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CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ” DIALOGUS revista das graduações em licenciatura em História, Geografia e Pedagogia ISSN 1808-4656 Ribeirão Preto v.7 n.2 2011 p.1-173

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CENTRO UNIVERSITÁRIO “BARÃO DE MAUÁ”

DIALOGUS revista das graduações em licenciatura em

História, Geografia e Pedagogia

ISSN 1808-4656 Ribeirão Preto v.7 n.2 2011 p.1-173

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DIALOGUS é uma publicação semestral dos cursos de História e Pedagogia mantidos pelo Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, SP. Solicita-se permuta. As opiniões emitidas são de responsabilidade dos autores. É permitida a reprodução total ou parcial dos

artigos desde que citada a fonte.

EXPEDIENTE Reitora Profª. Me. Maria Célia Pressinatto Pró-Reitoras de Ensino Profª. Drª. Dulce Maria Pamplona Guimarães e Profª. Drª. Joyce Maria Worschech Gabrielli Diretores Sr. José Favaro Júnior Sr. Guilherme Pincerno Favaro Sra. Neusa Pincerno Teixeira Srª. Elizabeth M. Cristina Pincerno Favaro e Silva Sr. Carlos César Palma Spinelli Sr. Marco Aurélio Palma Spinelli Departamento Didático Pedagógico Profa. Esp. Dulce Aparecida Trindade do Val Prof. Ms. Geraldo Alencar Ribeiro Coordenadora da Graduação em História Profa. Ms. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa Coordenador da Graduação em Pedagogia

Prof. Ms. Cicero Barbosa do Nascimento

Comissão Editorial

Prof. Ms. Cícero Barbosa do Nascimento

Profa. Esp. Cláudia Helena de Araújo Baldo

Profa. Dra. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

Prof. Ms. Rafael Cardoso de Mello

Conselho Editorial

Andréa Coelho Lastória, profª Drª

Antônio Aparecido de Souza, prof. Ms.

Antônio Carlos Lopes Petean, prof. Ms.

Beatriz Ribeiro Soares, profª Drª

Charlei Aparecido da Silva, prof. Dr.

Dulce Maria Pamplona Guimarães, profª. Drª.

Edvaldo Cesar Moretti, prof. Dr.

Fábio Augusto Pacano, prof. Ms.

Fábio Fernandes Villela, prof. Dr.

Francisco Sergio Bernardes Ladeira, prof. Dr.

Ivan Aparecido Manoel, prof. Dr.

José William Vesentini, prof. Dr.

Aparecida Turolo Garcia, profª Drª

José Luís Vieira de Almeida, prof. Dr.

Lélio Luiz de Oliveira, prof. Dr.

Marcos Antonio Gomes Silvestre, prof. Ms.

Marilia Curado Valsechi, profª Drª

Maria Lúcia Lamounier, profª Drª

Nainora Maria Barbosa de Freitas, profª Drª

Pedro Paulo Funari, prof. Dr.

Renato Leite Marcondes, prof. Dr.

Robson Mendonça Pereira, prof. Dr.

Ronildo Alves dos Santos, prof. Dr.

Sedeval Nardoque, prof. Dr.

Silvio Reinod Costa, prof. Dr.

Solange Vera Nunes Lima D‟Água, profa. Dra.

Taciana Mirna Sambrano, profª Drª

Vera Lúcia Salazar Pessoa, profª Drª

FICHA CATALOGRÁFICA DIALOGUS (Graduações em Geografia, em História e em Pedagogia – Centro Universitário “Barão de Mauá”) Ribeirão Preto, SP – Brasil, v.7, n.2, ago/dez 2011. Semestral

16,0 X 21,0. 173p. 2011, 7-2 ISSN 1808-4656

1. Educação. 2. História. 3. Geografia I. Centro Universitário Barão de Mauá. II. Cursos de Graduação em Licenciatura em História, em Geografia e em Pedagogia.

CAPA: “Evolução da Educação”, autoria: Sandra Araújo

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PREFÁCIO

Prefaciar a Dialogus é sempre extremamente prazeroso pois é o momento em que temos em mãos, concretamente, os desdobramentos e os resultados da nossa produção acadêmica e a sua divulgação, objetivos fundamentais da instituição universitária.

Abre este número uma entrevista concedida pela profª. drª. Maria de Fátima C. G. de Matos sobre a história das artes visuais em nossa cidade. Logo em seguida é apresentado um dossiê sobre a educação brasileira no século passado. O primeiro artigo de autoria de Ramires S. T. Carvalho, centra-se na formação docente destacando a importância da construção de sua identidade profissional. O segundo da professora Daniele M. Carvalho e profª. drª. Filomena E. P. Assoline volta-se também à formação docente priorizando as suas memórias de leitura. Compondo ainda este dossiê, contamos com o artigo de Luís Fernando de Oliveira que traça uma correlação entre a crise dos valores básicos no chamado mundo pós-moderno e a educação brasileira à luz do pensamento de Nietzsche.

Outros dois artigos discorrem sobre aspectos da história da religião católica em nosso país. O do esp. Rafael J. Silveira que se debruça sobre a resistência católica diante das propostas da concepção liberal de educação no período que vai de 1930 até o início da década de 1960 e o da profª. drª. Lilian R. de Oliveira Rosa que se propõe compreender as estratégias de negociação entre a Igreja católica brasileira, a Santa Sé e o Estado nos primeiros anos da República.

O prof. esp. Moreno, em seu artigo Descartes e sua descoberta da substância espiritual, discute alguns aspectos, como o racionalismo, a dúvida radical, o espírito e a matéria, na filosofia cartesiana. A nova lei do aviso prévio, em uma perspectiva histórica, é abordada pelo Bel. Marco Antônio Batista.

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Mais uma vez, portanto a Dialogus aprimora-se com trabalhos de qualidade que nos trazem informações, provocam crítica, reflexão e, o mais importante, impulsionam novas pesquisas.

Reitoria do Centro Universitário Barão de Mauá

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Apresentação do segundo número do sétimo volume

A cada vez que vemos materializados artigos, entrevistas e demais textos em nossa revista, mais temos a certeza de que nosso caminho foi bem trilhado, bem conduzido.

A entrega deste volume cristaliza a importância que a Revista Dialogus adquiriu ao longo destes sete anos no Centro Universitário Barão de Mauá, para não citar a região de Ribeirão Preto e o Brasil.

Assumimos estas esferas de importância na medida em que nossos colaboradores advém das mais variadas Instituições de Ensino Superior do país. São professores e pesquisadores provenientes de universidades e faculdades públicas (estaduais e federais) e privadas, participando efetivamente destes diálogos interdisciplinares – marca de nosso periódico – das áreas de Educação, Epistemologia e História.

Destacamos neste segundo número de 2011 a entrevista de Adriana Silva com Maria de Fátima Costa Garcia de Matos. Uma lição sobre arte e sobre as relações da entrevistada com o universo artístico.

O nosso dossiê, desta vez, focou nas questões educacionais. “A educação brasileira no século XX”, foi o tema que movimentou nossos colaboradores. Iniciamos com Ramires Santos Teodoro Carvalho e a sua produção sobre a trajetória da profissão professor, ao longo do último século. Já Daniele Machado Carvalho e Filomena Elaine de Paiva Assoline nos emprestaram suas ideias quanto as memórias de leituras e a formação dos professores em sua fase inicial. Fechando o nosso dossiê, Luis Fernando de Oliveira escreve sobre educação e ética no Brasil, a partir dos preceitos da filosofia de Nietzsche.

Os demais artigos são igualmente ricos, cada qual com sua temática, objeto e problematizações.

Rafael José da Silveira produz um interessante artigo sobre a resistência católica frente ao discurso neoliberal. Outro texto que se fez presente nesta edição se faz no campo da epistemologia – “Descartes e a descoberta da substância espiritual”, do autor Luis Carlos Moreno. Marco Antonio Batista analisa a urgente questão sobre o aviso prévio e a

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história do Direito do Trabalho, e, finalizando este segundo número do ano de 2011, Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa avalia a complexa relação entre o Estado brasileiro, a Santa Sé e a Igreja Católica durante os idos de 1889 a 1991.

Comissão Editorial

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SUMÁRIO/SUMMARY

ENTREVISTA/INTERVIEW

11 Um pouco da história das artes visuais de Ribeirão

Preto: entrevista com Maria de Fátima da Silva Costa Garcia de Mattos. A little bit of history of the visual arts of Ribeirão Preto: interview wirh Maria de Fátima da Silva Costa Garcia de Mattos.

Adriana SILVA

DOSSIÊ/SPECIAL “A educação brasileira no século XX”

25 Trajetória da profissão docente durante o século XX.

The trajectory of teaching profession during the twentieth century.

Ramires Santos Teodoro CARVALHO

41 Memórias de leituras e formação inicial de professores.

Memories of reading and initial teacher formation. Daniele Machado CARVALHO Filomena Elaine Paiva ASSOLINI

69 A educação para a ética no Brasil fundamentada na

filosofia nietzschiana. Education for ethics in Brazil from nietzschean philosophy.

Luis Fernando de OLIVEIRA

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ARTIGOS/ARTICLES

87 A resistência católica ao avanço da concepção liberal da

educação no Brasil (1930-1961). The Catholic resistance and advancement of the liberal conception of education in Brazil.

Rafael José da SILVEIRA

103 Descartes e sua descoberta da substância espiritual. Descartes and his discovery of spiritual substance.

Luís Carlos MORENO

123 A história do Direito do trabalho e a nova lei do aviso

prévio. The history of the Labour Law and the new Law of prior notice.

Marco Antonio BATISTA

145 Estratégias de negociação entre a Santa Sé, o Estado

brasileiro e a Igreja Católica local entre 1889 e 1991. Strategies and negotiations between the Holy See, the Brazilian state and the local Catholic church between 1889 and 1991.

Lilian Rodrigues de Oliveira ROSA

165 Índice de autores/Authors index.

166 Índice de Assuntos.

167 Subject Index.

169 Normas para publicação na revista DIALOGUS.

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ENTREVISTA/INTERVIEW

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UM POUCO DA HISTÓRIA DAS ARTES VISUAIS DE RIBEIRÃO PRETO: ENTREVISTA COM MARIA DE FÁTIMA DA SILVA COSTA GARCIA DE MATTOS *

Adriana SILVA*

Inicialmente a entrevista objetivava buscar informações sobre os

imigrantes italianos Bassano Vaccarini, Leonello Berti e Pedro Caminada Manuel-Gismondi - os três artistas plásticos. Ao final, mostrou-se um material interessante para o entendimento sobre a história das artes em Ribeirão Preto. A professora Dra. Maria de Fátima, ao revelar sua trajetória acadêmica, contribui com informações para uma maior compreensão sobre o universo educacional. Adriana Silva – Defina arte. Maria de Fátima – É uma pergunta difícil para a gente que trabalha com arte, mas vou te devolver com uma colocação. Quando eu comecei com meus 17 anos, quando eu entrei na Faculdade, logo na primeira semana de aula, eu perguntei ao então professor Pedro Caminada Manuel-Gismondi, como ele gostava que a gente se lembrasse sempre, o nome completo dele. E eu sempre muito atrevida, muito falante, perguntando muito, e ele falando sobre a contemplação sobre a fruição estética e eu perguntei a ele: em resumo, o que é arte professor? E ele me respondeu: que a arte era a expressão do sentimento contemplado, 1) E o que era uma definição dele, se tornou uma definição sua? Maria de Fátima – Pra mim se tornou. Eu fiquei com isso, e você bem pode observar, que hoje, 35, quase 40 anos depois, eu tenho isso vivo,

* Entrevista feita com a Professora, Pedagoga e Doutra em Artes pela ECA-USP, Maria de Fátima da Silva Costa Garcia de Mattos. * Jornalista, escritora e Doutora em Educação pela UFSCar. Email para contato: [email protected]

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mas aprendi com isso realmente que a expressão da arte vem exatamente dessa contemplação que nós temos, que nós fazemos, uma contemplação do objeto, a contemplação da ideia, a contemplação que na verdade vai nutri o meu fazer artístico. Porque o fazer não nasce pelo próprio impulso, pela própria criatividade, eu antes disso tenho aquele processo platônico da ideação no momento em que eu vou colocando, isso também vai me permitindo sentir fazer uma outra espécie de trabalho interior comigo mesma. Eu acho que é nessa relação, talvez um pouco catártica, que eu de repente me auto realizo, eu contemplo. E quando eu contemplo o objeto, que é esta ideia formada, eu acredito que aí também eu me contemplo como pessoa, como ser e, nesse sentido eu entendo, aquilo é arte. Porque arte acima de tudo eu acho que ela não faz esse caminho se ela não fosse exatamente no sentido literal dela. Arte é sensibilidade. Eu acho que arte sem sensibilidade nós não temos diálogo, nós não formamos dialogo sem sensibilidade. Então é por isso que eu acredito que é um caminho realmente. Eu contemplo um objeto, uma ideia, aquilo que eu venho formando para que ao contemplar eu possa ter nessa fruição estética, eu consiga captar dela, via sensibilidade, via criação, via outros elementos, que aí sim, eu me dou conta: isso é arte. 2) A arte precisa ser entendida? Maria de Fátima – Não. Eu acho que talvez como a gente costuma ensinar, arte é uma linguagem universal. Ela está presente em tudo, em todos e acho que em qualquer lugar do mundo. Independe da nação, da língua falada, ou da maneira mais inteligível possível de se adequar e conviver com o social. A arte está presente em tudo. Então eu acredito que a arte é muito a sua maneira de olhar, a sua maneira de ver e, principalmente hoje, depois de tantos anos trabalhando com arte, eu muitas vezes me questiono se muitas vezes não é somente o olhar da gente que é muito mais artístico que o próprio fazer. Eu acredito que o olhar é mais artístico. Você vê, você olha determinado local, com um olhar mais sensível àquilo que o local lhe oferece e você obviamente ao

