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Débora Cristina Mota Buere Xavier A EXTENSÃO DO DIREITO DE VISITA COM BASE NO AFETO: dignidade da pessoa humana e garantia de convivência familiar DISSERTAÇÃO DE MESTRADO DEPARTAMENTO DE DIREITO Programa de Pós-Graduação em Direito Rio de Janeiro, Maio de 2008

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Débora Cristina Mota Buere Xavier

A EXTENSÃO DO DIREITO DE VISITA COM BASE NO AFETO: dignidade da pessoa humana e garantia de convivência familiar

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

DEPARTAMENTO DE DIREITO Programa de Pós-Graduação em Direito

Rio de Janeiro, Maio de 2008

Débora Cristina Mota Buere Xavier

A EXTENSÃO DO DIREITO DE VISITA COM BASE NO AFETO: dignidade da pessoa humana e garantia de convivência familiar

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Dissertação apresentada com requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Direito do Departamento de Direito da PUC-Rio.

Orientadora: Professora Maria Celina Bodin de Moraes

Rio de Janeiro Maio de 2008

Débora Cristina Mota Buere Xavier

A EXTENSÃO DO DIREITO DE VISITA COM BASE NO AFETO: dignidade da pessoa humana e garantia de convivência familiar

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Direito do Departamento de Direito da PUC-Rio como parte dos requisitos parciais para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Profª. Maria Celina Bodin de Moraes Orientadora

Departamento de Direito – PUC-Rio

Prof. Alejandro Bugallo Alvarez Departamento de Direito – PUC-Rio

Prof. Rosângela Maria de Azevedo Gomes Departamento de Direito – UERJ

Prof. Nizar Messari Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de

Ciências Sociais – PUC-Rio

Rio de Janeiro, 28 de maio de 2008.

Todos os direitos reservados. E proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, da autora e da orientadora.

Débora Cristina Mota Buere Xavier Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2000). Especialista em Direito Processual (PUC/MG). Mestranda em Direito Constitucional e Teoria do Estado (PUC/RJ). Participou de diversos congressos na área de Direito de Família. Atualmente é professora de Direito Processual Civil da Faculdade Batista/MG e assessora de juiz no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, tem experiência na área de Direito Processual Civil e Direito Civil, com ênfase em Direito de Família, atuando principalmente no direito de visita.

Ficha catalográfica

Buére Xavier, Débora Cristina Mota

A Extensão do Direito de Visita com base no Afeto: dignidade da pessoa humana e garantia de convivência familiar/Débora Cristina Mota Buére Xavier; orientadora: Profª. Dr. Maria Celina Bodin de Moraes.- Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Direito, 2008.

107 fl.; 29,7 cm Dissertação (mestrado) - Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Direito Inclui referências bibliográficas 1. Direito – Teses. 2. Visitação. 3. Criança 4. Adolescente 5. Convivência familiar. 6. Afeto 7. Dignidade da Pessoa humana. I Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Direito. II Título

CDD:340

Somos postos a escolher todo o tempo. O tempo é o grande presente de Deus para o nosso aperfeiçoamento, trazendo-nos sabedoria para vencermos os obstáculos.

Quanto maior o obstáculo, maior é o aprendizado.

Somos aquilo que vivemos. Nem mais, nem menos!

Agradeço a Deus a presença iluminada em minha vida, como o amanhecer, rompendo-me a neblina e o cansaço.

Para meus pais e esposo, pelo apoio e confiança

Agradecimentos

À minha orientadora, Professora Doutora Maria Celina Bodin de Moraes, pelo estímulo e pela parceria para a concretização deste trabalho

Aos Professores do Curso de Mestrado, mestres dedicados e, conseqüência de suas lídimas aulas, estimuladores constantes da pesquisa no campo dos Direitos Humanos.

Ao Dr. Newton Teixeira Carvalho, pelas horas cedidas para o estudo, sem as quais este trabalho não poderia ser realizado.

A Kévia Carolina, figura importante para o sucesso da implementação do Mestrado, e que, com sua competência e doçura, cativou a todos.

Aos meus pais, pelo incentivo, pela educação que me proporcionaram e pelos exemplos que me ofereceram em todas as horas.

Ao meu companheiro Marcos Leonardo, pela compreensão nas muitas horas de ausência do lar, por sua constante paciência, pelo grande amor e incentivo.

Aos meus sobrinhos Izabella, Matheus e Thiago, por me mostrarem o quanto é importante a convivência baseada no afeto.

Ao Hans, mestre iluminado, por sua presença e generosidade constantes.

A “Senhora da Luz Velada, dessa Umbanda de Todos Nós”, por me reconduzir ao caminho da Paz e Amor Universais.

RESUMO

BUERE XAVIER, Débora Cristina Mota. A extensão do direito de visita com base no afeto: dignidade da pessoa humana e garantia de convivência familiar. Belo Horizonte, 2008. Dissertação de Mestrado. Departamento de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Tomando por base a dignidade da pessoa humana, expressa também nos

princípios da não-discriminação, da solidariedade e na atenção especial dedicada à

criança e ao adolescente como indivíduos em desenvolvimento, a dissertação tem

por escopo evidenciar o direito de visita dos parentes e das pessoas ligadas por

laços de afetividade à criança e ao adolescente, embora não expresso na

sistemática legal que regula as relações de família. Assim, diante dos princípios

maiores que informam os interesses da criança e do adolescente e para

preservação do núcleo familiar pautado pela lógica da afetividade, conclui salutar

garantir o exercício do direito de convivência familiar à criança e ao adolescente.

Palavras-chave Visitação; criança; adolescente; convivência familiar; afeto; dignidade da

pessoa humana.

ABSTRACT

BUERE XAVIER, Debora Cristina Mota. The extension of the right of visit based on affection: dignity of the human person and guarantee coexistence family. Belo Horizonte, 2008. Dissertation of Masters. Department of Law, Pontifical Catholic University of Rio de Janeiro.

Taking based on human dignity, expressed also in the principles of non-

discrimination, solidarity and with special attention dedicated to the children and

adolescents as development subjects, the dissertation have, as scope, the right of

relatives and people linked by ties of affection to the children and adolescents of

visitation, although not expressed in the systematic legal governing the relations

of the family. Thus, given the principles that inform the larger interests of children

and adolescents and for preservation of the family guided by the logic of

affection, concludes healthy ensure the right of coexistence familiar to children

and adolescents

.

Keywords Visit; child, adolescent; coexistence family; affection; dignity of the human

person

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

2 O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A PROTEÇÃO DIFERENCIADA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

16

2.1 PRINCÍPIO, PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E SUA FORMA DE APLICAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

18

2.1.1 PRINCÍPIOS JURÍDICOS – DWORKIN E ALEXY . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

2.1.2 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – CANOTILHO . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

2.2 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

2.2.1 A DIGNIDADE COMO PRINCÍPIO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36

2.3 O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

2.4 O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . 43

2.5 O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

45

2.5.1 O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: CONSOLIDAÇÃO NO DIREITO POSITIVO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

46

3 A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E A EXTENSÃO DO DIREITO DE VISITA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

56

3.1 O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA NA CONVIVÊNCIA FAMILIAR . . . . . 56

3.2 A RELEVÂNCIA DO AFETO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

3.2.1 A DIMENSÃO DOS VÍNCULOS AFETIVOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

3.3 O DIREITO DE VISITA DE – E A – CRIANÇAS E ADOLESCENTES . . . . . . 64

3.3.1 CONFLITOS DO CASAL NA SEPARAÇÃO: REFLEXOS PARA OS FILHOS . . . 65

3.3.2 PARTICIPAÇÃO AFETIVA DA FAMÍLIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

3.3.3 PARTICIPAÇÃO DE OUTRAS PESSOAS LIGADAS POR LAÇOS DE AFETIVIDADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

71

3.3.4 SOLUÇÃO, VALORAÇÃO E APLICAÇÃO PELO JUIZ . . . . . . . . . . . . . . . 73

3.3.4.1 O valor dos laudos periciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

3.3.4.2 A sensibilidade do magistrado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 80

3.3.4.3 A ponderação dos interesses em jogo (Alexy) . . . . . . . . . . . . 83

4 CONCLUSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

5 REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

1

INTRODUÇÃO

Uma das mais constantes preocupações do mundo contemporâneo tem

sido a proteção à existência do próprio homem, de sua identidade, de seus valores,

independentemente de sua raça, sexo, cor e idade.

Os questionamentos sobre o homem e sua dignidade, levados à reflexão

ao longo dos tempos, foram responsáveis por grandes mudanças de paradigmas,

fundamentais à concretização dos direitos fundamentais1.

Observou-se, outrossim, que as normas de Direito Privado muitas vezes

não garantiam a efetiva proteção aos direitos fundamentais, talvez diante da

complexidade das relações humanas ou da própria incapacidade do próprio Estado

em prever e regular todas as situações capazes de violar o pleno exercício dos

direitos fundamentais.

No século XX, a Constituição passou a ser o eixo do Direito, e, por

conseguinte, guardiã dos direitos individuais e sociais, da liberdade, do bem-estar,

da justiça e da igualdade, além de tutelar os valores positivados na sociedade

através dos princípios constitucionais.

A Constituição Brasileira de 1988 (CRFB/1988)2 estabeleceu nova ordem

jurídica, responsável pela promoção da “constitucionalização do Direito Civil”3,

1PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o Direito de Família. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 30 et seq.

2BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil [1988]. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 18 jun. 2007.

3A esse respeito, MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um Direito Civil Constitucional. Revista de Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 65, p. 23 et seq. Em outro texto, a mesma autora afirma: “São os valores expressos pelo legislador constituinte que devem informar o sistema como um todo. Tais valores, extraídos da cultura, isto é, da consciência social, do ideal ético, da noção de justiça presentes na sociedade, são portanto,os valores através dos quais aquela comunidade se organizou e se organiza. É neste sentido que se deve entender o real e mais profundo significado, marcadamente axiológico, da chamada constitucionalização do direito civil” (MORAES, Maria Celina Bodin de. O Código Civil e o Direito Civil Constitucional. Editorial. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, v. 13, p. 2, 2003).

11

refletindo profundamente no Direito de Família4, ao mesmo tempo em que

representou marco de suma importância para o surgimento de um novo modelo de

família, pautado em princípios constitucionais.

Pode-se dizer que o fenômeno da constitucionalização fez com que o

Código Civil deixasse de exercer o papel de lei fundamental do Direito de

Família5. A Constituição, na contemporaneidade, passou a tutelar as relações

familiares, através dos princípios da dignidade, da solidariedade e da não-

discriminação, principalmente no que se refere à criança e ao adolescente.

Maria Celina Bodin de Moraes esclarece:

Diante da nova Constituição e da proliferação dos chamados microssistemas, como, por exemplo, a Lei do Direito Autoral, e recentemente, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Código de Defesa do Consumidor e a Lei das Locações, é forçoso reconhecer que o Código Civil não mais se encontra no centro das relações de direito privado. Tal pólo foi deslocado, a partir da consciência da unidade do sistema e do respeito à hierarquia das fontes normativas, para a Constituição, base única dos princípios fundamentais do ordenamento.6

Assim, o reconhecimento normativo dos princípios constitucionais

representou grande evolução, que desencadeou a interpretação da Constituição

como um sistema aberto de princípios e regras.

Lembra Rodrigo da Cunha Pereira:

Independente de se considerar o Código Civil brasileiro de 2002 bom ou ruim, avançado ou ultrapassado, é ele o estatuto jurídico que regerá as relações civis deste século. De qualquer forma, várias alterações estão sendo providenciadas para que se aproxime um pouco mais do desejável para uma legislação, especialmente na parte referente à família. Entretanto, por mais que se aproxime do desejável ele jamais será uma fonte satisfatória do direito. Ele só se

4PEREIRA, Tânia da Silva. Famílias possíveis: novos paradigmas na convivência familiar. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Afeto, ética, família e o novo Código Civil. Belo Horizonte: Del Rey, 2004, p. 633.

5Maria Celina Bodin de Moraes esclarece que o direito constitucional representa o conjunto de valores sob os quais se constrói, na atualidade, o pacto da convivência coletiva, função outrora exercida pelos órgãos civis. Afirma: “O problema maior do Direito tem sido exatamente o de estabelecer um compromisso aceitável entre os valores fundamentais comuns, capazes de fornecer os enquadramentos éticos e morais nos quais as leis se inspirem, e espaços de liberdade, os mais amplos possíveis, de modo a permitir a cada um a escolha de seus atos e a condução de sua vida particular, de sua trajetória individual, de seu projeto de vida. Toda esta problemática nos põe diante do desafio de distinguir quais sejam os atributos intrínsecos a pessoa humana, cuja proteção o Direito é chamado a garantir e promover, e de que forma tais atributos devam ser, relativamente, hierarquizados” (MORAES, Maria Celina Bodin de. A caminho de um Direito Civil Constitucional. Estado, Direito e Sociedade. Rio de Janeiro: Departamento de Direito da PUC-RIO, V. 1, p. 4, 1991).

6Loc. cit.

12

aproximará do ideal de justiça se estiver em consonância com uma hermenêutica constitucional e de acordo com os princípios gerais do direito e também com os princípios específicos e particulares do Direito de Família [...]. 7

Porém, mesmo com a existência de previsão constitucional de garantias

dos direitos fundamentais, as dificuldades de sua efetiva aplicação em favor do

indivíduo tornaram-se constante realidade.

Na verdade, a reflexão quanto à extensão do direito de visita, sob o prisma

da dignidade da pessoa humana e da garantia de convivência familiar, tem o

escopo de privilegiar as relações humanas e favorecer a união das pessoas

envolvidas por meio da afetividade.

Cumpre salientar que a criança e o adolescente há muito deixaram de ser

objeto das relações jurídicas, de disputa dos pais – enfim, seres sem identidade8 –,

para se tornarem sujeitos titulares de direitos próprios9, ou seja, de direitos

individuais civis, políticos, sociais e culturais, merecedores de especial proteção

do Estado, a quem, por sua vez, cabe o dever de assistir a família na pessoa de

cada um de seus integrantes.

Abordar-se-á, para a melhor exposição do tema proposto, não a família

em seu sentido restrito (núcleo formado pelos pais e filhos), mas aquela protegida

pelo Estado, a família em seu sentido amplo – ou seja, todos os indivíduos ligados

pelo vínculo da consangüinidade (unidos pelo parentesco), da afinidade

(incluindo-se os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge), como

também aqueles ligados pela afetividade.

Partindo-se do conceito de família como um agrupamento, uma

comunidade de indivíduos ligados por laços de afeto, solidariedade, experiências e

projetos de vida10, deparar-se-á com alguns princípios de suma importância para a

7PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o Direito de Família, cit., p. 8.

8ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção sobre os Direitos da Criança, 1989, apud TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 32 et seq.

9TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude, cit., p. 32 et seq. 10“A família tem sido vista como um espaço privilegiado de solidariedade e de realização pessoal.

A idéia de ambiente familiar experimenta, na contemporaneidade, um momento de esplendor, tendo se tornado um anseio comum de vida, com o desejo generalizado de fazer parte de formas agregadas de relacionamento baseadas no afeto recíproco” (MORAES, Maria Celina Bodin de. A família democrática. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Anais do V Congresso

13

garantia do direito de visita do menor: o princípio da dignidade humana, previsto

no artigo 1o, inciso III da CRFB/1988, trazido para o âmbito da criança e do

adolescente através do artigo 227; o princípio da não-discriminação; o princípio

da solidariedade; o princípio da afetividade.

O artigo 227 da CRFB/1988, berço dos direitos humanos fundamentais,

individuais e sociais da criança e do adolescente, trouxe novos contornos ao

Direito da Infância e da Juventude11.

O princípio da dignidade da pessoa humana12 pressupõe a construção de

respeito à sua liberdade, ao mesmo tempo em que reconhece o menor em sua

particularidade e singularidade.

O princípio jurídico da afetividade, fundante do direito à convivência

familiar, pauta-se, sobretudo, no macroprincípio da dignidade da pessoa humana,

que preside todas as relações jurídicas, além de proteger o desenvolvimento digno

dos indivíduos integrantes da família.

Daí o surgimento do direito à convivência familiar13 como forma de

propiciar o ambiente ideal para o desenvolvimento e a construção da identidade da

criança e do adolescente.

Portanto, em face dos princípios que norteiam o Direito de Família é

encontrado o fundamento do direito de visita aos parentes e aos indivíduos ligados

por laços de afetividade.

Brasileiro de Direito de Família: família e dignidade humana. Belo Horizonte: IBDFam, 2006, p. 2).

11TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude, cit., p. 60 et seq. 12TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. Rio de Janeiro:

Renovar, 2005, p. 61. Sobre o tema, também na doutrina, ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional da pessoa humana: o enfoque da doutrina social da Igreja. Rio de Janeiro: Renovar, 2001; AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Caracterização jurídica da dignidade da pessoa humana. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, n. 9, p. 3-24, jan./mar. 2002; BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002; MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003; SANTOS, Fernando Ferreira dos. Princípio constitucional da dignidade humana. São Paulo: Freitas Bastos, 1999; SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas / Atlas, n. 212, p. 89-94, abr./jun. 1998.

13TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental , cit., p. 132 et seq. Sobre direito à convivência familiar, v. PEREIRA, Tânia da Silva (Coord.). O melhor interesse da criança: um debate interdisciplinar. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 174.

14

Diante do laço afetivo de convívio, embora não expresso na sistemática

das leis que regulam as relações de família, é evidente o direito de os parentes – e

as pessoas ligadas por laços de afetividade – se avistarem com as crianças e os

adolescentes, direito esse fundado na solidariedade familiar e nas obrigações

oriundas do parentesco, como é o caso dos avós, unidos aos netos inclusive por

vínculos jurídicos: além da obrigatoriedade da prestação de alimentos, os avós

podem ser nomeados tutores dos netos na falta dos pais, de acordo com o artigo

1.697 do Código Civil de 2002 (CC/2002)14.

Essa aproximação entre os menores e os indivíduos a eles ligados pelo

afeto não fere o poder familiar dos genitores, considerando-se que a visitação é

exercida nos limites do interesse do menor, ou seja, na possibilidade de ver e estar

com o mesmo sem, contudo, poder fiscalizar ou participar de forma efetiva da sua

educação, contrariamente ao que acontece com o genitor que não detém a guarda,

que pode – e deve – participar, e ativamente, desse processo.

Assim, diante dos princípios maiores que informam os interesses da

criança e do adolescente e visando a preservação do núcleo familiar, mostra-se

imprescindível à criança e ao adolescente a garantia do salutar exercício do direito

de convivência familiar.

Desse modo, a escolha do título A extensão do direito de visita com base

no afeto: dignidade da pessoa humana e garantia de convivência familiar como

objeto de dissertação tem como objetivo contribuir para melhor compreensão

deste instituto e para demonstrar toda a problemática que o envolve.

A pesquisa realizada versa acerca da defesa do princípio do melhor

interesse da criança e do adolescente e da garantia de convivência familiar, tendo

como pilares os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da

não-discriminação e da convivência familiar.

Primeiramente, para melhor compreensão do instituto, empreende-se

breve estudo sobre princípios e regras, passando-se por seu conceito, pelas

características de sua aplicação pelo juiz e por sua valoração. Evidentemente,

considerando-se a complexidade e a abrangência do instituto, não é possível a

14BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível

em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 5 jan. 2008.

15

realização de estudos profundos. Contudo, efetiva-se breve abordagem dos

aspectos principiológicos gerais, discorrendo-se sobre sua evolução histórica e

suas formas de reconhecimento.

Em um segundo momento, trata-se do princípio da dignidade da pessoa

humana e suas projeções: a solidariedade e a não-discriminação.

Em vista dos princípios a serem abordados e da proteção à unidade

familiar, o tema coloca-se sempre sob a ótica do Estatuto da Criança e do

Adolescente (ECA)15, focando o princípio do melhor interesse da criança e do

adolescente.

Finalmente, aborda-se a convivência familiar e o direito de visita do e ao

menor por outros parentes e pelas demais pessoas a eles ligadas por laços de

afetividade, além das questões processuais quanto à efetiva garantia ao direito de

conviver, considerando-se as partes, os aspectos relativos ao valor dos laudos

periciais, a postura do magistrado e ainda a questão relativa à ponderação dos

interesses em jogo.

O objetivo geral da dissertação será discutir os princípios constitucionais

sob a ótica da criança e do adolescente, como forma de propiciar uma nova

concepção de família: democrática, solidária e fundada sob as bases do Estado

Democrático de Direito.

15BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Institui o Estatuto da Criança e do Adolescente e

dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil _03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 28 mar. 2007.

2

O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A PROTEÇÃO DIFERENCIADA DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES

No Brasil, a exemplo das outras constituições internacionais, a

CRFB/1988 positivou as novas conquistas sociais, principalmente no que se refere

à proteção da dignidade da pessoa humana, construída como fundamento do

Estado Democrático de Direito, prevista em seu artigo 1º, inciso III.

Art. 1. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

[...]

III – a dignidade da pessoa humana;1

Nesse diapasão, democracia é, conforme se infere cristalinamente do

Preâmbulo e do parágrafo único do artigo 1º da CRFB/1988, e oportunamente

lembra Paulo Bonavides, aquela

[...] forma de exercício da função governativa em que a vontade soberana do povo decide, direta ou indiretamente, todas as questões do governo, de tal sorte que o povo seja sempre o titular e o objeto, a saber, o sujeito ativo e o sujeito passivo de todo poder legítimo.2

Paulo Luiz Netto Lobo ressalta a mudança verificada com relação à

infância e à juventude frente ao artigo 227 da CRFB/1988, que estabeleceu seus

direitos humanos, fundamentais, individuais e sociais, oponíveis contra o Estado,

a sociedade e a comunidade em geral, como também os pais e seus substitutos, e

ainda todos os familiares: “Não é um direito oponível apenas ao Estado, à

sociedade ou a estranhos, mas a cada membro da própria família.”3

Assim, é de se perceber nos dispositivos elencados a proteção inerente à

condição peculiar de pessoa em fase de desenvolvimento, cujos direitos básicos – 1BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, cit. 2BONAVIDES, Paulo. Democracia direta, a democracia do terceiro milênio. In: ______. A

Constituição aberta. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 17. 3LOBO, Paulo Luiz Netto et al. Atualidades jurídicas. São Paulo: Saraiva, 1999.

17

vida e saúde, educação e cultura, trabalho e previdência, ordem pública e

segurança pessoal, liberdade individual, dignidade humana, convivência familiar,

assistência social, integração comunitária – exigem obrigações solidárias,

constitucionalmente impostas ao Estado, à sociedade e à família.

Cumpre salientar que as obrigações solidárias Estado–sociedade–família

são conferidas conjuntamente a todos os envolvidos, responsabilizando aqueles

que, por falta ou omissão, causarem prejuízos às pessoas que, notadamente, vivem

nessa condição peculiar.

Por estarem, crianças e adolescentes, em fase de desenvolvimento

biopsicossocial, a ordem jurídica se preocupou em protegê-los, impondo tal dever

primeiramente aos pais, em face do desempenho do poder familiar, que engloba

um conjunto de direitos e deveres amparados pelo Estado, o qual, por meio do

ECA, estabelece regras de políticas sociais que “permitam o nascimento e o

desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência” (artigo

7º)4.

Aprofundar-se-á adiante o estudo dos direitos à liberdade, à dignidade, ao

respeito e à convivência familiar e comunitária; contudo, ressalta-se a importância

dos outros direitos, infra e constitucionalmente garantidos, para o

desenvolvimento biopsicossocial da população infanto-juvenil de forma concreta,

sendo o aprofundamento do estudo apenas direcionado para os fins a que esta

dissertação se destina.

O direito à liberdade, como um dos fundamentos do Estado Democrático

de Direito, garantido na CRFB/1988 nos moldes da doutrina da proteção integral,

significa o respeito ao direito de ir, vir e ficar, sem, contudo, deixar desprotegido

o infante ou jovem. Significa ser o indivíduo detentor de uma liberdade orientada,

nos limites impostos pelo próprio ECA, como se depreende da leitura dos artigos

74, 75, 83 e 84 do Capítulo II do Título III.

