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Debates em Direito Público Revista de Direito dos Advogados da União ano 7 - n. 7 - outubro de 2008 RDDP_7.pmd 10/10/2008, 14:38 1

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Debates em Direito PúblicoRevista de Direito dos Advogados da União

ano 7 - n. 7 - outubro de 2008

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Titular:Titular:Titular:

Suplente:Suplente:

Diretoria da ANAUNI - Biênio 2007/2009

Cristiano Soares Barroso MaiaMarcos Fujinami HamadaZany Estael Leite JúniorLyts de Jesus SantosMárcio Amaral de Souza

Conselho de Ética, Disciplina e Prerrogativas da ANAUNI - Biênio 2007/2009<[email protected]>

Presidente:Membro:Membro:Membro:Membro:

Max Casado de MeloKarla Simões Nogueira VasconcelosLourival May ChulaPolyana Rodrigues de Almeida LimaValkiria Silva Santos

Conselho Editorial

Luís Henrique Martins dos Anjos (Presidente)Marcelo Ribeiro do Val (Coordenador)

Milton Nunes Toledo Junior (Coordenador)José Mauro de Lima O de Almeida

José Tadeu Neves XavierLena Barcessat Lewinski

Luciano Medeiros de Andrade BicalhoMarco Aurélio Ventura PeixotoReinaldo de Souza Couto Filho

Sandra Marques Magalhães

DEBATES EM DIREITO PÚBLICOREVISTA DE DIREITO DOS ADVOGADOS DA UNIÃOano 7 - n. 7 - ISSN 1677-8146Brasília – outubro de 2008Periodicidade: semestralTiragem: 2.000 exemplaresEdição: Associação Nacional dos Advogados da UniãoCLSW 303 – Bloco “B” – Sala 55 – Ed. Rhodes Center IIISetor Sudeste - CEP 70673-622 – Brasília/DF

Conselho Fiscal da ANAUNI - Biênio 2007/2009<[email protected]>

José Wanderley Kozima <[email protected]>Max Casado de Melo <[email protected]>André Augusto Dantas Motta AmaralVitor Pierantoni Campos <[email protected]>Milton Nunes Toledo JúniorRogério Telles Correia das Neves <[email protected]>Juliana Corbacho Neves dos SantosLuciana Tavares de Menezes <[email protected]>Marcelo Ribeiro do ValTania Patrícia de Lara Vaz <[email protected]>André Gustavo de SouzaRodrigo Cunha Veloso <[email protected]>Waldemir Ferrarez da CunhaFrancisco Alexandre Colares Melo Carlos <[email protected]>Eduardo Girão Câmara do ValeJosé Nilson Carneiro Albuquerque Filho <[email protected]>Luís Henrique Martins dos Anjos <[email protected]>

Presidente:Vice-Presidente:

Secretário-Geral:Adjunto:

Diretor Financeiro:Adjunto:

Diretor Administrativo:Adjunto:

Diretor de Atividades Legislativas:Adjunto:

Diretor Jurídico:Adjunto:

Diretor de Comunicação:Adjunto:

Diretor Social:Adjunto:

Coordenador Científico:

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Sumário

Apresentação ................................................................................................................ 7

Parte I - Advocacia Pública

Parecer sobre a exclusividade das atribuições da carreira deAdvogado da UniãoMaria Sylvia Zanella Di Pietro ................................................................................ 11

1 Da consulta ...................................................................................................... 112 P arecer .............................................................................................................. 142.1 A Advocacia-Geral da União como função essencial à Justiça .......................... 142.2 A AGU na função de consultoria jurídica ......................................................... 192.3 Da posição da Advocacia-Geral da União na organização administrativa ......... 222.4 Do Advogado-Geral da União .......................................................................... 242.5 Dos membros da AGU ..................................................................................... 253 Resposta aos quesitos ...................................................................................... 32

As Procuradorias da União na viabilização das políticas públicasLuís Henrique Martins dos Anjos ........................................................................... 37

Introdução ....................................................................................................... 371 Advocacia Pública como instituição republicana .............................................. 372 Atuação na defesa da probidade administrativa e na recuperação do

patrimônio público .......................................................................................... 403 Atuação na economia dos recursos públicos .................................................... 434 Atuação diretamente na implantação das políticas públicas ............................ 485 Atuação preventiva e organizacional ............................................................... 53

Conclusão ........................................................................................................ 55

Parte II - Probidade Administrativa

A função consultiva da Advocacia-Geral da União na prevenção dacorrupção nas licitações e contratações públicasAngélica Moreira Dresch da Silveira ...................................................................... 59

Introdução ....................................................................................................... 601 Os Núcleos de Assessoramento Jurídico (NAJS) na estrutura institucional

da Advocacia-Geral da União (AGU) ................................................................ 622 A corrupção nas licitações e contratações públicas: o direcionamento da

licitação, o superfaturamento de preços e o fracionamento de despesa ........... 642.1 Direcionamento da licitação ............................................................................ 662.2 Superfaturamento ............................................................................................ 672.3 Fracionamento de despesa como forma de manipulação da licitação e

das contratações diretas .................................................................................. 803 Corrupção na execução contratual: as fraudes na subcontratação e na

fiscalização ...................................................................................................... 83

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3.1 Subcontratação ............................................................................................... 843.2 A fiscalização dos contratos ............................................................................. 85

Conclusão ........................................................................................................ 87Referências ...................................................................................................... 90

Ação de improbidade administrativa e a penalização concomitante como crime de responsabilidadeErico Ferrari Nogueira ............................................................................................. 93

1 Introdução ....................................................................................................... 932 Conceito de improbidade e fonte ..................................................................... 933 Atos de improbidade e sanções ....................................................................... 944 Elementos constitutivos do ato de improbidade............................................... 944.1 Sujeito passivo de ato de improbidade ............................................................. 944.2 Sujeito ativo de ato de improbidade ................................................................ 955 Natureza do ilícito de improbidade .................................................................. 966 Da ação de improbidade .................................................................................. 987 Breve anotação sobre crime de responsabilidade ............................................. 998 Improbidade e responsabilidade: institutos diferentes? .................................. 1019 Possibilidade de responsabilização concomitante ........................................... 10210 Conclusão ...................................................................................................... 106

Referências .................................................................................................... 107

Probidade na Administração da Justiça e na Advocacia Pública:o princípio da eficiência processualHomero Andretta Junior ....................................................................................... 109

Introdução ..................................................................................................... 109A razoável duração do processo e as reformas do CPC e do CPP .................... 110A lei de improbidade administrativa e atividade jurisdicional ......................... 112Advocacia Pública, economia processual e probidade na Administraçãoda Justiça ....................................................................................................... 113O princípio da eficiência processual enquanto princípio da Administraçãoda Justiça ....................................................................................................... 115Conclusão ...................................................................................................... 117Referências .................................................................................................... 118

Responsabilidade dos agentes políticos: crimes de responsabilidadee atos de improbidade administrativaRodrigo de Souza Aguiar ...................................................................................... 119

1 Introdução ..................................................................................................... 1192 Da responsabilidade dos agentes públicos – Evolução histórica ..................... 1223 Conceitos operacionais .................................................................................. 1293.1 Agentes políticos ........................................................................................... 1293.2 Crimes de responsabilidade ............................................................................ 1313.3 Ato de improbidade administrativa ................................................................ 1334 Responsabilização dos agentes políticos: convivência do sistema de

improbidade administrativa com o de crimes de responsabilidade ................. 1364.1 Compreensão do tema................................................................................... 1364.2 Convivência dos sistemas de responsabilidade política e por ato de

improbidade administrativa ........................................................................... 139

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4.2.1 Perspectivas do Direito Constitucional positivo ............................................... 1444.2.2 Análise das normas infraconstitucionais ......................................................... 1484.2.3 Perspectivas doutrinárias ................................................................................ 1524.2.4 Análise da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal .................................. 1595 Conclusões ..................................................................................................... 164

Referências .................................................................................................... 167

Ação Civil Pública por Ato de Improbidade AdministrativaCarlos Eduardo Oliveira Lima, Marcelo Eugênio Feitosa Almeida,Rodrigo Cunha Veloso .......................................................................................... 171

Parte III - Patrimônio Público

O dano à imagem do Estado brasileiroEwerton Marcus de Oliveira Góis ........................................................................ 193

1 Introdução ..................................................................................................... 1932 A pessoa jurídica como titular de direitos fundamentais ................................ 1933 Os direitos fundamentais e a proteção à imagem estatal ............................... 1954 O papel da Advocacia-Geral da União ........................................................... 1965 Conclusão ...................................................................................................... 198

Referências .................................................................................................... 199

Terrenos de marinha: por que a tentativa de extingui-los é um ataque aopatrimônio público e ao meio ambiente?José Mauro de Lima O’ de Almeida ..................................................................... 201

1 Introdução ..................................................................................................... 2012 A evolução histórica da ocupação dos terrenos de marinha

no Brasil ......................................................................................................... 2023 Terrenos de marinha: sua importância para as cidades e o ataque a

sua existência ................................................................................................. 2054 Conclusão ...................................................................................................... 210

Referências .................................................................................................... 211

O poder público como consumidor na defesa de seu patrimônioJosé Ricardo Britto Seixas Pereira Júnior ............................................................ 213

1 Introdução ..................................................................................................... 2132 Aplicabilidade do CDC aos entes públicos ...................................................... 2132.1 O dano moral às pessoas jurídicas de direito público ..................................... 2172.2 A inversão do ônus da prova ......................................................................... 2173 Conclusão ...................................................................................................... 218

Referências .................................................................................................... 219

Dos terrenos marginais da União: conceituação a partir daConstituição Federal de 1988Marcos Luiz da Silva .............................................................................................. 221

Introdução ..................................................................................................... 221Bens públicos. Os terrenos marginais da União .............................................. 223Os terrenos marginais da União na legislação infraconstitucional .................. 224A evolução constitucional da matéria ............................................................ 225

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O conceito de terrenos marginais após a Constituição Federal de 1988 ......... 228Conclusões ..................................................................................................... 231Referências .................................................................................................... 232

Parecer sobre ressarcimento ao erário dos valores referentes a aluguéisLuciano Medeiros de Andrade Bicalho ............................................................... 233I Relatório ........................................................................................................ 233II Da residência de servidor federal em imóvel da União ................................... 234III Do pagamento ............................................................................................... 236IV Da apuração de responsabilidades ................................................................. 245V Da ausência de página do processo ............................................................... 247VI Conclusão ...................................................................................................... 247

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Apresentação

Debates em Direito Público, a Revista dos Advogados da União, chega aoseu sétimo ano de existência. A partir deste número 7, o periódico passa acontar com um Conselho Editorial amplamente remodelado. Seguindo otrabalho dos antecessores que muito bem conduziram a publicação até aqui,essa nova equipe pretende renovar a linha editorial da revista, sem perdera qualidade já conquistada.

Para tanto, procurou-se manter o visual inovador das últimas edições,buscando uma identificação ainda maior com o principal evento da Associação,que neste ano realiza o IX Encontro Nacional dos Advogados da União emconjunto com o V Seminário Nacional sobre a Advocacia de Estado, abordandoa temática da Advocacia de Estado e o combate à corrupção. Desta forma, oconteúdo desta edição está focado nos temas pertinentes a Advocacia Pública,Probidade Administrativa e Patrimônio Público.

Publicamos neste número parecer da Dra. Maria Sylvia Zanella Di Pietro,autora convidada especialista na temática, sendo o texto inédito, o que muitonos orgulha. E como não poderia deixar de ser, publicamos artigos e peçasjurídicas dos Advogados da União entre os muitos trabalhos já consagradosdos membros de nossa carreira.

Para o êxito ser completo dessa nova fase editorial da nossa revista, essapassa a ser publicada semestralmente, com a parceria inestimável da EditoraFórum, especializada no Direito Público, além de se tornar mais um canal deintegração com a Advocacia Pública estrangeira, em especial a européia.

Forte abraço,

Luís Henrique Martins dos AnjosPresidente do Conselho Editorial

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Parte IAdvocacia Pública

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11Parecer sobre a exclusividade das atribuições da carreira de Advogado da União

Parecer sobre a exclusividade dasatribuições da carreira de Advogadoda UniãoMaria Sylvia Zanella Di Pietro

Interessado: Associação Nacional dos Advogados da UniãoAssunto: Advocacia da União. Previsão constitucional entre as funçõesessenciais à justiça. Exercício de atividades privativas, vedadas a quemnão seja membro efetivo da instituição. Impossibilidade de subordinaçãohierárquica das Consultorias Jurídicas aos Ministérios para finsinstitucionais.

Sumário: 1 Da consulta - 2 Parecer - 2.1 A Advocacia-Geral da Uniãocomo função essencial à Justiça - 2.2 A AGU na função de consultoriajurídica - 2.3 Da posição da Advocacia-Geral da União na organizaçãoadministrativa - 2.4 Do Advogado-Geral da União - 2.5 Dos membros daAGU - 3 Resposta aos quesitos

1 Da consultaA Associação Nacional dos Advogados da União formula os

seguintes quesitos envolvendo questões pertinentes à posição da Advo-cacia-Geral da União (AGU) no âmbito do Poder Executivo, a inde-pendência da instituição, os direitos dos integrantes da carreira deAdvogado da União, a exclusividade de suas atribuições e outras questõespertinentes:

Quesito nº 1Tendo em vista que a AGU se insere no âmbito do Poder Executivo

e, ao mesmo tempo, está prevista, na Constituição Federal, como umadas funções essenciais à Justiça, questiona-se:

a) Considerando o sistema de repartição de Poderes, a AGU estáinserida especificamente em algum dos Poderes da República?

b) Qual a razão de constar dentre as funções essenciais à Justiça?c) Para cumprir o seu papel constitucional, a AGU e o Advogado-

Geral da União podem estar hierarquicamente subordinadosa algum dos Poderes da República ou submetidos às decisõespolíticas de governo?

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12 Maria Sylvia Zanella Di Pietro

d) Há necessidade de uma autonomia e/ou de uma eqüidistânciapolítico-administrativa e financeira entre a AGU e os três Poderespara que possa desempenhar o mister constitucional que lhe foioutorgado, ainda que inserida (geograficamente) no âmbito deapenas um dos Poderes?

e) Consideradas as respostas anteriores, bem como levando em contaos artigos 52, inciso II, e 131, §1º, da Constituição da República,poder-se-ia equiparar o Advogado-Geral da União a Ministro deEstado? Pode, portanto, ser exonerado “ad nutum” pelo Chefede Poder que o nomeou?

Quesito nº 2A ausência de vedação legal ou lei pode permitir que membros

ou chefes de qualquer dos Poderes da União outorguem o exercício dasfunções (exclusivas) cometidas à AGU a particulares contratados ou apessoa investida em cargos em comissão, ainda que da AGU, ou seja,fora aqueles previstos nos §§1º e 2º do artigo 131 da ConstituiçãoFederal?

Quesito nº 3A Advocacia-Geral da União representa uma Procuratura Consti-

tucional. Nos moldes preconizados na Constituição Federal, trata-se deuma Advocacia de Estado ou de uma Advocacia de Governo?

Quesito nº 4A Constituição Federal, no artigo 37, II, disciplinou que a regra,

na Administração Pública, é a do concurso público. Todavia, excepcionouos cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.No que tange à AGU, a Constituição Federal trouxe disciplina própria,distinta da prevista no artigo 37, II, rezando, no §2º do artigo 131,que “o ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata esteartigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos”. O §1º do artigo131 determina que o cargo de Advogado-Geral da União é de livrenomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de 35anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Sendo assim,indaga-se:

Diante do tratamento constitucional conferido à AGU, poder-se-ia afirmar que somente o Advogado-Geral da União pode ser pessoaestranha às carreiras da AGU? E quanto aos demais cargos em comissão,

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13Parecer sobre a exclusividade das atribuições da carreira de Advogado da União

previstos na Lei Complementar nº 73/93? Podem ser ocupados apenaspor membros efetivos da instituição ou admitir-se-ia que fossemocupados por pessoas estranhas à instituição?

Quesito nº 5A atividade exercida pela AGU, dentre elas a de controle de lega-

lidade prévio dos atos do Poder Executivo, representação judicial e extra-judicial da União e de representação internacional da República Fede-rativa do Brasil, pode ser atribuída a ocupantes de cargos em comissãopreenchidos por pessoas estranhas à AGU?

Quesito nº 6No âmbito das Consultorias Jurídicas dos Ministérios, em razão

da subordinação administrativa preconizada pelo artigo 11 da Lei Com-plementar nº 73/93, os cargos em comissão pertencem à Pasta Gover-namental e não à AGU. Estes cargos são de Assistente (DAS 102.2),Coordenador (DAS 101.3), Coordenador-Geral (DAS 101.4) e ConsultorJurídico (DAS.101.5). De todos esses cargos em comissão, que são dosMinistérios, somente o cargo de Consultor Jurídico tem previsão na LeiComplementar nº 73/93, como integrante da AGU (art. 2º, §5º). Assimsendo, pergunta-se:

a) É constitucional a previsão da Lei Complementar nº 73/93 deocupação do cargo de Consultor Jurídico, que é o chefe da Con-sultoria Jurídica, por quem não seja Advogado da União?

b) A Lei Complementar nº 73/93, ao dispor que à Consultoria-Geral da União incumbe aprovar os editais de licitação e con-tratos administrativos, possibilita que terceiros, não integrantesdas carreiras da AGU, pratiquem tais atos?

c) É constitucional a nomeação de pessoas estranhas à carreirde Advogado da União para ocupar os demais cargos citados(Assistente, Coordenador, Coordenador-Geral), quando a pró-pria Lei Complementar nº 73/93 não os prevê como sendomembros da AGU?

Quesito nº 7Tendo o artigo 20 da Lei Complementar nº 73/93 previsto as car-

reiras de Advogado da União e de Procurador da Fazenda Nacional(considerando-se que os cargos de assistente jurídico foram transfor-mados em cargos de Advogado da União pelo artigo 11 da Lei nº 10.549/2002) como membros da Advocacia-Geral da União, indaga-se:

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14 Maria Sylvia Zanella Di Pietro

a) As funções constitucionais da AGU somente podem ser exercidaspelos integrantes dessas carreiras?

b) O exercício das funções da AGU por quem não é membro efe-tivo da instituição configura usurpação de função pública? Oexercício dessas funções constitucionais por outras carreiras daAdministração Pública Federal configura usurpação de funçãopública e/ou desvio de função?

Quesito nº 8a) Os pareceres e notas elaborados por pessoas estranhas aos qua-

dros de membros efetivos da AGU no âmbito das ConsultoriasJurídicas não implicam usurpação da competência prevista noartigo 11 da Lei Complementar nº 73/93?

b) Tais manifestações são inexistentes, nulas ou anuláveis?Quesito nº 9Tendo em vista que a Constituição Federal não subordinou os

órgãos da AGU a qualquer outro órgão da República, indaga-se:É constitucional o artigo 11 da Lei Complementar nº 73/93, que

subordina administrativamente as Consultorias Jurídicas aos respectivosMinistérios, sendo que as Consultorias Jurídicas, por força do artigo131 da Constituição Federal e artigo 2º, inciso II, “b”, da Lei Comple-mentar nº 73/93, são órgãos da AGU?

Quesito nº 10Se o artigo 45 da Lei Complementar nº 73/93 atribui competência

à AGU para editar o regimento interno de todos os órgãos da AGU, in-clusive Consultorias Jurídicas, é legal a previsão de estrutura administrativae funcional de Consultorias Jurídicas junto a Ministérios por regimentointerno dos respectivos Ministérios, haja vista a subordinação adminis-trativa preconizada no artigo 11 da Lei Complementar nº 11/93?

2 Parecer2.1 A Advocacia-Geral da União como função essencial à Justiça

A Advocacia-Geral da União (AGU) foi instituída pela ConstituiçãoFederal de 1988, no capítulo das Funções Essenciais à Justiça, nosseguintes termos:

Artigo 131 - A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ouatravés de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente,

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15Parecer sobre a exclusividade das atribuições da carreira de Advogado da União

cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organizaçãoe funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico doPoder Executivo.

§1º A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, delivre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trintae cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

§2º O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata esteartigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.

Na Constituição anterior não foi prevista instituição com essadenominação e características. As atribuições que o artigo 131 hoje outor-ga à AGU eram exercidas pelo Ministério Público Federal, Procuradoriada Fazenda Nacional e Consultoria-Geral da República.

Já tivemos oportunidade de escrever sobre a inserção da advocaciapública e privada no capítulo das funções essenciais à Justiça, em artigosobre a autonomia das Procuradorias estaduais, publicado em encarteespecial do jornal APESP EM NOTÍCIA, publicado pela Associação dosProcuradores do Estado de São Paulo, em janeiro de 2002.

Realçamos, então, que, embora a Constituição adote, no artigo2º, o princípio da separação de Poderes, ela prevê, no Título IV, deno-minado de “Organização dos Poderes”, quatro e não três capítulos; ostrês primeiros pertinentes a cada um dos Poderes do Estado e, o quarto,imediatamente seguinte ao que cuida do Poder Judiciário, referente às“Funções Essenciais à Justiça”, nele inserindo o Ministério Público, aAdvocacia-Geral da União, as Procuradorias Estaduais, a DefensoriaPública e a Advocacia. Isto não significa que exista um quarto poder,mas permite inferir que as funções ali referidas são do mesmo nível deimportância que as desempenhadas pelos três Poderes do Estado. Sãoatividades típicas do Estado, merecendo, por isso mesmo, tratamentoconstitucional diferenciado.

Essa qualificação da advocacia, seja pública ou privada, comofunção essencial à Justiça é inteiramente justificável na medida em queos conflitos de interesses têm que ser levados ao Judiciário, necessaria-mente, por meio de advogado, a ele cabendo a tarefa de lutar pela corretaaplicação do Direito.

Seja agindo como profissional liberal, seja agindo como empre-gado da empresa privada, seja como advogado público, ele atua comointermediário entre a parte e o juiz. Precisamente por ser o advogado

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16 Maria Sylvia Zanella Di Pietro

o intermediário obrigatório entre as partes e o juiz, por ser quemfundamenta os pedidos e instrui o processo, é que sua função é consi-derada como serviço público, pelo Estatuto da OAB, e indispensável àadministração da Justiça, pela própria Constituição.

Com efeito, o Estatuto da OAB (Lei nº 8.906, de 4.7.94) preceitua,no artigo 2º, §1º, que “no seu ministério privado, o advogado presta serviçopúblico e exerce função social”. Se o advogado que atua como profissionalliberal, sem vínculo de emprego, presta serviço público, o advogadopúblico presta serviço público duplamente: como advogado sujeito aoEstatuto da OAB, ele presta serviço público, entendido no sentido cons-titucional de função essencial à justiça; como advogado público, quepresta serviço ao Estado, com vínculo empregatício, ele tem um munus amais, pois, além de exercer a advocacia que já é, por si, função essencialà Justiça, ele desempenha a sua atribuição constitucional — a represen-tação judicial da União ou dos Estados, conforme o caso, bem como aconsultoria jurídica e o assessoramento do Poder Executivo; essasatribuições também são incluídas entre as funções essenciais à justiça,mas aí no sentido próprio e técnico da expressão serviço público, entendidocomo atividade que o Estado assume como sua, para atender a necessi-dades públicas sob regime jurídico total ou parcialmente público.

Esse duplo aspecto e a dupla vinculação do Advogado da Uniãoa dois Estatutos (o da OAB e o da Advocacia-Geral da União) podemgerar determinados conflitos de interesses, que exigem maiores garantiasde independência para a instituição e para os seus membros.

Com efeito, vista a advocacia como serviço público, no sentidoassinalado de atividade intermediária entre juiz e parte, na busca dovalor “Justiça”, não diferem em nada o papel do advogado público e doadvogado privado. Ambos exercem função essencial à Justiça.

O advogado público, porém, ao agir como intermediário entre aparte e o juiz, não defende o interesse privado, mas o interesse públicoque ao Estado cabe proteger. E aqui surge uma primeira dificuldadeque freqüentemente o advogado público enfrenta: o interesse públiconem sempre coincide com o interesse da autoridade pública.

Não se pode dizer que o interesse público (entendido como inte-resse da coletividade) seja sempre coincidente com o interesse do apa-relhamento administrativo do Estado; embora o vocábulo “público” seja

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17Parecer sobre a exclusividade das atribuições da carreira de Advogado da União

equívoco, pode-se dizer que, quando utilizado na expressão “interessepúblico”, ele se refere aos beneficiários da atividade administrativa enão aos entes que a exercem. A Administração Pública não é a titular dointeresse público, mas apenas a sua guardiã; ela tem que zelar pela suaproteção. Daí o princípio da indisponibilidade do interesse público.

Se a Administração não é titular dos interesses que administra,ela não pode deles dispor. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira deMello (Curso de Direito Administrativo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006,p. 62), “sendo interesses qualificados como próprios da coletividade — internos aosetor público — não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, porinapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem dis-ponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-lo — o que étambém um dever — na estrita conformidade do que dispuser a intentio legis”.

Daí a distinção entre interesses públicos primários e secundários,feita por Renato Alessi: “Estes interesses públicos, coletivos, cuja satisfação estáa cargo da Administração, não são simplesmente o interesse da Administraçãoentendida como ‘aparato organizativo’, mas o que se chamou de interesse coletivoprimário, formado pelo conjunto de interesses individuais preponderantes em umadeterminada organização da coletividade, enquanto o interesse do aparelhamento(se é que se pode conceber um interesse do aparelhamento unitariamente considerado)seria simplesmente um dos interesses secundários que se fazem sentir na coletividade,e que podem ser realizados somente em caso de coincidência com o interesse coletivoprimário e dentro dos limites de dita coincidência. A peculiaridade da posição daAdministração Pública reside precisamente nisto, em que sua função consiste narealização do interesse coletivo público, primário.”

Em conseqüência, havendo conflito, o interesse público primáriodeve prevalecer sobre o interesse público secundário, que diz respeitoao aparelhamento administrativo do Estado.

Por isso mesmo, é possível afirmar, sem medo de errar, que aAdvocacia da União, no exercício de suas atribuições constitucionais,não atua em defesa do aparelhamento estatal ou dos órgãos governa-mentais, mas em defesa do Estado, pois este é que titulariza o interessepúblico primário.

Ocorre que a Administração Pública é organizada hierarquica-mente em uma relação de coordenação e subordinação entre os váriosórgãos; o chefe do Executivo detém um poder de orientação geral em

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18 Maria Sylvia Zanella Di Pietro

relação aos subordinados; a Advocacia-Geral da União está integradanessa hierarquia apenas sob o ponto de vista da organização adminis-trativa da União. Os integrantes da Advocacia-Geral da União, no exercí-cio de suas atribuições constitucionais, subordinam-se hierarquicamenteao Advogado-Geral da União que, por sua vez, ocupa cargo de livrenomeação, conforme artigo 131, §1º, da Constituição.

Diante disso, fácil é compreender o quanto a inserção da Advo-cacia-Geral da União dentro da organização hierárquica da Admi-nistração Pública pode comprometer a autonomia da instituição e aindependência de seus membros no exercício de sua função de defesado interesse público primário.

Não é por outra razão que o artigo 131 da Constituição, ao atribuirà AGU a representação judicial e extrajudicial da União, bem como aconsultoria jurídica do Poder Executivo, exigiu, no §2º, a organizaçãoem carreira na qual o ingresso dependerá de concurso público de provase títulos. Vale dizer que o próprio legislador constituinte considerouessencial a independência dos integrantes da AGU no exercício de suasfunções, razão pela qual impôs normas precisas de ingresso, com a con-seqüente garantia da estabilidade. Por isso mesmo, contraria frontal-mente o espírito daquele dispositivo constitucional a previsão, em lei,de cargos em comissão a serem preenchidos por pessoas estranhas àscarreiras da Advocacia da União. Essa previsão significa burla ao artigo131 da Constituição.

A independência do advogado é tão relevante que, em algunspaíses, como França, Bélgica e alguns cantões suíços, não se admite apossibilidade de o advogado ser assalariado (cf. Ruy de Azevedo Sodré,apud Francisco Xavier da Silva Guimarães, Questões profissionais da advo-cacia). Segundo esse autor, “independência e subordinação são idéias antagônicasque a legislação daqueles países não tolera; por isso que o advogado subordinado avínculo empregatício não pode postular em juízo”.

No Brasil, onde se adota posição mais liberal, hão de se harmonizaros dois estatutos a que se subordinam os órgãos da Advocacia da União,de tal modo que, ao mesmo tempo em que se inserem na organizaçãoadministrativa da União para fins administrativos, possam exercer aadvocacia pública com a independência necessária e indispensável paraatuar na defesa do interesse público tutelado pela União, e não na defesadas autoridades públicas a que se subordinam.

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19Parecer sobre a exclusividade das atribuições da carreira de Advogado da União

A posição da Advocacia da União e das Procuradorias estaduaisna organização do Estado é idêntica àquela ocupada pelo MinistérioPúblico e pela Defensoria Pública. Nem poderia ser diferente, já quetodas foram incluídas no mesmo título que trata da Organização dosPoderes, no capítulo referente às funções essenciais à Justiça. Todos exer-cem atividade típica de Estado, razão pela qual mereceram tratamentodiferenciado na Constituição.

Aliás, a advocacia pública desempenha algumas funções muitosemelhantes às do Ministério Público, na medida em que dispõe delegitimidade para representar a União na propositura de ações civispúblicas na defesa do patrimônio público e social, do meio ambiente ede outros interesses difusos e coletivos (cf. artigo 5º da Lei nº 7.347, de24.7.85, fundamentado no artigo 129, parágrafo único, da Constituição);também tem legitimidade para a propositura da ação de improbidadeadministrativa, conforme artigo 17 da Lei nº 8.429, de 2.6.92.

Além disso, é indiscutível o papel de controle da AdministraçãoPública desempenhado pela AGU no exercício da atribuição consti-tucional de consultoria jurídica do Poder Executivo.

2.2 A AGU na função de consultoria jurídicaAlém da Consultoria-Geral da União, que colabora com o Advo-

gado-Geral da União no assessoramento jurídico ao Presidente da Repú-blica e que se inclui entre os órgãos de direção superior da AGU (cf.artigos 2º, inciso I, “c”, e 10 da Lei Complementar nº 73/93), incluem-se como órgãos de execução da AGU a Consultoria da União, as ConsultoriasJurídicas dos Ministérios, da Secretaria-Geral e das demais Secretarias daPresidência da República e do Estado-Maior das Forças Armadas (cf. artigo2º, inciso II, “b”, da mesma lei complementar).

O artigo 11 define as atribuições das Consultorias Jurídicas, dentreelas a prevista no inciso V, de “assistir a autoridade assessorada no controleinterno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados oujá efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação”.

Com efeito, a AGU participa ativamente do controle interno quea Administração Pública exerce sobre seus próprios atos. Isto porque,no exercício desse controle, as autoridades socorrem-se da advocaciapública. Esta não age por iniciativa própria. Ela não tem função de

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auditoria, de fiscal da autoridade administrativa. Ela se limita a respondera consultas que lhe são formuladas pelas autoridades, quer sobre atosque ainda vão praticar (e, nesse caso, o controle é prévio), quer sobreatos já praticados, sobre os quais surjam dúvidas quanto à legalidade (e,nesse caso, o controle é posterior).

A regra é que as autoridades administrativas, mesmo quandorevelem inconformismo com a submissão à lei e ao Direito — que muitasvezes constituem entraves aos seus objetivos – consultem a advocaciapública, ainda que a lei não exija sempre essa consulta. Mesmo quandoquer praticar um ato ilícito, a autoridade quer fazê-lo com base em pare-cer jurídico; para esse fim, ela pede e pressiona o órgão jurídico paraobter um parecer que lhe convenha. Ela quer, na realidade, dar aparênciade legalidade a um ato ilegal e, para esse fim, quer refugiar-se atrás deum parecer jurídico, até para ressalvar a sua responsabilidade. O advo-gado público que cede a esse tipo de pressão amesquinha a instituiçãoe corre o risco de responder administrativamente por seu ato.

O papel do advogado público que exerce função de consultorianão é o de representante de parte. O consultor, da mesma forma que ojuiz, tem de interpretar a lei para apontar a solução correta; ele tem deser imparcial, porque protege a legalidade e a moralidade do ato admi-nistrativo; ele atua na defesa do interesse público primário, de que étitular a coletividade, e não na defesa do interesse público secundário,de que é titular a autoridade administrativa.

Por isso mesmo, a atividade de consultoria tem de estar fora dahierarquia administrativa para fins funcionais, ou seja, para desempenharcom independência as suas atribuições constitucionais. Tratando-se decompetência absolutamente exclusiva, a atividade de consultoria afastaqualquer possibilidade de controle por órgãos superiores, ficando o órgãopraticamente fora da hierarquia da Administração Pública, no que dizrespeito à sua função. Ainda que os órgãos consultivos funcionem juntoa Ministérios — já que integram o Poder Executivo -, eles estão fora dahierarquia, não recebem ordens, instruções, para emitir o parecer nesteou naquele sentido. Não se submetem as decisões políticas de governoque sejam emanadas ao arrepio do direito. Quem emite um parecertem absoluta liberdade de apreciar a lei e de dar a sua interpretação. Istoé inerente à própria função que o órgão exerce. Ou ele é independenteou não precisa existir.

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21Parecer sobre a exclusividade das atribuições da carreira de Advogado da União

Note-se que, pelo artigo 11 da Lei Complementar nº 73/93, ficouexpresso que as Consultorias Jurídicas são “órgãos administrativamentesubordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titularesde Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior dasForças Armadas”.

Vale dizer que a própria lei deixa claro que a subordinação é parafins administrativos, o que afasta a subordinação para fins funcionais.Nada impede, no entanto, que também a estrutura administrativa dasConsultorias Jurídicas fique integrada na Advocacia-Geral da União,se assim se entender conveniente para melhor garantir a independênciade tais órgãos no exercício de suas funções. Nesse caso, teria que seralterado o artigo 11 da Lei Complementar nº 73/93.

O ideal seria que se atribuísse à Advocacia-Geral da União e àsProcuradorias Estaduais a mesma autonomia administrativa, financeirae orçamentária de que já desfruta o Ministério Público, também emdecorrência de sua função de controle. Note-se que o artigo 127, §2º,da Constituição assegurou autonomia funcional e administrativa aoMinistério Público, podendo, inclusive, propor ao Poder Legislativo acriação e a extinção de seus cargos e serviços auxiliares, provendo-ospor concurso público de provas ou de provas e títulos, e estabelecer apolítica remuneratória e os planos de carreira. A mesma autonomia nãofoi dada à AGU. Por isso, ela está integrada no Poder Executivo, o quenão significa que, no exercício de suas atribuições, especialmente asconsultivas, esteja sujeita à hierarquia funcional, conforme supra exposto.

No livro Direito Administrativo (São Paulo, 20. ed. 2007, p. 84),repetindo o que já constava das edições anteriores, dissemos o seguintea respeito da relação hierárquica:

Há de se observar que a relação hierárquica é acessória da organização admi-nistrativa. Pode haver distribuição de competências dentro da organizaçãoadministrativa, excluindo-se a relação hierárquica com relação a determinadasatividades. É o que acontece, por exemplo, nos órgãos consultivos que, emboraincluídos na hierarquia administrativa para fins disciplinares, por exemplo,fogem à relação hierárquica no que diz respeito ao exercício de suas funções.Trata-se de determinadas atividades que, por sua própria natureza, são incom-patíveis com uma determinação de comportamento por parte do superiorhierárquico. Outras vezes, acontece o mesmo porque a própria lei atribui umacompetência, com exclusividade, a determinados órgãos administrativos, emespecial os colegiados, excluindo, também, a interferência de órgãos superiores.

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No caso da AGU, especialmente quando em função de consultoria,o órgão escapa à subordinação hierárquica em relação aos Ministérios eoutros órgãos administrativos em que estejam integrados, quer porqueexercem competência exclusiva (que decorre da própria Constituição),quer porque a independência é inerente à função consultiva; não se pode-ria admitir que, para emitir parecer, interpretar as leis e a Constituição,controlar a legalidade de atos administrativos, examinar editais de lici-tações e contratos, estivesse o órgão sujeito a ordens emanadas de autori-dades superiores. Por isso, repita-se, a subordinação é exclusivamentepara fins administrativos.

2.3 Da posição da Advocacia-Geral da União na organizaçãoadministrativaEm consonância com o artigo 131 da Constituição, que previu lei

complementar para disciplinar a organização e o funcionamento da AGU,foi promulgada a Lei Complementar nº 73, de 10.2.93. Ela instituiu aLei Orgânica da Advocacia-Geral da União.

Essa lei definiu, no artigo 2º, a composição da AGU, quecompreende:

I - órgãos de direção superior:a) o Advogado-Geral da União;b) a Procuradoria-Geral da União e da Fazenda Nacional;c) a Consultoria-Geral da União;d) o Conselho Superior da Advocacia-Geral da União; ee) a Corregedoria-Geral da Advocacia da União;II - órgãos de execução:a) as Procuradorias Regionais da União e as da Fazenda Nacional e

as Procuradorias da União e as da Fazenda Nacional nos Estadose no Distrito Federal e as Procuradorias Seccionais destas;

b) a Consultoria da União, as Consultorias Jurídicas dos Ministérios,da Secretaria-Geral e das demais Secretarias da Presidência daRepública e do Estado-Maior das Forças Armadas;

III - órgão de assistência direta e imediata ao Advogado-Geral da União:o Gabinete do Advogado-Geral da União.

Embora o inciso I coloque no mesmo nível os seis órgãos de direçãosuperior, na realidade existe uma hierarquia entre o Advogado-Geral

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23Parecer sobre a exclusividade das atribuições da carreira de Advogado da União

da União e os demais órgãos mencionados no referido inciso, tendo emvista que, nos termos do §1º do mesmo dispositivo, “Subordinam-sediretamente ao Advogado-Geral da União, além do seu gabinete, a Procuradoria-Geral da União, a Consultoria-Geral da União, a Corregedoria-Geral da Advo-cacia-Geral da União, a Secretaria de Controle Interno e, técnica e juridicamente,a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional”.

O Advogado-Geral da União, por sua vez, vincula-se, para fins desupervisão, diretamente ao Chefe do Executivo, consoante estabeleceo artigo 3º, §1º, da Lei Complementar nº 73/93, assim redigido:“O Advogado-Geral da União é o mais elevado órgão de assessoramento jurídicodo Poder Executivo, submetido à direta, pessoal e imediata supervisão do Presidenteda República”. Enquanto a vinculação dos órgãos em geral da União sedá em relação aos Ministérios, o Advogado-Geral da União vincula-sediretamente ao Presidente da República.

Vale dizer que a AGU não está vinculada a qualquer Ministério,podendo-se afirmar que, na estrutura administrativa da União, o Advo-gado-Geral da União coloca-se no mesmo nível que os Ministros deEstado. A conclusão se reforça pela norma do artigo 52, II, da Cons-tituição Federal, que define a competência do Senado Federal para pro-cessar e julgar os agentes políticos por crimes de responsabilidade, colo-cando em pé de igualdade os Ministros do Supremo Tribunal Federal,os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacionaldo Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União.

Pelo artigo 11 da Lei Complementar nº 73/93, as ConsultoriasJurídicas são órgãos administrativamente subordinados aos Ministros deEstado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presi-dência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas.

Por outro lado, o artigo 45 da mesma lei determina que “o Regi-mento Interno da Advocacia-Geral é editado pelo Advogado-Geral da União,observada a presente Lei Complementar”. O §1º do mesmo dispositivo esta-belece que o Regimento Interno deve dispor sobre a competência, aestrutura e o funcionamento de todos os órgãos da AGU, inclusive dasConsultorias Jurídicas.

Diante disso, fica a pergunta: como conciliar a regra do artigo 11,que subordina as Consultorias Jurídicas aos Ministros de Estado e outras

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autoridades expressamente mencionadas, com a regra do artigo 45, queoutorga à AGU a competência para definir a competência, a estrutura eo funcionamento das Consultorias, por meio de Regimento Interno?

Na realidade, a subordinação das Consultorias Jurídicas aos Mi-nistérios, como já realçamos, se dá apenas para fins estritamente admi-nistrativos; por isso, nada impede que, no que diz respeito aos servidoresque exercem atividade-meio, puramente administrativa, a organizaçãoseja exercida pelo Ministério. O próprio artigo 11 diz que a subordinaçãose dá apenas administrativamente.

No que diz respeito à atividade-fim, privativa das carreiras da AGU,a competência para a organização cabe ao Advogado-Geral da União,por meio de Regimento Interno. Inclusive quanto aos procedimentos admi-nistrativos concernentes aos trabalhos jurídicos, a competência para asua disciplina incumbe ao Advogado-Geral da União, por força do §3ºdo artigo 45.

2.4 Do Advogado-Geral da UniãoEm consonância com o artigo 131 da Constituição, que previu

lei complementar para disciplinar a organização e o funcionamento daAGU, foi promulgada a Lei Complementar nº 73, de 10.2.93. Ela instituiua Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União.

Foi visto que essa lei definiu, no artigo 2º, a composição da AGU,que compreende órgãos de direção superior (inciso I) e órgãos deexecução. Dentre os órgãos de direção superior estão previstos o Advo-gado-Geral da União, a Procuradoria-Geral da União e da FazendaNacional, a Consultoria-Geral da União, o Conselho Superior da Advo-cacia-Geral da União e a Corregedoria-Geral da Advocacia da União.

Embora o inciso I coloque no mesmo nível os seis órgãos de direçãosuperior, na realidade existe uma hierarquia entre o Advogado-Geralda União e os demais órgãos mencionados no referido inciso, tendo emvista que, nos termos do §1º do mesmo dispositivo, “Subordinam-sediretamente ao Advogado-Geral da União, além do seu gabinete, a Procuradoria-Geral da União, a Consultoria-Geral da União, a Corregedoria-Geral da Advo-cacia-Geral da União, a Secretaria de Controle Interno e, técnica e juridicamente,a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional”.

O Advogado-Geral da União, por sua vez, vincula-se diretamentepara fins de supervisão, ao Chefe do Executivo, consoante estabelece

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o artigo 3º, §1º, da Lei Complementar nº 73/93, assim redigido: “OAdvogado-Geral da União é o mais elevado órgão de assessoramento jurídico doPoder Executivo, submetido à direta, pessoal e imediata supervisão do Presidenteda República”. Nota-se que o dispositivo não fala em subordinação masem supervisão, entendendo-se a palavra no sentido em que é utilizadanos artigos 19 a 26 do Decreto-lei nº 200, de 25.2.1967, ou seja, nosentido de controle.

Vale dizer que a AGU não está vinculada a qualquer Ministério,podendo-se afirmar que, na estrutura administrativa da União, o Advo-gado-Geral da União coloca-se no mesmo nível que os Ministros deEstado. A conclusão se reforça pela norma do artigo 52, II, da Cons-tituição Federal, que define a competência do Senado Federal paraprocessar e julgar os agentes políticos por crimes de responsabilidade,colocando em pé de igualdade os Ministros do Supremo Tribunal Federal,os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacionaldo Ministério Público, o Procurador-Geral da República e o Advogado-Geral da União.

Nos termos do artigo 131, §1º, da Constituição, o Advogado-Geralda União ocupa cargo de livre nomeação pelo Presidente da Republica.A norma é repetida no artigo 3º da Lei Complementar nº 73/93. Em-bora os dispositivos não o digam, o cargo, sendo de livre nomeação,também é de livre exoneração. Isto porque, não sendo exigido concursopúblico para o seu provimento, ele tem a natureza de cargo em comissão,que a própria Constituição define como cargo de livre provimento eexoneração (art. 37, II).

2.5 Dos membros da AGUO artigo 2º, §5º, da Lei Complementar nº 73/93 determina que

“são membros da Advocacia-Geral da União: o Advogado-Geral da União, oProcurador-Geral da União, o Procurador-Geral da Fazenda Nacional, oConsultor-Geral da União, o Corregedor-Geral da Advocacia da União, osSecretários-Gerais de Contencioso e de Consultoria, os Procuradores Regionais, osConsultores da União, os Corregedores-Auxiliares, os Procuradores-Chefes, osConsultores Jurídicos, os Procuradores Seccionais, os Advogados da União, osProcuradores da Fazenda Nacional e os Assistentes Jurídicos”.

Dentre esses membros, alguns ocupam cargos de confiança (cargosespeciais e em comissão) e outros ocupam cargos efetivos. Estes últimos,

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conforme art. 20 da Lei Complementar nº 73/93, compõem as carreirasde Advogado da União, de Procurador da Fazenda Nacional e de Assis-tente Jurídico (hoje extinto) e ingressam nas categorias iniciais, mediantenomeação, após aprovados em concurso público de provas e títulos(art. 21 da referida lei complementar, em consonância com o artigo131, §2º, da Constituição).

É curioso que a Lei Complementar nº 73/93 prevê dois tipos decargos de confiança: os cargos especiais e os cargos em comissão, emboranão os defina. A classificação me parece totalmente irrelevante, tendoem vista que, para fins constitucionais, existem os cargos de provimentoefetivo, em comissão ou vitalício (este último previsto para determinadascategorias de agentes públicos, a saber, os membros da Magistratura,do Ministério Público e do Tribunal de Contas).

Os cargos efetivos são providos por concurso público; e os cargosem comissão são de livre nomeação (artigo 37, II, da Constituição). Nãohá espaço para cargos especiais no que diz respeito à forma de provimento.

Dos cargos em comissão apenas são privativos de membros efeti-vos da Advocacia-Geral da União os de Corregedor-Geral, Corregedores-Auxiliares, Procuradores Regionais e Procuradores-Chefes. Os demaissão de livre nomeação, mediante indicação das autoridades indicadasno artigo 49 da Lei Complementar nº 73/93. Os cargos especiais deProcurador-Geral da União, Procurador-Geral da Fazenda Nacional,Consultor-Geral da União e de Corregedor-Geral da Advocacia da Uniãosão privativos de bacharel em direito, de elevado saber jurídico e reco-nhecida idoneidade, com dez anos de prática forense e mais de 35 anos(art. 55); o mesmo se diga com relação aos cargos de Secretário-Geralde Contencioso e de Secretário-Geral de Consultoria (art. 57).

Os cargos em comissão de Consultor Jurídico são privativos debacharel em direito de provada capacidade e experiência e reconhecidaidoneidade, que tenham 5 anos de prática forense (art. 49, II, combinadocom art. 58).

Também têm a natureza de cargos em comissão, lotados nas Con-sultorias Jurídicas dos Ministérios, os de Assistente, Coordenador, Coor-denador-Geral, Assessor do Consultor, Consultor Jurídico (classificadoscomo DAS), sendo providos por pessoas estranhas à carreira de Advo-gado da União.

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27Parecer sobre a exclusividade das atribuições da carreira de Advogado da União

Quer-me parecer que os ocupantes de todos esses cargos emcomissão, com ressalva para o de Advogado-Geral da União, que temprevisão constitucional, não podem exercer funções privativas dos mem-bros efetivos da instituição, a menos que sejam escolhidos entre os mes-mos. Essa é uma conclusão que decorre do artigo 131 da Constituição.Como visto, esse dispositivo incluiu a AGU entre as funções essenciaisà Justiça, portanto como atividade típica de Estado; previu como chefeda instituição o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Pre-sidente da República; definiu as competências privativas da AGU, abran-gendo a representação judicial e extrajudicial da União, bem como asatividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo;e exigiu que o ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituiçãose faça mediante concurso público de provas e títulos.

Ora, se o legislador constituinte entendeu necessário criar umainstituição com a finalidade de exercer a advocacia pública no âmbitoda União e exigiu a sua organização em carreira, cujo ingresso se faz porconcurso público, destoa inteiramente desse objetivo a legislação infra-constitucional que crie cargos em comissão dentro da AGU para provê-los sem concurso público e com atribuições privativas dos integrantesda carreira. O intuito evidente é o de burlar a norma constitucional.

A possibilidade de nomeação de pessoas não integrantes da AGU,para cargos em comissão, para o exercício de atribuições privativasda instituição, fere o princípio da razoabilidade das leis, na medida emque se utiliza de meio inadequado para atingir os fins almejados com odispositivo constitucional.

Merece ser lembrada decisão proferida pelo Pleno do SupremoTribunal Federal na ADI nº 881-1-Espírito Santo, ao deferir medidaliminar para suspender a eficácia de dispositivos da Lei Complementarestadual nº 11, de 14.5.91, que criam cargos de Assessor Jurídico, deprovimento em comissão, a serem preenchidos por profissionais comformação na área jurídica.

Invocando o artigo 132 da Constituição Federal, que atribuiu aosProcuradores dos Estados e do Distrito Federal as funções de represen-tação judicial e de consultoria jurídica das respectivas unidades federadas,o Ministro Celso de Mello, relator do acórdão, realçou alguns aspectosque merecem ser transcritos, por sua inteira aplicabilidade à AGU:

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A outorga dessas funções jurídicas à Procuradoria-Geral do Estado — maisprecisamente aos Procuradores do Estado — decorre de um modelo estabelecidopela própria Constituição Federal que, ao institucionalizar a Advocacia de Estado,delineou o seu perfil e discriminou as atividades inerentes aos órgãos e agentesque a compõem.

O conteúdo normativo do artigo 132 da Constituição da república revela oslimites materiais em cujo âmbito processar-se-á a atuação funcional dos inte-grantes da Procuradoria-Geral do Estado e do Distrito Federal. Nele contém-senorma que, revestida de eficácia vinculante e cogente para as unidades federadaslocais, não permite conferir a terceiros — senão aos próprios Procuradores doEstado e do Distrito Federal, selecionados por concurso público de provas etítulos — o exercício de consultoria jurídica do Poder Executivo.

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No contexto normativo que emerge do art. 132 da Constituição, e numa análisepreliminar do tema, parece não haver lugar para nomeações em comissão deservidores públicos que venham a ser designados, no âmbito do Poder Executivo,para o exercício de funções de assistência, de assessoramento ou de consultoriana área jurídica.

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Essa prerrogativa institucional, que é de ordem pública, encontra assento naprópria Constituição Federal. Não pode, por isso mesmo, comportar exceções enem sofrer derrogações que o texto constitucional sequer autorizou ou previu.

Tais argumentos aplicam-se, incontestavelmente, às funções atri-buídas à AGU. Elas são privativas de integrantes das carreiras que com-põem essa instituição e não podem ser exercidas por terceiros, sob penade burla aos artigos 37, II, e 131 da Constituição.

Note-se que o artigo 29 do Ato das Disposições ConstitucionaisTransitórias permitiu que, enquanto não aprovadas as leis comple-mentares relativas ao Ministério Público e à AGU, o Ministério PúblicoFederal, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, as ConsultoriasJurídicas dos Ministérios, as Procuradorias e Departamentos Jurídicosde autarquias federais com representação própria e os membros dasProcuradorias das Universidades fundacionais públicas continuassem aexercer suas atividades na área das respectivas atribuições.

Por sua vez, o §5º do mesmo dispositivo transitório estabeleceuque “cabe à atual Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, diretamenteou por delegação, que pode ser ao Ministério Público Estadual, repre-sentar judicialmente a União nas causas de natureza fiscal, na área darespectiva competência, até a promulgação das Leis Complementaresprevistas neste artigo”.

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29Parecer sobre a exclusividade das atribuições da carreira de Advogado da União

Tais dispositivos, de natureza transitória, demonstram a intençãode que, uma vez promulgada a lei complementar relativa à AGU, asrespectivas atribuições passassem a ser exercidas exclusivamente pelosmembros dessa instituição, nomeados por concurso público, na formado artigo 131 da Constituição.

A criação de cargos em comissão dentro da AGU, a serem providospor bacharéis em direito não integrantes das carreiras dessa instituição,significa burla à exigência de concurso público. É inteiramente desca-bida e contrária ao espírito do dispositivo constitucional admitir quefunções essenciais à justiça, privativas de integrantes da AGU nomeadospor concurso público, possam ser exercidas por ocupantes de cargos emcomissão de livre escolha da Administração.

Ainda com maior razão, não podem as atividades da AGU serdelegadas a particulares que nem mesmo estão investidos em cargo,emprego ou função. Seria a chamada terceirização, seja sob a forma defornecimento de mão-de-obra, seja sob a forma de empreitada. Aliás, jáexiste orientação no âmbito do Poder Judiciário, do Tribunal de Contasda União e da própria esfera administrativa, quanto à impossibilidadede terceirização de atividade-fim da Administração Pública, sob a moda-lidade de fornecimento de mão-de-obra.

O Tribunal Superior do Trabalho, pelo Enunciado 331, alteradopela Resolução 96, de 11.9.2000, definiu alguns pontos: “I - A contrataçãode trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculodiretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho tem-porário (Lei nº 6.019, de 3-1-74). II - A contratação irregular de traba-lhador, através de empresa interposta, não gera vínculo de empregocom os órgãos da Administração Pública Direta, Indireta ou Fundacio-nal (art. 37, II, da CF). III - Não forma vínculo de emprego com otomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 206083),de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligadosà atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e asubordinação direta. IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas,por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária dotomador de serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aosórgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas,das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que

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este tenha participado da relação processual e conste também do títuloexecutivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666)”.

Na esfera administrativa, foi baixado o Decreto nº 2.271, de 7.7.97,que, seguindo orientação antes adotada pelo Tribunal de Contas daUnião, determinou, no artigo 1º, quais as atividades que devem serexecutadas, de preferência, por execução indireta, abrangendo as deconservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática,copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção deprédios, equipamentos e instalações. No §2º, determina que “não poderãoser objeto de execução indireta atividades inerentes às categorias funcionaisabrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposiçãolegal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, noâmbito do quadro geral de pessoal”. Essas duas últimas exceções, a todaevidência, não se aplicam aos cargos da AGU, já que são privativos demembros da instituição, nomeados por concurso público.

O que é possível, em situações absolutamente excepcionais e devi-damente motivadas, é a contratação de profissional notoriamente espe-cializado, mediante contrato de empreitada, para elaboração de parecerbem como para patrocínio ou defesa de causa judicial ou administra-tiva, na forma do artigo 13 da Lei nº 8.666, de 21.6.93. Nesse caso, acontratação só pode ser feita para objeto específico, quando se trate detrabalho que, por suas peculiaridades, complexidade, importância parao interesse público, exija profissional notoriamente especializado.

Não é possível, sob pena de inconstitucionalidade, outorgar aterceiros atividades exclusivas da AGU para serem desempenhadas emcaráter contínuo, em substituição aos membros da instituição.

No que diz respeito à indagação referente ao enquadramento,como usurpação de função, do exercício de funções constitucionais poroutras carreiras da Administração Pública Federal, não me pareceque essa modalidade de ilícito, definida no artigo 328 do Código Penal,ocorra. Por esse dispositivo, a usurpação de função é assim definida:“usurpar o exercício de função pública”. Ocorre quando a pessoa que praticao ato não foi por qualquer modo investida no cargo, emprego ou função;ela se apossa, por conta própria, do exercício de atribuições próprias deagente público, sem ter essa qualidade. Pode-se falar em usurpação defunção, mas não no sentido técnico da expressão.

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31Parecer sobre a exclusividade das atribuições da carreira de Advogado da União

No caso de ocupantes de cargos em comissão criados por lei einseridos no âmbito da Advocacia-Geral da União, não se pode dizerque os servidores nomeados estejam usurpando função, no sentido téc-nico da expressão. No caso, a lei que cria tais cargos, permitindo o provi-mento por pessoas estranhas às carreiras da Advocacia da União, éque é inconstitucional; ou, pelo menos, deve receber “interpretaçãoconforme” para definir que tais servidores só podem exercer atividadesadministrativas e não as exclusivas dos membros efetivos da instituição.

O desvio de função pode ocorrer se, eventualmente, ocupantes decargos não enquadrados nas carreiras da AGU exercerem funções pró-prias dessa instituição. Trata-se de ilícito administrativo que enseja aresponsabilidade de quem o pratica e também da autoridade que o per-mite, e que também pode enquadrar-se como ato de improbidade admi-nistrativa, por infringência ao princípio da legalidade, conforme artigo11, caput, da Lei nº 8.429/92.

Os atos praticados por quem não esteja investido em cargos dascarreiras da AGU são ilegais, por vício de competência. Em princípio,tratar-se-ia de nulidade absoluta, não sujeita à convalidação. Porém, háuma circunstância que impede ou dificulta os efeitos normais da decla-ração de nulidade: razões de interesse público recomendam que, nessecaso, se mantenham os efeitos dos atos, embora praticados por quemnão tenha competência legal, tendo em vista que de sua anulação resul-taria prejuízo maior para o interesse público. É a mesma solução que seadota com relação ao exercício de fato.

Só que, uma vez comprovado o desvio de função, os atos poste-riormente praticados deixam de ter validade, porque, a partir de então,está caracterizada a má-fé do servidor e da autoridade que autorizou oupermitiu o exercício da função por quem não preenchia os requisitosconstitucionais.

Portanto, é preciso distinguir duas situações diversas: a) a doservidor que ocupa cargo em comissão criado por lei e exerce indevida-mente funções exclusivas da AGU; nesse caso, impõe-se a propositurade ação direta de inconstitucionalidade para invalidação ou para “inter-pretação conforme”, para excluir o exercício de funções privativas dascarreiras integrantes da AGU; b) a do servidor que integra outras car-reiras da Administração Pública e exerce funções exclusivas das carreiras

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da AGU; nesse caso, caracteriza-se desvio de função e, portanto, ilegalidadea ser coibida pela via administrativa ou judicial, com a conseqüenteresponsabilização nas esferas civil e administrativa, além do possívelenquadramento na lei de improbidade administrativa.

3 Resposta aos quesitosDiante do exposto, a resposta aos quesitos pode ser formulada

nos seguintes termos:Quesito nº 1Tendo em vista que a AGU se insere no âmbito do Poder Executivo

e, ao mesmo tempo, está prevista na Constituição Federal como umadas funções essenciais à Justiça, responde-se:

a) Considerado o sistema de repartição de poderes, a Advocacia-Geral da União está inserida no Poder Executivo, para fins exclu-sivamente administrativos e não para exercício de suas funçõesinstitucionais.

b) A Advocacia-Geral da União exerce função essencial à Justiçaporque desempenha atividade típica de Estado, na medida emque presta serviço público em dois sentidos: como advogadosujeito ao Estatuto da OAB, nos termos do seu artigo 2º, §1º, ecomo advogado público, que atua na defesa do interesse públicoe depende, por isso, de garantias de independência no exer-cício de suas funções constitucionais, dentre elas a estabilidade.

c) No exercício de suas funções institucionais — que são de natu-reza jurídica e não política — a Advocacia-Geral da União e oAdvogado-Geral da União não podem estar hierarquicamentesubordinados a qualquer dos Poderes da República, nem sub-metidos às decisões políticas do governo; a vinculação (e nãosubordinação) se dá em relação ao Chefe do Poder Executivoapenas para fins de supervisão, estritamente administrativos.

d) Para que possa desempenhar o mister constitucional que lhefoi outorgado, a Advocacia-Geral da União, ainda que inseridaadministrativamente no âmbito do Poder Executivo, necessitade garantias de independência; o ideal seria que a Constituiçãolhe outorgasse a mesma autonomia administrativa e financeiragarantida ao Ministério Público, já que ambas são instituiçõesprevistas na Constituição entre as funções essenciais à Justiça.

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e) Considerando-se o disposto nos artigos 52, inciso II, e 131,§1º, da Constituição, o Advogado-Geral da União ocupa, dentrodo Poder Executivo, posição do mesmo nível que os Ministrosde Estado. Sendo nomeados para cargo de confiança, de livrenomeação, podem também ser livremente exonerados.

Quesito nº 2Mesmo na ausência de vedação legal expressa, não é dado a qual-

quer dos três Poderes outorgar o exercício das funções exclusivas daAdvocacia-Geral da União a particulares contratados ou a pessoa inves-tida em cargos em comissão, a menos que estes sejam privativos deintegrantes das carreiras da Advocacia-Geral da União.

Quesito nº 3Advocacia-Geral da União atua como Advocacia de Estado e não

como Advocacia de Governo.Quesito nº 4Diante do tratamento constitucional conferido à Advocacia-Geral

da União, pode-se afirmar que somente o Advogado-Geral da Uniãopode ser pessoa estranha às carreiras da AGU. Os demais cargos emcomissão, previstos na Lei Complementar nº 73/93 só podem ser ocu-pados por membros efetivos da instituição, se exercerem atribuiçõesque dela sejam exclusivas.

Quesito nº 5A atividade exercida pela Advocacia-Geral da União, dentre elas a

de controle de legalidade prévio dos atos do Poder Executivo, represen-tação judicial e extra-judicial da União e de representação internacionalda República Federativa do Brasil, não é compatível com a nomeaçãode pessoas estranhas aos seus quadros de membros efetivos para os cargosem comissão.

Quesito nº 6a) É inconstitucional o artigo 58 da Lei Complementar nº 73/93,

ao prever que os cargos de Consultor Jurídico são privativos deBacharel em Direito de provada capacidade e experiência ereconhecida idoneidade, que tenham 5 (cinco) anos de práticaforense.

b) A Lei Complementar nº 73/93, ao dispor que à Consultoria-Geralda União incumbe aprovar os editais de licitação e contratos

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administrativos (art. 11, inciso VI, “a”), não possibilita queterceiros, não integrantes das carreiras da Advocacia-Geral daUnião, pratiquem tais atos, que se inserem na atividade de con-sultoria jurídica do Poder Executivo, privativa dos membrosefetivos da instituição.

c) É inconstitucional a lei que permita a nomeação de pessoasestranhas à carreira de Advogado da União para ocupar oscargos em comissão de Assistente, Coordenador, Coordenador-Geral e outros criados nos Ministérios, para exercerem ativi-dades privativas dos membros efetivos da Advocacia-Geral daUnião.

Quesito nº 7Considerando que o artigo 20 da Lei Complementar nº 73/93

previu, como membros efetivos da Advocacia-Geral da União, as carreirasde Advogado da União, de Procurador da Fazenda Nacional e de AssistenteJurídico (esta última extinta pela Lei nº 10.549/2002), responde-se:

a) as funções constitucionais da Advocacia-Geral da União somentepodem ser exercidas por integrantes dessas carreiras, cadaqual no seu âmbito de atuação específica, a saber, Advocacia-Geral da União e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional,respectivamente.

b) o exercício das funções da Advocacia-Geral da União por quemnão é membro efetivo da instituição não se enquadra como usur-pação de função, no sentido previsto no artigo 328 do CódigoPenal, mas configura usurpação de atribuição conferida comexclusividade à Advocacia-Geral da União pelo artigo 131 daConstituição. O exercício dessas atribuições por membros deoutras carreiras da Administração Pública caracteriza desviode função.

Quesito nº 8a) Os pareceres e notas elaborados por pessoas estranhas aos quadros

de membros efetivos da Advocacia-Geral da União, no âmbitodas Consultorias Jurídicas, implicam usurpação da competênciaprevista no artigo 131 da Constituição e no artigo 11 da LeiComplementar nº 73/93.

b) Os pareceres e notas elaborados por pessoas estranhas aosquadros de membros efetivos da Advocacia-Geral da União, no

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âmbito das Consultorias Jurídicas, são ilegais, por vício decompetência; as decisões baseadas nesses pareceres padecem dovício de nulidade, podendo ser mantidas, com base na teoria doexercício de fato, sem prejuízo da responsabilidade pela práticade ato ilegal.