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vê-lo você o interpreta artisticamente. E você é capaz de ver como se fosse uma paisagem, uma coisa que modifica, você olha e você vê aquilo e ninguém mais enxerga. Esse olha eu acho que faz parte desse sensível que todos nós internalizamos, temos conosco e que eu acho que é isso que a gente vê quando abre os olhos. A gente abre essa câmara do sensível que nós temos. Por isso que eu não vejo a arte, eu aprendo a ler a arte. Eu aprendo a ler artisticamente um produto, uma figura, uma ideia. Aquilo que eu na verdade tenho na minha frente. Eu acho que a arte faz parte de uma leitura. 3) É Possível haver arte naquilo que não é belo, logo naquilo que é feio? Maria de Fátima – Talvez a gente devesse fazer uma regressão exatamente ao conceito de gosto, ao conceito do que é belo e do que é feio. Na verdade o belo para mim é o belo platônico, é o ideal de beleza. O belo para mim se concentra na perfeição., que era aquele belo platônico. Ele é a perfeição em si, mas ele é a perfeição alcançada pelo trabalho. Ele é a perfeição alcançada pela visão do artista na obra. Ele é essa perfeição que me leva a um trilhar de uma maneira mais adequada naquela concepção. Na concepção artística. Na concepção daquilo que está sendo realizado. Se é feio, eu volto na resposta anterior, ele é um critério do olhar de quem vê. Para quem vê muitas vezes o feio é de uma beleza incomensurável. E o gosto, eu acho que na verdade se eu gosto mais porque acho isso belo ou se gosto menos porque acho isso feio, ao mesmo tempo eu penso um pouco em Bourdieu quando ele fala da distinção, quando ele fala sobre o gosto. E na verdade ele vai buscar um parâmetro. Muitas vezes eu não tenho como desenvolver o gosto se eu não consegui trilhar o meu lado do olhar sobre o social. E dependendo de onde eu venho, de como eu me porto e onde eu me insiro. O meu gosto, eu posso moldá-lo. Eu posso vir a conquistá-lo porque eu tenho que ter essa definição, esse discernimento. Na verdade eu acho que não existe o belo e o feio. Entre a doçura da bela e a fera eu acho que é só a beleza que se aprimora não a máscara da fera.

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4) Fale sobre o Bassano Vaccarini como professor. Maria de Fátima – Como professor o Vaccarini era um encanto. Eu me lembro dele já nos anos 1970, eu fui aluna dele entre 1973, 1980. Sempre muito perfeccionista, exigente. A quantidade de telas, de exercícios, que propostas que ele nos pedia era uma coisa quase que feita de maneira industrial. Eram dez para a próxima aula, eram quinze para a próxima aula, e ele não tinha medida, mas eu acho que isso era muito do espírito artístico dele. Ele era um artista que a ente percebia que no contato com o fazer artístico não tinha medida. Ele se dedicava como um todo. A gente percebia a força com que ele colocava aquela bisnaga na tela, e a gente percebia que ele também não tinha medida. Como ele também não tinha medida na escultura. Eu digo isso porque ele não tinha horário. Ele não era aquela pessoa disciplinada que dependia de determinados momentos para poder fazer. Ele se imbuia desse fazer, que na verdade esteticamente é o grande prazer. Era onde ele ia fazendo cada vez mais e eu acho que isso ele tinha em relação aos seus alunos. Ele cobrava na mesma violência de solicitação. Mas como professor ele era perfeito. A lembrança que me traz uma paixão muito gostosa foram as duas especializações que eu fiz com ele: do Laboratório Vivencial do Artista no Teatro e a sobre Cenografia e Indumentária. Nunca pensei em viver o aprendizado de alguma coisa que fosse cênica e composição cênica ao mesmo tempo e chegávamos ao ponto como de fato chegamos, eu encenei naquela época Damas das Camélias, eu fazia o papel da Margarida e ele uma vez brincando comigo falou: eu só lhe dou dez se você chorar. Eu tinha uma terrível ansiedade e preocupação com aquilo. Eu ensaiava com meu pai e com minha mãe todas as noites, televisão era pouca naquela época, eu ensaiava o texto de maneira que meu pai e minha mãe pudessem ser meu crivo principal. E um belo dia, falando naquela empolgação eu esbocei uma emoção e eu vi que nos olhos do meu pai ele ficou muito vaidoso vendo sua filha encenar alguma coisa. E eu levei tudo aquilo para a peça. A minha mãe ajudou, naquela época tinha um cristal japonês que a gente usava para tratar a enxaqueca e, naquela época eu usava e me ajudou muito eu

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poder chorar. Mas eu livremente conseguia a emoção. E ele me deu dez. Só que na verdade o que foi muito legal, que eu acho que o curso trouxe muita contribuição para nós, eu fui a terceira turma do Curso de Educação Artística, é que nós montávamos as pranchas, desenhávamos os cenários, desenhávamos os personagens em aquarela, na verdade naquela época, na Língua Portuguesa a “ecoline” a tinta francesa que a gente comprava naquela época, nós pintávamos de uma forma liquida, transparente, que ele dizia que era essa a sutileza que ele queria de nós, essa sensibilidade, essa leveza que ele queria de nós no palco. Então as tintas com que eu fazia as pranchas no desenho tinham que ficar bem liquida. Eu guardei isso dele. Era uma forma muito elegante que ele tinha de passar para nós esse fundamento das Artes Cênicas. Utilizei bastante enquanto professora do Ensino Fundamental. 5) Apesar de morar em Ribeirão Preto, Vaccarini sempre se manteve italiano? Maria de Fátima – Italianíssimo. Poucas palavras ele falava em português. Era um Italiano aportuguesado, e sempre falante, estabanado, da mesma forma que o Pedro, e da mesma forma que o Berti, ainda que esse mais contido. Eram professores que a gente percebia que tinha um espírito tão grande que eu acho que o fato de ser aquela grandeza italiana, aquela grandeza romana como a gente vê na arte italiana de uma maneira geral. Eles eram uma presença contínua no prédio onde a gente tinha aula. O que eu quero dizer com isso? Que o espírito deles era tão grande, que preenchia o local. Quando acabava a aula e o professor saia, parecia que ficava tudo vazio e a minha turma tinha cento e vinte alunos. 6) Fale um pouco sobre sua experiência artística e de convivência com o Pedro Manuel Maria de Fátima - Eu tinha uma admiração muito grande, em primeiro lugar, pela aula que ele dava. Eu acho que é onde o professor normalmente vai, era uma um espelho. A gente vai se afeiçoando a

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algumas coisas e depois um dia, a gente vai buscando naquela imagem e naquela pessoa, alguma coisa que você fala: um dia eu quero ser como ele. Eu tinha dele uma imagem docente muito bonita, muito boa. Ele tinha uma aula extremamente difícil, era uma aula difícil de conteúdo, de fala, porque você imagina uma sala de 120 alunos, uma italiano falando pouco português, e na medida em que a gente perguntasse, nem sempre ele gostava. Uma vez ele pediu o projetor de slides e o rapaz demorou para trazer e quando o funcionário trouxe, a lâmpada estava falhando. Eu sentava na primeira fileira, claro, e eu sentada ao lado do tripé de madeira usado para projetar lá na lousa. Quando o projeto foi ligado, a lâmpada estava com meia vida, e a lâmpada falhou uma vez, falhou a segunda, o Professor Pedro muito intempestivo, até o chamar o rapas de novo ele ficou irritado e chutou com o pé aquele tripé e eu senti o peso da lâmpada do projetor de slides no meu dedão. E aquilo me deixou, que eu não sabia como fazer, eu tinha de chorar, doeu muito. Era a intempestividade dele. Isso era muito próprio dele. Ele ficou bravo com uma aluna, uma amiga inclusive, ele ficou bravo com ele e tirou os óculos e arremessou porque ela tinha feito uma pergunta que era meio fora de hora para ele. E ele então arremessou e a perna do óculos quebrou. E ele passou até o final do ano com a perna do óculos embrulhadinha num esparadrapo branco que quando ela caia ele colocava em cima da mesa e quando precisava do óculos, ele o colocava sem a alça e segurava com a mão e continuava dando aula para nós gesticulando somente com a outra mão. Eu acho que esse critério todo, na verdade, essa intempestividade toda dele, eu acho que era o seu lado artista. Esse não era o lado docente. O lado docente era aquele que queria que a gente aprendesse. Era aquele que eu tenho certeza que eu herdei. Era aquele lado que a gente fica possessa, porque a gente ensina com prazer, a gente se doa, a gente mostra obra, volta na obra, lê a obra como todo, explica, disseca a obra toda em planos, em linhas, em cores, em volume, e você está passando aquele conteúdo com a alma e você percebe que a recíproca não é verdadeira.

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Hoje, tantos anos passados, eu entendo os acessos que ele tinha. Ele era uma artista. Num pais recém chegado, principalmente que nos anos 70, nós não tínhamos essa herança, principalmente no interior. Que herança nós tínhamos de cultura artística? Então se deparar com um grupo de italianos, educados na própria Itália, educados em uma escola italiana, numa escola italiana, veja bem, eu te digo, aquele menino escolar cuja a história corre na veia, que sabe contar pedra por pedra da rua, do paralelepípedo porque Le tem a história no sangue, diferentemente de nós brasileiros. Então eles trazendo isso, nós tínhamos assim, uma veneração em poder vê-los trabalhar. Eu pensava sempre, como ele consegue dar aula e ele não lê nada. Isso eu incorporei. 7) E a arte do Pedro? Maria de Fátima – Eu acho que a arte do Pedro não era meiga, não era doce. Eu acho que ele tinha a singeleza artística no próprio temperamento dele, nos dois lados que todos nós temos, mas era muito mais expressiva, mais expressionista, era mais pastosa, talvez a maneira de ver dele fosse mais atenta, mais agressiva, naquilo que ele fazia. Uma coisa que me chama a atenção, quando o Pedro teve um derrame e eu fui visitá-lo, é a quantidade de obra que ele tinha do ateliê dele.E foi uma pessoa que dentro de Ribeirão Preto ficou muito lembrada como o professor de todos, mas a sua obra especificamente eu acho que foi pouco comentada. Talvez porque ele também fosse uma pessoa nesse sentido mais introspectiva. 8) Além do universo acadêmico, como foi sua relação com o professor Gismondi? Maria de Fátima – Ele tinha uma monitora fixa, que era uma monitora de aula, que era a professora Maria Elizia Borges e posteriormente se tornou uma docente no curso. Eu monitorava as provas que nós chamávamos do corredor da morte, porque ficávamos todos enfileirados e era prova oral. Nós entrávamos nas saletas de cada um dos docentes

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e aí então ele passava aqueles famigerados dez slides, o que eu também fiz durante muito anos na minha depois como professora. Ele passava e nós tínhamos que saber e era zero ou dez. Ou eu sabia ou eu não sabia. E tinha uma lista extensa das coisas que nós tínhamos que saber que tinha naqueles slides; século, data, quem era o pintor, nome de obra, que técnica era... Então era um aprendizado mais consistente. Eu era então aquele que monitorava todos os carretéis dele e montava, a cada aluno que entrava, dez diferentes. Ele não admitia sequer que a gente dissesse: dá licença, eu queria usar o sanitário. Ele respondia. Não, você não pode, você fica. Primeiro nós temos que cumprir a prova, depois você vai. Pra surpresa minha, eu comecei a lecionar no ensino superior em 77 em outra cidade e em Ribeirão Preto em 81, quando foi criada a Faculdade de Arquitetura de Ribeirão Preto. Foi convidado um corpo docente de elite, professoras Daici, Maria Elizia, Prof. Pedro, Francisco Amêndola, como professor de fotografia e outros excelentes professores que a memória falha. E o professor Pedro teria que ter alguém para revezar, porque ele estava em uma fase que ele não queria mais assumir aulas todas as semanas num curso, era uma cara horária muito extensa. E ele então disse que tinha uma pessoa que trabalhava ali que poderia dividir com ele a disciplina ele disse: a Maria de Fátima pode ser uma boa companheira. Isso me enobreceu demais. Isso foi em 81. Nós chegamos a preparar algumas aulas juntos. Eu tinha muita vergonha, muito respeito, muito medo mesmo de falar algum impropério, que tivesse alguma coisa que não estava da maneira correta e que ele me repreendesse, porque ele faria isso com a maior facilidade, duramente, na frente de qualquer pessoa. Tenho ainda alguns slides com a letrinha dele que eu guardei, porque eram slides que ele mesmo catalogou e ele revezava comigo uma semana cada um, só que na aula dele eu sempre ia para assistir. Para mim era um prazer poder ouvir a aula dele. Apos dois anos ele viajou para a Itália. Ele tinha um compromisso, ele tinha uma exposição. Ele ficou mais de seis meses lá e quando ele retornou ele trouxe um mimo para mim com um cartão escrito que eu já ensinei o que eu tinha para te ensinar e agora você já pode