Assim, ressalta José de Farias Tavares:

A liberdade física da criança e do adolescente não pode ser confundida com a desídia de quem lhes deve a guarda e a segurança; a negligência, a despreocupação, o desprezo, são injustificáveis. Deixar alguém que, por viver em fase de desenvolvimento biopsicossocial, tem necessidade pessoal de ajuda e

4BRASIL. Lei nº 8.069, cit.

18

acompanhamento jogado “no meio do mundo”, exposto às agressões do meio natural ou à maldade humana, jamais será atitude de observância do direito à liberdade. Pelo contrário, é crime de abandono, seja material, seja moral, por ato comissivo ou omissivo, tipos previstos na legislação penal.

Deve ser retirada de todo local perigoso ou inconveniente a pessoa nos verdes anos, que, em razão da idade, não tem ainda condições de avaliar os riscos a que se expõe.5

As medidas protetivas visam o benefício da criança e do adolescente, e a

própria segurança do direito à liberdade.

Por seu turno, a base de sustentação dos direitos humanos está na

dignidade da pessoa humana, que pressupõe a construção do respeito à liberdade,

à vida e aos valores, ao mesmo tempo em que reconhece o indivíduo na sua

particularidade e singularidade.

2.1

PRINCÍPIO, PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E SUA FORMA DE APLICAÇÃO

2.1.1

PRINCÍPIOS JURÍDICOS – DWORKIN E ALEXY

Da transformação antes aludida surgem duas modalidades de normas: os

princípios, com maior nível de abstração, e as regras, marcadas pela objetividade e

especificidade.

Importantes contribuições para o estudo dessa dicotomia foram as de

Ronald Dworkin e Robert Alexy.

Dworkin, em questionamento quanto à questão principiológica e sua

incompatibilidade com o positivismo jurídico, pressupondo a quebra dessa

concepção positivista com o intuito de se apurar se “a justiça requer decisões de

acordo com regras preexistentes”6, conclui que, caso se entenda que o Direito se

5TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude, cit., p. 126. 6DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boira. São Paulo: Martins Fontes,

2002, p. 11.

19

reduz a um mundo fechado de regras, tudo o que não está contido nas regras não

existe no Direito.

A posição de Dworkin é a de que o sistema jurídico está integrado por

regras, princípios e diretrizes políticas, todas passíveis de aplicação pelo julgador.

O autor utiliza a palavra princípio de forma geral, para se referir também

às standards, que são as regras. Quanto às diretrizes, o autor as distingue dos

princípios, conceituando-as como pautas que estabelecem objetivos a serem

atingidos nos aspectos econômico, político ou social.

Lado outro, define princípios como as pautas a serem observadas, por

constituírem imperativo de justiça ou de outra dimensão moral. Para tanto, faz-se

necessária a interpretação7. Afirma, a esse propósito, Rodrigo da Cunha Pereira:

Por isso o sistema de regras tornou-se insuficiente, em face da “revolução hermenêutica” havida com o status que a pessoa humana alcançou, de Fundamento da República Federativa do Brasil, por força do art. 1º, III da Constituição Federal de 1988.8

Caso haja colisão entre princípios, deve-se levar em conta todos eles,

elegendo-se, porém, um deles – sem que os outros sejam invalidados – para

orientação quanto à solução dos conflitos.

Dworkin ainda pontua que a principal distinção entre princípios e regras

são os mecanismos de aplicação. As regras incidem sob a forma de “tudo ou

nada”, ou seja, ou a regra é aplicada ao caso a ela subsumido ou é considerada

7Sabe-se que a hermenêutica é a teoria científica da arte de interpretação, que estuda o ato interpretativo criando princípios, métodos, critérios e regras que direcionam o intérprete da norma jurídica, cuja função é descobrir o conteúdo real da mesma, determinando o seu valor e, assim, reconstruindo o pensamento do legislador. As leis são formuladas em termos gerais e abstratos, para que se possam estender a todos os casos da mesma espécie. Ao aplicador do direito resta interpretar o verdadeiro sentido da norma jurídica e, em seguida, determinar o seu alcance ou extensão, eis que duas leis com o mesmo sentido podem ter extensões ou alcances diferentes. Considerando-se o sentido mais amplo, emprega-se, muitas vezes, o vocábulo interpretação para designar não apenas a determinação do significado e do alcance de uma mesma norma jurídica existente, como também a investigação do princípio jurídico a ser aplicado a casos sem previsão nas normas vigentes. Nesse sentido, a interpretação compreende também a analogia, ou seja, a elaboração de novas normas para casos não previstos. Cumpre esclarecer que o trabalho do jurista sempre deverá permanecer vinculado à lei. No sentido estrito, a interpretação consiste em determinar o significado da lei, desenvolvendo o seu conteúdo em todas as direções. FERRARA, Francesco. Ensaio Sobre a Teoria da Interpretação das Leis: Interpretação e Aplicação das Leis.4ª ed. Armênio Amado – Editor Sucessor: Coimbra, 1987. p.110-113 8PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o Direito de Família,

cit., p. 17.

20

inválida para os mesmos. No caso de colisão entre regras, uma delas deve ser

considerada inválida.

O positivismo não responde de forma satisfatória aos questionamentos

sobre a solução de casos difíceis, na medida em que determina que o julgador

deve atuar nesses casos de acordo com a sua livre convicção, com

discricionariedade, considerando que não pode se recusar à prestação jurisdicional

com base na lacuna da lei.

Neste contexto, o juiz exerce importante papel, eis que, segundo Ferrara,

ele é o intermediário entre a norma e a vida, instrumento regulador das relações

dos particulares9.

No processo de interpretação, o aplicador do Direito se depara com a

necessidade de determinar o significado da lei, diante da “incompletude

insatisfatória no seio do todo jurídico”10. Essas lacunas, admitidas pela própria lei,

são preenchidas principalmente pela analogia, que consiste na aplicação, a um

caso não previsto pelo legislador, de norma que rege caso semelhante.

No cotidiano, interpretam-se os fatos todo o tempo. Isto ocorre porque,

para se conhecer um objeto, faz-se necessária a sua interpretação. Pode-se

inclusive afirmar que toda forma de conhecimento implica atividade

interpretativa. Interpreta-se com a finalidade de se desvendar os significados

presentes no objeto e, assim, conhecê-lo.

Salienta-se ainda que, no âmbito da interpretação hermenêutica da lei, a

Carta Magna brasileira deslumbra aos olhos dos legisladores, tanto pela

jurisprudência e pela atividade legislativa quanto em relação às novas dimensões

do homem atual em face do Estado.

Finalmente, o jurista deve, muito mais do que interpretar a lei, visar o bem

comum, pois se assim não for, a lei não estará cumprindo a sua finalidade.

A hermenêutica jurídica significa um conjunto de princípios gerais nos

quais o exegeta deve se orientar para interpretação da lei no caso concreto; e tem

por objeto o estudo, a aplicação sistematizada dos processos de determinação do 9FERRARA, Francesco. Ensaio sobre a teoria da interpretação das leis: interpretação e

aplicação das leis,cit., p. 111 10ENGISH, Karl apud PRADO, Luiz Regis. Argumento analógico em matéria penal. Revista de

Ciências Jurídicas. Maringá, PR: Universidade Estadual de Maringá, n. 1, p. 162, 1997.

21

sentido e o alcance das expressões do direito, ou seja, é a “a teoria científica da

arte de interpretar”11.

Desta feita, a hermenêutica visa revelar, descobrir e esclarecer o

significado oculto, não apenas de um texto ou norma, mas também da linguagem.

Pode-se afirmar que é por meio da hermenêutica que o próprio homem, o mundo

em que vive, sua história e sua existência devem ser compreendidos.

Daí a necessidade de se ultrapassar a visão tradicional da hermenêutica,

que a considera apenas um conjunto de técnicas e métodos de interpretação da

essência da norma, para se alcançar a visão contemporânea, que a considera um

problema filosófico e ontológico, que afeta em geral toda a relação entre o homem

e o real.

O outro teórico cuja contribuição foi de suma importância no tema, Alexy,

compartilhou da teoria de Dworkin12 em muitos aspectos, apesar de evidenciar

uma visão mais ampla, baseada na avaliação de todos os interesses possíveis.

Alexy elaborou uma teoria de distinção entre princípios e regras, além de

enfrentar a questão da colisão dos princípios.

O autor entendeu que tanto as regras quanto os princípios, embora sejam

diferentes espécies de normas – mas justamente por serem normas –, estabelecem, do

mesmo modo, fundamentos para juízos concretos.

Para Alexy, os princípios, se comparados com as regras, detêm grau de

generalidade relativamente alto em relação a estas, que são normas de

generalidade relativamente baixa13. Entendeu ainda ele que, além da distinção de

grau, haveria também distinção de qualidade, uma vez que as regras contêm

mandamentos no espaço fático e jurídico possível. É o chamado critério

gradualista-qualitativo.

11ENGISH, Karl apud PRADO, Luiz Regis. Argumento analógico em matéria penal, cit., p. 162. 12Muito embora haja significativa diferenciação entre as obras de Alexy e as de Dworkin, não é

objetivo deste trabalho dissecar tais questões, mas tão-somente apresentar alguns instrumentos disponibilizados pela nova estrutura dogmático-constitucional que possibilita a atuação do julgador.

13ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales (Theorie der Grundrechte). Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid: Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, [1997] 2001, p. 83.

22

Os princípios são classificados como normas porque são “mandamentos

de otimização”14. As regras, por outro lado, são normas que podem ser cumpridas

ou não; porém, quando uma norma é aplicável, deve-se obedecer exatamente ao

que ela determina15.

Alexy ressalta a necessidade de se estabelecer uma ponderação entre os

princípios aplicáveis, para que aquele que venha a prevalecer traga o menor

prejuízo possível aos que não prevaleceram. Estabelece-se, no seu entender, um

critério de preferência ao princípio a ser aplicado no caso concreto – diversamente

da posição de Dworkin, que estabelece uma relação de coerência entre os

princípios.

Paulo Bonavides destaca os pensamentos de Dworkin e Alexy acerca dos

princípios:

[...] o pensamento de Dworkin acerca dos princípios, cuja normatividade foi, conforme temos reiteradamente assinalado, dos primeiros em admiti-la com toda a consistência e solidez conceitual, posto que com as insuficiências e imperfeições restritivas corrigidas por Alexy, ao fazer o necessário e indeclinável enriquecimento dos conteúdos materiais dos princípios, cujo raio de abrangência ele alargou, com maior rigor científico. A teoria dos princípios, depois de acalmados os debates acerca da normatividade que lhes é inerente, se converteu no coração das Constituições [...]16

Verifica-se, em síntese superficial, a postura crítica de Dworkin e Alexy,

que censuram as concepções do positivismo, porém divergem em vários pontos.

Certo é que os princípios passaram a ser aplicados pela jurisprudência

brasileira aos casos concretos com base em parâmetros hermenêuticos e

valorativos inscritos na Constituição e existentes na sociedade, levando-se em

conta a interferência da subjetividade na objetividade; por essa razão, Rodrigo da

14Ibid., p. 86. Sobre os mandamentos de otimização, Alexy completa: “El punto decisivo para la

distinción entre reglas e principios es que los principios son normas que ordenan que algo sea realizado en la mayor medida posible, dentro de las posibilidades jurídicas y reales existentes. Por lo tanto, los principios son mandatos de optimización, que están caracterizados por el hecho de que pueden ser cumplidos en diferente grado y que la medida debida de su cumplimiento no solo depende de las posibilidades jurídicas. El ámbito de las posibilidades jurídicas es determinado por los principios y reglas opuestos” (Loc. cit.).

15Ibid., p. 87. Continua Alexy: “En cambio, las reglas son normas que solo pueden ser cumplidas o no. Si una regla es válida, entonces de hacerse exactamente lo que ella exige, ni más ni menos. Por lo tanto, las reglas contienen determinaciones en el ámbito de lo facto y jurídicamente posible. Esto significa que la diferencia entre reglas y principios es cualitativa y no de grado. Toda norma es o bien una regla o un principio” (Loc. cit.).

16BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 281.

23

Cunha Pereira esclarece ter sido por meio deste “material que se tornou possível

construir um conteúdo normativo dos princípios e, por conseguinte, aplicá-los

diretamente às relações interprivadas”17.

Gustavo Tepedino, em suas lições, leciona:

[...] A interposição de princípios nas vicissitudes das situações jurídicas subjetivas está a significar uma alteração valorativa que modifica o próprio conceito de ordem pública, tendo a dignidade da pessoa humana o valor maior, posto no ápice do ordenamento. Se a proteção dos valores existenciais configura momento culminante da nova ordem pública instaurada pela constituição, não poderá haver situação jurídica subjetiva que não esteja comprometida com a realização do programa constitucional [...]18

Nesse diapasão, o papel dos princípios no processo de interpretação e

aplicação é, também, o de corroborar todo o sistema, viabilizando o alcance da

dignidade humana em todas as relações jurídicas – sobrepujando a concepção

estritamente positivista, que acredita em um sistema de regras neutro. Diante

dessa nova realidade, afasta-se a concepção de um direito estritamente formal e

privilegia-se a construção de um Direito vivo, afeto à realidade19.

2.1.2

PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS – CANOTILHO

A conceituação principiológica da Constituição estabelecida por José

Joaquim Gomes Canotilho20 para o exame do Direito Constitucional português

baseia-se na dogmática fundada em princípios, a chamada dogmática

principialista estruturante.

Esses princípios, que garantem à Constituição determinadas identidade e

estrutura, constantes do seu núcleo essencial, estão intimamente ligados aos

denominados princípios fundamentais, inclusos nas Constituições portuguesa e

17PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o Direito de Família.

Belo Horizonte: Del Rey, 2005.p.17/18. 18TEPEDINO, Gustavo. Editorial. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, v. 4,

p. iv, out./dez. 2000. 19PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o Direito de Família,

cit., p. 18-19. 20CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993.

24

brasileira. Para Canotilho, os princípios estruturantes portam uma dimensão

constitutiva, por exprimirem, indicarem, denotarem ou constituírem uma

compreensão global de ordem constitucional, e uma dimensão declarativa, por

assumirem a natureza de superconceitos utilizados para demonstrar a totalidade de

vários subprincípios.

Quanto à positividade constitucional, ou seja, quanto à consagração desses

princípios na ordem jurídico-constitucional positiva e seu efeitos, entende o autor

que tanto esses princípios estruturantes como aqueles subprincípios que

concretizam suas significações normativas são juridicamente vinculantes, e, não

obstante estarem muitas vezes situados em título específico do texto

constitucional, como no caso da CRFB/1988, isso “não significa que eles só aí

venham consagrados, devendo procurar-se no conjunto global normativo da

Constituição as revelações e manifestações concretas desses mesmos

princípios”.21

Essa compreensão dogmático-constitucional organiza-se na interpretação

da Constituição como um sistema normativo aberto de princípios e regras.

Explica Canotilho que por sistema aberto se entende

[...] uma estrutura dialógica, traduzida na disponibilidade e capacidade de aprendizagem das normas constitucionais par captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da verdade e da justiça.22

O modelo de sistemas jurídicos necessita tanto de princípios quanto de

regras, pois, caso se utilizasse somente de regras, o sistema seria de limitada

racionalidade prática; se baseado exclusivamente em princípios, seria de

insegurança jurídica.

As regras e os princípios são duas espécies de normas, cuja distinção,

sugerida por Canotilho23, obedece a alguns critérios: grau de abstração,

21ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceitos de princípios constitucionais: elementos teóricos pra uma

formulação dogmática constitucionalmente adequada. 1. ed., 2. tir. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 182.

22CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, cit., p. 165. 23Ibid., p. 166-167.

25

determinalidade, fundamentalidade no sistema, proximidade e natureza

normogenética (princípios como fundamento de regras)24.

Em sua delimitação do tema, nos quadros do Direito Constitucional,

Canotilho distingue os princípios em jurídicos fundamentais, políticos

constitucionalmente confirmadores, constitucionais impositivos e garantias.

Continua o autor:

Consideram-se princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. Pertencem à ordem jurídica positiva e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo.25

Quanto aos princípios constitucionalmente conformadores, esclarece que

eles “explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte.

Nestes princípios se condensam as opções políticas nucleares e se reflete a

ideologia inspiradora da Constituição”26.

No que se refere aos princípios constitucionais impositivos, continua o

autor:

Subsumem-se todos os princípios que, sobretudo no âmbito da Constituição dirigente, impõem aos órgãos do Estado, sobretudo ao legislador, a realização de fins e a execução de tarefas. São, portanto princípios dinâmicos prospectivamente orientados.27

Finalmente, os princípios que instituem direta e imediatamente uma

garantia dos cidadãos, chamados de princípios-garantia, denotam “densidade de

24Quanto ao grau de abstração, verificamos maior grau nos princípios e grau relativamente

reduzido nas regras. O grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto difere entre os princípios – por serem vagos e indeterminados e carecerem de mediações concretizadoras – e as regras – que são susceptíveis de aplicação direta. Relativamente ao caráter de fundamentalidade no sistema de fontes de direito, os princípios são normas de natureza ou com papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes ou à sua importância estruturante no ordenamento jurídico. Quanto à proximidade da idéia de direito, tem-se os princípios como standards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça ou na idéia de direito e as regras como normas vinculantes com conteúdo meramente formal. Finalmente, os princípios, considerados na sua natureza normogenética, são fundamento de regras, ou seja, são normas que estão na base ou constituem a razão das regras jurídicas.

25CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, cit., p. 171. 26CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, cit., p. 172. 27Ibid., p. 173.

26

autêntica norma jurídica e uma força determinante, positiva e negativa”28 – a

exemplo dos princípios nullum crimem sine lege e nulla poena sine lege.

Também quanto às regras, Canotilho, delimitando o tema, as distingue em

normas constitucionais organizatórias, normas constitucionais materiais, regras

jurídico-organizatórias e regras jurídico-materiais.

As primeiras “regulam o estatuto da organização do Estado e a ordem de

domínio (são normas de ação na terminologia italiana); as segundas referem-se

aos limites e programas de ação estadual em relação aos cidadãos (são normas de

relação)”29.

As regras jurídico-organizatórias, por sua vez, subdividem-se em regras de

competência, que são normas constitucionais nas quais se adotam certas

atribuições a determinados órgãos constitucionais; regras de criação de órgãos ou

normas orgânicas, responsáveis por disciplinar a criação ou instituição

constitucional de determinados órgãos; e, finalmente, regras de procedimento, que

estabelecem normas procedimentais.

Já no tocante às regras jurídico-materiais, compreendidas pelas regras de

direitos fundamentais, de garantias institucionais, determinadoras de fins e tarefas

do Estado e constitucionais impositivas, discorre Canotilho que as primeiras

abrangem

[...] todos os preceitos constitucionais destinados ao reconhecimento, garantia ou conformação constitutiva de direitos fundamentais. As normas que se destinam a proteger instituições (públicas ou privadas) são designadas, pela doutrina, por normas de garantias institucionais.30

Quanto aos preceitos constitucionais que, de forma global e abstrata,

fixam essencialmente os fins e as tarefas prioritárias do Estado, e às regras que

impõem deveres concretos e permanentes, materialmente determinados ao Estado,

o autor as denomina, respectivamente, regras determinadoras de fins e tarefas do

Estado e regras constitucionais impositivas.

28Loc. cit. 29Ibid, p. 174. 30CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, cit., p. 177

27

Tendo como ponto inicial a Constituição, formada de diferentes tipos e

características de “graus de concretização”31, Canotilho afirma que a tensão entre

as regras ilumina a compreensão da Constituição como um sistema interno

estabilizado em princípios estruturantes (indicativos das idéias de toda a ordem

constitucional positiva) fundamentais, que, por outro lado, se assentam em

subprincípios e regras constitucionais consolidadoras desses mesmos princípios.

Como se pode compreender na formação do sistema interno, os princípios

estruturantes recebem consistência e transparência através de suas concretizações

(em princípios gerais, especiais ou regras, e estas formam com os primeiros uma

unidade da Constituição).

A Constituição, considerando-se o seu conteúdo histórico, político e

jurídico, “é a ordem jurídica fundamental de uma comunidade”32.

Ela estabelece em termos de direito e com os meios do direito os instrumentos de governo, a garantir direitos fundamentais e a individualização de fins e tarefas. As regras e princípios jurídicos utilizados para prosseguir estes objetivos são, como se viu atrás, de diversa natureza e densidade. Todavia, regras e princípios constitucionais valem como lei: o direito constitucional positivo. Nesse sentido se fala na Constituição como norma (Garcia de Enterria) e na força normativa da Constituição (K. Hesse).

A complexa articulação da textura aberta da Constituição com a positividade constitucional sugere, desde logo, que a garantia da força normativa da Constituição não é tarefa fácil, mas, se o direito constitucional é direito positivo, se a Constituição vale como lei, então as regras e princípios constitucionais devem obter normatividade (cf. Infra. Parte II, Cap. 3º), regulando jurídica e efetivamente às relações da vida (P. Heck), dirigindo as condutas e dando segurança a expectativas de comportamento (Luhmann).33

Com efeito, Canotilho fala em morte das normas programáticas

constitucionais, eis que por normas programáticas se deve conceber, atualmente,

um valor jurídico constitucionalmente semelhante ao dos remanescentes preceitos

da Constituição. Por essa razão, não se deve falar em simples eficácia

programática, uma vez que qualquer norma constitucional deve ser considerada

obrigatória diante de quaisquer órgãos do poder político.

Por abertura da norma constitucional entendem-se os espaços normativos

deixados à concretização do legislador, do administrador e do juiz, que a “trarão

31ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceitos de princípios constitucionais, cit., p. 228. 32CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, cit., p. 189 33ESPÍNDOLA, Ruy Samuel. Conceitos de princípios constitucionais, cit., p. 183.

28

de seu estado de normatividade potencial para um status jurídico de normatividade

atual imediata”34. Assim, significa dizer que ela comporta relativa delegação aos

órgãos concretizadores.

Por outro lado, a densidade aponta a maior proximidade das normas

constitucionais no que se refere a seus efeitos e condições de aplicação, impondo-

se quando há necessidade de tomar decisões inequívocas em relação a certas

controvérsias, quando se trata de definir e identificar os princípios identificadores

da ordem social e quando a concretização constitucional imponha a conveniência

de normas constitucionais densas35.

Para Canotilho, na análise do conflito de princípios:

O fato de a Constituição constituir um sistema aberto de princípios insinua já que podem existir fenômenos de tensão entre os vários princípios estruturantes ou entre os restantes princípios constitucionais gerais e especiais. O consenso fundamental quanto a princípios e normas positivo-constitucionalmente plasmados não pode apagar, como é óbvio, o pluralismo e o antagonismo de idéias subjacentes ao pacto fundador.36

No seu entendimento, para a resolução de tensões entre princípios, “estes

podem ser objeto de ponderação e concordância prática, consoante o seu peso e as

circunstâncias do caso”37.

Concluindo, segundo Canotilho as normas são gênero, do qual os

princípios e as regras são espécies, e, para a distinção entre as espécies de normas,

vários critérios podem ser utilizados. Certo, porém, que um sistema não pode ser

constituído exclusivamente por regras, considerando-se sua limitada eficiência

prática ao tentar prever todas as situações, ou unicamente por princípios, caso em

que a imprecisão e indeterminação poderiam tornar o sistema frágil do ponto de

vista da segurança jurídica.

Logo, como mecanismo propiciador de equilíbrio na constituição de um

sistema jurídico, somente o sistema aberto, formado por regras e princípios, seria

capaz de acompanhar a constante evolução social.

34Ibid., p. 233. 35CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, cit., p. 189. 36CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, cit., p. 189. 37Ibid., p. 190.