Quesito nº 9O artigo 11 da Lei Complementar nº 73/93 somente é constitu-

cional se for entendido no sentido de que a subordinação da Advocacia-Geral da União aos Ministérios se dá apenas para fins de inserção naestrutura administrativa da União e não para fins funcionais, ou seja,para fins de desempenho das atribuições constitucionais, que nãoadmitem subordinação hierárquica.

Quesito nº 10Os artigos 45 e 11 da Lei Complementar nº 73 devem ser inter-

pretados de forma harmoniosa, no sentido de que cabe aos Ministériosdisciplinar a atividade-meio exercida pelos órgãos administrativos quedão apoio às Consultorias Jurídicas, e ao Advogado-Geral da União, aatividade-fim, por meio de Regimento Interno.

São Paulo, maio de 2007.

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As Procuradorias da União naviabilização das políticas públicasLuís Henrique Martins dos AnjosAdvogado da União. Ex-Procurador-Geral da União. Mestre e Doutorando em Direito Público(UFRGS).

Resumo: Analisa o perfil republicano da Advocacia Pública e em especiala atuação judicial de defesa da probidade administrativa e das demaispolíticas públicas dos três Poderes. Relata as principais medidas imple-mentadas pelas Procuradorias da União, integrantes da Advocacia-Geralda União (AGU), no ano de 2007.

Palavras-chave: Advocacia Pública. Advocacia-Geral da União. Procu-radorias da União. Advogados da União. Políticas públicas. Probidadeadministrativa.

Sumário: Introdução - 1 Advocacia Pública como instituição republicana- 2 Atuação na defesa da probidade administrativa e na recuperaçãodo patrimônio público - 3 Atuação na economia dos recursos públicos -4 Atuação diretamente na implantação das políticas públicas - 5 Atuaçãopreventiva e organizacional - Conclusão

IntroduçãoAo longo do ano de 2007, recebi a oportunidade de desenvolver

algumas reflexões sobre a atuação das Procuradorias da União no cum-primento de sua missão constitucional. Este texto, mais preocupado como ponto de vista institucional do que científico, sintetiza essa análiseque desenvolvi como resultado do esforço coletivo dos Advogados daUnião que desempenham seu mister no cotidiano da defesa judicialdo interesse coletivo na viabilização de políticas públicas.

1 Advocacia Pública como instituição republicanaA defesa da legalidade, imprescindível e vista como garantia da

legitimidade da conduta dos agentes públicos, é o indicativo inicial, masnão encerra a complexidade dos tempos atuais, dos desafios do PoderPúblico e das instituições que a civilização criou e revigorou na construçãode uma cultura que supere as fragilidades e as limitações humanas.Assim, o espaço institucional ganha importância dentro da dimensãoética que deve orientar a ação do Poder Público.

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Trata-se de reforçarmos o controle social do Poder Público e detodas as suas esferas de atuação institucional sob a ótica da cidadania,para que não se permita que esta se torne um mero instrumento dopoder e o ser humano se feche no individualismo alienante e socialmentedescompromissado. Neste exato sentido andou o constituinte ao firmaros comandos dos artigos 131 e 132 de nossa CF onde, ao tratar da Advo-cacia Pública, consagrou um verdadeiro monopólio da representaçãojudicial e extrajudicial dos Entes Públicos e dos Poderes da República,bem como de sua consultoria e assessoramento jurídico.

Na realidade, a reflexão sobre o Direito e seus fundamentos revi-gora a idéia de legitimidade do poder na construção de uma nova praxis,definidora do papel da institucionalidade e dos Advogados de Estado,enquanto integrantes de uma instituição defensora do interesse público.Os Advogados de Estado são mais do que profissionais do Direito a ser-viço da Justiça, visto que, com a enormidade de atividades estatais,sempre desenvolvidas nos quadros do Direito, são essenciais para opróprio funcionamento do Estado Democrático de Direito. Para o seubom desempenho, ganhou a Advocacia de Estado o status de instituiçãoautônoma, significando dizer que possui discernimento próprio, inde-pendência intelectual e estabilidade funcional, as quais constituemgarantias de tal intento, sem afastar o dever de assegurar o contraditórioe a ampla defesa do Poder Público, bem como o dever de sustentar, nosmarcos do Estado Democrático de Direito, as políticas públicas legiti-mamente aprovadas.

Para tanto, além de um patamar de excelência na defesa do inte-resse público, o desafio de instituições orgânicas do Estado, como essaAdvocacia Pública, exige uma consciência redobrada de seus agentesdiante da precarização do mundo do trabalho, da agressão ambiental,do emperramento ao desenvolvimento sustentável, das práticas econô-micas de concentração e de manipulação de preços, da corrupção,da lavagem de dinheiro e demais práticas contrárias ao Sistema Finan-ceiro Nacional. Desafios que são enfrentados de forma cotidiana peloPoder Público e que se tornariam inócuos sem um adequado suportejurídico e institucional. Assim, a Advocacia de Estado cada vez maisconsolida um conceito enquanto instituição: a defesa substantiva dointeresse público. Compreendo interesse público como a ética, a

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cidadania, os direitos humanos, a democracia e os demais valoresprevistos constitucionalmente. A Advocacia de Estado é imprescindívelna constituição desse projeto que visa à inclusão da cidadania, buscandoa concretização de um Estado Democrático de Direito, do qual surjauma ampliação da legitimidade para exercício do poder.

O verdadeiro sentimento da Constituição deve ser vivido solida-riamente pelo povo, de quem emana todo o poder. E esse sentimentoda Constituição também deve existir no protagonismo do Advogado deEstado enquanto integrante de um serviço público essencial institucio-nalizado, verdadeiro princípio constitucional garantidor dos valores doEstado Democrático de Direito.

A República apenas começa, mas não se realiza plenamente, naafirmação do Estado tão-somente como um Estado de Direito formal.No esforço de construção de uma autêntica justiça social esta tem sidoa primeira missão de todos que buscam incidir na institucionalidadepara afirmar uma consciência republicana que supere em definitivo opatrimonialismo da administração pública e permita a construção depolíticas públicas que combatam a exclusão social e reafirmem um com-promisso com o processo democrático e civilizatório. Daí compete, aoAdvogado Público, fazer de seu ofício de defesa da justiça, acima detudo, um movimento real de consolidação dos valores do Estado Demo-crático de Direito que viabilize, de forma consciente, socialmente com-prometida, as políticas públicas consagradas pelos administradoreslegitimamente investidos pelo regime democrático.

Desse cenário, também surge a necessidade de uma nova catego-rização quanto ao regime jurídico dos Advogados Públicos, enquantoAgentes Institucionais à Justiça que são titulares de cargos públicos,ligados por vínculo profissional, que exercem missão, por força consti-tucional, de garantia dos contornos da constitucionalidade e da legali-dade dos atos da vida em sociedade, em especial, dos decorrentes davontade superior do Estado.

A partir dessa concepção de Advocacia de Estado é que se insere adefesa Judicial da União na viabilização das Políticas Públicas do EstadoBrasileiro realizada pelas Procuradorias da União, que abrange a Procu-radoria-Geral da União (PGU), as Procuradorias Regionais da União(PRUs), as Procuradorias da União nos Estados (PUs) e as ProcuradoriasSeccionais da União (PSUs), nos termos da Lei Complementar nº 73/93.

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2 Atuação na defesa da probidade administrativa e na recuperaçãodo patrimônio público

As Procuradorias da União, no contexto do sistema AGU, vêmdemonstrando pela atuação dos Advogados da União e dos servidorestécnico-administrativos que estão capacitadas para esse desafio republi-cano de defesa das políticas públicas dos três Poderes da União. É verdadeque existem carências importantes, seja de recursos humanos, de infra-estrutura e de recursos tecnológicos, mas essas questões devem serabordadas em outra oportunidade no sentido de sua superação. Bastaque registremos que, de 2002 a 2007, os dados demonstram que nessesseis anos houve um crescimento médio de 27% ao ano do número dedemandas judiciais com a participação ativa ou passiva da União emmatéria não tributária. No mesmo período de seis anos, porém, houveum crescimento médio de apenas 14% do número de Advogados daUnião, ou seja, quase a metade do percentual relativo ao aumento donúmero de processos judiciais. Por isso mesmo é que, com grande esforço,as Procuradorias da União vêm exercendo sua missão constitucional.

A Procuradoria-Geral da União é órgão de direção superior daAGU, gerenciando 70 (setenta) unidades sediadas em todos os Estadosdo país, das quais 5 (cinco) são Procuradorias Regionais da União loca-lizadas nas capitais com sedes de Tribunais Regionais Federais (TRFs),22 (vinte e duas) são Procuradorias da União nos Estados localizadasnas demais capitais estaduais e 43 (quarenta e três) são ProcuradoriasSeccionais da União localizadas nas principias cidades com sede daJustiça Federal. Essas 71 (setenta e uma) Procuradorias contam com 884Advogados da União em exercício, os quais atuam em cerca de 2.900.000(dois milhões e novecentos mil) processos judiciais, conforme dadosdo ano de 2007.

Visando a uma maior especialização dos Advogados da União queatuam nos Tribunais Superiores e que elaboram as orientações às diversasunidades de execução da Procuradoria-Geral, foram criados departa-mentos temáticos no âmbito da Procuradoria-Geral da União. Assim,através do Ato Regimental nº 07/2007, exarado pelo Advogado-Geralda União, a Procuradoria-Geral da União passou a ter o Departamentode Patrimônio Público e Probidade Administrativa, o Departamento deAssuntos Militares e de Pessoal Estatutário, o Departamento de Serviço

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Público e o Departamento de Estudos Jurídicos e Contencioso Eleitoral,todos com atuação judicial e de orientação, assim como o DepartamentoInternacional e o Departamento Trabalhista, que já atuavam nessepadrão, além do Departamento de Cálculos e Perícias, que mantevesuas atribuições.

Quando da criação do Departamento de Patrimônio Público eProbidade Administrativa no âmbito da Procuradoria-Geral da União,foram também criadas coordenações com o mesmo tema nas Procu-radorias-Regionais da União, visando conferir maior sistematicidade eeficiência na atuação dos Advogados da União na recuperação de verbaspúblicas, além da definição de competências próprias na matéria paraos Procuradores Regionais e Procuradores-Chefes da União nos Estados.

Somente no que tange a esta temática, tramitam 22.889 (vintee duas mil oitocentos e oitenta e nove) medidas jurídicas, em todo oterritório nacional até o ano de 2007, através das quais objetiva-se arecuperação de R$50 (cinqüenta) bilhões de reais. Essas medidas estãomaterialmente divididas em:

a) atuação no pólo ativo de 8.831 (oito mil oitocentas e trinta euma) ações civis públicas e de improbidade administrativa, visan-do à recuperação de cerca de R$34 bilhões de reais para a União;

b) propositura de 9.477 (nove mil quatrocentas e setenta e sete)ações visando executar os acórdãos do Tribunal de Contas daUnião, visando à recuperação de cerca de R$6 bilhões de reaispara a União;

c) instauração de 4.581 (quatro mil quinhentos e oitenta e um)procedimentos administrativos, visando à recuperação de cercade R$10 bilhões de reais para a União.

A análise desses dados revela uma necessidade urgente de imple-mentação de uma nova sistemática de defesa da probidade e de recu-peração do patrimônio público. Pois, se é forçoso reconhecer que muitose vem fazendo nesse sentido, também devemos perceber que há umademora significativa na efetivação desses objetivos. Essa nova atuaçãopassa por uma aproximação das medidas de preservação da probidadee de recuperação do patrimônio à época do fato que se está apurando.Para tanto, a PGU já adotou no ano de 2007 algumas iniciativas nessesentido, como a já mencionada criação de estrutura especializada e

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descentralizada (DPP/PGU e Coordenações Regionais) com a designaçãode 50 (cinqüenta) Advogados da União destacados para atuar especifi-camente nessas demandas. Apesar de reconhecer ser um número aindainsuficiente de Advogados da União, essa medida adotada no anopassado já representou um significativo passo na busca de uma novapostura institucional.

Nesta matéria, a atribuição que até o ano de 2007 concentrava-secom competência exclusiva do Procurador-Geral da União passa a serdo Procurador Regional e do Procurador-Chefe da União no Estado,no sentido de firmar termo de ajuste de conduta e decidir sobre o ajui-zamento de ações civis públicas e ações de improbidade, bem como aintervenção da União nessas ações e nas populares. Já os ProcuradoresSeccionais da União passam a ter a atribuição de submeter propostade termo de ajuste de conduta, de ajuizamento de ações civis públicas eações de improbidade, bem como a intervenção da União nessas açõese nas populares, ao Procurador-Geral, ao Procurador Regional ou aoProcurador-Chefe da União que possuir a atribuição para decidir, nostermos da regulamentação do Procurador-Geral da União. No exercíciodessas atribuições, é fundamental a utilização processual dos institutosda alienação antecipada do bem para preservação do seu valor monetário— tão logo seja decretada a indisponibilidade — e o depósito dos valoresarrecadados em conta judicial remunerada, bem como a do leilão ele-trônico judicial e extrajudicial de forma a garantir o resultado útildos procedimentos judiciais e administrativos de efetiva punição e derecomposição do patrimônio público.

Outro ponto vital dessa nova sistemática são medidas efetivas demaior integração entre órgãos públicos em si e destes com a sociedade.Daí fundamental a interligação e o acesso aos sistemas gerenciais daUnião de dados pessoais e de bens, tais como Infoseg, Renavam, Renach,Sinarm, Siape, Siafi, Cauc, Sicaf, Cadin, Sicau, Bacen Jud, bem como deum modo geral o cumprimento das metas da Estratégia Nacional deCombate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (ENCCLA). Relativa-mente à maior integração da AGU com a sociedade, deve citar-se agrande iniciativa do Canal do Cidadão e da Ouvidoria da AGU, os quaisvêm permitindo a apuração de inúmeras denúncias antes distantes denossa instituição.

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43As Procuradorias da União na viabilização das políticas públicas

Nesse fortalecimento da integração da AGU na defesa da probidadeadministrativa e na recuperação do patrimônio público, destaca-se quepela primeira vez a PGU designou Advogados da União para acom-panhar as fiscalizações realizadas pela Controladoria-Geral da União(CGU) em diversos Municípios e Estados, que foram selecionados pormeio de sorteio público no dia 24 de julho de 2007. A iniciativa vemdar efetividade ao Acordo de Cooperação Técnica nº 01/07, recente-mente celebrado entre a AGU e a CGU, com a finalidade de otimizara comunicação entre as referidas Instituições e incrementar a atuaçãono combate à corrupção e à improbidade. Na mesma linha, deu-sea instalação do escritório avançado junto ao Tribunal de Contas daUnião (TCU).

Ainda sob a ótica de defesa do patrimônio público e da probidadeadministrativa, destaca-se a atuação da PGU e suas Procuradorias noque tange à defesa dos agentes públicos, nos termos do artigo 22 da Leinº 9.028/95, com redação dada pela Medida Provisória nº 2.216-37/2001.Visando conferir uma maior agilidade na análise dos pedidos derepresentação formulados por agentes públicos, a PGU editou a Ordemde Serviço nº 31/2007, através da qual disciplinou os procedimentospara deferimento da defesa judicial dos prepostos do Estado em juízo.Integra-se nessa nova sistemática a percepção de que a defesa da probi-dade também está na defesa dos agentes públicos, quando no exercíciodas suas atribuições e no interesse público.

Por fim, urge a proposição de medida legislativa que atribua àsProcuradorias da União o poder de requisitar informações e dados quelhes garantam maior efetividade na defesa da probidade administrativae na recuperação do patrimônio público desviado.

3 Atuação na economia dos recursos públicosDado relevante é o de que, em apenas um ano, as Procuradorias

da União, com o auxílio do Departamento de Cálculo e Perícias daPGU, conseguiram impedir o pagamento indevido de cerca de 4 bilhõese 300 milhões de reais, o que representa 46,63% do total de valores execu-tados contra a União no período e em valores de 2006. A União estáaqui sendo referida no sentido mais estrito do termo, excluindo a matériaafeta a Fazenda Nacional, as autarquias e fundações federais.

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44 Luís Henrique Martins dos Anjos

Agora, dado mais relevante ainda é o que foi apurado pelasProcuradorias da União, também com o auxílio do Departamento deCálculo e Perícias da PGU, relativamente aos valores efetivamente eco-nomizados nas ações que transitaram em julgado em um ano.

Nessas ações, foram economizados mais de 8 bilhões de reais. Esselevantamento ocorrido em 2007 é inédito no âmbito da AGU. É a pri-meira vez que temos contabilizados os valores efetivamente economi-zados pela União (no mesmo sentido estrito). O mais importante dessaatuação não é a economia por si mesma, mas saber que se não fosse poressa defesa judicial a sociedade brasileira estaria pagando uma altaconta para quem não possuía direito algum sobre esses valores, que namaioria das vezes utiliza-se da chamada “indústria de demandas judiciais”para um enriquecimento sem causa.

A PGU também desenvolveu um exitoso trabalho nas açõesconsideradas relevantes pelo alto valor da causa, dentre as quais podemosdestacar as seguintes atuações ocorridas no ano de 2007:

a) VASPAção de indenização por perdas e danos proposta pela VASP, cujo

pleito é o pagamento, por parte da União, pelo alegado dano sofridoem virtude do congelamento do preço das passagens aéreas no períododo “Plano Cruzado”.

Apesar da sentença improcedente, o Tribunal Regional Federal -1ª Região, em sede de apelação, deu provimento ao recurso da empresa,condenando a União ao pagamento da indenização estimada que ultra-passa o montante de R$1 bilhão de reais.

Irresignada, a União recorreu apresentando embargos infringen-tes. A Segunda Seção do Tribunal Regional Federal - 1ª Região acolheuos embargos e a sentença foi restabelecida, porém, em sede de embar-gos de declaração interposto pela VASP, a Terceira Seção do Tribunalalterou o julgamento anterior, favorecendo a companhia.

Em recurso interposto pela União, a Primeira Turma do SuperiorTribunal de Justiça, por unanimidade, deu provimento ao recurso daUnião e MPF para anular o julgamento dos embargos de declaraçãoajuizados pela VASP e determinar a realização de um novo julgamento.

b) Petrobras e Repsol/YPFAção popular proposta com o objetivo de obstar negócio encetado

entre a Petrobras e a Empresa Repsol-YPF envolvendo troca de ativos.

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Em agravo de instrumento interposto pela União, o TribunalRegional Federal - 1ª Região não reformou a decisão proferida em sedede impugnação do valor da causa, mantendo o valor atribuído pelosautores na ordem de R$5 bilhões de reais.

A União interpôs embargos de declaração, alegando omissões econtradições no acórdão. No entanto, os embargos foram rejeitados.

Inconformada, a União interpôs recurso especial sustentando queforam violados os artigos 258, 259, V, e 261, do Código de ProcessoCivil, e art. 14, da Lei nº 4.717/65.

Assim, a 2ª Turma do STJ, por unanimidade, no REsp nº502.189-RS deu provimento à pretensão da União, reduzindo o valorexcessivo de R$5 bilhões atribuído à ação popular.

c) Banco MercantilAção ajuizada pela AMF Empreendimentos e Participações Ltda.

e pela Mercantil Empreendimentos e Participações S./A., acionistas doBanco mercantil S./A., contra o Banco Central, com o objetivo de quefosse deixado de contabilizar, no patrimônio do Banco Mercantil, pro-visão para pagamento de juros capitalizados retroativamente à data dadecretação da liquidação em 1996.

Os juros são relativos a dois contratos de abertura de créditofirmados entre o banco, já sob intervenção, e o Banco Central, dentrodo Proer.

A 2ª Turma do STJ deu provimento a recursos especiais interpostospela União e pelo Bacen, julgando improcedente a ação, o que legitimaa cobrança de TR acrescida de juros nos contratos de créditos rotativosfirmados pelo Proer.

Considerou, o STJ, que a prática não constitui anatocismo,ou, ainda, não se aplicando ao caso o que determina o art. 9º da Leinº 8.177/1991 (que estabelece regras para a desindexação da economia).Entendeu, o Tribunal, que os contratos questionados foram firmadoscom observância das regras próprias do Proer, legitimamente previstaspelo Bacen nos limites de sua competência.

Neste panorama, o STJ concluiu que, com a liquidação extraju-dicial do Banco Mercantil S./A., ocorreu o vencimento antecipado dadívida consubstanciada nos contratos questionados de acordo com oart. 18, b, da Lei nº 6.024/1974 e com a cláusula nona do contrato.

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Assim, os juros não poderiam fluir apenas na hipótese de a massa nãocomportar pagamento do principal.

Destaca-se que o provimento dos recursos propicia o retorno aoProer de mais de R$1 bilhão de reais, que iriam ser destinados aosdirigentes da instituição liquidanda.

d) Planos econômicosNo âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, destaca-se a atuação

decisiva na vitória da União nas ações revisionais de planos econômicos,ensejando enorme economia para os cofres públicos.

e) Reajuste da tabela de serviços do SUSA União, através do Recurso Especial nº 892.463-RS, obteve a

cassação de tutela antecipada concedida por juízo monocrático e man-tida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, referente a reajusteda tabela remuneratória dos serviços prestados ao Sistema Único deSaúde (SUS), de ação proposta em 09 de março de 2004, sob o funda-mento da limitação temporal do reajuste a novembro de 1999.

Outrossim, na Ação Rescisória nº 3.865-PR, ajuizada pela Uniãoe que objetiva desconstituir acórdão da Primeira Turma do STJ (Resp.576.456/PR), que versa sobre a falta de limitação temporal para o rea-juste da tabela de serviços do SUS por ocasião do Plano Real, o MinistroJoão Otávio de Noronha deferiu o pedido de antecipação de tutelapara suspender, até o final do julgamento da rescisória, a execução dosvalores apurados com base no período posterior à edição da PortariaGM/MS nº 1.230, de 14 de outubro de 1999.

Entendeu o Ministro Relator que a União bem demonstrou a con-figuração dos requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil, para odeferimento da tutela antecipada em caráter excepcional.

f) Federação Brasileira de HospitaisO Min. Relator Francisco Falcão deu provimento ao Recurso

Especial nº 865.113-DF, determinando o retorno dos autos ao TribunalRegional Federal da 1ª Região para que se manifeste sobre questõesarticuladas em embargos de declaração apresentados pela União.

No âmbito deste Recurso Especial, a Federação Brasileira deHospitais interpôs agravo regimental, improvido pela Primeira Turmado STJ por unanimidade.

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47As Procuradorias da União na viabilização das políticas públicas

Na origem, trata-se de Agravo de Instrumento interposto pelaUnião em face de decisão que não acolheu objeção de pré-executividadeda União em execução milionária movida pela Federação Brasileira dosHospitais (FBH).

g) COALBRAExecução de título judicial promovida pela Massa Falida de A

Araújo S./A. Engenharia e Montagens em desfavor de COALBRA –Coque e Álcool de Madeira S./A., sociedade de economia mista que foiextinta nos termos do Decreto nº 93.603/86.

Após o trânsito em julgado do aresto que rejeitou os embargosà execução, a União, por meio de simples petição, manifestou oposiçãoà expedição do precatório, ao argumento de restar eivado de nulidadeo processo de conhecimento que resultou na prolação do título judicialobjeto do feito executivo, vez que não teria sido pessoalmente intimadoo Ministério Público Federal, na condição de representante judicial daUnião à época. Insurgiu-se, ainda, contra a sentença de liquidação quehomologou os cálculos.

No Recurso Especial nº 667.002-DF, a Primeira Turma do STJdeu provimento à pretensão da União, anulando a decisão homolo-gatória dos cálculos de liquidação.

Reconheceu o STJ que, figurando a União como legítima suces-sora de extinta sociedade de economia mista, deveria ser citada paraintegrar a relação processual, sob pena de nulidade do título executivoque se formou em seu desfavor. Reconheceu, ainda, a competência daJustiça Federal para processar e julgar causas em que a União, aindaque na qualidade de sucessora de extinta sociedade de economia mista,tenha legítimo interesse e que a ausência de oposição de embargos àexecução não acarreta preclusão, pois a nulidade por incompetênciaabsoluta do juízo e ausência de citação da executada no feito que origi-nou o título, a qualquer tempo ou grau de jurisdição, pelo que, per-feitamente cabível sejam aduzidas por meio de simples petição, o queconfigura a cognominada “exceção de pré-executividade”.

A execução, em abril de 1998, foi homologada em R$213.903.618,83(duzentos e treze milhões, novecentos e três mil, seiscentos e dezoitoreais e oitenta e três centavos), sendo que a PRU - 1ª Região na épocaapontava um excesso à execução de R$199.293.124,23 (cento e noventa

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e nove milhões, duzentos e noventa e três mil, cento e vinte e quatroreais e vinte e três centavos) (julgado em 12.12.2006 – intimação da Uniãoem 26.03.2007).

Dessa atuação, também resulta a disponibilidade financeira daUnião para prosseguir investindo em suas políticas públicas em especialas políticas sociais, tais como, Programa de Erradicação do TrabalhoInfantil, Programa de Construção de Cisternas, Programa Bolsa Família,Benefício de Prestação Continuada, Serviços de Ação Continuada, Pro-grama Luz para Todos, Prouni, Saúde da Família, Distribuição de Medi-camentos, Procera, que trata do incentivo à agricultura familiar, dentremuitos outros.

Assim, para arrecadar, economizar e desenvolver mais as políticas sociaisdo Estado brasileiro, deve-se investir ainda mais na AGU.

Destaque-se que, além da economia de recursos financeiros, asProcuradorias da União defendem com êxito a constitucionalidade ea legalidade desses programas sociais, que também passaram pelo crivojurídico da AGU em sua elaboração, pelo trabalho da consultoria eassessoramento jurídico.

4 Atuação diretamente na implantação das políticas públicasInicialmente vale lembrar que as Procuradorias da União e o

Gabinete do Advogado-Geral da União são as únicas estruturas da AGUque exercem suas atribuições indistintamente para a garantia do livredesempenho dos três Poderes da União na implantação de suas políticaspúblicas, na defesa de suas prerrogativas e tudo o mais que as autorida-des desses Poderes, no exercício de suas funções e em face do interessepúblico, necessitarem demandar judicialmente, no pólo ativo ou passivo.No plano do contencioso internacional, é a PGU que detém a atribuiçãode atuar na representação da República Federativa do Brasil, aí agindona implementação das políticas públicas do Estado brasileiro.

No que tange às ações consideradas relevantes para o desenvol-vimento de políticas públicas, destacam-se aquelas que de alguma formaimpediam ou dificultavam a realização de obras do Plano de Aceleraçãodo Crescimento (PAC), um dos principais Programas de Governo, dentreoutras políticas públicas. Citamos alguns exemplos ocorridos ao longodo ano de 2007:

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49As Procuradorias da União na viabilização das políticas públicas

a) Hidrovia Paraná-ParaguaiAção Civil Pública nº 2000.36.00.010649-5, cujo objeto era

“obrigatoriedade de que seja efetuado um único Estudo de ImpactoAmbiental, e por lógico um único Relatório de Impacto Ambiental paratoda a hidrovia” Paraná-Paraguai, o que de fato inviabilizaria a realizaçãode uma obra pontual, qual seja, uma dragagem.

Diante da relevância da demanda para a execução de políticaspúblicas, conseguiu-se obstar a exigência de realização de um Estudode Impacto Ambiental e, conseqüentemente, a necessidade de obtençãode licença ambiental de toda a Hidrovia Paraná-Paraguai.

b) Hidrelétrica de Belo MonteA União obteve, na Ação Civil Pública nº 2006.39.000711-8, pro-

posta pelo Ministério Público Federal em face do IBAMA, Eletronortee outros, em trâmite na Subseção Judiciária de Altamira/PA, decisãofavorável no sentido da inexistência de óbices à continuidade do pro-cedimento de licenciamento da Usina: “... extinguindo o processo comresolução de mérito, nos termos do art. 269, I, do Digesto ProcessualCivil, julgo integralmente improcedentes os pedidos autorais, de formaque fica retirado, doravante, qualquer óbice judicial à prática dos pro-cedimentos a serem empreendidos pela União, pela Eletrobrás, pelaEletronorte e, especialmente, pelo IBAMA, este na condução do licen-ciamento da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, inclusive a realizaçãode estudos, consultas públicas, audiências públicas, enfim, tudo queseja necessário a possibilitar a conclusão final da autarquia ambientalquanto ao licenciamento, ou não, da obra, ficando assegurado o plenoexercício do seu poder de polícia, com integral e estrita observância doDecreto Legislativo nº 788/2005, do Congresso Nacional, em cujo atonormativo não vislumbro qualquer mácula de inconstitucionalidade”.

c) Hidrelétrica de EstreitoNa Ação Civil Pública nº 2007.43.00.003116-1, distribuída à 1ª

Vara Federal em Palmas, proposta pela Federação da Agricultura ePecuária do Estado do Tocantins (FAET) em face da União, do IBAMA,da ANEEL, da ANTAG, da ANA e do Consórcio Estreito de Energia(CESTE), visando à suspensão das obras de construção da UHE deEstreito até que seja autorizada a construção simultânea de uma eclusano barramento da hidrelétrica, o Juiz indeferiu a inicial.

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50 Luís Henrique Martins dos Anjos

Por outro lado, na Ação Civil Pública nº 2007.37.01.000175-6,proposta pela Associação de Desenvolvimento e Preservação dos RiosAraguaia e Tocantins e pelo Conselho Indigenista Missionário CIMI,foi deferida a liminar pela Justiça Federal em Imperatriz (MA), suspen-dendo a obra.

Todavia, através da atuação conjunta da Procuradoria-Geral daUnião, Procuradoria-Geral Federal e Procuradoria Federal Especializadajunto ao IBAMA, foi deferida a Suspensão da Liminar nº 2007.37.01.000175-6, pelo Presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

d) Aeroporto de GoiâniaAção civil pública nº 2004.35.00.013086-3, ajuizada com o objetivo

de se obter declaração de nulidade do processo licitatório relativo àsobras do Aeroporto Santa Genoveva, em Goiânia/GO.

O Tribunal Regional Federal - 1ª Região havia anulado a sentençade improcedência do pedido, para que fosse produzida prova pericial,bem como determinado a paralisação das obras, até a prolação de novasentença.

Irresignada, a União, em litisconsórcio ativo com a Infraero, ingres-sou com pedido de Suspensão de Liminar junto ao STJ, por meioda qual demonstrou as graves lesões advindas do acórdão, tais como ainutilização das obras já realizadas, a probabilidade de interdição dapista de pouso, a inoperância do aeroporto e o comprometimento damalha aeroviária.

Assim, na SLS nº 755/GO, o Presidente do Superior Tribunal deJustiça, Min. Raphael de Barros Monteiro, deferiu o pedido de suspensãodo acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

e) Infraestrutura de áudio e vídeo para os Jogos Pan-AmericanosAtravés da Suspensão de Segurança 1703-DF, a Procuradoria-Geral

da União suspendeu os efeitos da tutela antecipada concedida nosautos do Agravo de Instrumento n° 2006.01.00.048665-9/DF, interpostopela empresa Olus América Informática Ltda.

A decisão do Tribunal Regional Federal - 1a Região suspendeu adata já fixada para abertura das propostas da Concorrência n° 05/2006do Ministério dos Esportes, que visava à implantação de toda infra-estrutura de áudio e vídeo nas instalações esportivas, não esportivas ena Vila Pan-Americana, para a realização dos XV Jogos Pan-AmericanosRio 2007 e III Parapanamericanos.

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51As Procuradorias da União na viabilização das políticas públicas

O Superior Tribunal de Justiça avalizou as alegações da União, nosentido de que a republicação do edital poderia atrasar o cumprimentodo cronograma oficial do evento esportivo, comprometendo sua reali-zação, uma vez que no mês de março toda a estrutura já deveria estarmontada e preparada para testes, a fim de propiciar o correto funcio-namento dos serviços, imprescindíveis para a ocorrência e transmissãodos Jogos.

f) Controle do tráfego aéreoExemplo emblemático foi a Suspensão de Segurança concedida

para a União, na Ação Civil Pública nº 2007.61.19.006072-0, 2ª VaraFederal em Guarulhos/SP, sobre pedido de busca e apreensão de docu-mentos e registros relativos ao controle de trafego aéreo dos Aeroportosde Guarulhos (Cumbica), São Paulo (Congonhas) e Brasília (PresidenteJuscelino Kubitschek).

No mesmo sentido, vale destacar a suspensão da liminar concedidacontra a União na Ação Civil Pública nº 2007.61.00.005425-9, 2ª VaraFederal em São Paulo, em que se objetivava limitar o horário de fun-cionamento do Aeroporto Internacional de Congonhas.

g) Leilão da UHE Santo Antônio no Rio MadeiraA Procuradoria-Geral da União adotou o estabelecimento do

plantão jurídico, mobilizando 71 Advogados da União e 71 servidorestécnico-administrativos em todo país para interpor medidas judiciaisurgentes e garantir o sucesso da realização do leilão da UHE SantoAntônio, no Rio Madeira, Estado de Rondônia, na data de 10.12.2007.

h) Acordos celebrados em âmbito nacionalDestaca-se o acordo homologado nos autos da Ação Civil Pública

nº 00810-2006-017-10-00-7, proposta pelo Ministério Público doTrabalho em face da União, cujo objeto versa sobre a intermediaçãoirregular de mão-de-obra praticada no âmbito da Administração PúblicaFederal Direta.

O citado acordo, além de pôr termo à citada ação civil pública,implicará na extinção de diversas outras demandas com objeto seme-lhante em todo o país, além de gerar a extinção de vários procedimentosinvestigatórios em diversas Procuradorias Regionais do Trabalho queenvolvem o tema da terceirização imprópria em órgãos da AdministraçãoPública Federal Direta.

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Saliente-se que, considerando a violação ao artigo 37, II, daConstituição Federal e do Decreto no 2.271/97, o Ministério do Planeja-mento, Orçamento e Gestão já havia apresentado ao Tribunal de Contasda União proposta para substituir empregados terceirizados por servi-dores concursados, tal como restou decidido no Acórdão no 1520/2006-TCU, sendo certo que o acordo já assinado pelo Advogado-Geral daUnião ratificará este compromisso.

Atuação da PGU nas ações rescisórias (0203-2004-000-10-00-3 e00345-2003-000-10-00-0) que tramitaram perante o Tribunal Superiordo Trabalho e que tinham como objeto a desconstituição do termode conciliação firmado entre a União e o Ministério Público do Trabalhovisando coibir a intermediação irregular de mão-de-obra através dacontratação de cooperativas.

i) Atuação em âmbito internacional da PGUCoordenação da implementação das Metas 9 e 10 da ENCCLA

2007, que tratam da elaboração de parecer sobre o acesso a dadoscadastrais pelos órgãos da Administração Pública Federal.

Retomada da atuação no caso TRT-SP perante a jurisdição suíça,por meio da contratação de escritório especializado pela AGU.

Atuação perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos,tendo o Brasil obtido sucesso no caso “Gilson Nogueira”, cujo pedidofoi julgado improcedente, pelo que coube à PGU o patrocínio da defesanacional.

Implementação da Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis doSeqüestro Internacional de Crianças, por meio da propositura de açõesde busca, apreensão e restituição de menores, tendo sido obtido emvárias delas o retorno das crianças aos seus países de residência habitual.

Participação na avaliação do Brasil pelo Grupo de Trabalho daOCDE contra a Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros emTransações Comerciais Internacionais, tendo a PGU participado dareunião por ocasião da visita dos avaliadores a nosso país, bem como dareunião plenária do Grupo de Trabalho, na OCDE, em Paris, realizadanos dias 4 a 7 de dezembro.

Participação na delegação brasileira de avaliação da Argentinaquanto à implementação da Convenção da OCDE contra subornotransnacional.

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53As Procuradorias da União na viabilização das políticas públicas

5 Atuação preventiva e organizacionalA AGU instituiu no ano de 2007 um projeto de redução de litigiosidade

e mesmo que saibamos que não é no âmbito das demandas que atuamas Procuradorias da União que se encontra o quantitativo mais expressivode litigiosidade a ser reduzido, a PGU contribuiu decisivamente parao êxito desse projeto. A PGU apontou como objetivos desse projeto, emseu âmbito: inibir novas demandas; imprimir celeridade às demandasjá ajuizadas; não recorrer de matérias já objeto de entendimento con-solidado dos Tribunais Superiores desfavorável à União; interpor recursopara fazer prevalecer entendimento favorável à União dos Tribunais;identificação e uniformização de questões incidentais a serem suscitadasna fase de execução que protraem o término do processo; realizarparcelamentos de dívidas; celebrar acordos.

Apontamos como sugestões de medidas para inibição de novasdemandas: atuação dos órgãos do Consultivo na resolução administrativade litígios, evitando sua judicialização; integração dos órgãos de execuçãodo Contencioso com os órgãos do Consultivo, cabendo aos primeirosinformar sobre novas teses surgidas em Juízo, o que é implementadopelo pedido de informações feito pelas Procuradorias às ConsultoriasJurídicas dos Ministérios e aos Núcleos de Assessoramento Jurídico daConsultoria-Geral da União, quando da propositura das ações; divul-gação pelas Procuradorias das teses vitoriosas da União, evitando quenovas demandas fadadas ao insucesso sejam ajuizadas; estímulo aocontrole de litispendência e divulgação das medidas adotadas.

Já as medidas para atuação processual com maior eficiência foramsistematizadas a partir da identificação e diagnóstico de grandes temastratados em ações promovidas contra a União. No caso das chamadasteses não-terminativas, que estão sujeitas à prescrição em cada casoconcreto, sendo renováveis, surgindo novos casos, a redução de litigio-sidade se dá mediante a atuação preventiva no âmbito administrativo, aedição de enunciados de Súmula da AGU, a identificação de pontosfrágeis, visando à construção de doutrina e jurisprudência favorávelà União. Nos casos das chamadas teses terminais, que estão sujeitasà prescrição geral aplicável a todas as ações e não sendo renováveis, aredução de litigiosidade se dará por intermédio de medidas de caráteradministrativo, nos casos de demandas não-prescritas, e, na hipótese

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de demandas prescritas, por intermédio da célere resolução da demanda,otimizando-se o tempo de atuação do advogado, através da identificaçãode questões relevantes a serem postas na fase de execução, e dispensade recurso nos demais casos.

Visando à atuação processual eficiente e a redução no tempo deduração dos litígios, a PGU em 2007 concluiu 18 estudos sobre matériasque poderiam vir a ser objeto de edição de Súmula Administrativa peloAdvogado-Geral da União, algumas delas já editadas durante o anode 2008, estando em análise ainda diversos temas sugeridos pelasProcuradorias de todo o país.

Noutra linha de atuação preventiva, deve se buscar a ampliaçãoda uniformização das teses jurídicas, sem prejuízo da casuística pro-cessual, através de sistema informatizado que integre todas Procuradoriase Consultorias na definição da tese e agilização de sua utilização.

Registre-se que a legislação atual já permite a descentralizaçãoaos Procuradores Regionais e Procuradores Chefes da União a análisee decisão dos pleitos de acordos judiciais e parcelamentos de débitosformulados pela parte que litiga com a União em demandas cujo valorda causa seja inferior a R$50.000,00 (cinqüenta mil reais). Acima destevalor nem o Advogado-Geral da União tem competência para decidirsem a participação do Ministério a que a matéria está afeta. Percebe-sea necessidade de alteração da lei que versa sobre a possibilidade decelebração de acordos judiciais e parcelamentos de débitos, permitindouma maior descentralização e, portanto, redução no tempo de duraçãodos litígios e garantia de economia aos cofres públicos, a partir deparâmetros objetivamente definidos.

Em síntese, no âmbito organizacional, a estrutura e o funcio-namento das Procuradorias da União devem adotar como diretrizes aespecialização, descentralização e uniformização de procedimentos,adotando-se a postura de prevenção e de minoração da litigiosidade.

Também como ferramenta organizacional legítima, foi instituído,no ano de 2007, um procedimento administrativo e institucional quevisa à escolha de Advogados da União para os cargos de ProcuradorRegional da União, Procurador-Chefe da União no Estado e de Pro-curador-Seccional da União, realizado a cada quatro anos e denominadode Consulta Geral para escolha de chefias da PGU. Também foi prevista

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a realização de consultas específicas quando for necessária a alteraçãoantes do período de quatro anos. Pelo voto dos Advogados da Uniãolotados e/ou em exercício na PGU e em suas unidades, são compostaslistas dos mais votados, como sugestão coletiva, para serem encaminhadasao Advogado-Geral da União, nos termos da Portaria nº 1, do PGU, de8 de maio de 2007. Esse processo de Consulta Geral foi aberto pelaprimeira vez no mês de maio de 2007 em todas as unidades descentra-lizadas da PGU (à época, 56 Procuradorias). Inscreveram-se 125 candi-datos para a escolha e votaram 90,5% dos 703 Advogados da União docolégio eleitoral naquele momento. Podemos afirmar que o resultadopositivo desse procedimento também restou demonstrado pela am-pliação da qualificação dos trabalhos desenvolvidos pelas Procuradoriasda União em todo Brasil, reforçados pela maior legitimidade de suasgestões e consolidado no Ato Regimental nº 7, do AGU, de 11 de outubrode 2007.

ConclusãoAs Procuradorias da União, diretamente ou em conjunto com os

demais órgãos da AGU, em todo o país, têm viabilizado, através de suaatuação judicial, o livre funcionamento dos Poderes da República, desdea defesa de suas prerrogativas, passando pela liberação de obras para oadequado funcionamento dos três Poderes da União e de suas funçõesessenciais à justiça, além de importantes políticas públicas legitimamenteaprovadas pelo processo democrático, tais como a integração das baciasdo Rio São Francisco, desenvolvimento sustentável na geração de ener-gia, obras em rodovias, hidrovias e portos, auxiliando na efetivaçãodo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) o que também estárelacionado com a efetivação das políticas sociais do Estado brasileiro.

Ocorre que muitas vezes nessa sua atuação a AGU como um tododeve agir para arbitrar colisões de interesses, seja no plano da sociedade,seja no plano federativo; ou entre os Poderes da República, ou interna-mente na administração pública federal.

Diante disso, o Advogado de Estado deve utilizar de uma her-menêutica jurídica material e renovada, que busque a concordânciaprática, fundada na ponderação de valores, para alcançar a harmonizaçãoda colisão dos direitos que se apresentam no dia-a-dia do seu trabalho.

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Para tanto, é imprescindível compreendermos a Constituição comoo centro do sistema jurídico, estabelecendo o mínimo de direitos egarantias da esfera pública e o mínimo de direitos e garantias da esferaprivada, ficando a critério do jogo político ampliar um ou outro lado.Já, em relação ao interprete da norma constitucional, dessa concepçãoconstitucional, resulta o princípio da unidade da constituição, enquantounidade hierárquico-normativa, o que afasta a possibilidade de anti-nomias normativas ou a possibilidade de normas constitucionais ori-ginárias serem inconstitucionais. Assim, é exigida coerência narrativado sistema jurídico. E, no particular da atuação do Advogado de Estado,compete, a partir dessa coerência, defender a política pública democra-ticamente eleita, que respeite aqueles mínimos da esfera privada epública, mas que decididamente direciona a atuação estatal em um ounoutro sentido.

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Parte IIProbidade Administrativa

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59A função consultiva da Advocacia-Geral da União na prevenção da corrupção nas licitações...

A função consultiva da Advocacia-Geralda União na prevenção da corrupçãonas licitações e contratações públicasAngélica Moreira Dresch da SilveiraEx-Procuradora do Município de Porto Alegre. Ex-Procuradora do Estado do Rio Grande doSul. Advogada da União. Especialista em Direito e Economia – UFRGS. Especialista emDireito Público – FATO. Especializanda em Direitos Fundamentais e Direitos do Consumidor –UFRGS.

Resumo: A corrupção envolvendo licitações e contratações realizadaspela Administração Pública, ou seja, órgãos da administração direta, fundosespeciais, autarquias, fundações públicas, empresas públicas, sociedadesde economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamentepela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, junto a fornecedoresprivados, revelada por atos de improbidade administrativa, tem sidocomumente objeto de escândalos e implica em grandes prejuízos aos cofrespúblicos. Estima-se que, em alguns casos, a corrupção represente mais de30% dos custos governamentais decorrentes de processos de licitação. Aminuciosa análise das minutas de editais de licitação, bem como dosrespectivos contratos, pelo setor consultivo da Advocacia-Geral da União,constitui um fator determinante na prevenção de ‘atos de corrupção’, namedida em que permite limitar o grau de arbítrio dos agentes públicosenvolvidos nesses procedimentos, detectar as situações de risco e asilicitudes que, não raro, permeiam os atos e contratos administrativos. Oassessoramento jurídico aos órgãos da Administração Pública Federal(Poder Executivo), no controle interno da legalidade administrativa dosatos a serem por eles praticados ou já efetivados, e em especial, o examedas regras que disciplinarão o procedimento licitatório, bem como da-quelas que deverão regular a execução contratual, e dos atos pelos quaisse vá reconhecer a inexigibilidade ou decidir a dispensa de licitação,constituem funções específicas dos Núcleos de Assessoramento Jurídico(NAJs), unidades da Consultoria-Geral da União(CGU), órgão de direçãosuperior da Advocacia-Geral da União (AGU).

Palavras-chave: Advocacia-Geral da União. Corrupção. Licitações econtratações públicas.

Sumário: Introdução - 1 Os Núcleos de Assessoramento Jurídico (NAJS)na estrutura institucional da Advocacia-Geral da União (AGU) - 2 Acorrupção nas licitações e contratações públicas: o direcionamento dalicitação, o superfaturamento de preços e o fracionamento de despesa -2.1 Direcionamento da licitação - 2.2 Superfaturamento - 2.3 Fraciona-mento de despesa como forma de manipulação da licitação e dascontratações diretas - 3 Corrupção na execução contratual: as fraudes nasubcontratação e na fiscalização - 3.1 Subcontratação - 3.2 A fiscalizaçãodos contratos - Conclusão - Referências

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60 Angélica Moreira Dresch da Silveira

IntroduçãoA corrupção no setor público tem sido objeto constante na pauta

de grandes economias mundiais. Isso porque ela gera custos, como adiminuição do crescimento econômico, comprometimento das insti-tuições políticas, descrédito dos serviços públicos e o agravamento deproblemas sociais. Interfere negativamente na avaliação do risco de in-vestimentos, na economia de países, que convivem com ela.

Diante dos graves problemas causados pela corrupção, desenvolve-se, no País, a necessária conscientização da importância das atividadesde fiscalização e de controle, exercidas pelo Tribunal de Contas daUnião e pela Controladoria-Geral da União, no combate e na prevençãoà corrupção.

Ao lado dessas instituições, sobressai o papel da Advocacia-Geralda União (AGU), órgão responsável pela representação judicial e extra-judicial da União, bem como pela prestação, exclusiva, de consultoriae assessoramento jurídico do Poder Executivo.

A atuação da Advocacia-Geral da União se desenvolve através deduas áreas. Na área do consultivo, por meio do assessoramento e orien-tação dos dirigentes do Poder Executivo Federal-Administração Direta,visando conferir segurança jurídica aos atos administrativos que serãopor eles praticados, notadamente quanto à materialização das políticaspúblicas, à viabilização jurídica das licitações e dos contratos e, ainda,na proposição e análise de medidas legislativas (Leis, Medidas Provi-sórias, Decretos e Resoluções, entre outros). Ou seja, a atuação do consul-tivo da AGU visa orientar o administrador quanto à legalidade de seusatos, evitando a prática de fraudes nos procedimentos licitatórios e naexecução de contratos públicos. Na área do contencioso, por meio darepresentação judicial e extrajudicial da União. Isto implica, dentre outrasmedidas de defesa do patrimônio público e da probidade na Adminis-tração, no ajuizamento de ações judiciais de improbidade administrativa,para fins de punição dos responsáveis, por desvios de dinheiro público epara o devido ressarcimento ao erário. Desse modo, o espectro das açõesdesenvolvidas pela AGU é amplo; no consultivo, as atividades relacio-nadas à análise de editais de licitações e de minutas de contratos admi-nistrativos estão voltadas à prevenção dos atos de corrupção; e na áreacontenciosa, ao combate à corrupção e ao devido ressarcimento ao erário.

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61A função consultiva da Advocacia-Geral da União na prevenção da corrupção nas licitações...

A corrupção pode se materializar através da apropriação indevidade bens, serviços e dinheiro públicos, cobrança de propinas, extorsão,compra e venda de influência política e através de fraudes em licitações.

Uma das formas mais comuns de corrupção é a fraude praticadano âmbito das licitações e contratações públicas. Ou seja, ‘Frustrar alicitude do processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente’, constituematos de improbidade administrativa, que causam prejuízos ao erário,tipificados, expressamente, no art. 10, inciso VIII da lei de ImprobidadeAdministrativa (Lei nº 8.429/92).

Improbidade significa o agir com desonestidade, má-fé ou comausência de lisura. As licitações e contratações públicas devem ser pau-tadas em atos de probidade administrativa. A probidade, nesse sentido,está relacionada à conduta dos agentes públicos.

Parte-se da premissa de que o poder discricionário concedido àAdministração Pública para a prática de atos administrativos, com liber-dade de escolha, quanto a sua conveniência, oportunidade e conteúdo,tem sido determinante na vulnerabilidade das licitações e contrataçõespúblicas à corrupção.

Neste artigo procuramos demonstrar a importância da atividadeconsultiva da Advocacia-Geral da União, desenvolvida pelos Núcleosde Assessoramento Jurídico (NAJs) , nos Estados, na prevenção da cor-rupção e na preservação da probidade, nos procedimentos licitatórios ede contratações diretas.

Inicialmente definimos a posição dos NAJs, dentro da estruturainstitucional da Advocacia-Geral da União, pontuando, dentre suasatribuições, aquelas que entendemos de fundamental importância,para evitar a prática dos atos de improbidade administrativa nessesprocedimentos.

A seguir, partindo de uma definição do que seja ‘corrupção’ nessecontexto, são abordadas questões atinentes ao direcionamento da lici-tação, superfaturamento de preços, fracionamento de despesas, sub-contratação e fiscalização contratual.

A importância desse estudo é evidente, porque segundo estimativasde setores especializados, em alguns casos, a corrupção representa maisde 30% dos custos governamentais decorrentes de processos de licitação.De acordo com o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT),

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o Brasil perde, anualmente, 32% da arrecadação tributária em corrupçãoe ineficiência administrativa.

A atividade preventiva deve partir da compreensão das condiçõesque propiciam a corrupção. À vista disso, o exame jurídico dos editaisdos procedimentos licitatórios e dos instrumentos referentes aos con-tratos administrativos daí decorrentes, revela-se mecanismo de funda-mental importância no controle dos atos de improbidade administrativaque causam prejuízos ao Erário, como se revelam as fraudes à licitação.

1 Os Núcleos de Assessoramento Jurídico (NAJS) na estruturainstitucional da Advocacia-Geral da União (AGU)

A Consultoria-Geral da União (CGU) constitui o órgão de direçãosuperior da Advocacia-Geral da União (AGU) e é responsável pelo asses-soramento jurídico aos órgãos do Poder Executivo. Nesse sentido dispõea Lei Complementar nº 73, de 11 de fevereiro de 1993:1

Art. 2º - A Advocacia-Geral da União compreende:

I - órgãos de direção superior:

a) o Advogado-Geral da União;

b) a Procuradoria-Geral da União e a da Fazenda Nacional;

c) Consultoria-Geral da União;

d) o Conselho Superior da Advocacia-Geral da União; e

e) a Corregedoria-Geral da Advocacia da União;

Art. 10 - À Consultoria-Geral da União, direta e imediatamente subordinada aoAdvogado-Geral da União, incumbe, principalmente, colaborar com este emseu assessoramento jurídico ao Presidente da República produzindo pareceres,informações e demais trabalhos jurídicos que lhes sejam atribuídos pelo chefeda instituição.

Em Brasília, as atividades relacionadas ao assessoramento jurí-dico dos Ministérios são desempenhadas por Consultorias Jurídicasespecializadas.2

1 Institui a Lei orgânica da Advocacia-Geral da União e dá outras providências.2 Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado,

ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe doEstado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente: I - assessorar as autoridades indicadas nocaput deste artigo; [...] V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativados atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob suacoordenação jurídica;VI - examinar, prévia e conclusivamente, no âmbito do Ministério, Secretaria eEstado-Maior das Forças Armadas: a) os textos de edital de licitação, como os dos respectivos contratosou instrumentos congêneres, a serem publicados e celebrados; b) os atos pelos quais se vá reconhecer ainexigibilidade, ou decidir a dispensa, de VII.

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Nos Estados-membros, esta atividade consultiva encontra-se afetaaos Núcleos de Assessoramento Jurídico (NAJs), que integram, portanto,a estrutura da CGU.

Aos Núcleos de Assessoramento Jurídico compete, dentre outrasatribuições, analisar, de forma preventiva, a constitucionalidade e a lega-lidade dos atos a serem praticados, ou já efetivados, por administradorespúblicos federais, que atuam fora de Brasília.

No âmbito deste controle preventivo, os NAJs analisam, prévia econclusivamente, os textos de editais de licitação, os respectivos contra-tos e instrumentos congêneres a serem celebrados e publicados, etambém os atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade ou decidira dispensa de licitação.

Nesse sentido, o disposto no art. 19, incisos VI e VII, alíneas ‘a’ e‘b’ do Ato Regimental nº 05, de 27.09.2007, da AGU:3

Art. 19. Compete aos Núcleos de Assessoramento Jurídico:

I - assessorar os órgãos e autoridades da Administração Federal Direta locali-zados fora do Distrito Federal quanto às matérias de competência legal ouregulamentar desses órgãos e autoridades, sem prejuízo da competência dasConsultorias Jurídicas dos Ministérios ou órgãos equivalentes prevista no art.11 da Lei Complementar nº 73, de 1993;

[...]

VI - assistir os órgãos e autoridades assessorados no controle interno da legalidadeadministrativa dos atos a serem por eles praticados ou já efetivados;

VII - examinar, prévia e conclusivamente, no âmbito dos órgãos assessorados:

a) os textos de editais de licitação e os respectivos contratos ou instrumentos congêneres aserem celebrados e publicados; e

b) os atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade ou decidir a dispensa de licitação;(grifei)

[...]

A Lei de Licitações (Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993) dispõeno seu art. 38, inciso VI, que, dentre os documentos que devem comporo procedimento administrativo, estão os pareceres técnicos ou jurídicosemitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade. No parágrafoúnico do mesmo dispositivo legal refere que: “As minutas de editais de

3 Dispõe sobre a competência, estrutura e o funcionamento da Consultoria-Geral da União e as atribuiçõesde seu titular e demais dirigentes.

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licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustesdevem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica daAdministração” (grifei).

Pois bem, esse assessoramento jurídico realizado à Administraçãoconstitui, em síntese, atribuição dos Núcleos de Assessoramento Jurí-dico, que em sua maior parte concentra-se na análise de editais delicitação e minutas de contratos administrativos efetivados no âmbitodos órgãos assessorados (p. ex. Superintendências Regionais da PolíciaFederal, da Polícia Rodoviária Federal, do Ministério da Agricultura, doMinistério do Trabalho e Emprego, Unidades Regionais de Atendimentoda própria AGU, Unidades Militares, como o Comandos Regionais doExército, da Aeronáutica, dentre outros).

O trabalho desenvolvido pelos Núcleos de assessoramento nãotem se limitado à análise de editais de licitação dos órgãos assessorados.Em Porto Alegre, no ano de 2006, e em São Paulo, neste ano de 2008,os respectivos NAJs elaboraram modelos padrões de editais de licitaçãoe seus anexos, em conformidade com a legislação de regência das váriasmodalidades licitatórias existentes no ordenamento jurídico brasileiro,visando agilizar os procedimentos e evitar questionamentos judiciaisacerca da regularidade dos certames. Isso, é claro, contribui muito paracercear subjetivismos, limitar a discricionariedade do administrador,vícios que, não raro, permeiam vários editais oriundos de órgãos asses-sorados e acabam tornando o procedimento vulnerável à corrupção.

Definida a posição institucional dos Núcleos de AssessoramentoJurídico (NAJs) na estrutura da Advocacia-Geral da União, passaremosa demonstrar como a atividade preventiva desenvolvida por eles revela-se útil na prevenção à corrupção nas licitações e contratações públicas.

2 A corrupção nas licitações e contratações públicas: o direcio-namento da licitação, o superfaturamento de preços e ofracionamento de despesa

A palavra ‘corrupção’ vem do latim “rumpere” — romper, quesignifica a quebra de algo, uma regra de conduta, moral, social ou legal.4

A melhor definição, no contexto analisado, é aquela que considera

4 TANZI, V. Corruption, around the world: causes, consequences, scope, and cures. IMF, p. 559-594.

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corrupção como o uso de cargo público para benefício particular,5

envolvendo sempre um agente público e um agente privado.6 Em outraspalavras, consiste no uso do poder para obter vantagens ilícitas.

Uma licitação, seja para a aquisição de bens, seja para a contrataçãode um serviço, sempre coloca de um lado um agente público e de outro,fornecedores/ empresas, que disputam entre si a contratação para o for-necimento dos bens ou serviços pretendidos pela Administração. Deum lado o público, com sua ação predefinida pela lei, de outro, o privado,com ampla liberdade de atuação.

Abramo e Capobianco, em estudo acerca do tema ‘licitações ecorrupção’, apontam o grau de discricionariedade atribuído ao admi-nistrador, como a causa da vulnerabilidade de um sistema legal de lici-tações. Quanto maior for este grau, maiores serão as oportunidades decorrupção.7 Assim, o que permitiria a corrupção em licitações e con-tratos públicos seriam as decisões do administrador que, por exemplo,excluem empresas da competitividade, através de exigências, critériosfinanceiros e técnicos não justificados, ou melhor, justificados sob o viésdo “interesse público”, que mascara, na verdade, interesses privados;estabelecem critérios arbitrários de julgamento das propostas, ou aindaprivilégios na fiscalização dos contratos e no cumprimento de obrigaçõespela contratada.

Em outros termos, o grau de arbítrio conferido ao agente públicopode propiciar práticas de direcionamento da licitação, o que burla oprincípio da isonomia e elimina a concorrência, fundamental à seleçãoda proposta mais vantajosa para a futura contratação. O direcionamentodo procedimento licitatório, a prática de superfaturamento de preços eo fracionamento de despesa com vistas à licitação em modalidade diversa

5 De acordo com a teoria econômica neoclássica, a atividade de alguns indivíduos e grupos, na busca derendas extramercado (ganhos que não tem origem nem no trabalho nem no capital), para si próprios,através do controle do Estado, denomina-se ‘rent-seeking’. Essas atividades ‘rent-seeking’ visam transferirrenda não gerá-la. Assim, transpondo para a área de licitações e contratos, o direcionamento de licitaçõese a criação de privilégios aos agentes econômicos, determinados por critérios não competitivos, podegerar um alto custo para a sociedade. Isso porque, do ponto de vista da eficiência econômica, as atividades‘rent-seeking’ implicam na alocação ineficiente de recursos econômicos escassos em atividadesimprodutivas. (SILVA. O controle dos processos de licitação: uma análise de economia política: 1ª Parte.Estudos Econômicos da Construção- Sinduscon).

6 Conceito apresentado no relatório desenvolvido por ‘Kroll <www.krollworldwide.com> The risk ConsultingCompany’ e Transparência Brasil <www.transparencia.org.br>, intitulado “Fraude e Corrupção no Brasil:A perspectiva do setor privado”, colaboradores Johann G Lambsdorff, Wilton de Oliveira Bussab e SaloVinocur Coslovsky.

7 ABRAMO; CAPOBIANCO. Licitações e contratos: os negócios entre setor público e setor privado. Disponívelem: <http://www.transparencia.org.br>. Acesso em: 5. set. 2008.

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daquela prevista em lei ou visando à contratação direta, sem licitação,retratam as formas mais comuns de corrupção.

Na dicção do disposto no art. 3º da Lei de Licitações:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucionalda isonomia e a selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração e seráprocessada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos dalegalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, daprobidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do jul-gamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (grifei)

2.1 Direcionamento da licitaçãoO direcionamento da licitação ocorre quando o administrador

público do órgão licitante estabelece exigências de qualificação técnicae econômico-financeira, condições especiais que só determinada (s)empresa(s) possui (em), burlando assim a concorrência, excluindo amaioria das empresas interessadas do certame. Consiste numa espécie de“reserva de mercado” ficta, porque as possíveis concorrentes já são des-classificadas antes mesmo da abertura de suas propostas, permanecendoapenas aquele fornecedor envolvido no esquema de corrupção.

Os agentes corruptos podem criar assim um “monopólio’ da em-presa participante do processo licitatório. Exemplificando: nas comprasefetuadas através da modalidade licitatória convite, a Lei de Licitações— Lei nº 8.666/93 — no seu art. 22, §3º, exige que se obtenham nomínimo três distintas cartas com proposta de preço. O agente públicopode escolher apenas uma empresa e esta se encarrega de encontrar asoutras duas cartas. Evidentemente que isso pode ocorrer por desídia daAdministração e não necessariamente por ato de corrupção.8 Mas essamodalidade licitatória permite esse dirigismo na escolha do contratado.

Pode ocorrer ainda que a decisão do administrador sobre o ven-cedor da licitação seja tomada com base em aspectos subjetivos traves-tidos de natureza técnica. O exercício de arbítrio no julgamento podeser reforçado por uma definição imprecisa do objeto da licitação. Porexemplo, considerações sobre a qualidade, necessariamente subjetivas,passam a fazer parte do processo de definição do vencedor. Dessa formatorna-se fácil “vender” o resultado do julgamento.9

8 CASTRO. Combate à corrupção em licitações públicas. (Documento de Trabajo 07-03, série de Economia 02).9 ABRAMO; CAPOBIANCO, 2008.

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A modalidade convite está mais vulnerável às práticas ilícitas, porqueé aquela que atribui o maior grau de discricionariedade ao administra-dor público. O administrador escolhe dentre três fornecedores/presta-dores de serviços, aquele que será o contratado para a execução do objetolicitado. Isso permite simulações, como por exemplo, a contratação deempresa que não fabrica, nem presta os serviços relacionados ao objetodo contrato; ou seja, a contratada não pertence ao ramo de atividade,objeto da licitação. Também pode ocorrer que a contratada/convidadapertença ao mesmo proprietário das demais empresas convidadas, oque evidencia fraude à competitividade entre as licitantes, já que a con-corrência é, de fato, eliminada.

A Lei de Licitações define como crime o ato de frustrar ou fraudaro caráter competitivo do procedimento. Vejamos:

Art. 90 Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outroexpediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuitode obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objetoda licitação:

Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.

A Lei de Improbidade administrativa, a seu turno, define a fraudecomo ato de improbidade que causa prejuízos ao erário.

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualqueração ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apro-priação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidadesreferidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

[...]

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente. (grifei)

A análise prévia da minuta do edital e seus anexos, pelos NAJs,permite, muitas vezes, detectar o excesso de arbítrio conferido ao admi-nistrador, nas diversas fases que compõem o procedimento licitatório,inclusive os critérios de julgamentos “dirigidos”. Viabiliza-se assim umcontrole preventivo da legalidade, tornando o procedimento menosvulnerável a atos de corrupção.

2.2 SuperfaturamentoO superfaturamento consiste em aumentar artificialmente o valor

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dos preços referentes ao fornecimento bens ou contratação de serviços,de forma a propiciar lucros adicionais à empresa fornecedora em trocade benefícios escusos/propina. Preços superfaturados significam preçosmanifestamente superiores àqueles praticados no mercado.