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ficar sozinha. E realmente com bastante medo eu continuei com os meus carretéis de 180 slides como era o sistema dele e fiz isso por mais de 20 anos até que a tecnologia me ensinou a passar para as transparência e hoje para o sistema de multimídia. Por uns 15 anos eu fiz o mesmo sistema, inclusive com o corredor da morte. Hoje eu tenho um prazer que esse eu agradeço ao Pedro Gismondi, que é quando um aluno meu viaja, assim como uma aluna esses dias me postou no facebook; professora, muito obrigada por ter me educado em História da Arte. Isso eu acho que não tem preço. Isso é a escola do Pedro Gismondi. 9) Fale sobre o Leonello Berti. Maria de Fátima – O Berti era de todos acho que o mais tímido conosco na sala de aula. Falava pouco, trabalhava muito bem, mas era muito rápido, muito lépido para poder fazer as coisas conosco, principalmente as tintas, o manuseio. Ele era uma pessoa muito querida. Ele foi o paraninfo da minha turma, que infelizmente no 14 de fevereiro daquele ano não colou grau porque ele faleceu. Suspendemos a nossa festa de formatura, voltamos posteriormente e colocamos grau na sala do doutor Eletro e não tivemos festa. Ele era o nosso paraninfo. Era um querido, era uma pessoa especialíssima, tinha uma delicadeza e uma coisa que a gente sempre memorava, a delicadeza com que ele lidava com a cor, ele não tinha delicadeza para lidar com o pincel , era a técnica . Ele tinha uma delicadeza para lidar com a cor. Parece que ele escolhia aquilo que de mais elegante, cativo, aquilo que mais adoçasse aquele trabalho que a gente estava fazendo. A gente tinha um afeto muito grande por ele. 10) As cores fortes que ele usava em seus quadros tinha explicação? Maria de Fátima – Talvez esse lado totalmente expressivo da Escola Italiana. A gente percebe que o próprio temperamento deles muitas vezes contracenava na obra ao mesmo tempo que eu tinha uma sutileza de cor , mais clara, mais fria, eu tinha aquele violência da cor mais forte, mais sobrecarregada. Eu tinha nisso, um ímpeto, um espírito criativo, artístico dele. Nós víamos muito disso na obra dele. Obra que ele puxava

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a cor no centro do quadro e você não distinguia a figura você só via como se fossem lambidas de pincel. E ali estava o que ele queria dizer e não na figura que ele compunha. Poucas vezes ele ensinava para nós a compor através da forma. Nós não tínhamos a forma rosto para que eu pudesse compor , mas através das cores, o contorno que me era dado pela cor eu definia o rosto de quem eu estava fazendo e a maneira como eu estava vendo. 11) Qual a importância desses três professores de artes italianos? Maria de Fátima – Eu acho que eles são os personagens importantes dessa história de formação artística para a cidade de Ribeirão Preto. Acho que todos que vêem desse ensino de artes de Ribeirão Preto, desde as primeiras turmas, são ainda devedores desse conceito, desse ensinamento, que de maneira ou outra nós pudemos absorver de cada um deles. Eles foram para nós uma escola artística e eu não tenho medo de dizer, principalmente por mim, eles foram uma escola de vida. Nós aprendemos com eles a matéria, a lição. Não passávamos realmente sem mérito. Eles tinham um crivo impressionante que hoje seria improvável de se utilizar na sistemática que nós temos hoje nas escolas. Mesmo no ensino superior, na formação dos professores de arte, seria hoje improvável de podermos utilizar, mas eles nos educaram artisticamente e nos educaram, acho, que principalmente naquilo que posteriormente, dez anos depois, nós viemos a conhecer como o movimento da escolhinhas de artes. Eu aprendi a olhar a obra de arte. Eu aprendi a fazer a leitura da obra de arte. Eu aprendi a doutrinar o olhar. Eu aprendi a filtrar o olhar e hoje quando eu busco em um aluno, ensinar exatamente que quando ele olhe um ornamento da arquitetura, que ele olhe em especial um trecho somente de uma escultura, ou a cabeça ou a análise daquele braço ou quando eu olho em uma tela eu espero que ele lembre filtre o olhar. A minha maior paixão hoje é quando no ensino superior eu dou um exercício depois de um ano e meio de curso, e eu consigo que o aluno olhe duas linguagens diferentes, artes visuais e arquitetura, por exemplo, e que ele consiga ver, aquela casa,

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uma obra de arte de uma mesma época e que estejam extremamente dialógicas. Que ele consiga ver através do ponto, da linha, da luz e da cor. Que ele consiga fazer esse exercício. E aí normalmente ele vira para mim e diz: mas era tão óbvio e porque eu não enxerguei antes? E naquele dia para mim eu ganhei o ano. Porque? Por que é quando o olhar dele casou, é quando ele não percebeu, mas ele aprendeu. Então eu acho que nesse sentido a nossa escola foi muito boa. Eles foram realmente de uma escolarização acho que do futuro na cidade de Ribeirão Preto.

SILVA, Adriana. A little bit of history of the visual arts of Ribeirão Preto: interview wirh Maria de Fátima da Silva Costa Garcia de Mattos. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, p.11-21.

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DOSSIÊ/SPECIAL

“A Educação brasileira no século XX”

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TRAJETÓRIA DA PROFISSÃO DOCENTE DURANTE O SÉCULO XX

Ramires Santos Teodoro Carvalho*

RESUMO: O texto apresenta saberes necessários para os profissionais da educação, a formação da identidade do professor (reflexivo e pesquisador), apreender as concepções acerca do ensino e a importância em desenvolver competências para ensinar. Analisar as práticas docentes como caminho para repensar a formação inicial e contínua de professores e sua identidade profissional, tendo como base teórico-metodológico a questão dos saberes que constituem a docência e o desenvolvimento dos processos de reflexão docente sobre a prática.

PALAVRAS-CHAVE: Formação Inicial e Contínua; Professor Reflexivo; Identidade; Saberes da Docência.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo a contextualização do problema, dificuldades, erros, acertos durante o século XX e no terceiro milênio que adentramos, cujo cenário encontra-se marcado pela progressividade da revolução científica, pela agilidade das transformações socioculturais, faz-se necessário um ensino científico objetivo para todos. Nesse caso, torna-se obrigatório uma visão para aquele que ensina: o professor, para suas compreensões acerca do ensino e do ser professor de profissão, isto é, aproximar-se dos mecanismos que lhe permitam abordar o ensino e todo o seu contexto circunstancial.

* Graduação em Pedagogia, Especialização em Metodologia de História e Geografia pelo Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail do autor [email protected]. Orientador: Cleide Augusto.

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Portanto, em face ao que foi exposto, justifica-se direcionar o nosso olhar a esta problemática, visando atentar a ruptura e visão externa, do conjunto de reproduções criadas em sua pluralidade a partir de ideias estereotipadas, rebaixando a atuação do professor como um mero técnico reprodutor de conteúdos e esquemas de aprendizado.

1 CONCEITO DE PROFESSOR REFLEXIVO

A definição de „Professor reflexivo‟ vem sendo extensamente discutido nos meios educacionais de diversos países, inclusive no Brasil, a partir dos anos 90, do século XX.

O professor norte-americano John Dewey (1859-1952), caracteriza o pensamento reflexivo como elemento impulsionador da melhoria de práticas profissionais docentes.

O pensar reflexivo compreende uma condição de dúvida, hesitação, ambiguidade, ato de pesquisa e requer indagação, buscando constatar a resolução da dúvida. Para Dewey (1979, p. 24) “a necessidade da solução de uma dúvida é o fator básico e orientador em todo o mecanismo da reflexão”.

Segundo Holec (1979, p.26), o conceito de aprendizagem autônoma é a competência para administrar a própria aprendizagem o que implica em: “Ser capaz de definir objetivos pessoais, organizar e gerir tempos e espaços auto-avaliar e avaliar processos, controlar ritmos, conteúdos e tarefas na sua relação com os objetivos a seguir, procurar meios e estratégias relevantes”.

Podemos observar que a partir da discussão e reflexão anexa começam a emergir novas propostas para a reconstrução da prática pedagógica. Segundo Freire (1996), a formação permanente dos professores é fundamental para a reflexão crítica sobre a prática. “É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1996, p. 44).

Importante salientar que para a melhoria do ensino e suas bases estão assentadas na formação dos professores. São eles os

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responsáveis pela ação educativa e pelo desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.

A formação do professor por meio da prática reflexiva tem como objetivo crucial trazer a consolidação da autonomia profissional.

Alarcão (1996) mostra-nos que os pensamentos do professor Donald Schön ajudaram para que a efígie do professor fosse mais ativo, autônomo e crítico e pudesse fazer suas escolhas questionando aquela do profissional cumpridor de ordens que procedem da sociedade.

Neste sentido, o professor reflexivo se caracteriza como um ser humano criativo, capaz de refletir, analisar, questionar sobre sua prática para agir, e agindo, não seja mero reprodutor de ideias e práticas que lhe são exteriores. Consequentemente, espera-se que o professor reflexivo seja capaz de forma autônoma agir com inteligência e flexibilidade, buscando construir e reconstruir conhecimentos.

As estratégias de formação reflexiva fazem referências com princípios de formação que Vieira e Moreira (1993) definem como enfoque no sujeito, enfoque nos processos de formação, problematização do saber e da experiência, integração teoria e prática e introspecção metacognitiva.

Professor Schön (1995), considera a prática profissional como oportunidade para construção do conhecimento que se realiza por meio da reflexão, análise e problematização. Para o pesquisador, a atuação do educador envolve conhecimento prático (conhecimento na ação, saber-fazer); a reflexão-na-ação (metamorfosear o conhecimento prático em ação); e reflexão-sobre-ação e reflexão-na-ação (que é o nível reflexivo).

Zeichner (1993) diz que a reflexão otimizada por Schön emprega-se a profissionais individuais, cujas metamorfoses que conseguem operar são emergentes: os professores não conseguem modificar as situações além das salas de aula. Para alguns autores Schön tinha consciência das limitações dos profissionais reflexivos, por não especificar os pensamentos sobre a linguagem, sistemas de valores, método de compreensão e a forma de definição do conhecimento. Os

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princípios fundamentais para que os professores consigam mudar a produção do ensino, segundo ideais de igualdade e de justiça. Portanto, não basta apenas à reflexão, é necessário ao professor, competência para intervir nas situações concretas e reduzir tais problemas. Os professores não refletem sobre a metamorfose, pois, são condicionados ao contexto em que atuam. Nesse sentido, considera-se que a óptica de Schön é reducionista e limitante por evitar contextos institucionais e conjecturar a prática reflexiva de modo individual.

Os professores exercem um papel eminente na estruturação e produção do conhecimento pedagógico e estas ações refletem na instituição, na escola, no aluno e na sociedade em geral. Desta maneira, o professor tem papel ativo na educação e não um papel simplesmente técnico que se limita à execução de normas e receitas ou à aplicação de teorias exteriores à sua própria identidade profissional. Isso nos mostra que a profissão docente é uma tarefa exímia para intelectuais e implicam num saber fazer (Santos, 1998).

2. REFLETIR NA AÇÃO, SOBRE A AÇÃO E SOBRE A REFLEXÃO NA AÇÃO

As ações para formação continuada de professores no Brasil intensificaram-se na década de 1980 (BRASIL, 1999). A partir da década de 1990 a formação continuada passou a ser analisada como uma das estratégias indispensáveis para o processo de construção de um novo perfil profissional do professor (NÓVOA, 1991; GARCIA, 1994, PIMENTA, 1994, ESTRELA, 1997; GATTI, 1997; VEIGA, 1998).

Baseado nos estudos desenvolvidos por Schön (1995), Alarcão (2003) Perez-Gómez (1992), foi possível organizar as operações que envolvem o modelo reflexivo a partir de quatro conceitos e/ou movimentos básicos: o conhecimento na ação; a reflexão na ação; a reflexão sobre a ação; e a reflexão para a ação.