29

Verificou-se que tanto Alexy quanto Dworkin representam a tese da

separação qualitativa entre princípios e regras. Lado outro, alguns estudiosos,

como Canotilho, consideram que a distinção entre ambas é de grau de

generalidade, abstração ou fundamentalidade38.

A conceituação de princípio utilizada por Alexy, como espécie de norma

objetada à regra jurídica, difere da conceituação de Canotilho e de outros autores

brasileiros como "mandamentos nucleares" ou "disposições fundamentais" de um

sistema39, ou ainda como "núcleos de condensações"40, indicando a idéia geral de

que as normas mais fundamentais do sistema seriam os princípios, enquanto as

regras seriam a concretização desses princípios e apresentariam, desse modo,

caráter mais instrumental e menos fundamental.

Para Alexy, o conceito de princípio nada diz sobre a fundamentalidade da

norma, considerando ele que um princípio pode ou não ser um "mandamento

nuclear do sistema", vez que a norma é um princípio em razão não de sua

fundamentalidade, mas apenas de sua estrutura normativa.

Dissertando sobre a diferença entre os conceitos de princípio, Virgílio

Afonso da Silva ressalta as importantes conseqüências na relação entre ambas as

concepções.

Muito do que as classificações tradicionais chamam de princípio, deveria ser, se seguirmos a forma de distinção proposta por Alexy, chamado de regra. Assim, falar em princípio do nulla poena sine lege, em princípio da legalidade, em princípio da anterioridade, entre outros, só faz sentido para as teorias tradicionais. Se se adotam os critérios propostos por Alexy, essas normas são regras, não princípios Todavia, mesmo quando se diz adotar a concepção de Alexy, ninguém ousa deixar esses "mandamentos fundamentais" de fora das classificações dos princípios para incluí-los na categoria das regras.41

Continua o autor, salientando:

38ÁVILA, Humberto Bergmann. A distinção entre princípios e regras e a redefinição do dever de

proporcionalidade. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas / Atlas, n. 215, p. 167, 1999.

39MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 408.

40CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991, p. 49.

40CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional, cit., p. 171-174. 41SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção.

Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. Belo Horizonte: Del Rey, n. 1, p. 612-614, jan./jun. 2003.

30

[...] não há que se falar em classificação mais ou menos adequada, ou, o que é pior, em classificação mais ou menos moderna. Classificações ou são coerentes e metodologicamente sólidas, ou são contraditórias – quando, por exemplo, são misturados diversos critérios distintivos – e, por isso, pouco ou nada úteis Se se define "princípio" pela sua fundamentalidade, faz sentido falar-se em princípio da legalidade ou em princípio do nulla poena sine lege. Essas são, sem dúvida, duas normas fundamentais em qualquer Estado de Direito. Caso, no entanto, se prefira usar os critérios estabelecidos por Alexy, expostos no tópico anterior, é preciso cuidado ao se fazer uma "tipologia de princípios" – se é que uma tal tipologia faz algum sentido quando se distinguem princípios e regras por aqueles critérios – e, mais importante, é preciso deixar de fora dessa tipologia aquelas normas tradicionalmente chamadas de princípios – legalidade etc. –, visto que elas, a despeito de sua fundamentalidade, não poderiam mais ser consideradas como princípios, devendo ser incluídas na categoria das regras.42

Como se percebe, o conceito de princípio, na teoria de Alexy, é um conceito axiologicamente neutro e seu uso não expressa nenhuma opção por esta ou aquela disposição fundamental, nem por este ou aquele tipo de constituição.43

2.2

A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

A família, na contemporaneidade, organiza-se sob as bases do princípio da

dignidade da pessoa humana, muito embora “esta noção tenha se tornado

princípio expresso somente com a Constituição da República de 1988”.44 A

dignidade, como principio ético, orienta e pressupõe vários outros princípios, vez

que atrelada à noção de direitos humanos.

Segundo José Afonso da Silva, “[...] a dignidade da pessoa humana é um

valor supremo que atribui o conteúdo de todos os direitos fundamentais do

homem, desde o direito à vida [...]”45.

42Ibid., p. 614. O autor, em nota de rodapé, comenta: “Talvez o caso mais complexo, neste ponto,

seja o da dignidade humana. Ninguém discordará que sua proteção seja uma das normas mais fundamentais de qualquer ordenamento jurídico democrático contemporâneo. É nesse sentido que se fala em princípio da dignidade da pessoa humana. Porém, caso se entenda que essa seja uma norma que não comporte sopesamento diante de uma colisão com outros princípios, sua classificação como ‘princípio’ fica comprometida, pelo menos se seguirmos os critérios propostos por Alexy [...]. Para uma discussão ampla e atual sobre a dignidade humana, cf., por todos, a ótima dissertação de Ana Paula de Barcellos, A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana, Rio de Janeiro, Renovar, 2002” (Loc. cit.).

43SILVA, Virgílio Afonso da. Princípios e regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção, cit., p. 615.

44PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o Direito de Família, cit., p. 93.

45SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 93.

31

Esse sentido atual da expressão dignidade da pessoa humana foi resultado

de várias mudanças ocorridas na história da humanidade, organizada em quatro

grandes momentos: o Cristianismo, o Iluminismo-Humanista ou Racionalismo, a

obra de Immanuel Kant e a Segunda Guerra Mundial46. Porém, desde a

antiguidade clássica, os povos, segundo ressalta Germán Doig Klinge,

[...] foram descobrindo com as suas próprias luzes e razão, a lei que o ser humano tem gravada em sua natureza, organizando-a em diversas maneiras em códigos ou referências, nos quais descobrimos os primeiros esforços em favor do homem, desde a racionalidade natural.47

Assim, as primeiras sociedades organizaram-se, de formas distintas,

através de códigos, como o de Hamurabi (1730 – 1685 a. C.), da Babilônia,

conhecido por constituir o primeiro registro de tentativa de se buscar a justiça, e o

de Manu, na Índia (séc. II a. C. – séc. II d. C.), conjunto de preceitos morais,

jurídicos, religiosos e políticos.

Trata-se de formas jurídicas elementares, que nem sempre produzem os efeitos que a consciência jurídica atual exige, mas que são, embora incipientes e insuficientes, as primeiras expressões de defesa da dignidade e dos direitos do ser humano.48

A sociedade chinesa, porém, não se fundamentava em códigos. O

confucionismo – nome atribuído ao conjunto de ensinamentos do filósofo

Confúcio (551 – 479 a. C.) – pautava a conduta do homem sob a perspectiva do

outro.

A dignidade humana destacava-se igualmente como norma elementar de

reconhecimento por meio da Regra de Ouro “não faças a outro o que não queres

que façam a ti”, reforçando o ideal do respeito à dignidade do semelhante assim

como à sua própria49.

A idéia de justiça, ou o pensamento greco-romano, também evoluiu para

as mesmas reflexões, embora com outros contornos, considerando a existência de

inúmeras discriminações em desfavor da pessoa humana.

46BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais, cit., p. 104. 47KLINGE, Germán Doig. Direitos humanos e ensinamento social da Igreja. São Paulo: Loyola,

1994, p. 38. 48Ibid., p. 38. 49ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional da pessoa humana, cit., p. 13-14.

32

Contudo, somente a partir do Cristianismo50, que assimilou toda a cultura

hebraica, a dignidade da pessoa humana encontrou seu marco fundamental na

história da humanidade.

A idéia fundamental e essencial sobre o homem, presente na Bíblia, “é seu

caráter de imagem e semelhança do próprio Deus, de onde procederiam a sua

inviolabilidade e, ainda, seu lugar na História da humanidade”51. Essa idéia

ganhou ainda maior força com os ensinamentos de amor por todas as criaturas e

ao próximo, trazidos por Cristo, segundo os quais se conhecerá o verdadeiro

cristão “se vos amardes uns aos outros”52. Assim, e de acordo com o Cristianismo,

o fundamento da dignidade da pessoa humana encontra-se em Deus.

O papel de Jesus Cristo não foi simplesmente o de legislador moralista,

sem outra autoridade senão sua palavra53. A mensagem disseminada por Jesus

Cristo e seus seguidores representou um marco na valorização do indivíduo por

meio dos princípios e idéias de dignidade e proteção da pessoa humana.

A união da natureza divina à natureza humana, na pessoa do Cristo, manifesta concretamente esse novo sentido da dignidade excelsa a que está vocacionado o homem, que, por intermédio do filho de Deus, pode resgatar e restaurar a imagem e semelhança com o Criador perdida ou apagada em virtude do pecado.54

Os ensinamentos de amor e o perdão conduziram o pensamento humano

da Antiguidade greco-romana até o final do século XIX, quando o materialismo

tomou sua forma mais evidente.

Os ideais do cristianismo, assimilados pelos povos bárbaros muitos

séculos depois, serviram de sustentação ao surgimento do racionalismo.

O antropocentrismo e o individualismo renascentista, na medida em que

incentivaram a investigação científica, provocaram gradativa separação entre a fé

50Segundo Diogo Leite de Campos, "a partir do Cristianismo, qualquer ser humano passou a ser

pessoa (homens, mulheres, crianças, nascituros, escravos, estrangeiros, inimigos...) [...]" (CAMPOS, Diogo Leite de. Lições de direitos da personalidade. Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. LXVIII, separata, p. 14, 1992).

51ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional da pessoa humana, cit., p. 18. 52EVANGELHO SEGUNDO SÃO JOÃO, capítulo 13, versículo 34-35. Disponível em:

<http://www.branuncios.com.br/teologia/evangelho_de_joao.html>. Acesso em: 28 dez. 2007. 53KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. J. Herculano Pires. 55. ed. São

Paulo: Lake, 2000, p. 41. 54ALVES, Cleber Francisco. O princípio constitucional da pessoa humana, cit., p.19.

33

(religião) e a razão (ciência), determinando importantes mudanças na forma de

pensar e de agir do homem.

O iluminismo, movimento fundado na razão humana, acabou por deslocar

a religiosidade do centro do pensamento humano, inserindo, em seu lugar, o

próprio homem. Assim, a verdade aparece não como decorrência dos ideais

religiosos, mas associada à idéia de aceitação, pois o homem é responsável por

seu próprio destino.

Os iluministas acreditavam que a razão seria a explicação para todas as

coisas no universo, e que o homem somente poderia alcançar o conhecimento, a

convivência harmoniosa, a liberdade e a felicidade por meio da razão.

O desenvolvimento do Humanismo, ou seja, da valorização do homem e

da razão, foi responsável por um conjunto de conseqüências importantes para o

“desenvolvimento da idéia de dignidade da pessoa humana, como a preocupação

com os direitos individuais do homem e o exercício democrático do poder”55.

Considerado um dos últimos grandes filósofos do início do modernismo,

Immanuel Dealer Kant foi responsável pelo estudo mais consistente sobre a

natureza humana – as relações entre os homens e suas criações. Uma das figuras

mais representativas do Iluminismo, Kant assim o definiu:

O Iluminismo é a saída do ser humano do estado de não-emancipação em que ele próprio se colocou. Não-emancipação é a incapacidade de fazer uso de sua razão sem recorrer a outros. Tem-se culpa própria na não-emancipação quando ela não advém de falta da razão, mas da falta de decisão e coragem de usar a razão sem as instruções de outrem. Sapere aude! (Ouse saber!)56

Kant emprega a expressão dignidade da natureza humana para designar a

razão existente em cada homem, como fonte de um mesmo valor, quando se busca

compreender essa natureza57. A expressão não é criação direta de Kant, mas da

tradição kantiana. Cumpre esclarecer que essa expressão evoluiu da expressão

dignidade da natureza humana – esta ultima utilizada para indicar o que está em

55BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais, cit., p. 106. 56ILUMINISMO. Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponível em: <http://pt.wikipedia

.org/wiki/iluminismo>. Acesso em: 27 de junho de 2006. 57KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Abril Cultural, 1980,

p. 139-140.

34

questão quando se busca a compreensão ética, atrelada à natureza do ser humano,

embora ambas tratem, em essência, da mesma coisa.

Para o filósofo, o Direito e o Estado devem estar organizados em favor dos

indivíduos, razão pela qual ele sustenta a necessidade de separação dos poderes, e

ainda, da generalização do princípio da legalidade como mecanismo assecuratório

da liberdade de persecução dos objetivos de cada indivíduo58.

A natureza humana, em Kant, não comporta a utilização do homem como

instrumento para a ação de outrem, muito embora não raramente seja comum tal

utilização, uma vez que insulta e afronta ao próprio homem. O homem, como ser

superior e dotado de consciência moral, está acima de qualquer coisa e de

qualquer preço, ou seja, tem um valor que o torna sem preço. Em outras palavras,

as coisas têm preço; as pessoas, dignidade.

A dignidade59 é o valor intrínseco que faz do homem uma pessoa, superior

às coisas, um ser dotado de consciência moral e racional, e, por conseguinte,

capaz de responsabilidade e liberdade60.

No reino dos fins, tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo preço, e, portanto não permite equivalente, então tem ela dignidade.61

O século XX, sem dúvida, foi marcado por profundas mudanças ocorridas

em todos os níveis e setores da vida social e privada.

Nas primeiras décadas, a partir do fim da Primeira Guerra Mundial, foram

introduzidos nos ordenamentos jurídicos, por meio da Declaração Universal dos

Direitos Humanos, de 1948, e de inúmeras Constituições – a exemplo das

Constituições das Repúblicas Italiana (1947) e Alemã (1949) – os direitos

58LUÑO, Antônio Henrique Perez. Derechos humanos, estado de derechos y Constitución. 6. ed.

Madrid: Tecnos, 1999, p. 215. 59Rodrigo da Cunha Pereira preleciona: “a noção de Direitos Humanos só pode ser desenvolvida

porque em sua base de sustentação está a dignidade de todo e qualquer ser humano, ou seja, na idéia dos Direitos Humanos está a certeza de que determinados direitos devem ser atribuídos às pessoas por uma mesma causa universal e acima de qualquer arbítrio humano [...] Os Direitos Humanos são, portanto, fruto do reconhecimento da existência da dignidade da pessoa humana” (PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o Direito de Família, cit., p. 98).

60KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes, cit., p. 139. 61Ibid., p. 140.

35

individuais e “sociais de cidadania, correspondentes à aquisição de um padrão

mínimo de bem-estar e segurança sociais que deve prevalecer na sociedade”.62

De fato, foi após a Segunda Guerra Mundial que a humanidade, perplexa

com o genocídio dos judeus e as torturas praticadas nos campos de concentração,

editou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que passou a ser a Carta

Fundamental norteadora dos princípios de proteção ao ser humano para todos os

países, embora constituísse a marca ocidental63 dos direitos humanos.

Certamente, essa experiência histórica de aniquilação do homem, de

desrespeito aos valores da vida e da liberdade, fez surgir, através das organizações

não-governamentais, o interesse pela luta em favor dos direitos humanos e dos

direitos sociais de grupos oprimidos pelo Estado, tendo como objetivos políticos a

concepção não-ocidental de direitos humanos, o diálogo entre culturas e o

princípio de dignidade da pessoa humana64.

A positivação do ideal de dignidade nos ordenamentos jurídicos

contemporâneos somente foi possível em decorrência de um processo de “lutas

políticas, ideais de liberdade e igualdade e exigências de organizações políticas

econômicas e sociais pós-guerra”65.

Desta feita, conclui Rodrigo da Cunha Pereira:

A dignidade da pessoa humana tornou-se indissociável das constituições democráticas, que por sua vez são também indissociáveis dos preceitos basilares dos Direitos Humanos, em cuja Declaração de 1948 estão traduzidos a essência e os espíritos daquilo que se pretende ideal para uma sociedade justa: todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação aos outros com espírito de fraternidade.66

62VIEIRA, Liszt. Os argonautas da cidadania: a sociedade civil na globalização. Rio de Janeiro:

Record, 2001, p. 42. 63Boaventura de Souza Santos esclarece que os direitos humanos não são universais na sua

aplicação, sendo atualmente reconhecidos quatro regimes internacionais de direitos humanos: o Europeu, o Interamericano, o Africano e o Asiático. Agrega-se a isso o fato de que todas as culturas tendem a definir seus valores mais fundamentais como os mais abrangentes, porém, apenas a cultura ocidental tende a formulá-los como universais. Assim, a universalidade é uma questão específica da cultura ocidental, que parte da premissa de que a existência de uma natureza humana universal pode ser conhecida racionalmente, por ser diferente da restante e superior às demais, e que o indivíduo é detentor de uma dignidade absoluta e irredutível, que tem que ser defendida da sociedade e do Estado (SANTOS, Boaventura de Souza. Por uma concepção multicultural de direitos humanos. In: ______. Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 330-337).

64Ibid., p. 337. 65PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Família, direitos humanos, psicanálise e inclusão social. Revista

Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese/ IBDFam, n. 16, p. 5-11, jan./mar. 2003. 66PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o Direito de Família.

Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 100.

36

2.2.1

A DIGNIDADE COMO PRINCÍPIO

A CRFB/1988 consagrou para o ordenamento jurídico brasileiro os

princípios fundamentais, impulsionando a criação de uma nova legislação, como é

o caso da Lei nº 8.069/1990, o ECA, em atendimento à demanda e aos novos

tempos.

Com o estabelecimento dessa nova ordem jurídica, foram surgindo

princípios outros, também norteadores para o Direito de Família, a partir dos

princípios fundamentais da cidadania e da dignidade da pessoa humana (artigo 1º,

incisos II e III da CRFB/1988).

Afirma George Salomão Leite: “As normas principiológicas formam a

base de todo o edifício normativo-positivo de um determinado Estado,

cimentando e pairando sobre todas as demais normas de comportamento tidas

como jurídicas.”67

A hermenêutica jurídica vem exercendo importante função na

interpretação da Constituição como sistema aberto de princípios e regras. Seu

estudo se dá em sentido mais amplo, não bastando conhecer-se, mesmo que

profundamente, o Direito, mas se compreender a gramática, a aplicação das leis, a

interpretação textual e extratextual, os métodos de interpretação, a doutrina e a

jurisprudência. Trata-se de verdadeira filosofia em busca da norma.

Lado outro, os princípios expressam um valor ou uma diretriz, sem

descrever determinada situação jurídica ou se reportar a fatos isolados, exigindo,

porém, a realização de algo, observadas as possibilidades fáticas e jurídicas. Isto

porque os princípios detêm maior grau de abstração e, como tal, difundem-se para

diferentes partes do sistema, contribuindo para a compreensão das regras,

unificando e harmonizando todo o sistema normativo.

67LEITE, George Salomão (Org.). Dos princípios constitucionais: consideração em torno das

normas principiológicas da Constituição. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 19.

37

Considerado o tema sob o prisma conceitual, entende-se por princípios

fundamentais68 os regramentos de caráter geral voltados aos aplicadores das

normas jurídicas, para que estes, ao aplicá-las, removam seus conteúdos

normativos.

Os princípios constitucionais, deste modo, são elementos decisivos na

configuração de uma Constituição, haja vista ser possível, por meio deles, a

construção dos fundamentos do Estado Democrático do Direito.

Neste sentido, uma Constituição consubstancia-se em um conjunto de

regras programáticas e princípios conformadores de valores básicos, que

possibilitam a normatização principiológica no texto constitucional.

Cumpre salientar que a crescente valorização dos princípios ocorreu no

chamado Pós-Positivismo, com o desenvolvimento do humanismo e a promoção

da proteção aos direitos difusos e coletivos, incorporada por todos os Estados

ditos constitucionais. Os princípios inseridos em seus ordenamentos,

compreendendo valores e aspirações da coletividade, passaram a exercer um papel

de conformação dos direitos fundamentais.

Rodrigo da Cunha Pereira, quanto à função dos princípios, esclarece:

Os textos legislativos (regras) não conseguem acompanhar a realidade e a evolução social da família. Nem mesmo o Código Civil, em vigor a partir de janeiro de 2003, contempla todas as indagações e inquietações do Direito de Família contemporâneo. A vida e as relações sociais são muito mais ricas e amplas do que é possível conter uma legislação. Os costumes, como uma importante fonte do Direito, vão impulsionando os operadores do Direito para uma constante reorganização do Direito de Família, obrigando-os a buscar em outras fontes do Direito os elementos necessários àquilo que mais se aproxima do justo. Entre todas as fontes do Direito, nos princípios gerais é onde se encontra a melhor viabilização para a adequação da justiça do particular e especial campo do Direito de Família. É somente em bases principiológicas que será possível pensar e decidir sobre o que é justo e injusto, acima de valores morais, muitas vezes estigmatizantes.69

68SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed., rev. e atual. nos

termos da Reforma Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 96-97. Sobre os princípios fundamentais esclarece ele: “integram o Direito Constitucional positivo, traduzindo-se em normas fundamentais, normas-síntese ou normas-matriz, que explicitam as valorações políticas fundamentais do legislador constituinte” (cf. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Almedina, 1991, p. 78), normas que contêm as decisões políticas fundamentais que o constituinte acolheu no documento constitucional” (Loc. cit.).

69PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o Direito de Família, cit., p. 36.

38

Por esta razão, entende ele que os princípios exercem uma função

otimizadora do Direito, devendo pairar sobre toda a organização jurídica,

preenchendo até mesmo as lacunas deixadas por outras normas,

independentemente de estarem expressos ou não.

Não seria diferente também para o Direito de Família, que se funda em

princípios fundamentais e vitais, assentados em uma hermenêutica constitucional,

como os princípios da dignidade da pessoa humana, do melhor interesse da

criança e do adolescente, da solidariedade e da não-discriminação.

As Constituições democráticas foram fundadas nos preceitos trazidos pelo

reconhecimento da dignidade da pessoa humana e pelas prescrições basilares

contidas na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, cujos ideais,

que se pretendem para uma sociedade justa, começam e terminam com a

consideração da liberdade e da autonomia privada, vez que todos os homens

nascem livres e iguais em dignidade e direitos70.

Carmem Lúcia Antunes Rocha, doutrinadora brasileira de renome, afirma

que a dignidade “é o pressuposto da idéia de justiça humana [justamente] porque

ela é que dita a condição superior do homem como ser de razão e de

sentimento”71.

Declara a autora que, por tal motivo, a dignidade do homem não depende

de “merecimento pessoal ou social [uma vez que é] inerente à vida e, nessa

contingência, é um direito pré-estatal”72.

Partindo-se deste pressuposto, a dignidade constitui um macroprincípio

constitucional de sustentação dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, na

medida em que abarca vários outros princípios e valores essenciais, como os da

liberdade73, solidariedade, cidadania e igualdade.

O substrato material da dignidade, assim entendida, pode ser desdobrado

em quatro postulados, segundo Maria Celina Bodin de Moraes:

70Ibid., p. 100. 71ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão

social. Revista Interesse Público. São Paulo: Notadez, ano 1, n. 4, p. 72, out./dez. 1999. 72Ibid., p. 72. 73Evidentemente, a realização da liberdade somente poderá ocorrer se declarados, assegurados e

exercidos os direitos fundamentais.

39

i) o sujeito moral (ético) reconhece a existência dos outros como sujeitos iguais a ele; ii) merecedores do mesmo respeito à integridade psicofísica de que é titular; iii) é dotado de vontade livre, de autodeterminação; iv) é parte do grupo social, em relação ao qual tem a garantia de não vir a ser marginalizado. São corolários desta elaboração os princípios jurídicos da igualdade, da integridade física e moral – psicofísica –, da liberdade e da solidariedade.74

Maria Celina Bodin de Morais ainda sustenta a dignidade da pessoa

humana como macroprincípio que não pode ser relativizado – o que é possível

apenas em relação aos subprincípios que compõem o seu conteúdo –, e aponta

como solução a ponderação de princípios, de modo a se alcançar sempre a

dignidade75.

Como se vê, esse novo pensar no Direito foi conseqüência da evolução do

pensamento humano, aliado às lutas e conquistas históricas que acabaram por

sustentar as bases do Estado Democrático de Direito por meio do princípio da

dignidade da pessoa humana.