Marçal Justen Filho10 leciona que o superfaturamento não signi-fica necessariamente um preço ‘falso’ ou ‘lucro excessivo’, mas sim umaelevação injustificada do valor de um bem ou serviço quando a contra-tação se dá com o Estado, ou seja, perante particulares o contratadopratica outros preços significativamente menores. A caracterização depreço superfaturado estaria vinculada a alteração das condições habituaisde negócios e na oneração injustificada dos cofres públicos; ou seja, alicitante perante contratantes particulares, pratica determinados preços,mas quando a contratante é a Administração Pública, esses mesmosvalores são elevados, injustificadamente, de forma a provocar excessivaonerosidade aos cofres públicos.

Nessa ordem de idéias, traz-se à colação a doutrina de Jorge UlissesJacoby Fernandes,11 referindo decisão do Tribunal de Contas da União.12

Tecnicamente a parcela excedente ao preço justo ou de mercado caracteriza-secomo prejuízo. Quando a Administração Pública contrata com preços superfa-turados, há o desembolso de despesa em valor excedente, sem contraprestação,parcela essa que deve ser considerada como prejuízo, como o é qualquer despesasem amparo legal processada pela Administração. Se é dever indeclinável contratara preços de mercado, qualquer despesa efetivada além desse limite deve serreembolsada ao Erário pelo agente responsável direto pela sua efetivação.

A prática de superfaturamento está diretamente associada à ausên-cia ou insuficiência de uma ampla e prévia pesquisa de preços, seja paraas contratações que exigem licitação, seja para os casos de contrataçãodireta (dispensa e inexigibilidade de licitações — arts. 24 e 25 da Leinº 8666/93, respectivamente).

A Administração, previamente à licitação ou contratação diretade obras, serviços e compras (art. 7. §2º, II e art.14 da Lei de Licitações),deve proceder a uma ampla pesquisa de preços, a fim de estimar o custo

10 JUSTEN FILHO. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 295.11 FERNANDES. Contratação direta sem licitação: dispensa de licitação: inexigibilidade de licitação:

comentários às modalidades de licitação, inclusive o pregão: procedimentos exigidos para a regularidadeda contratação direta, p. 375.

12 Acórdão nº 88/1999-Plenário TCU.

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do objeto a ser adquirido, definir os recursos orçamentários suficientespara a cobertura das despesas contratuais, além de servir de balizamentopara a análise das propostas dos licitantes. O critério de aceitabilidadedas propostas poderá ter como base o preço máximo13 fixado, caso emque as propostas oferecidas superiores a esse valor serão desclassificadas;ou pode a Administração fixar um valor estimado, que admite em prin-cípio, a contratação por preço superior, desde que compatível com opreço de mercado, devidamente justificado. Ambos os critérios (preçomáximo ou preço estimado) podem implicar em prejuízos ao erário,quando tiverem como base preços muito acima daqueles praticados pelomercado, ou seja, superfaturados.

De acordo com o Tribunal de Contas da União:

A fase interna do procedimento relativo a licitações públicas observará a seguinteseqüência de atos preparatórios:

[...]

estimativa do valor da contratação, mediante comprovada pesquisa demercado;

[...]

Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio públicoa geração de despesa ou assunção de obrigação que não atenderem ao dispostona LRF. [Lei de Responsabilidade Fiscal]

Segundo determina a LRF, a estimativa da despesa e do seu impacto orça-mentário-financeiro é peça fundamental dos procedimentos de licitação e deveestar acompanhada das premissas e da metodologia de cálculo utilizadas paradeterminá-la.

O valor estimado da contratação será determinante na escolha damodalidade de licitação a ser realizada (concorrência, tomada de preços,convite), exceto quanto à modalidade Pregão.14

A pesquisa de preços constitui pressuposto inarredável à regu-laridade do processo licitatório. Ela definirá o custo real do objeto a ser

13 De acordo com o art. 40, inc. X da Lei nº 8.666/93, poderá ser fixada preço máximo que a Administraçãose dispõe a pagar pelo objeto contratado. Na modalidade licitatória do pregão, para a aquisição/contratação de bens e serviços comuns, realizada através do Sistema de Registro de Preços (SRP), éfixado no edital um valor máximo para cada item, caso em que os lances acima deste valor sãodesclassificados.

14 O Pregão constitui modalidade licitatória, instituída pela Lei nº 10.520, de 17.07.2002., destinada,exclusivamente, para a aquisição de bens e serviços comuns, independentemente do valor estimado dacontratação. Pode ser feito sob a forma presencial, regulada pelo Decreto nº 3.555/2000, ou eletrônica,regulada pelo Decreto nº 5.450/2005. (BRASIL. Tribunal de Contas da União. Licitações e contratos:orientações básicas).

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contratado, traduzindo-se na materialização dos princípios da eficiênciae economicidade.15 Nesse sentido, a legislação disciplinadora das lici-tações e contratações públicas.

Lei n.° 8.666/93 (Lei Geral de Licitações):

Art. 7° [...]

§2º - As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:

II - existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição detodos os seus custos unitários; [...]

§9° - O disposto neste artigo aplica-se também, no que couber, aos casos dispensae inexigibilidade de licitação.

Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:

III - submeter-se às condições de aquisição e pagamento semelhantes às dosetor privado;

[...]

§6º Qualquer cidadão é parte legítima para impugnar preço constante do quadrogeral em razão de incompatibilidade desse com o preço vigente no mercado.

Art. 43 - A licitação será processada e julgada com observância dos seguintesrequisitos procedimentais: [...]

IV - verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do editale, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgãooficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços,os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendoa desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis;

Decreto nº 6.170/07 (Dispõe sobre as normas relativas às transferências derecursos da União mediante convênios e contratos de repasse, e dá outrasprovidências):

Art. 11. Para efeito do disposto no art. 116 da Lei nº 8.666, de 1993, a aquisiçãode produtos e a contratação de serviços com recursos da União transferidos aentidades privadas sem fins lucrativos, deverão observar os princípios da impes-soalidade, moralidade e economicidade, sendo necessária, no mínimo, a realizaçãode cotação prévia de preços no mercado antes da celebração do contrato.

Lei nº 10.520/02 (Institui a modalidade licitatória denominada pregão, paraa aquisição de bens e serviços comuns)

Art. 3º A fase preparatória do pregão observará o seguinte:

III - dos autos do procedimento constarão a justificativa das definições referidasno inciso I deste artigo e os indispensáveis elementos técnicos sobre os quaisestiverem apoiados, bem como o orçamento, elaborado pelo órgão ou entidadepromotora da licitação, dos bens ou serviços a serem licitados;

Decreto nº 3.555/00 (Regulamenta o pregão):

15 DOTTI. A promoção da ampla pesquisa de preços nas contratações públicas: eficiente gestão de recursospúblicos e efetividade no controle de despesas. Revista Zênite de Licitações e Contratos, p. 350.

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Art. 8º A fase preparatória do pregão observará as seguintes regras:

II - o termo de referência é o documento que deverá conter elementos capazes depropiciar a avaliação do custo pela Administração, diante de orçamento detalhado,considerando os preços praticados no mercado, a definição dos métodos, aestratégia de suprimento e o prazo de execução do contrato;

III - a autoridade competente ou, por delegação de competência, o ordenadorde despesa ou, ainda, o agente encarregado da compra no âmbito da Adminis-tração, deverá:

a) definir o objeto do certame e o seu valor estimado em planilhas, de formaclara, concisa e objetiva, de acordo com termo de referência elaborado pelorequisitante, em conjunto com a área de compras, obedecidas as especificaçõespraticadas no mercado;

V - constarão dos autos a motivação de cada um dos atos especificados no incisoanterior e os indispensáveis elementos técnicos sobre os quais estiverem apoiados,bem como o orçamento estimativo e o cronograma físico-financeiro dedesembolso, se for o caso, elaborados pela Administração;

Art. 21. Os atos essenciais do pregão, inclusive os decorrentes de meios eletrô-nicos, serão documentados ou juntados no respectivo processo, cada qualoportunamente, compreendendo, sem prejuízo de outros, o seguinte:

III - planilhas de custo;

Decreto nº 5.450/05 (Regulamenta o pregão eletrônico):

Art. 9º [...]

§1º A autoridade competente motivará os atos especificados nos incisos II e III,indicando os elementos técnicos fundamentais que o apóiam, bem como quantoaos elementos contidos no orçamento estimativo e no cronograma físico-financeirode desembolso, se for o caso, elaborados pela administração;

§2º O termo de referência é o documento que deverá conter elementos capazesde propiciar avaliação do custo pela administração diante de orçamento deta-lhado, definição dos métodos, estratégia de suprimento, valor estimado emplanilhas de acordo com o preço de mercado, cronograma físico-financeiro,se for o caso, critério de aceitação do objeto, deveres do contratado e do contra-tante, procedimentos de fiscalização e gerenciamento do contrato, prazo deexecução e sanções, de forma clara, concisa e objetiva.

O Núcleo de Assessoramento Jurídico não dispõe de competênciapara a análise contábil dos valores postos no orçamento estimativoelaborado pelo licitante, nem para o levantamento dos preços cotados,providências a cargo dos órgãos/setores técnicos competentes (princípioda segregação das funções), mas deve verificar se constam dos autos doprocesso os respectivos comprovantes /orçamentos que serviram de parâ-metro à fixação do preço. A orientação do NAJ, no exame jurídico doprocedimento licitatório e de contratação direta, deve ser no sentido deque o órgão licitante comprove a realização da pesquisa de mercado,

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através da juntada dos respectivos orçamentos, orientação que encontrarespaldo na jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Vejamos:

Realize pesquisa de preços como forma de cumprir a determinação contidano art. 43, inciso IV, da Lei de Licitações, fazendo constar formalmente dos documentosdos certames a informação sobre a equivalência dos preços. Acórdão 301/2005Plenário

Anexe aos processos de licitação a impressão da relação de preços praticados para obem pretendido, extraída do módulo gerencial de COMPRASNET/ SIASG-CONSULTA PREÇOS PRATICADOS, de modo a atender o que determina o art.2º parágrafo único da IN/SEDAP n° 04/99 c/c os artigos 15, inciso V e 43 inciso IVda Lei 8.666/1993. Acórdão 1272/2004 Primeira Câmara

Realização de ampla pesquisa de preços no mercado, a fim de estimar o custo doobjeto a ser adquirido, definir os recursos orçamentários suficientes para a cober-tura das despesas contratuais e servir de balizamento para a análise das propostasdos licitantes, em harmonia com os arts. 7º, §2º, inciso III, e 43, incisos IV e V,todos da Lei 8.666/1993. Acórdão 1182/2004 Plenário

Em se tratando de obras, já decidiu o TCU que a configuração desuperfaturamento exige o cotejo dos preços praticados com outros exe-cutados em obras de igual porte (Acórdão nº 1.709/2002-Plenário).

Há casos em que, pela simples leitura da planilha de comparativode preços, onde, normalmente, constam, no mínimo, três orçamentosde diferentes fornecedores, constata-se que um dos orçamentos repre-senta valor bem superior ao menor orçamento, fato que acaba elevandoo preço médio, que será fixado para a contratação. Nesses casos, o NAJorienta o órgão licitante, diante do risco de superfaturamento, já que opreço médio acaba superando o valor de mercado, que tome por parâ-metro o valor do menor orçamento, e fixe este como o valor estimadoou o máximo da contratação. Exemplificamos:

No comparativo de preços obtidos junto a três fornecedores (A-B-C), para a aquisição de determinado item, o valor do maior orçamentoobtido do fornecedor ‘A’ foi de R$2.150,00; que correspondia ao quá-druplo do valor correspondente ao menor orçamento-R$498,00, apre-sentado pelo fornecedor C. Isto acaba por elevar o valor médio, que, naverdade, deve refletir o preço de mercado.

O Tribunal de Contas da União define: “Preço médio é o elaboradocom base em pesquisa onde será realizada a contratação e deve refletiro preço de mercado. Preço estimado é o parâmetro de que dispõe aAdministração para julgar licitações e efetivar contratações, desde que

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reflita o preço de mercado. Preço de mercado é o corrente na praçapesquisada. Preço praticado é o que a administração contratante pagaao contratado.”16

O procedimento apontado no exemplo citado não é razoável,porque, sempre que um dos orçamentos se apresentar superfaturado,haverá uma elevação da média. Por isso, cabe ao NAJ recomendar que aunidade licitante observe e evite cotações que representem valores exces-sivamente superiores ao menor orçamento obtido. Dessa forma, se osvalores apresentados pelas empresas são díspares a ponto de uma em-presa apresentar orçamento com valores consideravelmente superioresao de outra, resta afastada a possibilidade de considerá-lo, para fins de,por média aritmética, ser fixado o preço médio. Nesses casos, o preçoestabelecido como valor médio de referência acaba sendo maior que osvalores apresentados pelos demais fornecedores, resultando num valorde referência bem acima do que poderia ser alcançado. O órgão licitante,responsável pela pesquisa de preços ao estabelecer aquele patamar deaceitabilidade, acaba por contratar por preço superfaturado.

Sob esse enfoque, trago à colação trecho do Despacho/Coorde-nação NAJ/RS/CGU/AGU nº 1.680/2006, que orienta: “Orientamos oórgão que é recomendável lançar como preço máximo, o mínimo pes-quisado ou, definir o preço médio como sendo o preço máximo admitido,com base na apuração do menor e maior preço pesquisado.”

Tal orientação é extraída das lições de Jorge Ulisses JacobyFernandes:17

Como regra geral, temos sugerido:

c) definir a informação do menor e maior preço pesquisados, apurando-se amédia;

[...]

O recomendável é lançar, como preço máximo, o mínimo pesquisado, otimizando-se avantagem da licitação. Contudo, cada caso deve merecer reflexão própria. (grifosnossos)

É de fundamental importância também, na análise preventiva daregularidade do procedimento licitatório, que se oriente o órgão licitante

16 BRASIL. Tribunal de Contas da União, 2006, p. 39-40.17 FERNANDES. Sistema de registro de preços e pregão presencial e eletrônico, p. 239-240.

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acerca da possibilidade de se utilizarem bancos de dados como instrumentoequivalente à ampla pesquisa, exigida no art. 15 §1º da Lei nº 8.666/93.No âmbito federal, o banco de dados do Sistema Integrado de Administraçãode Serviços Gerais (SIASG) atende a função da ampla pesquisa, comoparâmetro referencial. Este banco de dados inclui atividades de cadas-tramento de fornecedores (SICAF — sistema de cadastramento de forne-cedores, operado on-line, que cadastra e habilita pessoas física e jurídicasinteressadas em participar de licitações realizadas por órgãos e entidadesintegrantes do SIASG); registro de preços de bens e serviços (efetuado prin-cipalmente pelo sistema COMPRASNET, operado on–line, inclusive pormeio da internet, no sítio <www.comprasnet.gov.br>. Oferece consultasa convites, tomada de preços e concorrências realizada pela Adminis-tração Federal, que pode ser realizada por qualquer interessado. Permiteredução de custos e torna mais transparentes e competitivas as licitações)e ainda catálogo de materiais e serviços (define padrões de produtividade equalidade de serviços e materiais especificados nas compras pela Admi-nistração Pública Federal).18

Embora os Núcleos de Assessoramento Jurídico não detenhama função de órgãos de controle, como o Tribunal de Contas da União eos órgãos de controle interno da unidade licitante; na análise prévia dalegalidade dos atos que compõe a fase interna do procedimento licita-tório, devem advertir o órgão licitante da responsabilidade solidária emque incidem agentes públicos e fornecedores ou prestadores de serviços,nos casos de superfaturamento.

Na hipótese de contratação direta (hipóteses em que não se realizalicitação), adverte o art. 25 da Lei nº 8.666/93, no seu §2º:

Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, emespecial:

[...]

§2º Na hipótese deste artigo e em qualquer dos casos de dispensa, se comprovadosuperfaturamento, respondem solidariamente pelo dano causado à FazendaPública o fornecedor ou o prestador de serviços e o agente público responsável,sem prejuízo de outras sanções legais cabíveis.

A análise preventiva, realizada pelos núcleos de assessoramentoda AGU, comporta ainda a advertência de que, mesmo após publicado

18 FERNANDES, 2005, p. 214-215.

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o edital ou expedido o convite, sendo constatado que o valor estimadoatribuído ao objeto da licitação não condiz com os preços praticadosno mercado (porque possivelmente superfaturados), deve o ordenadorde despesas declarar a nulidade parcial do procedimento licitatório,alcançando todos os atos praticados desde a aprovação da estimativa decustos baseada em pesquisa de preços superfaturada ou deficientementeinstruída, determinando prazo para que outra pesquisa de preços sejaelaborada; sob pena de responder solidariamente pela recomposição dosprejuízos advindos da contratação efetivada com preços abusivos. Issorepresenta o exercício da autotutela pela própria Administração licitante,nos termos ditados pela Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal.19

O Tribunal de Contas da União tem jurisprudência pacífica nosentido de que a Comissão de Licitação é também responsável por irre-gularidades que, em decorrência de processo licitatório, forem praticadaspelos administradores, fato que, por exemplo, ocorre quando o orde-nador de despesas firma contrato com preço superfaturado. Parte-sedo pressuposto de que o ordenador de despesas, que homologa a lici-tação, presume que a Comissão agiu com prudência no julgamentodas propostas, podendo, no máximo, ser-lhe atribuída responsabilidadequando comprovada culpa grosseira, má-fé ou conivência com osmembros da Comissão.20

De acordo com o Tribunal de Contas da União: “A homologaçãonão é ato meramente formal; por meio dele a autoridade competentelança sua assinatura e expressa sua ciência do resultado do certame,exercendo o controle sobre a legalidade do procedimento licitatório”(Acórdão nº 113/1999-Plenário).

Mas, como aferir o preço superfaturado? O Tribunal de Contasda União (TCU) já considerou como parâmetro o preço dos contratosfirmados com a mesma empresa, por outro órgão público e contratoanterior com o mesmo órgão.21 Também, já tomou por fundamento odisposto na Instrução Normativa SAA/CGAIN nº 002/97, de 02.10.2007,

19 Súmula nº 473 do STF: A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que ostornem ilegais,porque deles não se originam direitos;ou revogá-los, por motivo de conveniência eoportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

20 FERNANDES. Contratação direta sem licitação: dispensa de licitação: inexigibilidade de licitação:comentários às modalidades de licitação, inclusive o pregão: procedimentos exigidos para a regularidadeda contratação direta, p. 376.

21 Vide, nesse sentido, Acórdão nº 101/97 –Plenário.

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a qual estabelece que qualquer preço superior a 5% ao do referencialrepresentaria superfaturamento.22

O superfaturamento de preços constitui ato fraudulento, e encontra-se tipificado na lei de licitações e na lei de improbidade administrativa.

Lei 8666/93

Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada paraaquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente:

I - elevando arbitrariamente os preços;

[...]

Lei 8429/92

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualqueração ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apro-priação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidadesreferidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

[...]

V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preçosuperior ao de mercado; (grifei)

Ilustrativa, neste aspecto, a decisão proferida pelo Tribunal Regio-nal Federal da 4ª Região,23 acerca da comprovação da materialidadedo tipo penal referido no art. 96, inciso I da lei de licitações.

1. O art. 96, inciso I da Lei 8666, que prevê a fraude em licitação, por meioda elevação arbitrária de preços, abrange as hipóteses de aquisição, venda oucontratação, decorrente do procedimento licitatório. Assim, a prestação de serviçoscontratada por processo licitatório está abarcada pelo tipo penal da citada leiespecial.

2. Comprova-se a materialidade e autoria do ilícito previsto no inciso I, do art. 96 da Lei8666/93, pela diferença de propostas ofertadas pelo réu, que em contrato emergencialapresenta um valor, e em posterior Tomada de Preços, apresentou outro valor, em torno de50% abaixo do que havia contratado, revelando arbitrária elevação do preço doserviço contratado, evidenciando assim, a ocorrência de prejuízos à FazendaPública. (grifei)

Expressivo também o trecho da Decisão nº 1.090/2001-P, no pro-cesso TC nº 004.874/2001-4, que traz palavras constantes do voto doMinistro Relator Benjamin Zymler:

22 Acórdão nº 088/99-Plenário (FERNANDES. Vade-Mécum de licitações e contratos: legislação selecionadae organizada com jurisprudência, notas e índices).

23 ACR 5662/SC, 7ª Turma, processo: 2000.04.01.024978-3. DJ 26.03.2003. Fórum Administrativo - DireitoPúblico - FA, v. 3, n. 26, p. 2199-2203, abr. 2003. Apud FERNANDES, op. cit., p. 994.

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Pode ocorrer na contratação de obras públicas, em regime de empreitadapor preço unitário, que haja determinados itens com preços superfaturados,embora o preço global da obra seja compatível com o de mercado. Esses itenssuperfaturados, no decorrer da execução da obra, podem ter os seus quantitativosaumentados mediante aditivos contratuais — é o chamado jogo de planilha.Assim, o custo total da obra ficará em desacordo com o de mercado, arcando aUnião com o prejuízo.

O exemplo retrocitado revela uma prática de superfaturamento,em relação à qual deve o órgão licitante atentar, para evitar a responsa-bilização solidária dos membros da comissão de licitação e da autoridadeque homologa o procedimento.

Daí a importância de os Núcleos de Assessoramento Jurídico(NAJs) exigirem que, os cálculos, constantes nas planilhas de custos,apresentadas pela Administração, sejam objeto de análise/parecer dosetor técnico competente, acerca da sua regularidade. Isso decorre doprincípio da segregação das funções, segundo o qual cada órgão/setor daAdministração deve realizar a sua função técnica, não podendo o NAJagregar funções que são da competência administrativa de outros órgãos/setores da Administração. Ao NAJ compete apontar vícios, irregula-ridades, na fase interna do procedimento, que denotem ilegalidades ecomprometam a licitude da licitação e da própria contratação.

As contratações diretas (hipóteses legais de licitação dispensável,dispensada e de inexigibilidade de licitação)24 são, pela própria natu-reza, mais vulneráveis a práticas de superfaturamento de preços. É que,nesses casos, a seleção do contrato mais vantajoso, para a Administração,não se submete aos rigores de um procedimento licitatório formal, masa um procedimento especial e simplificado.

A dispensa de licitação em razão do valor — hipótese previstano art. 24 incisos I e II da lei de licitações,25 por exemplo, não exige

24 Licitação dispensável é aquela prevista nas hipóteses do art. 24 da Lei nº 8.666/93, cujas situações‘numerus clausus’ admitem a contratação direta. Neste caso a licitação é possível, porém não obrigatória.Licitação dispensada é aquela em que a lei (art. 17, I, II, §2º e §4º da Lei nº 8.666/93 — alienação debens imóveis e móveis) desobriga expressamente a realização de licitação. Neste caso o gestor públiconão pode licitar. Inexigibilidade de licitação ocorre nas hipóteses exemplificativas do art. 25 da Lei nº8.666/93, quando há inviabilidade de competição, porque há um só objeto ou fornecedor que atendeàs necessidades da Administração contratante. (BRASIL. Tribunal de Contas da União, 2006).

25 Art. 24 - É dispensável a licitação: I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez porcento) do limite previsto na alínea “a”, do inciso I do artigo anterior ( ( ( ( (ou seja, até R$15.000,00), desdeque não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesmanatureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;

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publicidade, como condição de eficácia do ato. Nesse sentido, dispõe oart. 26 da referida lei.

Art. 26. As dispensas previstas nos §§2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintesdo art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamentejustificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8ºdesta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior,para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias,como condição para a eficácia dos atos.

De acordo com as orientações traçadas pelo Tribunal de Contasda União26 e repassadas aos órgãos assessorados pelos Núcleos de Asses-soramento da AGU, nos casos de dispensa de licitação, com base nos incisosIII a XXV do art. 24, bem como nas hipóteses de inexigibilidade doart. 25 da Lei nº 8.666 de 1993, o procedimento simplificado deve serinstruído com os elementos previstos no art. 26 da referida lei, observadaa seguinte seqüência de atos preparatórios:

1. solicitação do material ou serviço, com descrição clara do objeto;2. justificativa da necessidade do objeto;3. caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justi-

fique a dispensa, se for o caso;4. elaboração da especificação do objeto e, nas hipóteses de aqui-

sição de material, da quantidade a ser adquirida;5. elaboração de projetos básico e executivo para obras e serviços;6. indicação dos recursos para a cobertura da despesa;7. razões da escolha do executante da obra ou do prestador do

serviço ou do fornecedor do bem;8. anexação do original das propostas (serão aceitas propostas de

preços encaminhadas por meio de correio eletrônico “e-mail”e por fax, contendo a razão social e CNPJ, especificação doobjeto, valor e outras condições, conforme o caso);27

II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea “a”, doinciso II do artigo anterior (ou seja, até R$8.000,00) e para alienações, nos casos previstos nesta Lei,desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto quepossa ser realizada de uma só vez;

26 BRASIL. Tribunal de Contas da União, 2006, p. 238.27 Acórdão nº 1705/2003 Plenário

Proceda, quando da realização de licitação, dispensa ou inexigibilidade, à consulta de preços correntesno mercado, ou fixados por órgão oficial competente ou, ainda, constantes do sistema de registro depreços, em cumprimento ao disposto no art. 26, parágrafo único, inciso III, e art. 43, inciso IV, da Lei8.666/1993, os quais devem ser anexados ao procedimento licitatório [...].

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9. anexação do original ou cópia autenticada (ou conferida com ooriginal) dos documentos de regularidade exigidos;28

10. declaração de exclusividade expedida pelo órgão competente,no caso de inexigibilidade;

11. justificativa das situações de dispensa ou de inexigibilidade delicitação, com os elementos necessários à sua caracterização,conforme o caso;

12. justificativa do preço;13. pareceres técnicos ou jurídicos;14. documento de aprovação dos projetos de pesquisa para aos

quais os bens serão alocados, se for o caso;15. autorização do ordenador de despesa;16. comunicação à autoridade superior, no prazo de três dias, da

dispensa ou da situação de inexigibilidade de licitação.17. ratificação e publicação da dispensa ou da inexigibilidade de

licitação na imprensa oficial, no prazo de cinco dias, a contardo recebimento do processo pela autoridade superior;

18. inclusão de quaisquer outros documentos relativos à inexi-gibilidade;

19. assinatura de termo de contrato ou instrumento equivalente.Nos casos de contratação direta em razão do valor (art. 24, incisos

I e II da Lei nº 8.666/93), deve o órgão interessado instruir os autoscom os seguintes documentos:29

1. solicitação do material ou serviço, com descrição clara do objeto;2. justificativa da necessidade do objeto;3. elaboração da especificação do objeto e, nas hipóteses de aqui-

sição de material, da quantidade a ser adquirida;4. elaboração de projetos básico e executivo para obras e serviços,

no que couber;5. indicação dos recursos para a cobertura da despesa;

28 Acórdão 260/2002 PlenárioDeve ser observada a exigência legal (art. 29, inciso IV, da Lei nº 8.666, de 1993) e constitucional (art.195, §3º, da CF) de que nas licitações públicas, mesmo em casos de dispensa ou inexigibilidade, éobrigatória a comprovação por parte da empresa contratada de:Certidão Negativa de Débito (INSS - art. 47, inciso I, alínea a, da Lei nº 8.212, de 1991); CertidãoNegativa de Débitos de Tributos e Contribuições Federais (SRF-IN nº 80, de 1997); eCertificado de Regularidade do FGTS (CEF) (art. 27 da Lei nº 8.036, de 1990).

29 BRASIL. Tribunal de Contas da União, op. cit., p. 239.

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6. pesquisa de mercado junto a três fornecedores, sempre que possível;7. anexação do original das propostas;8. juntada do original ou cópia autenticada (ou conferida com o

original) dos documentos de regularidade exigidos;9. justificativa do preço;

10. elaboração de mapa comparativo de preços;11. solicitação de amostra do produto de menor preço, se neces-

sário;12. autorização do ordenador de despesas;13. emissão de nota de empenho ou documento equivalente;14. inclusão de quaisquer outros documentos relativos à dispensa.A exigência de que os autos do procedimento de contratação direta

sejam regularmente instruídos constitui uma garantia à regularidade,transparência e licitude do procedimento, evitando-se, tanto quantopossível, o desvio de finalidade caracterizador do ato de improbidadeadministrativa tipificado no art. 10, inciso VIII da Lei nº 8.429/92 e dotipo penal previsto no art. 89 da Lei de Licitações, respectivamente.

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erárioqualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial,desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres dasentidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

[...]

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente (grifei)

Art. 89. Dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar deobservar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:

Pena - detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamenteconcorrido para a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ouinexigibilidade ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

2.3 Fracionamento de despesa como forma de manipulação dalicitação e das contratações diretas

Acrescente-se às práticas ilícitas de direcionamento da licitação e desuperfaturamento de preços o fracionamento de despesa, como uma for-ma de manipulação do procedimento licitatório e das contratações diretas.

O fracionamento de despesa ocorre quando se divide a despesavisando à utilização de modalidade licitatória inferior àquela prevista

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na legislação para o total da despesa, ou para efetuar a contrataçãodireta, ou seja, sem licitação. Por exemplo, a lei de licitações veda autilização da modalidade convite para parcelas de uma mesma obra ouserviço, ou ainda para obras e serviços de idêntica natureza e no mesmolocal, que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempreque o somatório de seus valores caracterizar o caso de tomada de preços.30

Da mesma forma, a utilização de várias tomadas de preços para se absterde realizar concorrência. Assim, se a Administração optar por realizarvárias licitações ao longo do exercício financeiro, para um mesmo objetoou finalidade, deverá sempre preservar a modalidade de licitação per-tinente ao todo que deveria ser contratado.31

A lei de licitações prevê, no seu art. 23, que as modalidades deconcorrência, tomada de preços e convite são determinadas em razãodo valor estimado da contratação:

Art. 23. As modalidades de licitação a que se referem os incisos I a III do artigoanterior serão determinadas em função dos seguintes limites, tendo em vista ovalor estimado da contratação:

I - para obras e serviços de engenharia:

a) convite - até R$150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais);

b) tomada de preços - até R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);

c) concorrência: acima de R$1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais);

II - para compras e serviços não referidos no inciso anterior:

a) convite - até R$80.000,00 (oitenta mil reais);

b) tomada de preços - até R$650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais);

c) concorrência - acima de R$650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais).

Dessa forma, se a Administração pretende adquirir no decorrerdo exercício (exercício financeiro de 2008), mil cadeiras de auditório,cujo custo corresponde à tomada de preços, não poderá realizar váriosconvites, fracionando a despesa, para justificar a adoção de modalidade

30 Art. 23, §5º, Lei nº 8.666/93: §5º É vedada a utilização da modalidade “convite” ou “tomada de preços”,conforme o caso, para parcelas de uma mesma obra ou serviço, ou ainda para obras e serviços damesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente, sempreque o somatório de seus valores caracterizar o caso de “tomada de preços” ou “concorrência”,respectivamente, nos termos deste artigo, exceto para as parcelas de natureza específica que possam serexecutadas por pessoas ou empresas de especialidade diversa daquela do executor da obra ou serviço.

31 BRASIL. Tribunal de Contas da União, 2006.

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licitatória diversa daquela exigida por lei, considerado o valor totalda despesa.32

O fracionamento pode ser usado para evitar a licitação, quandoo valor da despesa inserir-se naquelas hipóteses legais de dispensa delicitação, em razão do valor, constantes do art. 24, incisos I e II da Leinº 8.666/93.

Art. 24. É dispensável a licitação:33

I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) dolimite previsto na alínea “a”, do inciso I do artigo anterior, desde que não serefiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviçosda mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta econcomitantemente;

II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limiteprevisto na alínea “a”, do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casosprevistos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço,compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;

Aos NAJs cabe advertir explicitamente o administrador, sobre ailicitude desse procedimento e as conseqüências legais daí decorrentes.Nesse contexto, orienta-se também que a Administração, diante da difi-culdade em realizar um planejamento prévio de todas as compras queserão necessárias durante o exercício financeiro, utilize o sistema deRegistro de Preços.

O Sistema de Registro de Preços (SRP)34 consiste no procedimentoutilizado para registro formal de preços relativos à prestação de serviçose aquisição de bens pela Administração, visando a contratações futuras,e é precedido de licitação na modalidade concorrência ou pregão, exigindoprévia e ampla pesquisa de mercado. O critério de julgamento deveser o de menor preço e, após realizada a licitação, os preços e as condiçõesde contratação ficam registradas na Ata de Registro de Preços.35 Quandoa Administração precisar contratar a aquisição de bens e serviços, du-rante o decorrer do exercício financeiro, pode convocar o licitantevencedor, cuja proposta/lance configurou o menor preço ofertado e foi

32 Ibid., p. 44.33 Para obras e serviços de engenharia até R$15.000,00 (quinze mil reais) e para outros serviços e compras

até R$8.000,00 (oito mil reais).34 É disciplinado pelo Decreto nº 3.931, de 19 de setembro de 2001.35 BRASIL. Tribunal de Contas da União, op. cit.

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registrado na Ata, dispensando assim a realização de várias licitaçõespara cada aquisição.

Nas licitações para registro de preços exige-se que a Administraçãoindique, no edital, o preço unitário máximo que se dispõe a pagar paraos bens e serviços licitados,36 desclassificando as propostas acima dele.

Várias são as vantagens trazidas pelo sistema de registro de preços.Com ele, evita-se o risco de parcelamento de despesa, o risco de super-faturamento, o custo da licitação, já que reduz o número de licitaçõesno decorrer do exercício financeiro, torna o processo mais transparentee a constitui um meio mais eficaz para viabilizar o planejamento daAdministração.

3 Corrupção na execução contratual: as fraudes na subcontra-tação e na fiscalização

Os contratos administrativos também devem ter suas minutasanalisadas previamente à respectiva celebração, pelos Núcleos de Asses-soramento Jurídico (NAJs). Isso decorre, como visto, de expressa previsãolegal, constante do art. 38 parágrafo único da lei de licitações conju-gado com o disposto no art. 19, inciso VII, alínea ‘a’ do Ato Regimentalnº 05/2007 da AGU.

Recentemente foi divulgado37 por um estudo do Serviço de Perí-cias de Engenharia Legal da Polícia Federal, vinculado ao InstitutoNacional de Criminalística (INC), que inspeciona obras públicas sobsuspeita, que, entre os anos de 2000 a 2008, foram desperdiçados cercade R$15,58 bilhões em obras (obras analisadas: edificações 33% eestradas 16%) contratadas com recursos da União. Esses recursos foramdesviados pela corrupção, através de três canais: preços superfaturados,com superfaturamento médio de 30% nas obras em rodovias; qualidadeinsuficiente dos materiais aplicados e desequilíbrios contratuais queensejam o acréscimo e inclusão de serviços mais caros. Termos utilizados

36 Excepcionalmente, o Tribunal de Contas da União admite a contratação por preço superior ao preçomáximo eventualmente fixado no edital. Para tanto deve ser comprovado: a) que a contratação atendeao interesse público, b) que o preço ofertado é compatível com o praticado no mercado ou os constantesdo sistema de registro de preços e c) que há créditos orçamentários suficientes. Note-se que essa análiseserá obrigatoriamente realizada à luz das circunstâncias específicas do caso concreto sob exame. (PontosPolêmicos de Licitações e Contratos - Algumas questões relevantes. Ministro Benjamin Zymler. IV SimpósioRegional sobre Licitações e Contratos, realizado em Porto Alegre/RS, nos dias 28 a 30 de maio de 2008).

37 CORREIO do Povo, Porto Alegre, v. 113, n. 343, 7 jul. 2008.

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pela corrupção como “viaduto sonrisal”, por exemplo, significa pontilhãoque se desfaz com pouco tempo, já que erguido com material de baixaqualidade, descartável.

Na execução dos contratos, pontuamos dois casos em que surge orisco de fraude. O primeiro diz respeito à subcontratação na execuçãoda obra ou prestação do serviço, quando autorizada no edital da licitação,prévia à contratação.

3.1 SubcontrataçãoA subcontratação ocorre quando o contratado entrega parte da

obra, serviço ou fornecimento a terceiro estranho ao contrato, para queexecute em seu nome parcela do objeto contratado.38 A lei veda a sub-contratação total do objeto licitado, e a subcontratação parcial deve seater aos limites postos, pela Administração, no edital e no contrato.

Analisando a minuta do edital e do contrato, o Núcleo de Asses-soramento verifica que o órgão licitante autoriza a subcontratação, semreferenciar os limites e as condições. Nesse caso a orientação é a fixaçãode um percentual máximo que será admitida a subcontratação, aten-tando-se para a natureza e especificidades do serviço contratado. Issoporque a subcontratação de parcela da obra ou serviço pode represen-tar a execução de todo o objeto licitado por uma empresa que não parti-cipou da licitação, e, portanto, não foi submetida a exigências de quali-ficação técnica, econômico-financeira, jurídica e àqueles atinentes aregularidade fiscal. Além disso, a subcontratação pode mascarar a ini-doneidade da empresa vencedora da licitação para a execução do objetoda licitação e do contrato.

Ilustrativa a jurisprudência do Tribunal de Contas da União39

nesses casos.

Admitir transferência de parte do objeto inicialmente contratado juntamentecom as responsabilidades contratuais, direitos e obrigações -cederiam espaço àcontratação direta, representando fraude ao dever de licitar, ocasionando imi-nente risco à Administração, já que a empresa subcontratada, por ser escolhidapela Contratada, não sofreria a análise dos critérios de idoneidade, qualificaçõestécnica e econômico-financeira, habilitação, e, outros, regularidade fiscal. (TCUAcórdão 1368/2004-Plenário)

38 BRASIL. Tribunal de Contas da União, 2006.39 FERNANDES, 2008.

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Nos termos do art. 72 da Lei 8666/93, deve ser fixado, no edital, o percentualmáximo para a subcontratação, quando houver cláusula editalícia de permissi-vidade, devendo essa cláusula existir, apenas, em hipóteses excepcionais, quandoa subcontratação for estritamente necessária, devendo ser técnica e circuns-tanciadamente justificados tanto a necessidade da subcontratação quanto opercentual máximo admitido. (TCU - Acórdão 1748/2004-Plenário)

Em serviços complexos e obras de engenharia de grande vulto, écomum a subcontratação, até mesmo pela necessidade de serviços espe-cializados. A fraude nessas licitações pode ser constatada quando sedetecta que algumas empresas entram em acordo, antes da entrega daspropostas, atuando na forma de rodízio, para vencer as licitações, per-mutando as obras após a obtenção do contrato. São espécies de licita-ções combinadas, identificadas pela existência dos mesmos licitantes econtratados e a propriedade de várias empresas pelos mesmos sócios.40

Esta forma de fraude não é detectável pela assessoria jurídica do órgãopromotor da licitação, mas pode ser evitada pela própria Administração,vedando-se a admissão da subcontratação nos editais e, nos casos emque for necessária, delimitando expressamente a forma e as condiçõesem que poderá ser efetivada.

3.2 A fiscalização dos contratosO segundo caso diz respeito à possibilidade de conluio entre o

fiscal da obra/serviço e a empresa contratada, caso em que a ausência derígida fiscalização no acompanhamento da execução dos contratospermite que ocorra, por exemplo, a alteração das quantidades e especi-ficações técnicas, o recebimento de material em quantidade e qualidadeinferior ao contratado. Na tentativa de evitar essas ocorrências, a lei prevêdois recebimentos para o objeto licitado, provisório e definitivo, devi-damente documentados. Nesse sentido, o art. 73 da lei de licitações.

Art. 73. Executado o contrato, o seu objeto será recebido:

I - em se tratando de obras e serviços:

a) provisoriamente, pelo responsável por seu acompanhamento e fiscalização,mediante termo circunstanciado, assinado pelas partes em até 15 (quinze) diasda comunicação escrita do contratado;

40 BALBINOTTO NETO; GARCIA. A percepção da corrupção e suas implicações econômicas: uma aplicaçãoao setor de obras rodoviárias no Estado do RS. Ensaios FEE, p. 321-351.

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b) definitivamente, por servidor ou comissão designada pela autoridade com-petente, mediante termo circunstanciado, assinado pelas partes, após o decursodo prazo de observação, ou vistoria que comprove a adequação do objeto aostermos contratuais, observado o disposto no art. 69 desta Lei.

II - em se tratando de compras ou de locação de equipamentos: a) proviso-riamente, para efeito de posterior verificação da conformidade do material coma especificação;

b) definitivamente, após a verificação da qualidade e quantidade do material econseqüente aceitação.

À vista dessas disposições legais, orienta-se a Administraçãoque insira previsão específica no edital, e em idênticas condições, nocontrato, quanto ao recebimento provisório e definitivo, cada qual emprazo predeterminado, para que seja atestada a conformidade doobjeto aos temos contratados. Também devem ser fixados prazos para ocaso de retificação ou refazimento da obra ou serviço pela contratada.

A designação de um gestor do contrato,41 isto é, servidor que,vinculado a um órgão público, e designado para acompanhar a execu-ção dos contratos firmados e promover as medidas necessárias à execu-ção contratual, conforme as condições previstas no edital e no contrato,é obrigatória, nos termos do art. 67 da Lei nº 8.666/93.

Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por umrepresentante da Administração especialmente designado, permitida acontratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentesa essa atribuição.

Em regra geral, o contrato deve ser executado nas mesmas con-dições em que foi ajustado. Podem ocorrer, entretanto, situações queimponham a necessidade de alteração contratual. Considera-se alteraçãocontratual toda e qualquer modificação no objeto contratado e demaisdisposições a ele relacionadas no regime de execução, no prazo, no valorou forma de pagamento do contrato e na garantia financeira oferecida.No tocante a alteração do objeto, por exemplo, o gestor deve avaliara necessidade das alterações, a possibilidade das modificações seremobjeto de licitações em separado, e perquirir se as modificações já esti-vessem previstas no edital, se os competidores seriam os mesmos, a

41 FERNANDES. O gestor do contrato e as alterações das cláusulas contratuais. Fórum de contratação eGestão Pública-FCGP, p. 6152-6157.

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fim de analisar se as alterações pretendidas não estariam burlando aisonomia da competição no processo licitatório.42

Aos NAJs cabe verificar se as hipóteses de alterações contratuaisprevistas no edital e no contrato estão em conformidade com a lei delicitações e regulamentação pertinentes, pontuando, expressamente, nocontrato, as atribuições da fiscalização durante a execução contratual.

ConclusãoAs licitações e contratações (obras, serviços, compras) são essen-

ciais para o funcionamento da Administração Pública. Se é certo queelas geram custos econômicos para o Estado, a corrupção também osgera. E, neste caso, os custos não são apenas para o Estado, mas custospara toda a sociedade, que acaba sendo a maior prejudicada pelo desviode dinheiro público permitido pela corrupção.

A vulnerabilidade das licitações e contratações públicas à corrupçãoestá associada, em grande parte, ao grau de discricionariedade atribuído,pelos editais, ao administrador público. Quanto maior for a possibili-dade de arbítrio por parte do administrador, maiores serão as chancesde se corromper a competitividade e de se manipular a licitação segundointeresses privados e escusos.

A corrupção nesses procedimentos pode manifestar-se através dodirecionamento da licitação efetuada pelo administrador, a fim de quesomente determinada empresa seja a vencedora do certame; de contra-tações diretas por dispensas indevidas de licitações; do fracionamentode despesa para evitar determinadas modalidades do procedimentolicitatório ou mesmo para viabilizar a contratação direta, sem licitação;de contratação por preços superfaturados; de subcontratações do objetolicitado e de conluios realizados durante a execução dos contratos via-bilizados por uma fiscalização ineficiente. Todas essas práticas ilícitasconfiguram atos de improbidade administrativa, causadoras de prejuí-zos ao erário, na dicção do disposto no art. 10 incisos V e VIII e da Leinº 8.429/92.

O direcionamento da licitação implica em fraude, porque eliminaa concorrência. O administrador ‘escolhe’, ‘dirige’ o procedimento de

42 Ibid.

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forma que determinada empresa (previamente escolhida por ele) sejaa vencedora da licitação e a futura contratada.

O superfaturamento de preços consiste em aumentar artifi-cialmente o valor dos preços referentes ao fornecimento de bens oucontratação de serviços, de forma a propiciar lucros adicionais à empresafornecedora em troca de benefícios escusos/propina. Preços superfatu-rados significam preços manifestamente superiores àqueles praticadosno mercado.

O fracionamento de despesa, como forma de manipulação doprocedimento licitatório, ocorre quando se divide a despesa visando àutilização de modalidade licitatória inferior àquela prevista na legislaçãopara o total da despesa, ou para efetuar a contratação direta, ou seja,sem licitação.Quando não é decorrente da ausência de planejamentoda Administração, mas sim do desvio de finalidade por parte do admi-nistrador, configura ato fraudulento.

A subcontratação pode mascarar a contratação de empresa quenão participou do certame, ou mesmo a inidoneidade da vencedorapara a execução do objeto contratado. Há muitas fraudes que são pro-piciadas pela ausência ou deficiência da fiscalização durante a execuçãocontratual. As alterações contratuais, muitas vezes, são empreendidasno decorrer da execução do contrato, visando acréscimos no objetolicitado, com preços acima dos valores de mercado.

O desvio de recursos públicos pela corrupção envolve agentes polí-ticos e agentes públicos. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal deci-diu, no julgamento43 da Reclamação nº 2.138/DF, de 13.06.2007, que a

43 EMENTA: RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RESPONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS. I. PRELIMINARES.QUESTÕES DE ORDEM. [...]. II. MÉRITO. II.1. Improbidade administrativa. Crimes de responsabilidade.Os atos de improbidade administrativa são tipificados como crime de responsabilidade na Lei n° 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2. Distinção entre os regimes de responsabilizaçãopolítico-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime de responsabilidade dosagentes políticos dos demais agentes públicos. A Constituição não admite a concorrência entre doisregimes de responsabilidade político-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, §4º(regulado pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, “c”, (disciplinado pela Lei n° 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar a ação de improbidade (CF, art. 37, §4º) pudesseabranger também atos praticados pelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidadeespecial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, “c”, da Constituição. II.3.Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado, por estarem regidos por normas especiaisde responsabilidade (CF, art. 102, I, “c”; Lei n° 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competênciaprevisto no regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/1992). II.4. Crimes deresponsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal. Compete exclusivamente ao SupremoTribunal Federal processar e julgar os delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, “c”, da

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Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) não se aplicaaos agentes políticos (Presidente da República, governadores de Estado,prefeitos municipais, senador, deputado, vereador, magistrados), consi-derando que estes já estão sujeitos à Lei dos Crimes de Responsabilidade,ratificando o entendimento de que, sujeitos da improbidade são osagentes da administração, aqueles que, na área de licitações e contratos,especificam objetos, emitem pareceres técnicos ou jurídicos, conduzemprocedimentos licitatórios, praticam atos administrativos nesses proce-dimentos e ordenam as despesas deles decorrentes.44

Por tudo isso merece ser prestigiada a atuação preventiva à cor-rupção nesses procedimentos; que é realizada pelos Núcleos de Asses-soramento Jurídico, unidades da Consultoria-Geral da União, órgãoda Advocacia-Geral da União (AGU), no assessoramento prestado aosórgãos administrativos licitantes. Como diz um conhecido ditado, omelhor é prevenir do que remediar.

Abstract: Corruption involving tenders and contracts accomplished bythe Public Administration, that is to say, direct administration organisms,special funds, autaquies, public foundations, state companies, mixedeconomy societies and all other entities controlled by the Union, States,Federal District and Townships and Municipalities, together with privateproviders, revealed by acts of administrative improbity, have commonlybeen the object of scandals and imply great prejudice to the public coffers.It is estimated that, in some cases, corruption represents more than 30%of the government costs derived from public tenders. The minute analysisof the edicts of tenders, as well as of the respective contracts, by theconsultant sector of the General Advocacy of the Union, constitute a de-termining factor in the prevention of “acts of corruption”, in the measurethat they allow the limitation of the degree of discretion of the publicagents involved in these procedures, detect situations of risk and theillicitness which, not rarely, permeate the acts and administrative contracts.The legal assistance to the organisms of Public Administration in theinternal control of Administrative legality of the acts being practiced by

Constituição. Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime deresponsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou a suspensão de direitospolíticos. II.5. Ação de improbidade administrativa. Ministro de Estado que teve decretada a suspensãode seus direitos políticos pelo prazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ªVara da Justiça Federal - Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dos juízos de primeirainstância para processar e julgar ação civil de improbidade administrativa ajuizada contra agente políticoque possui prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade,conforme o art. 102, I, “c”, da Constituição. III. RECLAMAÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

44 PEREIRA JÚNIOR; DOTTI. A licitação no formato eletrônico e o compromisso com a eficiência: Projeto deLei nº 7709, de 2007. Revista do Tribunal de Contas da União, p. 55.

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them or already performed, and specially, the examination of the rulesthat will discipline the tender process, as well as those that should regulatethe execution of the contract, and of the acts through which the enfor-ceability will be recognized or decide the dismissal of the tender, constitutespecific functions of the Juridical Assessment Units (NAJs), organs ofGeneral Consultancy of the Union (CGU), organ of superior directorshipof the General Advocacy of the Union (AGU).

Keywords: General Advocacy of the Union (AGU-BRAZIL), corruption,tenders and public contracts

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PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres; DOTTI, Marinês R. A licitação no formato eletrônicoe o compromisso com a eficiência: Projeto de Lei nº 7709, de 2007. Revista do Tribunalde Contas da União, Brasilia, v. 38, n. 109, maio/ago. 2007.

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Ação de improbidade administrativa e apenalização concomitante com o crimede responsabilidadeErico Ferrari NogueiraAdvogado da União. Pós-Graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho.Coordenador de Licitação e Contratos da Consultoria Jurídica no Ministério do Trabalho eEmprego.

Palavras-chave: Improbidade administrativa. Ato de improbidade.Corrupção administrativa. Crime de responsabilidade.

Sumário: 1 Introdução - 2 Conceito de improbidade e fonte - 3 Atos deimprobidade e sanções - 4 Elementos constitutivos do ato de improbidade- 4.1 Sujeito passivo de ato de improbidade - 4.2 Sujeito ativo de ato deimprobidade - 5 Natureza do ilícito de improbidade - 6 Da ação deimprobidade - 7 Breve anotação sobre crime de responsabilidade - 8Improbidade e responsabilidade: institutos diferentes? - 9 Possibilidadede responsabilização concomitante - 10 Conclusão - Referências

1 IntroduçãoO presente artigo visa tentar dirimir controvérsia e fomentar

debate jurídico pelos operadores do direito sobre o tema com o propósitode dilatar o combate à corrupção administrativa, tornando mais eficaza defesa do patrimônio público.

Os tópicos desenvolvidos focalizam, essencialmente, a explanaçãoacerca da improbidade administrativa; a eventual diferenciação entrea improbidade e os crimes de responsabilidade; e, em seguida, sobre apossibilidade de acionamento concomitante entre os dois institutos àluz da doutrina e da jurisprudência.

2 Conceito de improbidade e fonteProbidade administrativa é espécie do gênero moralidade admi-

nistrativa qualificada pela honestidade do agente público. Assim sendo,contrario sensu, improbidade administrativa é a desonestidade do agentepúblico que enriquece ilicitamente, obtendo vantagem ilícita, para si oupara outrem, causando dano ao erário.1

1 SCARPINELLA BUENO; REZENDE FILHO (Org.). Improbidade administrativa: questões polêmicas e atuais,p. 86 et seq.

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Tecnicamente, improbidade administrativa pode ser consideradacomo a efetiva corrupção administrativa, que gera o desvirtuamento dagestão pública e afronta os princípios básicos da ordem jurídica reveladopela obtenção de vantagem patrimonial indevida às expensas dos cofrespúblicos ante o mau exercício dos agentes públicos.

O Constituinte Federal de 1988 tratou do tema em quatro dispo-sições diferentes. Topograficamente, duas no Capítulo dos Direitos Polí-ticos (artigo 14, §9º e no artigo 15, inciso V); uma no Capítulo do PoderExecutivo (artigo 85, inciso V); e mais uma no Capítulo da AdministraçãoPública (artigo 37, §4º). Este dispositivo, por sua vez, foi regulamentadopela Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, comumente chamada de Leide Improbidade Administrativa.

3 Atos de improbidade e sançõesA Lei nº 8.429, de 1992, arrolou, nos artigos 9º, 10 e 11, os atos

chamados ímprobos. São os que importam enriquecimento ilícito;causam prejuízo ao erário; ou atentem contra os princípios da Admi-nistração Pública, respectivamente.

As penalidades pela prática de atos de improbidade administrativaforam descritas pela própria Constituição Federal de 1988, que previuem seu artigo 37, §4º, as possíveis imputações — suspensão dos direitospolíticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e ressar-cimento ao erário —, delegando ao legislador ordinário dispor sobresua forma e gradação, não excluindo as sanções penais, que porventurajá estejam previstas em lei para as condutas nela contempladas. Emcaso de incidência de mais de um dispositivo, aplica-se a situação maisgrave, pois esta absorve a mais branda.

Ressalte-se, ainda, que a punição por improbidade independe docontrole pelo Tribunal de Contas e de dano patrimonial efetivo, neces-sitando apenas que fira a moral administrativa, para o enquadramentocomo ato de improbidade.

4 Elementos constitutivos do ato de improbidade4.1 Sujeito passivo de ato de improbidade

O rol de sujeitos passivos encontra-se previsto no artigo 1º, capute seu parágrafo único, da Lei nº 8.429, de 1992, aplicando-se a toda

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Administração Pública Direta e Indireta em todos os níveis federativos.A parte final, do citado artigo, fala em entidade que, para criação oucusteio, o fisco tenha concorrido ou concorra com mais de cinqüentapor cento de seu patrimônio e receita anual. Também se coadunam coma idéia de sujeito passivo, aquelas entidades de natureza privada, quenão fazem parte da Administração Pública Direta e Indireta, na qual oEstado subvenciona.2

Dessa forma, o sujeito passivo do ato de improbidade pode ser aAdministração Pública Direta e Indireta, de todos os entes políticos(União, Estados, Municípios e Distrito Federal), nos três Poderes daRepública, bem como aquelas pessoas jurídicas de direito privado querecebam fomento estatal para a sua criação ou custeio.

4.2 Sujeito ativo de ato de improbidadePara o legislador ordinário, sujeito ativo do ato de improbidade é

o agente público, em sentido amplo.3 Para a doutrina4 o termo agentepúblico é caracterizado como “toda pessoa física que presta serviços aoEstado e às pessoas jurídicas da Administração Indireta”. Assim, qualquerpessoa que a qualquer título exerça função pública será consideradaagente público, pouco importando a natureza do vínculo (permanenteou provisório), se há ou não subordinação.

Como se verifica, o significado da nomenclatura é bem amplo,abrangendo todas as pessoas que, mesmo que transitoriamente ou semremuneração, colaborem com a Administração, englobando os agentespolíticos, os servidores públicos, os agentes governamentais, os agentesdelegados e os honoríficos.

Agentes políticos são todas as pessoas físicas detentoras de cargode poder e exercem funções constitucionais, sendo titulares de poderesdo Estado (parlamentares, Chefes do Poder Executivo, Ministros de Estadoe Secretários). Quanto aos membros do Poder Judiciário e do MinistérioPúblico há controvérsia. Parte da doutrina5 afirma que são agentes

2 SUBVENÇÕES são as transferências destinadas a cobrir despesas de custeio das entidades beneficiadas(Apud PASCOAL. Direito financeiro e controle externo, p. 59).

3 Cf. Artigo 2º da Lei nº 8.429, de 1992.4 DI PIETRO. Direito administrativo, p. 431.5 MEIRELLES. Direito administrativo brasileiro, p. 72.

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políticos. No entanto prevalece6 7 que o vínculo é de natureza profissional,portanto, são considerados servidores públicos com regime especial.

Considera-se que os servidores públicos são os que mantêm vín-culo profissional com as pessoas jurídicas de direito público, ainda quetransitoriamente (temporários, celetistas e os estatutários). Agentesgovernamentais são os que exercem função para as pessoas jurídicas dedireito privado que integram a Administração Pública Indireta. Agentesdelegados são os que prestam atividade pública sem vínculo profissional,ou seja, por mera delegação. Já os que exercem função pública semremuneração são chamados de agentes honoríficos.

Impende destacar que a Lei nº 8.429, de 1992, também se aplica a quem não seja agente público, ou seja, ao beneficiário do ato deimprobidade.8 Igual aplicação cabe ao sucessor daquele que causar odano, até o limite do valor da herança.

Portanto, por sujeito ativo enquadra-se o agente, o beneficiário eaté mesmo eventuais sucessores destes.

5 Natureza do ilícito de improbidadeA Lei de Improbidade9 ressalvou que independentemente das

sanções cíveis, penais e administrativas cabíveis, o agente será respon-sabilizado pelo ato de improbidade. A Constituição Federal, em seu artigo37, §4º, determina que as punições por atos de improbidade não preju-dicarão eventual ação penal cabível. De início, observa-se que os atos deimprobidade não constituem tipos penais, embora sejam ou possam sertipificados como crimes em outras leis.

Há quem afirme10 que as sanções de improbidade são, ao mesmotempo, de natureza administrativa (perda da função pública, proibiçãode contratar com o Poder Público), civil (indisponibilidade dos bens,ressarcimento ao erário, multa civil) e política (suspensão dos direitospolíticos).

Di Pietro,11 aprofundando-se sobre o assunto, assevera que o artigo37, §4º, da Constituição Federal ao arrolar as implicações causadas pelos

6 MELLO. Curso de direito administrativo.7 DI PIETRO. Op. cit., p. 432-433.8 Cf. Artigo 3º da Lei nº nº 8.429, de 1992.9 Cf. Artigo 12 da Lei nº nº 8.429, de 1992.10 C.f. ALEXANDRINO; PAULO. Direito administrativo, p. 126.11 In: Direito administrativo, p. 688.

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atos de improbidade não se referiu a elas como sanções. E, de fato, nemtodas têm natureza sancionatória. É o caso da “indisponibilidade dosbens”, que possui caráter preventivo e acautelatório; e o “ressarcimentodo dano”, que constitui forma de recomposição do patrimônio lesado.Neste caso, ainda que a Constituição não previsse, seria cabível o res-sarcimento, pois nosso ordenamento jurídico consagra o princípio deque quem causa prejuízo deve reparar o dano. A autora conclui que assanções previstas para o ato de improbidade, embora possam ter conse-qüências na esfera criminal (com concomitante instauração de processocriminal) e na esfera administrativa (com a perda da função publica einstauração de processo administrativo), têm natureza civil.

Nesse mesmo sentido, pensamos que o fato de o ConstituinteFederal prever o cabimento de ação penal, não obstante a execução dasmedidas aplicáveis aos atos de improbidade, evidenciou que este atonão possui natureza penal, mas, sim, de ilícito civil. E, como decorrêncialógica dessa natureza jurídica, pode-se depreender que por se tratar deilícito civil, a ação de improbidade tem, também, natureza de ação civil.

Na mesma linha de pensamento, o Supremo Tribunal Federal12 játeve oportunidade de explicitar o entendimento de que a ação que apurae julga atos de improbidade têm natureza civil, a saber:

(...) 5. De outro lado, pretende a lei questionada equiparar a ação de improbidadeadministrativa, de natureza civil (CF, art. 37, §4º), à ação penal contra os maisaltos dignitários da República, para o fim de estabelecer competência origináriado Supremo Tribunal, em relação à qual a jurisprudência do Tribunal sempreestabeleceu nítida distinção entre as duas espécies. (...)

Quanto à cumulatividade das sanções, é possível que uma mesmaconduta possa ser punida tanto na instância civil quanto penal e admi-nistrativa, caso as leis respectivas assim estabeleçam. Nesse caso, aplica-se para cada processo a independência das instâncias, admitindo-sedecisões diferenciadas. Excepcionalmente, poderá haver comunicaçãodas instâncias nas hipóteses de absolvição penal por inexistência de fatoe negativa de autoria.13

12 BRASIL. Supremo Tribunal Federal – – – – – ADI 2797/DF – DISTRITO FEDERAL. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Jul.15.9.2005, Pleno.

13 Cf. Artigo 935, do Código Civil; Artigo 66, do Código de Processo Penal; e, Artigo 126, da Lei nº 8.112,de 1990.

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98 Angélica Moreira Dresch da Silveira

6 Da ação de improbidadeTerá legitimidade para propor a ação de improbidade o Ministério

Público ou Pessoa Jurídica lesada.14 Neste caso, o Ministério Públicoatuará como fiscal da lei, sob pena de nulidade.

No que pertine à ação viável para questionar a responsabilizaçãodos atos de improbidade administrativa, em que pese entendimentocontrário,15 vem-se admitindo a ação civil pública. Cumpre ressaltarque a Lei que regula a ação civil pública é norma processual geral eserve de instrumento para tutelar direitos e interesses transindividuais,aplicando-se a outras normas destinadas à defesa desses direitos e inte-resses materialmente garantidos. Nesse sentido, resta destacar que aLei de Improbidade é considerada norma de direito material, que visa,dentre outros aspectos, assegurar a integridade do patrimônio público.Assim sendo, entende-se possível a utilização da ação civil pública paraapurar e aplicar as sanções da Lei nº 8.429, de 1992. A doutrina16 perfilhaesse caminho, a saber:

... Assim, não se pode negar que a Ação Civil Pública constitui via processualadequada para a proteção do patrimônio público, dos princípios constitucionaisda Administração Pública e para repressão dos atos de improbidade adminis-trativa, ou simplesmente atos lesivos, ilegais ou imorais, conforme expressaprevisão no artigo 12 da Lei nº 8.429/92 (de acordo com o artigo 37, §4º, daConstituição Federal) e artigo 3º da Lei Federal nº 7.347/85.

No que se refere à competência para julgar ação de improbidade,a doutrina é uníssona em afirmar que inexiste foro privilegiado em sedede ação civil pública. A Suprema Corte17 em recente julgado relata queem se tratando de ação civil pública por improbidade administrativa,não importa o seu fundamento, não se cogita da existência de foro pri-vilegiado por prerrogativa de função.

As medidas cautelares serão admissíveis, desde que haja fundadosindícios da responsabilidade do agente, quando a comissão processanterepresentar à procuradoria do ente lesado ou ao Ministério Público pararequerer as respectivas cautelares ao Juízo competente. Tais medidas

14 Cf. Artigo 1º da Lei nº 8.429, de 1992.15 Hely Lopes entende cabível a “ação de improbidade administrativa” (MEIRELLES, Mandado de segurança,

p. 21).16 MORAES. Direito constitucional, p. 345.17 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação nº 6254.

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99A função consultiva da Advocacia-Geral da União na prevenção da corrupção nas licitações...

correspondem à indisponibilidade dos bens com a conseqüente decre-tação de seqüestro de bens do agente ou de terceiro que tenha enrique-cido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público.

A Lei de Improbidade veda, expressamente, qualquer transação,conciliação ou acordo. Atualmente, há a possibilidade de a pessoa jurídicainteressada integrar a lide18 como litisconsorte ativo ou assistente, quandoa propositura for de autoria do Ministério Público. Trata-se de viabilidadede a própria pessoa jurídica que teve seu patrimônio lesado, integrar alide, sempre com fundamento no interesse público.