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Por isso, a postura reflexiva do professor não só requer o saber fazer, como também saber educar de forma consciente, para que suas práticas e decisões sejam tomadas para o favorecimento da aprendizagem do aluno. Segundo Perrenoud (2002), ensinar é, antes de tudo, agir na urgência, decidir na incerteza.

Para o educador Paulo Freire (2001) a reflexão nada mais é que: fazer e o pensar, entre o pensar e o fazer, ou seja, no “pensar para o fazer” e no “pensar sobre o fazer”.

Segundo Pimenta (1996) diretrizes e decisões político-curriculares, direcionam para a magnitude do triplo movimento sugerido por Schön, da reflexão na ação, da reflexão sobre a ação e da reflexão sobre a reflexão na ação, à medida que o professor compreende-se como profissional autônomo.

Refletindo sobre o tema, Pimenta (2000) nos mostra que o saber docente não é constituído apenas da prática, mas também pelas teorias da educação. A teoria tem magnitude crucial na formação dos docentes, pois concede aos indivíduos diferentes pontos de vista para uma ação contextualizada, propiciando perspectivas de análise para que os professores conheçam os contextos históricos, sociais, culturais organizacionais e de si próprios como profissionais.

O professor encontra-se em processo contínuo de formação, refletir sua formação significa pensá-la como um continuum de formação inicial e contínua. “Entende, também, que a formação é, na verdade, autoformação, uma vez que os professores reelaboram os saberes iniciais em confronto com suas experiências práticas, cotidianamente vivenciadas nos contextos escolares”. (PIMENTA, 1997, p. 11).

É nessa contenda de trocas de experiências e práticas que docentes vão constituindo seus saberes como praticum, isto é, aquele que imutavelmente reflete sobre a prática

Para Freire (2001, p. 53) a crítica é a curiosidade epistemológica, resultante da transformação da curiosidade ingênua, que criticizar-se. Corroborando com essa ideia Freire afirma:

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A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ele algo que fizemos.

Segundo Lastória, (2004 apud MIZUKAMI et al. 2002), a

premissa básica do ensino reflexivo, é a questão de analisar as crenças, valores e as hipóteses que os professores manifestam sobre seu ensino, matéria, conteúdo do currículo que trabalham, sobre seus alunos e sobre a própria aprendizagem que se pauta na prática docente.

A concepção de professor reflexivo não se exaure no contíguo da sua ação docente. De acordo com Alarcão (1992, p. 24-35)

Ser professor implica saber quem sou, as razões pelas quais faço o que faço e conciencializar-me do lugar que ocupo na sociedade. Numa perspectiva de promoção do estatuto da profissão docente, os professores têm de ser agentes ativos do seu próprio desenvolvimento e do funcionamento das escolas como organização ao serviço do grande projeto social que é a formação dos educandos.

Pérez-Gómez (1992), referindo-se a Habermas, pontua que a

transformação da prática dos professores deve dar-se, numa perspectiva crítica. Assim, deve ser adotada uma postura cautelosa na abordagem da prática reflexiva, evitando que a ênfase do professor não venha operar, estranhamente a separação da sua prática do contexto organizacional no qual ocorre. Fica, portanto, evidenciado a necessidade da realização de uma articulação, no âmbito das investigações sobre a prática docente reflexiva, entre práticas cotidianas e contextos mais amplos, considerando o ensino como prática social concreta.

No começo do século XXI, a escola é acareada com a necessidade de responder à democratização do sistema de ensino. Esse

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aspecto amplia a concepção de saber escolar e coloca-o em diálogo com o saber dos alunos e com a própria realidade nas quais as práticas sociais se desenvolvem.

Quando refletimos sobre a formação da identidade do professor nos reportamos a Pimenta (1999). A formação continuada, deve fomentar a apropriação dos saberes pelos docentes, no sentido à autonomia, para conduzir a prática crítico-reflexiva, contemplando o cotidiano escolar e seus saberes oriundo da experiência docente. Contudo, o conceito de formação continuada deve contemplar de forma coesa:

(1) a socialização do conhecimento produzido pela humanidade; (2) as diferentes áreas de atuação; (3) a relação ação-reflexão-ação; (4) o envolvimento do professor em planos sistemáticos de estudo individual ou coletivo; (5) as necessidades concretas da escola e dos seus profissionais; (6) a valorização da experiência do profissional. Mas, também: (7) a continuidade e a amplitude das ações empreendidas; (8) a explicitação das diferentes políticas para a educação pública; (9) o compromisso com a mudança; (10) o trabalho coletivo; (11) a associação com a pesquisa científica desenvolvida em diferentes campos do saber (ALVES, 1995 apud CARVALHO; SIMÕES, 1999, p.4).

Desta forma, a escola será o ambiente de formação do

professor e a prática educativa o conteúdo dessa formação. A reflexão do professor pautará um “um investigador da sala de aula, que formula suas estratégias e reconstrói a sua ação pedagógica” (ALMEIDA, 2002 p.28), assim como afirma Silva (2005 p.28), “a prática transforma-se em fonte de investigação, de experimentação e de indicação de conteúdo para a formação”.

A formação contínua de professores é afrontada como um continuum Lastória apud Mizukami et al. (2002). Dessa forma, a formação continuada coloca no cerne das atenções, o desenvolvimento

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pessoal e social dos formandos, desenvolvendo sua identidade profissional conforme suas experiências de formação social.

Os fatores que interferem sobre a educação e a profissão docente, apontam os principais desafios que o professor precisa vencer para conquistar a autonomia profissional.

Conceitos de ciência interdisciplinar apontam os benefícios, caso haja um dialogo entre as ciências, observando como as representações sociais estão presentes e interferem significativamente na prática educativa e na formação docente.

O principal objetivo do professor é buscar a consolidação da autonomia profissional mais ativa, crítica e reflexiva, capaz de avaliar e questionar a prática docente a fim de agir sobre ela e não como um mero reprodutor de ideias e práticas que lhes são impostas, capaz de ser livre para fazer escolhas e tomar decisões, contestando aquela do profissional cumpridor de ordens que emanam de fora das salas de aula.

O professor de hoje não tem tempo para refletir suas ações na sociedade, em contrapartida, a sociedade também não tem tempo para o papel da profissão docente e a importância da mesma e, sobretudo, porque a sociedade, pós-industrial, nem sequer reconhece a nobreza e a complexidade do seu trabalho.

3. GÊNESE E CRITICA DE UM CONCEITO

Segundo Kemmis (1985) a sala de aula é o lugar de

experimentação e investigação, onde o professor é aquele que se dedica a refletir a melhoria dos problemas numa compreensão limitada, pois há influência da sociedade sobre suas práticas e ações, por conseguinte, o conhecimento o torna produto de contextos sociais e históricos. Nessa diretriz, Giroux (1997), afirma que a simples reflexão no labor docente em sala de aula é escasso para poder compreender os elementos que são regularizadores da prática profissional.

Uma identidade profissional se constrói a partir da significação social, da revisão permanente dos significados sociais e das tradições da

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profissão; assim como, da reafirmação de práticas ratificadas culturalmente e que permanecem significativas.

Segundo Garrido (2006), as práticas que resistem às inovações, estão repletas de saberes válidos da realidade; do confronto entre as teorias e práticas, da análise sistêmica das práticas à luz das teorias existentes. Portanto, a nova construção de teorias, significa que cada professor, na qualidade de ator e autor, confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, o modo a situar-se no mundo, de sua história de vida, suas representações, de saberes, suas angústias e anseios, do sentido que tem em sua vida: o ser professor.

O desafio, posto aos cursos de formação inicial é de contribuir para o processo de “passagem dos alunos de seu ver o professor como aluno ao seu ver-se como professor, isto é, construir a sua identidade de professor”. (PIMENTA, 1996, p.19).

A influência da apropriação e produção das teorias para a melhoria das práticas de ensino e dos resultados vem analisar a prática dos professores, considerando não somente a pluralidade social, heterogeneidade de saberes, como também a desigualdade nos sentidos sociais, econômicos, culturais e políticos. Assim, Carr (1995) direciona a transformação das características efêmeras das práticas dos professores para uma perspectiva crítica.

Giroux (1997, p.37) desenvolve a partir das limitações de Schön uma concepção de professor como intelectual-crítico, ou seja, a reflexão é uma interação coletiva para incorporar a análise dos contextos escolares no sentido da reflexão: “um compromisso emancipatório de transformação das desigualdades sociais”.

A escola e professores deixam de ser homogêneos e passivos e tornam-se agentes transformadores, assim, ao analisamos como estes podem desempenhar processos de interação nas quais a escola represente o lugar de reflexão crítica. As propostas educativas apresentam um discurso para preparar para a vida adulta com a capacidade crítica em uma sociedade pluralista. Em contrapartida, o labor do professor e a contextualidade da escola se estruturam para

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negar estas finalidades. Nesse paradoxo, os professores suportam as pressões que o contexto social e institucional exercem sobre eles, com isso suas preocupações e perspectivas se reduzem a análise da sala de aula.

A centralidade do professor passou a ser a valorização do seu pensar, do seu sentir, de suas crenças e valores como perspectivas importantes para compreender o seu fazer. Os professores não se reduziram às salas de aula, nem limitaram-se a executar currículos, ao contrário, elaboram, definem e reinterpretam-nos. Assim, a priori de elaborar pesquisas para a compreensão da atividade docente nos processos de construção da identidade, personalidade e desenvolvimento da profissionalização, para o desenvolvimento do status e liderança.

Partindo da ótica conceitual levantada em torno do professor reflexivo, empregamos a valorização e o desenvolvimento dos saberes, quão a valorização como sujeitos intelectuais capazes de produzir conhecimentos, colaborar nas decisões da gestão escolar, mediando à compreensão para a reinvenção da escola democrática.

Ser professor exige a valorização de formação no trabalho crítico-reflexivo, na práxis que realiza e nas experiências compartilhadas. Nesse sentido, entende que a teoria proporciona pistas e chaves de leitura, mas isto não expressa ficar ao nível dos saberes individuais. Pimenta (1996) nos mostra que a primazia da formação inicial passa por três tipos saberes: saberes de prática reflexiva, teoria especializada e saberes de militância pedagógica.

O que coloca os elementos para produzir a profissão docente, dotando-a de saberes específicos que não são únicos, no sentido de que não compõem um corpo acabado de conhecimentos, pois os problemas da prática profissional docente não são meramente instrumentais, mas comportam situações problemáticas que requerem decisões num terreno de grande complexidade, incerteza, singularidade e de conflito de valores.

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A análise realizada no texto nos mostra quão grande contribuição à reflexão valoriza o exercício da docência, os saberes do professor, o trabalho coletivo e das instituições escolares enquanto espaço de formação contínua. Isso evidencia que o professor produz conhecimento a partir da prática, desde que a sua investigação reflita intencionalmente sobre a prática, sistematizando os resultados obtidos com o suporte da teoria. Portanto, como pesquisador de sua própria prática.

Os seguintes problemas apresentados criticam uma perspectiva individualista da reflexão, ausência de criticidade potenciadores de uma reflexão crítica, a demasiada ênfase nas práticas, a impossibilidade da investigação nos espaços escolares e a limitação dessa, nesse contexto. Essas críticas emergem das analises teóricas dos diferentes autores, a partir delas é possível propor possibilidades de superação desses limites sintetizados.

Fica evidente que estamos falando de uma política de formação e exercício docente que engrandece os professores e as escolas como capazes de pensar, que articulam os saberes científicos, pedagógicos e do conhecimento na construção e na proposição das transformações necessárias para as práticas escolares e às formas de organizar o espaço de ensinar e aprender, responsabilidade com ensino de resultados e qualidade social. Os professores não são meros executores e cumpridores de deliberações técnicas e burocráticas gestadas de fora. Dessa forma, investimento na formação inicial, no desenvolvimento profissional e investimentos nas escolas, a fim de que formem ambientes capazes de ensinar com qualidade. Segundo Garrido (2006), é necessário à instituição escolar, ser local reflexivo-pesquisador e espaço de análise crítica de suas práticas. A sólida formação, só poderá ser desenvolvida pelas universidades compromissadas com a formação inicial e o desenvolvimento de professores, capazes de aliar a pesquisa nos processos formativos. Dessa maneira, exprimimos um projeto emancipatório, comprometido com a responsabilidade de tornar a escola

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companheira na democratização social, econômica, política, tecnológica e cultural, para que seja mais justa e igualitária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O conceito de professor reflexivo delineada no texto, permite uma análise crítica contextualizada de superar as limitações, afirmando como um conceito que requer o acompanhamento de políticas públicas coerentes para sua efetivação.

Neste sentido, a intervenção no processo de formação dos professores em que as escolas, como instituição principal, desenvolvam ambientes democráticos e crítico, busquem a reflexão e a prática com a missão de educar os alunos para que sejam cidadãos reflexivos e ativos.

Corroborando com essa ideia, Freire (2002, p.68) afirma: “Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”.