O princípio da dignidade da pessoa humana e os direitos humanos,

justamente por protegerem a pessoa em todas as esferas, inclusive a da vida em

sociedade, que pressupõe a garantia do exercício da cidadania, são

imprescindíveis para o Direito de Família, considerado instrumento de realização

dos ideais postos a serviço dessa instituição e dos que dela fazem parte.

Em conseqüência do fato de a vida constituir um dos fundamentos do

princípio da dignidade da pessoa humana, surge a exigência do respeito à

integridade física e psíquica e aos meios mínimos para o exercício da vida, que

são condições respectivamente naturais e materiais da existência. Ainda quanto à

dignidade, e como conseqüência da especificidade do homem – aberto ao diálogo

com o próximo e ao amor –, prescreve-se o respeito aos pressupostos mínimos de

liberdade e convivência igualitária como condições culturais76.

Diante da igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, e em face da garantia da inviolabilidade dos direitos inerentes à pessoa,

74MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana, cit., p. 85. 75Loc. cit. 76AZEVEDO, Antônio Junqueira. Réquiem para uma certa dignidade da pessoa humana. In:

PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família: família e cidadania. O novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey / IBDFam, 2002, p. 334.

40

incluindo o pressuposto da intangibilidade da pessoa humana, merecedora de

maior atenção, tal preceito – a vida –, disposto no caput do artigo 5º da

CRFB/1988, torna-se essencial.

Vale ressaltar que vários foram os mecanismos “antidemocráticos” e de

indignidade utilizados em desfavor da família, como o reconhecimento do

casamento como única forma de família ou a diferenciação de filhos nascidos

dentro ou fora do casamento77.

Rodrigo da Cunha Pereira esclarece:

O Direito de Família está intrinsecamente ligado aos “Direitos Humanos” e à dignidade. A compreensão dessas noções, que nos remetem ao conceito contemporâneo de cidadania, é que tem impulsionado a evolução do Direito de Família. Cidadania pressupõe não exclusão. Isto deve significar a legitimação e a inclusão no laço social de todas as formas de família, respeito a todos os vínculos afetivos e a todas as diferenças. Portanto, o princípio da dignidade da pessoa humana significa para o Direito de Família a consideração e o respeito à autonomia dos sujeitos e à sua liberdade. Significa, em primeira e última análise, uma igual dignidade para todas as entidades familiares. Neste sentido, podemos dizer que é indigno dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família.78

77Até a promulgação da CRFB/1988, os filhos eram classificados em 4 grupos: legítimos,

legitimados, ilegítimos e adotivos. Segundo a classificação de Fernando Simas Filho, filhos legítimos eram aqueles concebidos na constância do casamento, mesmo que, se putativo fosse anulado; legitimados aqueles nascidos de pessoas que vieram a se casar posteriormente, ilegítimos aqueles nascidos de pessoas não casadas ou advindos de casamento nulo, não putativo; e adotivos os que por força de lei, passavam a ser filhos de pessoas que não eram os seus progenitores. Os filhos ilegítimos, por sua vez, subdividiam-se em naturais e espúrios. Os primeiros eram aqueles nascidos de indivíduos não impedidos de se casarem à época de sua concepção, ao contrário dos espúrios, nascidos de pais impedidos de se casarem, por serem ambos, ou um deles, já casados (adulterinos) ou por serem os pais vinculados por consangüinidade em grau impeditivo (incestuosos). (SIMAS FILHO, Fernando. A prova na investigação de paternidade. 4. ed. rev. e ampl. Curitiba: Juruá, 1995, p. 17). Atualmente, essa divisão não mais existe. A CRFB/1988 assegurou através do artigo 226, parágrafo 6º a absoluta igualdade entre os filhos, adotivos ou naturais, havidos ou não do matrimônio, proibindo quaisquer discriminações relativas a filiação. O ECA afasta, da mesma forma, as designações discriminatórias relativas à filiação (artigo 20), repetindo a noção de igualdade entre os filhos, e pautado no Princípio da Supremacia da Constituição. Ainda em seu artigo 27, a referida lei prevê que o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível, imprescritível e inalienável, admitindo-o sem qualquer restrição.

78PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para a organização jurídica da família. Curitiba: Faculdade de Direito – Universidade Federal do Paraná, 2004. Tese – Doutorado em Direito, p. 72.

41

2.3

O PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE

Solidariedade significa reciprocidade de interesses e obrigações,

dependência mútua, relação de amparo recíproco79.

O princípio da solidariedade, consagrado no artigo 3º, inciso I da

CRFB/1988, constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil e,

segundo Paulo Luiz Netto Lobo,

Quando o comando constitucional refere “sociedade solidária”, inclui, evidentemente, a ”base da sociedade” (art. 226), que é a família. [...] A família brasileira, na atualidade, é espaço de realização existencial das pessoas, em suas dignidades e como lócus por excelência de afetividade [...].80

Justamente por estar contido no princípio geral instituído pela CRFB/1988

é que o princípio da solidariedade, do ponto de vista jurídico, objetiva a “igual

dignidade social”, identificando-se assim como um conjunto de instrumentos

voltados para a garantia de uma existência digna, comum a todos81.

O conteúdo da solidariedade é assistencial, originado no período pós-

guerra a partir da preocupação do homem com o próprio homem, em face das

atrocidades cometidas pelo regime nazi-fascista. Nesse contexto, o valor essencial

79Pedro Buck Avelino conceitua solidariedade como “atuar humano, de origem no sentimento de

semelhança, cuja finalidade objetiva é possibilitar a vida em sociedade, mediante respeito aos terceiros, tratando-os como se familiares o fossem; e cuja finalidade subjetiva é se auto-realizar, por meio da ajuda ao próximo” (AVELINO, Pedro Buck. Princípios da solidariedade: imbricações históricas e sua inserção na Constituição de 1988. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 53, out./dez. 2005, p. 250).

80IBDFAM. Entrevista com Paulo Luiz Neto Lobo: a função social dos direitos. Boletim IBDFAM. Belo Horizonte: Instituto Brasileiro de Direito de Família, n. 46, set./out. 2007, p. 3. Afirma Paulo Luiz Netto Lobo ainda: “A solidariedade e a dignidade da pessoa humana são dois hemisférios indissociáveis do núcleo essencial irredutível da organização social, política e cultural e do ordenamento jurídico brasileiros. De um lado, o valor da pessoa humana enquanto tal, e os deveres de todas para com sua realização existencial, nomeadamente no grupo familiar; de outro lado os deveres de cada pessoa humana com as demais, na construção harmônica de suas dignidades” (Ibid.). Perguntado sobre qual a relação entre solidariedade e família, esclarece que o princípio da solidariedade incide permanentemente sobre a família, impondo deveres a ela enquanto ente coletivo e a cada um de seus membros. Isso se dá frente a duas dimensões que o autor diz existir, do princípio da solidariedade, no plano das famílias: a primeira no âmbito interno das relações entre os próprios membros da família, face ao respeito e deveres de cooperação recíprocos; e a segunda, quanto às relações do grupo família com a comunidade, demais pessoas e ambiente em que vive (Ibid.).

81MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da solidariedade. Disponível em: <http://www.idcivil.com.br>. Acesso em: 27 fev. 2007.

42

passa a ser a pessoa humana e a sua dignidade, em detrimento da vontade

individual, suporte fático jurídico das relações patrimoniais82.

Maria Celina Bodin de Moraes sustenta:

O abandono da perspectiva individualista, nos termos em que era garantida pelo Código Civil, e sua substituição pelo princípio da solidariedade social, previsto constitucionalmente, acarretou uma profunda transformação no âmago da própria lógica do direito civil.83

De fato, tratou o legislador constituinte de incluir expressamente no texto

o artigo 3º e seus incisos, como forma de privilegiar a atuação promocional,

através do modelo de justiça distributiva84, calcada na igualdade substancial,

vedado qualquer tipo de discriminação85, asseguradas a dignidade da pessoa

humana e a solidariedade social.

Tal orientação deve permear as decisões não somente no momento de

elaboração da legislação ordinária, mas também nos momentos da execução das

políticas públicas e de interpretação e aplicação do Direito, por todos os membros

da sociedade86.

O princípio constitucional da solidariedade utiliza-se de instrumentos de

garantia de uma sociedade livre, justa e solidária, transformando o sentimento de

solidariedade – ou seja, afeto, cooperação, amparo e cuidado – em direitos e

deveres exigíveis nas relações familiares por meio da normatização de condutas

verificáveis.

82No caso brasileiro, essa mudança de perspectiva deu-se por força do artigo 1º, inciso lll da

CRFB/1988 e da nova ordem que se instaura, calcada na primazia das situações existenciais sobre as situações de cunho patrimonial, é o entendimento expresso por Maria Celina Bodin de Moraes, para quem “De acordo com o que estabelece o texto da Lei Maior, a configuração de nosso Estado Democrático de Direito tem por fundamento a dignidade humana, igualdade substancial e solidariedade social, e determina, como sua meta prioritária, a correção da desigualdades sociais e regionais, com o propósito de reduzir os desequilíbrios entre as regiões do País, buscando melhorar a qualidade de vida de todos os que aqui vivem” (MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade da pessoa humana: substrato axiológico e conteúdo normativo. In: SARLET, Ingo Wolfgang (Coord.). Constituição, direitos fundamentais e Direito Privado. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 110).

83MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da solidariedade. In: MMEESSSSIIAASS,, MMaannooeell;; GGUUEERRRRAA,, IIssaabbeellllaa FFrraannccoo;; NNAASSCCIIMMEENNTTOO FFIILLHHOO,, FFiirrllyy (Orgs.). Os princípios da Constituição de 1999. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 185.

84Sobre o tema, consultar CITTADINO, Gisele. Pluralismo, Direito e justiça distributiva: elementos de filosofia constitucional contemporânea. 3. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

85MORAES, Maria Celina Bodin de. O conceito de dignidade da pessoa humana, cit., p. 35. 86Ibid., p. 36.

43

A organização social, política, cultural e do ordenamento jurídico depende

diretamente da efetividade dos princípios da dignidade da pessoa humana e da

solidariedade: a uma, porque estabelece deveres de todos para com sua realização

existencial; a duas, porque estabelece deveres de cada pessoa humana para com as

demais87.

Notadamente no Direito de Família, verifica-se que o princípio da

solidariedade incide permanentemente nessa instituição, impondo deveres quer a

ela, enquanto ente coletivo, quer a cada um de seus membros, individualmente88.

Os deveres de reciprocidade e cooperação entre os membros da família estão

intimamente ligados ao já mencionado reconhecimento do outro, conhecido como

a Regra de Ouro, formulada por Jesus no Sermão da Montanha: "Portanto, tudo o

que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós a eles."89

2.4

O PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO

O princípio da não-discriminação tem relação intrínseca com o princípio

da igualdade, eis que é fruto do processo evolutivo desta, na medida em que veda

discriminações injustificadas, legitimando aquelas necessárias para a concretizar a

igual condição entre todos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõe sobre a liberdade e

a igual dignidade em direitos entre todos os seres humanos (artigo 1°), sendo

87Para Paulo Luiz Netto Lobo, “o princípio da solidariedade é o grande marco paradigmático que

caracteriza a transformação do Estado Liberal e individualista do século XIX, em Estado Democrático e social, com suas vicissitudes e desafios, que o conturbado século XX nos legou” (IBDFAM. Entrevista com Paulo Luiz Neto Lobo: a função social dos direitos, cit., p. 3). Também Hannah Arendt afirma: “nenhuma vida humana, nem mesmo a vida do eremita em meio à natureza selvagem, é possível sem um mundo que, direta ou indiretamente, testemunhe a presença de outros seres humanos. Todas as atividades humanas são condicionadas pelo fato de que os homens vivem juntos; mas a ação é a única que não pode sequer ser imaginada fora da sociedade dos homens [...] o surgimento da cidade-estado significava que o homem recebera, além de sua vida privada, uma espécie de segunda vida, o seu bios polítikos. Agora cada cidadão pertence a duas ordens de existência; e há uma grande diferença em sua vida entre aquilo que lhe é próprio (idion) e o que é comum (koinon)” (ARENDT, Hannah. A condição humana. Trad. Roberto Raposo; posfácio Celso Lafer. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993, p. 31).

88IBDFAM. Entrevista com Paulo Luiz Neto Lobo: a função social dos direitos, cit., p. 3. 89EVANGELHO DE MATEUS, capítulo 7, versículo 12. Disponível em: <http://www

.branuncios.com.br/teologia/evangelho_de_mateus.html>. Acesso em: 28 dez. 2007.

44

todos iguais perante a lei, com direito à igualdade de proteção contra qualquer

discriminação que venha a violar os dispositivos da Declaração, assim como

qualquer incitamento a tal discriminação (artigo 7°).

O combate à discriminação90 se faz por meio de instrumentos de

concretização da igualdade91, que abarcam processos de inclusão social, próprios

das sociedades democráticas, e seu reconhecimento veda o tratamento

diferenciado ligado a discriminações injustificadas e desqualificantes,

materializadas na intolerância e no preconceito.

Há situações, contudo, em que a discriminação é necessária para suprimir

situações de desigualdade já existentes, como é o caso, por exemplo, do sistema

de quotas estabelecido em algumas universidades, baseado no tratamento desigual

conferido aos desigualmente considerados – mecanismo este de proteção

homenageado pelo princípio da igualdade. Essas discriminações, também

chamadas discriminações positivas, são representadas por políticas públicas

destinadas a eliminar tais situações discriminatórias.

Assim, em determinados casos, a adoção de medidas discriminatórias

deverá ocorrer com o escopo de igualar situações desiguais, frente à

heterogeneidade existente na sociedade, impossibilitando a adoção de métodos de

proteção uniforme. Essa análise dos desiguais de forma desigual, na medida em

que legitima as discriminações necessárias para a efetivação da igualdade entre os

indivíduos, afasta as discriminações injustificadas. Nessas situações, os

tratamentos normativos diferenciados somente serão compatíveis com a

Constituição quando constatada a existência de uma finalidade proporcional ao

fim visado92.

90Etimologicamente, o termo vem do latim discriminare, que significa separar, distinguir

(INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. Disponível em: <http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm>. Acesso em: 22 jan. 2008).

91ARENDT, Hannah. A condição humana, cit., p. 188. Segundo Arendt, se os homens não fossem iguais, seriam eles incapazes de compreenderem-se entre si e aos seus ancestrais, ou de fazer planos para o futuro e prever as necessidades de gerações vindouras. Mas se não fossem diferentes, se cada ser humano não diferisse de todos os que existiram, existem ou virão a existir, os homens não precisariam do discurso ou da ação para se fazerem entender, vez que, por meio de simples sinais e sons poderiam comunicar suas necessidades imediatas e idênticas, à semelhança do que ocorre com os animais.

92MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 62.

45

Tarefa difícil é a de se estabelecer quais os critérios a serem utilizados,

dentro do ordenamento jurídico, para justificar a definição das desigualdades que

exigirão tratamento diferenciado e das igualdades às quais se imporá tratamento

uniforme diante da circunstância apresentada.

No que se refere à criança e ao adolescente, os critérios devem se pautar

sobretudo no princípio do melhor interesse e na convivência familiar, devendo o

julgador orientar-se pelos corolários do dever da imparcialidade, bem como da

vedação à discriminação.

2.5

O PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Originalmente, a responsabilidade de guarda e proteção de pessoas

incapazes, o instituto do parens patriae, iniciou-se na Inglaterra. A partir do

século XIV, as Cortes da Cancelaria, compostas por guardiões, passaram a cuidar

de todas as pessoas incapazes de reger a sua pessoa e administrar os seus bens,

inclusive as crianças.

Posteriormente, já no século VIII, tais Cortes passaram a aplicar o instituto

do parens patriae de formas separadas para a infância e para os loucos. Cumpre

esclarecer, contudo, que naquela época as crianças ainda eram consideradas

objetos, pertencentes aos pais.

Porém, somente em 1836 o princípio do melhor interesse passou

efetivamente a vigorar na Inglaterra – diferentemente dos Estados Unidos, onde

várias mudanças foram estabelecidas pelo princípio do best interest, introduzido

em 181393. Essa trajetória culminou na atual orientação de que todos os fatores

devem ser igualmente considerados, sem qualquer tratamento privilegiado a um

93Tânia da Silva Pereira, citando Daniel B. Griffith, informa: “O princípio do best interest foi introduzido em 1813 nos Estados Unidos no julgamento do caso Common wealth v. Addicks, da Corte da Pensilvânia, onde havia a disputa pela guarda de uma criança numa ação de divórcio em que o cônjuge-mulher havia cometido adultério. A corte considerou que a conduta da mulher em relação ao marido não estabelecia ligação com os cuidados que ela dispensava à criança. Naquela oportunidade, segundo a autora, é que foi introduzida nos Estados Unidos a Tender Years Doctrine, que definia os cuidados da mãe com relação à criança, em razão da baixa idade desta, o que veio a criar a ‘presunção de preferência materna’ em tais cuidados” (PEREIRA, Tânia da Silva. O melhor interesse da criança, cit., p. 3).

46

ou outro genitor, no trato da criança e do adolescente, conduzindo a uma nova

orientação dos Tribunais e juízes, obedecendo ao caso concreto.

Desta feita, pode-se concluir que a subjetividade de cada juiz interfere

diretamente na aplicação do princípio, uma vez que não há como fixar critérios de

aplicação uniforme, em face da peculiaridade de cada caso concreto.

2.5.1

O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE: CONSOLIDAÇÃO NO

DIREITO POSITIVO E DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

Vários documentos internacionais de proteção à criança e ao adolescente –

alguns de maior, outros de menor importância – vigoraram anteriormente ao

estabelecimento da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança94,

aprovada pela ONU em 1989. Citam-se, porém, os mais expressivos.

O ponto de partida, sem dúvida, surgiu em 1924, em Genebra: a aprovação

da Declaração dos Direitos da Criança, que se posicionou favoravelmente à

elaboração de leis apropriadas para a proteção à população infanto-juvenil.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi o primeiro documento

internacional a reconhecer a criança como objeto de cuidados particulares, por

força do item 2 do seu artigo XXV, que dispõe: “a maternidade e a infância têm

direito a cuidados e assistência especial. Todas as crianças, nascidas dentro ou

fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social."95

Ressalta-se que tal dispositivo se tornou base de sustentação necessária

para que a Organização das Nações Unidas pudesse, por intermédio de tratados

internacionais, proteger os direitos das crianças, preparando a comunidade

internacional para a criação de instrumentos legislativos específicos, como o Pacto

94Essa Convenção reconheceu o caráter de vulnerabilidade da criança e do adolescente enquanto

seres em fase de desenvolvimento, arraigando, desta feita, a política de proteção integral. 95ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos Humanos

[1948]. Adotada e proclamada pela Resolução 217 A (III) da Assembléia Geral em 10 de dezembro de 1948, na Áustria. Disponível em: <http://www.mj.gov.br /sedh/ct/legis_intern/>. Acesso em: 10 dez. 2007.

47

Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, que, em seus artigos 24 e

25, dispõe:

Artigo 24.

1. Toda criança terá direito, sem discriminação alguma por motivo de cor, sexo, língua, religião, origem nacional ou social, situação econômica ou nascimento, às medidas de proteção que a sua condição de menor requerer por parte de sua família, da sociedade e do Estado.

2. Toda criança deverá ser registrada imediatamente após o seu nascimento e deverá receber um nome.

3. Toda criança terá direito a adquirir uma nacionalidade.

Artigo 25.

4. Os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar medidas apropriadas para assegurar a igualdade de direitos e responsabilidades dos esposos quanto ao casamento, durante o mesmo e por ocasião de sua dissolução. Em caso de dissolução, deverão adotar-se disposições que assegurem a proteção necessária para os filhos.96

A Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959, documento

específico e de importância ímpar para a proteção dos direitos fundamentais das

crianças, afirmou: "A Humanidade deve dar à criança o melhor de seus

esforços"97 segundo os princípios de proteção especial: conveniência e facilidades

necessárias ao pleno desenvolvimento saudável; melhoramentos concernentes à

seguridade social, inclusive adequada nutrição, moradia, lazer e serviços médicos,

bem como proteção contra todas as formas de negligência, exploração e

crueldade.

Bem ressaltou Norberto Bobbio:

A Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia Geral em 20 de novembro de 1959, refere-se em seu preâmbulo à Declaração Universal; mas, logo após essa referência, apresenta o problema dos direitos da criança como uma especificação da solução dada ao problema dos direitos do homem. Se se diz que a criança, por causa de sua maturidade física e intelectual, necessita de uma proteção particular e de cuidados especiais, deixa-se assim claro que os direitos da criança são considerados como um ius singulare com relação a um ius commune; o destaque que se dá a essa especificidade, através do novo

96ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Universal dos Direitos da Criança

[1959]. Proclamada na Assembléia Geral de 10 de dezembro de 1948, na França. Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/direitosdacrianca.htm>. Acesso em: 25 fev. 2005.

97ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos [1966]. Adotado pela Resolução n.º 2.200-A da Assembléia Geral, em 16 de dezembro de 1966. No Brasil, ratificado em 24 de janeiro de 1992 e em vigor desde 24 de abril de 1992. Disponível em:<http://www.interlegis.gov.br/processo_legislativocopy_of_20020319150524/20030616104212/20030616113554/>. Acesso em: 28 dez. 2007.

48

documento, deriva de um processo de especificação do genérico, no qual se realiza o respeito à máxima suum cuique tribuere.98

Também a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, conhecida

como Pacto de San José da Costa Rica, de 1969, estabelece, em seu artigo 19, a

proteção do Estado em razão da menoridade: “Toda criança terá direito às

medidas de proteção que a sua condição de menor requer, por parte da sua família,

da sociedade e do Estado.”99

Em 1985, a Assembléia Geral das Nações Unidas aprovou regras

Mínimas para a administração da Justiça Juvenil, pautadas nos direitos humanos

nas relações internacionais, consagradas no artigo 4º, inciso II da CRFB/1988,

como também refletindo profundamente no ECA quanto às normas de conduta.

A partir da Convenção sobre os Direitos da Criança100, aprovada pela

ONU em 1989 e ratificada por 192 países, foram reconhecidos direitos próprios à

criança e ao adolescente, passando-se a considerá-los sujeitos titulares de direitos

individuais, políticos, civis culturais e sociais.

José de Faria Tavares explica bem:

Sujeitos aptos ao gozo dos seus direitos, mas sem capacidade alguma de exercício pessoal com efetividade e autonomia (absolutamente incapazes), ou de incapacidade incompleta (os relativamente incapazes).101

Considera-se criança o ser humano com menos de 12 anos de idade e

adolescente o de 12 anos completos até os 18 anos incompletos. Cumpre salientar

98BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. 10. ed. Rio de Janeiro:

Campus, 1992, p. 35. 99ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Convenção Americana sobre os Direitos

Humanos: Pacto de San José da Costa Rica [1969]. Subscrita na Conferência Especializada Interamericana de Direitos Humanos, de 22 de novembro de 1969., Disponível em: <http://cenad.signet.com.br/cenad1/radcom_tv/pacto saojose.html>. Acesso em: 2 nov. 2007.

100José de Faria Tavares ressalta: “A Convenção dos Direitos da Criança, constante da Resolução nº 44 da Assembléia Geral da ONU, em 20 de novembro de 1989, consolidou os documentos internacionais precedentes, tornando-os princípios basilares deste ramo do Direito. Constitui assim, a fonte por excelência do Direito especial da Infância e da Juventude, com a Institucionalização do Direito Internacional da Doutrina da proteção integral. [...] constitui um documento marcante na regulamentação do Direito Infanto-juvenil. Tanto que dizem os jusinternacionalistas ser o documento normativo que tem provocado maior mobilização no mundo inteiro, depois da Declaração dos Direitos Humanos da ONU, de 1948, com o maior número de adesões recebidas” (TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude, cit., p. 42-43)

101TAVARES, José de Farias. Direito da Infância e da Juventude. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 26.