Quanto à prescrição, as pretensões prescrevem em cinco anosapós o término do mandato, de cargo em comissão ou função deconfiança.19 Para os detentores de cargo efetivo ou emprego público,ocorrerá no mesmo prazo prescricional previsto nos respectivos estatutosdos servidores, para as faltas disciplinares puníveis com demissão a bemdo serviço público. Sobre o tema, o STJ20 confirma a literalidade doartigo 37, §5º, da Constituição Federal, no sentido de afirmar que oressarcimento por parte do agente é imprescritível. Dessa forma, nãoocorrerá o instituto prescricional para ressarcimento dos danos, dife-rentemente do que ocorre para a ação de improbidade ajuizada paraoutras finalidades.

Importa ressaltar, por fim, que as penalidades de perda da funçãopública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o transitoem julgado da sentença condenatória. Em contrario sensu, para as demaispenalidades é possível executar a provisoriamente.

7 Breve anotação sobre crime de responsabilidadePreliminarmente, cumpre destacar que a definição de crime é

combatida pela doutrina21 pois “A expressão ‘crime de responsabilidade’,na legislação brasileira, apresenta um sentido equívoco, tendo em vistaque se refere a crimes e a infrações político-administrativas, não sancio-nadas com penas de natureza criminal.” Assim, não obstante essa deno-minação, de crime, na realidade, não se trata.

18 Cf. artigo 11 da Lei nº 9.366, de 16 de dezembro de 1996.19 Cf. Artigo 23 da Lei nº nº 8.429, de 1992.20 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 810785/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ 25.05.2006 p. 184.21 JESUS. Ação penal sem crime. Disponível em: <www.damasio.com.br>. Acesso em: 24 jul. e 3 set. 3008.

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100 Angélica Moreira Dresch da Silveira

Em nível federal, a norma que regulamenta os crimes de respon-sabilidade é a Lei nº 1.079, de 12 de abril de 1950. Esta Lei definiu oscrimes de responsabilidade, para os cargos de Presidente da República;Ministros de Estado; Ministros do Supremo Tribunal Federal; ProcuradorGeral da República; Advogado-Geral da União; bem como demaisautoridades incluídas pela Lei nº 10.028, de 19 de outubro de 2000.Previu também o rito processual a ser realizado após a ocorrência deeventual denúncia. Cumpre ressaltar que esta pode ser realizada porqualquer cidadão.

Quando o membro imputado for um agente político, poderá sofrerum processo de impeachment.22 Em se tratando de um membro do legis-lativo, aplica-se o artigo 55, §2º, da Constituição Federal, que versa sobrecassação de mandato. Já os demais integrantes da Administração PúblicaDireta ou Indireta poderão ser demitidos, destituídos ou até cassados,caso estejam aposentados ou em disponibilidade.

Sobre a natureza do chamado crime de responsabilidade, prevaleceo entendimento de que se trata de infração político-administrativa. Ora,se pela disposição da Lei nº 1.079, de 1950, o autor do crime de respon-sabilidade é passível da pena de perda do cargo, com inabilitação parao exercício de qualquer função pública, então, sua sanção atinge tantoa esfera administrativa, pela perda do cargo antes ocupado; quanto àpolítica, ante a suspensão dos direitos políticos. Então, a esfera de respon-sabilidade político-administrativa do agente político é atingida sempreque ele pratica crime de responsabilidade.

Ademais, por ferir preceito de mais de um ramo do Direito,a infração considerada como crime de responsabiliade está sujeita apenalidade civil, penal e administrativa e, até mesmo, política. Importadestacar que tal infração, normalmente, não encontra tipificação nalegislação penal e, portanto, não se trata de matéria afeta ao DireitoPenal. Do mesmo modo, não repercute diretamente da esfera civil poisnão há, pelo menos no processo de responsabilidade, ressarcimentoao erário, como comumente ocorre nas ações que apuram atos deimprobidade.

22 Impeachment é o processo pelo qual o legislativo sanciona a conduta de autoridade pública, destituindo-a do cargo e impondo-lhe pena de caráter político. In: DICIONÁRIO jurídico. 8. ed. p. 450. Revisado eatualizado por Clóvis C. Piragibe Magalhães e Marcelo C. Piragibe Magalhães.

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Outrossim, considerando-se que os agentes políticos não se sub-metem a processo administrativo disciplinar,23 sua esfera de responsa-bilidade administrativa tem sido designada como político-administrativa.O próprio Supremo Tribunal Federal vem afirmando24 que a condenaçãodo Presidente da República por crime de responsabilidade configurasanção de natureza político-administrativa.

8 Improbidade e responsabilidade: institutos diferentes?Há quem defenda25 que os atos de improbidade administrativa do

Presidente da República são crimes de responsabilidade, pois as condutasfuncionais de improbidade administrativa, definidas na Lei nº 8.429,de 1992, têm a mesma natureza jurídica dos crimes de responsabilidade.

Malgrado posição em contrário, pela interpretação literal e siste-mática do texto constitucional, verifica-se, incontinenti, que são institutosdiversos. Cumpre ressaltar, a título de exemplificação, que o artigo 85,inciso V, do Texto Constitucional, estabelece como crime de responsabi-lidade do Presidente da República, dentre outros, o ato que atente contraa probidade da administração. Ora, ao arrolar outros atos no citadodispositivo, o Constituinte estabeleceu a espécie e o gênero do qual fazparte, ou seja, um ato pode ser caracterizado como crime de responsa-bilidade sem ser ímprobo.

Ademais, os aspectos referentes à natureza jurídica, à legitimidade,ao foro competente e ao fundamento legal justificam que as duas açõesdevem ter tratamentos diferenciados. Quanto à natureza jurídica,demonstrou-se que a improbidade tem natureza civil e o ilícito de res-ponsabilidade é político-administrativo. O crime de responsabilidadeé instaurado pelo cidadão; já a improbidade é o Ministério Público oupessoa jurídica lesada, através de sua Procuradoria.26 Em relação à com-petência, cabe ao Juízo de Primeiro Grau julgar as ações de improbidade,já para os crimes de responsabilidade há foro privilegiado. Um tem

23 BRASIL. Parecer – AGU nº GQ-35, vinculante.24 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 70055, de 04.03.1993.25 ALVARENGA. Ato de improbidade administrativa: crime de responsabilidade. Correio Web, 2002.

Disponível em: <http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20020930/sup_dej_300902_19.htm>.Acesso em: 2 set. 2008.

26 C.f. Código de Processo Civil.Art. 12. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: I - a União, os Estados, o Distrito Federal eos Territórios, por seus procuradores;

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102 Angélica Moreira Dresch da Silveira

fundamento na Lei nº 8.429, de 1992, o outro na Lei nº 1.079, de 1950.Assim, se as duas normas tratassem da mesma matéria e as sanções fos-sem as mesmas, a primeira lei teria revogado tacitamente a segunda.No entanto, esse não foi o entendimento da jurisprudência, que aplicaas duas normas indistintamente.

O Plenário da Suprema Corte, ao julgar a Reclamação nº 2.138/DF,27

em decisão por maioria, explicitou que os agentes políticos, por estaremregidos por normas especiais de responsabilidade, inscritas no artigo102, I, ‘c’, da Constituição Federal, regulado pela Lei nº 1.079, de 1950,não respondem por improbidade administrativa com base no artigo 37,§4º, do Texto Constitucional, disciplinado pela Lei nº 8.429, de 1992,mas apenas por crime de responsabilidade, que somente pode ser pro-posta perante o Supremo Tribunal Federal. Segue trecho do julgado:

Após fazer distinção entre os regimes de responsabilidade político-administrativaprevistos na CF, quais sejam, o do art. 37, §4º, regulado pela Lei 8.429/92, e oregime de crime de responsabilidade fixado no art. 102, I, c, da CF e disciplinadopela Lei 1.079/50, entendeu-se que os agentes políticos, por estarem regidospor normas especiais de responsabilidade, não respondem por improbidade admi-nistrativa com base na Lei 8.429/92, mas apenas por crime de responsabilidadeem ação que somente pode ser proposta perante o STF nos termos do art. 102, I,c, da CF. (...)

Assim, para a maioria dos membros da Suprema Corte, o agentepolítico não responde por improbidade administrativa quando regidopor normas específicas de crime de responsabilidade. Com todo respeitoao Egrégio Tribunal Maior, entende-se que esta não é a melhor inter-pretação, pois além de tratar-se de institutos diversos, não se deve olvidardos princípios da moralidade administrativa, isonomia, transparênciapública, retrocesso social e institucional. É o que se tentará demonstrara seguir.

9 Possibilidade de responsabilização concomitanteCumpre consignar, inicialmente, que além do parágrafo único do

artigo 52 da Constituição Federal estabelecer que a condenação para oscrimes de responsabilidade se dará sem prejuízo das demais sanções judiciais

27 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo nº 471 (Rcl 2138/DF, rel. orig. Min. Nelson Jobim, rel. p/o acórdão Min. Gilmar Mendes, 13.6.2007).

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cabíveis, o artigo 3º da Lei nº 1.079, de 1950, também determina que aimposição da pena pelo crime de responsabilidade não exclui o processoe julgamento do acusado por crime comum, nos termos das leis de pro-cesso penal, revelando uma nítida distinção entre os crimes comuns eos crimes de responsabilidade. Tal fato, por si só, evidencia que a esferade responsabilidade político-administrativa do agente político é distintada esfera penal e da civil.

O fato de o agente político estar inserido em outra classificação,em que não estão os outros agentes públicos, não o exime de respondernas demais esferas, portanto, numa mesma conduta o agente políticopoderá ser enquadrado em uma ou mais esferas, como ocorre comqualquer outro agente público.

Da leitura da Constituição Federal não se vislumbra que os agentespolíticos respondam apenas pelas infrações político-administrativas. Aocontrário, realizando uma interpretação literal, sistemática e teleológica,nota-se que a Constituição prevê outros tipos de ilícitos, quais sejam,os crimes comuns, as infrações civis e os atos de improbidade. Dessaforma, não podemos concordar com o entendimento do Supremo, vezque a Constituição não autoriza que os agentes políticos ao responde-rem por crime de responsabilidade sejam exonerados da responsabi-lização por crime comum, por ilícito civil, ou por ato de improbidade.O próprio artigo 52 da Lei Maior prevê que a condenação se dará semprejuízo das demais sanções judiciais cabíveis. Se o Constituinte pretendessea incidência tão somente da esfera de responsabilidade político-admi-nistrativa, certamente teria excluído a possibilidade da aplicação dasdemais sanções judiciais.

Todos os agentes públicos, políticos ou não, podem ser abrangidosem todas as esferas, as quais não se excluem, ao contrário, comunicam-se. Admitir que a esfera de responsabilidade político-administrativaexclui a responsabilização em qualquer outra instância ou esfera, signi-fica dizer que inexiste, para os agentes políticos, a responsabilidadepenal, o que não se concebe, pois o próprio ordenamento jurídico vigenteprevê tal possibilidade.

O fato de o agente político possuir um grau maior de indepen-dência e discricionariedade e, teoricamente, não estar sujeito a hierar-quia, ao contrário do que se pensa, evidencia que ele deve ter maior

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responsabilidade, estando, portanto, sujeito a todas as esferas deresponsabilidade constitucionalmente admitidas.

Segundo Mônica Nicida Garcia,28 a responsabilização do agentepolítico pela prática de ato de improbidade administrativa, peranteo juiz de primeiro grau, como todo e qualquer agente público que nãoage de forma proba é não só constitucionalmente admitida, mas, antes,decorrência necessária da aplicação do princípio da igualdade e doprincípio da transparência pública.

Repise-se que nem a Constituição Federal nem a Lei de Impro-bidade fizeram qualquer distinção quanto aos atos de improbidade admi-nistrativa de agentes políticos e dos outros agentes públicos, nem fize-ram qualquer ligação entre os atos de improbidade com a figura doscrimes de responsabilidade. Ademais, insta ressaltar que a Lei Maiortambém não estabeleceu qualquer prerrogativa por função aos agentespolíticos para serem julgados por atos de improbidade administrativa.

Com o advento da Lei nº 8.429 de 1992, que é lei mais nova doque a Lei nº 1.079, de 1950, agente público eleito ou não, político ounão, em cargo, emprego ou função, e até mesmo aquele que não sejaservidor público, todos passaram a se sujeitar ao novo procedimentocriado para apuração de atos de improbidade administrativa, indepen-dente de prerrogativa de foro.

A mera alegação de que todo ato de improbidade administrativaé um crime de responsabilidade, bem como o fato do artigo 4º, inciso Vc/c o artigo 9º, da Lei nº 1.079, de 1950, prevêem como crime de respon-sabilidade o ato que atente contra a probidade na administração nãosubsiste. Além de irrazoável, tal alegação não basta para que se deixe deaplicar o novo procedimento judicial descrito na Lei nº 8.429, de 1992.

Ademais, por determinação da Lei de Introdução ao Código Civil,29

sobrevindo uma lei nova que disponha sobre a mesma matéria da leianterior, esta será considerada revogada. Tal disposição, por si só, faz-nos concluir que as duas Leis (Improbidade e Responsabilidade) possuemcaracterísticas e finalidades distintas. Se assim não o fosse, a Lei nº 1.079,de 1950, não teria sido considerada recepcionada pelo Supremo.

28 In: Responsabilidade do Agente Público, 2007.29 C.f. Artigo 2º.

§1º A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatívelou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

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Cumpre consignar também que a Lei nº 1.079, de 1950, trataapenas de um processo de julgamento político, seguindo um rito pró-prio e sua sanção é focada na perda do cargo e na inabilitação parao exercício de função pública; ao contrário, a Lei de Improbidade criouum procedimento de natureza judicial, uma ação civil, a seguir o ritoprocessual ordinário, com punições não apenas de perda do cargo oususpensão de direitos políticos, mas também de aplicação de multacivil, a ser aplicada sobre o valor da remuneração percebida pelo agente,ressarcimento do dano causado pelo agente, e ainda proibição decontratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscaisou creditícios.

Enquanto a Lei dos Crimes de Responsabilidade permite a perdado cargo pelo julgamento político, sem maiores desdobramentos, a Leide Improbidade criou um procedimento judicial para apuração de atosde improbidade e somente permite a perda do cargo após o trânsitoem julgado da sentença condenatória.

Outrossim, o agente político que detenha foro por prerrogativade função no Supremo Tribunal Federal para julgamento por crime deresponsabilidade (julgamento político) e por crime comum (julgamentojurídico) responde perante aquela Corte por tais crimes, mas tambémse sujeita a uma ação judicial de natureza civil, perante um juiz comumde primeiro grau, para aplicação de outras sanções descritas na Lei deImprobidade Administrativa.

Nesse sentido, cumpre consignar a visão do Ministro do Supremo,Joaquim Barbosa,30 que em seu voto, na Reclamação nº 2.138/DF, relatoua existência de disciplinas normativas diversas em matéria de impro-bidade e, embora visando à preservação da moralidade na AdministraçãoPública, possuem objetivos constitucionais diferentes, quais sejam:

- A específica da Lei nº 8.429, de 1992, que disciplina o artigo 37, §4º, da CF,de tipificação cerrada e de incidência sobre um amplo rol de possíveis acusados,incluindo até mesmo pessoas que não tenham vínculo funcional com a Admi-nistração Pública, teria por objetivo concretizar o princípio da moralidadeadministrativa, coibindo a prática de atos desonestos e antiéticos, aplicando-se,aos acusados as várias e drásticas penas dessa lei.

- A exigência de probidade que a Constituição faz em relação aos agentespolíticos, especialmente ao Chefe do Poder Executivo e aos Ministros de Estado

30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Reclamação 2.138/DF (Informativo STF nº 471).

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(art. 85, V), a qual, no plano infraconstitucional, se completa com o art. 9º daLei 1.079/1950, seria direcionada aos fins políticos, ou seja, de apuração daresponsabilização política e, dessa forma, assumiria outra roupagem, porque oobjetivo constitucional visado seria o de lançar no ostracismo político o agentepolítico faltoso, cujas ações configurassem um risco para o estado de Direito.Assim, a natureza política e os objetivos constitucionais pretendidos com esseinstituto explicariam a razão da aplicação de apenas duas punições ao agentepolítico: perda do cargo e inabilitação para o exercício de funções públicas por8 anos.

Dessa forma, pode-se inferir que se trata de institutos distintosque, além de não se excluírem, podem e devem ser processados separa-damente, em procedimentos autônomos, com resultados diversos, nãoobstante eventualmente desencadeados pelos mesmos fatos. No entanto,apesar de não ter sido este o entendimento manifesto pela maioriados membros do Pretório Excelso, cumpre lembrar, por importante,que o referido julgado foi proferido em sede de Reclamação Constitu-cional, portanto, com efeitos inter parts e não erga omnes, e, via de regra,não vinculantes.

Todavia, não se pode olvidar que tal julgado (Reclamação nº 2.138)instituiu um precedente, que já foi utilizado recentemente pelo próprioSupremo31 ao fundamentar ulterior decisão.

10 ConclusãoPor conclusão fática e técnico-jurídica deduz-se que o agente

político, ao responder apenas por ação de responsabilidade e não poração de improbidade, terá maior possibilidade de ficar impune por irre-gularidades cometidas durante o respectivo mandato. Ademais, dificul-tará o ressarcimento da Administração Pública pelos danos ou perdascausados ao Erário. Tal constatação dá-se pelo fato de que a penalidadepara condenados por improbidade é mais severa do que para os prati-cantes dos crimes de responsabilidade. Além disso, a punição é maisprovável de ocorrer, pois o julgamento é realizado pela primeira instân-cia, onde, via de regra, há maior celeridade e menor valoração política.

Por todos os motivos fáticos e jurídicos ilustrados, bem comobaseado nos princípios da transparência, isonomia, moralidade,

31 Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=93639>. Acessoem: 24 jul. 2008.

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economicidade e legalidade, espera-se que o entendimento da SupremaCorte possa vir a ser alterado.

Certo de que não encerrada a presente discussão, finalizamoseste breve artigo acreditando que auxiliará no fomento de um examemais aprofundado sobre o tema, com uma maior reflexão e debate sobreo assunto.

Referências

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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2003.

DICIONÁRIO jurídico. Revisado e atualizado por Clóvis C. Piragibe Magalhães eMarcelo C. Piragibe Magalhães. 8. ed.

GARCIA, Mônica Nicida. Responsabilidade do agente público. Belo Horizonte: Fórum, 2007.

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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 4. ed. São Paulo:Malheiros, 1993.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

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PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada. São Paulo:Atlas, 2002.

SCARPINELLA BUENO, Cassio; REZENDE FILHO, Pedro Paulo de (Org.). Improbidadeadministrativa: questões polêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros, 2001.

Documentos jurídicos

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,DF: Senado, 1988.

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 8.429 de 2 de jun. de 1992. Dispõe sobre assanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercíciode mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta oufundacional e dá outras providências.

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108 Angélica Moreira Dresch da Silveira

BRASIL. Presidência da República. Lei nº 1.079 de 10 de abr. de 1950. Define os crimesde responsabilidade e regula o respectivo processo de julgamento.

BRASIL. Parecer Vinculante – AGU nº GQ-35.

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109Probidade na Administração da Justiça e na Advocacia Pública: o princípio da eficiência processual

Probidade na Administração da Justiçae na Advocacia Pública: o princípio daeficiência processualHomero Andretta JuniorAdvogado da União lotado e em exercício na PRU da 3ª Região. Bacharel em Direito pelaFaculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Palavras-chave: Probidade administrativa. Administração da Justiça. Leide improbidade administrativa. Princípio da eficiência processual.

Sumário: Introdução - A razoável duração do processo e as reformasdo CPC e do CPP - A lei de improbidade administrativa e atividade ju-risdicional - Advocacia Pública, economia processual e probidade naAdministração da Justiça - O princípio da eficiência processual enquantoprincípio da Administração da Justiça - Conclusão - Referências

IntroduçãoMuito se fala a respeito da probidade administrativa no atinente

aos órgãos do Poder Executivo, como se o termo Administração Públicafosse restrito a este Poder, e como se não houvesse o que administrarnos Poderes Legislativo e Judiciário.

De fato, embora não seja esta a tarefa precípua dos últimos doispoderes, certo que existe Administração Pública em ambos, seja porquetambém lidam e gerenciam patrimônio público — contudo normalmenteum patrimônio afetado ao exercício de suas funções — seja porque nodesempenho de suas funções também podem empregar os recursos quedetêm de forma mais ou menos eficiente.

No presente artigo, buscar-se-á investigar a aplicação da probidadeadministrativa no âmbito da Administração da Justiça, considerando-seque os recursos alocados em favor do Poder Judiciário terão melhorproveito à sociedade se produzirem resultado útil em menor espaço detempo, isto é, através de uma prestação jurisdicional célere, em atençãoaos comandos constitucionais da eficiência administrativa (art. 37, caput)e da celeridade processual (art. 5°, inciso LXXVIII, introduzido pelaEmenda Constitucional n° 45/2004).

Não se pretende comentar a administração em si do patrimô-nio público afetado ao Judiciário, tema que, com poucas alterações,

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110 Homero Andretta Junior

submete-se ao mesmo regime jurídico, em matéria de improbidadeadministrativa, do que o patrimônio público afetado ao Poder Executivo;busca-se analisar a atividade-fim do Judiciário sob o prisma da eficiênciaprocessual, chegando-se à conclusão de que será tanto mais proba aatividade desse Poder quanto mais próxima de atingir um resultadojusto e célere. Nesse aspecto, a Advocacia Pública também desempenharelevante papel, que também afinal será demonstrado.

A razoável duração do processo e as reformas do CPC e do CPPAlguns juízos e tribunais ainda ignoram o comando do Constituinte

Derivado, que através da Reforma do Judiciário inseriu no art. 5° maisum inciso, verbis:

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoávelduração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

O dispositivo transcrito deu fôlego às recentes reformas do CPCe do CPP que simplificaram sobremaneira os trâmites processuais emmuitos aspectos, contribuindo, assim, para maior celeridade e eficiênciaprocessuais: de um lado, o jurisdicionado pode obter o provimento juris-dicional com maior rapidez; de outro, evita-se desperdício de recursospúblicos com fórmulas processuais arcaicas e ultrapassadas.

Como exemplo de instrumentos de maior eficácia criados recen-temente, no âmbito do CPC, tem-se o cumprimento da sentença paraas obrigações por quantia certa, disciplinado em seus artigos 475-I a475-R, a tutela específica das obrigações de fazer e não-fazer (art. 461),a tutela específica da obrigação de entrega de coisa (art. 461-A), todasem substituição ao antigo processo executivo, que exigia citação dovencido no processo de conhecimento, atualmente substituída pelasimples intimação do advogado, a exemplo do disposto no art. 475-J,§1°, do CPC.

Nesse ponto, é paradigmático o seguinte Acórdão da TerceiraTurma do STJ, lavrado no bojo do Recurso Especial n° 954859/RS,1 derelatoria do Ministro Humbero Gomes de Barros:

LEI 11.232/2005. ARTIGO 475-J, CPC. CUMPRIMENTO DA SENTENÇA.MULTA. TERMO INICIAL. INTIMAÇÃO DA PARTE VENCIDA.DESNECESSIDADE.

1 Publicado no DJ, p. 252 , 27 ago. 2007e na REVJUR, v. 359, p. 117.

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111Probidade na Administração da Justiça e na Advocacia Pública: o princípio da eficiência processual

1. A intimação da sentença que condena ao pagamento de quantia certa consuma-se mediante publicação, pelos meios ordinários, a fim de que tenha início oprazo recursal. Desnecessária a intimação pessoal do devedor.

2. Transitada em julgado a sentença condenatória, não é necessário que a parte vencida,pessoalmente ou por seu advogado, seja intimada para cumpri-la.

3. Cabe ao vencido cumprir espontaneamente a obrigação, em quinze dias, sobpena de ver sua dívida automaticamente acrescida de 10%. (destacou-se)

Veja-se que, respeitando todos os comandos constitucionais e legaishoje vigentes, o C. STJ entendeu que não é preciso sequer a intimaçãodo advogado do devedor — havendo trânsito em julgado, o devedordeve pagar de imediato.

Adicione-se a essas disposições acrescentadas pela Lei n° 11.232/05o advento da Lei nº 11.382/2006, que inseriu o art. 655-A, que permiteao magistrado efetuar a constrição de depósitos bancários, em meioeletrônico e a distância, sem necessidade de expedição de ofícios eprocedimentos formais, in verbis:

Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicaçãofinanceira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade super-visora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informaçõessobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo atodeterminar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução. (Incluídopela Lei nº 11.382, de 2006).

Embora a Lei não tenha oposto ao exeqüente (ou mais tecnica-mente, ao requerente do cumprimento da sentença) nenhuma necessi-dade de esgotamento de outros instrumentos executivos, lamenta-velmente alguns tribunais vêm exigindo que se proceda à penhora debens, antes da aplicação do aludido dispositivo, em evidente colidênciacom o próprio sentido que se imprimiu às reformas do Judiciário edo CPC.

O cumprimento da sentença e a penhora on line são corolários dodireito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (art. 5º, XXXV, da CF).

No âmbito do CPP, dentre outros institutos, promoveu-se a extinçãodo superado recurso de protesto por novo júri, extinguiu-se a leitura detodas as peças do processo no júri, possibilitou-se ao juiz criminal fixaro valor da indenização cível na própria decisão condenatória, reduziu-se a necessidade de peritos oficiais para apenas um, e unificou-se aaudiência de interrogatório do réu e oitiva das testemunhas.

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112 Homero Andretta Junior

Não se coaduna com os princípios da economia e da eficiênciaprocessuais, nem com os ditames da probidade administrativa, e mesmocom a mens legis do legislador reformador dos códigos, e tanto menoscom o novel preceito constitucional supra citado, a conduta do magistra-do que impede a aplicação desses institutos. Afinal, o legislador deter-mina que o processo seja célere. Não cabe ao Poder Judiciário prender-se a práticas arcaicas, na tentativa de reavivar a legislação revogada.

Nesse ponto, a boa administração da justiça, os princípios pro-cessuais e os postulados da probidade administrativa se encontram,merecendo enfrentamento, ainda tímido na doutrina e na jurisprudên-cia, acerca da relação entre a atividade jurisdicional e os ditames daprobidade administrativa.

A lei de improbidade administrativa e atividade jurisdicionalA doutrina vem admitindo a aplicação da Lei de Improbidade

Administrativa também aos atos jurisdicionais, a exemplo da opiniãode Wallace Paiva Martins Junior, para quem a Lei n° 8429/92 incidesobre os atos de improbidade de qualquer dos Poderes, abrangendonão só a improbidade no Executivo, mas também no Legislativo e noJudiciário, “sejam atos administrativos, legislativos ou jurisdicionais”.2

Explica Fábio Medina Osório que a boa gestão pública é princí-pio essencial nas Constituições Democráticas, reconhecido pelo Par-lamento Europeu, e do qual decorre uma série de deveres de boa gestão,“imanentes ao sistema e não necessariamente explícitos”.3 Esse o casodos atos jurisdicionais no Brasil: não há, na lei, hipótese específica desanção por improbidade administrativa em atos jurisdicionais, emboraalgumas hipóteses de improbidade possam ser praticadas no curso deprocessos judiciais,4 adicionando-se que os deveres de boa gestão são

2 MARTINS JUNIOR. Probidade administrativa, p. 305. O autor, no entanto, reconhece que há dissensodoutrinário na matéria.

3 OSÓRIO. Teoria da improbidade administrativa, p. 43-44.4 A exemplo do disposto nos artigos 9º e incisos I, III, V, 10 e incisos I, II, IV, XII, e 11 e incisos I, II, III, IV.

Há hipóteses em outros incisos que também podem ser praticadas no curso de processos judiciais,mormente naqueles referentes à licitação e contratação públicas, quando a licitação ou a contratação élevada a Juízo; no entanto, aqui a improbidade restringe-se a esta espécie específica de processo. Outrosincisos também podem vir a incidir sobre atos jurisdicionais, como quando o juiz determina atos degestão do patrimônio público ou de pessoal, a exemplo da aquisição compulsória de bens e serviços e daalocação de pessoal. Sempre que o Juiz assume atos que caberiam ao Poder Executivo, assume o risco depraticar improbidade administrativa, para além de atos meramente jurisdicionais, se obrar com dolo. No

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113Probidade na Administração da Justiça e na Advocacia Pública: o princípio da eficiência processual

imanentes ao sistema, ainda que não estejam explícitos. Assevera, ainda,o citado autor:

A confiança ou ‘trust’ entre administradores e administrados, que está no coraçãodas democracias contemporâneas, exige a boa gestão pública, já que os primeirostêm que prestar contas de seus atos aos segundos, como disse García de Enterrìa,já mencionado, numa relação contínua e permanente, que não pode se esgotarno processo eleitoral, até porque o administrador não ganha um cheque embranco para governar.5

Fábio Medina Osório, por fim, admite que o imperativo de boagestão pública é aplicável a todos os Poderes do Estado, não importandoa natureza ou a qualidade do órgão, ou mesmo de seus titulares.6

No âmbito judicial, se o processo deve ser célere, a satisfação docredor também deverá sê-lo, para que se cumpra a sentença transitadaem julgado o quanto antes, promovendo-se a paz social.

Advocacia Pública, economia processual e probidade na Admi-nistração da Justiça

A Advocacia Pública também pode e deve contribuir com a pro-bidade na Administração da Justiça. Durante muito tempo prevaleceuna Advocacia Pública, de quaisquer entes federados, a idéia de que aboa defesa do Erário era o prolongamento indefinido dos processos,seja pelo fato de que a defesa de mérito da Fazenda Pública era deficitá-ria e, com isso, resultava quase sempre derrotada, seja pelo fato deque, uma vez derrotada, a Fazenda Pública somente pagaria suas dívidasmuito tempo depois, e de preferência em governos posteriores aos dogovernante em exercício.

A evolução político-econômica do país não permite mais, atual-mente, essas condutas, embora a manutenção do sistema de precatóriosainda seja exemplo do atraso do Brasil em comparação com os paísesmais avançados.

De fato, a própria criação da Advocacia-Geral da União, na Cons-tituição de 1988, implicou em significativo incremento da qualidade da

âmbito da União, deve-se destacar as ações relativas a fornecimento de medicamento, nas quais asdecisões judiciais têm se imiscuído no mérito administrativo e interferido seriamente nas políticas públicasde saúde.

5 Idem nota anterior.6 Idem nota anterior, p. 50.

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114 Homero Andretta Junior

defesa do ente público; para Estados e Municípios, a necessidade deconcurso público para os cargos de representação judicial dos entespúblicos em geral (art. 37, II, da Constituição) permitiu sensível melhorana qualidade de suas defesas. Por fim, o advento das Leis de Reponsabi-lidade Fiscal e de Improbidade Administrativa impedem aos governantesa assunção de despesas impagáveis, mormente com o fito de deixá-lassob a responsabilidade de seus sucessores.

Isso equivale a dizer que, hoje: 1) nem sempre a Fazenda Públicaé derrotada e, quando é, não será condenada a valores estratosféricos;2) a tendência é que, a longo prazo, a Fazenda Pública volte a ter con-dições de pagar suas dívidas em dia, considerando-se o equacionamentoda dívida pública. Espera-se que, no longo prazo, o sistema de precató-rios seja extinto, assim como foi o clássico processo de execução. Não setrata de devaneio: afinal, ninguém, há alguns anos, acreditaria que oBrasil poderia equacionar a questão da dívida externa. Hoje o país écredor internacional, de forma que é plausível possa o país, em algunsanos, equacionar também o problema da dívida interna.

Ainda no concernente à Advocacia Pública, muito há a contribuirem matéria de probidade na administração da Justiça e celeridade pro-cessual ao se optar por abandonar os recursos meramente procrasti-natórios, aqueles opostos contra decisões ancoradas em jurisprudênciapacificada ou sumulada, bem como na não-execução de valores ínfimosou pequenos.

O tema é de especial relevo em se tratando de Advocacia PúblicaFederal e das Procuradorias Estaduais. Considerando-se que os custosde movimentação da máquina judiciária — suportados, respectivamente,pela União Federal e pelos Estados Federados — muitas vezes superamo valor do direito discutido ou do crédito exeqüendo, não se justifica,sob o ponto de vista da probidade administrativa, o prosseguimento,até a última instância, do processo.

No âmbito federal, tem-se a tímida autorização da dispensa daexecução de valores inferiores a mil reais, a título de honorários advoca-tícios e, para a Procuradoria da Fazenda Nacional, a dispensa da execu-ção de créditos inferiores a dez mil reais, nos termos do art. 20, caput e§2°, da Lei n° 10.522/2002,7 com a redação dada pela Lei n° 11.033/2004.

7 Eis o inteiro teor da disposição: “Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante

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115Probidade na Administração da Justiça e na Advocacia Pública: o princípio da eficiência processual

Sabe-se, também, das Súmulas da Advocacia-Geral da União, quedispensam algumas hipóteses recursais. No entanto, é preciso que seamplie o uso destes instrumentos, mormente quando se pensa no custode movimentação e manutenção do Poder Judiciário, suportado pelopróprio ente público.

O princípio da eficiência processual enquanto princípio daAdministração da Justiça

A moderna doutrina processual destaca a necessidade de umprocesso civil de resultados, isto é, o processo não deve existir como fimem si mesmo, mas como instrumento útil à efetividade do direito dequem tem razão. Vale transcrever a opinião de Dinamarco:8

Diferente é o posicionamento moderno, agora girando em torno da idéia doprocesso civil de resultados. Consiste esse postulado na consciência de que ovalor de todo sistema processual reside na capacidade, que tenha, de propiciarao sujeito que tiver razão uma situação melhor do que aquela em que se encon-trava antes do processo. Não basta o belo enunciado de uma sentença bemestruturada e portadora de afirmações inteiramente favoráveis ao sujeito, quandoo que ela dispõe não se projetar utilmente na vida deste, eliminando a insatis-fação que o levou a litigar e propiciando-lhe sensações felizes pela obtençãoda coisa ou da situação postulada. Na medida do que for praticamente possível,o processo deve propiciar a quem tem um direito tudo aquilo e precisamenteaquilo que ele tem o direito de receber (Chiovenda), sob pena de carecer deutilidade e, portanto, de legitimidade social.

Marinoni e Arenhart9 destacam que a doutrina compreendeu, coma evolução da ciência processual, que não basta conferir ao jurisdicionadoapenas o direito a uma sentença, “sendo necessário outorgar-lhe umaresposta judicial tempestiva e efetiva.” Afirmam, ainda, que a doutrina

requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritoscomo Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valorconsolidado igual ou inferior a R$10.000,00 (dez mil reais). (Redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004)§1º Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando os valores dos débitosultrapassarem os limites indicados.§2º Serão extintas, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, as execuções que versemexclusivamente sobre honorários devidos à Fazenda Nacional de valor igual ou inferior a R$1.000,00 (milreais). (Redação dada pela Lei nº 11.033, de 2004).§3º O disposto neste artigo não se aplica às execuções relativas à contribuição para o Fundo de Garantiado Tempo de Serviço.§4º No caso de reunião de processos contra o mesmo devedor, na forma do art. 28 da Lei nº 6.830, de22 de setembro de 1980, para os fins de que trata o limite indicado no caput caput caput caput caput deste artigo, será consideradaa soma dos débitos consolidados das inscrições reunidas. (Incluído pela Lei nº 11.033, de 2004)”.

8 DINAMARCO. Instituições de direito processual civil, p. 108.9 MARINONI; ARENHART. Manual do processo de conhecimento, p. 29-30.

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116 Homero Andretta Junior

moderna “abandonou a idéia de que o direito de acesso à justiça, ou odireito de ação, significa apenas direito à sentença de mérito”, concluindoque a análise do processo sob essa ótica, embora tenha sido importantepara a concepção de um direito de ação desvinculado do direito material,hoje já não é compatível com a noção de efetividade do processo, “quetraz em si a superação da ilusão de que este poderia ser estudado demaneira neutra e distante da realidade social e do direito material”.

Indaga-se, portanto, se o retardo processual, por infringir o prin-cípio da economia processual, e da celeridade, implicaria em impro-bidade administrativa.

Para responder a essa questão, é preciso analisar o art. 11 da Lein° 8.429/92, que dispõe sobre os atos de improbidade que atentam contraos princípios da Administração Pública.

Marino Pazzaglini Filho,10 debruçando-se sobre o artigo 11 dodiploma legal em cometo, entende que só se admite a responsabilidadepor má-fé do Administrador, sendo necessária, portanto, a necessidadede dolo. Informa que essa é a posição do Superior Tribunal de Justiça,e cita os acórdãos prolatados por ocasião dos julgamentos dos RecursosEspeciais de n° 480.387/SP11 e nº 534.575/PR.12 Comunga de opiniãosimilar Fábio Medina Osório, que admite a responsabilidade por culpagrave e conforme as condições de estrutura de trabalho e de aprimora-mento técnico do agente público.13 A crítica mais contundente ao dis-posto no art. 11 da Lei n° 8.429/92, todavia, parte de Marcelo Figueiredo,ao asseverar que a lei “peca por excesso ao equiparar o ato ilegal ao

10 PAZZAGLINI FILHO. Lei de improbidade administrativa comentada, 2007.11 RESP nº 480.387/SP, julgado em 16.03.04, publicado no DJ de 24.05.2004 p. 163, Relator Min Luiz Fux:

“AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ DO ADMINISTRADOR PÚBLICO. 1. ALei 8.429/92 da Ação de Improbidade Administrativa, que explicitou o cânone do art. 37, §4º daConstituição Federal, teve como escopo impor sanções aos agentes públicos incursos em atos deimprobidade nos casos em que: a) importem em enriquecimento ilícito (art.9º); b) que causem prejuízoao erário público (art. 10); c) que atentem contra os princípios da Administração Pública (art. 11), aquitambém compreendida a lesão à moralidade administrativa. 2. Destarte, para que ocorra o ato deimprobidade disciplinado pela referida norma, é mister o alcance de um dos bens jurídicos acima referidose tutelados pela norma especial. 3. No caso específico do art. 11, é necessária cautela na exegese dasregras nele insertas, porquanto sua amplitude constitui risco para o intérprete induzindo-o a acoimar deímprobas condutas meramente irregulares, suscetíveis de correção administrativa, posto ausente a má-fé do administrador público e preservada a moralidade administrativa. (...)”

12 RESP nº 534575/PR, relatora Ministra ELIANA CALMON, publicado no DJ 29.03.2004 p. 205:“ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO DE IMPROBIDADE: TIPIFICAÇÃO (ART. 11 DA LEI 8.429/92).1. O tipo do artigo 11 da Lei 8.429/92, para configurar-se como ato de improbidade, exige condutacomissiva ou omissiva dolosa. 2. Atipicidade de conduta por ausência de dolo. 3. Recurso especialprovido.”

13 Op. cit., p. 424 et seq.

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117Probidade na Administração da Justiça e na Advocacia Pública: o princípio da eficiência processual

ato de improbidade”, aduzindo que o legislador inverteu a dicção cons-titucional ao permitir que se interprete o ato de improbidade como“qualquer conduta contrária à legalidade, lealdade, imparcialidade etc.”14

De uma forma geral, a doutrina reclama parcimônia na aplicaçãodo art. 11, limitando seus termos excessivamente vagos, no que temsido acompanhada pela jurisprudência, exigindo-se que a conduta puní-vel seja aquela praticada com dolo, portanto imbuída de má-fé do agente.

Aos atos jurisdicionais, objeto da presente indagação, parece queesses mesmos critérios são suficientes para delimitação de responsa-bilidades dos agentes processuais que atentem contra os princípios daAdministração Pública, inclusive os da economia e celeridade processuais.

ConclusãoAtividade judicial proba é atividade judicial eficiente. O processo

exige o emprego de recursos públicos — papel, tinta para impressão,folha de pagamento de servidores, Juízes e Desembargadores, alémdos gastos mais comezinhos com manutenção dos edifícios de Tribunaise Juízos.

A Constituição de 1988 previu a existência do Poder Judiciárioapenas nos níveis federal e estadual. Assim, só há Poder Judiciário daUnião, e os Poderes Judiciários Estaduais, com as respectivas ramifica-ções. De qualquer forma, o Poder Judiciário ou é mantido pela UniãoFederal, ou é mantido pelos Estados-Membros.

O processo, portanto, tem um custo para os entes públicos. Quantomais longo o processo, mais custoso será. Assim, tem-se que a celeridadeprocessual não é mero princípio distante da realidade, ou destinadoapenas ao cidadão, que não pode ser obrigado a aguardar uma eterni-dade pela prestação jurisdicional: a celeridade processual é tambémimperativo da probidade administrativa, porque reduz sensivelmente odispêndio inútil de recursos públicos.

Apesar de não existir sanção específica para o retardo processual,ocasionado pelas partes (ressalvando-se as sanções relativas à litigânciade má-fé, que eventualmente podem ser empregadas), seus represen-tantes judiciais, e mesmo pelos Juízes, pode haver incidência de sançõesdecorrentes de atos praticados contra os princípios da administração

14 FIGUEIREDO. Probidade administrativa, p. 125.

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118 Homero Andretta Junior

pública, configurando-se a improbidade administrativa, nos casosdiscriminados no art. 11 da Lei n° 8.429/92, nas hipóteses em que oagente agir com dolo. No entanto, mesmo nos casos de culpa, deve-seadmitir que o prolongamento excessivo do processo é hoje um ilícito,senão uma conduta desprovida de legitimidade, na medida em que in-compatível com o ordenamento jurídico, mormente após a incrustaçãodo princípio da celeridade processual na Constituição da República.

Referências

DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo:Malheiros, 2001. v. 1.

FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

MARINONI, Luiz Gulherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo deconhecimento. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 3. ed. São Paulo: Saraiva,2006. 512p.

OSÓRIO, Fábio Medina. Teoria da improbidade administrativa. São Paulo: Revista dosTribunais, 2007.

PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada. 3. ed. SãoPaulo: Atlas, 2007.

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119Responsabilidade dos agentes políticos: crimes de responsabilidade e atos de improbidade...

Responsabilidade dos agentes políticos:crimes de responsabilidade e atos deimprobidade administrativaRodrigo de Souza Aguiar

Palavras-chave: Agentes políticos. Improbidade administrativa. Crimesde responsabilidade. Impeachment. Estado de Direito.

Sumário: 1 Introdução - 2 Da responsabilidade dos agentes públicos –Evolução histórica - 3 Conceitos operacionais - 3.1 Agentes políticos -3.2 Crimes de responsabilidade - 3.3 Ato de improbidade administrativa- 4 Responsabilização dos agentes políticos: convivência do sistema deimprobidade administrativa com o de crimes de responsabilidade - 4.1Compreensão do tema - 4.2 Convivência dos sistemas de responsabilidadepolítica e por ato de improbidade administrativa - 4.2.1 Perspectivas doDireito Constitucional positivo - 4.2.2 Análise das normas infraconsti-tucionais - 4.2.3 Perspectivas doutrinárias - 4.2.4 Análise da jurispru-dência do Supremo Tribunal Federal - 5 Conclusões - Referências

1 IntroduçãoA disciplina jurídica das atividades dos que assumem cargos de

relevância para o Estado é algo muito caro a uma nação democrática. Aresponsabilização das mais destacadas autoridades da República é temadelicado e que merece atenção da comunidade jurídica, pois repercutede modo direto na estabilidade da atuação de tais agentes, com conse-qüências para o exercício do poder de que estão investidos.

O caso do impeachment do ex-presidente Fernando Collor deMello, ocorrido em 1992, evidencia a delicadeza do problema. Atravésde seus representantes, o povo afastou do Poder o mandatário-maiorda nação, deslegitimando-o no exercício do cargo que anteriormentelhe havia concedido pelo voto. Na oportunidade, o Congresso Nacionalafastou o mencionado agente público por considerar ter o mesmocometido crime de responsabilidade.

É claro que mudanças como a que promoveu o impeachment de1992 são necessárias para a correção de rumos da nação. O Estadodemocrático dispõe de mecanismos para aferir a legitimidade de seusagentes e, caso verificada a ausência desta, contempla meios — comoo impeachment — de se proteger contra essa crise institucional.

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120 Rodrigo de Souza Aguiar

A pauta de condutas dos servidores estatais, independente do cargoque ocupem, exige, além da indispensável legitimidade, a observânciados parâmetros jurídicos orientados pela moralidade administrativa,consagrada na Constituição Federal como valor superior no agir admi-nistrativo. Não há espaço, em uma democracia, para figuras públicasque, embora contem com amplo respaldo popular, caracterizaram-sepor uma história de desrespeito aos valores republicanos, bem materia-lizada pela já consagrada expressão “rouba, mas faz”.

Dentro desse panorama, assume destacado relevo, entre nós, aedição da Lei Geral de Improbidade Administrativa, que concretiza osmandamentos constitucionais de proteção à probidade e à moralidadeadministrativas. Esta lei impõe severas sanções para aqueles que assumemcomportamentos desviantes em relação à imperiosa lisura na conduçãodas funções administrativas.

A definição de punições pela prática de atos de improbidade admi-nistrativa gerou inúmeras perplexidades em relação àqueles detentoresdos mais elevados cargos na administração pública — os chamadosagentes políticos —, já que, para eles, a Carta Maior estatuiu mecanismoespecífico de proteção à probidade na administração pública: a sançãopela prática de crime de responsabilidade (cf. art. 85).

A discussão, assim, fica em torno do regime jurídico da responsa-bilidade dos agentes políticos. Considerando que a Constituição Federalprevê mecanismos de tutela à probidade administrativa — através datipificação de tais condutas como crime de responsabilidade —, é possíveldizer que tal fato afasta a incidência da lei de improbidade administra-tiva para esses especiais agentes públicos? A definição dessa controvérsiaé a que motiva a elaboração do presente artigo.

Cumpre destacar que a matéria transcende às atenções do mundojurídico, tendo sido, inclusive, objeto de editorial de prestigioso perió-dico de circulação nacional com o título “O risco da impunidade”,1 que,em 22 de janeiro de 2006, chamava atenção para a decisão que seriatomada pelo Supremo Tribunal Federal a respeito.

O tema foi decidido, recentemente, pelo Plenário do SupremoTribunal Federal, que concluiu pela inaplicabilidade da lei de improbidade

1 Editorial do jornal Folha de S.Paulo, de 22 de janeiro de 2006. Vale o registro das primeiras palavrasdesse texto: “O STF (Supremo Tribunal Federal) está prestes a adotar decisão que poderá desmontar omecanismo de fiscalização do poder público criado a partir de 1992 com a aprovação da Lei deImprobidade Administrativa.”

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administrativa aos chamados agentes políticos.2 Em virtude de inúmerospedidos de vista, o julgamento desta ação, ajuizada no ano de 2002,foi concluído apenas em 13 de junho de 2007, pelo apertado escore de6 votos a 5, contando com o voto de vários Ministros aposentados. Dessemodo, a decisão pode não representar a orientação da atual composiçãoda Corte.

O acórdão em questão, seja por ter sido constituído pelo voto demembros já aposentados da Corte, como pelo fato de constituir pre-cedente exarado em um caso concreto — demanda de índole individual—, não coloca um ponto final na questão, que está a merecer amplodebate doutrinário.

Conforme destacado, este estudo pretende colocar em discussãoessa temática tão relevante para o Estado Democrático de Direito. Paratanto, pretende-se uma abordagem crítica ao tema, com apoio no pano-rama jurídico-político ora vivenciado, construído a partir da compre-ensão dos elementos que circundam a responsabilidade dos agentespúblicos. Assim, inicialmente, será feita uma incursão na evolução his-tórica da responsabilização do agente público.

Em seguida, serão objeto de análise os conceitos operacionais desseestudo, de modo que, a partir da correta compreensão dos termos jurí-dicos aqui utilizados, possa o operador do direito sentir-se seguro paraa análise crítica dos institutos e instrumentos jurídicos contempladospelo ordenamento jurídico para a efetivação da responsabilidade doagente público. Neste tópico, também, serão referidos os fundamentoslegais e constitucionais que embasam as definições propostas.

Vencidas as necessárias etapas antecedentes, abre-se o espaço parainvestigar a matéria de fundo, analisando-se a possibilidade — ou não—, à luz da Constituição da República e das leis que a concretizam, deconvivência harmônica entre as esferas de responsabilidade política epor ato de improbidade. Aqui, serão analisadas, também, as manifes-tações doutrinárias e jurisprudenciais mais relevantes acerca do tema afim de subsidiar uma manifestação conclusiva a respeito.

Assim, espera-se contribuir, de alguma forma, para as reflexõesque envolvem a relevante temática posta em discussão, em ordem asubsidiar o debate e a construção de uma orientação doutrinária e juris-prudencial mais segura e definitiva acerca do tema.

2 Cf. julgamento da Reclamação nº 2.138/DF.

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2 Da responsabilidade dos agentes públicos – Evolução históricaA compreensão contemporânea do conceito de agente público foi

delineada no mesmo compasso da evolução da noção de Estado. É pos-sível afirmar, aliás, que a figura do agente público, como pessoa quedesempenha funções acometidas ao Estado, só pode ser analisada apóso desenvolvimento do Estado de Direito, depois das revoluções liberais.3

No período absolutista, em que a organização do Estado justificava-se em função da vontade do soberano, a organização do pessoal dirigia-se, unicamente, ao provimento das necessidades reais.4

Em tal período prevalecia a doutrina da total irresponsabilidadedo Estado, bem sintetizada pela locução the king can do no wrong. Todasas ações do Estado — aqui incluídas as dos agentes do rei — seriamações do próprio soberano e estariam encartadas nesta “cláusula” deintangibilidade real,5 que se justificava pelo fato de o rei ter recebidode Deus a sua soberania. É, aliás, o que afirma Coelho da Rocha: “Nãoé o concurso das ordens, nem a opinião dos povos, que ocupa os pom-posos preâmbulos das leis deste tempo; mas sim a alta e independentesoberania, que o rei recebe imediatamente de Deus, pelo qual manda,quer e decreta a seus vassalos, de ciência certa e poder absoluto.”6

Não obstante, é possível detectar, no curso dos regimes absolutistas,alguma evolução no sistema de responsabilidades. Importa, desde logo,esclarecer que todo este sistema foi estruturado em função de protegera relação de fidelidade e de confiança entre o rei e os seus serviçais.

Nesse tempo, conforme ensina a doutrina,7 os cargos públicos —ou os ofícios — não seriam nada mais do que concessões reais a certaspessoas, já que toda a atividade do Estado estaria ligada e se legitimavapelo exercício da soberania real. Nesse aspecto, aquele a quem se con-cedia determinado cargo ou ofício gozava de certo respeito na sociedade,já que digno da confiança do monarca.

É nesse contexto que se concebe a primeira forma de responsa-bilização dos agentes estatais: a responsabilidade criminal. Aquelesagentes que, a serviço do rei, praticavam atos contrários à condução dos

3 GARCIA. Responsabilidade do agente público, p. 65.4 Não é demais lembrar, a respeito, a célebre frase imputada a Luis XIV, rei da França entre os anos de

1643 e 1715: “L’État c’est moi” (O Estado sou eu).5 MEIRELLES. Direito administrativo brasileiro, p. 618.6 Apud PINTO. O impeachment, p. 16.7 LOPES. O direito na história: lições introdutórias, p. 238.

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negócios, assuntos e diretrizes reais, não seriam dignos da confiançado rei e teriam de ser responsabilizados penalmente. O bem jurídicotutelado penalmente é, exclusivamente, a manutenção da relação defidúcia do rei para com os seus agentes. Como efeito de tal condenaçãoincluía-se, obviamente, a perda do cargo público e, em alguns casos, apena de morte e de degredo.

É na esfera criminal, portanto, na história, a primeira manifestaçãodirecionada à responsabilidade dos agentes do Estado. Nem sequer secogitava, nesse estágio de organização da sociedade, da responsabilidadeadministrativa dos funcionários públicos e da responsabilidade civil,seja do Estado ou de seus agentes.

As revoluções liberais, ocorridas na última metade do século XVIII,demonstraram a insuficiência da organização do Estado pelo modeloabsolutista. Estes Estados, que tinham como única razão de existênciaa satisfação dos anseios de seu soberano, não eram — nem de longe —capazes de atender às mais básicas necessidades de seus súditos.

Tal quadro de insatisfação fez grassar os ideais sustentados pelosiluministas, abrindo espaço para a conformação do Estado de Direito,que, naquele momento, trazia como substantivos avanços a repartiçãodos poderes estatais e o primado da lei, entendida como a manifestaçãoda vontade do povo que o compõe.

Dentre os mencionados movimentos revolucionários, o francêsé, sem dúvida, um marco na estruturação do Estado de Direito. Háconsenso no sentido de que a revolução francesa constitui o marco desurgimento do Estado Moderno — o de Direito.8 Esta é a mola propul-sora para o desenvolvimento do direito público e, em especial, do direitoadministrativo.9

É assim, pois, nessa nova concepção de Estado, que se começa aorganizar uma estrutura jurídica apta ao atendimento das necessidadescoletivas, com especial destaque para a proteção dos direitos individuaisdos cidadãos. É o tempo em que o Estado também se submete ao Direito,

8 DI PIETRO. Curso de direito administrativo, p. 24.9 Na compreensão de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, o direito administrativo, “Constitui disciplina

própria do Estado Moderno, ou melhor, do Estado de Direito, porque só então se cogitou de normasdelimitadoras da organização do Estado-poder e da sua ação, estabelecendo balizas às prerrogativas dosgovernantes, nas suas relações recíprocas, e, outrossim, nas relações com os governados. Na verdade, oDireito Administrativo só se plasmou como disciplina autônoma quando se prescreveu processo jurídicopara atuação do Estado-poder, através de programas e comportas na realização de suas funções” (Princípiosgerais de direito administrativo, p. 52).

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sempre a serviço do interesse público.10 Ele não é um ser infalível e sualegitimidade é haurida não mais de um poder divino, mas da vontadedo povo refletida nas leis.

Vale dizer, nessa perspectiva, que o Estado se situa em igualdadede condições com os demais particulares no que se refere à sujeiçãoao direito e à responsabilidade pelos danos causados. No dizer de CelsoAntônio Bandeira de Mello, “a idéia de responsabilidade do Estado éuma conseqüência lógica inevitável da noção de Estado de Direito”.11

No bojo dessa “nova” realidade é que se concebe a noção de agentepúblico, tal qual atualmente ele é compreendido. Ele não é mais aqueleque está a serviço do rei, mantendo-se ali, unicamente, pela relação deconfiança estabelecida com a realeza. Agora, é aquele que presenta oEstado, sendo responsável, dentro de sua competência e sob os limitesda lei, pela consecução das atividades deste.12 Deve prestar contas àsociedade, em nome de quem, por quem e para quem as atividades sãopor ele exercidas.13

O artigo 15 da Declaração Francesa dos Direitos do Homem edo Cidadão, de 1789, bem materializa a nova fase do Estado e de seusagentes: “A sociedade tem o direito de pedir contas de sua administraçãoa todos os agentes do poder público.”14

Conforme demonstrado, a relação do agente público com o Estadosofreu modificações substanciais. O funcionário público materializa oagir do Estado. Surge, pois, a necessidade de se tutelar a lisura dessevínculo, incentivando o servidor a se comportar conforme o Direito.Nesse ambiente é que se desenvolve a doutrina da responsabilidadecivil e administrativa dos agentes públicos.15

No que se refere à responsabilidade civil, é impossível tratar dotema sem aludir à própria evolução da responsabilização do Estado. Osinstitutos construídos pelo Direito Privado que legitimam a responsa-

10 A página inicial do livro Teoria do Estado e da Constituição, de Jorge Miranda, traz a seguinte lição: “nãosão apenas os indivíduos, ou os particulares, que vivem subordinados a normas jurídicas. Igualmente oEstado e as demais instituições que exercem autoridade pública devem obediência ao Direito (incluindoao Direito que criam). (Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 1).

11 Curso de direito administrativo, p. 953.12 Essa a mais moderna concepção de agente público e de sua atividade, em consonância com a “teoria do

órgão” (MELLO, p. 136).13 Na célebre fórmula de Abraham Lincoln, ex-presidente norte-americano.14 Na redação original: “La Société a le droit de demander compte à tout Agent public de son administration.”15 A previsão dessas duas esferas de responsabilidade não exclui a criminal, que, agora, tem por objetivo

tutelar bem jurídico diverso do protegido ao turno do Estado Absolutista.

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bilidade civil dos particulares passam a ter aplicação nas ações estatais,para haver do próprio Estado — ou de seus agentes — as indenizaçõesdecorrentes dos danos injustos causados a terceiros. Fala-se, aqui, dasteorias civilistas da culpa.16

Quanto à responsabilidade administrativa do agente público, estasó se desenvolve e se justifica a partir da organização que a administraçãopública passa a ter no Estado de Direito, com o apoio no arcabouço dasnormas jurídicas que regulamentam os direitos e deveres dos servidorespúblicos e, também, o avanço da doutrina dos poderes administrativos.

São estabelecidos, então, os códigos de conduta dos agentespúblicos, positivando os direitos e deveres a ser cumpridos e que legi-timam a administração pública a exigir de seus presentantes o fiel cum-primento do estatuto a que se submetem. O desrespeito a essa pauta decondutas, estabelecida em prol do bom andamento do serviço público,faz surgir a possibilidade de que a administração pública, por seus pró-prios meios, imponha sanções aos seus agentes.17 A sanção administrativa,nesse passo, tem nítido caráter disciplinar.18

Não obstante os significativos avanços mencionados, é importanteesclarecer que o pleno desenvolvimento dessa espécie de responsabili-dade do agente público teve no século XX o marco de seu desenvolvi-mento, uma vez que o Estado de Direito pós-revolucionário — liberalpor estrutura — mantinha estrutura administrativa bastante reduzida,direcionada, tão-somente, à efetivação das liberdades públicas.19

Atualmente, contudo, observa-se que a estrutura articulada paraa responsabilização administrativa do agente público já se encontrabem sedimentada, caminhando paralelamente à notável progressão dasestruturas legais que contemplam os códigos de conduta desses agentes.20

É nessa perspectiva que se tem hoje por corrente a expressão “ilícitoadministrativo”.

16 DI PIETRO, ob. cit., p. 513. A teoria em questão inspirou a edição do art. 15 do Código Civil Brasileiro de1916, que consagrava a responsabilidade subjetiva do Estado.

17 Conforme lição de Fábio Medina Osório, a sanção disciplinar resulta, de fato, “na necessidade de proteçãode uma ordem administrativa interna, de valores de hierarquia, subordinação, coordenação entre osmúltiplos funcionários públicos ou tutela de peculiares deveres profissionais” (Direito administrativosancionador, p. 160).

18 DI PIETRO, ibid, p. 484-485.19 DI PIETRO. Discricionariedade administrativa na Constituição de 1988, p. 25.20 Entre nós, é digno de registro que a primeira Constituição Republicana (a de 1891) já previa, em seu art.

82, que “Os funccionarios públicos são estrictamente responsáveis pelos abusos e omissões em queincorrerem no exercício dos seus cargos, assim como pela indulgência, ou negligência em nãoresponsabílísarem effectivamente os seus subalternos.”

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Não é demais ressaltar, considerando as etapas da evolução históricaaqui descritas, que todas essas esferas de responsabilidade dos agentespúblicos são complementares e independentes entre si. Em outras pala-vras, a existência da responsabilidade penal, civil e administrativa é indica-tiva de que o agente público pode transgredir a ordem jurídica em todasessas instâncias e esta mesma ordem oferece, em cada uma dessas searas,mecanismos firmes de reação contra tais infrações.

Desse modo, decorrente de um mesmo fato ilícito praticado porum agente do Estado pode exsurgir, unicamente, a responsabilidadeadministrativa, como também a prática de um único fato pode atrair aresponsabilidade penal, civil e administrativa. As esferas são indepen-dentes entre si, tutelam bens jurídicos diferenciados e têm mecanismosdiversos para a reparação do ilícito.21

Na evolução desses institutos, percebe-se claramente o deliberadoesforço jurídico para que os mecanismos de responsabilidade dos agentespúblicos sejam complementares, não excludentes, um somando forçascom o outro para que se solidifique uma organização jurídico-adminis-trativa pautada pelos valores eleitos pela sociedade como indispensáveisao Estado de Direito. O movimento histórico denota, pois, a direção —necessária — de ampliação da responsabilização do agente estatal.

Apesar de estas três searas — civil, penal e administrativa — cons-tituírem os pilares da responsabilização do agente público, não se podeignorar — também em paralelo a essas esferas — a existência da res-ponsabilidade política.

Apenas para situar a questão — já que a análise aprofundada destaconstitui parte importante do desenvolvimento deste trabalho — im-porta consignar que a responsabilidade política foi concebida com oobjetivo de proteger o Estado em face de agentes que não mais osten-tam legitimidade para representá-lo. A finalidade, pois, do julgamento

21 Assim esclarece José dos Santos Carvalho Filho: “(...) cabe salientar um aspecto que merece importanteanálise. A responsabilidade se origina de uma conduta ilícita ou da ocorrência de determinada situaçãofática prevista em lei e se caracteriza pela natureza do campo jurídico em que se consuma. Desse modo,a responsabilidade pode ser civil, penal e administrativa. Cada responsabilidade é, em princípio,independente da outra. Por exemplo, pode haver responsabilidade civil sem que haja responsabilidadepenal e administrativa. Pode também haver responsabilidade administrativa sem que se siga conjuntamentea responsabilidade penal ou civil. Sucede que, em algumas ocasiões, o fato que gera certo tipo deresponsabilidade é simultaneamente gerador de outro tipo: se isso ocorrer, as responsabilidades serãoconjugadas. Essa é a razão por que a mesma situação fática é idônea a criar, concomitantemente, asresponsabilidades civil, penal e administrativa. Se as responsabilidades se acumulam, a conseqüêncianatural será a da acumulabilidade das sanções, visto que para cada tipo de responsabilidade é atribuídauma espécie de sanção” (Ibid, p. 667).

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político não é a de “punir os delinqüentes, mas proteger o Estado. Nãoatinge nem a pessoa nem seus bens, mas simplesmente desveste a auto-ridade de sua capacidade política”.22

Incorpora-se, pois, ao arcabouço jurídico articulado para a respon-sabilidade do agente público, a responsabilidade política. Esta, contudo,pode ser exigida apenas das mais destacadas autoridades públicas,conforme se demonstrará no capítulo seguinte.

Estabelecido o panorama em que foi desenvolvido o estatuto dedeveres dos agentes públicos, cabe afirmar que o Brasil, enquanto naçãoindependente, já vivenciava, desde a Carta de 1824, ao menos no planoabstrato, a possibilidade de responsabilização do agente estatal no âmbitocriminal.23 No mesmo sentido, a responsabilidade civil também se fezpresente na Constituição Imperial, prescrevendo que “Os EmpregadosPúblicos são estritamente responsáveis pelos abusos, e omissões prati-cadas no exercício de suas funções, e por não fazerem efetivamente res-ponsáveis os seus subalternos.”24 25

Embora não positivada como regra constitucional, a responsa-bilidade administrativa já tinha o seu espaço a partir dos regulamentoseditados pela Coroa, que, curiosamente, eram feitos para cada caso, acada nomeação de um agente público. Inexistia um estatuto geral a esta-belecer, de modo uniforme, o regime jurídico dos servidores públicos.26

As infrações políticas se incorporaram à experiência jurídico-cons-titucional pátria a partir da Carta de 1891. Desde então são denominadascrimes de responsabilidade e têm como penalidades previstas a perdado cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer função pública.