Finalizamos destacando a formação dos professores apenas para podermos ter uma premissa sobre a necessidade de investir cada vez mais em situações que promovam a qualidade na Educação, abrangida aqui como a melhoria da formação dos professores Enfim, outro mundo é apetecível e possível para a Educação brasileira.

CARVALHO, Ramires Santos Teodoro. The trajectory of teaching

profession during the twentieth centur. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7.,

n.2., 2011, pp. 25-39. ABSTRACT: The text presents the necessary knowledge for professionals in education, the formation of the identity of the teacher (reflective and researcher), seize the conceptions on the teaching and the importance in developing skills to teach. Analyze the teaching practices as a way to rethink the initial and in-service training of teachers and their professional identity, based on methodological questions of knowledge

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that constitute the teaching and the development of the processes of reflection on teaching practice.

KEYWORDS: Initial and continuing training; Reflective Teacher; Identity; Knowledge of Teaching. REFERÊNCIAS ALARCÃO, Isabel (1992). Continuar a formar-se, renovar e inovar. A formação contínua de professores. Revista da Escola Superior de Educação de Santarém, p. 24-35, 1992. ALARCÃO, Isabel (org.). Formação reflexiva de professores. Estratégias de supervisão. Porto Portugal: Porto Editora LDA, 1996. ______. Professores reflexivos em uma escola reflexiva. São Paulo: Cortez, 2003. ALMEIDA, E. R. de S. A formação dos professores das classes especiais para o uso do computador na sala de aula. Recife: UFPE, Projeto de dissertação do mestrado em Educação, 2002. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referências para formação de professores. Brasília, DF: MEC/ SEF, 1999. CARR, Wilfred. Uma teoría para la educatión – hacia uma investigación educativa crítica. Madrid: Morata, 1995. CARVALHO, Janete Magalhães; SIMÕES, Regina Helena Silva. O que dizem os artigos publicados em periódicos especializados, na década de 90 sobre o processo de formação continuada de professora? Artigo publicado em CD-room da XXII ANPEDE. GT Formação de Professores. Caxambu, MG: 1999. DEWEY, John. Como pensamos: como se relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo, uma reexposição. São Paulo: Editora Nacional, 1979. ESTRELA, M. T.; ESTEVES, M.; RODRIGUES, A. Síntese da Investigação sobre Formação Inicial de Professores em Portugal (1990-2000). Porto: Editora Porto, 2002.

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MEMÓRIAS DE LEITURA E FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

Daniele Machado CARVALHO*

Filomena Elaine Paiva ASSOLINI**

Resumo: Essa pesquisa visa investigar a relação que os estudantes de Licenciatura em Pedagogia estabeleceram com a leitura, durante o seu percurso de escolarização, nos níveis fundamental e médio, com a finalidade de compreendermos se e como tal relação ecoa e repercute em seu processo de formação inicial, em particular no que diz respeito à aprendizagem e à aquisição de conhecimentos científicos. As investigações realizadas mostram a importância da memória discursiva, no que diz respeito à compreensão dos ecos e repercussões no processo de aprendizagem dos estudantes universitários, decorrentes de sua relação com a leitura na Educação Básica. Cumpre mencionar, assim, que a formação do docente não começa quando ele se matricula em um curso de Ensino Superior ou em formação continuada, mas sim a partir de momento em que se insere no processo formal de escolarização. Palavras chave: Leitura. Formação Inicial. Memória Discursiva. Aprendizagem. Introdução

A preocupação com a questão da leitura, particularmente no curso de graduação em Pedagogia, despertou nosso interesse por essa investigação. Nossas inquietações nasceram a partir de observações

* Graduada em Pedagogia pela FFCLRP-USP, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail da autora: [email protected]. ** Docente do Departamento de Educação, Informação e Comunicação, FFCLRP-USP, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail da autora: [email protected].

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feitas em nossa própria sala de aula. Sentimo-nos incomodados pelo fato de ouvirmos alguns estudantes, nossos colegas de curso, afirmarem ora que não gostam de ler, ora que não têm tempo para ler o que de fato gostariam, ora que gostariam de mudar as metodologias e práticas pedagógicas desenvolvidas por alguns professores do Ensino Fundamental, em escolas nas quais realizaram seus estágios.

Nossas análises partem das relações que estudantes do curso de Licenciatura em Pedagogia estabeleceram com a leitura, durante todo o seu período de escolarização formal, Ensino Fundamental e Médio. Questionamos se e como tais relações reverberam, hoje, quando ocupam a posição de sujeitos-universitários, além de investigarmos a influência dessas relações para a apropriação de conhecimentos científico-acadêmicos.

Para alcançar nossos objetivos, fundamentamo-nos nos aparatos teóricometodológicos da Análise de Discurso de matriz francesa, nos postulados do referencial Histórico-Cultural, proposto por Chartier e colaboradores e nos estudos e pesquisas sobre a formação inicial de professores.

Queremos destacar que para o desenvolvimento desta pesquisa, contamos com o apoio da Pró-Reitoria de Graduação da Universidade de São Paulo, a partir de nossa inserção no Programa Ensinar com Pesquisa / 2010.

Fundamentação teórica: conceitos definições

Para iniciarmos apresentaremos uma breve exposição dos

conceitos da Análise de Discurso de matriz francesa – teoria à qual nos filiamos e que embasa nossos estudos e investigações.

Fundamentada na teoria semiótica, a Análise de Discurso estuda não a frase ou a palavra isoladamente, mas o funcionamento dos textos e dos sentidos considerando as condições sócio-histórico-culturais, sendo assim, “no discurso temos o social e o histórico indissociados” (ORLANDI, 2006, p. 14).

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Destacamos, aqui, que quando estamos falando de discurso, referimo-nos ao “efeito de sentidos entre locutores” (PÊCHEUX, 1969), ou seja, é um instrumento de comunicação que tem seu funcionamento através da relação entre os locutores e, essa relação, é afetada pela formação discursiva, pelo contexto histórico, pela posição que os locutores ocupam. Portanto, a Análise de Discurso (A.D.) trabalha e estuda essa relação entre o discurso e a exterioridade, entre o discurso e suas condições de produção.

Contra as práticas conteudistas, a A.D. não questiona o seu objeto de análise com questões como: “o que o autor quis dizer?”, “qual a mensagem central do texto?”. Para o analista de discurso, indagações como estas não procuram compreender os sentidos que estão circulando nos textos, “o discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o estudo do discurso observa-se o homem falando” (ORLANDI, 2007, p. 15). Além disso, a A.D. atenta-se à opacidade buscando perscrutar o que o incompleto e o disperso querem dizer, ou seja, questiona o funcionamento da linguagem, “[...] para a Análise do Discurso, a questão que se coloca não é descobrir o que o texto quer dizer, mas trabalhar o texto para descobrir como ele significa” (ORLANDI, 1987, p. 66).

Cumpre lembrar que, para a A.D., a linguagem não é neutra, nem transparente, ou seja, é marcada e influenciada pela ideologia dominante. A linguagem aqui referida não deve ser considerada como algo exato, completo e que não está suscetível a falhas, mas como um instrumento utilizado pelos sujeitos para se tornarem atuantes na sociedade. Uma vez aceita essa característica, não podemos mais deixar de estudar a linguagem fora do contexto social em que ela está inserida.

Dando prosseguimento, trazemos o conceito de interdiscurso que, segundo Orlandi (2007), se trata de todas as formulações já ditas ou vistas que foram esquecidas, mas que determinam e influenciam em nosso discurso; irrepresentável, ele é constituído de todos os dizeres “já ditos”. É ele que preside todo o dizer, fornecendo a cada sujeito sua

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realidade enquanto sistema de evidências e de significações percebidas, experimentadas (ORLANDI, 1987, 2001, 2006).

Ao pensarmos no papel do interdiscurso na formulação de um novo discurso, podemos nos aprofundar e pensarmos que não existem sentidos que não possuam relações com outros, uma vez que, ao falarmos estamos sendo influenciados, inconscientemente, por vozes já ditas antes em outro contexto e, possivelmente em outra formação discursiva: “[...] um sujeito não é homogêneo, e sim heterogêneo, constituído por um conjunto de diferentes vozes” (FERNANDES, 2005, p. 13).

É válido salientar que o discurso do sujeito – o intradiscurso –, aquele que o sujeito acredita ter originado em si, constitui-se pelo interdiscurso, o que contraria e desmonta a crença do sujeito como fonte e origem do sentido. Paula (2008) lembra que a relação que o sujeito do discurso mantém com o interdiscurso nos remete ao processo de constituição do sujeito (do inconsciente), da forma como nos ensina a psicanálise lacaniana (LACAN, 1957, 1998).

Um outro conceito que permeia essa pesquisa é o que se refere à memória discursiva, que segundo Pêcheux (1997, 1999), é a memória dos sentidos constituídos pela relação dialética que se estabelece entra e Língua e a História. É um tipo de memória que se busca a partir de indícios deixados pelos acontecimentos histórico-linguísticos, nas superfícies dos arquivos a serem lidos.

Com relação ao referencial Histórico-Cultural nos embasamos nos postulados de Chartier (1999) e colaboradores no que se refere às práticas de leitura no decorrer da história da humanidade, as concepções de leitura, a sua significância sócio-cultural e as diversas maneiras para sua prática.

Em suas pesquisas, Chartier procura compreender como se deram as práticas de leitura, sem deixar de levar em consideração especificidades e condições que levaram o homem a realizá-las. Para o autor, não podemos estudar essa prática sem nos atentarmos, também,

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às condições históricosociais que a influenciaram. Segundo Chartier (1990),

a história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objecto identificar o modo como em diferentes lugares e movimentos uma determinada realidade social é construída, pensada, dada a ler (p. 16- 17).

É fundamental lembrar que, no enfoque discursivo, os sentidos e

os sujeitos não são entendidos como estáticos, mas como movimento e historicidade. Historicidade, em nova perspectiva teórica,

[...] não se define pela cronologia, nem por seus acidentes, nem é tampouco evolução, mas produção de sentidos [...] não há história sem discurso. É aliás, pelo discurso que a história não é só evolução, mas sentido, ou melhor, é pelo discurso que não se está só na evolução, mas na História (ORLANDI, 1990, p. 14).

De um ponto de vista discursivo, portanto, história é entendida

como trama de sentidos, que não se confunde com a cronologia de fatos, mas que se define como produção de sentidos sobre o real, que determina essa cronologia, intervindo na constituição dos sujeitos e no funcionamento da linguagem. Concordando que a historicidade é que constitui o funcionamento das práticas de leitura, não podemos deixar de citar a influencia da ideologia numa dada sociedade.

O filósofo Foucault (1979), ao problematizar a noção de ideologia, instiga-nos a pensar como são produzidos, historicamente, efeitos de verdade no interior de discursos. Tais efeitos não são, em si, nem verdadeiros, nem falsos. Eles permitem considerar a ideologia em seu funcionamento, no jogo discursivo em que se travam pequenas e cotidianas batalhas pelos jogos de verdade.

Com base nos estudos nietzschianos, Foucault (1979 e 1988) afirma que a verdade não pode ser entendida como única, fixa, estável, mas como verdades que são constantemente construídas e postuladas

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para certos momentos, em dados lugares; se existem escolhas, a verdade já não pode ser uma. Foucaut (1979 e 1988) explica que a verdade está circularmente ligada a sistemas de poder, que a produzem e a apoiam e também, está relacionada a efeitos de poder que ela induz e produz.

Com relação à questão da interpretação, que na perspectiva discursiva, é uma injunção, o que significa que, face a um objeto simbólico, o sujeito se encontra na necessidade de dar sentido, é relevante explicarmos que o Discurso Pedagógico Escolar – D.P.E. – pode silenciar os sentidos através da paráfrase ou incentivar que os educandos exponham seus pontos de vistas e interpretações possíveis através da polissemia.

Isso nos faz entender que a leitura de um texto permite que os sentidos ecoem e sejam estabelecidos conforme a historicidade do sujeito-leitor e as múltiplas posições que pode estar inserido. Cumpre lembrar que os sentidos caminham de maneira tortuosa e que quem estabelece esse caminho percorrido são as condições de produção as quais o indivíduo se encontra.

Para encerramos esse momento trabalharemos agora com a questão da Formação Inicial de professores, o que queremos destacar é que durante o período de graduação as vivências e experiências escolares que fizeram parte da história de vida do futuro professor não podem e não devem ser desconsideradas, uma vez que, mesmo que ele não se dê conta disso, as marcas e os ecos dessas vivências, que constituem a sua memória discursiva, irá reverberar em sua futura atuação profissional.

Concordamos com Coracini (2000), quando afirma que a formação do docente não começa quando ele se matricula em um curso de ensino superior ou em formação continuada, mas sim a partir do momento em que o futuro professor passa a ter contato com o ambiente escolar, ou seja, quando ingressa na educação infantil ou nas séries iniciais do ensino fundamental. São essas primeiras relações entre

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professor-aluno e aluno-escola que influenciarão, inconscientemente, na forma como o docente em formação irá ministrar e formular suas aulas.