49

que, para a Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989, criança é “todo o

ser humano menor que 18 anos de idade”102. Portanto, merece tratamento legal

intrínseco a essa condição humana, assim definido por Mário Moura Rezende: “O

Direito do Menor é um direito novo, que se dirige ao menor que outrora não

passava de simples objeto do direito e recaía o patria potestas que atingia sua

culminância no arbítrio do pai de família.”103

Cumpre esclarecer que o autor se refere ao fato de que, antes do

reconhecimento de seus direitos, ou seja, até o início do século XX, os filhos eram

tidos, tanto no Ocidente como no Oriente, como “servos da autoridade paterna”104,

podendo inclusive ser alienados, em face do estado de coisa – portanto, objetos, e

não sujeitos de Direito.

O direito da criança e do adolescente pauta-se sobretudo na doutrina da

proteção integral, que abrange todas as suas carências enquanto seres em

desenvolvimento, como bem resume Paulo Lúcio Nogueira: “[...]

desenvolvimento pleno da pessoa humana que se realiza de maneira natural, em

crescimento normal, equilibrado, harmônico, quer dizer, físico, mental, moral,

espiritual e social”105.

O paradigma da proteção integral à população infanto-juvenil norteia-se

pelo conceito fundamental de que as crianças e os adolescentes são sujeitos de

direitos perante a família, a sociedade e o Estado, e, por estarem em processo de

desenvolvimento, merecem especial atenção do Estado.

Vários outros documentos Internacionais ainda podem ser citados, como

as Regras de Beijyng, que dispõem sobre regras mínimas para administração da

justiça infanto-juvenil106; as Diretrizes de Riad, documento que se preocupou com

102ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos

da Criança. Aprovada pela Resolução nº 44 da Assembléia Geral em 20 de novembro de 1989 e ratificada pelo Brasil em 20 de setembro de 1990. Disponível em: <http://www.jep.org.br/downloads/jep/sistemaglobal/conv_direitos_crianca.htm>. Acesso em: 27 dez. 2007.

103REZENDE, Mário Moura. Introdução ao estudo do Direito do Menor. João Pessoa: A União, [s.d.], p. 16.

104TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude, cit., p. 46. 105NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente comentado. 3. ed. São Paulo:

Saraiva, 1996, p. 12. 106As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da

Juventude – Regras de Beijyng – foram estabelecidas pela Resolução n.º40.33 da Assembléia Geral em 29 de novembro de 1985.

50

a “prevenção da delinqüência juvenil”107; e as Regras Mínimas das Nações Unidas

para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade108.

É necessário esclarecer que esses dois últimos documentos, ainda não

ratificados pelo Brasil, serviram como fontes de pesquisa para a elaboração do

ECA.

Diante da ordem jurídica internacional estabelecida, de proteção aos

direitos da infância e juventude, consagrada no Brasil por meio da CRFB/1988 e

regulamentada através do ECA, é que a doutrina de proteção integral foi adotada.

A doutrina de proteção integral da criança, com origem na Declaração

Universal dos Direitos da Criança, afirma, em seu Preâmbulo, seu escopo de

reconhecimento da necessidade da adoção de esquemas de proteção

individualizados, considerando: “A criança, em razão de sua falta de maturidade

física e intelectual, tem necessidade de proteção jurídica apropriada antes e depois

do nascimento."109

O primeiro Código de Menores do Brasil, conhecido como Código Mello

Mattos, instituído pelo Decreto nº 17.943-A, de 1927 – resultante da Declaração

de Genebra, de 1924 –, tratou de forma diferente o menor abandonado, sob

influência da filosofia de amparo.

Posteriormente, surgiu o Código de Menores, a Lei nº 6.697, de 10 de

outubro de 1979, o primeiro a eleger como objetivo o cuidado com o menor em

situação irregular.

Ensina José de Farias Tavares:

O Código de 1916 dedicou boa parte do seu espaço para regular as relações jurídicas que envolvam menores, sob a égide o pátrio poder-dever, ou do substitutivo em forma de tutela, com forte traço do patriarcalismo dentro do figurino da família legítima nuclear, fundada no casamento.110

107ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinqüência Juvenil – Diretrizes de Riad. Aprovadas pela Assembléia Geral em 1º de março de 1988. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br /direitos/sip/onu/c_a/lex45.htm>. Acesso em: 26 dez. 2007.

108ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade. Aprovadas pela Assembléia Geral em 14 de dezembro de 1990. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu /c_a/lex46.htm> . Acesso em: 26 dez. 2007.

109ONU. Declaração Universal dos Direitos da Criança, cit. 110TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude, cit., p. 59.

51

Contudo, foi a CRFB/1988 que ditou o princípio da proteção integral,

como mencionado anteriormente, nas disposições sobre a infância e a juventude.

É necessário elencar, além da corrente jurídica doutrinária de proteção

integral, outras duas correntes que existiram no Brasil quanto à proteção da

população infanto-juvenil.

A doutrina do Direito Penal do Menor, constante dos Códigos Penais de

1830 e 1890, consistia no tratamento da questão infanto-juvenil apenas sob o

aspecto da delinqüência e da responsabilidade penal dos menores.

O Código de Menores – Lei nº 6.697/1979 – adotou a Doutrina Jurídica da

Situação Irregular, de 1979, representando avanço em relação à doutrina anterior,

apesar de prever somente as hipóteses em que o menor estivesse abandonado,

fosse carente ou infrator, assim como em situação irregular, sem, contudo,

proporcionar-lhe proteção integral. O objetivo principal desse Código foi o de

tutelar a família, base da sociedade.

Em 1990, o Código de Menores foi substituído pelo ECA.

A criança e o adolescente destacaram-se no ambiente familiar a partir do

momento em que a família passou a constituir a base de valorização e proteção da

dignidade de cada membro, e, em especial, daqueles ainda em desenvolvimento, o

que os caracteriza como dependentes para os atos da vida.

A CRFB/1988 inaugurou nova perspectiva de família, tornando-a

protegida e valorizada, enquanto núcleo de promoção humana, pelo Estado. A

população infanto-juvenil, por encontrar-se em situação de fragilidade, em face do

processo de amadurecimento e formação da personalidade, passou a ter posição

privilegiada no seio familiar e na sociedade.

Tânia da Silva Pereira, referindo-se ao Direito da Criança e do

Adolescente como direito especial, fundado em direitos fundamentais

constitucionais, destaca:

Não se pode prescindir de se recorrer a outras ciências para prevenir violações e proteger direitos. É prioritária a integração entre disciplinas, sobretudo aquelas que diretamente irão contribuir para a proposta maior de proteção dos nossos “sujeitos e direitos”. Encontraremos na Psicologia, Pedagogia, Medicina, Sociologia, etc., recursos técnicos e princípios dogmáticos para que os fins sociais previstos na lei 8.069/90 sejam atingidos.

52

[...]

Partindo de princípios fundamentais comuns a todas as ciências conexas, caberá ao jurista fixar, através da disciplina das relações humanas, a unidade fundamental desses princípios para que todas as ciências deles se utilizem, unindo-se numa finalidade comum, através de uma equação proporcional entre direitos e obrigações do Estado, da Sociedade e da Família, seja assegurada especialmente, com Prioridade Absoluta, a proteção de pessoas em situação peculiar de desenvolvimento.111

Como já mencionado, o Código de Menores foi substituído pelo ECA, em

1990. Crianças e adolescentes passaram a ser considerados cidadãos, com direitos

pessoais e sociais garantidos, desafiando os governos a implementarem políticas

públicas especialmente dirigidas a esse segmento.

Importante ressaltar novamente a imensa contribuição dos documentos

internacionais que serviram como suporte para o surgimento do Estatuto, como a

Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa

Rica) e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, ambas ratificadas pelo

Brasil.

O ECA constitui um conjunto hierarquizado de normas com o escopo de

proteção da integridade psicofísica da população infanto-juvenil.

Vale a pena lembrar que, nos tempos que antecederam a promulgação

desse Estatuto, havia no Brasil duas categorias distintas de crianças e

adolescentes: uma, representada pelos filhos socialmente incluídos e integrados,

realmente denominados “crianças e adolescentes”; outra, a dos filhos dos menos

favorecidos e excluídos, chamados de menores.

A terminologia menor era utilizada na antiga lei, baseada na Doutrina do

Direito Penal do Menor e na Doutrina da Situação Irregular, ambas considerando

o menor como objeto da tutela do Estado e definindo tratamentos, por vezes,

segregativos, em face da proliferação de abrigos e internatos, locais de violações

dos direitos humanos.

Fundado sob as bases da CRFB/1988, o ECA passou a tratar as crianças

como sujeitos de direitos e em condição peculiar de pessoas em desenvolvimento,

sem distinção de raça, classe social ou qualquer forma de discriminação, e a quem

111PEREIRA, Tânia da Silva. Direito da criança e do adolescente: uma proposta interdisciplinar.

Rio de Janeiro: Renovar, 1996, p. 38-39.

53

se deve assegurar absoluta prioridade na elaboração de políticas públicas. Em

razão dos avanços trazidos pela Constituição, e pelos demais documentos

internacionais de proteção à infância e a juventude citados, é que o termo menor

foi substituído por criança e adolescente, por trazer o primeiro a idéia de sujeitos

sem direitos, remetendo às já mencionadas Doutrina da Situação Irregular e

Doutrina do Direito Penal do Menor.

Vários outros preceitos do ECA marcaram a ruptura com o modelo

anterior, como a garantia do direito à convivência familiar e comunitária, a

garantia das medidas de proteção, a integração e a articulação das ações

governamentais e não-governamentais na política de atendimento, a garantia de

devido processo legal e da defesa ao adolescente a quem se atribua a autoria de

ato infracional.

O Estatuto representou um avanço ao priorizar e resgatar a cidadania da

infância e da juventude, valorizando a condição das crianças e dos adolescentes,

de sujeitos do direito, universalizada pelos documentos internacionais. Assegura,

sem discriminação, os direitos da população infanto-juvenil, considerando

crianças e adolescentes “pessoas em condições peculiar de desenvolvimento”112.

O ECA atua como instrumento de desenvolvimento social, punindo o

abuso do poder familiar, ou de qualquer outro que tenha o dever de zelar pela

integridade psicofísica dos menores, além de prestar, através das políticas

públicas, sociais básicas e assistencialistas, serviços de proteção e defesa das

crianças e adolescentes vitimizados e proteção jurídico-social.

A Emenda Constitucional nº 45, de 2004, acrescentou o parágrafo 3º ao

artigo 5º da CRFB/1988, dispondo que os Tratados e Convenções internacionais

que versarem sobre os direitos humanos, se aprovados em cada Casa do

Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos de seus membros, serão

equivalentes às emendas constitucionais.

Assim será em razão do princípio da continuidade do ordenamento

jurídico, que orienta o ingresso imediato no novo ordenamento jurídico das

112BRASIL. Lei nº 8.069, cit.

54

normas infraconstitucionais anteriores à Constituição, se compatíveis com esta, e

do princípio da recepção113.

O ECA, seguindo as diretrizes do artigo 274 da CRFB/1988, estabeleceu

normas de proteção dispostas em seus artigos 3º e 4º, que vale a pena registrar:

Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Art. 4º. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.114

Nesse sentido, Paolo Vercelone anuncia três princípios que, segundo ele,

estão presentes nesses artigos:

a) crianças e adolescentes gozam de todos os direitos fundamentais assegurados a toda pessoa; b) eles têm direito, além disso, à proteção integral que é a eles atribuída por este Estatuto; c) a eles são garantidos também todos os instrumentos necessários para assegurar seu desenvolvimento físico, mental, moral e espiritual, em condições de liberdade e dignidade.115

Em 1999, o Brasil promulgou, através do Decreto nº 3.087, a Convenção

Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção

Internacional, concluída e aprovada na 17a Seção da Conferência de Leis Privadas

Internacionais, realizada em Haia116.

113Jorge Miranda define a inovação do direito ordinário anterior como a depender de um único

requisito: que as normas da legislação infraconstitucional anterior não sejam desconformes com a Constituição posterior (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra, T. II, 1991, p. 275-279). No mesmo sentido, Celso Ribeiro Bastos sustenta: “Todas as vezes que esta [norma da legislação infraconstitucional] esbarrar com o texto constitucional, quer na sua literalidade, nos seus princípios, nos seus valores, ou quer, ainda, nas disposições programáticas, em quaisquer dessas hipóteses, a norma não transpõe os obstáculos para sua recepção e torna-se também uma norma destituída de eficácia e que acompanha a revogação por que passou a Constituição anterior” (BASTOS, Celso Ribeiro. Dicionário de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 174).

114BRASIL. Lei nº 8.069, cit. 115VERCELONE, Paulo apud PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores

para o Direito de Família, cit., p. 131. 116BRASIL. Decreto nº 3.087, de 21 de junho de 1999. Promulga a Convenção Relativa à Proteção

das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, concluída em Haia, em 29 de maio de 1993. Disponível em: <http://www.dji.com.br/decretos /1999-003087/1999-003087-.htm>. Acesso em: 30 dez. 2007. Esse Decreto foi complementado em setembro do mesmo ano (BRASIL. Decreto no 3.174, de 16 de setembro de 1999. Designa as Autoridades Centrais

55

Ainda nesse sentido, cita-se o Protocolo II, de 1977, sobre a proteção das

crianças vítimas de conflitos armados, sem caráter internacional117. E finalmente,

a Declaração Mundial sobre Sobrevivência, Proteção e Desenvolvimento das

Crianças, de 1990, que dispôs sobre serviços de vacinação e saúde voltados às

crianças em áreas de conflitos e de mobilização internacional, os chamados

“corredores da paz”118.

Destaca-se, por conseguinte, a importância da estrutura normativa relativa

à proteção à população infanto-juvenil nos documentos internacionais citados, não

só porque estabelecem acordos e metas a serem cumpridos pelos países

signatários, mas porque definem a prioridade absoluta na construção das bases

jurídicas indispensáveis à proteção integral da criança.

encarregadas de dar cumprimento às obrigações impostas pela Convenção Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, institui o Programa Nacional de Cooperação em Adoção Internacional e cria o Conselho das Autoridades Centrais Administrativas Brasileiras. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/decreto /D3174.htm>. Acesso em: 30 dez. 2007). Sobre o tema, cf. PEREIRA, Tânia da Silva. Considerações preliminares sobre a Convenção de Proteção da Criança e Adoção Internacional – 1993 (Haia) e sua compatibilização com a Comissão Estadual Judiciária de Adoção – CEJA prevista no art. 52, ECA. Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude, Texto nº 14.

117BRASIL. Decreto nº 849, de 25 de junho de 1993. Promulga os Protocolos I e II de 1977, adicionais às Convenções de Genebra de 1949, adotados em 10 de junho de 1977 pela Conferência Diplomática sobre a Reafirmação e o Desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário aplicável aos Conflitos Armados. Disponível em: <http://www2.mre.gov.br/dai/protocolo%20II.htm>. Acesso em: 26 dez. 2007.

118ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Declaração Mundial sobre a Sobrevivência, a Proteção e o Desenvolvimento da Criança nos Anos 90. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex42.htm>. Acesso em: 26 dez. 2007.

3

A CONVIVÊNCIA FAMILIAR E A EXTENSÃO DO DIREITO DE VISITA

3.1

O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA NA CONVIVÊNCIA FAMILIAR

A doutrina da proteção integral à população infanto-juvenil tende a

preservar os laços familiares, uma vez que o ambiente ideal para o

desenvolvimento da criança e do adolescente é o seio da família, local de vivência

do amor, da criação de vínculos, da superação de obstáculos, da troca de

experiências.

Segundo Sílvio de Salvo Venosa, “O Direito Civil Moderno apresenta

uma definição mais restrita, considerando membros da família as pessoas unidas

por relação conjugal ou de parentesco”1, ou seja, o núcleo básico formado por pais

e filhos.

A CRFB/1988, em seu artigo 226, parágrafo 4º, estendeu sua tutela à

denominada família monoparental: "Entende-se, também, como entidade familiar

a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”2

Para Maria Celina Bodin de Moraes, a tendência da instituição familiar

contemporânea é a de se tornar um grupo baseado mais em sentimentos e em

valores compartilhados, independentemente de laços consangüíneos3. Sobre a

família, e citando Anthony Giddens, a autora lembra:

A família está se tornando democratizada conforme modos que acompanham processos de democracia pública; e tal democratização sugere que a vida familiar poderia combinar escolha individual e solidariedade social. [A democratização] no contexto da família implica igualdade, respeito mútuo, autonomia, tomada de decisão através da comunicação, resguardo da violência e integração social.4

1VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito de Família. 7. ed., 2. reimpr. São Paulo: Atlas,

2007, p. 1. Coleção Direito Civil, v. 6. 2BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, cit. 3MORAES, Maria Celina Bodin de. A família democrática, cit., p. 617. 4GIDDENS, Antony, 2001 apud MORAES, Maria Celina Bodin de. A família democrática, cit., p.

617.

57

Para fins do presente estudo, considera-se a família não apenas no sentido

restrito, aquela composta por pai, mãe e filhos, mas no sentido amplíssimo,

considerando nela incluídos todos os indivíduos ligados por laços de afetividade,

comunhão de vida, solidariedade e respeito5.

Atualmente, a família é um núcleo de afetividade, e, no dizer de João

Batista Vilela, passou a ser “um núcleo de companheirismo e serviços das

próprias pessoas que constituem um espaço em que cada um busca a realização de

si mesmo, através do outro ou de outros, onde reina a camaradagem”6.

Maria Berenice Dias, com grande propriedade, afirma:

A nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto se pode deixar de conferir o status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição Federal, no inc. III do art. 1º, consagra, em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana.7

Contribuição excepcional para a conceituação de família adveio com a Lei

nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, de combate à violência

doméstica e familiar contra a mulher, que, em seu artigo 5º, incisos I e II, dispõe:

Art. 5o. Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

5Maria Helena Novaes afirma: “Na família contemporanea horizontal e em rede, os laços

matrimoniais se enfraqueceram dado ao declíneo da sacralidade do casamento, optando-se por um período de união livre, de casamentos ou experiências múltiplas de vida comum e solidária. Entretanto, a família continua sendo ainda sonhada e desejada por homens de todas as idades, de todas as orientações sexuais e de todas as condições, por ser capaz de estabelecer uma nova ordem simbólica. Portanto, deve ser mais uma vez reiventada para manter o princípio fundador do equilíbrio entre o ‘um’ e o múltiplo que todo sujeito precisa para construir sua identidade e integrar-se à sua sociedade e cultura” (NOVAES, Maria Helena. A convivência entre as gerações e o contexto sociocultural. In: PEREIRA, Tânia da Silva: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Colab.). A ética da convivência familiar: sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 227).

6VILLELA, João Batista. A família hoje. In: BARRETO, Vicente (Coord.). A nova família: problemas e perspectivas. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 71.

7DIAS, Maria Berenice; SOUZA, Ivone M. C. Coelho de. Famílias modernas: (inter)secções do afeto e da lei. Revista Trimestral de Direito Civil. Rio de Janeiro: Padma, v. 4, p. 273-280, 2003. Também disponível em: Revista Brasileira de Direito de Família, n. 8, jan./mar. 2001, p. 62-69; CD-ROM Juris Síntese Millennium. Porto Alegre: Síntese, n. 40, abr. /maio 2003 e n. 41, maio /jun. 2003; Juliana Gontijo e Fernando Gontijo (Disponível em: <http://www.gontijo-familia.adv.br>. Acesso em: 26 ago. 2003); Trinolex (Disponível em: <http://www.trinolex.com/artigosview.asp?id =201&icaso=artigos>. Acesso em: 16 jul. 2004).

58

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

[...]

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.8

Verifica-se que o legislador andou acertadamente ao ampliar o espaço de

proteção dos indivíduos e ao definir unidade doméstica e familiar.

Maria Berenice Dias, citando Damásio de Jesus e Hermelino de Oliveira

Santos, inclui outros participantes na unidade familiar:

[...] a que trabalha e mora na residência da família, desfrutando de uma convivência maior com todos, deve ser considerada um de seus membros, merecendo ser receptora da especial tutela legal.

Não há como excluir do conceito de unidade familiar a convivência decorrente da tutela e da curatela. Ainda que o tutor e o curador não tenham vínculo de parentesco com a tutelada e curatelada, a relação entre eles permita ser identificada como um espaço de convivência.9

No que se refere ao conceito de família, “comunidade formada por

indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por

afinidade ou por vontade expressa”10, o legislador trouxe a definição do formato

atual dos vínculos afetivos, não mais limitados ao casamento, mas formados por

indivíduos unidos por outras formas de laços de afeto, admitindo inclusive a

família monoparental, formada por qualquer dos pais e seus descendentes, por

força do artigo 226, parágrafo 4º da CRFB/198811.

8BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência

doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_ato2004-2006/2006/Lei/L11340.htm>. Acesso em: 26 jan. 2008 (grifos nossos).

9DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate à violência doméstica e familiar contra a mulher. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 42.

10DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça, cit., p. 43. 11Loc. cit. A autora lembra que a CRFB/1988 “esgarçou o conceito de família e de forma

exemplificada refere-se ao casamento, à união estável e a família monoparental, sem, no entanto deixar claro ao desabrigo outros modelos familiares ao usar a expressão” entende-se também como entidade familiar. Assim, as famílias anaparentais (formadas entre irmãos), as homoafetivas e as famílias paralelas (quando um homem mantém duas famílias) igualmente estão albergadas no conceito constitucional de entidade familiar como merecedoras de especial

59

Nesse contexto, tem o Estado o dever de proteção à família, eis que

reconhecida como base da sociedade, assegurando assistência à pessoa de cada

um dos que a integram e criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de

suas relações, conforme disposto no artigo 226, parágrafo 8º da CRFB/1988. Essa

é a preocupação atual da sociedade, diante das inúmeras transformações que vêm

ocorrendo na reprodução e na perpetuação da espécie em face dos novos avanços

da biotecnologia; na formação e transmissão de valores, costumes e regras,

partilhadas por outros agentes socializadores, como a escola e a televisão; na

coordenação dos limites, transformados devido à crise de autonomia da função

econômica provedora, antes atribuída ao pai, mas hoje dividida com a mulher e os

filhos12.

O direito à convivência familiar, previsto no artigo 227 da CRFB/1988, é

um dos direitos da personalidade da criança e do adolescente – portanto, direito

essencial.

Anota com propriedade Martha de Toledo Machado a respeito da

institucionalização da criança:

A personalidade humana não se desenvolve, nas suas potencialidades mínimas e básicas, nas instituições totais, basicamente porque a criança não cresce sadiamente sem um vinculo afetivo estreito com um adulto, o que é impossível de se dar em tais instituições. 13

Tem-se por instituições totais as casas de recolhimento ou internato

criadas para receber crianças e adolescentes que têm restritos os seus direitos de ir

e vir e sua capacidade de decisão. Esse fechamento possibilita o controle do

grupo, em face do tratamento disciplinar e de controle para evitar transgressões às

normas impostas, mas não o desenvolvimento psicossocial recomendável a

pessoas em situação peculiar14.

Assim, tem-se duas disposições constitucionais fundamentais a favor da

tutela do Estado”. Finalmente conclui que “não há como deixar de reconhecer que o conceito de família trazido pela Lei Maria da Penha enlaça todas as estruturas de convívio marcadas por uma relação íntima de afeto, o que guarda consonância com a expressão que vem sendo utilizada modernamente: Direito das Famílias”.

12NOVAES, Maria Helena. A convivência entre as gerações e o contexto sociocultural, cit., p. 225. 13MACHADO, Martha de Toledo. A proteção constitucional das crianças e adolescentes e os

direitos humanos. Barueri, SP: Manole, 2003, p. 54 14Sobre o assunto, consultar GOFFMAN, Erwing. Manicômios, prisões e conventos. 2. ed. São

Paulo: Perspectiva, 1961.

60

proteção dos direitos fundamentais da população infanto-juvenil: os artigos 226 e

227 da CRFB/1988, fundantes da noção de dignidade humana e convivência

familiar, responsáveis, como visto, pelo ECA, em especial em seus artigos 19 e

2515.

