistema econmico nacional ora analisado, o que impede o reconhecimento das relaes de dominao exteriores a este sistema (Velasco; Cruz, 2003, p. 119). Isso nos ajuda a compreender um aparente paradoxo da teoria de North: ao mesmo tempo em que o autor reconhece e enfatiza a importncia das relaes de dominao existentes nas sociedades atrasadas enquanto elementos que impedem a modernizao de suas instituies, ele, surpreendentemente, desconsidera a influncia econmica e ideolgica das relaes de poder historicamente consolidadas entre esses pases e o mundo industrializado.

    4.3 A ideologia cepalina

    A ideologia da Cepal no pode ser dissociada da ideia central de industrializao. A industrializao era defendida no apenas como meio de superao do modelo primrio-exportador, mas, sobretudo, como um instrumento necessrio para a modernizao institucional (Bielschowsky, 2000). E, na ausncia de uma burguesia comprometida com a mudana, caberia naturalmente ao Estado a responsabilidade por capitanear o processo de transformao econmica nos pases latino-americanos (Cardoso, 1974; Bustelo, 1998). Segundo Love (1996, p. 208):

    The central issue that economic theory and ideology addressed in Latin America in the period after 1930 was industrialization, both as a fact (at first a consequence of the decline of export-led growth) and as desideratum (for ECLA, at least at the outset, a solution to the problem of economic underdevelopment).

    A anlise da Cepal no negligenciou o papel das restries informais no processo de desenvolvimento econmico: isso evidenciado pelo fato de seus autores defenderem a urgncia de uma profunda transformao do arcabouo institucional existente na Amrica Latina, ao mesmo tempo em que denunciavam o carter perverso da consolidao de ideologias contrrias aos valores e crenas que constituem a identidade dessas naes (Sunkel, 1989). O fato de essa escola privilegiar a anlise das estruturas sociais em detrimento do comportamento individual tampouco implica a negao da influncia dos microincentivos sobre os objetivos e a ao dos agentes, pois de acordo com Graciarena (2000, p. 705):

    Os indivduos e grupos, suas vidas e suas necessidades, tm peso, para alm de sua condio de portadores da estrutura e de meros agentes passivos da histria. Por sua vez, tanto esta quanto a estrutura so mais do que contextos que condicionam o

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    conjunto de alternativas, porque (...) numa situao nacional, historicamente concreta e condicionada, h sempre mais de uma alternativa possvel.

    Se o pensamento cepalino reconhece o papel dos modelos mentais compartilhados enquanto condicionantes fundamentais do comportamento dos agentes econmicos, resta saber se ele, intencionalmente ou no, foi de fato responsvel por impingir uma ideologia que justificasse a manuteno da sobejamente ineficiente matriz institucional latino-americana. Curiosamente, algumas das primeiras e mais contundentes crticas escola cepalina foram provenientes dos prprios tericos da dependncia, em especial daqueles de inspirao marxista. Estes autores eram cticos quanto capacidade do Estado de conciliar os interesses das burguesias latino-americanas em prol do desenvolvimento econmico (Cardoso, 1974). De fato, o fracasso da democracia a partir do final da dcada de 50 e a emergncia de regimes ditatoriais em praticamente todos os pases da regio na poca parecem corroborar essa viso pessimista, evidenciando o equvoco da ideologia cepalina quanto capacidade desses pases superarem a condio de atraso por suas prprias foras. Conforme Love (1996, p. 273),

    Prebischs terms-of-trade thesis and other pro-industrialization arguments had initially provided ideological support intentionally or not for Latin Americas national bourgeoisies. Yet by the latter 1960s it was questionable whether that class could achieve the historical project which Prebisch had envisioned.

    No obstante o fracasso da Cepal em incutir uma mentalidade modernizadora na burguesia latino-americana, Love (1996, p. 269-274) conclui que sua ideologia foi capaz de condicionar decisivamente o pensamento da burocracia estatal em prol do progresso econmico. Em diversos pases da regio, determinados segmentos da administrao pblica foram capazes de adquirir autonomia frente influncia de grupos de interesse, exercendo suas tarefas segundo critrios coerentes com os requisitos da eficincia econmica e consolidando assim uma esfera privilegiada de influncia poltica.12 O relativo sucesso desses setores na promoo do desenvolvimento ajuda, inclusive, a explicar a persistncia da tradio de um elevado grau de intervencionismo estatal na regio (Love, 1996).