22 PINTO, Ibid., p. 78.23 À exceção, por óbvio, do Monarca. O art. 99 da Constituição do Império tinha a seguinte redação: “A

Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada. Elle não está sujeito a responsabilidade alguma.”24 Art. 179, XXIX, da Constituição de 1824.25 Interessante anotar, com apoio na doutrina de Ruy Barbosa, que “na jurisprudência brasileira nunca

logrou entrada a teoria da irresponsabilidade da Administração pelos atos dos seus empregados. Apesarde profundamente repassada na influência do direito romano, a nossa evolução jurídica, modificadapelo concurso dos elementos liberais que vieram sempre na educação do pensamento nacional, nãodeixou penetrar no espírito dos nossos tribunais essa revivescência democrática dos privilégios regalistas.Sempre se professou nos nossos cursos, e nos nossos auditórios se proclamou sempre a noção daimputabilidade das pessoas morais pela culpa contratual ou aquiliana de seus representantes... Pelodano causado ao direito de particulares não hesitaram jamais as justiças brasileiras em responsabilizarmunicipalidades, províncias, estados, o governo do império, o da república, tendo por inconcussa a deque, no ministro, no presidente, no governador, no prefeito, em todos os que administram, ou servema uma função administrativa, conta a administração pública verdadeiros prepostos, cuja entidade, peloprincípio da representação, desaparece na do preponente” (Apud CAVALCANTI, Amaro. Responsabilidadecivil do Estado, p. 611-612).

26 GARCIA. Ibid., p. 91.

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Na sucessão das Cartas Constitucionais editadas no Brasil, a exemplodo que já acima noticiado, sempre se notou a preocupação em ampliaras esferas de responsabilidade do agente público, tendo como nortea noção de que uma administração pública séria é aquela em que osseus agentes atuem em plena conformidade com os códigos de condutadeles exigidos.

Nesse sentido, é significativa a disposição contida na Constituiçãode 1946 prevendo a edição de lei que regulamente o seqüestro e o perdi-mento de bens de agentes estatais, no caso de enriquecimento ilícito.27

Conforme autorizada doutrina, trata-se de previsão que tem a nítidaintenção de proteger a probidade administrativa, justificando-se emreforço da lisura da atuação dos agentes públicos no exercício de suasfunções.28

Assim, foi editada a Lei nº 3.502, de 21 de dezembro de 1958 —Lei Bilac Pinto — que, conforme a compreensão majoritária, vem asomar energias, ao lado — e sem prejuízo — das demais searas deresponsabilidade (civil, administrativa e penal), na tutela da probidadeadministrativa.

Dentro dessa linha evolutiva, consigne-se que, no Brasil, a mora-lidade na condução da máquina administrativa continuou a ser pres-tigiada pela Carta Cidadã de 1988, com a previsão, no que se refereà atuação do agente público, da punição pelo ato de improbidade admi-nistrativa. É, sem dúvida, o mecanismo mais avançado e inovador naárea de responsabilidade do agente público. A prática do ato de impro-bidade impõe ao servidor público, na dicção constitucional, a “suspensãodos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidadedos bens e o ressarcimento ao erário”.29 Em ordem a concretizar o comandoconstitucional, foi editada a Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 (LeiGeral de Improbidade Administrativa).

Assentadas, pois, as referências evolutivas da disciplina da res-ponsabilidade do agente estatal, identificando-se — sempre — a cor-reta tendência de sua ampliação, é possível ter maiores elementos paracompreender o sistema de responsabilidade dos agentes políticos noordenamento jurídico pátrio.

27 Art. 141, §31, CF/46.28 OSÓRIO. Teoria da improbidade administrativa, p. 120.29 Art. 37, §4º, CF/88.

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3 Conceitos operacionaisPara a correta delimitação da questão jurídica posta em estudo,

curial o exame e o conhecimento dos institutos que a circundam. Opor-tuna, pois, a análise dos conceitos e das balizas do direito positivo pátrioque se tem a respeito dos agentes políticos, dos crimes de responsabi-lidade e dos atos de improbidade administrativa.

3.1 Agentes políticosNa categoria dos agentes estatais, a doutrina nacional confere espe-

cial atenção para a espécie dos agentes políticos. Celso Antônio Bandeirade Mello leciona que estes “são os titulares dos cargos estruturais àorganização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arca-bouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder”.30

De fato, a idéia essencial ligada a essa categoria é a do exercíciode uma função política, que, na compreensão de Renato Alessi, associa-se ao exercício do governo propriamente dito.31 São esses agentes esta-tais que exercem a direção superior do Estado, sendo responsáveis pelafixação das metas, diretrizes e planos governamentais.

Com base nesse raciocínio, significativa parcela da doutrina32

considera como agentes políticos: os Chefes do Poder Executivo federal,estadual e municipal; os Ministros e Secretários, bem como os membrosdo Poder Legislativo de todas as unidades federativas.

As atividades exercidas por esses membros pressupõem amplaliberdade funcional, estando os mesmos submetidos apenas às balizasconstitucionais e legais, sem submissão à hierarquia. Tal característica— a da liberdade funcional — é a nota distintiva utilizada por parcelaminoritária da doutrina para justificar o enquadramento de servidorescomo agentes políticos.

Nesse sentido posiciona-se Hely Lopes Meirelles:

Os agentes políticos exercem funções governamentais, judiciais e quase-judiciais,elaborando normas legais, conduzindo os negócios públicos, decidindo e atuandocom independência nos assuntos de sua competência. São as autoridades públicassupremas do Governo e da Administração na área de sua atuação, pois nãoestão hierarquizados, sujeitando-se apenas aos graus e limites constitucionais elegais de jurisdição. Em doutrina, os agentes políticos têm ampla liberdade

30 Ibid., p. 237.31 Apud DI PIETRO. Manual de direito administrativo, p. 423.32 Por todos, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, José dos Santos Carvalho Filho e Diogenes Gasparini.

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funcional, equiparável à independência dos juízes nos seus julgamentos, e, paratanto, ficam a salvo de responsabilização por seus eventuais erros de atuação, amenos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou abuso de poder.33

Em verdade, a liberdade funcional ampla potencializa o poderdecisório do agente, a discricionariedade que tem, dentro de suas atribui-ções, para tomar decisões em nome do Estado. Sem dúvida, a definiçãodas condutas a serem assumidas no espaço permitido à discriciona-riedade do agente envolve claro juízo político.

A ordem jurídica pátria parece ter acolhido a concepção ampliativadefendida por Hely Lopes Meirelles, ao estabelecer regime diferenciadoa todos aqueles agentes estatais que gozam de larga liberdade funcio-nal. Demonstração clara nesse sentido é a atribuição de responsabili-dade política, através da imputação de crime de responsabilidade, aosseguintes agentes estatais: Presidente da República; ministros de Estado;ministros do Supremo Tribunal Federal; Procurador-Geral da República;Governadores e Secretários de Estado; Presidentes e respectivos substi-tutos quando no exercício da Presidência, dos Tribunais Superiores, dosTribunais de Contas, dos Tribunais Regionais Federais, do Trabalho eEleitorais, dos Tribunais de Justiça e de Alçada dos Estados e do DistritoFederal; Juízes Diretores de Foro ou função equivalente em primeirograu de jurisdição; Advogado-Geral da União; Procuradores-Gerais doTrabalho, Eleitoral e Militar; Procuradores-Gerais de Justiça dos Estadose do Distrito Federal; membros do Ministério Público da União e dosEstados, da Advocacia-Geral da União, das Procuradorias dos Estados edo Distrito Federal, quando no exercício de função de chefia das uni-dades regionais ou locais das respectivas instituições.34

Embora pareça-nos que a concepção adotada pelo ordenamentopositivo represente a melhor solução para a questão, afigura-se irre-levante, para os efeitos desse trabalho, o acolhimento de quaisquer daslinhas doutrinárias acima delineadas, já que a definição exata do enqua-dramento de servidores públicos no conceito de agente político nãoinflui na compreensão acerca da possível convivência dos sistemas deresponsabilidade política e de improbidade administrativa.

33 Ibid., p. 76.34 São as disposições da Lei nº 1.079/50, com as alterações processadas pela Lei nº 10.028/00. Esta

regulamentação deriva, em larga medida, das previsões constitucionais contidas nos arts. 50, §2º; 52, Ie II; 85; 100, §6º; 102, I, “c”; 105, I, “a”; e 108, I, “a”. O Decreto-Lei nº 201/67 impõe tambémresponsabilidade política aos Prefeitos e Vereadores.

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3.2 Crimes de responsabilidadeA despeito da referência a crime, esse instituto jurídico não se

insere na esfera penal. Há consenso doutrinário no sentido de que alocução “crime de responsabilidade”, que, aliás, está presente em nossoordenamento desde a Carta de 1891, representa, tão-somente, a idéiade infração política.35

A indevida menção ao vocábulo crime nessas espécies de infraçõesjurídicas justifica-se pela origem do instituto, desenvolvido na Grã-Bretanha. Inicialmente, as transgressões à ordem legal a que ora se referepossuíam caráter misto: político e criminal. Entre nós, contudo, prevalecea concepção de se que cuida unicamente de infrações de natureza política,36

ou como preferem alguns, infrações de natureza político-administrativa.Conceituam-se, assim, os crimes de responsabilidade como “infra-

ções político-administrativas cometidas por agentes da AdministraçãoPública em razão de seus cargos, atentando contra a Constituição Federale não sancionadas com penas de caráter criminal”.37

Não obstante seja esta a concepção predominante, força esclarecerque o Supremo Tribunal Federal possui compreensão diversa. Emborareconheça que essas infrações estão submetidas a julgamento político,afirma que essas possuem natureza criminal.38

Com efeito, conforme salientado alhures, a apuração da respon-sabilidade política tem menos a intenção de punir o agente, sendo voca-cionada à proteção do Estado contra aquele que já não mais revelelegitimidade para o exercício do cargo. Desse modo, somente poderáresponder pelo crime de responsabilidade aquele que tiver atribuiçõesde natureza política, que são, como visto, os agentes políticos. As conse-

35 Por todos, MORAES. Direito constitucional, p. 430.36 BARROSO. Parecer. Revista Forense, p. 282.37 Dimoulis (Coord.). Dicionário brasileiro de direito constitucional, p. 95.38 Paulo Brossard (ob. cit., p. 85) indica que o Pretório Excelso, desde o julgamento do Habeas Corpus nº

4.116, assume essa posição sob o argumento de que a verificação de um crime de responsabilidadeexige previsão legal nesse sentido, tal como sucede com os crimes comuns. Pode-se dizer que essacompreensão ainda prevalece na Corte, já que se encontra em vigor a Súmula 722: “São da competêncialegislativa da União a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivasnormas de processo e julgamento”. Tem-se como justificativa para a edição do enunciado sumular oargumento de que é competência privativa da União legislar sobre Direito Penal. Ainda a respeito dotema, esclarecedor o precedente: “Entenda-se que a definição de crimes de responsabilidade, imputáveisembora a autoridades estaduais, é matéria de Direito Penal, da competência privativa da União — comotem prevalecido no Tribunal — ou, ao contrário, que sendo matéria de responsabilidade política demandatários locais, sobre ela possa legislar o Estado-membro — como sustentam autores de tomo — ocerto é que estão todos acordes em tratar-se de questão submetida à reserva de lei formal, não podendoser versada em decreto-legislativo da Assembléia Legislativa” (ADI 834, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJde 09.04.99).

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qüências da prática do crime de responsabilidade são: a perda do cargoe a inabilitação para o exercício de qualquer função pública.

A Carta Maior, em seu artigo 85, considera crimes de responsa-bilidade do Presidente da República os atos que atentem contra: a Cons-tituição Federal; a existência da União; o livre exercício dos Poderes, doMinistério Público e dos poderes constitucionais das unidades da Fede-ração; o exercício dos direitos políticos, individuais e sociais; a segurançainterna do país; a probidade na administração; a lei orçamentária e; ocumprimento das leis e decisões judiciais.

Interessante destacar que os bens protegidos através da tutela dasinfrações políticas acima relacionadas correspondem, em larga medida,aos mesmos protegidos pelas hipóteses constitucionais autorizadorasda intervenção federal (art. 34 da Constituição da República). Talconstatação revela a importância que possuem ambos os mecanismospara a manutenção da unidade político-jurídica do Estado brasileiro:no caso dos crimes de responsabilidade, afastando os mandatários quenão revelam mais capacidade política para exercer os seus misteres e,no da intervenção, atingindo a autonomia da unidade federada a fimde pôr cobro a grave desvio institucional. É a Lei Magna contemplandoos meios de sua autodefesa.

A noção de crime de responsabilidade não é equivalente à deimpeachment. Em verdade, esta expressão é utilizada para identificar o“processo mediante o qual se promove a apuração e o julgamento doscrimes de responsabilidade”,39 que pode levar ao afastamento do agentedo respectivo cargo. Embora a Constituição Federal estabeleça algumasregras procedimentais a respeito do processo e julgamento dessas infra-ções (arts. 51, I; 52, I e II; e 86), a regulamentação do tema coube à Leinº 1.079, de 10 de abril de 1950, e, para o caso de Prefeitos e Vereadores,no Decreto-Lei nº 201, de 27 de fevereiro de 1967.

A propósito do impeachment, chama atenção o ensinamento deEduardo Fortunato Bim:

o impeachment é uma importante válvula de descompressão da democracia,garantindo a legitimidade de quem ocupa determinados cargos. Em um paíspresidencialista, a importância do instituto aumenta porque evita rupturasinstitucionais na medida em que é importante instrumento de preservação dalegitimidade da representação popular. Simplificando: se houver uma decisão

39 BARROSO. Ibid, p. 282.

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de cassação, terá havido uma perda de legitimidade; se a decisão for deabsolvição, terá havido um inerente reforço dela.40

Duas particularidades chamam a atenção no processo de responsa-bilização política: o fato de a legitimidade para a propositura de denúnciapor crime de responsabilidade pertencer, de acordo com a compreensãodo Supremo Tribunal Federal de que se trata de infração penal, ao Chefedo Ministério Público correspondente41 e, ainda, que esta só pode serrecebida enquanto o denunciado estiver no exercício do cargo.42

Para finalizar essa análise inicial acerca das noções desse instituto,é mister anotar, com Paulo Brossard,43 que o julgamento dos crimes deresponsabilidade é puramente político, sempre “prolatado por umacorporação política, em virtude de causas políticas, ao cabo de um pro-cesso político, instaurado sob considerações de conveniência política”,não sendo lógico admitir-se qualquer forma de revisibilidade judicialdo conteúdo decisório desse processo.

3.3 Ato de improbidade administrativaA Constituição da República põe o valor da moralidade adminis-

trativa como pauta inarredável da atuação administrativa. Ao lado dalegalidade, da impessoalidade, da publicidade e da eficiência, a mora-lidade é atributo indispensável do agir administrativo (art. 37).

Não bastasse a enunciação da moralidade como princípio basilarda administração pública, a Carta Maior estabeleceu mecanismos parapotencializar a sua proteção. Nesse sentido, previu a edição de lei paraa cominação de sanções pela prática dos chamados atos de improbidadeadministrativa, determinando que se impusesse ao praticante da impro-bidade a suspensão dos direitos políticos,44 a perda da função pública, aindisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário.

40 A possibilidade de cumulação dos crimes de responsabilidade (impeachment) e da improbidadeadministrativa dos agentes políticos por distinção de suas naturezas jurídicas. Revista de Direito doEstado, n. 5, p. 207, jan./mar. 2007.

41 A esse respeito, os julgamentos da Pet nº 1.945/DF, rel. Min. Maurício Corrêa e Pet nº 1.104/DF, rel. Min.Sydney Sanches, no Supremo Tribunal Federal.

42 Conforme acima ressaltado, a finalidade da apuração de crime de responsabilidade não é a de punir oagente, mas de garantir que o Poder estatal seja exercido por alguém que detenha legitimidade para tanto.

43 Ibid., p. 139.44 O art. 15 da Constituição de 1988, no mesmo sentido, prescreve: “É vedada a cassação de direitos

políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: (...) V — improbidade administrativa, nostermos do art. 37, §4º.” Destaque-se a importância que a Carta Maior confere à probidade administrativapelas prescrições do art.14, §9º e do art. 85, V.

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134 Rodrigo de Souza Aguiar

O dicionário Aurélio45 apresenta duas acepções para o vocábuloimprobidade. A primeira exprime a idéia de “falta de probidade, maucaráter, desonestidade”; a outra, assume o sentido de “maldade, per-versidade”. No sentido normativo, é o primeiro significado que revelaimportância, pois os atos desonestos — que ofendem a higidez de umsistema pautado pela moralidade — são os que o sistema não emprestajuridicidade.

É justamente nesse sentido que se afirma ser direito de todos acondução dos assuntos administrativos de forma honesta.46

A relação existente entre os valores da probidade e da moralidadeadministrativa é bastante discutida na doutrina. Para Maria Sylvia ZanellaDi Pietro, as expressões denotam a mesma idéia, relacionada à hones-tidade na administração pública. Nas palavras da doutrinadora paulista,“quando se exige probidade ou moralidade administrativa, isso significaque não basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa,com observância da lei; é preciso também a observância de princípioséticos, de lealdade, de boa-fé, de regras que assegurem a boa adminis-tração e a disciplina interna na Administração Pública.”47

Outros juristas advogam a tese da relação de gênero-espécie entrea moralidade e a probidade administrativa, argumentando que a pri-meira teria alcance mais abrangente, enquanto que a segunda seriamelhor qualificada como um desdobramento, uma espécie qualificadada moralidade administrativa. Esta distinção, contudo, não diminui aproteção conferida pelo Constituinte Originário a ambos os valores.

Com base nesse raciocínio, Fábio Medina Osório conceitua aimprobidade administrativa como “a conseqüência jurídica da violaçãodo dever constitucional de probidade administrativa, que se relacionaintimamente com o princípio da moralidade administrativa, emboracom esse não se confunda”.48

Os atos de improbidade, pois, são aqueles definidos na legislaçãoconcretizadora da norma constitucional, que materializam a proteçãoda probidade administrativa pela técnica da enunciação — não exaustiva— de algumas condutas administrativas ofensivas a esse princípio. A

45 Dicionário Aurélio — Século XXI. Versão Eletrônica.46 ZAVASCKI. Processo coletivo, p. 103.47 Id. Ibid., p. 657.48 Observações acerca dos sujeitos do ato de improbidade administrativa. Artigo publicado na Revista dos

Tribunais, v. 750, p. 69, abr. 1998.

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prática dessas condutas revela o desajuste com o valor constitucional daprobidade administrativa.

A lei federal editada a fim de dar efetividade ao comando do§4º do art. 37 da Carta Maior foi a de nº 8.429, de 2 de junho de 1992,chamada Lei Geral de Improbidade Administrativa. Por esta lei, com-posta de 25 artigos, institui-se as principais regras a respeito da práticado ato de improbidade que, na dicção da lei, pode ser de três espécies:os que importam enriquecimento ilícito; os que causam prejuízo aoerário; e os que atentam contra os princípios da administração pública.

A mesma lei prescreve disciplina pormenorizada a respeito dossujeitos ativos do ato de improbidade, bem como estatui o procedimentode apuração da prática do ato de improbidade, do processo e julgamentoda ação de improbidade administrativa, da prescrição do ato de impro-bidade e, por fim, da forma de aplicação das penalidades previstas naCarta Maior.

Interessante registrar, com relação às sanções, que a legislaçãoem questão foi além das disposições constitucionais, ao ampliar a pre-visão das penalidades pela prática do ato de improbidade.49 Pela Leinº 8.429/92, além das penas impostas pela Constituição, é possível aaplicação das penas de perdimento de bens, de multa civil e de proibiçãode contratar com o poder público ou de receber incentivo fiscal.

Além dos atos de improbidade disciplinados pela Lei Geral deImprobidade Administrativa, a legislação eleitoral também equiparaalgumas das condutas vedadas em período determinado, visando coibira utilização da máquina estatal para privilegiar determinado candidatoa pleito eletivo. Nesse sentido, o §7º do art. 73 da Lei nº 9.504, de 30 desetembro de 1997, enuncia que “as condutas enumeradas no caputcaracterizam, ainda, atos de improbidade administrativa, a que se refereo art. 11, inciso I, da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeitam-seàs disposições daquele diploma legal, em especial às cominações doart. 12, inciso III.”

Assim, estão estabelecidas as linhas gerais para a compreensão doato de improbidade administrativa, indispensável para a análise daquestão jurídica central posta em discussão nesse trabalho.

49 A ampliação legal do rol de penalidades aplicáveis pela prática do ato de improbidade administrativa ébem aceita pela doutrina, que compreende ser realizada sem desrespeito à Constituição. Nesse sentido,Di Pietro (Id., Ibid., p. 691).

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4 Responsabilização dos agentes políticos: convivência do sis-tema de improbidade administrativa com o de crimes deresponsabilidade

4.1 Compreensão do temaConforme destacado, a tutela da probidade administrativa cons-

titui direito de todos. Nessa perspectiva, é possível observar que o orde-namento jurídico coloca à disposição instrumentos para o controle daatuação dos agentes públicos que não se comportem de acordo comesse relevante valor.

Pelas informações lançadas no capítulo antecedente, não é difícilconcluir que as conseqüências jurídicas da prática do crime de respon-sabilidade e do ato de improbidade administrativa, cada uma a seumodo,50 apresentam-se como mecanismos importantes vocacionados àtutela desse direito.

Dentro dessa finalidade — a de proteção da probidade adminis-trativa —, surge o questionamento que motiva e legitima o exame apro-fundado da matéria nesse trabalho: considerando que o complexonormativo dirigido à responsabilidade dos agentes políticos contem-pla, como crime de responsabilidade, o ato atentatório à probidade naadministração, recairiam também sobre esses agentes as prescrições rela-tivas à Lei Geral de Improbidade Administrativa? Em outras palavras: aexistência de um regime especial de responsabilidade para os agentespolíticos afasta a incidência das normas que regulamentam o ato deimprobidade administrativa?

Estas questões não revelam interesse meramente acadêmico.A repercussão prática da resolução dessas indagações é enorme, namedida em que influem diretamente no regime de responsabilidadedaqueles agentes públicos que ocupam posições destacadas na admi-nistração pública e em cujas mãos se concentram a condução e a coorde-nação da atividade pública. Adite-se a isso o fato de o regime sancio-natório da Lei Geral de Improbidade Administrativa ser bem mais severodo que o previsto para a prática dos crimes de responsabilidade e quea competência para o julgamento das duas espécies de infrações ébastante diferenciada.

50 Não se olvide que constitui crime de responsabilidade atentar contra a probidade na administração (CF,art. 85, V; art. 9º da Lei nº 1.079/50 e art. 5º do Decreto-Lei nº 201/67).

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Os que propugnam a incidência restrita do regime dos crimesde responsabilidade aos agentes políticos, afastando a disciplina da Leinº 8.429/92, apresentam argumentos interessantes, construídos a partirda defesa das prerrogativas institucionais desses atores do Estado, quenecessitariam de uma estabilidade maior para exercer com plenitude aliberdade funcional que demanda o seu afazer político. Contam com osuporte doutrinário de Hely Lopes Meirelles que defende a existência deum regime diferenciado de responsabilidade para os agentes políticos.51

Em realidade, esta maior estabilidade estaria em que a submissãodo regime exclusivo de responsabilidade política garantiria aos agentesque se submetem a ela julgamento mais compatível com a realidade dosposicionamentos e decisões dessa natureza. Enfim, apenas o juízo políticoseria apto a fiscalizar o ato praticado por agentes políticos.

Afirmam que a Constituição Federal, ao definir como crime deresponsabilidade a prática de ato atentatório à probidade administrativaestabeleceu regime legal especial, excludente do regime geral da tutelado ato de improbidade. Sustentam, ainda, que a tipificação dos crimesde responsabilidade é repetida pela Lei Geral de Improbidade Admi-nistrativa, não havendo motivos para que o mesmo fato fosse tuteladopor dois sistemas jurídicos diferenciados, sob pena de se configurar aodiosa figura do “bis in idem”.

Nessa toada, argumentam também que, a despeito de a Lei nº8.429/92 considerar sujeito ativo do ato de improbidade os detentoresde mandato — que, regra geral, são os mandatos eletivos de que sãotitulares os agentes políticos —, o dispositivo deve ser interpretado restri-tivamente, excluindo de sua aplicação aqueles a quem a Constituiçãoatribui a incidência de crimes de responsabilidade.

Trazem, por fim, os defensores da tese da inaplicabilidade da LeiGeral de Improbidade para os atos praticados pelos agentes políticos,como argumento ad terrorem, a impossibilidade de se efetivar, por decisãode juiz singular, a destituição cautelar de um agente político, como oPresidente da República, Ministro de Estado ou Ministro de TribunalSuperior.

Esta medida, que é prevista pela lei de improbidade como umdos mecanismos a serem utilizados no bojo do processo de apuração

51 Ibid., p. 77.

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da prática de ato de improbidade, revelaria total descompasso com anecessária estabilidade do exercício das atribuições de um agente político,representando distorção não acolhida pela ordem constitucional. Sus-tentam, ainda, ser incompatível com o grau das responsabilidades e dalegitimidade de um juiz singular a tomada de decisões dessa importância.No mesmo sentido, essas características faleceriam aos órgãos acusa-dores em primeiro grau.

Em sede doutrinária, a tese é defendida por diversos autores. ArnoldoWald e Gilmar Ferreira Mendes,52 Aristides Junqueira Alvarenga53 e JoséArmando da Costa54 abonam a compreensão acima destacada.

Apenas para registro, consigne-se, desde logo, que a discussão detoda essa questão já passou pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal,quando do julgamento da Reclamação nº 2.138/DF, sagrando-se vence-dora, por apertada maioria (6 votos a 5), a tese segundo a qual as pres-crições da lei de improbidade não se aplicam aos agentes políticos. Adecisão restou assim ementada:

RECLAMAÇÃO. USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO SUPREMOTRIBUNAL FEDERAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CRIME DE RES-PONSABILIDADE. AGENTES POLÍTICOS. I. PRELIMINARES. QUESTÕESDE ORDEM. (...) II. MÉRITO. II.1. Improbidade administrativa. Crimesde responsabilidade. Os atos de improbidade administrativa são tipificadoscomo crime de responsabilidade na Lei n° 1.079/1950, delito de caráter político-administrativo. II.2. Distinção entre os regimes de responsabilização político-administrativa. O sistema constitucional brasileiro distingue o regime deresponsabilidade dos agentes políticos dos demais agentes públicos. A Consti-tuição não admite a concorrência entre dois regimes de responsabilidadepolítico-administrativa para os agentes políticos: o previsto no art. 37, §4º(regulado pela Lei n° 8.429/1992) e o regime fixado no art. 102, I, “c”, (disci-plinado pela Lei n° 1.079/1950). Se a competência para processar e julgar aação de improbidade (CF, art. 37, §4º) pudesse abranger também atos praticadospelos agentes políticos, submetidos a regime de responsabilidade especial, ter-se-ia uma interpretação ab-rogante do disposto no art. 102, I, “c”, daConstituição. II.3. Regime especial. Ministros de Estado. Os Ministros de Estado,por estarem regidos por normas especiais de responsabilidade (CF, art. 102, I,“c”; Lei n° 1.079/1950), não se submetem ao modelo de competência previstono regime comum da Lei de Improbidade Administrativa (Lei n° 8.429/1992).II.4.Crimes de responsabilidade. Competência do Supremo Tribunal Federal.Compete exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar os

52 Ação de improbidade administrativa: competência. Revista Jurídica Consulex, n. 5, p. 47.53 Improbidade administrativa: crime de responsabilidade. Revista Síntese de Direito Penal e Processual

Penal, n. 18, p. 8-12, fev./mar. 2003.54 Contorno jurídico da improbidade administrativa, p. 121.

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delitos político-administrativos, na hipótese do art. 102, I, “c”, da Constituição.Somente o STF pode processar e julgar Ministro de Estado no caso de crime deresponsabilidade e, assim, eventualmente, determinar a perda do cargo ou asuspensão de direitos políticos. II.5.Ação de improbidade administrativa. Mi-nistro de Estado que teve decretada a suspensão de seus direitos políticos peloprazo de 8 anos e a perda da função pública por sentença do Juízo da 14ª Varada Justiça Federal - Seção Judiciária do Distrito Federal. Incompetência dosjuízos de primeira instância para processar e julgar ação civil de improbidadeadministrativa ajuizada contra agente político que possui prerrogativa de foroperante o Supremo Tribunal Federal, por crime de responsabilidade, conformeo art. 102, I, “c”, da Constituição. III. Reclamação julgada procedente.55

Nesse caso, embora a questão de fundo fosse a definição da usur-pação ou não da competência do Pretório Excelso, a análise da contro-vérsia posta em análise foi o pressuposto utilizado para a definição dareclamatória. Essa a razão de sua importância.

Com efeito, não obstante os fortes argumentos apresentados — eo seu acolhimento pelo Supremo Tribunal Federal —, a exclusão daincidência do regime de responsabilidade pela prática de atos de impro-bidade administrativa aos agentes políticos parece não representar asolução que mais prestigia a ordem jurídica do Estado Democrático deDireito. É o que se demonstrará.

4.2 Convivência dos sistemas de responsabilidade política e porato de improbidade administrativa

Não se vive a democracia sem responsabilidade. O exercício dasatividades mais elevadas do Estado pelos agentes públicos é realizadanão por direito próprio destes, mas em nome da nação. A prática demo-crática, nos casos do acesso aos cargos mais elevados, não se esgotapela eleição realizada regularmente. As mais importantes autoridadessão responsáveis por usar do poder que o povo lhes outorgou da formatraçada pelo ordenamento jurídico. Ainda na primeira metade do séculoXX, Raul Pilla observava que “governo irresponsável, embora origináriode eleição popular, pode ser tudo, menos democrático.”56 57

55 Relator Ministro Nelson Jobim, relator para o acórdão Ministro Gilmar Mendes. Publicado no Diário daJustiça Eletrônico, 17 abr. 2008.

56 Presidencialismo, parlamentarismo e democracia. 1946, p. 5, apud PINTO. Ibid., p. 3.57 No mesmo sentido, cite-se o escólio de Geraldo Ataliba: “A simples menção ao termo república já evoca

um universo de conceitos, intimamente relacionados entre si, sugerindo a noção do princípio jurídicoque a expressão quer designar. Dentre tais conceitos, o de responsabilidade é essencial” (República eConstituição, p. 38).

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Em recente entrevista, posicionando-se acerca das reformas naConstituição portuguesa, José Joaquim Gomes Canotilho afirmou:

No Estado Democrático de Direito, tão importante quanto legitimar os titularesde cargos públicos (por meio do voto), é ‘legitimá-los’ afastando-os das posiçõesde poder e autoridade pelas ‘maldades’ cometidas no exercício de suas funções.Neste contexto, impõe-se uma revisão profunda das Constituições para que seconsagrem instrumentos de accountability (prestar contas) e responsiveness(responsabilidades) de forma a tornar as instituições mais transparentes.58

O amadurecimento institucional das estruturas estatais exige quea res publica seja tratada com a maior seriedade, transparência e com-prometimento. De fato, a evolução das sociedades democráticas serásempre no sentido da ampliação das responsabilidades de todos aquelesque ajam em seu nome.59

Essa, aliás, a percepção estampada no capítulo desse trabalho quecuida da evolução histórica da responsabilidade dos agentes públicos.Os ilícitos praticados em prejuízo da administração pública passaramda total irresponsabilidade do agente que a efetivou para a apuraçãoda responsabilidade desse mesmo servidor por diversas formas e atravésde variados mecanismos. Fala-se, aqui, da responsabilidade criminal,civil, política e administrativa.

Com isso, a ordem jurídica incentiva o comportamento do agenteestatal conforme a pauta de condutas legalmente fixadas e estabeleceseveras punições para aquele que atue em descompasso com esse valor.Com suporte nas palavras de Emerson Garcia, “a responsabilidade doagente público pelos ilícitos que venha a praticar é conseqüência lógicada inobservância do dever jurídico de atuar em busca da consecuçãodo interesse público”.60

Infelizmente, a corrupção constitui anomalia arraigada na histó-ria brasileira. Não se pode fechar os olhos para essa realidade. Liga-seà concepção antiga do Estado monárquico em que as funções públicaseram exercidas menos em benefício de toda a população, mas como exten-são do poder real. Assim, era encarada como mecanismo de promoção

58 RT Informa n. 49, p. 2, maio/jun. 2007. Publicação da Editora Revista dos Tribunais.59 “É conhecida a frase de Madison, dizendo que se os anjos governassem o homem, nenhum controle

externo ou interno sobre o governo seria necessário. Como não são os anjos que nos governam, ocontrole é necessário. Por isso a necessidade de diferentes instrumentos de controle, tais como o direitopenal, improbidade administrativa, direito disciplinar, responsabilidade política, etc.” (BIM. Ibid., p. 231).

60 Improbidade administrativa, p. 15.

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pessoal, de demonstração de prestígio junto ao Monarca, de status social,enfim, utilizada somente em benefício privado.

Essa visão, contudo, que considera o cargo público uma vantagempessoal não é mais tolerada pelo senso comum e é repelida pela ordemjurídico-constitucional.

Nessa perspectiva, a Lei Geral de Improbidade Administrativa, jáem vigor há mais de dezesseis anos, constitui significativo instrumentopara a regulação, prevenção e repressão das inúmeras condutas perpe-tradas pelos agentes estatais que não estejam em conformidade com ospadrões da moralidade administrativa. É importante que todo e qualquerservidor público tenha em mente que está submetido ao código de con-dutas prescrito na lei de improbidade, pois esta se apresenta como meca-nismo indispensável para o controle da probidade e da moralidade noagir administrativo.

No que se refere aos agentes políticos — que detêm os mais im-portantes cargos na estrutura da administração pública —, não fazsentido sustentar, em um regime democrático, em que a responsabili-dade é marca essencial, qualquer regime de exceção com relação à leide improbidade.

Ora, se há mais poder e mais liberdade no exercício do misterpúblico, é natural que o regime de responsabilidade seja compatívelcom essa elevada atribuição. Em outras palavras, a responsabilidade háde ser maior. Tal conclusão não passou despercebida ao Ministro JoaquimBarbosa, manifestando-se — com acerto — em voto vencido no julga-mento da já mencionada Reclamação nº 2.138/DF:

(...) Uma tal discrepância [a condição de servidor público e de agente político]contraria, a meu sentir, um dos postulados básicos do regime democrático, aquiloque no direito norte-americano se traduz na elucidativa expressão accountability,e que consiste no seguinte: nas verdadeiras Democracias, a regra fundamentalé: quanto mais elevadas e relevantes as funções assumidas pelo agente público,maior há de ser o grau de sua responsabilidade, e não o contrário, como sepropõe nesses autos.

Neste mesmo voto, há referência a parecer elaborado pela pro-fessora Lucia Valle Figueiredo, em que a mesma leciona: “especialmenteos mais graduados é que não poderiam se eximir de ser apanhados namalha da improbidade administrativa”. A propósito do mesmo tema, asobservações de Eduardo Fortunato Bim equacionam bem a questão:

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Ser responsável por seus atos é uma afirmação que comporta graus. Dependendodo lugar do agente público na estrutura estatal, sua responsabilidade pode sercada vez maior, sobrepondo-se assim diversos regimes de responsabilidade. É ocaso da responsabilidade dos agentes políticos por atos de improbidadeadministrativa. O status de agente político não serve como um manto protetor ouuma blindagem jurídica, mas como uma película adesiva de maior respon-sabilidade em comparação a quem não exerce a direção superior de partes vitaisdo Estado.61

Acresça-se a toda essa argumentação o fato de que os agentespolíticos não estão submetidos à responsabilidade administrativa, deíndole disciplinar, justo pelo fato de esta se fundar no poder hierárquicoda administração. É que os agentes políticos ocupam o topo dessa orga-nização hierárquica e, portanto, a regularidade de sua atuação não podeser aferida com base nesse pressuposto.62

A prevalecer a tese da inaplicabilidade da lei de improbidade aosagentes políticos, a estes estará reservada apenas três esferas de respon-sabilidade: criminal, política e civil. No que se refere à responsabilidadecivil do agente político, não é despiciendo afirmar que esta se resumeem hipóteses bastante reduzidas. Como leciona Hely Lopes Meirelles,ressaltando a ampla liberdade funcional dessa espécie de agente estatal,estes “ficam a salvo da responsabilização civil por eventuais erros de suaatuação, a menos que tenham agido com culpa grosseira, má-fé ou abusode poder”.63

A responsabilidade política também é vista pela doutrina comcerta desconfiança. A esse respeito, argutas as considerações de EmersonGarcia:

A inter-relação entre as responsabilidades política e judicial (rectius: penal oucível) merece uma breve reflexão. Como ensinam as regras de experiência, namedida em que se ascende no escalonamento hierárquico, mais remotas semostram as possibilidades de responsabilização do agente público. Tal constataçãoderiva das maiores prerrogativas que a lei concede ao agente, de sua ascendênciapolítica, da possibilidade de manipulação da opinião pública, da maior disponi-bilidade de recursos financeiros — o que lhe permitirá uma ampla defesa (querseja lícita ou ilícita) — e de um possível direcionamento da estrutura administrativaà consecução de seus próprios interesses. No que concerne aos agentes políticos,que normalmente ocupam o ápice do escalonamento funcional, raros são oscasos de responsabilização política, o que deriva da constatação de que a própria

61 Ibid., p. 227.62 Cf. GARCIA. Ibid., p. 303.63 Ibid., p. 76.

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atividade partidária, a cada dia mais ampla e organizada, tende a evitar que oChefe do Executivo tenha contra si uma forte oposição no Parlamento, isto semolvidar os ajustes políticos de toda ordem que são diuturnamente realizados.64

Não divergem, no ponto, as críticas de Paulo Brossard, ao analisara evolução da disciplina legal dos crimes de responsabilidade:

Em cem anos, o processo jamais funcionou; as denúncias nunca foram objetode deliberação; no entanto, como se a experiência tivesse sido negativa e abusostivessem sido praticados, normas constitucionais têm dificultado, sucessivamente,o processo de apuração de responsabilidade do Presidente da República, me-diante exigências crescentes. Tenho como certo que a República não foi felizao abandonar a solução construída consuetudinariamente, à margem da Cons-tituição, sem lei que a prescrevesse ou sequer a permitisse, atendendo antes àlógica das instituições democráticas, que há de consagrar a responsabilidadedos eleitos, e a coerência e harmonia entre os poderes, para adotar um sistema,cuja obsolescência se evidencia no fato de que, em um século, não ter funcionadoem caso algum, a despeito da gravidade dos abusos cometidos e que, até aqui,não passou de uma falácia institucional, pomposa e inútil.65

De fato, a simples leitura dos procedimentos exigidos para acusa-ção e julgamento de agentes políticos por crimes de responsabilidade(fase de recebimento da denúncia, fase de julgamento, etc.), contidosna Lei nº 1.079/50, dão bem a dimensão de que o processo de respon-sabilização política é bastante peculiar e intrincado. Pode-se afirmarque a condenação do agente por crime de responsabilidade constituihipótese improvável.

Não se olvide, ainda, o fato de a responsabilização política só serviável enquanto o agente estiver no exercício de suas funções. Vale dizer,se alguma irregularidade for constatada posteriormente à sua saída docargo, o agente estará a salvo do processo por crime de responsabilidade(arts. 15, 42 e 76 da Lei nº 1.079/50).

Os inúmeros condicionamentos aqui manifestados não se apresen-tam como meras conjecturas, incapazes de macular o regime de respon-sabilidade das mais destacadas personalidades administrativas. Fundam-se em dados doutrinários, legais e pela experiência jurídica brasileira.

Enquanto isso, a mão pesada da responsabilidade atinge os demaisagentes públicos. Neste particular, submetem-se à existência de quatrosearas: criminal, administrativa, civil e por improbidade administrativa.

64 Ibid., p. 15.65 Ibid., p. 14.

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Exclui-se, aqui, a responsabilidade política justo pelo fato de esses agentesnão contarem com a ampla liberdade funcional que justifica o enqua-dramento do servidor como agente político. Enfim, só não respondempoliticamente porque essa atribuição não lhes pertence.

Como visto, a tábua da igualdade parece pender indevida e despro-porcionalmente em benefício daqueles que têm as mais relevantes atri-buições públicas e essa situação não pode ser tolerada pelo ordenamentojurídico. Tudo o que se pretende evitar é que se institua

um sistema de castas na Administração Pública, onde uns poderão ser responsa-bilizados, enquanto que outros, por maiores que sejam os prejuízos causados aoerário, ficarão indenes. O pequeno peculatário da Empresa Brasileira de Correiose Telégrafos continuará — como é certo, aliás, sendo processado e punido naforma preconizada pela Lei de improbidade Administrativa, já o Ministro deEstado, por exemplo, que vier a se utilizar do cargo para defraudar as finançasdo Estado, em milhões, estará livre de responder pela improbidade perpetrada— o que é errado —, pelo menos ex vi da Lei de Improbidade Administrativa.66

Firme nesses argumentos, não há justificativas para que se excluamos agentes políticos da eficácia normativa da Lei Geral de ImprobidadeAdministrativa. Aliás, o que se busca com a incidência desta lei é a possi-bilidade efetiva de responsabilização dos agentes políticos, a ser efetivadapor autoridades isentas, integrantes de outro Poder do Estado — o Judi-ciário, já que, como visto, os meios contemplados pelo ordenamentojurídico para essa finalidade não se apresentam suficientes o bastantepara promover os valores republicanos necessários ao controle da regu-laridade do agir administrativo.

Não bastassem essas importantes considerações, que enxergam acontrovérsia pela perspectiva sistêmica, afigura-se relevante demonstrarque a perfeita convivência dos sistemas de responsabilidade política epor improbidade administrativa — além de constituir imperiosa neces-sidade do sistema de responsabilização dos agentes públicos — podeser extraída com facilidade da análise do texto constitucional e das leisque as regulamentam.

4.2.1 Perspectivas do Direito Constitucional positivoCrimes de responsabilidade e atos de improbidade administrativa

têm previsão constitucional. Os últimos são contemplados no §4º do

66 MEDEIROS. Lei de improbidade administrativa: comentários e anotações jurisprudenciais, p. 37.

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art. 37, com as seguintes prescrições: “Os atos de improbidade adminis-trativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da funçãopública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, naforma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”

Já os crimes de responsabilidade possuem disciplina mais ampla.A Carta Maior institui as linhas-mestras do que deva ser consideradocrime de responsabilidade. Isto no caso do Presidente da República.67

As demais referências a respeito ligam-se à disciplina da competência eda fixação de algumas regras principais para o julgamento das autori-dades submetidas à responsabilidade política. O art. 85 da Lei Magnaassim dispõe:

São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentemcontra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

I - a existência da União;

II - o livre exercício do Poder Legislativo, Poder Judiciário, do Ministério Públicoe dos Poderes constitucionais das unidades da Federação;

III - o exercício dos direitos políticos individuais e sociais;

IV - a segurança interna do País;

V - a probidade na administração;

VI - a lei orçamentária;

VII - o cumprimento das leis e das decisões judiciais.

Parágrafo único: Esses crimes serão definidos em lei especial, que estabeleceráas normas de processo e julgamento.

Como se observa, a leitura das normas constitucionais em referên-cia não permite concluir que a previsão do regime de responsabilidadepolítica exclua a aplicação das normas — de igual estatura — quecontemplam a regulamentação da responsabilidade pela prática de atosde improbidade administrativa.

Com efeito, se é certo que o atentado à probidade na administra-ção constitui crime de responsabilidade, não é menos certo que essaprevisão imponha o regime de responsabilidade política como sendo oexclusivo para a tutela desse bem jurídico.

Ora, a atribuição de responsabilidade política a certos agentespúblicos justifica-se pela única razão de que tais autoridades têm em

67 A esse respeito, há apenas uma exceção no texto constitucional. Trata-se do §6º do art. 100: “O Presidentedo Tribunal competente que, por ato comissivo ou omissivo, retardar ou tentar frustrar a liquidaçãoregular de precatório incorrerá em crime de responsabilidade.”

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suas mãos o poder de decidir e assumir as diretrizes mais importantesdo Estado. Crescendo, portanto, a importância das atribuições, adere-se à responsabilidade comum desses agentes a responsabilidade política.

Aliás, prova contundente de que a responsabilidade política nãoé a única a ser atribuída a esses destacados agentes estatais pode serextraída da própria Constituição. Ao tempo em que outorga ao SenadoFederal (art. 52, I e II) a competência para julgar o crime de responsa-bilidade do Presidente e do Vice-Presidente da República (e os Ministrosde Estado nos crimes conexos), dos Ministros do Supremo Tribunal Fede-ral, do Procurador-Geral da República e do Advogado-Geral da União,também disciplina textualmente (art. 102, I, “b” e “c”) a atribuição quepossui o Supremo Tribunal Federal para o julgamento dos crimes comunsdessas mesmas autoridades.

O artigo 86 da Carta Maior também disciplina o julgamento doPresidente da República por infrações penais comuns, indicando, emseu parágrafo primeiro, que caso seja recebida a denúncia ou queixa-crime por parte do Supremo Tribunal Federal, o mandatário-maior danação ficará suspenso de suas funções.

A Constituição Federal, dessarte, seja pela previsão da competênciapor prerrogativa de função como pelo estabelecimento de efeito jurí-dico imediato ao recebimento de peça acusatória criminal, define quetambém esses agentes estão submetidos ao julgamento por infraçõespenais comuns, desconstruindo a idéia de que a responsabilidade dessesagentes seja exclusivamente política.

Mas não é só. Atente-se para o disposto no parágrafo único doartigo 52 da Carta:

Nos casos previstos nos incisos I e II [julgamentos por crime de responsabilidade],funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se acondenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal,à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública,sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis. (sem destaque no original)

A referência aqui é clara. O julgamento político não exclui adecretação de outras sanções ou penalidades por autoridades judiciais.E aqui não se está a falar apenas da responsabilidade criminal, pois seessa fosse a intenção do legislador este haveria discriminado essa intençãoe consignado tal vontade. Mas foi além. Possibilitou a cumulação deoutras sanções judiciais.

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No conceito de sanções judiciais não se pode cogitar a inclusãodas condenações derivadas da responsabilidade civil do agente público.Isso porque o objetivo desta esfera é o de cobrir os efeitos dos danospatrimoniais causados a um particular, é recompor o patrimônio daqueleque sofreu dano decorrente da conduta do Estado.

Não se pode falar, propriamente, ao se tratar da responsabilidadecivil, em sanção, uma vez que esta pressupõe um elemento aflitivo —estranho à configuração das técnicas indenizatórias — que resulta sofri-mento ao agente submetido à penalidade, através da imposição de res-trições a alguns de seus direitos.68 A responsabilidade civil, pois, tempor pressuposto, apenas, a reparação do dano, não se constituindo comosanção propriamente dita.69

A inteligência da norma constitucional, assim, não dá outra soluçãosenão a de que dentre o conceito de “demais sanções judiciais cabíveis”está contemplada a hipótese de que o agente político submetido a pro-cesso por crime de responsabilidade também se subordine às prescriçõesda lei de improbidade administrativa.70

Toda essa análise, fundada na leitura detida dos dispositivos cons-titucionais que regulamentam a questão da responsabilidade do agentepolítico, não está apartada da força normativa dos princípios consti-tucionais que assinalam as linhas-mestras da condução das atividadesadministrativas no contexto do Estado de Direito brasileiro.

Com efeito, a assunção dessa compreensão está perfeitamenteafinada com os ideais republicanos, com a concretização da democraciae com a valorização da moralidade administrativa, materializando,também nesse aspecto, assim, a máxima efetividade da Constituição.

A leitura compromissada dos diplomas infraconstitucionaistambém não permite outra conclusão. É o que se passa a analisar.

68 OSÓRIO. Direito Administrativo sancionador, p. 97.69 Nesse sentido, Mônica Nicida Garcia: “É preciso, assim, que fique bastante claro que, diferentemente do

que acontece nas esferas de responsabilidade criminal e administrativa, na esfera de responsabilidadecivil não há imposição de sanção ou penalidade, mas tão-somente a condenação da reparação do dano”(Ibid., p. 184.)

70 Interessante trazer à baila, no ponto, as considerações de Eduardo Fortunato Bim: “Se nosso ordenamentojurídico admite, em se tratando de responsabilidade dos agentes políticos, a coexistência de um regimepolítico (ou político-penal) com um puramente penal, não servindo de argumento o princípio daespecialidade dos regimes, por qual razão haveria de ser diferente o mesmo para a improbidadeadministrativa? Não se vê nenhuma justificativa para tal distinção” (Ibid., p. 211).

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4.2.2 Análise das normas infraconstitucionaisA Lei Geral de Improbidade Administrativa disciplina a extensão

do conceito de agente público para os seus efeitos, a partir da conceituaçãoque propõe para a configuração do ato de improbidade administrativa:

Art. 1º. Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidorou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dosPoderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de Terri-tório, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cujacriação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüentapor cento do patrimônio ou da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de im-probidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção,benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelaspara cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menosde cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestescasos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição doscofres públicos.

Art. 2º. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce,ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação,designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo,mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

É interessante destacar que, a despeito de esta lei contemplar con-ceito amplo para a compreensão do agente público, a noção de sujeitoativo do ato de improbidade transcende essa esfera institucional paraatingir também o particular que “induza ou concorra para a prática doato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ouindireta” (art. 3º).

Com efeito, a proteção à probidade administrativa efetivada pelalegislação em questão revela, apenas pela análise da definição do sujeitoativo do ato de improbidade, a potencialidade de englobar a integrali-dade dos atos que possam representar desvios ao patrimônio e à legi-timidade da atuação administrativa. É, pois, bastante ampla e efetiva atutela encampada pela lei de improbidade.

No que se refere aos agentes públicos, o exame do art. 2º emcotejo com as prescrições do dispositivo inicial da Lei nº 8.429/92 dábem a dimensão da intenção do legislador em ocupar todos os espaçosem que a administração pública tem atuação. Sobre a amplitude do con-ceito de agente público para fins da Lei Geral de Improbidade Admi-nistrativa, esclarece Emerson Garcia:

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a) lapso de exercício das atividades: irrelevante, podendo ser transitório ouduradouro;

b) contraprestação pelas atividades: irrelevante, podendo ser gratuitas ouremuneradas;

c) origem da relação: irrelevante, pois o preceito abrange todas as situaçõespossíveis — eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra formade investidura ou vínculo;

d) natureza da relação mantida com os entes elencados no art. 1º: mandato,cargo, emprego ou função.

A partir dessas previsões tão abrangentes acerca do conceito deagente público, não se afigura lícito sustentar que os agentes políticospossam se excluir do regime instituído pela lei de improbidade adminis-trativa. Aliás, são expressas as referências à principal forma de investidurados agentes políticos — a eleição —, e, ainda, a relação mantida entreestes e o Poder Público — o mandato. A positivação de tais expressõesno corpo da lei denota a deliberada intenção de incluir as mais destaca-das personalidades administrativas nas balizas da Lei Geral de Impro-bidade Administrativa.

Não é possível conceber que dessa proteção instituída pelo orde-namento jurídico em prol da probidade administrativa possam serexcluídas as mais importantes autoridades estatais, aquelas que justa-mente têm o dever de exigir — pela singular posição que ocupam nahierarquia administrativa — o respeito de todos os demais agentespúblicos. É ofensivo ao senso comum — e à força normativa do princípioda igualdade — que uma autoridade exija de um agente estatal, combase na lei de improbidade, comportamento probo e honesto quandonenhuma outra instância possa realizar, com base nesse mesmo parâ-metro legal — similar cobrança.

Interpretação que divirja da orientação aqui propugnada podeconduzir a situações absurdas. Suponha-se a hipótese em que um Mi-nistro de Estado, um servidor administrativo e o encarregado de umaempresa concessionária de obra pública, em deliberado conluio, ajustama utilização de máquinas e funcionários da empresa mencionada pararealizar pequeno serviço de terraplanagem nas dependências de umimóvel de propriedade do Ministro e de sua esposa.

A hipótese em comento subsume-se perfeitamente ao inciso IVdo art. 9º da Lei Geral de Improbidade Administrativa, caracterizandoato de improbidade que importa enriquecimento ilícito do agente.

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Pelas prescrições desta mesma lei, todos aqueles que concorreram paraa prática da conduta se submetem à ação civil por improbidade adminis-trativa, que pode resultar na cominação de severas sanções (art. 12, I).

A prevalecer entendimento segundo o qual os agentes políticosnão respondem por atos de improbidade — leitura esta que, repita-se,não pode ser extraída pelas prescrições da lei de improbidade — apenaso servidor administrativo e o encarregado da empresa concessionáriaestariam submetidos aos rigores da Lei nº 8.429/92, estando o Ministrode Estado a salvo da regular apuração desse mesmo ato transgressor daprobidade administrativa.71

Gustavo Senna Miranda teve a oportunidade de analisar as enun-ciadas discrepâncias que podem surgir com o estabelecimento de regimesjurídicos diferenciados para os agentes públicos:

Ademais, uma situação recorrente em processos de improbidade administrativapode confirmar a violação ao princípio da igualdade, que são os casos em que oato é cometido por mais de um agente, sendo que nem todos estão sujeitos aoprocesso por crimes de responsabilidade, por não serem considerados agentespolíticos. Logo, a solução para os defensores da tese da não incidência da Lei8.429/92 seria a seguinte: o agente político estaria sujeito ao processo deimpeachment, na forma da Lei 1.079/50, enquanto que o outro agente (públicoou não) estaria sujeito ao processo pelas regras da Lei de ImprobidadeAdministrativa, já que a primeira lei, pelas suas peculiaridades e em face dassanções que comina, não teria qualquer incidência sobre outros agentes, comoo terceiro particular que concorre ou é beneficiário pelo ato ímprobo.72

A compreensão extraída do texto da lei de improbidade, quecertamente abrange os agentes políticos como potenciais sujeitos ativosde atos de improbidade administrativa, é, de resto, ratificada pelas pres-crições contidas nas convenções internacionais contra a corrupção dasquais o Brasil é signatário.

A Convenção Interamericana contra a Corrupção (Convenção deCaracas), editada no âmbito da Organização dos Estados Americanos(OEA) foi o primeiro ajuste internacional adotado pelo Brasil em que secuidou, propriamente, da responsabilidade do agente público. Na ordeminterna, foi aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto

71 Nesse caso, o Ministro de Estado estaria sujeito apenas ao processo de responsabilização política previstono artigo 9º da Lei nº 1.079/50, com chances reduzidíssimas de ser responsabilizado.

72 Da impossibilidade de considerar os atos de improbidade administrativa como crimes de responsabilidade.Artigo publicado na Revista dos Tribunais, v. 857, p. 504-505, mar. 2007.

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Legislativo nº 152, de 25 de junho de 2002, sendo promulgada peloDecreto nº 4.410, de 7 de outubro de 2002.

O Pacto de Caracas estabelece regras que visam promover a orga-nização das estruturas jurídicas internas estatais para o combate a corrup-ção, através da adoção de medidas preventivas e repressivas pelos Estadosmembros. Dispõe, ainda, acerca da necessária assistência e cooperaçãoentre os Estados signatários, para facilitar, entre estes, a obtenção de provase outros elementos capazes de colaborar no combate à corrupção.

O conceito de agente público, para os efeitos dessa Convenção,consta do artigo primeiro e é bastante abrangente:

‘Função Pública’ toda atividade, temporária ou permanente, remunerada ouhonorária realizada por pessoa física em nome do Estado ou a serviço do Estadoou de suas entidades, em qualquer de seus níveis hierárquicos.

‘Funcionário público’, ‘funcionário de governo’ ou ‘servidor público’ qualquerfuncionário ou empregado de um Estado ou de suas entidades, inclusive os quetenham sido selecionados, nomeados ou eleitos para desempenhar atividadesem nome do Estado ou a serviço do Estado em qualquer de seus níveis hierárquicos.

É de se ver, assim, que a concepção de agente público para o efeitode combate à corrupção não pode se submeter a critérios hierárquicos,sendo necessário, para a efetiva proteção da probidade administrativa,abranger toda a gama dos agentes do Estado.

No mesmo sentido são as prescrições da Convenção das NaçõesUnidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), já em vigor em nossaordem interna após regular aprovação do Congresso Nacional (DecretoLegislativo nº 348, de 18 de maio de 2005) e por sua promulgação peloDecreto nº 5.687, de 31 de janeiro de 2006.

Esse Pacto da ONU contra a corrupção é mais abrangente do queo formalizado pela OEA, mas, para o que aqui interessa, a compreensãodo agente público é taxativa ao incluir, sem quaisquer reservas, os titu-lares dos mais destacados cargos administrativos:

Art. 2. Aos efeitos da presente Convenção:

Por ‘funcionário público’ se entenderá: i) toda pessoa que ocupe um cargolegislativo, executivo, administrativo ou judicial de um Estado Parte, já designadoou empossados, permanente ou temporário, remunerado ou honorário, sejaqual for o tempo dessa pessoa no cargo; ii) toda pessoa que desempenhe umafunção pública, inclusive em um organismo público ou numa empresa pública,ou que preste um serviço público, segundo definido na legislação interna do

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Estado Parte e se aplique na esfera pertinente do ordenamento jurídico desseEstado Parte; iii) toda pessoa definida como ‘funcionário público’ na legislaçãointerna de um Estado Parte. (...)

Considerando que esses pactos internacionais já se encontram emvigor na ordem jurídica brasileira, qualquer medida que seja destinadaa excluir os agentes políticos dos processos comuns de responsabiliza-ção por atos praticados em descompasso com os parâmetros da morali-dade administrativa representa frontal violação a esses ajustes, possibi-litando o controle judicial na esfera interna e a indesejável deflagraçãode contencioso na órbita internacional com a possibilidade de imposiçãode restrições.

As repercussões da inaplicabilidade das Convenções em análiseno plano interno foram objeto da análise de Mônica Nicida Garcia: “(...)também os agentes políticos devem ser amplamente responsabilizadospelos atos de corrupção que eventualmente praticarem, não se podendoadmitir qualquer tese que os exclua de algum tipo de responsabilização,sem que, com isso, não se esteja indo de encontro com os ditames dasconvenções anticorrupção.”73

Dessa forma, observa-se que a correta interpretação das normasem vigor no plano infraconstitucional não permite excluir os agentespolíticos da responsabilidade pelos atos de improbidade administrativaque praticarem, nos exatos termos da Lei nº 8.429/92.

4.2.3 Perspectivas doutrináriasNão obstante as inúmeras razões acima elencadas sejam suficientes

para configurar a necessidade, de resto positivada pela orientação dosistema normativo pátrio, da responsabilização dos agentes políticos pelaprática dos atos de improbidade administrativa (cf. Lei nº 8.429/92),necessário trazer à colação algumas das considerações presentes em dou-trina que bem examinam as particularidades da convivência entre o regi-me de responsabilidade política e por ato de improbidade administrativa.

A primeira delas é a que cuida do tipo de julgamento a que sãosubmetidos os crimes de responsabilidade e as infrações por improbidadeadministrativa. Para os primeiros, conforme já salientado, o processo eo julgamento se pautam por razões exclusivamente políticas, enquanto

73 Ibid., p. 345.

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que, para as ações de improbidade, os critérios obedecem às prescriçõesda ordem jurídica, sendo aplicadas pelo Poder Judiciário.

Conforme destacado alhures, a intenção da apuração da respon-sabilidade política é a de aferir se a autoridade a quem se imputa umcrime de responsabilidade ainda se reveste de legitimidade — no sentidopolítico — para permanecer à frente de seu cargo. Ainda que haja umapauta legal mínima, estabelecida pela Lei nº 1.079/50, para a configu-ração dos crimes de responsabilidade, o julgamento não se prende àsimples averiguação da transgressão dos valores consagrados na mencio-nada lei, efetivando-se por razões eminentemente políticas.74

Assim, ainda que o atentado à probidade na administração sejaprevisto como infração apta a ensejar a responsabilização política doagente, o julgamento dependerá não só da demonstração de sua efetivaocorrência, mas das conveniências do caso concreto e da definição deelementos que transcendem a esfera jurídica. A esse respeito, esclare-cedor o magistério de Paulo Brossard:

(...) embora o julgamento político não exclua o julgamento jurídico, antes osuponha, ele vai além dos limites deste; os critérios da Câmara, ao acusar, e doSenado, ao julgar, não são necessariamente os mesmos do Judiciário, e porvezes não podem sê-lo. Ainda quando o caso não seja tipicamente político, masde aplicação legal mais direta, não lhe faltam ingredientes tais, e comumente seadicionam componentes de conveniência e utilidade na formulação do juízo daCâmara ao decretar a acusação e do Senado ao decidir sobre ela. Mas casos háem que as duas Casas do Congresso, cada uma a seu tempo, têm de usar deinevitável discrição, inspiradas em superiores razões de Estado, e tais conside-rações não entram, nem podem entrar, na composição das decisões judiciais,ainda quando o juiz seja o exemplar reclamado por Laski, que, para ser perfeito,não pode ser menos estadista que jurisconsulto. Um poder examina o problemasob um prisma, ensina Maximiliano, o outro encara-o sob prisma diferente.75

74 Recorde-se, aqui, a passagem de Alexis de Tocqueville, citada por Paulo Brossard: “o fim principal dojulgamento político nos Estados Unidos é retirar o poder das mãos de quem fez mau uso dele, e deimpedir que tal cidadão possa ser reinvestido de poder no futuro” (Ibid., p. 78).

75 Id., Ibid., p. 140. No mesmo sentido, extremamente interessantes as ponderações de Fábio MedinaOsório: “Os parâmetros da responsabilidade política são extremamente flexíveis, dinâmicos, dúcteis,perpassando aspectos que transcendem a esfera jurídica, para adentrar o campo emocional, subjetivo,político propriamente dito. Os tipos sancionadores se concretizam em cláusulas gerais e conceitos outermos juridicamente indeterminados com uma enorme freqüência e intensidade, isto quando não há,pura e simplesmente, confusão entre as responsabilidades de tipo moral e político, porque é muitocomum que pautas de julgamento político sejam exclusivamente morais, embora pautadas por umalógica diferenciada que os torna políticos. As conseqüências políticas de determinadas censuras moraisaproximam os tipos e responsabilidade aqui diferenciados em abstrato.O mais curioso é que as decisões de natureza política não se apóiam, necessariamente, em critériossequer aproximados ao campo jurídico. Ao contrário, a regra geral recomenda que se abstraiam osrequisitos puramente jurídicos de responsabilização e se busquem elementos distintos, adentrando o

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Sem dúvida, a tutela repressiva da probidade administrativa nãopode ficar restrita ao campo da responsabilidade política. A proteçãode tal bem jurídico não pode ser submetida — de modo exclusivo — ajulgamentos de natureza política. É necessário que o fiel cumprimentodos princípios e normas que orientam a atuação administrativa possamser aferidos através de mecanismos jurídicos, em que só argumentosdessa natureza sejam considerados, a fim de que se viabilize a efetivatutela dos valores positivados na Constituição.

Caso não seja esse o procedimento, pode-se afirmar a possibilidadede se criar “terreno fértil para impunidade”,76 onde autoridades quecometem as mais absurdas transgressões à probidade administrativa,podem ser mantidas em seus cargos em função de sua grande legitimi-dade política e grande aceitação popular.77

É plenamente justificável, assim, a convivência desses dois sistemasjurídicos de responsabilidade do agente público. Tal conclusão ainda éfortalecida pela circunstância de que a apuração de crimes de responsa-bilidade só pode ser realizada enquanto o agente público estiver nocargo em que, supostamente, tenha cometido irregularidades.