Uma das bases do direito à convivência familiar é a doutrina de proteção

integral, que repousa no reconhecimento da criança e do adolescente como

sujeitos de direito, com atributos distintos da personalidade do adulto, já que

portadores de direitos especiais em relação a este.

A convivência familiar deve se pautar em uma ética humanitária, de

responsabilidade social, de cooperação solidária e de respeito ao próximo, para o

estabelecimento de vínculos interpessoais duradouros que propiciem elevação da

auto-estima e bem-estar psicossocial.

3.2

A RELEVÂNCIA DO AFETO

Rodrigo da Cunha Pereira fundamenta o afeto amparado pelo discurso

psicanalítico de Freud, que, segundo ele, introduziu nova noção de relação

conjugal. A não-obrigatoriedade de vínculos conjugais resultou da consideração

do sujeito de desejos, mais ampla e abrangente do que a própria noção de

sexualidade, de início permeada pela genitalidade e atualmente contemplada pela

ordem do desejo16.

Assim é que os vínculos conjugais passaram a ser valorizados e

sustentados no amor e no afeto, razão pela qual o Direito de Família passou a

atribuir ao afeto um valor jurídico. Afirma, ainda, o autor:

A vantagem maior do afeto é a possibilidade de realização da ternura na vida de cada um, nos momentos de paz e nas ameaças de conflito. Uma ética que parta

15Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e,

excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. Art. 25. Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes (BRASIL. Lei nº 8.069, cit.).

16PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o Direito de Família, cit., p. 9.

61

dessa dimensão e atrevesse os caminhos da amizade e da política tem tudo para fazer os homens mais homens. A felicidade segue sendo uma hipótese. Mas uma hipótese real, de um mundo real. E num mundo com essas características, a norma emana da vida e não para a vida. O único sonho universalista num cenário como esse é o da constituição de um universo moral, de uma comunidade ética.17

Euclides de Oliveira, iniciando análise da ascensão do afeto no Direito de

Família, afirma: ”Típica manifestação do afeto, a aproximação física e espiritual

das pessoas constitui o primeiro passo na escalada do relacionamento familiar

humano.”18

O afeto é um dos elementos estruturantes da relação familiar; segundo

Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka,

O afeto está também, certamente, na origem e na causa dos descaminhos desses relacionamentos. Bem por isso, o afeto deve permanecer presente no trato dos conflitos, dos desenlaces, dos desamores, justamente por que ele perpassa e transpassa a serenidade e o conflito, os laços e os desenlaces, perpassa e transpassa, também, o amor e os desamores. Porque o afeto tem um quê de respeito ancestral, tem um quê de pacificador temporal, tem um quê de dignidade essencial. Esse é o afeto de que se fala. O afeto ternura, o afeto dignidade. Positivo ou negativo... O imorredouro afeto.19

Resta dizer que as relações de afeto20, que possibilitam o pleno

desenvolvimento da criança e do adolescente – seres em formação – como sujeitos

de direitos e deveres21, devem ser tuteladas pelo Direito, na medida em que a

construção da identidade de cada um se encontra enraizada essencialmente no

núcleo familiar.

Prefaciando Sérgio Ricardo de Souza, Eliane Ferreira comenta:

A família modernamente concebida tem origem plural e se revela como um núcleo de afeto no qual o cidadão se realiza e vive em busca de própria felicidade. Abandonou-se o modelo patriarcal e hierarquizado da família romana,

17CUNHA, João Paulo. A ética do afeto. In: GROENINGA, Giselle Câmara: PEREIRA, Rodrigo

da Cunha (Coord). Direito de Família e Psicanálise: rumo a uma nova epistemologia. Rio de Janeiro: Imago, 2003, p. 86.

18OLIVEIRA, Euclides de. A escalada do afeto no Direito de Família: ficar, namorar, conviver, casar. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família: família e dignidade humana. Belo Horizonte: IBDFam, 2006, p. 315.

19HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Sobre peixes e afetos. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família: família e dignidade humana. Belo Horizonte: IBDFam, 2006, p. 436.

20MADALENO, Rolf. O preço do afeto. In: PEREIRA, Tânia da Silva: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Colab.). A ética da convivência familiar: sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 151 et seq.

21TAVARES, José de Farias. Direito da infância e da juventude, cit., p. 60-61.

62

ao longo dos anos, e firmou-se no direito das sociedades ocidentais um modelo de atuação participativa, igualitária e solidária dos membros da família.22

Segundo Ricardo Augusto Benzaquen de Araújo e Eduardo Viveiros de

Castro:

A antropologia vem-se debatendo nos braços de uma dicotomia: o ‘direito’ versus o ‘afeto’, isto é, a estrutura social concebida como sistema de relações jurais entre pessoas versus aspectos da vida social não-redutíveis a ela, consistindo em sentimentos e emoções, em condutas individualizadas e processos que transgrediam as fronteiras da estrutura normativa. 23

O afeto, pode-se assim dizer, é o sentimento espontâneo, gerado por

impulso natural, que envolve duas ou mais pessoas que se afeiçoam em interesses,

valores, projetos de vida, amizade e emoções.

3.2.1

A DIMENSÃO DOS VÍNCULOS AFETIVOS

Abordou-se até o momento a importância do afeto familiar na estruturação

da personalidade. No entanto, não é só a família que exerce papel fundamental no

processo de amadurecimento da criança e do adolescente. A escola, as amizades e

a vida em sociedade estimulam a capacidade de viver harmoniosamente,

possibilitando à criança e ao adolescente a criação de laços afetivos significativos

com outras pessoas que não os familiares. Os laços de afeto e de solidariedade

derivam da convivência, não do sangue. A grande dificuldade dos que lidam com

o Direito de Família é justamente enxergar o indivíduo em toda a sua “dimensão

antológica, a ela subordinando as considerações de caráter biológico ou

patrimonial. Os sujeitos de direitos são mais que apenas titulares de bens”24.

22SOUZA, Sérgio Ricardo de. Comentários à lei de combate à violência contra a mulher: Lei

Maria da Penha 11.340/2006. Curitiba: Juruá, 2007, p. 13. 23ARAÚJO, Ricardo Augusto Benzaquen de; CASTRO, Eduardo Viveiros de. Romeu e Julieta e a

origem do Estado. In: VELHO, Gilberto (Org.). Arte e sociedade: ensaios de sociologia da arte. Rio de Janeiro: Zahar, 1989, p. 133.

24LOBO, Paulo Luiz Netto. Direito ao estado de filiação e direito à origem genética: uma distinção necessária. Revista de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, n.19, p. 184, ago./set. 2003.

63

Verificou-se que um novo repensar acerca da criança e de seu bem-estar

exigiu o reconhecimento da vida sob a comunhão da afetividade, e não apenas dos

laços formais25.

Partindo do pressuposto de que cuidar do interesses do menor consiste na

preservação de sua estrutura psicoemocional, necessária é a constatação da

dimensão dos vínculos, inclusive os afetivos, para que suas referências não se

percam. Essa preservação tem o escopo de evitar mudanças bruscas e negativas na

vida da criança.

Maria Berenice Dias afirma:

Os vínculos afetivos são da ordem do desejo, impulso para a vida que remete à necessidade de completude. São fenômenos naturais, que sempre existiram, independentemente de regras ou tabus e bem antes da formação do Estado e do surgimento das religiões.26

A dimensão dos vínculos e afetos da criança será aferida a partir da

continuidade dos seus laços afetivos, da preservação do seu ambiente e da sua

vida social, além da manutenção do seu espaço, respeitando-se a sua liberdade e,

sobretudo, considerando-se a relevância desses referenciais para garantir-lhes o

bem-estar.

Observa Maria Celina Bodin de Moraes: “A autoridade parental dilue-se

na noção de respeito à originalidade da pessoa [do filho], valorizando-se outras

qualidades que não a obediência e a tradição.”27 No interior do seio familiar, as

decisões são tomadas por meio da comunicação entre os envolvidos, quando

marido e mulher buscam o consenso; entre pais e filhos, é também imprescindível

o diálogo, porque a família se tornou espaço de igualdade, de liberdade28, como

25FACHIN, Rosana. Em busca da família no novo milênio. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha

(Coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família: família e cidadania. O novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey / IBDFam, 2002, p. 60.

26DIAS, Maria Berenice. A estatização das relações afetivas e a imposição dos direitos e deveres no casamento e na união estável. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família: família e cidadania. O novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey / IBDFam, 2002, p. 301.

27MORAES, Maria Celina Bodin de. A família democrática, cit., p. 619. 28O ECA nos artigos 15, 16, 17 e 142, parágrafo único, protege a liberdade das crianças e dos

adolescentes, na medida em que prevê que o poder familiar será exercido respeitando a autonomia individual, como pessoas em estágio de desenvolvimento.

64

expressão das individualidades, e de solidariedade, como espaço de suporte e de

ajuda mútua29 entre seus membros.

3.3

O DIREITO DE VISITA DE – E A – CRIANÇAS E ADOLESCENTES

O direito de visita da criança e do adolescente aos parentes e aos

indivíduos ligados por laços de afetividade30, e destes àqueles, embora não

previsto de forma expressa na legislação brasileira, está agasalhado pelos

princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e do melhor interesse

da criança, e ainda no amparo à “família democratizada”.

No que se refere ao poder familiar, é certo o direito de visita do genitor

que não detém a guarda do filho e também dos avós, unidos aos netos por

obrigações oriundas do parentesco (artigo 1.697 do CC/2002).

É prudente ressaltar que a regulamentação de visitas tem por escopo

principal atender aos interesses da criança e do adolescente, e não aos anseios dos

adultos envolvidos, já que se destina a proporcionar aos infantes uma

oportunidade de convivência que lhes assegure a boa formação físico-psicológica.

29Sobre o princípio jurídico da solidariedade, v. MORAES. Maria Celina Bodin de. O princípio da

solidariedade. In: PEREIRA, Antonio Celso Alves; MELLO, Celso de Albuquerque (Orgs.). Estudos em homenagem a Carlos Menezes Direito. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 527-556.

30Em 28 de março de 2007, o site do IBDFAM veiculava notícia sobre o direito de visitação a um cão, discutido judicialmente por um casal de idosos, ex-conjuges, no Foro Central do Rio de Janeiro, com o qual conviveu por anos, durante o casamento. A juíza da Vara de Família responsável pelo processo determinou fosse o mesmo redistribuído para uma das Varas Cíveis, sob o argumento de que o animal é “coisa semovente” no Direito de Família. Tânia da Silva Pereira, presidente da Comissão da Infância e Juventude do IBDFAM, comenta o processo: “Como regulamentar a visitação a um cachorro que na separação de um casal idoso ficou com um dos cônjuges? Pode-se falar em direito de visitas do outro conjuge, acometido de efetivo sentimento de saudade? Deve-se dar ao caso o mesmo tratamento concedido à visitação dos filhos?. É valido afastar a competência da vara de família, considerando que o animal é “coisa semovente” no Direito Brasileiro? Tratando-se de relação que envolve os sentimentos de afeto e cuidado, será valída as redistribuição do processo dirigido à Vara de Família para ser discutido no Juízo Cível? A realidade social da atualidade demonstra que as relações familiares estão centradas em valores que transcendem o vínculo biológico, o afeto e o cuidado são denominadores comuns que devem orientar, também decisoes que envolvam os sentimentos não só pelos filhos, mas também pelos animais de estimação” (Instituto Brasileiro de Direito de Família. Disponível em: <http://www.ibdfam.com.br>. Acesso em: 29 out. 2007). Finaliza a autora afirmando que no Direito Alemão os animais não constituem coisas, sendo regulados por legislação especial, havendo na Europa a tendência a se considerar os animais não mais como coisa ou objeto, mas como sujeitos de direitos.

65

Nesse sentido é a lição de Sílvio Neves Baptista:

O direito de visita – melhor seria direito à visita – consiste no direito de ser visitado, e não no direito de ir visitar o outro. A expressão 'direito de visita' deve ser interpretada como a faculdade que alguém tem de receber visita, quer de pais, quer de parentes e amigos. Não é, pois, um direito do pai em relação ao filho, de acordo com o generalizado entendimento, mas um direito do filho em relação ao pai que não tem a guarda, ou em relação a toda e qualquer pessoa cuja conveniência lhe interessa. Não pode assim ser entendido como uma extensão do poder parental.31

3.3.1

CONFLITOS DO CASAL NA SEPARAÇÃO: REFLEXOS PARA OS FILHOS

No Direito de Família, o princípio do melhor interesse da criança e do

adolescente merece posição de destaque, principalmente se consideradas as

questões afetas à guarda dos jovens e à regulamentação de visitas.

Sabe-se que muitas famílias são guiadas pelo afeto, pela segurança e pelo

carinho, enquanto outras o são pela inimizade, pelo abandono e pela violência.

Os conflitos entre os pais32, levados ao Judiciário, muitas vezes

extrapolam os limites do final da família conjugal e repercutem em toda a

estrutura familiar, em face dos sentimentos de ódio e das desavenças criadas por

relação mal resolvida na família parental.

Os perfis psicológicos dos genitores que se encontram em litígio

interferem qualitativa e quantitativamente na vida do grupo familiar, assim como

em todos momentos da vida do ser humano, pois, além de traçar suas condutas,

limites e comportamentos, influenciam o comportamento dos filhos.

31BAPTISTA, Sílvio Neves. A família na travessia do milênio. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha

(Coord.). Anais do III Congresso Brasileiro de Direito de Família: família e cidadania. O novo CCB e a vacatio legis. Belo Horizonte: Del Rey / IBDFam, 2000, p. 294.

32VERDI, Marcelo Spalding. O impacto dos conflitos conjugais sobre os filhos: a pesquisa científica e a indicação terapêutica. In: AZAMBUJA, Maria Regina Fay de; SILVEIRA, Maritana Viana; BRUNO, Denise Duarte (Orgs.). Infância em família: um compromisso de todos. Porto Alegre: Instituto Brasileiro de Direito de Família – Seção Rio Grande do Sul, 2004, p. 262. Segundo o autor: “Já foi verificado que diversos aspectos dos conflitos conjugais, tais como freqüência e intensidade com que ocorrem se há ou não envolvimento físico, se houve ou não resolução, se são relacionados às crianças ou não, assim como características específicas das crianças e fatores contextuais, combinam-se para produzir diferentes impactos sobre o comportamento infantil” (Loc. cit.).

66

O desvio ético ou o desvio de conduta dos pais pode deixar o ambiente

familiar inapropriado para o desenvolvimento sadio dos filhos. A agressividade no

interior da família desencadeia conflitos e desajustes sociais que atuam como

mola propulsora de novos atos de violência. Os filhos são manipulados como

joguetes nas mãos dos pais, que os utilizam da maneira que lhes convier, ora

como moeda de troca, ora como instrumento de “reprodução das falas” diante da

falência do diálogo.

Nessa hipótese, certo o prejuízo dos vínculos afetivos entre os envolvidos,

eis que a disputa de sentimentos é transformada em processos, nos quais cada

parte tenta fragilizar a outra com questões emocionais e econômicas particulares.

A separação conjugal somente ocorre entre o homem e a mulher (no interior do

casal), não podendo jamais envolver o pai (figura paterna) e a mãe (figura

materna) – o que infelizmente ocorre em grande parte dos casos.

O princípio do melhor interesse da criança, durante e após a separação dos

genitores, deve ser sempre observado, visando a melhoria da qualidade de vida

dos indivíduos envolvidos na questão, uma vez que o litígio intrafamiliar pode

interferir na formação da estrutura da personalidade, assim como no

comportamento das crianças e adolescentes, tornando-os ora reprimidos em seus

sentimentos, ora inseguros, ou ainda agressivos.

As crianças envolvidas nesse emaranhado de problemas podem ainda

perder a capacidade de concentração, acarretando danos à sua vida escolar, e

ainda passar a simular seus verdadeiros sentimentos, como mecanismo de defesa,

prejudicando o seu cotidiano não apenas na esfera intelectual, mas, com muito

maior intensidade, no campo das emoções e na formação da estrutura de sua

personalidade.

Esta forma instável de perceber a si e ao mundo, provocada pela relação

mal resolvida dos genitores, acaba por gerar posturas desfavoráveis, como

insegurança e angústia. Tudo isso torna os seres em desenvolvimento muito

vulneráveis a seus conteúdos internos, formados pela insegurança afetiva e pela

necessidade da certeza do amor dos pais.

Algumas atitudes não são facilmente compreendidas pelos demais, por

serem conseqüentes de deslocamento da ansiedade, fruto da forma equivocada de

67

perceber o mundo através de sensações. Essas atitudes geralmente demonstram

grande impulsividade e imaturidade nos relacionamentos afetivos dos genitores,

fazendo do menor um depositário de suas instabilidades emocionais.

Lembra Rodrigo da Cunha Pereira:

No fim da conjugalidade, em que os restos do amor são levados ao judiciário, percebemos a utilização dos processos judiciais como instrumento para se atingir o outro. São historias de degradação em que se vê o quanto é lamentável que o amor que um dia existiu tenha se transformado apenas em ódio.33

Essa situação gera grande conflito familiar e pessoal para todos os

membros da família, que se apegam ao processo e ao “querer ganhar”, embora,

muitas vezes, estejam inconscientemente lutando para, cada vez mais, perder o

que lhes é mais precioso: a vida familiar – que não termina pela separação do

casal.

Assim, a maturidade, o vínculo de confiança por parte dos pais, o

equilíbrio psicoemocional, são extremamente necessários para a garantia da

segurança e da estruturação psicoemocional dos filhos.

O relacionamento civilizado dos adultos, principalmente o dos pais,

influencia diretamente a posição psicoemocional e comportamental das crianças e

adolescentes. Ressalta-se aqui ser essa posição importante para a proteção da

integridade psicofísica dos jovens, por parte dos familiares e das demais pessoas a

eles ligadas por laços de afetividade. O convívio familiar e social é imprescindível

para o fortalecimento das relações humanas.

Desta feita, a aproximação da criança e do adolescente com indivíduos

ligados pelos laços da afetividade não afronta o poder familiar dos genitores,

considerando-se que a visita34 é exercida nos limites do interesse do menor35, ou

seja, no sentido apenas de ver e estar com o mesmo. Somente ao genitor que não

33PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores para o Direito de Família,

cit., p. 132. 34MADALENO, Rolf. O preço do afeto, cit., p. 158. Esclarece o autor: “Visita é um direito

conferido a todas as pessoas unidas por laços de afeto, de manterem a convivência e o intercâmbio espiritual quando estas vias de interação tiverem sido rompidas pela separação física da relação” (Loc. cit.).

35HASSELMANN, Elisa de Carvalho Laurindo. O melhor interesse da criança e do adolescente em face do Projeto de Código Civil. In: PEREIRA, Tânia da Silva: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Colab.). A ética da convivência familiar: sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 361 et seq.

68

detém a guarda caberá a participação de forma efetiva ou a fiscalização da

educação dos filhos postos ao cuidado do outro.

Cumpre salientar que a convivência familiar é um direito fundamental da

criança e do adolescente, e é dever36 dos pais participar, limitar, educar – enfim,

conviver.

O CC/2002 assegura em vários dispositivos os direitos e deveres relativos

ao poder familiar, à guarda dos filhos e à convivência familiar:

Art. 1.579 – O divórcio não modifica os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos.

[...]

Art. 1.583 – No caso de dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal pela separação judicial por mútuo consentimento ou pelo divórcio direto consensual, observar-se-á o que os cônjuges acordarem sobre a guarda dos filhos.

Enunciado 101 – sem prejuízo dos deveres que compõem a esfera do poder familiar, a expressão "guarda de filhos", à luz do artigo 1.583, pode compreender tanto a guarda unilateral quanto a compartilhada, em atendimento ao princípio do melhor interesse da criança.

[...]

Artigo 1.630 – Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores.

[...]

Artigo 1.632 – A separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos.

[...]37

A Declaração Universal dos Direitos da Criança dispõe expressamente que

o direito de convivência entre pais e filhos e a igualdade na responsabilidade dos

pais separados pela criação dos filhos devem ser respeitados:

Artigo 9 – A criança tem o direito de viver com um ou ambos os pais, exceto quando se considere que isto é incompatível com o interesse maior da criança. A criança que esteja separada de um ou de ambos os pais tem o direito a manter relações pessoais e contato direto com ambos os pais.

36Art. 1.634. “Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: – dirigir-lhes a criação e

educação; II – tê-los em sua companhia e guarda; III – conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para casarem; IV – nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo não puder exercer o poder familiar; V – representá-los, até aos dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assistí-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo-lhes o consentimento; VI – reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; VII – exigir que lhes prestem obediência, respeito e os serviços próprios de sua idade e condição” (BRASIL. Lei nº 10.406, cit. – grifo nosso).

37BRASIL. Lei nº 10.406, cit.

69

Artigo 18 – Os pais têm obrigações comuns no que diz respeito à criação dos filhos, e o governo deverá prestar assistência apropriada.38

Vê-se que essas responsabilidades-deveres cabem aos genitores, em

decorrência do poder familiar, o qual somente se extingue com a maioridade ou a

emancipação do filho, e àqueles que legalmente o detenham – diferentemente dos

parentes e das pessoas ligadas por laços de afetividade, cuja relação se funda na

solidariedade familiar e nas obrigações oriundas do parentesco.

3.3.2

PARTICIPAÇÃO AFETIVA DA FAMÍLIA

Verificou-se que a família é um núcleo de afetividade, de amizade e de

histórias de vida, importantíssimo para o desenvolvimento saudável da criança e

do adolescente, razão pela qual o ambiente familiar deve ser preservado. Tem-se

por ambiente familiar aquele desenvolvido por pessoas que se inter-relacionam de

maneira regular e recorrente, ligadas por laços naturais de parentesco, por

afinidade, por vontade expressa ou por afetividade.

Em relação aos avós, diante do laço afetivo de convívio, bem ressaltou

Washington de Barros Monteiro:

Embora não consignado expressamente na sistemática de nossas leis que regulam as relações de família, evidente o direito dos avós de se avistarem com os netos em visita. Doutrina e jurisprudência confirmam ou aplaudem esse ponto de vista, que se funda na solidariedade familiar e nas obrigações oriundas do parentesco.39

Ao demais, além dos laços de parentesco, os avós estão unidos aos netos

por vínculos jurídicos (artigo 1.697 do CC/2002).

Quanto à possibilidade de visitas dos avós, Arnaldo Rizzardo discorre

sobre a recomendação de não-afastamento dos netos, seres em formação,

considerando-se que a convivência decorre de um direito natural, ínsito na

38ONU. Declaração Universal dos Direitos da Criança, cit. 39MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. 34. ed. São Paulo: Saraiva, V. 2:

Direito de Família, 1998, p. 235.

70

natureza humana, em face da segurança e do amparo que os avós representam,

frente, algumas vezes, à inaptidão e ao desinteresse dos pais40.