Tendo em vista, portanto, que a leitura constitui-se em ferramenta basilar para a formação docente e, considerando que as histórias de leituras dos estudantes não devem ser desconsideradas, assinalamos que: “ler é fazer-se ler e dar-se a ler” (GOULEMOT, 1996, p. 116). Em outros termos, ler é produzir sentidos a partir de diferentes posições que podemos ocupar ao longo de nossa história de vida. Essa produção de sentidos sustenta-se e alimenta-se de nossas leituras anteriores ou, como diz Goulemot (1996), na nossa “biblioteca vivida” (p. 116). Portanto, quanto mais rico o arquivo do futuro professor, quanto mais bem nutrida sua memória discursiva, quanto mais bem constituída sua biblioteca, maiores condições e recursos ele terá para exercer sua profissão. Ou, como diz Assolini (2009, 2010), permitir a emergência da subjetividade do sujeito. De acordo com a autora, a valorização da subjetividade do educando e do próprio educador poderia contribuir positivamente, no sentido de que o imaginário acerca do educador (docente) pudesse ser deslocado, possibilitando aos educandos (estudantes universitários) compreender melhor o docente, enquanto sujeito que ocupa, em determinadas condições de produção, a posição de um sujeito a quem cabe não a simples transmissão de conhecimento, a de um sujeito que detém o saber, mas sim um docente-pesquisador, mediador, entre a cultura e os conhecimentos científicos disponibilizados e os estudantes.

Com relação a isso entendemos que a Universidade deve abrir espaços para que os estudantes possam realizar leituras e interpretações que não se restrinjam à paráfrase, ou seja, à reprodução de sentidos estabilizados, cristalizados. Consideramos que, ao ampliar as condições de produção, para que os estudantes possam realizar leituras que não as acadêmicas, propriamente ditas, a Universidade e, especialmente os cursos de licenciatura, podem contribuir para ampliar e aprimorar a criatividade do estudante.

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Entendemos que o curso de licenciatura em Pedagogia poderia, desde os semestres iniciais do curso, oferecer aos estudantes oportunidades para se inscreverem em formações discursivas que admitissem a diversidade de sujeitos-leitores, bem como para realizarem leituras intertextuais. A noção de intertextualidade implica a relação que um texto tem com outros textos. Indurky (2001, p. 29-30) tratando dessa questão, define a intertextualidade como a retomada, releitura que um texto produz sobre outro texto, aproximando-se para transformá-lo ou assimilá-lo. Assim, o processo de intertextualidade lança o texto a uma origem possível.

Nessa perspectiva, Assolini (1999, 2003, 2006, 2008, 2009, 2010) vem desenvolvendo estudos que mostram que, quando o estudante não pode ocupar a posição-sujeito de intérprete-historicizado, dificilmente ele poderá ou conseguirá ocupar a posição-autor. Assim, quando a instituição escolar silencia a produção de outros sentidos, de outras leituras, de outras interpretações, ela impede a criação de reais espaços interpretativos que poderiam possibilitar aos alunos se inscreverem no interdiscurso, criarem sítios de significância e historicizarem os sentidos.

Aspectos metodológicos

O processo metodológico da presente pesquisa envolveu, inicialmente, a realização de dez entrevistas semiestruturadas com graduandos, de períodos diversos, do curso de Pedagogia de uma universidade pública do Estado de São Paulo. Essas entrevistas resultaram em recortes que serão analisados e discutidos – as sequências discursivas de referência, S.D.R. (Courtine, 1981).

Cumpre enfatizar que procuramos entender, através das entrevistas, as relações que os graduandos de Pedagogia tiveram com a leitura em toda formação escolar e como essas marcas históricas interferem na maneira como eles lidam com a leitura hoje.

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Utilizamos de entrevistas semiestruturadas a fim de que pudéssemos realizar outras perguntas pertinentes ao tema. Além disso, entendemos que, em concordância com Authier-Revuz (1998), através do discurso oral os indivíduos não possuem pleno controle da dispersão dos sentidos, da falha e do equívoco, o que nos permite compreender e interpretar a discursividade, os traços deixados em sua produção, o dito e o não dito, traços que se manifestam pelo equívoco, pelas falhas, pelas rupturas da língua em relação ao sujeito, possíveis de serem capturados, na relação intradiscurso e interdiscurso. Nessa relação recai a ênfase metodológica de nosso trabalho.

Como diz Authier-Revuz (1998): “[...] o texto oral, em que não se podem suprimir as reformulações, deixa mecanicamente, no fio do discurso, os traços do processo de produção (p. 97); portanto, todas as entrevistas foram gravadas e transcritas literalmente pela própria estudante bolsista e, a partir delas, buscamos compreender as histórias de leitura que os estudantes tiveram em sua formação básica e o que isso trouxe como consequência para a forma como lidam com a leitura. Além disso, através da utilização de entrevistas semiestruturadas, os estudantes narram e descrevem sobre suas vidas, de forma que sua subjetividade então emerja.

Segundo Guedes-Pinto, Gomes e Silva (2008), ao falar de si, de suas experiências passadas, os indivíduos resgatam de seus arquivos de memória não só aquilo que realmente aconteceu, mas também o que poderia ter acontecido e aquilo que eles gostariam que acontecesse. Nosso trabalho, então, foi verificar essas nuances presentes no discurso, referentes ao que o sujeito pensa sobre a leitura e o que realmente se passou em sua história de vida, pois

assumir que a memória também pode ser uma possibilidade de mudança, uma alternativa para as situações já vividas ou em curso significa assumir também que, ao construirmos um trabalho de pesquisa pautado nos pressupostos teóricos da História Oral, estamos diante de um grande mosaico (GUEDES-PINTO, GOMES e SILVA, 2008, p. 22).47

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Ou seja, tanto a memória discursiva do sujeito quanto as

diversas interpretações que podemos fazer delas vão se interligando e formando nosso objeto de estudo. A realização das entrevistas e a sua transcrição literal consiste no primeiro passo, rumo ao tratamento dos fatos linguísticos. Trata-se de um primeiro momento, no qual o analista decide o que fará parte do corpus.

Para a constituição do nosso corpus, delimitamos alguns recortes discursivos baseados em nosso objeto de estudo. Segundo Fernandes (2008), “trata-se da seleção de fragmentos do corpus para análise, ou seja, ele precisa ainda selecionar pequenas partes, escolhidas por relações semânticas, tendo em vista os objetivos do estudo” (p. 65), o que quer dizer que no caso dessa pesquisa, este corpus está relacionado com a questão da leitura e a formação de docentes.

Iremos, então, partir para as análises discursivas lembrando que, devido às limitações para o presente artigo, optamos por cinco recortes para o embasamento de nossas considerações finais.

Análises discursivas

Para analisarmos e discutirmos os recortes – as sequências discursivas de referência, S.D.R., (Courtine, 1981) – obtidos através de entrevistas realizadas com estudantes de Pedagogia devemos lembrar que os consideramos como historicamente constituídos e, portanto, permeados e influenciados pela ideologia em que estão inseridos, uma vez que um está em constante processo de formação com o outro. Cabe dizer que os gestos de interpretação que procedemos não escapam da posição de sujeito-estudanteuniversitário(a) inserido em um lugar, em um tempo, em um espaço em que a subjetividade da sua história de vida entra inevitavelmente na interpretação.

O primeiro recorte se refere à questão: As leituras que você realizou, ou não, na infância e na adolescência, contribuíram para se

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aprendizado acadêmico? Como foram essas leituras? Como elas aconteceram? Onde? Com que pessoas?

(1) Na infância? Não. Não contribuíram. Eu não li muito na infância e também, é ... as pessoas não leram para mim. Também ... então, não! Na infância mesmo eu não tive, não que eu me lembre acho que se eu tivesse tido alguma experiência marcante eu me lembraria mas acho que não teve nada marcante. Aí um pouco foram os professores, mas eu também não considero que eles tenham sido significativos. Acho que foi uma outra situação. Na verdade a situação foi assim, é ... posso ir falando assim? É ... depois que eu saí do colegial, do colegial né? Antes era colegial. Eu ... eu comecei a ler outras coisas, li gibi, aí eu me senti livre, eu não tinha que ler aquelas coisas que eram obrigatórias que os professores exigiam, então eu senti uma certa liberdade, agora eu vou ler tudo o que eu quiser. Comecei a ler gibi, na verdade o gibi do Batman e aí eu comecei a gostar muito mais de leitura do que eu gostava quando tava na escola né. Aí do Batman passou para outras coisas como o ... acho que uma das coisas que marcantes foram o Sidney Shaldon (aí eu li vários livros do Sidney Shaldon), achava muito legal. Aí eu cansei e fui pra outra coisa como Agatha Christie, então assim, mais na literatura internacional e daí ... aí que eu comecei a gostar muito mais de outras coisas assim, inclusive coisas brasileiras é Machado de Assis, então só depois que eu saí do colegial que eu comecei a gostar, por exemplo, de literatura brasileira, e lá era obrigado. (Posição de sujeito estudante universitário “A”)

Podemos notar que, a partir das sequências discursivas de

referência – S.D.R. – destacadas, que o sujeito “A” não considera que as leituras realizadas na infância tenham tido significativa importância em sua vida. Percebemos que não é atribuída às instituições de ensino a responsabilidade pelo gosto, hoje, com a leitura: “aí um pouco foram os professores, mas eu também não considero que eles tenham sido significativos” (Sujeito A).

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Podemos observar que o sujeito “A”, em seu processo de escolarização, realizou diversas leituras, concebidas por ele como “obrigatórias”, que ocasionaram o não estímulo e não gosto por tal prática, sendo elas vistas por ele como uma “prisão”. Nesse contexto, trazemos o conceito da leitura parafrástica tal como é postulado por Assolini (1999) em que, o professor, através do Discurso Pedagógico Autoritário, D.P.A., estabelece as leituras e a interpretação, única, do texto trabalhado, desestimulando a atuação do educando,

sendo assim, a „verdade‟ é imposta pela voz do saber que fala no professor, autoridade convenientemente titulada, aceita e reconhecida como legítima, no espaço escolar. Lembremo-nos de que a imagem social do aluno é a de um sujeito que não possui conhecimento algum, cabendo-lhe, assim, submeter-se ao discurso e às imposições da posição-professor, que, supostamente, exerce o domínio exclusivo do conhecimento e, na maior parte das vezes, não admite discordâncias ou contribuições diferentes e até mesmo imprevisíveis (ASSOLINI, 1999, p. 105).

É pertinente assinalar, também, que as leituras realizadas pelo

sujeito “A”, quando afirma “eu senti uma certa liberdade”, permitem-nos pensar que, naquele momento de sua história de vida, ele consegue estabelecer com a leitura uma relação prazerosa, posto que está inserido em formações discursivas que lhe dão oportunidade de experimentar “uma certa liberdade”. Segundo nosso gesto interpretativo, trata-se de uma liberdade que lhe permitiria selecionar e escolher livros e textos, neste caso gibis, que fazem vivenciar situações agradáveis com as quais se identifica: “Comecei a ler gibi, na verdade o gibi do Batman e aí eu comecei a gostar muito mais de leitura do que eu gostava quando tava na escola né”.

No que diz respeito à questão da obrigatoriedade da leitura, no contexto escolar, quereríamos destacar que, em toda formação social, se fazem presentes diferentes formas de controle da interpretação. Esse controle advém, segundo Pêcheux (1995), de um lado da necessidade

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que tem todo sujeito de dominar sua relação com o não sentido, ou como diz o próprio filósofo, de ter um mundo “semanticamente normal” e, de outro, da necessidade de toda sociedade de administrar a relação do sujeito com os sentidos.

Lembramos aqui a imprevisibilidade decorrente da relação do sujeito com os sentidos ou, como salienta Orlandi (2001),

[...] não é porque o processo de significação é aberto que não seria regido, administrado. Ao contrário, é justamente pela abertura que há determinação: lá onde, a língua, passível de jogo (ou afetada pelo equívoco) se inscreve na história para que haja sentido (p. 20).

A instituição escolar enquanto aparelho ideológico, no dizer de

Althusser (1974), gerencia os sentidos que podem circular, ou seja, circulam os sentidos que ela, a instituição escolar, julga adequados para atingir os seus fins que, na maioria dos casos, não correspondem, na prática, ao que consta nos projetos político-pedagógicos.

Ainda em relação ao recorte número 1, gostaríamos de nos deter na seguinte sequência discursiva: “Aí um pouco foram os professores, mas eu também não considero que eles tenham sido significativos”. Como pode ser constatado, o sujeito “A”, nega a influência de seus professores, em sua infância, negando as contribuições para a sua formação como sujeito-leitor.

Ocupando-nos da marca linguístico-discursiva da negação, trazemos Castro (1992, p. 5), que a entende como “[...] um momento privilegiado no qual toda a multivocidade da linguagem se evidencia”.