Nesse caso, a prevalecer a tese que afasta a aplicação da Lei nº8.429/92, caso apurada a falta após a saída do servidor de seu cargo,a única forma de o mesmo responder pelos atos que praticou seria atra-vés da repressão criminal da conduta.78 Entretanto, cabe afirmar que atutela criminal é residual e não abrange todas as hipóteses em que sevislumbra a transgressão aos valores da moralidade administrativa. Apossibilidade de a falta praticada pelo agente político não ser apuradae este ficar imune a qualquer conseqüência de sua atuação danosa àordem jurídica é bastante significativa.

terreno social, onde repousam os pilares do poder político. Elementos de convicção metajurídicos, oriundosdo exercício de atribuições discricionárias, entram em jogo. Valorações subjetivas dos intérpretes sãofrancamente plausíveis. Lamentável que, na praxe das instituições, a censura política ganhe contornosnão raramente distorcidos, alicerçando-se em negociações duvidosas, meios idôneos de persuasão, jogosocultos de linguagem e trocas de favores. Somente uma rigorosa fiscalização externa pode coibirfundamentos espúrios nessa modalidade de responsabilidade. Tal fiscalização há de ser feita pela opiniãopública, legítima destinatária das informações que circulam nos bastidores dos jogos políticos” (Teoriada improbidade administrativa, p. 105-106).

76 A expressão é utilizada por Gustavo Senna Miranda. Ibid., p. 502.77 Essa, aliás, é a confirmação da hipótese referida na introdução desse estudo. É a permanência no Poder

das autoridades que “roubam, mas fazem”.78 Recorde-se, aqui, as considerações feitas no tópico “IV. b” a respeito da responsabilidade administrativa

e civil dos agentes políticos.

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Adite-se a essas considerações a possibilidade de o agente públicodesligar-se do cargo que ocupa a fim de buscar se eximir do processoe julgamento por crime de responsabilidade.79 Se a conduta praticadanão constituir crime, a ruptura do seu vínculo com o serviço públicorepresenta a total impossibilidade de responsabilização de tal agente.

Outra importante questão doutrinária a ser abordada é a relativaà independência das instâncias.

Com efeito, a existência de inúmeras esferas de responsabilidadedo agente público decorre do fato de o regime jurídico do servidorpúblico ser integrado por diversos códigos de conduta, cada qual emuma esfera delimitada do ordenamento. Assim, é que se pode falar emum regime jurídico (i) criminal (v.g., crimes que possuem apenas o ser-vidor público como sujeito ativo), (ii) administrativo (direitos e deveresdo agente público), (iii) civil (responsabilidade por danos causadospor culpa ou dolo), (iv) de probidade administrativa (proteção ao valorconstitucional da moralidade administrativa) e (v) político (aferição dalegitimidade política para o exercício do cargo).

Cada um desses segmentos jurídicos possui autonomia e detémmecanismos próprios para a resolução das potenciais transgressõesrealizadas pelos agentes públicos. Essa a maneira encontrada pela ordemjurídica para a integral proteção dos interesses que envolvem a admi-nistração pública.

Doutrina80 e jurisprudência81 reconhecem a independência das

79 A respeito de renúncia de parlamentar e deslocamento do foro para julgamento de infração penal,registre-se o precedente da Ação Penal nº 333, do Supremo Tribunal Federal (“Caso Ronaldo CunhaLima”). Na hipótese, restou vencida a tese de que a renúncia do agente público realizada unicamentecom o propósito de obstaculizar a efetivação da prestação jurisdicional (renúncia realizada cinco diasantes da Sessão de Julgamento, com pauta já publicada) seria válida para todos os efeitos, mas ineficazem relação ao processo já maduro para julgamento. Assim, ante a renúncia de parlamentar, afasta-se,sob quaisquer circunstâncias, a prerrogativa de foro, baixando-se os autos para o juiz penal competente(Ação Penal nº 333, rel. Min. Joaquim Barbosa). A orientação do Supremo Tribunal Federal parecebastante significativa neste caso, pois, estabelecendo-se um paralelo para os crimes de responsabilidade,as razões do desligamento do agente público de seu cargo tornam-se irrelevantes para fins deresponsabilidade. Em outras palavras, o posicionamento do Pretório Excelso não permite ao julgador aincursão nas verdadeiras razões do afastamento do agente de seu cargo para fins de definição de suaresponsabilidade; caso uma renúncia ou exoneração tenham sido efetivadas com o único propósito dese eximir da infração política, essa razão não pode ser aferida pelo Poder Judiciário como prejudicial parao prosseguimento de um processo de responsabilização. O desligamento do serviço público deve serreputado válido para todos os efeitos.

80 Por todos, José dos Santos Carvalho Filho (Ibid., p. 667).81 No âmbito do Supremo Tribunal Federal: “Mandado de segurança. Servidor público demitido por ilícito

administrativo. Simultaneidade de processos administrativos e penal. Independência das instâncias.Precedentes. Esta Corte tem reconhecido a autonomia das instâncias penal e administrativa, ressalvandoas hipóteses de inexistência material do fato, negativa de sua autoria e de fundamento lançado na

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instâncias para a responsabilização do agente público. O entendimentoé, ademais, seguido pela legislação pátria.82

Para o que aqui interessa, é importante destacar que a teoria daindependência das instâncias também possui plena aplicabilidade. Emoutras palavras, considerando que o sistema de responsabilidade polí-tica busca, como visto, tutelar interesses diversos do que propõe o sistemade responsabilidade por ato de improbidade administrativa,83 não parecelícito concluir que a incidência de uma dimensão possa excluir a apli-cabilidade da outra esfera, dado que independentes.

Como visto, nem a Constituição Federal nem a legislação de regên-cia permite sustentar a existência de um regime único de responsabi-lidade dos agentes políticos, fundada exclusivamente nas normas quedisciplinam os crimes de responsabilidade.

Embora a Lei nº 1.079/50, conferindo concretude à norma consti-tucional (art. 85, V), tenha prescrições direcionadas à proteção da probi-dade administrativa, não se pode dizer que essa seja a razão para que seexclua a aplicação da Lei Geral de Improbidade Administrativa aosagentes políticos.

Isto porque a tutela desse especial valor jurídico não se resume àsimples aplicação — ou não — da lei de improbidade administrativa.Com efeito, a proteção da moralidade administrativa é referencial queorienta a elaboração das normas repressoras em todas as dimensões deresponsabilidade do agente público.

Assim é que, v.g., o Código Penal prevê como crime a prática deviolação de sigilo funcional (art. 325); prevaricação (art. 319); concussão(art. 316) e corrupção passiva (art. 317). O Estatuto dos Servidores PúblicosCivis da União (Lei nº 8.112/90), por sua vez, em defesa da probidade

instância administrativa referente a crime contra a administração pública. Precedentes: MS nº 21.029,CELSO DE MELLO, DJ de 23.09.93; MS 21.332, NÉRI DA SILVEIRA, DJ de 07.05.93; e 21.294, SEPÚLVEDAPERTENCE, julgado em 21.10.91 e MS nº 22.076, relator para o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA.Segurança denegada” (MS nº 21.708, Tribunal Pleno. Relator para o acórdão Min. Maurício Corrêa.DJ de 18.05.2001). As ressalvas referidas pelo acórdão estão consignadas no art. 386 do Código deProcesso Penal.

82 Na Lei nº 8.112/90 — “Art. 125. As sanções civis, penais e administrativas poderão cumular-se, sendoindependentes entre si.” No mesmo sentido, leia-se no art. 12 da Lei Geral de Improbidade Administrativa:“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica,está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações(...)”.

83 Não é demais recordar: o sistema de responsabilidade político tem por princípio proteger o Estadocontra o agente público que não mais possui legitimidade para continuar no cargo; o sistema deresponsabilidade por ato de improbidade administrativa tem por objetivo específico a tutela da moralidadeadministrativa.

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na administração, proíbe a manutenção, sob chefia imediata, em cargoou função de confiança, o cônjuge, companheiro ou parente até o segundograu civil (art. 117, VIII), bem como veda que se efetive delegação,a pessoa estranha à repartição, fora dos casos previstos em lei, do de-sempenho de atribuição da responsabilidade do delegante, ou de seusubordinado (art. 117, VI).

Em outras hipóteses, tem-se que a falta funcional prevista noestatuto dos agentes públicos pode até coincidir com um tipo penal. Éo caso, entre outros, da infração prevista no art. 117, inciso XII,84 da Leinº 8.112/90, que se subsume perfeitamente à hipótese típica do delitode corrupção passiva.85

Como se vê, a lógica vigorante em tema de responsabilidade deagentes públicos é a da convivência harmônica entre os sistemas exis-tentes, sendo estes complementares entre si para o fim máximo de esta-belecer uma conduta administrativa na conformidade com os exigidospadrões da moralidade. Observa-se, até, em certas hipóteses, a possibi-lidade de um mesmo fato ser sancionado tanto pelo direito penal quantopelo direito administrativo disciplinar, como acima demonstrado.

Com relação a essas hipóteses, Themistocles Brandão Cavalcantijá lecionava, em meados do século passado que a convivência dos siste-mas de responsabilidade possibilita a cumulação das sanções por elesprevistas, sem qualquer ofensa ao ordenamento jurídico:

A independência da ação e do processo disciplinar em relação à pena criminal,conduz ao princípio da acumulação das duas penalidades. Esta regra constitui,assim, a revogação, pela sua inaplicabilidade, do princípio de direito penalformulado pela regra — non bis in idem. Não existe violação deste princípio naacumulação das duas penas.86

Com efeito, o mesmo raciocínio é aplicável ao se acrescentar aesse rol os regimes da responsabilidade política e por ato de improbi-dade. Sem dúvida, os sistemas são complementares, jamais excludentes,devendo ser incorporados, ao lado dos já consagrados na doutrina, comosignificativos mecanismos para a proteção da probidade administrativa.

84 “XII — receber propina, comissão, presente ou vantagem de qualquer espécie, em razão de suasatribuições.”

85 “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antesde assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.”

86 Tratado de direito administrativo, v. 4, p. 423.

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Assim, com relação aos crimes de responsabilidade e aos atos deimprobidade administrativa, revela-se equivocada qualquer argumen-tação que preveja um regime único de responsabilidade para o agentepolítico, seja pela exclusão de uma ou outra dimensão de responsabi-lidade ou pela existência de um regime misto, organizado com base natipificação das infrações contidas em cada um dos sistemas.87

Ainda que, parcialmente, o regime das sanções previstas pela LeiGeral de Improbidade Administrativa e pela Lei de Crimes de Respon-sabilidade seja comum — imposição de perda do cargo público ao agentefaltoso — não se justifica sustentar seja este fato apto a gerar a inviabi-lidade da convivência desses dois sistemas, já que as finalidades dasanção, conforme já destacado, são diferenciadas para cada uma dessesregimes, havendo, além disso, outras penalidades — não comuns aosdois sistemas — que completam a proteção conferida ao bem jurídico.

Além disso, acresça-se que o sistema de independência das instân-cias de responsabilidade do agente público justifica a existência desanções comuns para os inúmeros regimes existentes. A perda do cargopúblico, por exemplo, é penalidade que pode ser alcançada pela aplica-ção do regime de responsabilidade criminal (art. 92, I, do Código Penal),administrativo (pena de demissão — para o funcionalismo federal —Lei nº 8.112/90, art. 132), de improbidade (CF, art. 37, §4º e art. 12 daLei nº 8.429/92) e político (CF, art. 52, p.u. e art. 2º da Lei nº 1.079/50).

Nos casos de sanções comuns, caso haja a condenação do agentefaltoso em penalidade já aplicada por outra esfera de responsabilidade,a solução deverá ser equacionada na fase de cumprimento das sanções.É imposição da lógica. Ninguém pode perder o cargo por duas vezes ouser obrigado a reparar o dano em duplicidade. Sobre o tema, lúcidas,uma vez mais, as considerações de Mônica Nicida Garcia:

A solução, em casos tais, haverá que ser encontrada na fase de execução. Valedizer, apenas uma das sanções impostas (desde que sejam iguais, evidentemente)deverá ser executada, devendo a outra execução ser oportunamente julgadaextinta por já ter sido cumprida. Parece ser nesta fase de execução que se tornaaplicável o princípio do non bis in idem.

87 De certo modo, esta última é a tese defendida pelo Min. Carlos Velloso, em seu voto na Reclamação nº2.138/DF, que sustenta a aplicação da lei de improbidade administrativa para os agentes políticos apenasnas hipóteses em que as infrações apuradas não encontrem enquadramento típico na lei de crimes deresponsabilidade.

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Caberá ao agente público multissancionado invocar em sua defesa o cumpri-mento, e outra esfera, de sanção que lhe for imposta e estiver sendo executadaem uma determinada esfera. Ressalte-se que o acionamento de várias esferas,concomitantemente, e por diversos órgãos, não constitui hipótese cerebrina,mas antes que ocorrência plenamente possível, cumprindo, por isso, procurar-se uma solução que compatibilize e torne eficazes as atuações, que têm, agora,se incrementado, no sentido da sempre desejada, mas nem sempre conseguida,responsabilização do agente público.88

Diante de todos os argumentos acima relacionados, é de se observarque a correta leitura dos argumentos postos pela doutrina conduz, indu-vidosamente, à conclusão de que a convivência dos sistemas de respon-sabilidade política e por atos de improbidade é imperativo em nossosistema jurídico.

4.2.4 Análise da jurisprudência do Supremo Tribunal FederalConforme salientado, o Supremo Tribunal Federal já teve a opor-

tunidade de analisar as discussões que envolvem a aplicação dos regimesde responsabilidade política e de improbidade administrativa.

A mais significativa manifestação do Pretório Excelso é a do acór-dão exarado na Reclamação nº 2.138/DF, em que se concluiu não serpossível a convivência entre essas duas esferas. Nesse caso, reconheceu-se que um Ministro de Estado — agente político — não pode ser sujeitopassivo de ação de improbidade administrativa, respondendo, quandofor o caso, por crime de responsabilidade.

Os argumentos centrais sustentados pelo Supremo Tribunal Fede-ral para fundamentar a decisão são: (i) há um regime especial de res-ponsabilidade para os agentes políticos (CF, art. 102, I, “c” e Lei nº1.079/50) e; (ii) a prevalecer o regime de concorrência entre os sistemasde improbidade administrativa e de crime de responsabilidade estar-se-ia realizando uma interpretação ab-rogante do art. 102, I, “c”, daCarta Maior, que aponta ser do Pretório Excelso a competência para ojulgamento de crimes de responsabilidade praticado por determinadosagentes políticos (entre eles, os Ministros de Estado).

A tese sustentada pela mais alta Corte do país não prestigia aConstituição Federal e não se encontra afinada com a evolução históricada responsabilidade dos agentes públicos, e com as irrefutáveis mani-

88 Ibid., p. 322.

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festações doutrinárias em prol da convivência harmônica entre os regimesdas Leis nº 1.079/50 e nº 8.429/92.

O primeiro argumento, que se refere à especialidade do regimede responsabilidade política, foi amplamente debatido no corpo dessetrabalho, estando sobejamente demonstrado que o argumento da espe-cialidade, enquanto critério para a resolução de aparente antinomia,não é aplicável ao caso em exame.

A questão a ser analisada, nesta quadra, liga-se à competência doSupremo Tribunal Federal para a apreciação de demandas que envolvamatos de improbidade administrativa. A Carta Maior indica que algunsagentes políticos possuem prerrogativa de foro para o julgamento doscrimes de responsabilidade e das infrações penais comum. Não se refereaos atos de improbidade administrativa.

Cabe registrar que o Pretório Excelso rechaçou a tentativa de seestabelecer prerrogativa de foro para o julgamento de ações de improbi-dade administrativa, reputando inconstitucionais as disposições incluídasno art. 84 do Código de Processo Penal que dispunham nesse sentido.89

A interpretação acerca da aplicação de normas de direito materialnão pode ser pautada por disposição constitucional que prevê compe-tência para o processo e julgamento de determinada infração à ordemjurídica. O fato de a Constituição ter estatuído ser de competência origi-nária do Supremo Tribunal Federal a apuração de processos por crimede responsabilidade de determinados agentes políticos não autoriza aafirmação de que a aplicação da Lei Geral de Improbidade Administra-tiva a essas personalidades administrativas reste por tornar destituídade fundamento a previsão constitucional em testilha.

Isto porque, como visto, os regimes de responsabilidade em refe-rência convivem harmonicamente no sistema jurídico, cada qual comsuas peculiaridades, sanções pertinentes, regras de processo e julgamentopróprias. Assim, a aplicação paralela e concomitante dos dois sistemasnão torna sem validade — ou mesmo reduz — o âmbito normativodo art. 102, I, “c”, da Lei Maior, já que este foi editado para regula-mentar, unicamente, a competência para o julgamento dos crimes deresponsabilidade.

Cumpre consignar, aliás, que as manifestações do SupremoTribunal Federal sobre o tema encontram-se desafinadas. Como dito,

89 Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 2.797 e nº 2.860, rel. Min. Sepúlveda Pertence. DJ de 26.09.2005.

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no julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade nº 2.797 enº 2.860, a Suprema Corte afirmou que as normas que fixam foro porprerrogativa de função para certas autoridades não têm aplicação paraas ações de improbidade administrativa. A contrario sensu, compreende-se que as ações de improbidade devem ser ajuizadas conforme as regrasordinárias de competência, independentemente do grau das atribuiçõesexercidas pelo agente supostamente faltoso.

De outra forma, no julgamento da reclamatória em testilha, afirmaque aqueles detentores de foro por prerrogativa de função não respon-dem por ato de improbidade administrativa, estando jungidos, apenas,às sanções previstas pela prática de crime de responsabilidade.

Ora, a discussão sobre a existência ou não de prerrogativa de foropara o julgamento das ações de improbidade só tem lugar se tivermospor pressuposto a incidência da Lei Geral de Improbidade Administra-tiva aos agentes políticos, detentores dessa especial prerrogativa. Nãofosse essa a premissa, razão não haveria para se afastar a prerrogativade foro para as ações de responsabilidade por atos de improbidade e aconclusão estampada no acórdão das mencionadas ações diretas deinconstitucionalidade não fariam sentido.

Entretanto, a lógica que tem prevalecido é, realmente, a destacadano presente tópico: erradamente, é a questão da competência para ojulgamento o principal argumento para se sustentar a isenção dos agentespolíticos às disposições da lei de improbidade.

Com efeito, no acórdão da reclamatória em exame, é recorrentea referência à impropriedade da atribuição de competência ao Juiz deprimeiro grau de jurisdição para o julgamento de ações de improbidadecontra as mais destacadas autoridades da República. A alegação éaventada por mais de uma vez, podendo ser sintetizada nos seguintestrechos do voto do Min. Nelson Jobim, relator originário da demanda:

Seria inconsistente e, por isso, implosivo para o sistema, outorgar garantia deforo especial em matéria criminal e de responsabilidade e, ao mesmo tempo,submeter o mesmo titular a processo de improbidade administrativa perante ajustiça de primeiro grau, com a ameaça de perda dos direitos políticos e atémesmo do cargo efetivo, como ocorreu na hipótese dos autos. (...) Essasconseqüências demonstram que a ação de improbidade contra MINISTROSDE ESTADO, em primeiro grau de jurisdição, é totalmente incompatível com aordem constitucional vigente.90

90 O argumento é, de resto, seguido pelos Ministros Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Maurício Corrêa, Ilmar

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As disposições da Lei Geral de Improbidade Administrativacontemplam, ainda, a possibilidade de o Magistrado deferir medidacautelar com a finalidade de afastar o agente público faltoso, toda vezque essa providência se revele necessária para a instrução processual.91

A possibilidade de um Magistrado de entrância inicial determinar essetipo de providência processual precária em detrimento do exercício dosmais altos cargos administrativos é também sistematicamente referidano acórdão em questão como algo inconcebível em nosso sistema judicial.

Como se observa, o debate acerca do tema é tangenciado para selimitar, unicamente, à discussão acerca da competência que teriam osjuízes de primeira investidura para aferir a legitimidade jurídica dosatos praticados pelas mais destacadas autoridades políticas. É inconce-bível que a avaliação séria acerca do tema não leve em consideração osaspectos doutrinários, a evolução histórica da responsabilidade do agentepúblico e a deliberada intenção do legislador constitucional e infracons-titucional em sujeitar todos os agentes do Estado ao regime da Lei Geralde Improbidade Administrativa.

Além disso, não é demais lembrar que os juízes de primeira ins-tância possuem a atribuição — hoje, inquestionável — para o julgamentode ações populares, independentemente da qualidade e da estatura doscargos ocupados pelos réus apontados como praticantes de atos ofensi-vos à moralidade ou à legalidade. Como ação civil92 que é, também aação de improbidade administrativa se submete às regras ordinárias decompetências. Essa, aliás, a conclusão extraída do julgamento das açõesdiretas de inconstitucionalidade acima referidas.

A singela equiparação dos atos de improbidade administrativaaos crimes de responsabilidade representa desserviço ao fortalecimentodo Estado Democrático de Direito, com conseqüências ainda mais per-versas para a legitimidade e a unidade do Poder Judiciário, pois quese retira da atribuição dos órgãos judiciários de primeiro grau — que,

Galvão e Cezar Peluso. Para fins de registro, consigne-se que proferiram votos vencidos os MinistrosCarlos Velloso, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio, Sepúlveda Pertence e Celso de Mello.

91 Lei nº 8.429/92, art. 20, parágrafo único: “A autoridade judicial ou administrativa competente poderádeterminar o afastamento do agente público do exercício do cargo, emprego ou função, sem prejuízoda remuneração quando a medida se fizer necessária à instrução processual.”

92 A respeito das controvérsias existentes a respeito da natureza jurídica da ação de improbidadeadministrativa, v. DELGADO. Improbidade administrativa: algumas controvérsias doutrinárias ejurisprudenciais sobre a Lei de Improbidade Administrativa. Artigo publicado na Revista da Associaçãodos Juízes Federais do Brasil, v. 20, n. 67, jul./set. 2001.

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induvidosamente, representam o Estado-Juiz — a possibilidade deexaminar e julgar ações de improbidade em face de determinadasautoridades.

O acórdão da Reclamação nº 2.138/DF apequena a função judi-cante dos órgãos de primeira instância, colocando em evidência, inclu-sive, a possibilidade de utilização da ação de improbidade com finsunicamente políticos, de promoção pessoal, desvirtuando-a de suafinalidade primeira — a tutela da probidade administrativa.

Recorda Fábio Konder Comparato que “o julgador deve ter sempreem mente, ao decidir, as conseqüências previsíveis da solução que adota,não só para as partes processuais, mas também — máxime em se tratandode matéria constitucional — para a vida política do País em seu conjunto”.93

O argumento, com todas as licenças, é falacioso só pelo fato departir da exceção para constituir a regra. Funda-se na possibilidade —ainda que cerebrina — de juízes de primeira instância fazerem uso des-compromissado do instrumento em questão para justificar a supressãode sua atribuição. Não se pode presumir que os Magistrados possamutilizar o instrumento com desvio de finalidade para o fim de construiruma tese jurídica como a apresentada na reclamatória em comento.Adite-se, ademais, que a própria Lei Geral de Improbidade Administrativaimpõe o trânsito em julgado da demanda para que se efetivem as sançõesde perda da função pública e de suspensão dos direitos políticos.94

Nesse particular, Eduardo Fortunato Bim tece interessantesconsiderações;

Também não se deve prosperar o argumento ad terrorem de um juiz de primeirainstância poder decretar a perda de um mandato do Presidente da República,governadores, bem como do cargo de ministros de tribunais superiores ou dacorte de contas. Perder o mandato depois de esgotado o devido processo legalnão é demérito ou submissão de ninguém a outrem. A submissão à lei é man-damento nuclear de uma república democrática, e não o direito de ser processadopor quem detenha esse ou aquele cargo. Nos Estados Unidos, o Presidente Nixonfoi processado e obrigado por um juiz de primeira instância a mostrar as fitas doescândalo Watergate e nem por isso se falou em enfraquecimento do regimerepublicano ou democrático.95

93 Crime de responsabilidade: renúncia do agente: efeitos processuais. Revista Trimestral de Direito Público,p. 84.

94 Art. 20 da Lei nº 8.429/92. No âmbito da Reclamação nº 2.138, este argumento é levantado no votovencido proferido pelo Ministro Marco Aurélio.

95 Ibid., p. 229.

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Com efeito, ainda a respeito do manejo equivocado da ação deimprobidade por parte dos membros do Judiciário, não se olvide quetambém os Magistrados estão submetidos a um regime de responsabi-lidade funcional — que abrange, inclusive, o de improbidade admi-nistrativa — e que sua atividade judicante está submetida à hierarquiainerente à organização vertical do Poder Judiciário. Uma decisão aber-rante, caso verificada, seria facilmente desconstituída pela instânciajudicial superior, sem prejuízo da estabilidade necessária ao exercíciodos mais destacados cargos públicos.

Entretanto — e infelizmente —, a tese veiculada na Reclamaçãonº 2.138/DF é a que tem prevalecido. Embora a maioria formada nojulgamento desta ação tenha contado com o voto de Ministros apo-sentados do Supremo Tribunal Federal, recentes pronunciamentos daExcelsa Corte têm ratificado a compreensão externada no âmbito damencionada reclamação, sempre pautada pela suposta “proteção” desua competência originária. Esses, aliás, os casos da Reclamação nº 2.186(rel. Min. Gilmar Mendes — monocrática) e das Questões de Ordemem Petição nº 3.053 (rel. Min. Cármen Lúcia — Tribunal Pleno) enº 3.211 (rel. p/ acórdão Min. Menezes Direito — Tribunal Pleno).96

Embora seja esse o atual panorama junto ao Supremo TribunalFederal, espera-se que a mais alta Corte da República possa revisaro seu posicionamento, evoluindo e desviando o foco de sua leitura doâmbito da competência para o julgamento das ações de improbidadeadministrativa para a possibilidade material de convergência entre ossistemas de responsabilidade político e o veiculado na Lei Geral deImprobidade Administrativa.

5 ConclusõesA noção de responsabilização do agente público, tal como ele é

hoje concebido, só tem lugar na história a partir da organização doEstado de Direito. Antes disso, no Estado absolutista, o exercício dasfunções públicas ligava-se à satisfação dos interesses reais, sendo certoque a relação entre o servidor público e a realeza era de pura confiança.

96 Importante registrar que, com relação a esses últimos casos, alguns Ministros guardam reservas quantoà fundamentação do voto vencedor, acompanhando-o, entretanto, a conclusão por ele externada. Estãoem curso, ainda, sobre o mesmo tema, as Reclamações nº 2.225 (rel. Min. Ricardo Lewandowski), nº2.230 (rel. Min. Ricardo Lewandowski), nº 4.895 (rel. Min. Sepúlveda Pertence) e nº 6.057 (rel. Min.Celso de Mello).

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O regime de responsabilidade, quando existente, visava — unicamente— a proteger esta relação de fidúcia entre o rei e o seu subordinado.

As revoluções liberais, que contribuíram enormemente para aestruturação do Estado de Direito tal qual hoje ele se constitui, foramresponsáveis pela mudança desse paradigma, concebendo o agentepúblico como aquele que está a serviço do Estado e do verdadeiro titulardos direitos e deveres por ele protegidos: o povo.

Diante dessa nova realidade é que se desenvolveram as teoriasacerca da responsabilidade do agente público, notabilizando-se o desen-volvimento da responsabilidade criminal, a passagem do período datotal irresponsabilidade civil do Estado (the king can do no wrong) para odesenvolvimento das teorias da responsabilidade objetiva e o adventoda doutrina da responsabilidade administrativo-disciplinar dos agentespúblicos. Paralela a essa evolução, observou-se a construção jurídicade institutos que viabilizam a aferição da responsabilidade política dosagentes públicos (impeachment).

Embora o Brasil, enquanto nação independente, não tenha vivido,em plenitude, todas as fases desse desenvolvimento histórico, seguiu,em sua experiência jurídica, a tendência universal de ampliação dosmecanismos de responsabilização do agente público. O fortalecimentoda democracia conduz à irrefutável constatação de que a gestão da coisapública, realizada pelos agentes do Estado, demanda redobrada atenção,somente atingindo o nível de excelência esperado se houver a efetivaaplicação de normas que tornem tais agentes responsáveis pelos atosque praticam.

Entre nós, o atual quadro de responsabilidade do agente públicocontempla a possibilidade da aplicação de diversos sistemas: criminal,civil, político, administrativo e por improbidade administrativa. Doutrinae jurisprudência são firmes em estabelecer a independência existenteentre todas as instâncias de responsabilidade dos agentes públicos, res-tando, apenas, dificuldades para a admissão desta mesma tese no quese refere aos agentes políticos. Para estes sujeitos, não há consenso emrelação à aplicação concomitante dos regimes de responsabilidade polí-tica e por ato de improbidade administrativa.

Não obstante, o regime constitucional e legal vigorante não per-mite outro posicionamento. A compreensão da Constituição e a litera-lidade dos dispositivos legais a respeito do tema conduzem a essa

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conclusão. No mesmo sentido estão os ajustes internacionais contra acorrupção firmados pelo Brasil e que já se integraram à ordem jurídicainterna. Os mecanismos de responsabilidade política e por ato de im-probidade funcionam paralela e complementarmente em prol da tutelada probidade administrativa.

A despeito de o regime de responsabilidade dos agentes polí-ticos apresentar peculiaridades, como a prerrogativa de foro — no casoda responsabilidade criminal e política — e a ausência de responsabi-lidade administrativo-disciplinar, não há fundamentos para se excluira aplicação da Lei Geral de Improbidade Administrativa. Esta, aliás,constitui o mecanismo de maior eficácia para a proteção da probidadena administração.

Por se submeter a critérios eminentemente políticos em seu pro-cesso e julgamento, o regime dos crimes de responsabilidade não seapresenta suficiente para amparar os relevantes interesses submetidosa suas balizas. Em julgamentos dessa natureza, basta que o agentedemonstre deter ainda legitimidade política para se manter no cargopara que essa realidade se prolongue, pouco importando que o mesmopratique reiterados atos em descompasso com as normas de probidadena administração. A aplicação exclusiva do regime de responsabilidadepolítica dá ensejo à manutenção no poder daqueles agentes públicos járotulados pela esdrúxula expressão “rouba, mas faz”.

Justo por ocuparem os cargos de maior destaque na administraçãopública, sendo responsáveis pelas decisões de maior importância eimpacto para o Estado, é natural que haja maior cobrança e se exijamaior responsabilidade dos agentes políticos. Não se constrói a demo-cracia sem a responsabilidade dos agentes estatais.

Não há dúvidas de que o regime de responsabilidade política seaplica, com exclusividade, àqueles detentores de cargos importantes.Mas tal circunstância não torna esse regime o exclusivo para a apuraçãodas faltas desses importantes agentes. A própria Constituição oferecesubsídios seguros nesse sentido, ao contemplar, em diversas oportu-nidades, regras para a apuração da responsabilidade criminal dessasautoridades, a demonstrar que esse não é o único regime aplicável aosagentes políticos. O mesmo raciocínio é válido para os atos de improbi-dade administrativa, já que a Lei Maior não exclui a aplicação de outrassanções judiciais — sem se limitar às sanções penais — àqueles que sesubmetem ao julgamento político (art. 52, parágrafo único).

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Além disso, a aplicação da Lei Geral de Improbidade Adminis-trativa aos agentes políticos materializa a efetiva proteção da atuaçãohonesta desses servidores, com a apuração e julgamento dos atos deimprobidade sendo realizados de modo independente por parte doPoder Judiciário.

A correta resolução da controvérsia ora destacada não pode sernorteada por especulações acerca da competência que possuem os juízesde primeiro grau para apreciar a verificação dos atos de improbidadee pela simples equiparação dos atos de improbidade e dos crimes deresponsabilidade.

A discussão acerca da competência para o julgamento dos atosde improbidade não pode pautar decisões a respeito da convivência dosregimes de responsabilidade em questão. A clara diferença ontológicaentre os crimes de responsabilidade e os atos de improbidade adminis-trativa, bem como as suas finalidades e as peculiaridades de seus julga-mentos, revelam ser sem sentido a equiparação entre ambos.

Entretanto, a mais alta Corte do país, não acolhendo esses argu-mentos, tem — infelizmente — afastado a possibilidade de se ajuizaração de improbidade administrativa contra agentes políticos. A orien-tação, induvidosamente, representa retrocesso institucional, não seafigurando compatível com a evolução do regime de responsabilidadeverificado em toda a história. Além disso, não encontra amparo nasnormas constitucionais e legais aplicáveis ao caso, distanciando-se danoção comum segundo a qual aquele que possui maior poder, deve termaior responsabilidade.

Os argumentos e as conclusões externadas pelo Supremo TribunalFederal a respeito do tema merecem ser revistas. É o que se espera.

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PINTO, Paulo Brossard de Souza. O impeachment. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1992.

WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Ação de improbidade administrativa.Competência. Revista Jurídica Consulex, n. 5.

ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

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171Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa

Ação Civil Pública por Ato deImprobidade AdministrativaCarlos Eduardo Oliveira LimaAdvogado da União. Coordenador da Coordenação Regional de Atuação Ativa (CRAA).

Marcelo Eugênio Feitosa AlmeidaAdvogado da União.

Rodrigo Cunha VelosoAdvogado da União.

Excelentíssimo(a) Senhor(a) Jui(í)z(a) Federal da __ Vara Federal da SeçãoJudiciária do Estado de Pernambuco.

A UNIÃO (ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO), pessoa jurídica dedireito público interno, por seus Advogados da União infra-assinados,todos integrantes da Procuradoria-Regional da União na 5ª Região, comsede na Rua Quarenta e Oito, nº 149, Encruzilhada, CEP nº 52020-060,nesta cidade, vem, perante V. Exa, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DEIMPROBIDADE ADMINISTRATIVA,

com fulcro nos arts. 10, VIII e 11 da Lei de Improbidade Admi-nistrativa, e 37, §4º, da Constituição Federal de 1988, pelos fundamentosde fato e de direito a seguir aduzidos, em desfavor de:

• José Adauto Carvalho de Azevedo, brasileiro, ex-prefeito deTacaratu, CPF, com endereço...

• Armando de Assis Gomes, brasileiro, servidor público municipal,CPF, com endereço...

• Gilma Maria da Silva Souza, brasileira, servidora públicamunicipal, CPF, com endereço...

• Marli Sebastiana de Carvalho, brasileira, servidora públicamunicipal, CPF, com endereço...

• Angela Maria Félix dos Santos, brasileira, empresária, CPF,endereço...

• Claudio Humberto Alves dos Santos, brasileiro, empresário, CPF,com endereço...

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172 Carlos Eduardo Oliveira Lima, Marcelo Eugênio Feitosa Almeida, Rodrigo Cunha Veloso

• Luiz Rubem Ferreira de Alcantara Bomfim, brasileiro, empresário,CPF, com endereço...

• Rossana Caiaffo Cavalcante, brasileira, empresária, CPF,endereço...

• Marilene Caiaffo Cavalcanti, brasileira, empresária, CPF,endereço...

• Roberto Hugo Cavalcanti Andrade, brasileiro, empresário, CPF,endereço...

• José Ricardo da Silva Caiaffo, brasileiro, empresário, CPF,endereço...

• Roberio Caiaffo Cavalcanti Andrade, brasileiro, empresário,CPF, endereço...

• Roberta Caiaffo Cavalcanti Andrade, brasileira, empresária,CPF, endereço...

• Cristiane Delgado Lima Azevedo, brasileira, servidora públicamunicipal, CPF, endereço...

• Djanira Barbosa dos Santos, brasileira, servidora públicamunicipal, CPF, endereço...

• José da Costa Quintino, brasileiro, empresário, CPF, endereço...• José Costa Franca, brasileiro, Empresário, CPF, endereço...• Arli Costa Franca, brasileira, empresário, CPF, endereço...• Abilio de Oliveira e Silva, brasileiro, empresário, CPF, endereço...• Mariangela Rodrigues e Silva Franca, brasileira, empresária,

CPF, endereço...• Erinaldo da Costa Quintino brasileiro, empresário, CPF,

endereço...• Radar-Revenda de Automóveis Arapiraca Ltda., pessoa Jurídica

de Direito Privado, CNPJ...• Grande Rio Veículos Ltda., Pessoa jurídica de direito privado,

CNPJ...• Cachoeira Comercial de Veículos Ltda., Pessoa jurídica de direito

privado, CNPJ...• Serviços Gráficos e Técnicos Ltda., Pessoa jurídica de direito

privado, CNPJ...• Saúde Médica Comércio, Pessoa jurídica de direito privado,

CNPJ...

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173Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa

• Saúde Dental Comércio e Representação Ltda., Pessoa jurídicade direito privado, CNPJ...

SINOPSE DOS FATOS

O Município de Tacaratu, por ocasião do 21º Sorteio do Projetode Fiscalização a partir de Sorteios Públicos de entes municipais empre-endida pela Controladoria-Geral da União, foi objeto de ampla audito-ria e controle por parte daquele órgão, cujas conclusões estão inseridasno Relatório de Fiscalização nº 00833, enviada a esta Procuradoria paraanálise das medidas cabíveis.

O relatório versa sobre a aplicação de recursos federias no muni-cípio de Tacaratu/PE, sob responsabilidade dos respectivos órgãosmunicipais, verificando-se, claramente, atos de improbidade admi-nistrativa, conforme se aduz a seguir.

FATO 01

Em análise aos processos licitatórios com vistas à execução dasações de saúde no município, há fortes indícios de simulação de con-corrência nos respectivos procedimentos.

Verificou-se graves irregularidades em certame destinado àcontratação de empresa prestadora de serviços gráficos, com vistas àelaboração de formulários a serem utilizados nos serviços de saúde domunicípio.

Em análise ao Processo Administrativo nº 11/2006, correspon-dente à Carta-Convite nº 008/2006, tendo por objeto a confecção deformulários a serem utilizados nos serviços de saúde do Município,verificou-se que participaram as seguintes empresas: Serviços Gráficose Técnicos Ltda., Cláudio Humberto Alves dos Santos – ME e FundaçãoAloysio Penna.

Mediante consulta ao Sistema Informatizado Cadastro Nacionalde Pessoas Jurídicas – CNPJ, da Secretaria da Receita Federal, constatou-se que a composição societária das empresas sugere a ocorrência deconluio entre os participantes do certame, conforme quadro a seguir:

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174 Carlos Eduardo Oliveira Lima, Marcelo Eugênio Feitosa Almeida, Rodrigo Cunha Veloso

Como se depreende do quadro supra, o empresário CláudioHumberto Alves dos Santos participou do certame por intermédio dafirma individual da qual é responsável, bem como na qualidade de sócio-administrador da vencedora, a saber, Serviços Gráficos e Técnicos Ltda.,sendo ambas localizadas em Paulo Afonso-BA, à Av. Apolônio Sales.

Ademais, constatou-se que apenas a empresa vencedora apresen-tou certidões de regularidade fiscal, comprovante de cadastramento noCNPJ e Contrato Social e alterações, fato que comprova a inexistênciada fase de habilitação dos demais licitantes.

Ressalte-se que esses documentos foram acostados ao processosem nenhum carimbo, rubrica ou numeração, podendo, portanto, essaautuação ter ocorrido intempestivamente, mesmo após o encerramentodo procedimento licitatório.

Acrescente-se ainda que foi realizada licitação para o mesmo objeto,conforme processo administrativo nº 42/2005, referente ao Convitenº 34/2005, no valor global de R$8.908,50, tendo as mesmas empresassido convidadas, a saber: Serviços Gráficos e Técnicos Ltda., CláudioHumberto Alves dos Santos – ME e Fundação Aloysio Penna.

Por fim, foi possível observar que a validade das certidões dequitação com as obrigações previdenciárias, por intermédio de consultaao sítio do INSS na internet, não corresponde ao período em que ocorreueste último certame, a saber, 03 a 10/10/05, fato que comprova a inexis-tência da fase de habilitação, já que as mesmas não satisfizeram todas ascondições editalícias serem consideradas em condições de participaremdo certame, conforme quadro a seguir:

CNPJ Empresa Responsável CPF Cargo

Ângela Maria Félix dos Santos Sócio-Administrador

Cláudio Humberto Alves dos

Santos

Sócio-Administrador

Serviços Gráficos e

Técnicos Ltda. Luiz Rubem Ferreira de

Alcântara Bonfim

Sócio-Administrador

Cláudio Humberto

Alves dos Santos – ME

Cláudio Humberto Alves dos

Santos

Empresário Individual

Roberto Veras da Silva Presidente Fundação Aloysio

Penna Ivone Lisboa da Silva Secretário

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175Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa

Ressalte-se que a Comissão de Licitação foi composta pelos Srs.Armando de Assis Gomes (Presidente), Gerente administrativo da Secre-taria de Administração, Marli Sebastiana de Carvalho (Secretária), agentede administração geral e Gilma Maria da Silva Souza (membro), agenteadministrativo, e que o ordenador de despesa, autor da homologaçãoe da declaração da pesquisa do art. 43, IV, da Lei de Licitações foi oSr. José Adauto Carvalho de Azevedo.

Os documentos referentes aos fatos narrados estão anexados àpresente sob o rótulo de “Documentos referentes ao FATO 01”.

FATO 02

Verificou-se, outrossim, em procedimentos licitatórios geridos pelamesma Comissão de licitação autoras do FATO 01, irregularidades emcertames destinados à contratação de empresa fornecedora de materiaiscirúrgicos, a serem utilizados nos serviços de saúde do município.

Em análise ao Processo Administrativo nº 13/2006, correspondenteà Carta-Convite nº 010/2006, tendo por objeto a aquisição de materiaiscirúrgicos a serem utilizados nos serviços de saúde do Município, cons-tatou-se que participaram as seguintes empresas: Ana Cláudia OliveiraGalvão – ME, Saúde Dental Comércio e Representação Ltda. e SaúdeMédica Comércio e Representação Ltda.

Mediante consulta ao Sistema Informatizado Cadastro Nacionalde Pessoas Jurídicas – CNPJ, da Secretaria da Receita Federal, cons-tatamos que a composição societária das empresas sugere a ocorrênciade conluio entre os participantes do certame, conforme quadro a seguir:

Empresa/CNPJ Nº Certidão Data

Emissão

Data

Validade

Fundação Aloysio Penna 13.451.794/0004-02 16922003-04024100 22/12/2003 21/03/2004

Serviços Gráficos e Técnicos Ltda. 01948440/0001-38 6572005-04024100* 18/04/2005 17/07/2005

Cláudio Humberto Alves dos Santos 07.277.958/0001-73 8252005-04024100* 11/05/2005 09/08/2005

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176 Carlos Eduardo Oliveira Lima, Marcelo Eugênio Feitosa Almeida, Rodrigo Cunha Veloso

Como se depreende do quadro supra, o sócio Roberto HugoCavalcanti Andrade fez parte do quadro societário de duas das empresasinteressadas (Saúde Médica e Saúde Dental Ltda.), até o encerramentodo certame licitatório em tela, uma vez que a homologação do mesmoocorreu em 17/01/06, anteriormente, portanto, à data de sua exclusãoda Empresa Saúde Médica Comércio Ltda., em 19/01/06.

Não obstante, em consulta ao Sistema Informatizado Cadastrode Pessoas Físicas – CPF, da Secretaria da Receita Federal, foi possívelidentificar parentesco entre os sócios e administradores das empresasSaúde Médica Comércio Ltda. e Saúde Dental Comércio e Repre-sentações Ltda., a saber:

CNPJ Empresa Responsável CPF Cargo

Rossana Caiaffo Cavalcante

Andrade

Sócio-Administrador

Marilene Caiaffo Cavalcanti Sócio-Administrador

Roberto Hugo Cavalcanti

Andrade

Sócio-Administrador

– Excluído em

19/01/2006.

Saúde Médica

Comércio Ltda.

José Ricardo da Silva Caiaffo Sócio excluído em

19/01/2006.

Roberto Hugo Cavalcanti

Andrade

Sócio

Roberio Caiaffo Cavalcanti

Andrade

Sócio

Saúde Dental –

Comércio e

Representações

Ltda. Roberta Caiaffo Cavalcanti

Andrade

Sócio-Administrador

Ana Cláudia de

Oliveira Galvão

Ana Cláudia de Oliveira

Galvão

Empresária

Individual

Nome CPF Nome da Mãe CPF Parentesco

Marilene Caiaffo Cavalcanti

José Ricardo da Silva Caiaffo Maria Inácia da Silva Caiaffo Irmãos

Roberio Caiaffo Cavalcanti

Andrade

Marilene Caiaffo Cavalcanti Irmãos

Roberta Caiaffo Cavalcanti

Andrade

Rossana Caiaffo Cavalcante

Andrade

Marilene Caiaffo Cavalcanti Maria Inácia da Silva Caiaffo Avó de Roberio,

Roberta e Rossana

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177Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa

Do quadro supra infere-se que as empresas possuem componentesem seu quadro societário que pertencem a um mesmo grupo familiar.

Ademais, constatamos ainda que nenhuma das empresas apre-sentou Contrato Social e alterações, tendo sido as demais certidões deregularidade fiscal e comprovante de cadastramento no CNPJ acostadosao final do processo, sem nenhum carimbo, rubrica ou numeração,podendo, portanto, essa autuação ter ocorrido a qualquer tempo, mesmoapós o encerramento do procedimento licitatório.

Ressalte-se, ainda, que todas as empresas participantes possuemsede em João Pessoa – PB.

FATO 03

Sob gestão de outra comissão de licitação, sob presidência deRoberto Izídio de Sá, secretaria de Armando de Assis Gomes, e constandocomo 1º membro Djanira Barbosa dos Santos, foi constatado irregu-laridades em certame destinado à aquisição de veículos tipo ambulân-cia, a serem utilizados nos serviços de saúde do município.

Em análise ao Processo Administrativo nº 49/2005, correspondenteà Carta-Convite nº 041/2005, tendo por objeto a aquisição de veículospara servirem de ambulâncias nas unidades de saúde, verificamos queparticiparam as seguintes empresas: Grande Rio Veículos Ltda., RadarRevenda de Automóveis Arapiraca Ltda. e Cachoeira Comercial deVeículos Ltda.

Mediante consulta ao Sistema Informatizado Cadastro Nacionalde Pessoas Jurídicas – CNPJ, da Secretaria da Receita Federal, constata-se que a composição societária das empresas sugere a ocorrência desimulação de concorrência entre os participantes do certame, conformequadro a seguir, dado a similaridade na composição societária dasmesmas:

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178 Carlos Eduardo Oliveira Lima, Marcelo Eugênio Feitosa Almeida, Rodrigo Cunha Veloso

Depurando o quadro supra, os sócios José Costa França eMariângela Rodrigues e Silva França formam a base societária tantoda empresa Grande Rio Veículos Ltda. quanto da Cachoeira ComercialVeículos Ltda., sendo o primeiro também sócio-administrador da em-presa Radar – Revenda de Automóveis Arapiraca Ltda.

Não obstante, em consulta ao Sistema Cadastro de Pessoas Físicas– CPF, da Secretaria da Receita Federal, foi possível identificar parentescoentre os sócios e administradores das empresas ora citadas, a saber:

CNPJ Empresa Responsável CPF Cargo

José da Costa Quintino Sócio-administrador

José Costa França Sócio-administrador

Arli Costa França Sócio excluído em

21/05/98

Radar – Revenda de

Automóveis Arapiraca

Ltda.

Abílio de Oliveira e Silva Sócio excluído em

21/05/98

José Costa França Sócio-administrador

Mariângela Rodrigues e Silva

França

Sócio Grande Rio Veículos

Ltda.

Erinaldo da Costa Quintino Sócio

José Costa França Sócio-administrador

Cachoeira Comercial

de Veículos Ltda. Mariângela Rodrigues e Silva

França

Sócio-administrador

Nome CPF Nome da Mãe CPF Parentesco

José da Costa Quintino

Erinaldo da Costa

Quintino

Elza da Costa Quintino Irmãos

Arli Costa França José Costa França

Helena Rosa da Costa

Irmãos

Do quadro supra infere-se que as empresas possuem componentes

em seu quadro societário que pertencem a um mesmo grupo familiar.Constatamos ainda que foi exigido apenas da empresa vence-

dora, a saber, Cachoeira Comercial Veículos Ltda., por R$37.000,00,certidões de regularidade fiscal e comprovante de cadastramento noCNPJ, fato que corrobora a afirmação da ausência de realização da fasede habilitação.

Ademais, esses documentos foram acostados ao final do processo,sem nenhum carimbo, rubrica ou numeração, podendo, portanto, essa

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179Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa

autuação ter ocorrido a qualquer tempo, mesmo após o encerramentodo procedimento licitatório.

Por fim, acrescente-se que as três empresas em tela participaramtambém do certame licitatório na modalidade convite nº 23/2005, refe-rente ao Processo Administrativo nº 27/2005, de abril/2005, sob gestãoda Comissão de Licitação composta Cristiane Delgado Lima Azevedo,Armando de Assis Gomes e Djanira Barbosa dos Santos, tendo nova-mente saído vencedora a Cachoeira Comercial de Veículos Ltda., com aoferta de R$36.000,00, para fornecimento de uma ambulância, a gaso-lina, motor 1.3, para apoio e assistência ambulatorial/hospitalar.

FATO 04

Constatou-se, bem assim, irregularidades em certame destinadoà contratação de empresa prestadora de serviços médicos de ultrasso-nografia, para pacientes do município de Tacaratu-PE.

Da análise do Processo Administrativo nº 15/2005, correspondenteà Carta-Convite nº 11/2005, que teve por objeto a prestação de serviçosde ultrassonografia para pacientes do município, constata-se que partici-param as seguintes empresas: Unimagem – Unidade de Imagem MédicaS/C Ltda. (CNPJ nº...), Maxwell Pordeus Abrantes (CNPJ nº...) e ClínicaOdontomédica S/C Ltda.

Contudo, não foi possível a identificação do número do CNPJda Empresa Odontomédica S/C Ltda., pois em todos os documentosem que se fez constar os carimbos dos licitantes o registro ocorreu deforma que o nome, endereço e CNPJ da empresa restaram simplesmenteilegíveis.

Ademais, em consulta ao sistema CNPJ, da Secretaria da ReceitaFederal, tanto no âmbito do Estado da Bahia quanto no Brasil, a empresaem questão encontra-se inexistente.

As duas outras empresas carimbaram os seguintes documentos:Recibo do Edital de Convocação, Termo de Renúncia de Recurso dePrazo, Modelo de Proposta e Recibo de Ofício. Em todos esses, conformedemonstram as fotos anexas, não foi possível a identificação de dadosbásicos necessários até mesmo para a habilitação da empresa paraparticipar do certame.

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180 Carlos Eduardo Oliveira Lima, Marcelo Eugênio Feitosa Almeida, Rodrigo Cunha Veloso

É de se estranhar ainda o fato de apenas constar do processolicitatório documentação de habilitação da empresa Maxwell PordeusAbrantes, CNPJ nº..., ao final, sem numeração, carimbo ou visto dacomissão autuante, enquanto nada se exigiu da vencedora, qual seja,Unimagem – Unidade de Imagem Médica S/C Ltda., CNPJ nº..., tendoofertado o valor de R$25.316,50.

FATO 05

Por fim, verificou-se o fracionamento de despesas na compra de me-dicamentos para tratamento de pacientes no município de Tacaratu-PE.

Em análise aos Procedimentos Licitatórios nº 29/2005, referenteao Convite nº 025/2005, e nº 43/2005, concernente ao Convite nº 35/2005, tendo por objeto a aquisição de medicamentos, ficou evidenciadoque ocorreu o fracionamento de despesas para o mesmo objeto, confor-me detalhado na tabela a seguir:

Observe-se que o montante total licitado, em termos de medica-mentos para o município, ultrapassou o valor estipulado como limitepara a realização de licitação na modalidade Convite, na alínea “a”,inciso II, art. 23 da Lei nº 8.666/93.

A abstenção da adoção da modalidade Tomada de Preços, compa-tível com o montante da aquisição, acarreta na restrição de competiti-vidade do certame, com efeitos na obtenção de preços menos vantajosos.

Ademais, a modalidade Convite já é escolhida sem que sejarealizada pesquisa prévia de preços, de forma a estimar o valor globalda contratação, providência imprescindível para a definição da moda-lidade de procedimento licitatório a ser adotada.

Por fim, é relevante observar que participaram de ambos os certa-mes as empresas Josvaldo Gonçalves Lima – ME, CNPJ nº... e J.L.R.Medicamentos, CNPJ nº..., tendo sagrado-se vencedora dos dois Con-vites a primeira, de todos os 53 itens licitados no Convite nº 35/2005 e

Licitação Período Valor global (R$) Nº de itens

Convite nº 25/2005 08 a 15/04/05 76.048,60 112

Convite nº 35/2005 04 a 11/10/05 34.849,00 53

Total 0

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181Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa

da integralidade dos 112 itens adquiridos por intermédio do Convitenº 25/2005.

O fato de a mesma empresa ter vencido todos os 165 itens licitadosnos dois certames, aliado à questão da ausência de pesquisa prévia depreços para estimar os custos das contratações, e assim definir a moda-lidade de licitação a ser adotada, somente reforçam as evidências deque vêm sendo frustradas as possibilidades de se estender a concorrên-cia, transformando-se o fornecimento continuado pela mesma empresaem verdadeiro monopólio.

Portanto, da ampla auditoria sofrida pelo Município de Tacaratu,tendo como objeto os recursos federais recebidos para aplicação emprogramas sociais da União, verificou-se vários atos de improbidadeadministrativa, perpetrados por agentes públicos e particulares, dividi-dos na forma acima, para efeito de melhor explicitar a responsabilidadedos agentes e a individualização de suas condutas.

PRELIMINARMENTE

DA LEGITIMIDADE ATIVA DA UNIÃO

A legitimidade ativa da União tem seu fundamento legal noart. 17 da Lei nº 8.429/92, visto que seu interesse exsurge no fato dasimprobidades terem ocorrido em recursos oriundos de programasfederais inseridos na política setorial de responsabilidade do Ministérioda Saúde.

Os fatos deduzidos referem-se aos Programas “Assistência far-macêutica e insumos estratégicos” (R$51.076,02); “Atenção básica emsaúde” (R$409.149,65); “Vigilância epidemiológica e ambiental emsaúde” (54.826,59); cujas contratações necessárias para as implantaçõesdos respectivos programas sofreram depauperações subsumíveis nashipóteses dos arts. 10 e 11 da Lei de Improbidade Administrativa, logo,sindicáveis por meio da presente demanda.

Portanto, sem maiores delongas, resta indubitável o interesse daUnião no presente feito, tendo em vista a ocorrência de improbidadessobre recursos federais, e sua conseqüente legitimidade ad causam, ex vio citado art. 17 da LIA.

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182 Carlos Eduardo Oliveira Lima, Marcelo Eugênio Feitosa Almeida, Rodrigo Cunha Veloso

DO DIREITO

DA SUBSUNÇÃO DOS FATOS À NORMA E DAINDIVIDUALIZAÇÃO DAS CONDUTAS

A probidade administrativa, Exa., como sabido, é uma forma demoralidade administrativa que mereceu consideração especial da Cons-tituição, ex vi seu art. 37, §4º. A probidade administrativa consiste nodever de o servidor púbico e particulares colaboradores servirem à Admi-nistração com honestidade, procedendo no exercício das suas funções,sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveitopessoal de outrem a quem queira favorecer, o que não foi observadonos fatos narrados.

O sistema pretendido pelo constituinte quanto à tutela da probi-dade é lógico-formal, ou seja, dada a improbidade, dá-se a suspensãodos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidadedos bens e o ressarcimento ao erário. A aplicação da legislação infra-constitucional aquém da lógica do sistema fere sua unidade interna, e avontade constituinte (volonté générale).

O silogismo é bastante simples: como premissa maior tem-se queos atos de improbidade geram suspensão dos direitos políticos, a perdada função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimentoao erário. Como premissa menor tem-se que os Fatos 01, 02, 03, 04 e 05são atos de improbidade administrativa. Logo, a conseqüência é que aocorrência dos Fatos 01, 02, 03, 04 e 05 ensejam aos seus autoressuspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indis-ponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário.

Com feito, do circunlóquio fático apresentado, conclui-se, indu-bitavelmente, que houve burla a vários procedimentos licitatórios,atingindo-se com isso graves Princípios da Administração, em especialos princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade, logo,subsumindo-se ao art. 10 e 11 da Lei 8.429/92, in litteris:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erárioqualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial,desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres dasentidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

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183Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente;

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra osprincípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole osdeveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições,e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daqueleprevisto, na regra de competência; (c/c normas da Lei 8666)

A tipificação do art. 10, VIII, da Lei nº 8.429/92 contempla ashipóteses de frustrar, enganar a expectativa, iludir, defraudar a licitudedo processo licitatório, ou seja, atentar contra a juridicidade, a legali-dade e a lisura do certame por via ardilosa que impeça a eficácia dacompetição, desvirtuando seu objetivo de proporcionar a melhor escolhade seu objeto.

Assim, da análise dos cinco eventos narrados não resta dúvida daacomodação perfeita de tais fatos na figura tipificada no art. 10, VIII,da Lei nº 8.429/92.

Quanto ao FATO 01, a composição societária das empresas lici-tantes sugere a ocorrência de conluio entre os participantes do certame.O empresário Cláudio Humberto Alves dos Santos participou do certamepor intermédio da firma individual da qual é responsável, bem comona qualidade de sócio-administrador da vencedora, a saber, ServiçosGráficos e Técnicos Ltda., sendo ambas localizadas em Paulo Afonso-BA, à Av. Apolônio Sales, o que enceta a conclusão que houve a frustra-ção à licitude da Carta-Convite nº 008/2006 (Processo Administrativonº 11/2006), tendo por objeto a confecção de formulários a seremutilizados nos serviços de saúde do Município.

Ademais, não foi constatada a existência de documentação com-probatória da realização de pesquisa de preços de mercado nesse pro-cesso licitatório, levantamento que, aliás, deveria servir de base para adeterminação da própria modalidade de licitação a ser adotada.

Portanto, não há dúvidas acerca da prática de ato de improbidadeadministrativa, nos termos do art. 10, VIII, da LIA, de sua autoria porCláudio Humberto Alves dos Santos, pela conduta de participar comintuito fraudulento da dita licitação; pela a própria comissão de licitação,responsável pela função de receber, examinar e julgar todos os docu-mentos e procedimentos relativos às licitações e ao cadastramentodos licitantes, composta por Armando de Assis Gomes (presidente),

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184 Carlos Eduardo Oliveira Lima, Marcelo Eugênio Feitosa Almeida, Rodrigo Cunha Veloso

Marli Sebastiana de Carvalho e Gilma Maria da Silva Souza; e a autoridadehomologadora e ordenadora de despesa, o prefeito José Adauto Carvalhode Azevedo.

O FATO 02 refere-se à prática de atos de improbidade na Carta-Convite nº 010/2006 (Processo Administrativo nº 13/2006), tendo porobjeto a aquisição de materiais cirúrgicos a serem utilizados nos serviçosde saúde do Município.

Como dito, o sócio Roberto Hugo Cavalcanti Andrade fez partedo quadro societário de duas das empresas interessadas (Saúde Médicae Saúde Dental Ltda.), até o encerramento do certame licitatório emtela, uma vez que a homologação do mesmo ocorreu em 17/01/06, ante-riormente, portanto, à data de sua exclusão da Empresa Saúde MédicaComércio Ltda., em 19/01/06.

Ademais, em consulta ao Sistema Informatizado Cadastro dePessoas Físicas – CPF, foi possível identificar parentesco entre os sóciose administradores das empresas Saúde Médica Comércio Ltda. e SaúdeDental Comércio e Representações Ltda., conforme quadro colacionadoanteriormente.

Por fim, constatou-se que nenhuma das empresas apresentouContrato Social e alterações, tendo sido as demais certidões de regu-laridade fiscal e comprovante de cadastramento no CNPJ acostadosao final do processo, sem nenhum carimbo, rubrica ou numeração,podendo, portanto, essa autuação ter ocorrido a qualquer tempo, mesmoapós o encerramento do procedimento licitatório. Ressalte-se que talfato é bastante indiciário de que procedimento foi meramente montado.

Não há que se falar em suposta compatibilidade das propostasvencedoras dos certames com os preços praticados no mercado, vistoque não há respaldo documental nos autos dos procedimentos licitatóriosanalisados. Em outras palavras: em momento algum restou comprovadaa realização de pesquisa de preços junto a possíveis fornecedores ouprestadores de serviços.

Essa providência é imprescindível, inclusive, para a definição damodalidade de licitação a ser utilizada pela Administração, devendoocorrer previamente ao procedimento.

Vale ressaltar, ainda, que a distância dos fornecedores e prestadoresde serviços da sede do município é argumento inidôneo para elidir a

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185Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa

responsabilidade ora posta, visto que na presente licitação (materiaiscirúrgicos) foram convidadas somente empresas de João Pessoa – PB,distante 570km de Tacaratu. Considere-se, outrossim, que, apesar de oMunicípio de Recife ser o segundo maior pólo médico do país, não foinem cogitado para serem convidadas empresas do ramo lá sediadas.

Portanto, não há dúvida acerca da fraude à licitação Carta-Convitenº 010/2006 (Processo Administrativo nº 13/2006), e subsunção ao art.10, VIII, da LIA, de autoria dos sócios-participantes do processo: RossanaCaiaffo Cavalcante Andrade, Marilene Caiaffo Cavalcanti, Roberto HugoCavalcanti Andrade, José Ricardo da Silva Caiaffo, Roberio CaiaffoCavalcanti Andrade Roberta Caiaffo Cavalcanti Andrade e Ana Cláudiade Oliveira Galvão.

Ademais, ante o dever de receber, examinar e julgar todos os do-cumentos e procedimentos relativos às licitações e ao cadastramentodos licitantes, exsurge a responsabilidade pelo mesmo tipo legal daComissão de Licitação e da autoridade homologadora e ordenadorada despesa: Armando de Assis Gomes (presidente), Marli Sebastiana deCarvalho, Gilma Maria da Silva Souza, e José Adauto Carvalho deAzevedo (ordenador).

O FATO 03 refere-se à Carta-Convite nº 041/2005 (Processo Admi-nistrativo nº 49/2005) tendo por objeto a aquisição de veículos paraservirem de ambulâncias nas unidades de saúde, com a participaçãodas seguintes empresas: Grande Rio Veículos Ltda., Radar Revenda deAutomóveis Arapiraca Ltda. e Cachoeira Comercial de Veículos Ltda.

Todavia, os sócios José Costa França e Mariângela Rodrigues eSilva França formam a base societária tanto da empresa Grande RioVeículos Ltda. quanto da Cachoeira Comercial Veículos Ltda., sendo oprimeiro também sócio-administrador da empresa Radar – Revenda deAutomóveis Arapiraca Ltda.

Não obstante, foi possível identificar parentesco entre os sócios eadministradores das empresas ora citadas, a saber José da Costa Quintinoe Erinaldo da Costa Quintino, irmãos; e Arli Costa França e José CostaFrança, também irmãos.

Por fim, acrescente-se que as três empresas em tela participaramtambém do certame licitatório na modalidade convite nº 23/2005,referente ao Processo Administrativo nº 27/2005, de abril/2005, para

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fornecimento de uma ambulância, a gasolina, motor 1.3, para apoio eassistência ambulatorial/hospitalar.