A advogada Marilza Fernandes Barreto comenta:

[afirma] Edgard de Moura Bittencourt: "A afeição dos avós pelos netos é a última etapa das paixões puras do homem.” É a maior delícia de viver a velhice. A jurisprudência que assegura essa afeição sanciona, na frase de Gaston Lagarde, “os direitos morais dos avós”. [...] A solidariedade familiar, o vínculo da filiação, o elo de amor e carinho que aproximam as gerações são as causas verdadeiras que levam muitas vezes os avós aos tribunais para lutar pelo direito de ver e visitar seus netos, pela oportunidade de preservar a unidade e manter viva a convivência familiar, base moral da sociedade.41

Quanto ao direito estrangeiro, o Código Civil Português, aprovado pelo

Decreto-Lei n. 47.344, de 15 de novembro de 1966, prevê, em seu artigo 1.887-A

(aditado pela Lei n. 84/95, de 31 de agosto de 1995): “Os pais não podem

injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes.”42

Em decisão proferida pelo Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de

Janeiro, em 15 de junho de 1982, já se tratava sobre o direito de visita de tias à

sobrinha43. De parte do voto do Desembargador, constou:

[...] O Direito de visitas a filho não estava previsto no Código Civil. Foi a Lei 4.121/62 que, dando nova redação ao § 2 do art. 326 do citado Código, introduziu em nossa legislação esse direito – que pode ser considerado direito natural, resultante da paternidade e da maternidade – reconhecido anteriormente pela jurisprudência. Todavia, a Lei 6.515/77 revogou o citado dispositivo legal, estabelecendo em seu art. 15 o direito dos pais que não tem a guarda do filho menor a tê-lo em sua companhia. Assim, seja por construção jurisprudencial, seja por disposição legislativa, foi reconhecido o direito de visita aos ascendentes. A Jurisprudência avançou, antecipando-se ao legislador, que até a presente data não dispôs sobre tal matéria, ao reconhecer aos avós o mesmo direito. Mas reconheceu aos avós como ascendentes. O direito não foi ainda reconhecido a tio, principalmente no caso de sobrinha órfã de pais e mãe, circunstância que de vê ser levada em conta no deslinde da questão.

O direito em causa decorre do vínculo de consangüinidade. Mas dessa fonte não se pode determinar quais os parentes que têm direito a visitas. Inegável terem-no os pais e, como ascendentes, os avós, que eram os chefes de família em Roma. Assim, servindo-se do argumento histórico, chegar-se-á ao direito do avô.

40RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 268-269. 41BARRETO, Marilza Fernandes apud RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família. 3 ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2005, p. 268-269. 42PORTUGAL. Código Civil. Coimbra: Coimbra, 1999. 43RIO DE JANEIRO (Estado). Apelação Cível nº 22.164. Revista dos Tribunais. São Paulo:

Revista dos Tribunais, ano 71, v. 562, p. 189-192, ago. 1982.

71

Mas de tal argumento não se chega ao do tio. Para reconhecê-lo, tem-se que partir da noção e da função de família. Destarte, é do argumento sociológico que se poderá encontrar a solução.

[...] A “história” das famílias forma-se com a convivência das sucessivas gerações, até que a morte não mais permita, e quando ela interrompe a vida de um de seus membros, os que ficam oralmente recordam o passado, conservando vivo o traço cultural, configurativo da família. [...]

Esses traços culturais, oriundos de cada família, apesar das transformações sociais e do conflito de gerações, encontram-se presentes na conduta de seus membros, seja no modo de ser, de se conduzir, decidir pensar e moralmente julgar [...].

[...] o contato com a família materna ou paterna não deve ser cortado, porque hereditariamente pertence ao menor a essas famílias e já se encontrava em processo de socialização [...]. Cortá-lo é correr o risco de provocar no futuro traumas psicológicos de gravidade inegável, em época em que a família está em crise. [...] Isolá-la do ambiente cultural e social de sua família de origem para contribuir para a “desorganização” da personalidade da criança ao impor a ela, pela educação, padrões diversos dos de origem, levando-a na adolescência a conduta de desvio, no sentido sociológico. Por isso, é prejudicial isolá-la dos colaterais, depositários de parcelas do reservatório espiritual familiar.44

Destarte, nas relações familiares, a convivência familiar entre seus

membros é salutar.

3.3.3

PARTICIPAÇÃO DE OUTRAS PESSOAS LIGADAS POR LAÇOS DE AFETIVIDADE

Certo é que o rompimento do convívio com pessoas com as quais a

criança e o adolescente mantêm forte vínculo afetivo pode provocar

conseqüências de ordem psicológica, comprometendo o seu desenvolvimento

saudável, em face do sentimento de abandono que, por certo, irá comprometer o

seu desenvolvimento.

44RIO DE JANEIRO (Estado). Apelação Cível nº 22.164, cit. A jurisprudência do Tribunal de

Justiça de Minas Gerais encampa esse entendimento: Ementa: Ação de Regulamentação de Visitas – Interesse do Menor – Preservação – Convivência com Familiares Paternos – Necessidade. Em ação de regulamentação de visitas, imperiosa a preservação dos interesses do menor, de forma a possibilitar sua convivência com os familiares paternos. Rejeitada a preliminar, nega-se provimento ao recurso. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Agravo Nº 000.286.182-1/00 – Comarca De Rio Novo. Rel. Des. Kildare Carvalho. Disponível em: <http://www.tjmg.gov.br>. Acesso em: 28 nov. 2007).

72

O Código Civil Francês prevê expressamente a extensão do direito de

visita aos avós, a outros parentes e ainda a outras pessoas, conforme se lê no

artigo 371-4:

O pai e a mãe não podem, salvo por motivos graves, opor obstáculos às relações pessoais entre o menor e seus avós. Na falta de acordo entre as partes, essas relações serão regulamentadas pelo juiz de família.

Em caso de situações excepcionais, o juiz de família pode estabelecer um direito de correspondência ou de visita a outras pessoas, parentes ou não.45

No Brasil, a Lei Maria da Penha46, em seu artigo 5º, supriu a lacuna na

legislação, reconhecendo a família constituída por vontade expressa e permitindo

interpretação no sentido de se englobar casais homossexuais ou pessoas ligadas

por laços de afetividade que se inter-relacionam de maneira regular e recorrente.

Assim, nada mais natural que a extensão do direito de visita a todos os

indivíduos que se vinculem uns aos outros por laços de afetividade, naturais, por

afinidade ou por vontade expressa, em um espaço de convívio permanente, com

ou sem vínculo familiar, desde que, no caso das crianças e adolescentes, nos

limites do seu melhor interesse e de sua proteção integral.

Nesse sentido, é justo estender-se o direito de visita também à babá, ao

empregado doméstico ou a qualquer outra pessoa que mantenha estrita relação de

afetividade com a criança e o adolescente; em relação aos primeiros, a própria

função que exercem possibilita pressupor relação de confiança por parte dos

genitores, caso tenham sido privados repentinamente do convívio com os jovens.

Cumpre salientar que cabe, aos indivíduos privados da convivência com a

criança e o adolescente, diante da garantia constitucional de acesso à justiça,

promover ação judicial para regulamentação de visitas, direcionada ao juízo da

Família.

45FRANCE. Code Civil. 99. ed. Paris: Dalloz, 2000. 46BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, cit.

73

3.3.4

SOLUÇÃO, VALORAÇÃO E APLICAÇÃO PELO JUIZ

Adotado pelo Código de Processo Civil (CPC) em seu artigo 131, o

sistema do livre convencimento – ou do convencimento motivado, ou ainda da

persuasão racional – possibilita ao juiz apreciar livremente a prova, desde que não

se firam os princípios da licitude (CRFB/1988, artigo 5º, inciso LVI) e da

moralidade. Partirá sempre dos elementos constantes dos autos, ainda que não

alegados pelas partes, devendo, porém, indicar na sentença os motivos que lhe

formaram o convencimento, segundo o artigo 93, inciso IX da CRFB/1988.

Assim, tem o juiz ampla liberdade para conferir às provas, na sua

apreciação, o valor que entender adequado para a formação da sua convicção, eis

que as provas não têm tarifação específica (valor legal).

Aliás, Humberto Theodoro Júnior, eminente processualista mineiro,

enfrenta a questão, no que tange à iniciativa da coleta de prova pelo juiz, de

maneira cabal47. Eis alguns de seus ensinamentos, ora transcritos parcialmente e

fora da seqüência ditada pelo doutrinador:

[...] Não pode fazer a real e efetiva justiça quem não se interessa pelo resultado da demanda e deixa o destino do direito subjetivo do litigante à sorte e ao azar do jogo da técnica formal e da maior agilidade ou esperteza dos contendores, ou de um deles.48

Nesse processo moderno o interesse em jogo é tanto das partes como do juiz, e da sociedade em cujo nome atua. Todos agem, assim, em direção ao escopo de cumprir os desígnios máximos da pacificação social. A eliminação dos litígios, de maneira legal e justa, é do interesse tanto dos litigantes como de toda a comunidade. O juiz, operando pela sociedade como um todo, tem até mesmo interesse público maior na boa atuação jurisdicional e na justiça e efetividade do provimento com que se compõe o litígio.49

As velhas barreiras da imparcialidade e do ônus da prova tiveram de ser reavaliadas a fim de que os novos valores de ordem pública inspiradores do processo justo pudessem ocupar seu lugar de inconteste proeminência.

47THEODORO JÚNIOR, Humberto. Prova – Princípio da verdade real – Poderes do Juiz – Ônus da

prova e sua eventual inversão – Provas ilícitas – Prova e coisa julgada nas ações relativas à paternidade (DNA). Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese / IBDFam, v. 1, n. 1, p. 5-23, abr./jun. 1999.

48Ibid., p. 7. 49Ibid., p. 9-10.

74

Afastaram-se os falsos preconceitos relacionados com a preservação da neutralidade do juiz e quebrou-se o anacrônico monopólio das partes sobre a iniciativa das provas.

A preservação da imparcialidade do juiz com efeito exige sua permanência longe da iniciativa de instaurar o processo e definir o seu objeto, circunstância que ninguém discute ou põe em dúvida nos países democráticos de cultura romanística. O princípio dispositivo deve realmente prevalecer no debate da lide. Somente às partes cabe a iniciativa de colocar em juízo o conflito jurídico e de dar-lhe os necessários contornos. Já a investigação do direito subjetivo controvertido, tanto nos aspectos de direito como de fato, não pode ficar na dependência da exclusiva vontade e diligência das partes. O juiz não se torna irremediavelmente parcial apenas por se ocupar da apuração da verdade, diligenciando provas por iniciativa própria.50

Diante da necessidade de descobrir a verdade real, o juiz não pode ser neutro nem indiferente. Não determinar a prova necessária à revelação da verdade não corresponde, por isso, a uma conduta imparcial e sim a um alheamento à missão jurisdicional de assegurar aos litigantes a mais efetiva e justa composição do litígio.51

Em síntese, no processo civil contemporâneo não vigora mais, em tema de prova, o princípio dispositivo, segundo o qual cabia ao juiz julgar a causa conforme o alegado e provado pelas partes. O que hoje prevalece é um sistema justo, de forma que ao juiz incumbe julgar conforme o alegado pelas partes e a prova disponível, pouco importando se sua produção proveio de iniciativa ou não das partes (CPC, arts. 130 e 131).52

O papel do intérprete é dar vida aos textos, revelando não só o sentido,

mas também o alcance integral dos mesmos. Por conseguinte, não basta

determinar a finalidade prática da norma a fim de reconstituir o seu verdadeiro

conteúdo; cumpre verificar se o legislador, em outras disposições, já revelou

preferências por um meio, em lugar de outro, para atingir o objetivo colimado; se

isto aconteceu, deve-se dar primazia ao meio mais adequado para atingir aquele

fim de modo pleno, completo e integral.

Conclui-se, do exposto, que o objetivo final da norma jurídica não é

constante, absoluto, eterno e único. Valerá como justificativa deste acerto o fato,

referido por vezes, de compreensão do sistema de interpretação a respeito da

concepção do próprio Direito, eis que dinâmica é a sociedade.

No que se refere à família, o papel do julgador tem importância

fundamental, considerando-se que os pronunciamentos do Judiciário, por ações ou

omissões, acabam contribuindo para a formulação ou reformulação de conceitos

50THEODORO JÚNIOR, Humberto. Prova..., cit., p. 10-11. 51Ibid., p. 11. 52Ibid., p. 14.

75

relativos à família. Cada pretensão deduzida em juízo evidencia sua

particularidade e sua singularidade, que compõem as crises familiares, arraigadas

de componentes emocionais, a serem decididas pelo julgador53.

Desta feita, o equilíbrio familiar somente será atingido se o rancor,

guardado de frustrações, for elaborado por cada um, sem permitir, contudo, que

esse sentimento interfira na relação pai / mãe / filhos, porque o comportamento de

extrema invasão ao “outro” prejudica a relação familiar de todos os membros da

família.

A saudável relação pai / mãe, com a manutenção do diálogo civilizado e

necessário entre eles, é imprescindível para a harmonia familiar. A criança e o

adolescente necessitam permanecer ausentes de todo e qualquer problema gerado

pela relação homem / mulher, pois essa intimidade poderá gerar para os jovens

desconforto e instabilidade psicoemocional.

O acesso às questões processuais ou às falas deste, e mesmo às

demonstrações de rancor por algum membro familiar, confunde a criança, criando

nela instabilidade e temor de agir naturalmente. Com idade suficiente para

perceber – mas não para compreender – tudo o que ocorre no âmbito familiar, os

filhos precisam ser isentados de opiniões emocionais ou comportamentais em tudo

o que diz respeito à relação em questão.

Para garantir o direito fundamental à convivência familiar nas questões

atinentes à criança e ao adolescente, o julgador deve atender ao princípio do

melhor interesse54, como lembra Flávio Guimarães Lauria:

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente não tem apenas a função de estabelecer uma diretriz vinculativa para se encontrar as soluções dos conflitos, mas, também, implica a busca de mecanismos eficazes para fazer valer, na prática, essas mesmas soluções. Trata-se do aspecto “adjetivo” do princípio do melhor interesse da criança.55

53FACHIN, Rosana. Em busca da família no novo milênio, cit., p. 62. 54Nesse sentido a segura lição de Guilherme Gonçalves Strenger em relação à guarda dos filhos:

“Interesse do Menor. O interesse do menor é princípio básico e determinante de todas as avaliações que refletem as relações de filiação. O interesse do menor, pode-se dizer sem receio, é hoje verdadeira instituição no tratamento da matéria que ponha em questão esse direito. Tanto na família legítima como na natural e suas derivações, o interesse do menor é princípio superior. Em cada situação cumpre ao juiz apreciar o interesse do menor e tomar medidas que o preservem e a apreciação do caso deve ser procedida segundo dados de fato que estejam sob análise" (STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. São Paulo: DPJ, 1991, p. 64).

55LAURIA, Flávio Guimarães. A regulamentação de visitas e o princípio do melhor interesse da criança. Rio de Janeiro. Lumen Juris, 2002, p. 37.

76

Tânia Maria Pereira assevera que, muito embora o melhor interesse da

criança e do adolescente deva ser o princípio orientador das decisões, na prática,

“desafia-nos a identificação, no Direito Brasileiro, deste princípio por meio de

regras de interpretação e das normas de Direito positivo”56.

Caberá ao julgador sopesar, por meio dos princípios constitucionais, as

normas e regras empregadas para a efetivação do interesse da criança.

Rosana Fachin ressalta:

A máxima “no interesse da criança”, preconizada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente relativamente à guarda, é princípio informador para que o juiz confira a guarda àquele dos pais que efetivamente tenha melhores condições de realizar, dentro de padrões mínimos, esses interesses.

Daí decorre a possibilidade de, se ausentes as qualificações dos pais, outras pessoas, os avós, por exemplo, virem a exercer este mister, caso neles estejam presentes as condições necessárias. A deficiência apresentada pelos pais poderá ensejar que o Estado Juiz intervenha em favor do melhor interesse da criança.57

Justamente por esse motivo, aquele que não detém a guarda, nos termos do

artigo 15 da Lei do Divórcio58, poderá visitar os filhos, conseqüência natural do

vinculo paterno-filial, desfrutando da sua companhia. Tal solução também é

utilizada para os casos de modificação ou de regulamentação de visitas.

Importante papel tem exercido, além do Direito Constitucional, a

jurisprudência59, que vem empregando as decisões como fonte de interpretação

dos princípios constitucionais.

56PEREIRA, Tânia da Silva. O melhor interesse da criança, cit., p. 222. 57FACHIN, Rosana. Em busca da família no novo milênio, cit., p. 65. 58BRASIL. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Regula os casos de dissolução da sociedade

conjugal e do casamento, seus efeitos e respectivos processos, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L6515.htm>. Acesso em: 26 jan. 2008.

59A jurisprudência, no tocante à visitação, tem se orientado no sentido de: “Ementa: Ação de Regulamentação de Visitas – Prevalência do Interesse do Menor. Entre os direitos expressamente assegurados à criança se inclui o da convivência com os pais (artigo 19 da Lei nº 8.069/90), o que ocorre mediante visitas por aquele que não detém a guarda do menor, no caso de se encontrarem separados (Lei nº 6.515/77, artigo 15). "Para a regulamentação de visitas, deve ser levado em consideração o interesse do menor, devendo ser proporcionada a ele uma vida familiar estável, não podendo ser privado do convívio afetivo com ambos os pais." O direito à convivência familiar tem berço constitucional (artigo 227), e se sabe que o desabrochar de uma criança para o mundo inclui um movimento de dentro para fora, garantido pelos impulsos vitais vinculados à hereditariedade e à energia próprias do ser vivo. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível n° 1.0024.02.703.757-1/001. Comarca de Belo Horizonte. Rel. Des. Gouvêa Rios. Disponível em: <http://www.tjmg.gov.br>. Acesso em: 28 nov. 2007).

77

O instituto da mediação interdisciplinar tem sido utilizado pelos

julgadores de forma a auxiliar o entendimento entre os indivíduos envolvidos em

litígios, facilitando o diálogo e a comunicação equânime, respeitando as

diferenças e os interesses. O mediador, como terceiro, colabora no planejamento

da convivência familiar e na elaboração emocional da nova situação60.

Cumpre salientar que, no Direito brasileiro, não existem sanções típicas

aplicáveis àqueles que descumprem as condições impostas ao direito de visita.

Porém, alguns julgadores têm fixado multas, a fim de coagir aquele que detém a

guarda a cumprir o dever de visitação legalmente fixado61.

3.3.4.1

O VALOR DOS LAUDOS PERICIAIS

Freqüentemente, os juizes têm utilizado o recurso à perícia judicial para

auxiliar na solução dos conflitos no campo judicial, considerando que suas

convicções serão formadas a partir das provas que instruem o processo.

60GROENINGA, Giselle Câmara. Guarda compartilhada: a tutela do poder familiar. In: PEREIRA,

Tânia da Silva: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Colab.). A ética da convivência familiar: sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 123.

61Alguns julgados já encampam esse entendimento, como forma de conferir efetividade à doutrina de proteção integral: “Direito de visita. Multa diária. Cabível a imposição de multa para assegurar o exercício do direito de visita em face do estado de beligerância que reina entre as partes, o que tem prejudicado a visitação. Agravo desprovido, por maioria, vencido o Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves” (RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Agravo de Instrumento nº 70.008.086.134. 7ª Câm. Cív. – Comarca de Porto Alegre, Rel. Des. Maria Berenice Dias. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 28 nov. 2007). Também nesse sentido: “Cerceamento de Defesa – Julgamento Antecipado da Lide – Inocorrência – Regulamentação do Direito de Visita – Filhos Menores – Direito Assegurado à Genitora – Descumprimento do Acordo Homologado em Juízo pelo Genitor – Recusa Injustificada – Imposição de Multa – Possibilidade. Poderá o magistrado conhecer diretamente do pedido, proferindo sentença, quando a questão de mérito for unicamente de direito, ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência. O direito de visita consiste num direito do menor em manter uma convivência sadia com os seus pais e familiares, sendo, portanto, importante assegurar o convívio dos infantes com a sua genitora, mormente se não há provas convincentes de que a regulamentação das visitas maternas seja prejudicial à saúde das crianças. Nos termos do art. 461, caput e § 4o, CPC, é admissível a imposição de multa diária, nos casos de descumprimento de obrigação de fazer, independentemente de pedido do autor. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça. Apelação Cível nº 1.0281.03.003183-1/001. Comarca de Guapé – Rel. Des. Edilson Fernandes. Disponível em: <http://www.tj.rs.gov.br>. Acesso em: 28 nov. 2007).

78

O CPC, em seu artigo 145, dispõe: ”Quando a prova do fato depender de

conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito, segundo o

disposto no art. 421.”62

As perícias oferecem subsídios especializados para orientação do juiz

quanto ao caso objeto do litígio. No âmbito cível, e em especial na família, a

psicologia, com o auxílio do estudo social, tem exercido importante papel na

constatação de características sociais, intelectuais, cognitivas e de personalidade

dos indivíduos, fazendo inclusive prognósticos, por meio de aplicação de testes.

A interdisciplinaridade, vista como integração de dois ou mais

componentes curriculares ou ramos do conhecimento para a construção do saber63,

é uma tendência que facilita o exame do indivíduo em seus mais variados

aspectos, oferecendo ao julgador subsídios para decisão.

Nas questões atinentes à guarda e à visitação, a elaboração de laudos

periciais tem ocorrido com freqüência, com o intuito de se investigar a

personalidade, a inteligência, a maturidade, o dano psíquico, as inter-relações

familiares dos periciandos.

No entanto, na prática, vários problemas surgem na sua utilização. Alguns

juízes criticam o conteúdo dos laudos periciais, ou porque não se prendem às

questões postas, ou por serem os laudos, em grande parte, inconclusivos. Também

a demora na elaboração do laudo é ocorrência que retarda a resolução dos

conflitos – por vezes gravíssimos, em face da peculiaridade das questões que

envolvem crianças e adolescentes.

62Art. 421 – O juiz nomeará o perito, fixando de imediato o prazo para a entrega do laudo (Alterado

pela L-008.455-1992). § 1º – Incumbe às partes, dentro em 5 (cinco) dias, contados da intimação do despacho de nomeação do perito: I – indicar o assistente técnico; II – apresentar quesitos. § 2º – Quando a natureza do fato o permitir, a perícia poderá consistir apenas na inquirição pelo juiz do perito e dos assistentes, por ocasião da audiência de instrução e julgamento a respeito das coisas que houverem informalmente examinado ou avaliado. (Alterado pela L-008.455-1992) (BRASIL. Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br /ccivil/leis/L5869.htm>. Acesso em: 25 jan. 2008).

63A interdisciplinaridade surge como uma das respostas à necessidade de uma reconciliação epistemológica, processo necessário devido à fragmentação dos conhecimentos ocorrido com a revolução industrial e a necessidade de mão de obra especializada. A interdisciplinaridade buscou conciliar os conceitos pertencentes às diversas áreas do conhecimento a fim de promover avanços como a produção de novos conhecimentos ou mesmo novas sub-áreas (WIKIPÉDIA. Interdisciplinaridade. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Interdisciplinaridade>. Acesso em: 28 nov. 2007).

79

Outra questão – e, ao que parece, a mais problemática – é o fato de alguns

psicólogos, mesmo constatando algum indício de doença mental, se absterem de

se manifestar, sob o argumento de que somente à Psiquiatria, como ramo na

Medicina, caberia o diagnóstico da doença.

Por outro lado, também há casos em que, diante das poucas oportunidades

de encontro entre perito e periciandos, tais distúrbios passam desapercebidos, uma

vez que, para diagnosticá-los, o perito precisaria de outras sessões, o que

geralmente não ocorre. Nos casos que envolvem guarda e regulamentação de

visitas, tal fato torna-se perigoso, vez que o juiz, baseado em laudo dessa natureza,

poderá estar colocando em risco a saúde mental e física da criança e do

adolescente.

Questão não menos importante é a precariedade das próprias centrais de

serviço social e psicológico, atuantes nos casos em que as partes não podem arcar

com o pagamento de peritos particulares para a realização das perícias. Para as

pessoas de baixa renda, a dificuldade começa já no deslocamento ou na própria

dispensa do trabalho para comparecimento.

Sabe-se que há número insuficiente de profissionais para dar conta da

demanda de solicitações de perícias, o que, aliado à falta de estrutura física, faz

com que a entrega dos laudos chegue a demorar até quatro meses. A demora pode

acarretar, além do aumento do custo do processo, o acirramento da disputa e da

hostilidade entre as partes que aguardam providência judicial.

Cézar Ferreira e Verônica A. da Motta Cezar descrevem situações postas

por alguns juízes sobre a perícia psicológica que vale a pena transcrever em parte:

Conversamos largamente com juízes sobre o uso de recursos psicológicos em Varas de Família. E foi importante e curioso ouvi-los a respeito de laudos periciais. Um deles disse, textualmente: “Não utilizo recursos psicológicos nunca. A senhora quer saber, não gosto de psicólogos, eles só atrapalham.” Outros afirmam que só utilizam em casos extremos: “Só recorro aos assistentes técnicos em último caso”; “Só em casos graves mando fazer perícias”.