    Consideraes finais

    As principais crticas de North a Cepal so: em primeiro lugar, a de que ela negligencia a influncia da formao institucional dos pases latino-americanos sobre seu desenvolvimento econmico, tomando como dada e irreversvel sua

    (12) Para uma discusso mais aprofundada sobre a importncia do papel desempenhado pela ideologia da burocracia estatal na promoo do progresso econmico, bem como uma anlise comparativa entre os diferentes modelos da administrao pblica adotados pelos pases em desenvolvimento, ver Evans (1995).

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    posio perifrica no comrcio internacional; em segundo lugar, sugere-se que a ideia de dependncia, introduzida pelo estruturalismo cepalino, pressupe uma relao de dominao econmica e poltica que se faz imposta pelas economias centrais, no derivando, portanto, de qualquer tipo de caracterstica intrnseca das economias perifricas. Em outras palavras, o autor acusa a Cepal de utilizar um elemento exgeno e ad hoc para explicar o atraso latino-americano e, destarte, justificar as polticas econmicas populistas implementadas ao longo do sculo XX em praticamente todo o continente o que, de resto, evidenciaria o vis ideolgico e a fragilidade das construes tericas cepalinas.

    Consideramos, entretanto, improcedentes tais observaes. Com respeito negligncia dos aspectos institucionais do desenvolvimento, pode-se argumentar em defesa dos autores cepalinos que estes sempre realaram a importncia dos parmetros no-econmicos em seus modelos, principalmente quando aplicados macroeconomia. O estruturalismo presente na abordagem da Cepal no se resume, de modo algum, a um modelo determinstico de explicao do empobrecimento da periferia com base na deteriorao dos termos de troca, destarte negligenciando sua evoluo institucional. Ao contrrio, ao apontar a heterogeneidade social e tecnolgica dos sistemas econmicos perifricos, a teoria cepalina de fato enfatiza a influncia das razes institucionais para a explicao das trajetrias de desenvolvimento das sociedades ao longo da histria.

    Tampouco nos parece justificada a crtica novo-institucionalista ideologia cepalina. No possvel contemplar nesta ltima qualquer compromisso de manuteno do status quo poltico e institucional, nem tampouco se percebe qualquer incentivo passividade individual ou rejeio de valores democrticos e liberais. Pelo contrrio, possvel depreender, do pensamento da Cepal, uma viso at excessivamente otimista quanto vontade modernizadora das burguesias latino-americanas, habilidade poltica de seus governos e capacidade desses pases superarem sua condio de subdesenvolvimento por meio de suas prprias foras.

    inegvel a importncia atribuda pela anlise estruturalista ao papel das instituies na promoo do desenvolvimento econmico. O pensamento cepalino conjuga de maneira coerente, em sua anlise, tanto a dimenso holstica como a histrica, as quais o dotam de suficiente flexibilidade para a aplicao aos mais diversos casos especficos, mantendo, no obstante, a necessria coerncia lgica com suas hipteses mais gerais. Seu arcabouo terico permite agregar importantes caractersticas institucionais presentes nas economias perifricas, sem, contudo, redundar numa anlise funcionalista ou excessivamente reducionista, contrariando o instrumental novo-institucionalista, cuja aplicao ao estudo dos problemas econmicos da Amrica Latina tem se mostrado problemtica, dada a negligncia de fatores culturais na formao das preferncias individuais e a

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    negao do papel histrico de condicionantes externos a essas economias. De fato, constatamos que, ao mesmo tempo em que se distancia do instrumental terico da NEI, o pensamento cepalino se aproxima cada vez mais do programa de pesquisa institucionalista consagrado na tradio da OIE. A explorao dos vnculos analticos existentes entre essas escolas certamente nos propiciar uma inestimvel contribuio para o entendimento mais profundo dos problemas latino-americanos.

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