Com efeito, indubitável, a fraude a ambos procedimentos licita-tórios, no que reclama a aplicação do art. 10, VIII, da LIA, restandocomo autores os sócios das empresas participantes: José Costa França,Mariângela Rodrigues e Silva França, José da Costa Quintino, Erinaldoda Costa Quintino, Arli Costa França e Abílio de Oliveira e Silva.

Por razão do dever de receber, examinar e julgar todos os docu-mentos e procedimentos relativos às licitações e ao cadastramento doslicitantes da Carta-Convite nº 041/2005 (Processo Administrativo nº 49/2005), exsurge a responsabilidade pelo mesmo tipo legal da Comissãode Licitação e da autoridade homologadora e ordenadora da despesa:Roberto Izídio de Sá (presidente), Armando de Assis Gomes, DjaniraBarbosa dos Santos e José Adauto Carvalho de Azevedo (ordenador).

Idem quanto convite nº 23/2005 (Processo Administrativo nº 27/2005), cuja comissão foi formada por Cristiane Delgado Lima Azevedo(presidente), Armando de Assis Gomes e Djanira Barbosa dos Santos, tendocomo ordenador da respectiva despesa José Adauto Carvalho de Azevedo.

O FATO 04 atesta a defraudação da Carta-Convite nº 11/2005(Processo Administrativo nº 15/2005), que teve por objeto a prestaçãode serviços de ultrassonografia para pacientes do município, com aparticipação das seguintes empresas: Unimagem – Unidade de ImagemMédica S/C Ltda. (CNPJ nº...), Maxwell Pordeus Abrantes (CNPJ nº...)e Clínica Odontomédica S/C Ltda.

Ocorre que não foi identificado o número do CNPJ da EmpresaOdontomédica S/C Ltda., pois em todos os documentos em que se fezconstar os carimbos dos licitantes o registro ocorreu de forma que onome, endereço e CNPJ da empresa restaram simplesmente ilegíveis.

Ademais, em consulta ao sistema CNPJ, da Secretaria da ReceitaFederal, tanto no âmbito do Estado da Bahia quanto no Brasil, a empresaem questão encontra-se inexistente!

As duas outras empresas carimbaram os seguintes documentos:Recibo do Edital de Convocação, Termo de Renúncia de Recurso dePrazo, Modelo de Proposta e Recibo de Ofício. Em todos esses, conformedemonstram as fotos em anexo, não foi possível a identificação de dadosbásicos necessários até mesmo para a habilitação da empresa paraparticipar do certame.

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187Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa

Estranha-se ainda o fato de apenas constar do processo licitatóriodocumentação de habilitação da empresa Maxwell Pordeus Abrantes,CNPJ nº..., ao final, sem numeração, carimbo ou visto da comissãoautuante, enquanto nada se exigiu da vencedora, qual seja, Unimagem– Unidade de Imagem Médica S/C Ltda., CNPJ nº..., tendo ofertado ovalor de R$25.316,50.

Da forma como foram apresentados os documentos seria impos-sível para a comissão a tarefa de análise de sua idoneidade jurídica, ecomo conseqüência a habilitação das empresas, tornando-se o procedi-mento inválido por falta de número mínimo de licitantes.

Vale ressaltar que, se a comissão acatou sua proposta, houve inver-são das fases do procedimento, sem que tenham sido esgotados os atosnecessários à competente habilitação.

Portanto, não restam dúvidas acerca do atentado à lisura do cer-tame, com participação de empresa inexistente e procedimentalizaçãotemerária da licitação, que leva à conclusão que mesmo fora arranjado,com responsabilidade de sua comissão pelo conseqüente do art. 10, VIII,da LIA: Cristiane Delgado Lima Azevedo (presidente), Armando de AssisGomes e Djanira Barbosa dos Santos, tendo como ordenador da respec-tiva despesa José Adauto Carvalho de Azevedo.

Por fim, o FATO 05 evidencia fraude aos Convites nº 025/2005 enº 43/2005, tendo por objeto a aquisição de medicamentos, tendo emvista a ocorrência de fracionamento de despesas.

Observe-se que o montante total licitado de medicamentos parao município ultrapassou o valor estipulado como limite para a reali-zação de licitação na modalidade Convite, conforme alínea “a”, incisoII, art. 23 da Lei nº 8.666/93.

A abstenção da adoção da modalidade Tomada de Preços, compa-tível com o montante da aquisição, acarreta na restrição de competiti-vidade do certame, com efeitos na obtenção de preços menos vantajosos.

Ressalte-se, como observado em fatos anteriores, a modalidadeConvite já é escolhida sem que seja realizada pesquisa prévia de preços, deforma a estimar o valor global da contratação, providência imprescindívelpara a definição da modalidade de procedimento licitatório a ser adotada.

A jurisprudência é pacífica quanto à impossibilidade de fraciona-mento como no presente caso, conforme o seguinte julgado, suficientepara ilustrar a solidez do entendimento:

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ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINIS-TRATIVA. RESPONSABILIDADE DE PREFEITO. COMPRA DE MATERIAIS.FRACIONAMENTO DE NOTAS FISCAIS. IMPROBIDADE.

I - A Lei de Improbidade Administrativa considera ato de improbidade aqueletendente a frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevida-mente. Foi exatamente o que ocorreu na hipótese dos autos quando restoucomprovado, de acordo com o circunlóquio fático apresentado no acórdão recor-rido, que houve burla ao procedimento licitatório, atingindo com isso os princípiosda legalidade, da moralidade e da impessoalidade.

II - O artigo 11 da Lei 8.429/92 explicita que constitui ato de improbidade o queatenta contra os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdadeàs instituições. Na hipótese presente também se tratou de atentado, ao menos,contra os deveres de imparcialidade e legalidade, em face do afastamento danorma de regência, in casu, a Lei nº 8.666/93.

III - Recurso especial improvido. (REsp 685325 / PR RECURSO ESPECIAL2004/0057387-4)

Por último, é relevante observar que participaram de ambos oscertames as empresas Josvaldo Gonçalves Lima – ME, CNPJ nº... e J.L.R.Medicamentos, CNPJ nº..., tendo sagrado-se vencedora dos dois Con-vites a primeira, de todos os 53 itens licitados no Convite nº 35/2005 eda integralidade dos 112 itens adquiridos por intermédio do Convitenº 25/2005.

O fato de a mesma empresa ter vencido todos os 165 itens licitadosnos dois certames, aliado à questão da ausência de pesquisa prévia depreços para estimar os custos das contratações, e assim definir a moda-lidade de licitação a ser adotada, somente reforçam as evidências deque vêm sendo frustradas as possibilidades de se estender a concorrência,transformando-se o fornecimento continuado pela mesma empresaem verdadeiro monopólio.

Portanto, não restam dúvidas acerca do atentado à lisura do cer-tame, consubstanciado no indevido fracionamento, com responsabi-lidade de sua comissão, pelo art. 10, VIII, da LIA, quanto o convite nº25/2005: Cristiane Delgado Lima Azevedo (presidente), Armando deAssis Gomes e Djanira Barbosa dos Santos, tendo como ordenador darespectiva despesa José Adauto Carvalho de Azevedo.

Quanto ao Convite 35/2005, eis os responsáveis: Roberto Izídiode Sá (presidente), Armando de Assis Gomes, Djanira Barbosa dos Santose José Adauto Carvalho de Azevedo (ordenador).

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Assim, uma vez realizada a subsunção dos fatos às normas aplicáveis,com a devida individualização das condutas, e considerando a absorçãodo art. 11 pela hipótese do art. 10, VIII, todos da LIA, ante todos os fatose seus autores, conclui-se pela prática de ato de improbidade adminis-trativa capitulado neste dispositivo, praticado pelos agentes retro, noque importa na condenação de todos no art. 12, II, da Lei nº 8.429, nagradação a ser dosada por V.Exa.

DOS PEDIDOS

De todo o exposto, vem a União requerer:a) O recebimento da presente inicial, com a citação dos réus men-

cionados, cujos endereços se encontram em documentaçãoanexa;

b) A intimação do Ministério Público Federal, ex vi art. 17, §4º, daLei de Improbidade Administrativa;

c) A condenação dos réus, na gradação a ser dosada por V.Exa,nas penas do art. 12, II, da Lei de Improbidade Administrativa:c.1 ressarcimento integral do dano, a ser revertido em favor da

União, nos termos do art. 18 da Lei nº 8.428/92;c.2 perda dos bens e valores adquiridos ilicitamente;c.3 perda da função pública para os réus;c.4 pagamento de multa de até 2 vezes o valor do dano a ser

apurado e liquidado no presente feito;c.5 suspensão dos direitos políticos de todos os réus;c.6 proibição de contratar com o Poder Público ou receber

benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indi-retamente, pelo prazo de 5 anos.

d) A condenação da parte ré no pagamento dos ônus sucumbenciais.Requer ainda a União a juntada dos documentos anexos, pug-

nando pela produção posterior de provas, principalmente a juntadaposterior de documentos.

Dar-se-á à causa o valor de R$10.000,00 (dez mil reais).Pede deferimento

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Parte IIIPatrimônio Público

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O dano à imagem do Estado brasileiroEwerton Marcus de Oliveira GóisAdvogado da União e Mestrando em Direito das Relações Internacionais no CentroUniversitário de Brasília (Uniceub).

Palavras-chave: Direito à imagem. Advocacia-Geral da União. Direitosfundamentais. Proteção à imagem estatal.

Sumário: 1 Introdução - 2 A pessoa jurídica como titular de direitosfundamentais - 3 Os direitos fundamentais e a proteção à imagem estatal- 4 O papel da Advocacia-Geral da União - 5 Conclusão - Referências

1 IntroduçãoImpende deixar sublinhado, desde já, que o direito à imagem

encontra-se inserido no rol dos direitos fundamentais, merecendo, por-tanto, uma proteção preventiva e repressiva.

Com efeito, é razoável realizar a inserção das pessoas jurídicascomo titulares dos direitos fundamentais, desde que o exercício dessedireito seja compatível com sua natureza, suas finalidades e suas pecu-liaridades estruturais.

Nesse contexto, tendo em vista o alto nível de corrupção no Paísem face, sobretudo, da disseminação de condutas ímprobas perpetra-das por agentes públicos e por terceiros com estes conluiados, é possívele necessária a utilização de instrumentos para conferir proteção à imagemdo Estado Brasileiro.

Estes golpes à moralidade pública, mediante a prática de atosde improbidade, atingem substancialmente não só ao Estado, mas, tam-bém, a toda sociedade, sendo fundamental assegurar o direito à imagemdo Estado, sua proteção e inserção permanente na relação dos direitosfundamentais.

Desta feita, o operador do direito deve buscar elementos jurídicoscapazes de contribuir para a diminuição das constantes condutas lesivasque tomam forma a cada dia, desvendando mecanismos capazes deresgatar a credibilidade do Estado, em especial, dentro da modernaótica dos danos extrapatrimoniais.

2 A pessoa jurídica como titular de direitos fundamentaisSobre o tema, inevitáveis são os questionamentos, em especial,

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pelo fato de que historicamente os direitos fundamentais foram traba-lhados como instrumento de limitação de poder e, nesse sentido, foramdirigidos normalmente contra a figura estatal e não a seu favor. Destarte,nesta análise, mister trazer a lume o caráter dual dos direitos funda-mentais, isto é, sua perspectiva subjetiva e objetiva.

Ainda que autores de renome, por todos J.J. Canotilho,1 sustentemuma presunção em favor da prevalência da perspectiva subjetiva, estaentendida como o direito de defesa do particular contra os poderesestatais,2 isto não exclui a possibilidade de atribuir-se a titularidade dosdireitos fundamentais às pessoas jurídicas, a partir da aceitação de suaperspectiva objetiva.

Assim, é possível empreender uma valoração dos direitos funda-mentais sob o ângulo da pessoa jurídica, fornecendo a proteção neces-sária para os valores e fins que esta visa concretizar. Na verdade, comisto, confere-se proteção ao próprio indivíduo, podendo-se concluir, jun-tamente com Robert Alexy, que a dimensão objetiva do direito fundamen-tal nada mais é que um reforço ao próprio direito fundamental subjetivo.

Aprofundando no tópico, forçoso analisá-lo sob a ótica da pessoajurídica de direito público, in casu, o Estado Brasileiro.

Nessa freqüência, Canotilho3 sustenta que em passagens da Cons-tituição Portuguesa4 não há qualquer diferenciação entre pessoas coletivasde direito privado e pessoas coletivas de direito público, sendo inconce-bível a negação em todas as dimensões da capacidade de as pessoasjurídicas de direito público serem titulares de direitos fundamentais,devendo ser aferida, isto sim, a compatibilidade da mesma com o direitofundamental postulado. Ainda na doutrina portuguesa, Vieira de Andradee Nuno de Souza admitem que tais entes titularizem direitos funda-mentais de natureza processual e procedimental.5

No Brasil, em que pese a ausência de disposição expressa na Cons-tituição Federal de 1988, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, José Afonsoda Silva, Celso Ribeiro Bastos, dentre outros ilustres juristas, defendema possibilidade de extensão às pessoas jurídicas dos direitos fundamentais.

1 SARLET. A eficácia dos direitos fundamentais, p. 152.2 HESSE. Elementos de direito constitucional da República Federal da Alemanha, p. 235.3 MIRANDA. Manual de direito constitucional, p. 386.4 Constituição Portuguesa, art. 12.5 MIRANDA, 1993, p. 386.

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Desta sorte, é razoável alargar esse conceito para atingir, também, aspessoas jurídicas de direito público.

3 Os direitos fundamentais e a proteção à imagem estatalNo que toca especificamente ao direito à imagem, há civilistas6

que sustentam ser ontologicamente inconcebível atribuir a pessoa jurí-dica o direito à imagem, a considerar, sobretudo, sua natureza meramenteabstrata. Em sentido contrário, outros7 afirmam a possibilidade de apessoa jurídica ser titular do direito à imagem, em seu aspecto “imagematributo”.

Desta feita, deve-se ter em mente que os direitos fundamentaiscorrespondem não apenas a situações jurídicas subjetivas, mas tambéma preocupações de índole coletiva, constantes de uma ordem objetivade valores inserida na Constituição, sendo possível caminhar na defesado direito fundamental à imagem do Estado e a conseqüente e necessáriaproteção contra os eventuais danos causados a esta imagem.

A dimensão objetiva dos direitos fundamentais situa-os comoparâmetros objetivos de atuação do Estado e exige a sua observâncianão porque afetam individualmente seus titulares, mas porque corres-pondem a preocupações coletivas. Assim, a imagem do Estado deve serconsiderada um bem coletivo a ser protegido, fazendo surgir, por exem-plo, deveres de abstenção e de fazer para os agentes públicos, com ofito de preservação e proteção da imagem institucional.

Há que se demonstrar a importância da imagem do Estado dentrodo sistema jurídico que encarna o Estado Democrático de Direito. Oêxito das atividades desempenhadas pelo Estado relaciona-se direta-mente com sua imagem e credibilidade. Uma sociedade incrédula é

6 “La utla del diritoo all’immagine di cui agli artt.10c.c e 96 e ss.Ild.a non è nemmeno astrattamentinvocabile per le persone giuridiche. Il diritto previsto dalle norme sopra indicate há, infatti, per oggettoL´immanine fisica di uma persona che, mentre è inscindibilmente compenetrata nella persona física, èontoloficamente inconcepibile per la persona giuridica per la sua natura di entità meramente astratta edi fictio iuris” (CIONTI, 1998, p. 2).“O papel de ‘ser social’ só pode ser representado pelo homem; somente este é capaz de dedicar todas assuas capacidades para a realização de seus ideais. Somente o homem, a pessoa, concebe o ideal” (DIAS,2000, p. 20).

7 “A imagem-atributo, no entanto, não se limita à imagem do indivíduo, podendo ser interpretadaampliativamente, englobando a imagem da pessoa jurídica, inclusive de seus produtos e serviços” (ARAÚJO,1996, p. 89).“Por fim, são plenamente compatíveis com pessoas jurídicas, pois, como entes dotados de personalidadepelo ordenamento positivo (novo Código Civil, arts. 40 e 45), fazem jus ao reconhecimento de atributosintrínsecos à sua essencialidade, como, por exemplo, os direitos ao nome, à marca, a símbolos e àhonra” (BITTAR, 2006, p. 13).

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incapaz de manifestar o reconhecimento às ações desempenhadas peloEstado nas suas diferentes searas de atuação.

Nos dizeres de Robert Alexy,8 o Estado constitucional democráticose caracteriza por seis princípios fundamentais que encontram inegávelguarida na Constituição Alemã, dentre eles, os princípios relativos àestrutura e aos fins do Estado de Direito, democrático e social.

Pois bem, impossibilitado estará o Estado de realizar os fins quese pretende se não estiver diante de uma sociedade que confie em suaconduta. Enfraquecida a imagem do Estado alanceado estará o próprioEstado Constitucional Democrático.

Robert Alexy, em sua obra Teoria dos direitos fundamentais, sob umviés racional e científico, se propõe a investigar os conceitos, as estruturase a influência dos direitos fundamentais no sistema jurídico, com fulcro,sobretudo, na jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal daAlemanha.

Tendo como norte a perspectiva objetiva dos direitos fundamen-tais, examinando sua natureza como direitos de defesa e como direitosa prestações em sentido amplo, o renomado autor sustenta que a Cons-tituição Alemã tem primariamente um caráter de Constituição Burguesa,orientada para os direitos de defesa, relegando ao oblívio os direitos aprestação. Contudo, assinala diversos julgados do Tribunal Constitu-cional Alemão que abordam os direitos a prestações, segundo ele, divi-didos em três grupos: direitos de proteção, direitos procedimentais edireitos a prestações em sentido estrito, todos como direitos, prima facie,a ações positivas por parte do Estado.

Qualificam-se, deste modo, os direitos de proteção como aquelesoponíveis ao Estado, para que este proteja seu titular da intervençãode terceiros. Nesse prisma, é possível aduzir acerca da possibilidade deo Estado se proteger da intervenção de terceiros, na qualidade de titulardo direito fundamental. Avalia-se o contorno de uma “autoproteção”,uma vez que assim procedendo estará reflexamente protegendo osdireitos individuais de todos os seus cidadãos, na medida em que o Estadopressupõe a existência de um povo.

4 O papel da Advocacia-Geral da UniãoDo perlustrar da Constituição Federal de 1988 (CF/88) é inevitável

8 ALEXY. Los derechos fundamentales en el estado constitucional democrático, p. 31.

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deparar-se com a inserção da Advocacia Pública no capítulo IV, do TítuloIV, que contempla as Funções Essenciais à Justiça, compondo a estruturado Estado e exercendo atividades indispensáveis à administração daJustiça, concretizada na defesa dos valores e princípios consagrados pelonosso ordenamento jurídico.

A busca de separar o abismo existente entre o homem abstrato dalei e o cidadão concreto da realidade, com espeque nos fundamentose objetivos estabelecidos na CF/88, compõe o rol de atribuições dasInstituições que desempenham as funções essenciais à justiça.

Nessa trilha, à Advocacia-Geral da União (AGU) foi reservado oartigo 131, da CF/88, assim redigido:

Artigo 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ouatravés de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente,cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organizaçãoe funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico doPoder Executivo.

§1º A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, delivre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trintae cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

§2º O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata esteartigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos.

§3º Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da Uniãocabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei.

Cumpre deixar registrado, a propósito, que, ao representar a Uniãojudicial e extrajudicialmente, a AGU não defende exclusivamente osinteresses da Fazenda Pública, do Erário, no que lhe tange às obrigaçõespatrimoniais, mas sim o interesse do Estado como síntese dos interessesdas coletividades.

Nesse particular, José Afonso da Silva afirma que a “AdvocaciaPública assume, no Estado Democrático de Direito, mais do que umafunção jurídica de defesa dos interesses patrimoniais da Fazenda Pública,mais até mesmo do que a defesa do princípio da legalidade, porque lheincumbe igualmente, e veementemente, a defesa da moralidade pública,que se tornou um valor autônomo constitucionalmente garantido. ...Seu compromisso institucional e funcional é com a defesa do princípioda legalidade e, especialmente, do princípio da constitucionalidade, quesignifica que no Estado Democrático de Direito é a Constituição que

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dirige a marcha da sociedade e vincula, positiva e negativamente, osatos do poder público”.9

Não é por outro motivo a inarredável atuação da AGU no combateà corrupção, em especial no que toca à malversação do dinheiro público,sendo notável seu papel na recuperação das verbas públicas desviadas,fruto de atos de improbidade administrativa.

Da mesma forma, no seu papel de defesa do patrimônio público,faz parte de seu mister zelar pela imagem do Estado Brasileiro.

Tangenciando o tema, vale fazer uma breve alusão acerca da inser-ção do direito à imagem no conceito de propriedade imaterial, eis queesta é gênero de que são espécies a propriedade intelectual e os direitosde personalidade.

Desta feita, por simples silogismo, é possível aduzir que na defesado direito fundamental à imagem do Estado está se conferindo proteção,em última análise, ao patrimônio público, sob sua vertente imaterial.

Ante o exposto, inegável sublinhar que está a AGU debruçadasobre a ordem constitucional em seus mais variados matizes, defluindosolarmente claro seu papel de instituição de Estado na defesa do interessepúblico e da afirmação do Estado Democrático de Direito.

5 ConclusãoÀ guisa de conclusão, é possível situar o direito fundamental da

pessoa coletiva de direito público dentro da dimensão objetiva dos direitosfundamentais, enfrentando o tema do direito à imagem do Estado dentroda mesma perspectiva, acenando para a importância da prevençãoe proteção desta imagem, com o fito de resgatar a credibilidade estataljunto à sociedade.

Conclui-se, portanto, que a tábua axiológica de direitos funda-mentais esculpida na Constituição Federal de 1988 confere ao direitoà imagem expressa autonomia, ocupando posição distinta na relaçãodos direitos fundamentais.

Dessarte, é razoável aduzir que o Estado Brasileiro é titular dodireito à imagem, e, conseqüentemente, qualquer ofensa a esta imagemmerece do mesmo Estado a devida resposta, pautada nos danos extra-patrimoniais e voltada para o amparo de toda a sociedade, sendo, para

9 SILVA. Comentário contextual à Constituição.

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tanto, insubstituível o papel a ser desempenhado pela Advocacia-Geralda União.

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Terrenos de marinha: por que atentativa de extingui-los é um ataqueao patrimônio público e ao meioambiente?José Mauro de Lima O’ de AlmeidaAdvogado da União. Mestre em Direito Público pela Universidade Federal do Pará. AtualProcurador-Chefe da União no Pará.

Palavras-chave: Terrenos de marinha. Patrimônio público. Meioambiente. Estatuto das Cidades.

Sumário: 1 Introdução - 2 A evolução histórica da ocupação dos terrenosde marinha no Brasil - 3 Terrenos de marinha: sua importância para ascidades e o ataque a sua existência - 4 Conclusão

1 IntroduçãoA maioria da população mundial está vivendo nas cidades, assim

como há estatísticas afirmando que 60 por cento da população mundialvivem em áreas litorâneas, enquanto que 65 por cento das cidades compopulações de mais de 2,5 milhões de habitantes estão localizadas aolongo do litoral do mundo.1

No Brasil, há ocupação desordenada de praias, várzeas, beira-riose outros bens de uso comum povo, por ricos e pobres, para fins demoradia ou utilização em empreendimentos industriais e comerciais.

Em especial, um instituto tem causado polêmica no país: os terre-nos de marinha. Adjacentes às praias e às beiras-mar e beiras-rios, nascidades eles foram objeto de ocupação constante e irregular no decorrerdos anos. Hoje, busca-se a regularização dessas ocupações. E é por conta,sobretudo, disso que é alvo dos legisladores para que seja extinto.

Há dezenas de projetos de lei e emendas constitucionais que visamà modificação do seu conceito ou sua simples extinção. Um deles, aProposta de Emenda a Constituição nº 53/2007 é a que tramita com maisrapidez atualmente. A proposta, ao passo que extingue os terrenos demarinha, distribui a propriedade do instituto a ser extinto entre a União,Estados e Municípios, além de particulares nos casos que enumera.

1 Cf. Agenda 21, p. 48.

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Mas será que a extinção dos terrenos de marinha solucionará aquestão fundiária urbana referente a eles? É disso que trataremos nestebreve estudo.

2 A evolução histórica da ocupação dos terrenos de marinha noBrasil

Os terrenos de marinha nasceram praticamente junto com acriação das cidades brasileiras. As constantes invasões das nossas terras,por espanhóis e franceses, fizeram com que a Coroa Portuguesa iniciasseo povoamento efetivo do Brasil, para garantir a defesa e a ocupação dolitoral e, assim, o poder de Portugal sobre o seu território.

Porém, apesar dos terrenos de marinha aportarem no Brasil juntocom a legislação portuguesa sobre a propriedade, havia diferenças entreo instituto criado pelo direito português e o que se praticou no Brasil.Em Portugal, se dava uma importância econômica às marinhas de sal.Havia legislação dispondo que as terras sobre as quais se preparava osal pertenciam ao Patrimônio Real e que as marinhas do sal, ou salinas,deveriam ficar reservadas apenas para o Estado.2

A marinha das Ordenações Portuguesas se transformou em terra demarinha. Rosita de Sousa Santos, in Terras de marinha já falava da impossi-bilidade de estabelecer um estudo de direito comparado sobre o tema ede que as terras de marinha, no Brasil, alcançaram um status jurídicopor intermédio da prática administrativa, a saber:

A fixação da figura da marinha, a criação de seu contorno, sua mensuração, esua implantação definitiva em nosso direito é obra administrativa, que o DireitoHistórico foi dimensionando e definindo no correr dos séculos. A ausênciade tal criação em outros países não permite o estudo de direito de comparado,porque a atenção daqueles países na reserva de uma faixa livre para uso público,junto ao mar, não os levou a preservar, entre os bens do Estado, qualquer porçãode terra sob o regime de propriedade nacional que se assemelhe ao que noBrasil se chama terreno de marinha.

Esse fato talvez explique porque, somente em 1832, os terrenosde marinha tiveram seu conceito caracterizado claramente em legislação.A lei orçamentária de 15 de novembro de 1831, que orçava a receita efixava a despesa para o ano financeiro de 1832-1833, pela primeira vezdeterminou que o Ministro da Fazenda iria dispor, em relatório, o que

2 Assim determinava o Alvará de 10 de maio de 1672 apud SANTOS. Terras de marinha, p. 4.

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seriam considerados terrenos de marinha para fins de aforamento earrecadação de rendas, sem contudo definir o seu conteúdo.

O relatório da lei de 1831 foi a Instrução nº 348 de 14 de novembrode 1832, que definiu:

Art. 4°. Hão de considerar-se terrenos de marinha todos os que, banhados pelasaguas do mar ou dos rios navegáveis, vão até a distancia de 15 braças craveiraspara a parte da terra, contadas estas desde os pontos a que chega o preamarmédio.

Daí por diante, os terrenos de marinha assumem o seu caráter deelemento gerador de renda, registrado em leis orçamentárias e a regu-lamentação de todos os casos que surgiram foi, toda ela, feita por meiode atos administrativos.

Hodiernamente os terrenos de marinha, e os acrescidos de mari-nha, estão gravados como bens da União, pelo art. 20, inciso VII, bemcomo estão definidas a sua caracterização pelo Decreto-lei nº 9.760/46,a saber:

Art. 20. São bens da União:

(...)

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;

Art. 2º São terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta e três)metros, medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posição da linhado preamar-médio de 1831:

a) os situados no continente, na costa marítima e nas margens dos rios e lagoas,até onde se faça sentir a influência das marés;

b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faça sentir a influênciadas marés.

Parágrafo único. Para os efeitos dêste artigo a influência das marés é caracterizadapela oscilação periódica de 5 (cinco) centímetros pelo menos, do nível das águas,que ocorra em qualquer época do ano.

Art. 3º São terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado, naturalou artificialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, em seguimento aosterrenos de marinha.

Outro fato histórico que explica, em parte, a grande balbúrdia que setornou a ocupação dos terrenos de marinha no Brasil foi de a adminis-tração desses imóveis poder ficar a cargo das Câmaras ou Conselhos Muni-cipais, que podiam aforá-los, mantidos alguns requisitos formais, vejamos:

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Art. 51. O governo fica autorizado a arrecadar no ano financeiro do 1º de julhode 1832 ao último de junho de 1833, as rendas, que foram decretadas para oano de 1831-1832, com as seguintes alterações:

14ª. Serão postos à disposição das Câmaras Municipais, os terrenos de marinha,que estas reclamarem do Ministro da Fazenda, ou dos Presidentes das Províncias,para logradouros públicos, e o mesmo ministro da Corte, e nas Províncias osPresidentes, em Conselho, poderão aforar a particulares aqueles de tais terrenos,que julgarem convenientes, e segundo o maior interesse da Fazenda, estipulando,também, segundo for justo, o foro daqueles mesmos terrenos, onde já se tenhaedificado sem concessão, ou que, tendo sido concedidos condicionalmente, sãoobrigados a eles desde a época da concessão, no que se procederá a arrecadação.O Ministro da fazenda no seu relatório da sessão de 1832, mencionará tudo oque ocorrer sobre este objeto. (Cf. SANTOS. Terras de marinha, p. 202-203)

Apesar, como dito, de terem de “reclamar” às autoridades supe-riores pedidos de aforamento, não raro os Conselhos Municipais, res-ponsáveis pela administração dos terrenos dados em sesmarias e pelorendimento dos foros dos terrenos de marinha às suas administrações,intitularam-se verdadeiros proprietários dos terrenos de marinha numacombinação de entendimento que também supunha que tivessem aufe-rido direitos adquiridos através das sesmarias.

Sobre a celeuma jurídica, que já findou ainda no ano de 1905 pordecisão do Supremo Tribunal Federal, sobre a quem pertence os terrenosde marinha, por direito histórico, faço referência ao livro Terrenos demarinha: proteção ambiental e as cidades.3

O que se cuida neste momento é de se ver, a partir do dado his-tórico, que houve uma omissão legislativa em relação ao tema terrenosde marinha, não atualizando a legislação pertinente à matéria, bem comouma omissão do Poder Executivo em descurar dos órgãos responsáveispela administração do patrimônio imobiliário da União, e daí constatarque, apesar disso, é temerária a extinção do instituto como propostopela PEC acima referenciada.

Outros dados importantes para que alcancemos a nossa conclusão,além dos citados nos primeiros parágrafos é de que 6,6 milhões defamílias brasileiras não possuem moradia, 11% dos domicílios urbanosnão têm acesso ao sistema de abastecimento de água potável e quase50% não estão ligados às redes coletoras de esgotamento sanitário e,por isso, em quase todos os municípios aumenta o número de favelas.4

3 No prelo.4 <http://www.cidades.gov.br/ministerio-das-cidades>. Acesso em: 02 set. 2008.

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Como os terrenos de marinha são áreas consideradas nobres nocontexto municipal, eles são alvos constantes de ocupações irregulares,as invasões urbanas.

3 Terrenos de marinha: sua importância para as cidades e o ataquea sua existência

Os terrenos de marinha tornaram-se para as cidades, hoje, sejado ponto de vista ambiental ou das funções sociais que a propriedadedeva cumprir, elemento decisivo para a sua sobrevivência, porque impor-tantes para a preservação de ecossistemas, de cursos d’água, do equilíbrioclimático, além de elemento primordial da sua urbanificação. Aconteceque estão desarticulados da moderna legislação ambiental que surgiu apartir dos movimentos históricos relacionados ao meio ambiente.

No caso da questão urbana, a função socioambiental vinculada àpropriedade da União em face dos terrenos de marinha confundir-se-ácom as tantas funções sociais da cidade. Esta expressão, hoje inserida noart. 182, caput, da CF/88, refere-se às “chaves do urbanismo” constantesda Carta de Atenas,5 que listou as funções às quais a cidade deve seprestar: habitar, trabalhar, recrear e circular.6 Em todos esses aspectos,a propriedade e o meio ambiente ecologicamente equilibrado estarãopresentes.7 O novo Código Civil também contemplou a função social dapropriedade, que calha com as funções sociais das cidades, vejamos:

Art. 1.228. (...) §1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonânciacom as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados,de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezasnaturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem comoevitada a poluição do ar e das águas.

Quatro fatos políticos recentes colocaram os terrenos de marinhano caminho de uma solução para parte do problema fundiário urbanonacional.

5 “Documento firmado em Atenas, Grécia, em 1933, quando do ‘4° Congrés Internacional d’ArquitectureModerne’ - C.I.A.M. - constante de três partes, divididas em 95 itens, a saber: ‘I - A cidade e a região’;‘II - Habitação, Recreio, Trabalho e Circulação’; ‘III - Patrimônio histórico das cidades e Conclusões Cf.CARNEIRO. Organização da cidade, p. 39.

6 Cf. Item 77 da Carta de Atenas.7 “(...) as normas urbanísticas e ambientais mantêm entre si estreito relacionamento com vistas a garantir

a qualidade de vida dos habitantes da cidade, diante dos impactos ao meio ambiente e crescimento dosadensamentos urbanos (...) a cidade não se opõe ao meio ambiente, na medida em que o espaçourbano é constituído pelo ambiente construído e pelo ambiente natural. A verdade é que o ambienteurbano pertence ao conceito macro meio ambiente” (Cf. ROCHA. Função ambiental da cidade, p. 1).

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O primeiro foi a criação do Ministério das Cidades, em 2003, cujamissão é “combater as desigualdades sociais, transformando as cidadesem espaços mais humanizados, ampliando o acesso da população àmoradia, ao saneamento e ao transporte”. Dentro das ações desse aindanovo ministério destacam-se a criação do Fundo Nacional de Habitaçãode Interesse Social (FNHIS), do programa Papel Passado e da políticade apoio à elaboração e revisão de Planos Diretores Municipais.

O segundo foi um olhar mais cuidadoso do Poder Executivo paraa Secretaria de Patrimônio da União, órgão responsável pela adminis-tração do patrimônio imobiliário da União que, mesmo sem pessoalsuficiente e longe do ideal de estrutura operacional, busca regularizaras áreas localizadas em terrenos de marinha.

O terceiro foi a implementação do Programa de Aceleração doCrescimento (PAC), um conjunto de ações governamentais que, no seuviés urbano, pretende promover melhorias de saneamento ambiental,habitação, transporte, circulação e regularização.

O quarto e último fato político foi a modificação da legislação dopatrimônio imobiliário da União que possibilitará várias formas a regu-larização fundiária de áreas pertencentes à União.8

A partir da edição da Lei nº 11.481/07 modificou-se, de uma sóvez, a Lei nº 9.636/98, Medida Provisória nº 2.220, de 4 de setembro de2001, o art. 17 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, a Lei nº 11.124/05, o Decreto-Lei nº 9.760/46, o art. 7º do Decreto-Lei nº 271/67, oDecreto-Lei nº 2.398/87 e até o Código Civil, art. 1.225 e art. 1.473, doCódigo Civil.

Destacam-se, entre as modificações, a dispensa de licitação paracessão de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetiva-mente utilizados no âmbito de programas de provisão habitacional oude regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãosou entidades da administração pública, bem como para imóveis e osuso comercial de âmbito local com área de até 250m² (duzentos ecinqüenta metros quadrados), cuja ocupação se tenha consolidado até27 de abril de 2006; a possibilidade de a cessão gratuita de direitos

8 Além dos terrenos de marinha e acrescidos de marinha, outros bens da União enumerados no art. 20, daCF/88 são passíveis de regularização fundiária: - as ilhas fluviais, as ilhas oceânicas e costeiras, excluídasas que contenham a sede de municípios, os imóveis desapropriados e adjudicados (transferidos para aUnião em virtude de execução fiscal) e patrimônio de órgãos federais extintos, como a RFFSA, DNOCS,IAA e IBC.

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enfitêuticos relativos a frações de terrenos cedidos quando se tratar deregularização fundiária ou provisão habitacional para famílias carentesou de baixa renda; a criação, organização e manutenção de um sistemaunificado de informações sobre os bens imóveis da União; a possibilidadede concessão de uso especial para fins de moradia às áreas de proprie-dade da União, inclusive aos terrenos de marinha e acrescidos; a dispensade licitação para os casos de alienação gratuita ou onerosa, aforamento,concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bensimóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizadosno âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária deinteresse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administraçãopública, bem como os de uso comercial de âmbito local com área de até250m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados); a instituição da con-cessão de direito real de uso de terrenos públicos ou particulares remu-nerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direitoreal resolúvel, para fins específicos de regularização fundiária de interessesocial, urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, apro-veitamento sustentável das várzeas, preservação das comunidades tradi-cionais e seus meios de subsistência ou outras modalidades de interessesocial em áreas urbanas; o aumento do tempo de isenção do pagamentode foros, taxas de ocupação e laudêmios, referentes a imóveis de proprie-dade da União, as pessoas consideradas carentes ou de baixa renda para4 (quatro) anos; a obrigatoriedade dos cartórios informarem as operaçõesimobiliárias anotadas, averbadas, lavradas, matriculadas ou registradasnos Cartórios de Notas ou de Registro de Imóveis, Títulos e Documentosque envolvam terrenos da União sob sua responsabilidade, mediante aapresentação de Declaração sobre Operações Imobiliárias em Terrenosda União (DOITU) e a transformação de direito real, passíveis dehipoteca, a concessão de uso especial para fins de moradia e a concessãode direito real de uso.

A PEC nº 53/07, de autoria do Senador Almeida Lima de Sergipe,é praticamente idêntica à PEC nº 40/99 do ex-Senador Paulo Hartung,hoje governador do Espírito Santo. Diz o texto da proposta:

Art. 1º Fica extinto, para todos os efeitos legais, o instituto do terreno de marinhae seus acrescidos.

Art. 2º As áreas conceituadas como terreno de marinha e seus acrescidos até adata da vigência desta Emenda Constitucional passam a ter a sua propriedadeassim definida:

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I - continuam como domínio da União as áreas:

a) nas quais tenham sido edificados prédios públicos que abriguem órgãos ouentidades da administração federal, inclusive instalações de faróis de sinalizaçãonáutica;

b) que tenham sido regularmente destinadas a utilização por prestadores deserviços públicos concedidos ou permitidas pela União;

II - passam ao domínio pleno dos Estados onde se situam as áreas:

a) nas quais tenham sido edificados prédios públicos que abriguem órgãos ouentidades da administração estadual;

b) que tenham sido regularmente destinadas a utilização por prestadores deserviços públicos concedidos ou permitidos pelos Estados:

III - permanecem sob domínio pleno dos respectivos donatários as áreas doadasmediante autorização em Lei Federal;

IV - passam ao domínio pleno dos Municípios onde se situam as áreas:

a) não enquadráveis nas hipóteses descritas nos incisos I a III;

b) nas quais tenham sido edificados prédios públicos que abriguem órgãos ouentidades da administração municipal;

c) atualmente locadas ou arrendadas a terceiros pela União;

V - passam ao domínio pleno:

a) dos foreiros, quites com suas obrigações, as áreas sob domínio útil destes,mediante contrato de aforamento;

b) dos cessionários as áreas que lhes foram cedidas pela União.

Parágrafo único. Ao oficial do registro imobiliário da circunscrição respectiva, àvista das certidões de quitação das obrigações relativas ao imóvel, compete procederao registro de transmissão do domínio pleno em favor das pessoas referidas nosincisos II a V deste artigo.

Havia uma outra PEC no Senado, de nº 27, que propunha apenasa extinção da enfiteuse para os terrenos de marinha e acrescidos. NaCâmara, há quase uma centena de projetos de lei tratando sobre terrenosde marinha, mas destaca-se o Projeto de Lei nº 4.316 de 2001, aindaem tramitação, que pretendia atualizar a Linha de Preamar Médio doano de 1831 para o ano 2000, bem como tentava definir com quemficariam as áreas que seriam excluídas do conceito de terrenos demarinha, em vista dessa atualização. Em verdade, este último projetocomeçou a tramitar no Senado Federal, com o nº 617/99, de autoria doex-Senador Paulo Hartung, o projeto foi aprovado pelo Senado Federalindo à Câmara dos Deputados, que está servindo, no caso, como CasaRevisora. O projeto havia sido aprovado na Comissão de RelaçõesExteriores e de Defesa Nacional, com base no parecer do Deputado Feu

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Rosa. Porém, ao chegar na Comissão de Trabalho, de Administração eServiço Público recebeu parecer contrário do deputado Gerson Gabrielli.Acabou por ser designado outro relator, o Deputado Daniel Almeida,que acabou revendo o parecer do deputado Gabrielle, optando pelaaprovação do projeto e rejeição do PL nº 3.593/2000 e do PL nº 3.814/2000, que estavam a ele apensados. O parecer foi aprovado. O projetoestá atualmente na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara. Osdois projetos de nº 3.593, de 2000, do Deputado Ricardo Ferraço, dimi-nuía a extensão dos terrenos de marinha para 13 (treze) metros e quaseque reproduzia o texto do Projeto do Senador Paulo Hartung, em relaçãoà distribuição das áreas já ocupadas. O projeto de Lei nº 3.814, de 2000,do Deputado Max Rosenmann, passava a considerar a Linha de PreamarMáxima Atual e não mais a Linha de Preamar Médio de 1831 para finsde determinação dos terrenos de marinha, mas, como dito, foram re-jeitados na Comissão de Trabalho e Serviço Público.

Todas as propostas conflitam com as possibilidades que se abriramcom a modificação da legislação patrimonial da União. Atacam pas-sionalmente a conseqüência, sem cuidar do passivo histórico de incúriapor parte do próprio legislativo e do executivo, que se omitiram naatualização da legislação relativa à matéria. E, no presente, não obser-vam a condição administrativa dos municípios brasileiros que, em suagrande maioria, não conseguem cuidar da questão fundiária urbana,nem mesmo quando não há enclaves de patrimonialidade da União,como os terrenos de marinha. A absoluta maioria das capitais enfrentamproblemas de assentamentos informais, um verdadeira gargalo admi-nistrativo e social.

Calha também à fiveleta parte do parecer do deputado GersonGabrielli, infelizmente rejeitado:

(...) se, no passado, o domínio da União sobre os terrenos de marinha e seusacrescidos tinha por justificativa motivos de segurança e econômicos, estesrelacionados à arrecadação de receitas patrimoniais, atualmente ganham relevoe não podem ser ignoradas razões ligadas à preservação do meio ambiente. Emboraseja verdade que muitos municípios podem disciplinar e fiscalizar eficientementeo uso desse faixa, assegurando a necessária proteção ao meio ambiente, não émenos verdadeiro que muitos outros não dispõem das menores condições paratanto, estando, nesses casos, a União, ainda que com todas as dificuldades enfren-tadas pela SPU, mais apta a disciplinar o uso dessas áreas e zelar pela proteçãodo meio ambiente. É , portanto, no mínimo desaconselhável a transferênciageneralizada da propriedade das áreas de trata o projeto (...)

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Se é verdade que os terrenos de marinha perderam muito de suacaracterística original por conta da modificação do relevo do longínquoano de 1831 para cá, não menos verdade é que, em muitos casos, asáreas abrangidas pelos acrescidos de marinha são importantíssimas doponto de vista ambiental para as cidades. Na Amazônia, por exemplo,muitas cidades têm vastos territórios e um pequeno adensamento urba-no. Isto faz com que elas estejam mais sujeitas à ocupação irregular dessesterrenos, por conta da deficiente fiscalização e, portanto, os terrenosestão mais sujeitos a prejuízos ambientais.

Mais, a falta de estruturação institucional dos municípios, com aausência de órgãos reguladores e gestores das áreas patrimonial e am-biental, mesmo que com a presença do ministério público já bastantecapilarizada no país nos dá grandes perspectivas de um futuro sombriopara este patrimônio público ser alvo de constantes invasões.

Todos sabemos que há administrações municipais no Brasil quesão verdadeiros feudos familiares políticos e que, não raro, esses feudostambém possuem o maior poder econômico local.

Também é de se registrar que proteção ambiental dos terrenos demarinha tornou-se algo a ser resgatado de uma história mal construída.Este tipo de resgate quando toma ares de salvação ou recuperação dealgo degradado durante anos é muito mais difícil. A afirmação de Santos9

de que os terrenos de marinha são fruto de decisões e de atos da Administraçãovisando à reserva de um espaço físico para desenvolvimento de uma políticaeconômica, e que assim foi desde a colonização portuguesa e que permanece,de certa forma, até hoje, demonstra o equívoco histórico do tratamentodado ao instituto.

4 ConclusãoSe a ocupação dos terrenos de marinha, um dia, não se deu de

forma equivocada, já que o que se pretendia era o povoamento do Paíse a melhoria na sua atividade econômica, a partir do momento em quese observou que não havia mais essa necessidade e que, ao contrário, asua ocupação era danosa a toda a sociedade, a gestão administrativaque ainda se lhe atribuía deveria ter sido modificada, à luz do direitoambiental.

9 Cf. SANTOS. Terras de marinha, p. 61.

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Hoje, boa parte dos terrenos de marinha não servem mais àproteção militar, muito menos servem para ocupação residencial ouimplantação de atividade econômica. São, sobretudo, áreas que mere-ceriam ser consideradas como de proteção ambiental permanente. Avisão econômica de apenas se auferirem rendas de tais terrenos não podesubsistir, a não ser que as rendas sejam aplicadas nas próprias áreas ocu-padas e sob a estrita observância dos interesses municipais.

Porém, quem deve ser o indutor deste processo é a própria União,seja porque deve contas de sua omissão, seja porque tem melhores con-dições estruturais e financeiras de executar um programa de regulari-zação fundiária urbana, evidentemente em parceria com os Municípiose os Estados federados.

As terras públicas são ainda o grande patrimônio nacional e édever de todo cidadão e, principalmente, do Poder Público, de cuidarde que elas sejam destinadas, na parte que toca às cidades, de maneiraadequada e eficiente para que as funções sociais estabelecidas no Estatutodas Cidades sejam respeitadas.

Referências

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213O poder público como consumidor na defesa de seu patrimônio

O poder público como consumidor nadefesa de seu patrimônioJosé Ricardo Britto Seixas Pereira JúniorAdvogado da União em Sergipe (PU-SE). Coordenador da Escola da AGU em Sergipe.Especialista em Direito Constitucional (UNIT).

Resumo: O presente trabalho discorre sobre a aplicabilidade do CDC àspessoas jurídicas de direito público na qualidade de consumidores,sugerindo os dispositivos aplicáveis e seus benefícios ao erário.

Palavras-chave: Código de Defesa do Consumidor. Poder público.Aplicabilidade.

Sumário: 1 Introdução - 2 Aplicabilidade do CDC aos entes públicos -2.1 O dano moral às pessoas jurídicas de direito público - 2.2 A inversãodo ônus da prova - 3 Conclusão - Referências

1 IntroduçãoA proteção do consumidor é um desafio hodierno e representa

um dos temas mais atuais do direito. Em uma sociedade de consumoa posição do consumidor é de total subserviência aos fornecedores e asmesmas mazelas que afligem os particulares também vêm ocorrendocom o Poder Público quando este não encontra refúgio nas regras pro-tetoras do direito administrativo.

Ao seu passo, a Advocacia Pública, inebriada pela influência dodireito administrativo e pelas prerrogativas conferidas ao Poder Públicotem deixado de aplicar as regras de direito privado outorgadas peloCódigo de Defesa do Consumidor — CDC, Lei nº 8.078 de 11 de setem-bro de 1990 —, prejudicando a defesa judicial dos entes administrativose deixando de prever em seus atos e contratos administrativos as regrasde proteção conferidas pela legislação consumeirista.

O presente trabalho afirma a aplicabilidade das normas do Códigode Defesa do Consumidor às pessoas jurídicas de direito público, suasimplicações a exemplo da indenização por dano moral aos entes públicos,inversão do ônus da prova em favor do ente estatal e medidas que devemser adotadas pela Advocacia Pública para uma melhor defesa do erário.

2 Aplicabilidade do CDC aos entes públicosDe plano deve ser destacado o caráter multidisciplinar da legislação

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214 José Ricardo Britto Seixas Pereira Júnior

consumeirista de modo a viabilizar a sua aplicação no âmbito do direitopúblico.

É o que explica o eminente professor José Geraldo Brito Filomeno1

(1999, p. 19-20), um dos autores do anteprojeto do Código de Defesado Consumidor em seus comentários sobre a Lei nº 8.078/1990:

Pelo que se pode observar trata-se de uma lei de cunho inter e multidisciplinar,além de ter o caráter de um verdadeiro microssistema jurídico.

Ou seja: ao lado de princípios que lhe são próprios no âmbito da chamadaciência consumeirista, Código Brasileiro do Consumidor relaciona-se com outrosramos do direito, ao mesmo tempo em que atualiza e dá nova roupagem aantigos institutos jurídicos.

Por outro lado, reveste-se de caráter multidisciplinar, eis que cuida de questõesque se acham inseridas nos Direito Constitucional, Civil, Penal, Processuais Civile Penal, Administrativo, mas sempre tendo por pedra de toque a vulnerabilidadedo consumidor frente ao fornecedor, e sua condição de destinatário final deprodutos e serviços.

Firmado o caráter inter e multidisciplinar do Código de Defesado Consumidor brasileiro, vislumbra-se que o conceito de consumidorprevisto no art. 2º da Lei nº 8.078/1990 foi exclusivamente econômico.

Estabelece o art. 2º: “Consumidor é toda pessoa jurídica queadquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”.

Na lição do professor Otho Sidou:2

Consumidor é qualquer pessoa, natural ou jurídica, que contrata, para utilização,a aquisição de mercadoria ou a prestação de serviço, independentemente domodo de manifestação de vontade, isto é, sem forma especial, salvo quandoa lei exigir.

Deste modo, o traço marcante da legislação consumeirista estariana vulnerabilidade do consumidor, ou seja, sua hipossuficiência, hajavista que este não tem o controle da produção dos bens de consumo ouda prestação dos serviços que lhe são fornecidos, estando submetidode fato ao poder econômico, logístico e intelectual dos fornecedores.

Assim, naqueles casos em que a pessoa jurídica, mesmo a de direitopúblico, se encontre em uma situação de desvantagem ilegítima peranteo fornecedor seriam aplicáveis as regras da Lei nº 8.078/1990.

1 FILOMENO, José Geraldo Brito. In: Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autoresdo anteprojeto, fls. 19-20.

2 Proteção do consumidor, p. 2.

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215O poder público como consumidor na defesa de seu patrimônio

Portanto, este trabalho se alinha ao entendimento maximalistatraduzido na lição de Claúdia Lima Marques3 de que:

(...) o CDC seria um código geral sobre o consumo, um código para a sociedadede consumo, o qual institui normas e princípios para todos os agentes do mercado,os quais podem assumir os papéis ora de fornecedores, ora de consumidores. Adefinição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensivamente possível, segundoesta corrente, para que as normas do CDC possam ser aplicadas a um númerocada vez maior de relações de mercado.

Assim, a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importandose a pessoa jurídica de direito público está cumprindo a sua funçãoinstitucional. Destinatário final é o destinatário fático do produto, aqueleque o retira do mercado ou que o utiliza, o consome; por exemplo: ocarro adquirido para transportar o Presidente da República, o cartuchoda impressora da repartição ou a merenda dos alunos da escola.

É fato que o Poder Público, mesmo na condição de consumidor,tem a sua disposição uma série de prerrogativas que na maioria dasvezes o coloca em uma condição de supremacia perante os fornecedoresde produtos e serviços. Neste sentido, a supremacia do interesse públicorepresenta condição, até mesmo, de sobrevivência e asseguramentodos administrados.

Contudo, esta posição de supremacia, em verdade, deixa de sesustentar em todos os casos, o que nos remete à legislação consumeirista.Há casos em que as grandes corporações, empresas multinacionais,qualificadas pelo Código de Defesa do Consumidor como fornecedores,têm uma posição de supremacia fática em relação às pessoas jurídicasde direito público, em especial, aos pequenos Municípios, colocando oerário em uma posição hipossuficiente.

Desta situação decorrem duas hipóteses de aplicação da legislaçãoconsumeirista.

Para os casos em que o próprio direito administrativo reconheceque a Administração Pública firmou contratos regulados pelo direitoprivado, situando-se no mesmo plano jurídico da outra parte, podendoser colocada em uma situação fática de desigualdade, de hipossuficiência,são plenamente aplicáveis as normas do CDC, haja vista a não utilizaçãopelo Poder Público de suas prerrogativas.

3 In: Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais, p. 67-69.

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216 José Ricardo Britto Seixas Pereira Júnior

Em outra vertente, a legislação consumeirista também seriaaplicável aos contratos administrativos, eminentemente públicos, sóque de forma supletiva, nos termos do art. 54 da Lei nº 8.666/1993, queestabelece o seguinte:

Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulam-se pelascláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente,os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado.

Assim, naqueles casos em que as prerrogativas conferidas à Admi-nistração Pública não socorrerem de modo satisfatório o ente público,este poderia recorrer às regras protetoras do Código de Defesa doConsumidor.

Firmada a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor atodos os contratos firmados pela Administração Pública, é de se ressal-tar que o traço distintivo entre os contratos administrativos e os contratosde direito privado não está no aspecto subjetivo, haja vista que aadministração pública está presente em ambos, tampouco no objetivocontratual, em virtude da finalidade pública de todo contrato firmadopelo Poder Público. O traço distintivo de ambos está ligado ao regimejurídico adotado: Público ou Privado, ou seja: o Poder Público em atosde império ou atos de gestão.

E quais seriam essas regras consumeiristas aplicáveis ao PoderPúblico?

Em regra geral descartam-se as regras protetivas referentes a con-tratação ou a propaganda, ou a oferta e a publicidade em virtude dasrestrições de contratação que o Poder Público tem, só podendo contratarmediante prévio procedimento licitatório, merecendo análise maisaprofundada as hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação.

No mesmo sentido, as normas referentes ao contrato de adesãoprevistas no CDC, em regra, não se aplicam, haja vista que o instrumentocontratual na maioria das vezes é fornecido pela própria AdministraçãoPública, havendo a ressalva daqueles contratos firmados com empresasprivadas, detentoras de monopólio, concessionárias de serviço público,cujo instrumento de contrato de prestação de serviços é regulamentadoe autorizado pelas Agências Reguladoras.

Assim, merece destaque a aplicabilidade total dos arts. 6º e 7º doCDC que tratam dos direitos básicos dos consumidores. No que tange

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217O poder público como consumidor na defesa de seu patrimônio

aos dispositivos aplicáveis, em parte ou de forma integral, citamos, entreoutros, as regras relativas ao dano moral e à inversão do ônus da prova,de forma a exemplificar a importância da aplicação do CDC em favordos entes públicos.

2.1 O dano moral às pessoas jurídicas de direito públicoO inciso VI do art. 6º do CDC, que se refere à reparação de danos

morais é totalmente aplicável ao Poder Público em virtude da normacontida nos incisos V e X, do art. 5º da Constituição Federal.

Do mesmo modo que a doutrina afirma que a Pessoa Jurídicapode sofrer danos morais, não se pode negar o direito de reparação pordanos morais à Pessoa Jurídica de Direito Público.

As pessoas jurídicas possuem um conceito social baseado em valoresestabelecidos pela própria sociedade, como, por exemplo, a respeita-bilidade, a confiança, a reputação, a honra, e até mesmo a afetividadeque as pessoas mantêm em relação a elas, contudo não há como negarque qualquer ataque a esse patrimônio ideal, por maior que seja esseataque, não tem o poder de produzir dor psíquica, pois falta à pessoajurídica vida orgânica. Nenhuma pessoa jurídica é um ente biológico,mas um sistema organizacional criado pelo próprio homem em sociedade.

Assim, põe-se uma situação aparentemente sem saída: por umlado, não podemos negar que a pessoa jurídica possui valores moraisque devem ser tutelados pelo direito, mas, de outro lado, ficamos sempossibilidade de aplicação da indenização por danos morais ao ofensor,uma vez que esse tipo de indenização tem um objetivo muito restrito,que é mitigar e compensar a dor, e a dor não pode ser sentida pelapessoa jurídica pela ausência de um substrato biológico.

A tese do dano patrimonial indireto, não protege a pessoa jurídicade direito público por não ter fins lucrativos, possuindo tal indenizaçãoa natureza jurídica de pena civil. Assim, o dano moral à pessoa jurídicanão é uma indenização compensatória, mas, sim, uma pena civil.

Tal entendimento já vem sendo utilizado na Procuradoria da Uniãono Estado de Sergipe em causas em que empresas de telefonia incluíramo CNPJ da União em entidade de proteção de crédito indevidamente.

2.2 A inversão do ônus da provaTambém é plenamente aplicável o inciso VIII, do art. 6º do CDC.

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218 José Ricardo Britto Seixas Pereira Júnior

Partindo do pressuposto de que o Poder Público enquanto consu-midor também pode ser considerado hipossuficiente, tenta-se estabelecermecanismos que resguardem o patrimônio público de maus fornecedoresque prestam seus serviços ou vendem seus produtos aos órgãos estatais.

Explica Cecília Matos:4 “A inversão do ônus da prova é direito defacilitação de defesa e não pode ser determinada após o oferecimentoe valoração da prova, se e quando o julgador estiver em dúvida”.

Assim, naqueles casos em que pelas regras de experiência tal fatonão deveria ter ocorrido como ocorreu, é justo privilegiar a parte maisfraca de modo que o fornecedor prove que o produto ou serviço ofertadonão gerou tal fato.

A título exemplificativo, cita-se o caso da empresa fornecedorade lanche escolar. Se, por acaso, após consumirem o lanche fornecido,todas as crianças de uma escola de um pequeno Município são acome-tidas de uma intoxicação alimentar, presume-se que a causa foi o lanchefornecido. Caso o Município não tenha recursos, este ente poderiarequerer a utilização da regra da inversão do ônus da prova de modoque a empresa fornecedora provasse que o lanche não foi a causa de talintoxicação, desonerando, desta forma os cofres do pequeno Municípiode uma prova pericial complexa e custosa.

Outro exemplo clássico se refere aos equipamentos de tecnologia.Como compelir ao Poder Público, que não tem os conhecimentos neces-sários para a fabricação de determinado equipamento, a prova de queo defeito ocorreu por má fabricação? Se tal premissa fosse verdade,a Administração teria que dispor de um técnico especializado para cadaequipamento, ao passo que, aplicando-se a regra de inversão do ônusda prova prevista no CDC, a empresa fornecedora é obrigada a provarque a falha em seu equipamento não decorreu por má fabricação.

3 ConclusãoPor todo o exposto, percebe-se que o Código de Defesa do Con-

sumidor é aplicável favoravelmente para o Poder Público, notadamentenas hipóteses em que o Poder Público encontra-se em uma situaçãode hipossuficência.

4 O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. In: Contratos no Código de Defesa do Consumidor:o novo regime das relações contratuais, p. 129-130.

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219O poder público como consumidor na defesa de seu patrimônio

Sendo assim, a Advocacia Pública deve requerer a sua aplicaçãojudicialmente e exigir que conste expressamente menção a este dispo-sitivo nos editais de licitação e contratos administrativos sem que issosignifique abdicar das prerrogativas decorrentes da supremacia dointeresse público.

Referências

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CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. São Paulo: LumenJuris, 2005.

COELHO, Fábio Ulhôa. Comentários ao Código de proteção de defesa do consumidor. SãoPaulo: Saraiva, 2002.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Do direito privado na Administração Pública. São Paulo:Atlas.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Temas polêmicos sobre licitações e contratos. São Paulo:Malheiros.

FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de direitos do consumidor. 3. ed. São Paulo:Atlas, 1999.

GRINOVER, Ada Pelegrini; DE VASCONCELOS E BENJAMIM, Antonio Herman;FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; NERYJÚNIOR, Nelson; DENARI, Zelmo. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentadopelos autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.

LÔBO, Paulo Luiz Neto. Condições gerais dos contratos e cláusulas abusivas. São Paulo:Saraiva, 1991.

MARQUES, Claúdia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. São Paulo: Revistados Tribunais, 1992.

MATOS, Cecília. O ônus da prova no Código de Defesa do Consumidor. Dissertação(Mestrado) –Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo. In:MARQUES, Claúdia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. São Paulo: Revistados Tribunais, 1992.

SIDOU, Otho. Proteção do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1977.

TAVARES, Anna Rita. Desconsideração da pessoa jurídica em matéria licitatória. RTDP,25, 1999.

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Dos terrenos marginais da União:conceituação a partir da ConstituiçãoFederal de 1988Marcos Luiz da SilvaAdvogado da União. Professor Universitário.

Palavras-chave: União. Terrenos marginais. Bens públicos. ConstituiçãoFederal de 1988.

Sumário: Introdução - Bens públicos. Os terrenos marginais da União -Os terrenos marginais da União na legislação infraconstitucional - Aevolução constitucional da matéria - O conceito de terrenos marginaisapós a Constituição Federal de 1988 - Conclusões - Referências

IntroduçãoA questão da gestão dos bens públicos no Brasil se apresenta como

uma das mais complexas e de difícil solução, notadamente no que con-cerne à conservação e guarda desses bens, pois envolve o contato comuma vasta legislação administrativa e notarial, em alguns casos com textosde Lei que remetem ao período colonial da história do Brasil, tornandoo estudo do assunto tarefa às vezes inglória e extremamente dispendiosa,e ao mesmo tempo palpitante, diante do seu quase ineditismo na dou-trina nacional. Pertinente o excerto do poema de Fernando Pessoa,“navegar é preciso; viver não é preciso...”1

Diante de tais dificuldades, poucos autores têm se posto à dispo-sição de realizar estudos aprofundados sobre o tema, restando algunspoucos capítulos em Manuais de Direito Administrativo e alguns artigosesparsos em periódicos especializados. Poucas são as obras de tomo sobrea questão dos bens públicos, o que dificulta sobremaneira a atuação daAdministração Pública na gestão desses bens, assim como a própriaatuação do Poder Judiciário, dado o vazio doutrinário e jurisprudencialsobre a matéria.

Apesar de tais dificuldades, a incursão nessa seara do direito admi-nistrativo é tarefa que se impõe ao operador do direito, notadamenteàqueles que lidam, em seu dia-a-dia, com a problemática apresentada,

1 “Navigare necesse; vivere non est necesse” — latim, frase de Pompeu, general romano, 106-48 aC., ditaaos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra, cf. Plutarco, in Vida de Pompeu.

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222 Marcos Luiz da Silva

como os Procuradores e Advogados de entes públicos, os membros doMinistério Público e da Magistratura. Questões como a ocupação deterrenos de marinha, terrenos marginais da União, terras devolutas ediscriminação de terras públicas estão na pauta do dia e exigem doPoder Judiciário e dos administrativistas brasileiros que dêem uma prontaresposta a tais demandas, sob pena de vivermos sob um estado de totalincerteza e insegurança jurídica em relação aos bens públicos, gerandoproblemas de grave impacto social, especialmente no que concerne aouso dos bens públicos por particulares.

Em relação, especificamente, aos terrenos marginais da União, aquestão é ainda mais tortuosa, diante da existência de inúmeras normasque tratam da espécie, cabendo ao operador jurídico justapô-las, escoi-mando as antinomias e fixando-lhe a aplicabilidade. Apenas para exem-plificar, temos normas constitucionais, legais e regulamentos adminis-trativos regendo a matéria, em alguns casos, com normas absolutamentecolidentes, como é o caso dos conceitos de terrenos marginais e de riosfederais, que quase sempre trazem o elemento “navegabilidade” da viafluvial como essencial à definição daqueles imóveis.