Durante as conversas sem distinção de gênero, alguns expressaram uma certa desconfiança dos laudos. Uma juíza: “O próprio laudo pericial é pobre, porque é escrito e só passa informações.” Um juiz: “Os laudos são muito frios e muito imperfeitos”.

Nessas conversas, os dois deram exemplos que não os ajudaram em nada na formação da convicção. Ela contou: “Uma vez, por indicação de uma das partes, enviei um casal para um terapeuta, que me mandou um laudo dizendo: ‘Isso interessa ao juiz, aquilo interessa ao juiz.’ Não me ajudou em nada, porque,

80

além de muito pobre como laudo, é o juiz que tem que saber se interessa a ele.” E o outro disse: “Tive um caso em que tiraram uma fotografia de um menininho de cinco anos, à beira de uma piscina, mostrando o ‘pipi’, e de uma meninha que o pai estava abaixando a calcinha. O laudo foi muito como um ‘tarado’, sem ter sido visto nem ouvido pela psicóloga. Isso é sério, porque, se um pai é ‘tarado’, não vai ter nem visitas.”

Ambos os magistrados deixaram claro que a decisão final é deles e que, portanto, a responsabilidade é sua. Nesse sentido, lembraram que o juiz é que tem que saber o que interessa a ele e que o perito deve ater-se à perícia e não tomar o lugar do magistrado e que certas afirmações podem ser muito graves e alterar profundamente a vida das pessoas e que, depois, a responsabilidade da decisão terá sido do juiz. [...]

Outros juízes referem-se ao laudo pericial de forma mais amigável, por exemplo, lembrando que uma deficiência em relação a esse recurso é que só chega ao diagnóstico e uma deficiência da utilização desse recurso, no âmbito da justiça, é haver prazo.[...]

Há, por outro lado, juízes que dizem utilizar esse recurso com regularidade: “No caso de estabelecimento de regime de visitas, por exemplo, eu peço estudo social e laudo psicológico. O laudo acaba monstrando como os filhos ficam divididos. Tive um caso que ao invés de dar a guarda definitiva, dei um tempo para ficar com os pais biológicos, mandei reavaliar, fazer o laudo da família, para depois poder decidir.” Ou: “Esses casos, só o Direito não resolve. Temos que ter a colaboração da Psicologia e do Serviço Social.”

Em geral, os juízes mostram-se cautelosos quanto à fidelidade dos resultados: “Não precisam acreditar que sejam verdades absolutas o que está nos laudos, mas é alguma coisa para dirigir as discussões.”64

Ressalte-se que, mesmo com tantas vantagens e desvantagens da utilização

da perícia judicial nos processos que envolvem a família, mais especificamente os

de guarda e visita, sua implementação não tem o intuito de substituir ou

enfraquecer o Poder Judiciário, mas sim o de introduzir meio alternativo e de

auxílio na solução de controvérsias, possibilitando e facilitando a efetiva prestação

jurisdicional.

3.3.4.2

A SENSIBILIDADE DO MAGISTRADO

O conhecimento do magistrado, sem dúvida, é essencial à sua atuação.

Porém, não menos importante é a sua sensibilidade em lidar com os conflitos

64CEZAR-FERREIRA, Verônica A. da Motta. Família, separação e mediação: uma visão

psicojurídica. São Paulo: Método, 2007, p. 137-138.

81

humanos, sensibilidade esta que deve permear suas decisões, considerando-se que

a cláusula de proteção do melhor interesse da criança, como cláusula geral,

depende da sua interpretação.

Para a realização da justiça, o juiz deve ser verdadeiro mediador dos

conflitos, auxiliando o diálogo entre os envolvidos, identificando os interesses

comuns, atenuando as hostilidades e privilegiando os pontos de convergência. São

muito comuns, nos processos que envolvem crianças e adolescentes, os problemas

implícitos nas questões aparentes, o que exige o julgador a consciência de que está

lidando com pessoas e não com coisas – razão pela qual talvez não haja resposta

definitiva para cada conflito específico, mas sim a mais adequada para aquele

momento.

Assim, o magistrado deve pautar a sua atuação no diálogo, como

ferramenta de construção da dignidade da pessoa humana, de modo a restabelecer

nos indivíduos o processo de comunicação, prejudicado em face do litígio

instaurado. O juiz sensível é aquele que analisa o conflito sob diversos ângulos e

oferece uma terceira opção para a solução do litígio, sempre permitindo a

participação das partes em igualdade.

Ada Pellegrini Grinover, citada por Luiz Airton de Carvalho em trabalho

monográfico, defende a participação das partes, em igualdade de condições, como

requisito de realização do devido processo constitucional.

Desse modo, as garantias constitucionais do devido processo legal convertem-se, de garantias exclusivas das partes, em garantias de jurisdição e transformam o procedimento em um processo jurisdicional de estrutura cooperatória, em que a garantia da imparcialidade da jurisdição brota da colaboração entre partes e juiz. A participação dos sujeitos no processo não possibilita apenas a cada um aumentar as possibilidades de obter uma decisão favorável, mas significa cooperação no exercício da jurisdição. Para cima e para além das intenções egoísticas das partes, a estrutura dialética do processo existe para obter em benefício da boa qualidade da prestação jurisdicional e da perfeita aderência da sentença à situação de direito material subjacente (apud Bastos & Martins, p. 264).65

65GRINOVER, Ada Pellegrini apud CARVALHO, Luiz Airton de. Princípios processuais

constitucionais. Cartilha Jurídica. Brasília: Tribunal Regional Federal da 1ª Região, n. 28, p. 9, set. 1994.

82

Assim, o juiz não deve se comportar como mero operador ou porta-voz

inerte do Direito66. Deve atuar no curso do processo como agente saneador do

devido processo legal, garantido a efetividade e a brevidade da tutela jurisdicional

e constitucional, com sensibilidade e, evidentemente, sem qualquer desprezo a

direitos fundamentais.

A questão da separação dos genitores, como visto, leva muitas vezes a

uma situação de desorganização dos arranjos familiares, com sérias conseqüências

para a prole. O reajustamento da família dependerá do apoio da rede familiar, que

inclui desde a família extensa e os amigos até a ajuda de psicólogos67.

Cabe ao juiz, além da sensibilidade68, julgar apoiado pelos recursos

disponíveis, das ciências sociais, jurídicas e afins, porque a realização da justiça é

uma construção conjunta.

Os juízes das Varas de Família devem ainda ter vocação especial e gostar

do que fazem, para tentar ajudar as pessoas a encontrarem respostas às suas

indagações. A questão emocional, inerente às causas de família, é o que diferencia

os juízes de Família dos demais.

Nesse diapasão, ousa-se dizer que, justamente por ser o Direito de Família

especial, em face do seu conteúdo sentimental e emocional, os juízes deveriam se

candidatar especificamente para o preenchimento das vagas existentes, tanto nas

Varas de Família quanto no âmbito dos Juizados da Infância e Juventude. Tal

iniciativa iria contribuir para o aumento da procura dos candidatos realmente

66Maria Berenice Dias fala da rigidez normativa e de seu efeito perverso, que “além de não alcançar

o desiderato pretendido, não consegue impedir que as pessoas conduzam sua vida da forma que melhor lhes agrade. A exclusiva regulamentação dos comportamentos reconhecidos como aceitáveis deixa à margem da jurisdição tudo que não é cópia do modelo ditado como único. Olvida-se o legislador de que negar a existência de fatos existentes, deixando de atribuir-lhes efeitos, acaba fomentando irresponsabilidades” (DIAS, Maria Berenice. Família, ética e afeto. Jus Vigilantibus. Disponível em: <http://www.jusvi.com/site/p_detalhe_artigo.asp?codigo=1632&cod_ca tegoria=&nome_categoria=/>. Acesso em: 09 mar. 2004 e ainda em Revista Consulex, n. 174, p. 34-35, 15 abr. 2004).

67CEZAR-FERREIRA, Verônica A. da Motta. Família, separação e mediação, cit., p. 178. 68Loc. cit. A autora traz o relato de alguns magistrados quanto à questão posta: “Em casos de

família não há litígio, há problemas de família. O juiz processualista se nega a sentir o outro. O juiz de família tem que ser atuante, não imparcial. Ele vai ver os pontos de divergência. O juiz de Família tem um trabalho diferente dos outros.” “O juiz de Família tem que ser sensível. Embora ele deva julgar só pelo que está nos autos, tem que ir mais além do que está no processo. O processo, muitas vezes, é um meio de comunicação entre as partes.” “As ações de família são diferentes, requerem outro tipo de sensibilidade. O juiz tem que ser sensível e ter vocação. A visão de um juiz de Família tem que ser outra [...]”

83

vocacionados. Após breve entrevista – porque não dizer, “psicotécnica”? – os

juízes realmente preparados (termo aqui empregado no sentido humanista) seriam

escolhidos para a atuação nessas Varas. Transcorrido o período de experiência de

90 dias, o Tribunal optaria pela titularidade ou pela remoção – esta, caso o juiz

não preenchesse o perfil exigido, analisado inclusive através de consulta prévia e

participação da sociedade.

Certo é que, se possível fosse tal mudança e abertura do Judiciário, o

processo se tornaria mais democrático, repercutindo no universo dos indivíduos

como verdadeiro instrumento capaz de refletir as opiniões e vontades dos seus

destinatários.

3.3.4.3

A PONDERAÇÃO DOS INTERESSES EM JOGO – ALEXY

A solução para a resolução de conflitos normativos buscando a afirmação

do valor máximo constitucional – a dignidade da pessoa humana – talvez esteja na

técnica de ponderação de interesses, ou da proporcionalidade.

Para Alexy, princípios e regras são espécies do gênero norma jurídica,

que, por sua vez, é o significado de um enunciado que traduz “o que deve ser” de

uma sociedade. O que os diferencia é a graduação de qualidade69.

Partindo-se do pressuposto de que, segundo a teoria de Alexy70, as

normas-princípios são mandados de otimização, que podem ser cumpridos em

graus diferentes, dependendo somente das possibilidades jurídicas e reais, no caso

de haver conflitos ou tensões entre direitos fundamentais, a solução será a

hierarquização dos princípios conflitantes por meio da ponderação racional e

argumentativa, identificando-se aqueles de maior ou menor peso no caso concreto

em questão.

69ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales, cit., p. 83 e 86. 70ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica (Theorie der juristischen argumentation).

Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. São Paulo: Landy, 2001, p. 269.

84

Tal técnica consiste em se descobrir qual dos valores conflitantes e

sopesados respeita com maior abrangência o princípio da dignidade da pessoa

humana, além do importante critério de afirmação dos valores constitucionais.

Segundo Alexy, a ponderação ou “[...] o balanceamento é uma parte do

que é requerido por um princípio mais abrangente (comprehensive). Esse princípio

mais abrangente é o princípio da proporcionalidade

(‘Verhaltnismassgkeitsgrundsatz’)”71.

Ainda para Alexy,

Quando dois princípios entram em colisão, um dos princípios tem que ceder ao outro, tal como é o caso quando segundo um princípio algo está proibido e, segundo outro princípio, está permitido. Esta colisão de princípios seria resolvida “en la dimensión del peso”, por meio da denominada ponderação dos interesses opostos, que trata da ponderação de qual dos interesses, abstratamente do mesmo nível, possui maior peso no caso concreto.72

No seu entendimento, deve-se recorrer necessariamente ao terreno dos

valores, uma vez que há que se ponderar os interesses ou bens confrontados ou

afetados conforme o ideal de justiça, ou ainda entre os interesses individuais e os

estatais, no caso concreto, operação pela qual se poderá conceber se o meio se

encontra em razoável proporção com o fim desejado.

Assim, ponderação racional é aquela feita com base em enunciados

prioritários, como a intenção original do legislador, as conseqüências sociais

maléficas e benéficas da decisão, as opiniões dogmáticas e a jurisprudência,

fundamentados racionalmente. Contudo, essa prioridade não é absoluta, mas

condicionada ao caso concreto e desde que indicadas as condições sob as quais

um princípio precede o outro73.

A CRFB/1988, ao consignar a absoluta prioridade da efetivação dos

direitos fundamentais das crianças e adolescentes74 sobre os direitos de outras

pessoas, não previu a possibilidade de conflitos entre princípios.

71ALEXY, Robert. Direitos constitucionais, balanceamento e racionalidade. Ratio Juris. Oxford,

V. 16, n. 2, p. 5, jun. 2003 (Tradução para uso interno: Prof. Dr. Menelick de Carvalho Netto). 72ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales, cit., p. 89-90. 73Ibid., p. 90 e 159. 74No campo dos direitos fundamentais de proteção à criança e ao adolescente, a matéria, como

estudado nos capítulos anteriores, regula-se pelo artigo 227, caput, da CRFB/1988, que determina que a família, a sociedade e o Estado devem assegurar à população infanto-juvenil, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à

85

Em seu artigo 1º, a CRFB/1988 apresenta, como um dos fundamentos do

Estado Democrático de Direito, o macroprincípio da dignidade da pessoa humana,

sustentado por vários outros direitos fundamentais – dentre eles, os expressos no

artigo 6º, como a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a

previdência social, a proteção à maternidade e à infância, além da assistência aos

desamparados.

Conjugados todos os princípios, e dependendo do caso concreto e dos

indivíduos envolvidos – se crianças, adolescentes, adultos ou idosos –, certamente

haverá a possibilidade de entrechoques de alguns desses princípios.

Mister anotar que as crianças e os adolescentes, por se encontrarem em

situação peculiar de desenvolvimento – condição inerente aos seres humanos – e

por representarem, no Brasil, cerca de 35,9% da população75, merecem, além da

proteção integral, absoluta prioridade.

A prioridade absoluta da criança e do adolescente deve orientar toda a

interpretação principiológica e da legislação infraconstitucional a ser observada

pelo interprete e até mesmo pelo poder público. Assim, a atuação da

Administração Pública76 fica restrita à efetividade dos direitos das crianças e dos

adolescentes diante da sua primazia, não excluindo, porém, os direitos

fundamentais dos outros titulares, maiores de 18 anos.

profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além do dever de garantia de segurança contra toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, garantias estas dispostas também no artigo 4º do ECA.

75Sobre a infância e adolescência no Brasil ver: INSTITUTO CULTIVA. Infância e adolescência no Brasil. Disponível em: <http://www.cultiva.org.br/pdf/Infância _SIND%20UTE.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2007.

76Questão importante é a do papel do administrador público, que deverá administrar para a toda a população brasileira, segundo os Princípios da Administração Pública dispostos no artigo 37, caput da Carta Magna – dentre eles, os da moralidade e da eficiência, direcionando o que melhor atender à população brasileira, composta não só por crianças e adolescentes, mas também por adultos e idosos. Quando da implementação de políticas públicas de assistência e de efetividade dos direitos da criança e do adolescente, a ponderação deverá ser feita mediante a situação concreta: Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil [1988], cit.).

86

Conclui-se, portanto, que a absoluta prioridade dos direitos da população

infanto-juvenil é ponderada, podendo, em relação a algum direito fundamental da

pessoa maior de 18 anos, ter seu grau de aplicação diminuído.

Entre atender a uma pequena parcela da população e atender à população

inteira, incluindo as crianças e os adolescentes, deverá o administrador fazê-lo em

prol de toda a coletividade.

Lado outro, em não havendo possibilidade de atendimento a todos, diante

de insuficiência de verbas, por exemplo, deve-se optar pela absoluta prioridade da

criança e do adolescente.

A seu turno, Marcelo de Souza Moura, discorrendo sobre a possibilidade

de conflito, afirma:

[...] abre-se espaço para uma discussão, pois existe a possibilidade do conflito entre a expectativa de implementação de políticas públicas que concretizem os direitos fundamentais dos seres humanos em processo de desenvolvimento, representada pelo Princípio da Absoluta Prioridade, e a expectativa de concretização dos direitos fundamentais dos maiores de 18 anos, que garantem uma existência humana digna.

A questão levantada se mostra mais preocupante quando observamos a realidade fática de um País como o Brasil, em que as desigualdades sociais são tão extremas, que dificultam a decisão de como, quanto e onde aplicar recursos públicos, uma vez que não se pode negar uma existência digna a ninguém, seja criança, adolescente, adulto ou idoso.77

Analisando a CRFB/1988, Alexy chamou de colisão de direitos

fundamentais a situação que ocorre quando o exercício ou a realização de um

direito fundamental acarreta conseqüências negativas sobre outros titulares de

direitos fundamentais78.

Diante do exposto, verifica-se que o princípio da dignidade da pessoa

humana e a absoluta prioridade podem ser aplicados em graus diferentes,

dependendo das possibilidades jurídicas e reais.

77MOURA, Marcelo de Souza. O princípio da absoluta prioridade dos direitos de crianças e adolescentes e a dignidade humana dos maiores de 18 anos. Análise da solução de conflitos de princípios fundamentais sob o enfoque de Robert Alexy. Jus Navigandi. Teresina, ano 10, n. 1.193, 7 out. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br /doutrina/texto.asp?id=9011>. Acesso em: 22 jan. 2008.

78ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas / Atlas, n. 217, p. 67-79, 1999, p. 68.

4

CONCLUSÃO

Os avanços técnico-científicos, aliados à evolução natural do próprio

homem, foram responsáveis pela construção de novos valores, cujos alicerces

estão no princípio da dignidade humana, valor fundante de todo o ordenamento

jurídico.

No Estado Democrático de Direito, os direitos fundamentais, declarados e

assegurados, são positivados pelos cidadãos, co-autores do Direito que rege

aquele Estado por eles organizado – ou seja, são direitos advindos da soberania do

povo.

Desta feita, no Estado Democrático de Direito, os indivíduos não são

apenas destinatários das leis, mais sim co-autores, pois a legislação advém do

consenso discursivamente estabelecido ou da vontade da maioria, estabelecida

através do regime democrático, cujas condições de possibilidade são o princípio

da liberdade e o princípio da igualdade.

André Cordeiro Leal, citando Müller, afirma:

No Estado Democrático de Direito, o jurista não pode brincar de pretor romano. Os poderes “executantes” [ausführenden] Executivo e Judiciário não estão apenas instituídos e não são apenas controlados conforme o Estado de Direito; estão também comprometidos com a democracia.1

A família deixou de constituir mero núcleo econômico e de reprodução –

concepção tradicional de família – para ser centro de promoção da vida,

solidificada na solidariedade, na igualdade, no afeto, como pressupostos de

desenvolvimento de cada um de seus membros.

Desta maneira, a legislação deve acompanhar a evolução da sociedade e,

conseqüentemente, dos arranjos familiares, porquanto, como fruto da cultura, a

família é constantemente reinventada, para propiciar a seus membros o alcance da

felicidade.

1MULLER, Friedrich, 2000 apud LEAL, André Cordeiro. O contraditório e a fundamentação das

decisões no Direito Processual democrático. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p. 106.

88

Como visto, a proteção especial para a infância apresenta-se presente na

Declaração dos Direitos da criança, de Genebra, 1924, apontando “a necessidade

de proclamar à criança uma proteção integral”2; na Declaração Universal dos

Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, de 1948, explicitando “o

direito a cuidados e assistência especiais”3 e na Declaração Universal dos Direitos

da Criança, de 1959, com a consagração do princípio de atendimento do “interesse

superior da criança”4.

Na América Latina, realizou-se, em 1969, a Convenção Americana sobre

os Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, ratificado

pelo Brasil somente vinte anos depois por meio do Decreto n. 678, de novembro

de 1992.

A partir dos debates sobre a definição dos direitos universais para

crianças, e considerando o multiculturalismo, foi aprovada, em 1989, a

Convenção Internacional dos Direitos da Criança, marco fundamental na proteção

da infância, uma vez que instituiu as normas a serem adotadas pelos países

signatários. O Brasil ratificou essa Convenção, em 1990, através do Decreto n.

99.710/905, incorporando ao ordenamento jurídico brasileiro o princípio do

melhor interesse da criança e norteando a elaboração de legislação concernente à

infância.

A Convenção Internacional dos Direitos da Criança preocupou-se em

proteger os direitos fundamentais com absoluta prioridade, conduzindo-os a uma

situação de destaque no cenário internacional.

Desta feita, na esfera do Direito interno, as garantias infanto-juvenis

consagradas internacionalmente continuam sendo respeitadas, conforme disposto

no artigo 5º, parágrafo 2º da CRFB/1988, que dispõe expressamente que os

2A Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança foi aprovada em 26 de setembro de 1924

pela Liga das Nações, que mais tarde se transformaria na ONU. 3ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos, cit. 4ONU. Declaração Universal dos Direitos da Criança, cit. 5Tânia da Silva Pereira, referindo-se ao artigo 3.1 do Decreto no 99.710/90 – que difere do texto

original em inglês, na medida em que consta um conceito quantitativo: “o interesse maior da criança”, em lugar do conceito qualitativo “the best interest” –, esclarece a opção pelo conceito qualitativo “considerando-se o conteúdo da Convenção, assim como a orientação constitucional e infraconstitucional adotada pelo sistema jurídico brasileiro” (PEREIRA, Tânia da Silva. O melhor interesse da criança, cit., p. 5-6).

89

direitos e garantias ali protegidos “não excluem os dos tratados internacionais em

que a República Federativa do Brasil seja parte”6.

O princípio da dignidade da pessoa humana, presente no artigo 227 da

CRFB/1988, traçou novo eixo fundamental da família, agora democrática,

fundada na proteção igualitária de seus membros, especialmente a criança e o

adolescente, “a quem incumbe à família, à sociedade e ao estado conferir proteção

integral e prioridade absoluta”7.

A mudança de paradigmas no que se refere à proteção da população

infanto-juvenil, em decorrência da valorização da criança e do adolescente como

sujeitos de direitos e destinatários de inúmeros documentos internacionais, de

muitos dos quais o Brasil é signatário, representa a preocupação mundial de

construção de um ordenamento jurídico baseado em valores e princípios

democráticos, igualitários, solidaristas e humanistas.

A aceitação, o respeito e a compreensão do outro como sujeito de direitos

favorece o diálogo interativo e diminui as tensões e os conflitos, possibilitando a

renovação dos espaços de convivência.

A família deve ser o espaço privilegiado de realização de sonhos, de

desejos, de construção dos laços afetivos e de uma sociedade justa e solidária,

onde o convívio entre as gerações possa ser fonte de troca de experiências e de

tradições, de forma a fortalecer os laços de afetividade entre os indivíduos.

A presença dos familiares e dos demais indivíduos ligados à criança e ao

adolescente por laços de afetividade é imprescindível para o fortalecimento da

socialização e dos vínculos afetivos, privilegiando a solidariedade humana como

valor humano e social.

Assim, a solidariedade, a tolerância e o respeito ao outro possibilitam a

convivência harmônica e o equilíbrio nas relações entre os cidadãos.

Por certo, o Direito de Família objetiva o alcance, sempre que possível,

dos valores familiares, mantendo unidas aquelas pessoas que apresentam entre si

vínculos de parentesco ou de afetividade. Contudo, deve o julgador atentar para

6BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, cit. 7FARIA, Cristiano Chaves de. Prisão civil por alimentos e a questão da atualidade da dívida. In:

PEREIRA, Tânia da Silva: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Colab.). A ética da convivência familiar: sua efetividade no cotidiano dos tribunais. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 31.

90

que, no esforço de conservar essas relações, não cause traumas nem crie

sacrifícios para os envolvidos. O carinho, o afeto e o respeito que se espera

encontrar nas relações familiares são sentimentos não impostos aos indivíduos,

mas conquistados e construídos, que cabe ao Direito garantir e proteger.

5

REFERÊNCIAS

ALEXY, Robert. Colisão de direitos fundamentais e realização de direitos fundamentais no Estado de Direito Democrático. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas / Atlas, n. 217, p. 67-79, 1999.

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