É interessante salientar que Freud, já no início do século XX, ensina-nos que, ao negar, o sujeito está afirmando. De acordo com o pai da Psicanálise, “[...] a negação constitui um modo de tomar conhecimento do que está reprimido; com efeito, já é uma suspensão da repressão, embora não, naturalmente, uma aceitação do que está reprimido” (FREUD, 1925, p. 296).

Em diálogo com o autor acima citado, trazemos Indursky (1997) que nos esclarece que “a negação revela, embora tente camuflar, o que

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é e não é dito ao mesmo tempo” (p. 68). Assim, embora o sujeito “A” não se dê conta, ao negar, traz à tona uma verdade como bem coloca Castro, com quem compartilhamos: “[...] a negação é um modo de a verdade, vale dizer, a verdade do inconsciente, se revelar e se ocultar ao mesmo tempo” (CASTRO, 1992, p. 5).

Com relação às experiências com a leitura durante o ensino fundamental e médio, destacamos os seguintes recortes:

(2) Bom no fundamental ... é o que eu falei: os livros eu achava mais interessantes, porque os professores se preocupavam com livros que se adequavam à faixa etária que eu estava. Quando foi pro Ensino Médio, no sistema de só pensando no vestibular, então, tinha professor que nem dava o livro completo; já dava o resumo pronto porque você tinha que saber o que tava no livro só pra fazer prova. (Posição de Sujeito estudante universitário “B”) (3) No Ensino Fundamental não tinha tanto aquela obrigação de ler, né? Era uma coisa mais livre. Eu pegava livro porque eu gostava mesmo de ler e não era aqueles livros difíceis igual no Ensino Médio e na graduação, mas eu lia. Era assim com menos frequência do que no Ensino Médio. Agora no Ensino Médio tinha que ler mais aquelas leituras obrigatórias, principalmente de português, redação, literatura e história. Tinha muitos textos – aí já era mais obrigatório ler. (Posição de Sujeito estudante universitário “C”)

Nos recortes escolhidos, notamos que durante todo o processo

de escolarização os estudantes não tiveram outra relação com a leitura que não fosse através da imposição, da obrigatoriedade. Observa-se que essa característica se agrava durante o Ensino Médio devido às exigências dos vestibulares.

É importante destacar que o sujeito-professor, para que seus educandos obtenham bons resultados nessas avaliações, acaba procurando alternativas como os “resumos”, para que eles possam compreender rapidamente a mensagem central da obra. Atitude essa que inibe as diversas interpretações que podem ser formuladas através de uma leitura atenta da obra, pois “a interpretação é sempre regida por

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condições de produção específicas que, no entanto, aparecem como universais e eternas. Disso resulta a impressão do sentido único e verdadeiro” (ORLANDI, 2006, p. 25).

Além disso, esse apagamento da interpretação própria do leitor não permite que o estudante ocupe e exercite seu gesto de autoria.

O fato de o ensino da leitura estar sustentado pela ilusão de sentido literal ou do efeito referencial traz como conseqüência o entendimento de que compreender o texto significa simplesmente ir ao código lingüístico e buscar „o‟ sentido que estaria colado à palavra. Sendo assim, a atividade de compreensão textual, isto é, saber como um objeto simbólico produz sentidos, saber como as interpretações funcionam, reduz-se à transcrição de respostas dadas pelo próprio professor (que as copiou do manual didático), antes mesmo de o aluno refletir sobre o texto (ASSOLINI, 1999, p. 222).

Em relação a isso e levando em consideração a contribuição da

História Cultural através dos postulados de Chartier (1999), destacamos que a leitura é uma prática histórica, que se deve levar em conta a historicidade tanto de locutor quanto do interlocutor para que se produzam gestos de interpretação. As práticas de leitura não são algo estático, mas relacionam-se ao momento histórico e às condições de produção. Quanto ao caráter histórico da leitura, concordamos que “[...] na história da leitura, se pensarmos na leitura como uma prática, há a cada dia milhões de indivíduos que realizam milhões de atos de leitura” (CHARTIER, 2001, p. 101).

Acreditando na importância da historicidade do sujeito para a aquisição positiva da prática de leitura, analisaremos, agora, a influência do professor, visto como um modelo no que se refere a essa questão, na vida desses estudantes.

O recorte número quatro é referente à questão: Você lembra de algum (a) professor (a) que tenha sido um modelo, uma referência, no que se refere a leitura de maneira ampla? Teve algum professor que te marcou?

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(4) Então, modelo de leitura assim, não! Eu lembro que tinha um professor de biologia. As aulas dele eram muito boas e por causa da forma com ele ministrava a matéria, eu comecei a ler por conta livros e revistas sobre paleontologia, sobre fitologia; ele não indicava, a matéria dele que era muito boa! Eu gostei, despertei o interesse por causa do jeito que ele dava a aula, como ele trabalhava com a matéria e eu, por conta, comecei a ir atrás, mas da escola mesmo não tinha muita, muita coisa não. (Posição de Sujeito estudante universitário “D”)

O que nos chama a atenção é que, quando se pensa em

incentivo à leitura, logo se estabelece que essa tarefa é, somente, do professor de literatura e língua portuguesa. Como podemos notar, esse incentivo é responsabilidade de toda escola e, consequentemente, de todo corpo docente.

Decorre daí a importância da formação profissional docente, pois, mais do que nunca, o estudante da sociedade atual – quer seja da Educação Básica, quer seja do Ensino Superior – tem a expectativa por situações de ensino não mais fundamentadas na simples e inócua “transmissão de conhecimentos”, mas sim a partir de situações que lhe assegurem possibilidades de investigação e pesquisa; associação e relação entre teoria e prática e, sobretudo, elaboração de um conhecimento em que se coloque como autor de seu próprio dizer.

Iremos nos dedicar, agora, à análise de recortes referentes à relação que os estudantes universitários do curso de Pedagogia estabelecem com a leitura durante a graduação. A questão formulada foi: Como você pretende trabalhar com a leitura, quando ocupar a posição professor(a)?

(5) Eu pretendo incentivar a leitura, e eu pretendo assim, é... mostrar para os alunos como é gostoso ler e apresentar pra eles vários tipos de literatura. Porque, muitas vezes, a criança pode não se interessar pela leitura porque é imposto a ela algo (de) que ela não gosta, mas de repente você mostra, dá opções pra ela: “olha você pode ler isso, não só o livro você pode ler história em quadrinhos, você pode ler

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poesia”, eu acho que o interessante, a chave (a partir de) que você pode atrair o leitor, é dar as opções pra ele ler. (Posição de Sujeito estudante universitário “E”)

Para a análise dessa última questão, deter-nos-emos

primeiramente, na sequência discursiva “Eu pretendo incentivar a leitura, eu pretendo assim, é... mostrar para os alunos como é gostoso ler e apresentar pra eles vários tipos de literatura” relacionada à formação imaginária, por parte do estudante “E”, de que, no futuro, quando ocupar a posição professor, trabalharia a leitura considerando diversos gêneros textuais.

É válido lembrar que as formações imaginárias são constitutivas do discurso, uma vez que todo discurso é direcionado (inconscientemente) em função da imagem que o sujeito faz de si, do outro e do objeto do qual fala.

No que concerne às sequências discursivas, “porque muitas vezes a criança pode não se interessar pela leitura porque é imposto a ela algo (de) que ela não gosta, mas de repente você mostra, dá opções para ela” e “eu acho que o interessante, a chave (a partir de) que você pode atrair o leitor, é dar as opções para ele ler”, nossos gestos de interpretação levam-nos a compreender que o sujeito “E” está falando de si, de suas próprias experiências – logicamente que de maneira indireta, camuflada, oblíqua. Ao dizer “porque é imposto a ela algo (de) que ela não gosta”, o sujeito-estudante-universitário “E” está falando que lhe foram impostas situações pedagógicas com a leitura das quais não gostou ou com as quais não concordou.

Compreendemos “história de vida”, tal como propõe Coracini (2003a) em seu texto “A subjetividade na escrita do professor”, não como um monumento capaz de ser construído – história verídica, capaz de ser rememorada, mas sim como “fragmentos de discursos que carregam consigo fragmentos de uma realidade sócio-histórica” (p. 03) .

Como já observado em outros capítulos, temos como base teórica a noção de um sujeito cindido, atravessado pelo inconsciente, cujo discurso, no vão desejo de controlar os sentidos exibe falhas, furos,

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desejos, ficando a linguagem entendida como o lugar do equívoco ou, como explica Orlandi (1999, 2001, 2006), para a língua fazer sentido é preciso a história intervir e com ela o equívoco, a ambiguidade, a espessura material do significante.

O sujeito não tem acesso ao modo como os sentidos se constituem nele, uma vez que é afetado pela memória discursiva, pelas suas filiações, que vão historicizando a trajetória de cada um.

No caso acima, parece-nos que o sujeito “E” é impingido a entrar em formações discursivas nas quais predominam alguns traços de autoritarismo no processo de ensino-aprendizagem. Ele parece não concordar nem se identificar com essas formações discursivas. Lembremos que a identidade do sujeito é afetada enquanto sujeito do discurso, pois de acordo com Pêcheux (1995), a identidade resulta de processos de identificação, segundo os quais o sujeito deve inscrever-se em uma (e não em outra) formação discursiva para que suas palavras tenham sentido.

Sendo assim, o significante “opções”, que aparece duas vezes no recorte acima, nos permite perscrutar o desejo do sujeito de levar para a sala de aula metodologias de ensino diferentes das quais vivenciou em sua historia.

Em suas formações imaginárias, ele projeta sua futura atuação com base no entendimento de que o trabalho pedagógico com diferentes gêneros textuais constitui-se em alternativa vigorosa para o desenvolvimento de uma prática pedagógica escolar diferenciada com a leitura.

Nesse trabalho, gênero está sendo tomado na perspectiva de Bakhtin, que nos ensina que a linguagem deve ser pensada na relação com as diferentes esferas de atividades humanas. Ao fazer uso da linguagem nas diversas atividades sociais, o homem se insere em um gênero; dessa relação entre a vida e a linguagem originam-se as coerções genéricas sobre as práticas discursivas (Cf. BAKHTIN, 1992, 1997).

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Avançando com as nossas interpretações, concordamos com os estudos de Eckert-Hoff (2008) ao observar que:

[...] está instituído, no imaginário – construído pelos cursos de formação – que o sujeito professor deve inovar, o que o leva a enfatizar, no seu dizer, a questão do novo, [...] o que denuncia a constante busca pela completude (p. 82).

Como vimos procurando mostrar, o sujeito, tal como concebido

na perspectiva da A.D., é historicamente determinado pelo interdiscurso, pela memória do dizer e também marcado por determinações inconscientes. As marcas dessa memória irão influenciar sua atuação, quando no exercício do magistério. Sendo assim, é importante que, de fato, os estudantes possam apropriar-se dos conhecimentos que lhes são apresentados, saboreá-los, ocupando o lugar de intérpretes-historicizados, desde o início do curso. Para nós, ocupar tal posição é condição imprescindível para que possam proporcionar aos alunos, que estarão sob sua responsabilidade, situações de ensino-aprendizagem que os coloquem como sujeitos históricos capazes de questionar e estranhar sentidos que a instituição escolar insiste em apresentar como óbvios e evidentes, como bem mostra Assolini (1999, 2003, 2008), em seus estudos e pesquisas sobre o discurso pedagógico escolar.

A partir de todas essas análises e conceitos apresentados nos capítulos anteriores, iremos agora, na próxima sessão apresentar as conclusões obtidas através desse estudo. Vale destacar que para a A.D. as interpretações nunca estão sedimentadas. Há sempre um vir a ser, fazendo com que os sentidos estejam a todo momento disponíveis para outras análises.

Considerações finais

Tendo em vista que o objetivo geral do curso de Pedagogia é

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Formar profissionais críticos que poderão atuar como professores na educação infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, como gestores nas funções de gestão e de suporte pedagógico nos sistemas educacionais e em processos educativos escolares, na produção e difusão do conhecimento científico-tecnológico do campo educacional e, em contextos educativos nos quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos [...] (PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM PEDAGOGIA – LICENCIATURA – FFCLRP – CURRÍCULO 59051 – Vigente até 2013),

consideramos que o processo de formação de futuros professores, deve compreender situações de ensino-aprendizagem às quais a memória discursiva dos sujeitos estudantes universitários possa ser acionada, pois todo sujeito possui um corpo social discursivo, que lhe forma uma memória de leitura.

No caso do presente estudo, mostramos que os ecos da relação estabelecida com a leitura pelos estudantes universitários, durante a Educação Básica repercutem na formulação e apropriação de seus conhecimentos acadêmico-científicos. Como bem esclarece Orlandi (1999): “[...] as palavras falam com outras palavras, toda palavra é sempre parte de um discurso. E todo discurso se delineia na relação com outros: dizeres presentes e dizeres que se alojam na memória” (p. 43).