A questão que pretendemos enfrentar neste artigo é exatamentea relacionada ao conceito jurídico de terrenos marginais da União, à luzdo artigo 20 da Constituição Federal. Inúmeros são os textos de lei quedefinem tais terrenos, os quais, contudo, podem não guardar correspon-dência com o atual texto constitucional, ou seja, podem não ter sidorecepcionados pela Constituição Federal de 1988, implicando grandeinsegurança jurídica, permitindo que tais bens possam ser ainda hojeusurpados sob o pálio de atos cartoriais e registros sem qualquer valorjurídico, o que tem sido comum nos rincões deste País.

Diante dessa problemática, tentaremos, neste breve estudo, teceralgumas considerações acerca do conceito normativo de “terrenos mar-ginais”, procurando, à luz do texto constitucional, responder às seguintesindagações: persiste o conceito tradicional de terrenos marginais daUnião, definido em textos precedentes ao atual texto constitucional,diante do texto do artigo 20, III, da Carta Constitucional? Ou, de outraparte, tais conceitos foram superados pelo texto constitucional, de modoque hoje teríamos noção jurídica distinta para os denominados “terrenosmarginais ou reservados” da União? Vejamos nas linhas seguintes.

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223Dos terrenos marginais da União: conceituação a partir da Constituição Federal de 1988

Bens públicos. Os terrenos marginais da UniãoSegundo o novo Código Civil, são públicos os bens “do domínio

nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno”(art. 98), de modo que todos aqueles bens, materiais ou imateriais, defi-nidos pelo ordenamento jurídico como sendo pertencentes às pessoasjurídicas de direito público, são considerados bens públicos.

Sob tal qualificação, institui ainda o Código Civil, em seu artigo99, as seguintes classes de bens: os de uso comum do povo, tais comorios, mares, estradas, ruas e praças; os de uso especial, tais como edifíciosou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administraçãofederal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas dedireito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada umadessas pessoas.

Dentre os bens de uso dominical, encontram-se os terrenos mar-ginais de rios federais, de propriedade da União, conforme definido noartigo 20, III, da Constituição Federal, in verbis:

III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio,ou que banhem mais de um Estado, ou sirvam de limites com outros países, ouse estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenosmarginais e as praias fluviais;

Classificá-los como “dominicais” não seria algo absoluto, pois seria perfeitamente possível a utilização de tais imóveis em condiçõesque os tornariam bens de outra ordem. Em alguns casos, poderíamosenquadrá-los como bens de uso especial, a exemplo de um imóvelutilizado para treinamento militar. Em outros, poderíamos tê-los comobens de uso comum, como o seria na hipótese de haver no imóvel umavia pública (avenida, rua, rodovia).

Os terrenos marginais seriam, portanto, os terrenos situados àsmargens dos rios federais, ou seja, dos rios situados em terrenos dedomínio da União, ou que banhem mais de um Estado, ou sirvam delimites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro oudele provenham.

A aparente simplicidade do conceito guarda, contudo, a própriaorigem do problema que trazemos à baila, decorrente do fato de nãoter a Constituição Federal definido, concretamente, o que seriam tais

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bens. O que a Constituição de 1988 determina é que tais terrenos,situados às margens de rios federais, são bens da União, não trazendoqualquer outro elemento que permita a perfeita identificação dessesimóveis. Seriam quinze metros da margem do rio federal? Ou 30 metros?Trata-se, obviamente, de conceito que necessita de complementação,ou seja, de expressão aberta, a qual depende de complementação norma-tiva para a perfeita conceituação e identificação dos terrenos de marinha.

Veremos, em seguida, se essa conceituação se encerra na legislaçãoatualmente em vigor, e quais seriam, portanto, os elementos do conceitode terrenos marginais ainda abrigados pela legislação em vigor à luzdo texto constitucional.

Os terrenos marginais da União na legislação infraconstitucionalSegundo a abalizada lição de Diogenes Gasparini, foi o art. 39

da Lei Imperial nº 1.507, de 26 de setembro de 1807, que estabeleceu,de forma inédita, a primeira noção de terrenos marginais no direitoadministrativo brasileiro.

Segundo o dispositivo legal,

fica reservada para a servidão pública nas margens dos rios navegáveis e de quese fazem os navegáveis, fora do alcance das marés, salvo as concessões legítimasfeitas até a data da publicação da presente lei, a zona de sete braças contadas doponto médio das enchentes ordinárias para o interior, e o governo autorizadopara concedê-las em lotes razoáveis na forma das disposições sobre os terrenosde marinha.2

Vê-se que, a princípio, os terrenos marginais eram consideradosmeras “servidões públicas”, e não bens pertencentes ao Estado.

Di Pietro nos trás a notícia de que o Decreto nº 4.105, de 22.02.1868, também tratou dessa servidão, no artigo 1º, parágrafo 2º, tendodefinido os terrenos marginais “como todos os que, banhados pela águasdos ditos rios, fora do alcance das marés, vão até a distância de setebraças craveiras (15,4 metros) para a parte da terra, contados desde oponto médio das enchentes ordinárias”.3

A autora nos informa ainda que o conceito atualmente em vigorseria o consagrado no artigo 14 do Código de Águas (Decreto nº 24.643,de 10.07.34), in verbis:

2 GASPARINI. Direito administrativo, p. 876.3 DI PIETRO. Direito administrativo, p. 674.

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terrenos reservados são os que, banhados pelas correntes navegáveis, fora doalcance das marés, vão até a distância de 15 metros para a parte da terra, contadosdesde o ponto médio das enchentes ordinárias.4

Sobre o que seria a LMEO, ou Linha Média das Enchentes Ordi-nárias, é ainda Di Pietro que nos dá a sua noção, ao esclarecer que “oponto médio das enchentes ordinárias foi o medido em 1831, conformecritério fixado pelo Decreto nº 4.105, de 1868”.5

Já o artigo 4º do Decreto-Lei nº 9.760, de 05 de setembro de1946, estabelece a seguinte definição de terrenos marginais:

Limitam-se, portanto, os terrenos marginais aos que, banhados pelas correntesnavegáveis, fora do alcance das marés, vão até a distância de 15 metros, medidoshorizontalmente para parte da terra, contados desde a linha média das enchentesordinárias.

Com efeito, à luz da legislação que tratava da espécie em períodoprecedente à Constituição de 1988, os terrenos marginais seriam aquelesque, concomitantemente: são banhados pelas correntes navegáveisfora do alcance das marés; vão até a distância de 15 metros, medidoshorizontalmente para parte da terra, contados desde a linha média dasenchentes ordinárias. A navegabilidade das correntes fluviais era,portanto, elemento fundamental do conceito de terrenos marginais, pelomenos até que a Constituição Federal de 1988 estabelecesse em seutexto uma nova definição de Rios Federais e de Terrenos Marginais(art. 20, III), modificando sensivelmente a noção anterior, constantedos diplomas infraconstitucionais acima indicados, conforme veremosno tópico seguinte.

A evolução constitucional da matériaA Constituição Federal de 1934 foi a primeira a dispor expressa-

mente acerca da titularidade da União em relação aos rios que banhemmais de um Estado, conforme consta do inciso II do artigo 20. Diziaainda, no artigo 21, que as margens dos rios e lagos navegáveis, desti-nadas ao uso público, se por algum título não forem de domínio federal,municipal ou particular, que seriam do domínio do Estado-membro,depreendendo-se de tal dispositivo que mesmo nos rios navegáveis, se

4 Ob. cit., p. 675.5 Idem.

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226 Marcos Luiz da Silva

havia título de domínio anterior, federal, estadual, municipal ou parti-cular, estes imóveis não seriam de propriedade do Estado-membro, esim do titular do domínio com registro.

Assim, os particulares que possuíam títulos de domínio de imóveissituados em terrenos marginais de rios federais eram seus legítimosproprietários.

A Constituição Federal de 1937 repetiu a redação anterior, man-tendo, no artigo 37, o domínio dos terrenos marginais em poder doEstado, excluindo-se, é claro, aqueles que já possuíam titular anterior.Ou seja, sem modificações em relação ao texto da Carta anterior.

A Constituição de 1946 trouxe significativa mudança na matéria,pois no artigo 34 manteve os rios que banhem mais de um Estado comobens da União, mas nada falou acerca dos terrenos marginais de riosfederais, estaduais ou municipais, deixando um vácuo em relação àmatéria, de tal forma que poderíamos concluir que quem possuíssetítulos de domínio da área seria o seu legítimo proprietário, e, nos trechosem que não houvesse proprietários, tais imóveis deveriam ser tratadosna condição de terras devolutas, ou seja, de propriedade dos Estados-membros.

A Constituição de 1967 repetiu o tratamento dado à matéria pelaConstituição de 46, falando tão-somente das térreas devolutas, parecendoquerer enquadrar os terrenos marginais sob tal regime, ou seja, seriambens do Estado caso não tivessem titulares com registro do imóvel.

A Carta outorgada em 69 não trouxe também mudanças signi-ficativas na matéria, tendo repetido, no artigo 4º, II, as mesmas dispo-sições das anteriores no que concerne aos Rios Federais. Com a EmendaConstitucional nº 16, de 1980, instituiu alteração no artigo 5º da Cons-tituição em vigor para incluir, entre os bens dos Estados e Territórios,terras devolutas não compreendidas dentre os bens da União, não tendofalado também em terrenos marginais.

Por fim, a Constituição de 1988, a qual em seu artigo 20, III, deforma inédita, trouxe a menção expressa aos terrenos marginais logoem seguida à enunciação das águas de propriedade da União, incluindoem tal titularidade as correntes de água em terrenos do seu domínio,ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países,ou se estendam ao território estrangeiro ou dele provenham, de forma

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227Dos terrenos marginais da União: conceituação a partir da Constituição Federal de 1988

que somente os terrenos situados nas margens dessas correntes de águaseriam da União.

O dispositivo deixa claro que seriam rios federais os enquadradosnos critérios do dispositivo, sendo navegáveis ou não, pois fala em“correntes de água”, de modo que mesmo os terrenos situados nasmargens de correntes não navegáveis parecem estar incluídos dentre osbens da União.

Utilizando-se uma interpretação lógica, concluímos que não seriapossível a existência de terrenos marginais de rios federais que nãofossem terrenos reservados, na medida em que agora toda e qualquercorrente de água que se enquadre nos requisitos do inciso III é consi-derada federal.

Ora, seria um contra-senso imaginarmos que a mens legis dodispositivo seria atribuir à União apenas os terrenos marginais situadasem correntes de água do seu domínio que fossem navegáveis, e ao mes-mo tempo incluir em seu patrimônio todas as correntes d’água quebanhem mais de um Estado da federação. Entender dessa forma serianegar eficácia ao texto constitucional, o que certamente não se coadu-naria com a sua dimensão político-institucional, e com a sua condiçãode norma fundante do Estado Brasileiro.

Seria negar a força normativa da Constituição, na acepção deKonrad Hesse, para quem “essa negação do direito constitucional impor-ta na negação do seu valor enquanto ciência jurídica”.6

José Afonso da Silva qualifica tais normas como normas consti-tucionais “orgânicas”, imprimindo-lhes a condição de eficácia plena e aaplicabilidade imediata. Vejamos a lição do grande constitucionalista:

Precisamente porque essas normas constitucionais procuram exprimir a partesubstancial daquilo que se costuma denominar de constituição material, hãoque ditar preceitos desde logo incidentes sobre o assunto de que cogitam, sobpena de abrirem oportunidades a conflitos constitucionais insolúveis.7

É de se concluir, portanto, que a determinação constitucionalacerca de quais bens compõem o patrimônio dos entes públicos deveser aplicada de imediato, e alcança todo e qualquer bem indicado notexto constitucional, tornando, portanto, sem eficácia eventuais títulos

6 HESSE. A força normativa da Constituição (Die normative Kraft der Verfassung), p. 11.7 SILVA. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 184.

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de domínio existentes e fundados em atos normativos anteriores à suapromulgação e que com ela não guardem a necessária compatibilidade.

Esse é também o caso dos terrenos reservados, cuja delimitação ereconhecimento têm natureza eminentemente “declaratória”, por-quanto, segundo o texto constitucional, tais bens já eram do domínioda União desde a promulgação do seu texto, de forma que cabe aoPoder Público, tão-somente, arrecadar tais bens, separando-os, segundoo procedimento administrativo aplicável à espécie, do domínio privado.

O conceito de terrenos marginais após a Constituição Federal de1988

Com efeito, o artigo 20, III, da Constituição Federal, estabelece“os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio,ou que banhem mais de um Estado, ou sirvam de limites com outrospaíses, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bemcomo os terrenos marginais e as praias fluviais”.

Diante da clareza cristalina do texto constitucional, constata-seque tais correntes d’água não precisam ser navegáveis para integraremo patrimônio da União, tampouco para a caracterização do institutodenominado “terrenos reservados”, cuja menção no texto constitucionalse dá em momento imediatamente posterior à definição das águas dodomínio federal.

Ora, a pergunta que se faz é a seguinte: se os terrenos marginaisda União sempre foram definidos como aqueles situados às margens decorrentes de água navegáveis, porque o texto constitucional não elen-cou explicitamente tal requisito para caracterizá-los? Poderia tê-lo feito,dado que tradicionalmente o conceito legal sempre observou tal exi-gência. Contudo, preferiu o legislador constituinte incluir os terrenosmarginais em disposição do inciso III do artigo 20 em seqüência à defi-nição das águas públicas federais, de modo que, implicitamente, pareceter inadmitido a exigência de “navegabilidade”, prevista no Código deÁguas e no artigo 4º do Decreto-Lei nº 9.760, de 05 de setembro de1946, como elemento substancial da noção jurídica de rios federais.

Em suma: se seriam rios federais toda e qualquer corrente quebanhe mais de um País, ou se estendam a países vizinhos, ou que delesprovenham, ou banhem mais de um Estado, é plenamente defensável e

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229Dos terrenos marginais da União: conceituação a partir da Constituição Federal de 1988

lógico que também o seriam os terrenos que lhes margeiam, os quaistambém estariam afetados pelo regime jurídico dos bens públicosfederais, e, portanto, submetidos a um regime jurídico específico edistinto do regime jurídico do Código Civil.

Não há, pois, margem para polemizar quanto à titularidade deterrenos marginais situados às margens de rios federais, dado se tratarde um conceito fechado, e constante do próprio texto constitucional. Oque ocorre é que neste caso o conceito de rios federais não carece dequalquer complementação normativa, na medida em que o seu conceitose exaure no próprio texto constitucional, sendo mínima, para não dizerinexistente, a margem de “fluibilidade” dos termos e locuções utilizadaspelo legislador constituinte para definir tal modalidade de bens.

Há alguma dúvida de que o rio que banhe mais de um Estado sejafederal? Ou o que se estenda a outro país também o seja? Nenhuma.Depreende-se do texto constitucional que razões de ordem política orien-taram o legislador constitucional na adoção de tal conceito, entre asquais poderíamos elencar a segurança do Estado, a necessidade de defesadas fronteiras, o valor estratégico de tais vias fluviais, e a necessidade demanutenção da ordem nacional, com a preservação dos interesses dafederação brasileira, que seriam fatalmente atingidos se admitíssemosque tais vias fluviais fossem de propriedade de cada ente federativo oude particulares.

E do ponto de vista prático outra não poderia ser a conclusão.Seria um absurdo entender que a União detém a titularidade do leito deum determinado rio, o qual poderá ser afetado pelo uso que é dado aosterrenos que lhe margeiam, afetando-lhe sua destinação e a sua perenidadee existência, e, ao mesmo tempo, não ter o domínio de tais bens.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto anota, em seu Curso de direitoadministrativo, que “ocorreu, portanto, com o Advento da nova Carta,uma expropriação constitucional de natureza confiscatória, semelhanteà que recaiu sobre as ilhas oceânicas com a Constituição de 1967, delanão decorrendo, todavia, qualquer indenização aos ex-proprietários,salvo a das benfeitorias realizadas com a aquiescência da União”.8

Esse é também o entendimento de Diogenes Gasparini, quandoleciona, em seu manual de direito administrativo, que as margens dos

8 MOREIRA NETO. Curso de direito administrativo: parte introdutória, parte geral e parte especial, p. 358.

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rios federais são, “induvidosamente, da União, conforme deixa claro oart. 20, III, da Constituição Federal”.9

Trata-se, obviamente, de propriedade originária da União, demodo que descabe falar em sucessão ou em transferência de propriedade,cabendo à União reivindicar a titularidade do imóvel em face de quemquer que o detenha, seja a que título for, dada a presunção jure et de jurede propriedade do bem imóvel pelo Poder Público, o que não exclui,por óbvio, o devido processo legal nas ações de demarcação e inscriçãodesses bens imóveis.

Observa-se, nesse caso, que a titularidade do imóvel pela Uniãose dá em face de determinação constitucional, de modo que o ato dedemarcação da área do Poder Público é meramente declaratório da pro-priedade, conforme já dito alhures, e independe de qualquer ato pos-terior para constituir-se validamente. O registro em cartório teria o condãode dar a devida publicidade ao título da União, com o fito de evitar quenegócios jurídicos sejam entabulados tendo como objeto tais imóveis, e,por conseguinte, pessoas de boa-fé sejam prejudicas em tais transações.

Nesse sentido, calha à fiveleta a decisão do Egrégio SuperiorTribunal de Justiça no bojo do Recurso Especial nº 624746/RS, que tratada demarcação de terrenos de marinha, mas que se aplica, mutatismutandis, no aspecto dos efeitos jurídicos da demarcação, também aosterrenos marginais. Vejamos a ementa:

ADMINISTRATIVO – TERRENOS DE MARINHA E ACRESCIDOS – ÁREA DOANTIGO “BRAÇO MORTO” DO RIO TRAMANDAÍ – IMÓVEIS DEPROPRIEDADE DA UNIÃO AFORADOS POR MUNICÍPIO A PARTICULARES– DECRETO-LEI 9.760/46 – EFEITOS DO PROCEDIMENTO DE DEMAR-CAÇÃO SOBRE TÍTULOS DE PROPRIEDADE E DE AFORAMENTOREGISTRADOS – TAXA DE OCUPAÇÃO – MEDIDA CAUTELAR.

1. Aplicação parcial da Súmula 283/STF porque inatacado o fundamento doacórdão recorrido no sentido de que a impugnação ao procedimento dedemarcação, inclusive quanto à delimitação da posição da linha da preamar de1831, encontra-se acobertado pela prescrição.

2. Impossibilidade de reexame do contexto fático-probatório referente à assertivade estarem os imóveis localizados dentro das áreas de propriedade da União,por força da Súmula 7/STJ.

3. Deficiente a fundamentação do recurso especial na parte em que suscita víciode julgamento no acórdão de origem, tendo aplicabilidade o teor da Súmula284/STF.

9 Ob. cit., p. 877.

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231Dos terrenos marginais da União: conceituação a partir da Constituição Federal de 1988

4. Conflito aparente entre as normas do Decreto-lei 9.760/46, do Código CivilBrasileiro de 1916 e da Lei de Registros Públicos (Lei 6.015/73) que se resolvepela aplicação da regra do art. 2º, §2º, da LICC.

5. Os terrenos de marinha, cuja origem que remonta à época do Brasil-Colônia,são bens públicos dominicais de propriedade da União e estão previstos noDecreto-lei 9.760/46.

6. O procedimento de demarcação dos terrenos de marinha produz efeitomeramente declaratório da propriedade da União sobre as áreas demarcadas.

7. Em relação ao direito de propriedade, tanto o Código Civil Brasileiro de1916 como o novo Código de 2002 adotaram o sistema da presunção relativa(juris tantum) relativamente ao domínio, admitindo prova em contrário.

8. Não tem validade qualquer título de propriedade outorgado a particular debem imóvel situado em área considerada como terreno de marinha ou acrescido.

9. Desnecessidade de ajuizamento de ação própria, pela União, para a anulaçãodos registros de propriedade dos ocupantes de terrenos de marinha, em razãode o procedimento administrativo de demarcação gozar dos atributos comuns atodos os atos administrativos: presunção de legitimidade, imperatividade,exigibilidade e executoriedade.

10. A presunção de legitimidade do ato administrativo incumbe ao ocupante oônus da prova de que o imóvel não se situa em área de terreno de marinha.

11. Legitimidade da cobrança de taxa de ocupação pela União mesmo em relaçãoaos ocupantes sem título por ela outorgado.

12. Ausência de fummus boni juris.

13. Recurso especial parcialmente conhecido e, no mérito, improvido.10

Observe-se que o procedimento administrativo de demarcação,nesses casos, independe de qualquer providência judicial do ente públicono sentido de declarar-se a titularidade dos bens em favor da União,porquanto basta a tanto o próprio procedimento administrativo, faceaos seus atributos e aos efeitos que lhe são impingidos pelo ordenamentojurídico do País.

ConclusõesÉ de se concluir, por conseguinte, que houve significativa mudança

no conceito de terrenos marginais de rios federais, notadamente apartir da promulgação da Constituição de 1988, que trouxe, em seuartigo 20, inciso III, conceito absolutamente claro e preciso de rio fede-ral, descabendo qualquer complementação normativa do conceito aliestabelecido.

10 Resp nº 624746/RS, Relatora Ministra Eliana Calmon. Data do Julgamento: 15.09.2005. Data daPublicação/Fonte DJ, 03.10.2005, p. 180.

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232 Marcos Luiz da Silva

Conclui-se ainda que o requisito da “navegabilidade”, constantedo Código de Águas, e do Decreto-Lei nº 9.760, de 05 de setembro de1946, não mais integra o conceito de rio federal, de modo que basta àsua definição a idéia de alcance geográfico da corrente de água.

Seriam, portanto, rios federais todos aqueles que banhem maisde um Estado, ou que sirvam como limites entre Estados, assim comoaquelas vias fluviais que se estendam a outros Países, deles provenham,ou sirvam como fronteiras entre o Brasil e outro Estado.

Conclui-se ainda que seriam terrenos marginais todos os terrenossituados a 15 (quinze) metros da Linha Média das Enchentes Ordiná-rias de Rios Federais, definidos no artigo 20, inciso III, da ConstituiçãoFederal.

Conclui-se, por fim, que o ato homologatório de demarcação dosterrenos marginais é meramente declaratório, sendo dispensável o re-gistro em cartório para fins de validade jurídica e de exercício do domíniopleno da União sob tais imóveis.

Referências

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006.

GASPARINI, Diogenes. Direito administrativo. 11. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva,2006.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição (Die normative Kraft der Verfassung).Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1991.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parteintrodutória, parte geral e parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de direito administrativo: parteintrodutória, parte geral e parte especial. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 7. ed. São Paulo:Malheiros, 2007.

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233Parecer sobre ressarcimento ao erário dos valores referentes a aluguéis

Parecer sobre ressarcimento ao eráriodos valores referentes a aluguéisLuciano Medeiros de Andrade BicalhoAdvogado da União.

Parecer nº 872/2007Interessado: Superintendência Federal de Agricultura em Minas GeraisDoc. analisados: 01 a 57Processo nº 21028.001565.2006.70Assunto: Solicitação da Gerência Regional do Patrimônio da União emMinas Gerais de ressarcimento ao erário dos valores referentes aosaluguéis do PNR nº 21, antigo PN: 01, localizado na Alameda do Café100, Varginha/MG, ocupado pelo servidor Geraldo de Paula XavierEmenta: Atos da Administração – Ocupação de Imóvel Funcional –Regularização - Não Pagamento de Taxas – Ressarcimento ao erário.Descabimento. Descumprimento do dever de vigilância – Apuração deresponsabilidades

Sumário: I Relatório - II Da residência de servidor federal em imóvelda União - III Do pagamento - IV Da apuração de responsabilidades -V Da ausência de página do processo - VI Conclusão

I Relatório1 Submete-se a este Núcleo de Assessoramento Jurídico, para

reexame e parecer, nos termos do art. 1º, parágrafo único da Lei Com-plementar nº 73/93, processo administrativo, cujo objeto consiste naregularização de ocupação de próprio nacional nº 21, antigo PN: 01,sito a Alameda do Café, nº 1000, bairro Jardim Andere, na cidade deVarginha/MG, ocupado pelo servidor Geraldo de Paula Xavier, no perío-do de 17.04.1995 a 30.11.2006, no valor de R$51.737,68 (cinquenta eum mil, setecentos e trinta e sete reais e sessenta e oito centavos), con-forme demonstrativo de débito de fls. 36/39.

2 O processo foi anteriormente analisado pelo Núcleo de Assesso-ramento Jurídico em Belo Horizonte/MG que entendeu impossível aanálise exauriente do processo, antes de respondidas as seguintesquestões:

“a) Quando o imóvel foi transferido (pela Gerência Regional doPatrimônio da União em Minas Gerais) para a administraçãodo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento? Foi

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234 Luciano Medeiros de Andrade Bicalho

realizado termo de entrega do imóvel? Se a resposta for afirma-tiva, necessário juntá-lo aos autos.

b) Quando da transferência do imóvel para o domínio da União(art. 12 da Lei nº 8.029, de 12 de abril de 1990), foi realizadavistoria no imóvel pela Gerência Regional do Patrimônio daUnião? Em caso afirmativo, porque não foi notificada aexistência de servidor ocupando o imóvel?

c) A cessão do imóvel para o servidor (termo de ocupação provi-sória de fls. 13/16) foi realizada através da interveniência daGerência Regional do Patrimônio da União em Minas Gerais?Por que o termo foi assinado pelo titular da Divisão TécnicaOperacional em Minas Gerais do Departamento de Abasteci-mento e Preços e não pelo Procurador-chefe da Fazenda Nacio-nal no Estado (art. 14, V do Decreto-lei nº 147/67), uma vezque o imóvel era de propriedade da União? Qual a data efetivade formalização do termo (o termo não está datado)?

d) Quando da transferência do imóvel para o Ministério da Indús-tria, do Comércio e do Turismo (art. 1, III do Decreto nº 943/93), por que não foi notificado o servidor para pagar aluguelou desocupar o imóvel? Havia norma específica que autorizassea locação gratuita?

e) No documento de fls. 11/12, o servidor ocupante do imóvelalega que o responsável pelos imóveis da SuperintendênciaFederal de Agricultura em Minas Gerais, Sr. Jaceguai SantosCobra, fez algumas vistorias nas unidades de Varginha/MGe jamais comunicou o ocupante da obrigatoriedade de pagaraluguel. Impende questionar se o servidor Jaceguai SantosCobra notificou a autoridade superior quanto ao fato de que oimóvel estava ocupado por servidor do depósito. Em caso nega-tivo, porque não o fez?

f) O servidor continuou exercendo atividades que justificassem anecessidade de sua permanência no imóvel?”

3 Em resposta aos questionamentos do Núcleo de AssessoramentoJurídico, foram juntados aos autos os documentos de fls. 47 a 57.

II Da residência de servidor federal em imóvel da União4 A administração patrimonial da União é competência do

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235Parecer sobre ressarcimento ao erário dos valores referentes a aluguéis

Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (art. 27, XVII, j, daLei nº 10.683/03), que, através da Secretaria do Patrimônio da União,administra os imóveis residenciais de propriedade da União destinadosà utilização pelos agentes políticos e servidores federais (art. 38, III e Vdo Decreto nº 6.139/07). A administração do imóvel afetado a determi-nado serviço público será realizada, por sua vez, pelo órgão que tenha oimóvel a seu cargo, enquanto durar a aplicação (art. 77 do Decreto-leinº 9.790/46).

5 Havendo conveniência para o serviço público, o órgão interes-sado poderá, mediante justificativa expressa, solicitar à Secretaria doPatrimônio da União a locação de próprio nacional para moradia deservidor (art. 92 do Decreto-lei nº 9.760/46). Nesta hipótese, a locaçãoserá realizada sem licitação e o locatário deverá pagar aluguel corres-pondente à parte utilizada do imóvel (art. 92, parágrafo único doDecreto-lei nº 9.760/46).

6 É isento de pagamento da taxa de ocupação o servidor queocupar o imóvel no intuito de vigiá-lo.

7 A residência obrigatória caracteriza-se, desta forma, pela naturezaou peculiaridade do trabalho, quando indispensável, por necessidadede vigilância ou assistência constante, a residência de servidor públicoem imóvel de domínio da União (item 3.1. da ON GEAPN/SPU/MPOGnº 03/01). Havendo vigilância contratada 24 (vinte e quatro) horas,portanto, não há necessidade de moradia do servidor para efetuar avigilância e guarda do bem.

8 A competência para a lavratura do contrato de locação (ou termode ocupação) é da Gerência Regional do Patrimônio em Minas Gerais,devendo o processo seguir os trâmites previstos na ON GEAPN/SPU/MPOG nº 03/01.

9 A competência para representar a União no ato é do Procurador-Chefe da Fazenda Nacional no Estado, ou de Procurador da FazendaNacional por aquele designado (art. 14, V, do Decreto-Lei nº 147/67).

10 Portanto, o termo de ocupação provisória celebrado entre aUnião e o servidor Geraldo de Paula Xavier é inválido, pelos seguintesvícios, abaixo:

a) por incompetência do órgão (Departamento de Abastecimentoe Preços), uma vez que a competência é privativa da Secretariado Patrimônio da União,

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236 Luciano Medeiros de Andrade Bicalho

b) por incompetência do representante da União no ato (titularda DITOP/DAP, sr. Antônio Ernesto Coelho);

c) por inexistência do motivo que serviu de fundamento de fatopara a prática do ato, vez que não havia necessidade de vigiaconstante, pois que o imóvel possuía vigilância armada con-tratada 24 (vinte e quatro) horas.

III Do pagamento11 A devolução de valores indevidamente percebidos pelos ser-

vidores é regulada pelo Parecer AGU/GQ-161, de 01.09.98, aprovadopelo Exmo. Sr. Presidente da República e que, portanto, “vincula a Admi-nistração Federal, cujos órgãos e entidades ficam obrigados a lhe darfiel cumprimento” (art. 40, §1º, da LC nº 73/93).

12 Conforme disposto no Parecer, a restituição da quantia inde-vidamente recebida pelo servidor somente será dispensada quandocumulativamente houver: a) a efetiva prestação de serviço; b) a boa-féno recebimento da vantagem; c) a errônea interpretação da lei; e, d) amudança de orientação jurídica.

13 Transcreve-se o parecer:

“II - A ORIENTAÇÃO OBSERVADA PELA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO

9. A antiga Consultoria-Geral da República, sucedida por esta Instituição, teve,por diversas vezes, oportunidade de manifestar-se sobre a questão da obriga-toriedade ou não da reposição de quantia indevida paga a servidores, em virtudede errônea ou má interpretação da lei pela Administração. Em 1955, o eminenteConsultor-Geral da República Themístocles Brandão Cavalcanti, já dizia:

“20. Quanto a esses efeitos, isto é, quanto à reposição das vantagens recebidasem conseqüência da interpretação errônea dada à lei, parece-me que ela nãose justifica, de momento que se incorporaram ao patrimônio dos beneficiários,que apenas se beneficiaram com o erro da Administração, de acordo cominterpretação dada através de decreto executivo.

Houve boa-fé presumida; não se trata, portanto de restituição do indébito, demomento que foi aplicado o decreto vigente ao tempo do pagamento”. (Parecern° X-29, D.O. 17/6/55, p. 11.894; destaquei).

10. Seguindo a esteira desse mesmo entendimento sucederam-se:

a) Parecer Z-260/57, da lavra do Dr. A. Gonçalves de Oliveira; D.O. 21/5/57, p.12.852 (acumulação remunerada, desnecessidade de restituição dos vencimentospercebidos de boa fé);

b) Parecer H-180/65, da lavra do Dr. Adroaldo Mesquita da Costa; D.O. 27/5/65, p. 5.054 (importâncias pagas a maior - salário família. Percebidas de boa fé,não cabe a obrigação de restituir);

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237Parecer sobre ressarcimento ao erário dos valores referentes a aluguéis

c) Parecer SR-18/86, da lavra do Dr. Saulo Ramos; D.O. 24/12/86, p. 19.760(pagamento de 13º salário a servidores celetistas em serviço no exterior. Errôneainterpretação da lei por parte da Administração. Desnecessidade de restituição);

d)Parecer SR-38/87, da lavra do Dr. Saulo Ramos; D.O. 30/10/87, p. 17.950(Reposicionamento. Errônea interpretação da lei não justifica a reposição porparte de quem recebeu de boa fé a vantagem, mais tarde, considerada indevida);

e) Despacho SR-6, da lavra do Dr. Saulo Ramos; D.O. 18/8/88, p. 15.650.(Reposicionamento desfeito. Desconstituído o ato, não cabe a restituição dasquantias recebidas de boa-fé, em virtude de errônea interpretação da lei pelaAdministração).

11. Já na vigência da Lei n° 8.112, de 1990, a Advocacia-Geral da União, mantendoa mesma orientação, pronunciou-se sobre o assunto no Parecer GQ- 114/97, dalavra do Dr. Geraldo Quintão (D.O. 26/11/96, p. 24.876/24.880), quando seexaminou a questão relativa ao valor das diárias percebidas a maior, de boa-fé,por alguns servidores em estágio na Escola Superior de Guerra, em virtude deerrônea interpretação da lei. Concluiu-se pelo não cabimento da restituição.

12. Não creio mereça reparos a orientação que vem sendo observada. A redação dosdispositivos das duas leis é equivalente. Como o art. 125 da Lei nº 1.711, de1952, os art. 46 e 47 determinam a forma pela qual as reposições e indenizaçõesà Fazenda Pública são descontadas da remuneração do servidor. Não dizemquando, em que hipóteses, deve haver a reposição ou a indenização. A matéria éregulada pelo Direito civil: quem recebe o que não lhe é devido, fica obrigado àrestituição (CC, art. 964); quem causa danos, deve indenizar (CC, art. 159). Se setrata, verdadeiramente, de hipótese de recebimento indevido (reposição) ou de danos areparar (indenização) é questão a ser decidida caso a caso. Aliás, isto ficou bem patente,não só no Parecer X-29 (item 9 supra), como, também, no Despacho n° 6, de1988, que aprovou o Parecer CGR/CR n° SA-21/88, de cujo texto destaco:

“O servidor público que, de presumida boa-fé, venha a receber alguma vantagem financeira,em decorrência de errada interpretação ou aplicação de norma legal, por parte daAdministração, sem ter influenciado ou interferido na sua concessão, independente de havê-la pleiteado ou não, jamais poderá vir a ser compelido, depois, a devolver aquelasimportâncias, tidas por indevidamente pagas, porquanto descaracterizada a figura doindébito, em tais casos, nos quais o ato respectivo, embora vitimado de vício insanável,mesmo insuscetível de gerar direitos, goza de presunção de legalidade, até advir-lhe anulificação, declarada pela autoridade, para tanto competente.

Isto é intuitivo e de inteira justiça.

Não se pode pretender penalizar o servidor, com o ônus da reposição, do que recebeu amaior indevido, depois de incorporado ao seu patrimônio, se ele não concorreu, direta ouindiretamente, para o erro administrativo, do qual foi beneficiado, ainda que isto assimo desejasse.”

13. Do racíocínio lógico e do que se depreende dos pareceres citados, pode-seafirmar: a efetiva prestação de serviço, a boa-fé no recebimento da vantagem ou vencimento,a errônea interpretação da lei e a mudança de orientação jurídica são requisitos indispensáveispara que possa ser dispensada a “restituição de quantia recebida indevidamente”. Sãocumulativos e não alternativos.

14. A efetiva prestação de serviço é essencial. Se o servidor não se enquadra na norma, senão presta efetivamente o serviço ao qual é destinada a vantagem e, ainda assim, a recebe,o pagamento é indevido e está sujeito à reposição.

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238 Luciano Medeiros de Andrade Bicalho

15. A boa fé é a intenção pura, isenta de dolo, de engano, de malícia, de esperteza comque a pessoa recebe o pagamento “indevido”, certo de que está agindo de acordo com odireito. Se um decreto, interpretando erroneamente um dispositivo legal,mandasse pagar determinada vantagem a certos servidores, é evidente que estesa receberiam de boa fé, desde que se enquadrassem na situação nele descrita.Por outro lado, não se poderá dizer que há boa-fé se, por exemplo, um servidor,exercendo um só cargo em um Ministério, tivesse, por erro no sistema SIAPE,seu nome incluído duas vezes na lista da mesma Secretaria de Estado ou nalistagem de dois Ministérios e recebesse a mesma importância duas vezes. Nãohaveria, neste caso, interpretação errônea da Administração e posterior mudançade orientação. Não haveria a efetiva prestação de serviço referente aos doisvencimentos recebidos. Não haveria lisura no comportamento do servidor que,mesmo sabendo ser titular de um só cargo, recebesse duas vezes pelo mesmoserviço executado. Não agiria da mesma forma, isto é não permaneceria caladose a Administração lhe fizesse corte em seus vencimentos, se lhe deixasse decreditar a remuneração de um ou mais meses.

16. A errônea interpretação da lei deve estar expressa em um ato qualquer da Administração:uma norma legal de hierarquia inferior à lei (decreto, portaria, instrução normativa), umdespacho administrativo, um parecer jurídico que tenha força normativa. Da mesma forma,a mudança de orientação, após constatado o equívoco.

17. O conceito de pagamento indevido é muito simples, é óbvio, é cristalino: éaquele que não era devido à época em que foi feito. Ora, se o pagamento foifeito com base em um decreto, em uma portaria, em uma instrução normativa,em um parecer com força normativa, é evidente que estava lastreado em alguminstrumento, até, então, válido. Não era então indevido; ao contrário, era devidoem virtude da orientação adotada. Só com a nulificação, após verificado oequívoco, deixou a orientação de ser obrigatória para a Administração. Foi, porexemplo, a hipótese de que cuidou o Parecer n° CGR/CR/SA-21/88, citado napeça vestibular destes autos. O pagamento feito e, posteriormente discutido,estava baseado em um Decreto. Por isso, considerou-se que não era caso nemmesmo de repetição do indébito e não se determinou a restituição porque opagamento foi lícito durante a vigência do decreto.

18. A posterior mudança de orientação, o equívoco verificado não invalida opagamento feito, se o servidor se enquadrava na situação, se o recebeu de boa-fé. O equívoco verificado tem dois efeitos: a) estancar o pagamento que vinhasendo efetuado; b) negá-lo a quem, na mesma situação, não o tenha aindarecebido. Isto foi claramente demonstrado no Parecer GQ-114-97, da lavra doDr. Geraldo Quintão.

(...)

22. Não é matéria do Decreto dizer se a restituição deve ou não ser efetuada. Arestituição é conseqüência do recebimento indevido (CC, art. 964). Se é indevido ou nãoé questão a ser analisada e decidida caso a caso. Verificado o recebimento, mais tardeconsiderado indevido, passa-se a examinar se ocorreu a efetiva prestação de serviço, sehouve errônea interpretação ou aplicação da lei por parte da Administração, se opagamento estava baseado em um ato formal, se houve mudança de orientação apósdetectada a falha e, por último, se houve boa fé do servidor ao receber. Só então poder-se-á chegar à conclusão se o pagamento era ou não devido à época em que foi feito e sobre aobrigatoriedade ou não da restituição da quantia recebida.

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239Parecer sobre ressarcimento ao erário dos valores referentes a aluguéis

(...)

VI - CONCLUSÃO

34. Como se viu, a orientação até agora adotada por esta Instituição quanto ao nãocabimento de restituição na hipótese de pagamento indevido a servidor que o recebeu deboa fé e em virtude de errônea interpretação ou má aplicação da lei pela Administração,não está a merecer reparos. Deve ser mantida.

35. A efetiva prestação de serviço, a boa-fé no recebimento da vantagem ou vencimento,a errônea interpretação da lei expressa em um ato formal e a mudança de orientaçãojurídica são requisitos indispensáveis para que o pagamento feito possa ser consideradoválido e, à época, devido, não estando sujeito à restituição.

(...)

PARECER: GQ - 161

NOTA: A respeito deste parecer o Excelentíssimo Senhor Presidente da Repúblicaexarou o seguinte despacho: “Aprovo. Em 1º.9.98. Publicado na íntegra no DiárioOficial de 9 de setembro de 1998, p.18.”

14 O Tribunal de Contas da União ostenta semelhante posi-cionamento no Acórdão nº 1.909/2003 – Plenário, verbis:

Voto do Ministro Relator

Dada a relevância do tema, conheço da consulta que se cinge à necessidade deressarcimento ou não de valores pagos a maior a servidores, que os receberamde boa-fé, em razão de interpretação equivocada da legislação por parte daAdministração.

Segundo o consulente, tal situação tem gerado orientações antagônicas porparte do TCU, ora determinando o integral ressarcimento das quantias irregu-larmente recebidas, ora dispensando a reposição.

Até meados de 1994, as decisões eram majoritárias, no sentido de dispensar orecolhimento dos valores recebidos de boa-fé. No entanto, na sessão de 6.7.94,o Plenário, por meio da Decisão 444/94 (TC 005.961/94-7, BTCU 39/94), firmounova orientação “no sentido de afirmar que, para os pagamentos indevidos devantagem aos servidores públicos, mesmo reconhecendo-se a boa-fé, o dano háde ser ressarcido ao Erário, em valores atualizados, nos termos do art. 46 da Leinº 8.112/90, deixando-se doravante, de se aplicar a esses casos, por analogia, oEnunciado nº 106 da Súmula de jurisprudência predominante nesta Corte deContas, que deverá ater-se apenas aos casos nela especificados, de julgamento,pela ilegalidade, das concessões de reforma, aposentadoria e pensão, nãodevendo, portanto, elastecer-se sua exegese”.

A reiterada aplicação dessa orientação em diversos julgamentos deu origem àSúmula 235, dispondo que “os servidores ativos e inativos, e os pensionistas,estão obrigados, por força de lei, a restituir ao Erário, em valores atualizados,as importâncias que lhes forem pagas indevidamente, mesmo que reconhecidaa boa-fé, ressalvados apenas os casos previstos na Súmula nº 106 daJurisprudência deste Tribunal”.

Todavia, cabe reconhecer que essa orientação plenária (Decisão 444/94) e asubseqüente aprovação da Súmula 235 não foram bastantes para pacificar a

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questão, havendo inúmeros exemplos de dispensa da reposição ao erário, nosquais se faz alusão ao disposto na Súmula 106.

Além disso, mais recentemente, em algumas decisões adotou-se o critério dedispensar o ressarcimento das importâncias recebidas até a data em que foidirimido o conflito de interpretação pelo Tribunal, valendo citar as Decisões 380/96 - Segunda Câmara, 463/00, 512/00, 520/00, 521/00 e 756/00, estas do Plenário.

Essas divergências apontam para a relevância do tema e necessidade de ofertarsolução que delimite o campo de incidência das referidas súmulas.

No voto prolatado no âmbito do TC 450.450/1991-0 (Decisão 390/2001 - Plenário,Ata 26/01), o Ministro José Antônio Barreto de Macedo ofereceu importante contribuiçãopara o deslinde da questão, tendo estabelecido a distinção entre pagamentos oriundos deerro operacional e aqueles decorrentes de errônea interpretação da lei.

No primeiro caso, de acordo com o voto, é obrigatória a devolução, com a incidência daSúmula 235. Já no segundo, no entender de Sua Excelência, não pode o servidor sercompelido a ressarcir os valores recebidos de boa-fé, aplicando-se a Súmula 106.

Esse entendimento é compartilhado pela Advocacia-Geral da União, tendo sido reiteradaem diversos pareceres a orientação no sentido de que “as quantias recebidas ‘indevidamente’,de boa-fé, em virtude de errônea interpretação da lei pela Administração e posterior mudançade critério jurídico adotado, não precisam ser repostas, mesmo quando desconstituído oato.” A propósito, os pareceres X-29/55, Z-260/57, H-180/65, SR-18/86, SR-38/87,GQ-114/97 e GQ-161/98.

Nesse ponto, é importante frisar que tal entendimento não alcança os paga-mentos feitos em conseqüência de liminares, posteriormente cassadas pordecisões judiciais definitivas, conforme restou assente no Parecer GQ-161/98/AGU e está consignado no §2º do art. 47 da Lei 8.112/90, com a redação dadapela Lei 9.527/97.

Ocorre, contudo, que esse entendimento é por demais amplo e tem permitido que o Eráriosofra imensos e irreparáveis prejuízos.

Em diversas situações se observa a cumplicidade dos gestores e dos órgãosjurídicos, no sentido de conceder vantagens indevidas aos servidores, as quaistambém os beneficiam, na expectativa de que, se o pagamento for posteriormenteimpugnado pelo TCU, não terão de devolver os valores, pois poderão amparar-se na tese de que houve boa-fé e errônea interpretação da lei.

Assim, com as devidas vênias, essa orientação merece ser aprimorada.

Sem embargo, não compartilho da tese de que, por força do art. 46 da Lei 8.112/90, éobrigatória a reposição em qualquer situação.

Como já restou esclarecido na Decisão 597/92 - Plenário (TC 020.056/92-3, Ata56/92) e no Parecer GQ-161/98/AGU (DOU 9.9.98, Seção I, fls. 18/20), o art. 46 daLei 8.112/90 apenas regula a forma pela qual as reposições e indenizações ao erário sãoefetivadas, não cuidando de indicar quais as situações em que essas reparações são devidas.

Na verdade, as situações em que será obrigatória a reposição ou indenização ao eráriosão aquelas previstas no Direito Civil, quais sejam: obrigação de restituir o pagamentoindevido (CC, art. 876) e obrigação de indenizar (CC, art. 927).

Assim, cabe ao julgador, em cada caso, aferir a responsabilidade pelo indébito e o cabimentode sua reposição, em face de suas circunstâncias peculiares.

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Não há dúvida de que existem situações em que é justificável e legítimo isentar o servidorda obrigação de restituir, especialmente se ele recebeu de boa-fé, sem ter influenciado ouinterferido na sua concessão, e se a vantagem indevida foi concedida em razão de interpretaçãorazoável, embora errônea, de lei que à época era de aplicação controversa.

Portanto, trata-se apenas de ampliar os requisitos exigidos para a dispensa de reposição,a fim de proteger o erário e, ao mesmo tempo, preservar as situações em que essa medidaé legítima.

A par da boa-fé e da errônea interpretação da lei, entendo que também é preciso ademonstração da existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ouincidência da norma infringida, no momento da edição do ato impugnado, bem como queesse ato comportou interpretação razoável da lei, ainda que equivocada.

Somente quando estiverem presentes todas essas condições será possível dispensar areposição ao erário.

Essa conclusão alcança também os atos de concessão julgados ilegais poroutorgarem vantagens indevidas, isto é, se a concessão da vantagem não ocorreuna presença de todas as condições especificadas anteriormente, os valores recebidosindevidamente deverão ser ressarcidos.

Isso não caracteriza a negativa de incidência da Súmula 106, pois esse enunciadode jurisprudência estipula é que não há relação direta entre o julgamento pelailegalidade das concessões e a obrigação de reposição ao erário das importânciasjá recebidas, entendimento que deflui da utilização da expressão “por si só” notexto do enunciado, conforme exposto a seguir:

“Enunciado 106. O julgamento, pela ilegalidade, das concessões de reforma,aposentadoria e pensão, não implica por si só a obrigatoriedade da reposiçãodas importâncias já recebidas de boa-fé, até a data do conhecimento da decisãopelo órgão competente.” (Destacado.)

Assim, por exemplo, uma aposentadoria concedida com vantagem ilegal, a respeito daqual já não haja dúvida, seja em razão de o TCU já haver firmado jurisprudência emum sentido, seja pela atuação do STF como intérprete último da Constituição Federal,não estará albergada pelo Enunciado 106 e, portanto, será devido o ressarcimentodas importâncias indevidamente pagas ao servidor.

Há de destacar-se, também, que, em se tratando de despesa pública, custeadapelo esforço coletivo de toda a sociedade e, por isso mesmo, jungida ao princípioda legalidade estrita, a interpretação da lei acerca da concessão de vantagenspecuniárias aos servidores deve orientar-se sempre no sentido da proteção doErário e da sociedade-contribuinte, contra desmedidas pretensões remunera-tórias, não se olvidando que o legislador, quando quer conceder vantagens, ofaz de maneira clara, a dispensar, na imensa maioria dos casos, complexas eengenhosas interpretações.

Assim, somente a partir do exame do caso concreto é que se poderá aquilatar se estãopresentes as condições que autorizam a dispensa de reposição ao Erário das importânciasindevidamente recebidas, ou, em caso contrário, se as circunstâncias impõem aobrigatoriedade de reposição dos valores.

(...)

Acórdão

ACORDAM os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em sessãodo Plenário, ante as razões expostas pelo Relator e com fundamento no art. 1º,

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inciso XVII, da Lei 8.443/92, em conhecer da consulta para respondê-la nosseguintes termos:

9.1 a reposição ao erário somente pode ser dispensada quando verificadas cumulativamenteas seguintes condições:

9.1.1 presença de boa-fé do servidor;

9.1.2 ausência, por parte do servidor, de influência ou interferência para a concessão davantagem impugnada;

9.1.3 existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência danorma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagemimpugnada; e

9.1.4 interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração;

9.2 a reposição ao erário é obrigatória, nos termos preconizados no Enunciado 235 daSúmula deste Tribunal e na forma dos arts. 46 e 47 da Lei 8.112/90, quando não estiverematendidas todas as condições estipuladas no subitem 9.1 ou, ainda, quando os pagamentosforem decorrentes de erro operacional da Administração;” (grifo nosso)

15 Portanto, cabe analisar se presentes os requisitos estabelecidosno Parecer AGU/GQ-161, de 01.09.98.

a) a efetiva prestação de serviçoConforme disposto no parecer, é a perquirição se o servidor “presta

efetivamente o serviço ao qual é destinada a vantagem” (item 14 do parecer).A isenção da taxa de ocupação é devida em virtude do serviço de

guarda e conservação permanente do imóvel (art. 81, §3º, II do Decreto-Lei nº 9.760/46). Há que se perquirir, portanto, se o servidor prestavaefetivamente serviço de guarda e conservação do imóvel.

O Chefe da UTRA/VARG-MG, através do Ofício nº 02-085/006,de 12 de junho de 2006, declara: “Os servidores do MAPA acima men-cionados são responsáveis pelo estoque governamental de café existentesna unidade armazenadora de Varginha. Controlam os serviços devigilância, limpeza, jardinagem, manutenção da rede elétrica e hidráulicade toda a unidade.”

Portanto, havia a contraprestação respectiva do serviço (contra-prestação feita in natura, isto é, através da realização das tarefas acima).

A União se beneficiou do trabalho do servidor, conforme expres-samente declarado pelo chefe da UTRA/VARG-MG:

A ocupação vem desde os tempos do extinto Instituto Brasileiro do Café, visandopreservar a integridade dos estoques de cafés e das benfeitorias.

(...)

Assim sendo, a Entidade (governo) e os servidores se beneficiam.

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Não ressarcir o servidor pelo serviço executado seria a Adminis-tração se enriquecer às custas alheias sem causa jurídica idônea, o que évedado, segundo princípio geral de direito amplamente reconhecidopela jurisprudência e doutrina: o Princípio da Vedação do Enriqueci-mento sem Causa.

Pela clareza da explicação, transcreve-se a lição de Celso AntônioBandeira de Mello sobre o princípio:

Os atos inválidos, inexistentes, nulos ou anuláveis, não deveriam ser produzidos.Por isto não deveriam produzir efeitos. Mas o fato é que são editados atos inválidos(inexistentes, nulos e anuláveis) e que produzem efeitos jurídicos. Podem produzi-los, até mesmo per omnia secula, se o vício não for descoberto ou se ninguémos impugnar. É errado, portanto, dizer-se que os atos nulos não produzem efeitos.Aliás, ninguém cogitaria da anulação deles ou de declará-los nulos se nãofora para fulminar os efeitos que já produziram ou que podem ainda vir aproduzir. De resto, os atos nulos e os anuláveis, mesmo depois de invalidados,produzem uma série de efeitos. Assim, por exemplo, respeitam-se os efeitosque atingiram terceiros de boa-fé. É o que sucede quanto aos atos praticadospelo chamado “funcionário de fato”, ou seja, aquele que foi irregularmentepreposto em cargo público.

Além disto, se o ato nulo ou anulável produziu relação jurídica da qual resulta-ram prestações do administrado (pense-se em certos casos de permissão de usode bem público ou de prestação de serviço público) e o administrado nãoconcorreu para o vício do ato, estando de boa-fé, a invalidação do ato não poderesultar em locupletamento da Administração à custa do administrado e causar-lhe um dano injusto em relação a efeitos patrimoniais passados.

Na invalidação de atos administrativos há que distinguir duas situações; (a)casos em que a invalidação do ato ocorre antes de o administrado incorrer em despesassuscitadas seja pelo ato viciado, seja por atos administrativos precedentes que o condicionaram (ou condicionaram a relação fulminada). Nestas hipótesesnão se propõe qualquer problema patrimonial que despertasse questão sobredano indenizável.

(b) casos em que a invalidação infirma ato ou relação jurídica quando oadministrado, na conformidade deles, já desenvolveu atividade dispendiosa, sejapara engajar-se em vínculo com o Poder Público em atendimento à convocaçãopor ele feita, seja por ter efetuado prestação em favor da Administração ou deterceiro.

3Em hipóteses desta ordem, se o administrado estava de boa fé e não concorreu parao vício do ato fulminado, evidentemente a invalidação não lhe poderia causar umdano injusto e muito menos seria tolerável que propiciasse, eventualmente, umenriquecimento sem causa para a Administração. Assim, tanto devem serindenizadas as despesas destarte efetuadas, como, a fortiori, hão de ser respeitadosos efeitos patrimoniais passados atinentes à relação atingida. Segue-se, tambémque, se o administrado está a descoberto em relação a pagamentos que aAdministração ainda não lhe efetuou, mas que correspondiam a prestaçõespor ele já consumadas, a Administração não poderia eximir-se de acobertá-las,indenizando-o por elas.

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244 Luciano Medeiros de Andrade Bicalho

Com efeito, se o ato administrativo era inválido, isto significa que a Adminis-tração ao praticá-lo, feriu a ordem jurídica. Assim, ao invalidar o ato, estará,ipso facto, proclamando que fora autora de uma violação da ordem jurídica.Seria iníquo que o agente violador do Direito, confessando-se tal, se livrasse dequaisquer ônus que decorreriam do ato e lançasse sobre as costas alheias todas asconseqüências patrimoniais gravosas que daí decorreriam, locupletando-se, ainda,à custa de quem, não tendo concorrido para o vício, haja procedido de boa-fé.Acresce que, notoriamente, os atos administrativos, gozam de presunção delegitimidade. Donde, quem atuou arrimado neles, salvo se estava de má-fé (vícioque se pode provar, mas não pressupor liminarmente), tem o direito de esperar que taisatos se revistam de um mínimo de seriedade. Este mínimo consiste em nãoserem causas potenciais de fraude ao patrimônio de quem neles confiou - como,de resto, teria de confiar.

Aliás, a solução que se vem de apontar nada mais representa senão uma aplicaçãoconcreta do disposto no art. 37, §6º, da Constituição, na qual o princípio daresponsabilidade do Estado está consagrado de maneira ampla e generosa, desorte a abranger tanto responsabilidade por atos ilícitos quanto por atos lícitos(como o seria correta fulminação de atos inválidos).1

Ademais, não poderia ser atribuído serviço ao servidor sem arespectiva contrapartida, salvo autorização legal, conforme dispostona Lei nº 8.112/90:

Art. 4º É proibida a prestação de serviços gratuitos, salvo os casos previstos emlei.

b) a boa-fé no recebimento da vantagemÉ de boa-fé a posse se o possuidor ignora o vício, sendo-lhe pre-

sumida a boa-fé caso possua justo título (art. 1201, parágrafo único),assim considerado todo ato ou negócio jurídico que em tese possatransferir a propriedade, mas que não produziu efeito por estar conta-minado por algum vício.

O servidor Geraldo de Paulo Xavier era possuidor de justo título(termo de ocupação de fls. 13 a 17), e, desta forma, possui presunçãode boa-fé a seu favor.

Portanto, para compeli-lo ao pagamento, há que se comprovar aexistência de eventual má-fé, isto é, que o servidor conhecia o vício quetornava o ato inválido.

c) a errônea interpretação da leiEste requisito é expresso “em um ato qualquer da Administração:

uma norma legal de hierarquia inferior à lei (decreto, portaria, instrução

1 Curso de direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 286-287.

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normativa), um despacho administrativo, um parecer jurídico que tenhaforça normativa” (item 16 do parecer).

Na hipótese, a errônea interpretação da lei foi expressamentepela outorga do termo de ocupação provisória de unidade residencialde fls. 13/16.

d) a mudança de orientação jurídicaA mudança da orientação da Administração se expressa igualmente

através de um ato administrativo, porém, de conteúdo contrário aoprimeiro ato.

Não há, nos autos, a notificação realizada ao servidor de que aocupação era irregular. Há, apenas, um ofício da lavra do servidor,prestando esclarecimentos sobre a ocupação do imóvel, datado de 10de agosto de 2006.

Conforme disposto no art. 1.202, a posse do servidor somenteperde o caráter de boa-fé após a notificação da irregularidade.

Uma vez que a todos é garantido o direito ao devido processolegal (art. 5º, LIV, da CR/88), à ampla defesa e ao contraditório (art. 5º,LV), o pagamento da taxa de ocupação somente é devido após o julga-mento de eventual defesa apresentada pelo servidor.

Portanto, somente há que se falar de pagamento de taxa de ocu-pação após a notificação da irregularidade, ou, caso o servidor tenhaquestionado a notificação, após o julgamento administrativo do litígio.

Nos autos, não há qualquer documentação que comprove a aber-tura do devido processo administrativo, com abertura de contraditórioe ampla defesa ao servidor e julgamento motivado da Administração, oque configuraria descumprimento direto à Lei nº 9.784/99, em especialaos artigos 2º, VII, X, 48 e 50.

16 Vê-se, em conclusão, que o servidor atende a todos os requisitosprevistos no Parecer AGU/GQ-161, de 01.09.98, razão pela qual é indevidoo ressarcimento do valor da taxa de ocupação.

IV Da apuração de responsabilidades17 Observa-se, na hipótese, irregularidades que devem ser inves-

tigadas, a fim de se apurar eventual responsabilidade dos servidores eórgãos competentes.

18 À Gerência Regional do Patrimônio da União em Minas Geraisincumbe, nos termos do Decreto nº 6.139, de 03 de julho de 2007:

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Art. 38. À Secretaria do Patrimônio da União compete:

I - administrar o patrimônio imobiliário da União e zelar por sua conservação;

V - administrar os imóveis residenciais de propriedade da União destinados àutilização pelos agentes políticos e servidores federais;

19 No exercício da competência de administração, fiscalização econservação dos imóveis do domínio da União, a Gerência Regionaldo Patrimônio da União em Minas Gerais, através da servidora Rita deCássia de Lima Carvalho, realizou vistoria no imóvel em 05 de julho de2001 (Relatório da Vistoria nº 18/01, às fls. 52) e em 15 de dezembrode 2004 (Relatório de Vistoria nº 082/2004, às fls. 53/54). Nesta últimavistoria, assina também a Sra. Chefe da Divisão de Gestão Patrimonialda GRPU/MG, Júlia Mara de Oliveira.

20 Na primeira vistoria, a servidora responsável não relatouqualquer irregularidade (fls. 52).

21 Na segunda vistoria, foi relatada a ocupação do PN 01 porfuncionário da firma que faz a vigilância local, in verbis:

Existe, ainda, no terreno, três casas que estão sendo ocupadas:

f…PN 01 – Funcionário da firma que faz a vigilância no local – não paga aluguel;

22 Verificam-se incongruentes as informações prestadas nesteprocesso e as ocorrências relatadas nos laudos de vistoria supra, razãopela qual há que se oficiar ao Sr. Gerente Regional do Patrimônioem Minas Gerais, para que apure se houve cometimento de infração adever funcional por parte da servidora que realizou as vistorias, umavez que as informações do laudo contradizem as demais informaçõesprestadas neste processo.

23 Ademais, há que se verificar por que, decorridos mais de 10anos da entrega do imóvel para o domínio da União, não se descobriua ocupação irregular.

24 A responsabilidade sobre o correto uso de imóvel entreguepara uso de órgão da administração pública federal é do chefe darepartição que tenha recebido o bem, conforme disposto no art. 79 doDecreto-Lei nº 9.760/67:

Art. 79. A entrega de imóvel para uso da Administração Pública Federal diretacompete privativamente à Secretaria do Patrimônio da União - SPU. (Redaçãodada pela Lei nº 9.636, de 1998)

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§1º A entrega, que se fará mediante têrmo, ficará sujeita a confirmação 2 (dois)anos após a assinatura do mesmo, cabendo ao S.P.U. ratificá-la, desde que,nêsse período tenha o imóvel sido devidamente utilizado no fim para quefôra entregue.

§2º O chefe de repartição, estabelecimento ou serviço federal que tenha a seucargo próprio nacional, não poderá permitir, sob pena de responsabilidade,sua invasão, cessão, locação ou utilização em fim diferente do que lhe tenhasido prescrito.

25 Evidentemente que a atribuição específica é usualmente dele-gada para um servidor ou departamento do órgão. Por isto, há que seoficiar ao Superintendente Federal de Agricultura em Minas Geraispara que verifique se houve cometimento de infração a dever funcionalpor parte do (s) servidor (es) responsável (eis) pela fiscalização dosimóveis do órgão.

26 Ademais, há que alertar a autoridade para a injustificada falhado órgão na fiscalização do imóvel, vez que o imóvel foi entregue àadministração do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimentoem 05 de julho de 2002, e até o envio do relatório do Plano de Provi-dências da CGU (através do Ofício nº 20781/CGUMG/CGU-PR, de 04de julho de 2006), o órgão do Ministério da Agricultura e Abastecimentono Estado não havia verificado a irregularidade.

27 Releva-se, outrossim, a necessidade de esclarecimentos e, sefor o caso, de responsabilizar também o agente, que, sem interveniênciada Gerência Regional do Patrimônio da União em Minas Gerais, firmouo Termo de Ocupação com o servidor, já que esta competência é doProcurador-Chefe da Fazenda Nacional no Estado, nos termos do art.14, V do Decreto-lei nº 147/67 e não do titular da Divisão Técnica Ope-racional em Minas Gerais do Departamento de Abastecimento e Preços.

V Da ausência de página do processoRegistre-se, por oportuno, a ausência no processo da folha de

número 28.

VI Conclusão28 Diante do exposto e ressalvando-se os aspectos de conveniência

e oportunidade, não sujeitos ao crivo deste Núcleo de AssessoramentoJurídico, opina-se:

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a) pela impossibilidade de cobrança do servidor Geraldo de PaulaXavier do valor da taxa de ocupação, conforme previsto noParecer AGU/GQ-161, de 01.09.98;

b) sejam oficiados o Sr. Gerente Regional do Patrimônio da Uniãoem Minas Gerais e o Sr. Superintendente Federal de Agricul-tura em Minas Gerais, afim de que realizem os procedimentosnecessários para se apurar responsabilidade dos servidoresenvolvidos no evento.

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Esta obra foi composta em fontes New Baskervillee Humnst 777, corpo 10/11 e impressa em papelOffset 75g (miolo) e Supremo 250g (capa) pelaGRÁFICA O LUTADOR. Belo Horizonte/MG,outubro de 2008.

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