É pertinente esclarecer que, ao afirmarmos que vestígios de memória discursiva reverberam em nosso dizer atual (na formulação), não estamos afirmando que o trabalho da memória é previsível, que nada muda, nada se modifica. É preciso notar que:

[...] embora exista uma certa previsibilidade do „pensável‟, esta é abalada frequentemente, seja pelo surgimento de acontecimentos que vão deslocando os sentidos já produzidos, seja pela ressignificação de acontecimentos já fixados pela memória histórica (GRANTHAM, 2009, p. 55).

Pêcheux (1999) traz a ideia de memória como “[...] um espaço

móvel de divisões, de disjunções, de deslocamentos, de conflitos, de

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regularização” (p. 10). Sendo assim, aquele leitor que lê e apenas repete, que tão somente reproduz sentidos cristalizados, movimentando-se somente em espaços de interpretação restritos parece permanecer sobre aquela “esfera plana e homogênea” da qual nos fala Pêcheux (1999, p. 56). Ou seja, ele não se inscreve em formações discursivas onde deslocamentos e contradições podem instaurar-se. Alguns sujeitos de nossa pesquisa ainda permanecem na condição de enunciador de sentidos prefixados.

Nessa perspectiva, entendemos ser relevante que os cursos de formação de professores de maneira ampla e o de Pedagogia, em particular, cuidem para que os estudantes não permaneçam na condição de sujeitos que apenas reproduzem sentidos cristalizados.

Como futuros professores, os estudantes que hoje ocupam as salas de aula da universidade terão a responsabilidade de ensinar, enfrentando toda a sorte de desafios que a sociedade contemporânea lhes apresenta, ou em outras palavras:

[...] os problemas da prática profissional docente não são meramente instrumentais, mas comportam situações problemáticas que requerem decisões num terreno de grande complexidade, incerteza, singularidade e de conflito de valores (PIMENTA e LIMA, 2000, p. 68).

A leitura, na formação inicial de professores, não é apenas

mediadora do acesso aos conhecimentos relativos ao ensino, à organização da escola e às práticas profissionais, mas uma prática constitutiva de uma identidade como sujeito leitor e como sujeito professor, que é mediada pelos gestos de leitura dos docentes, educadores, dentre outros profissionais, como elucida Assolini (2010).

Dando prosseguimento, gostaríamos de assinalar que os sujeitos mencionam a falta de tempo para se dedicarem a leituras de outra natureza, que não as acadêmicas, propriamente ditas. Estes sujeitos tiveram experiências agradáveis, produtivas e prazerosas com a leitura literária, antes de inserirem-se no curso de graduação. Reconhecem que a leitura literária contribuiu para ampliar o seu arquivo,

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o que traz implicações favoráveis para o seu aprendizado na atual vida universitária.

Nessa perspectiva, salientamos a importância de o curso de Licenciatura em Pedagogia proporcionar, nas diferentes disciplinas, condições favoráveis de produção para que os estudantes possam realizar, também, leituras literárias. Como bem esclarece Assolini (2008): “[...] a literatura é veículo de libertação, pois, ao invés de nos impor lições de certezas-estáticas, obtusas, intransitivas e unilaterais, a arte das palavras, a literatura, gera inquietações, desconforto, subversão, questionamentos” (p. 22).

Ressaltamos, mais uma vez, que as experiências e vivências que os estudantes têm com a leitura, durante sua formação inicial constituem seus saberes discursivos (sua memória) e, por isso mesmo, os docentes por eles responsáveis, não podem deixar de reconhecer quão influentes e constitutivos são para a construção da identidade desse sujeito-leitor-universitário.

Outro ponto a ser considerado, nessa última etapa desse trabalho de investigação, concerne às possibilidades que ofereceu para os estudantes “falarem de si”, o que é considerado por pesquisadores como Tfouni (1995), Coracini (2003b, 1999), Eckert-Hoff (2008), Assolini (2009) uma singular oportunidade para que suas vozes sejam ouvidas. Em concordância com Eckert-Hoff (2008) e Coracini (2003), assinalamos: “não é apenas a voz do professor que se faz ouvir, mas seus mais profundos desejos, recalques e divagações que encontram espaços para aflorarem” (ECKERT-HOFF, 2008, p. 137), assim como “[...] encontram lugar os sonhos, devaneios, recalques, frustrações daquele que lê e aí se identifica” (CORACINI, 2003b, p. 4).

Esperamos que esse estudo, que tanto nos tocou possibilitando-nos que nos inscrevêssemos em novas formações discursivas, possa incitar algumas reflexões sobre a prática da leitura nos cursos de formação inicial. Nossa expectativa é a de que os sujeitos-estudantes-universitários de hoje possam, de fato, tornar-se professores, mestres, educadores, capazes de provocar rompimentos com normatizações e

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certezas, características próprias do “paradigma regulatório” (LEITE, 2001, apud BROILO et alii). Sujeitos capazes de desconfiar de um “mundo semanticamente normal” (PÊCHEUX, 1990); educadores com condições de (trans)formar e (res)significar a si mesmos, bem como seus saberes e fazeres, intencionando uma educação de qualidade que possa, de fato, proporcionar aos estudantes que estiverem sob sua responsabilidade condições de emancipação, autonomia e senso crítico.

Através do caminho da pesquisa acadêmica que nos propiciou compreender alguns dos importantes conceitos do aparato teórico-metodológico ao qual nos filiamos e responder a algumas de nossas perguntas, acreditamos que nos movimentamos, no sentido de discutir e analisar a leitura e a formação inicial de professores. Para “fechar” essas considerações finais, gostaríamos de lembrar que a incompletude é uma propriedade do sujeito e do sentido. Sendo assim, não se encerram aqui nossas interpretações, pois, certamente, haverá outros indícios, pistas, vestígios que poderão ser reconhecidos na materialidade discursiva dos recortes selecionados. Portanto, outras análises poderão ser realizadas, por nossos leitores e avaliadores. De nossa parte, empreendemos escutas que nos possibilitaram ouvir para lá das evidências, compreendendo e acolhendo a opacidade da linguagem, colocando o dito em relação ao não dito, pensando a constituição do sujeito pela ideologia e pelo inconsciente. CARVALHO, Daniele. Machado; ASSOLINI, Filomena Elaine Paiva. Memories of reading and initial teacher formation. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7., n.2., 2011, pp. 41-67. Abstract: This research aims to investigate the relationship that the students of Pedagogy established with reading during the course of his schooling in primary and secondary levels, in order to understand whether and how this relationship echoes and reverberates in their initial training In particular with regard to learning and acquiring scientific knowledge. The investigations show the importance of discourse memory

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in relation to the understanding of the echoes and reverberations in the learning process for students, due to its relationship with reading in Basic Education. It should be mentioned, so that the professor does not begin when he enrolls in a course of higher education or in continuing education, but from the moment they enter the formal schooling. Keywords: Reading. Initial training. Discourse memory. Learning. Referências bibliográficas ALTHUSSER, L. Ideologia e aparelhos ideológicos de Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1974. ASSOLINI, F. E. P. Pedagogia da leitura parafrástica. 2000. 236 f. Dissertação (Mestrado em Psicologia e Educação) - Departamento de Psicologia e Educação, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 1999. ______. Interpretação e letramento: os pilares de sustentação da autoria. 2003. 269 f. Tese (Doutorado em Ciências) - Departamento de Psicologia e Educação, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2003. AUTHIER-REVUZ, J. Palavras incertas: as não-coincidências do dizer. Campinas: UNICAMP, 1998. BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992. BROILO, C. L.; PEDROSO, M. B.; FRAGA, E. A. T. Os alunos como parceiros: adesão e resistências às inovações no espaço de sala de aula. In: CUNHA, M. I. Pedagogia Universitária: energias emancipatórias em tempos neoliberais. Araraquara: Junqueira e Marin, 2006. CASTRO, E. de M. Psicanálise e linguagem. São Paulo: Ática, 1992. CHARTIER, R. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990.

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A EDUCAÇÃO PARA A ÉTICA NO BRASIL FUNDAMENTADA NA FILOSOFIA NIETZSCHEANA

Luis Fernando de Oliveira*

RESUMO: No mundo Pós-Moderno, vários paradigmas se desfizeram, com isso temos a crise, uma dessas crises é a da ética. Valores básicos estão se perdendo, o que causa grande mal estar social. Com base no pensamento do filósofo que mais lutou para que a humanidade não perdesse e sim evoluísse, tentamos propor algumas ideias para nos fazer pensar sobre a atual realidade vivida na educação brasileira de uma forma geral, passando por um breve histórico da Pedagogia no Brasil, as discussões que se deram em torno dessas ideias pedagógicas e algumas decisões tomadas a partir disso até chegarmos ao problema ético proposto por anos de más administrações das políticas educacionais.

PALAVRAS CHAVE: Educação; Nietzsche; História da Pedagogia; Ética; Pós-Modernidade.

A educação é um dos principais pilares para o desenvolvimento

de uma nação e o crescimento de seu povo, mas não qualquer educação ou de qualquer jeito, ela necessita ter qualidade, empatia, envolvimento com a realidade que a circunda e estar diretamente ligada à cultura nativa, desse modo, nos dias pós-modernos, nunca se falou tanto de uma educação para ética; ética esta que envolve todos os campos relacionados acima e em contrapartida, nunca testemunhamos tanto a sua falta em nosso meio.

* Graduado em Filosofia pelo Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto (CEARP), licenciatura plena em Pedagogia pelo Centro Universitário Barão de Mauá e Pós-graduando em Docência no Ensino Superior também pelo Centro Universitário Barão de Mauá.

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Ética são aqueles valores fundamentais para que o ser humano tenha uma vida digna e feliz, que é um dos pilares da filosofia da educação em Nietzsche, e essa vida feliz é alcançada pela preservação da cultura pela educação.

Não é de hoje que ocorre um descaso para com a educação, fala-se de desenvolvimento, de progresso, de humanismo, mas espera-se que algo caia magicamente do céu e promova tudo isso dentro da sociedade.

A EDUCAÇÃO NO BRASIL NO SÉCULO XX: BREVE HISTÓRICO

No Brasil, a efervescência da discussão sobre os rumos da

educação estão a todo vapor, principalmente no período da Segunda República, quando há uma consolidação do país no mundo capitalista o que ocasiona grande incentivo à industrialização e isso trazia a necessidade de mão de obra especializada e, como não podia deixar de ser, a escola tem a função de preparar essa mão de obra, para tal, é preciso investir na educação.

Sendo assim, em 1930, foi criado o Ministério da Educação e Saúde Pública e, em 1931, o governo provisório sanciona decretos organizando o ensino secundário e as universidades brasileiras ainda inexistentes. Estes Decretos ficaram conhecidos como "Reforma Francisco Campos". Em 1932 um grupo de educadores lança à nação o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, redigido por Fernando de Azevedo e assinado por outros conceituados educadores da época. Em 1934 a nova Constituição (a segunda da República) dispõe, pela primeira vez, que a educação é direito de todos, devendo ser ministrada pela família e pelos Poderes Públicos. Ainda em 1934, por iniciativa do governador Armando Salles Oliveira, foi criada a Universidade de São Paulo. A primeira a ser criada e organizada segundo as normas do Estatuto das Universidades Brasileiras de 1931. (BELLO, 2001).

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Percebemos que desde os primórdios da educação formal no Brasil a preocupação fundamental sempre foi com o ensinar a fazer, o importante é ensinar uma profissão para que a demanda do mercado seja suprida e o ritmo desenvolvimentista seja mantido, vemos claramente uma educação elitista, os responsáveis por pensar a sociedade e os caminhos tomados pela nação e pela própria educação tem sua formação galgada no exterior, nas grandes escolas e universidades da Europa.

Dentro dessa filosofia educacional, no Estado Novo, as leis orgânicas promulgadas dividem o ensino secundário em clássico e científico e também cria o sistema de ensino em que as indústrias e as empresas o ministra, ou seja, o Serviço Nacional da Indústria (SENAI) e o Serviço Nacional do Comércio (SENAC). Com essas mudanças o colegial deixa de ser propedêutico para o ensino superior e se preocupa com a formação geral e dos dois modos predominantes a grande maioria dos estudantes preferem o científico.

Foi feito um Manifesto dos Educadores no ano de 1959, assinado por 185 educadores e em 1960 as primeiras iniciativas de educação popular surgem com atenção especial também aos adultos analfabetos tendo como grande expoente Paulo Freire, isso foi chamado de Movimento de Educação Popular, uma iniciativa da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

De certa maneira há avanços na educação brasileira, mas todo esse processo é freado com o Golpe Militar de 1964. De uma discussão horizontal que estava sendo feita delineando os rumos da educação no país, com a Ditadura Militar, o discurso passa a ser vertical. “Reformas foram efetuadas em todos os níveis de ensino, impostas de cima para baixo, sem a participação dos maiores interessados – alunos, professores e outros setores da sociedade”. (PILETTI, 1995, p. 200). Esse período dura 21 anos no Brasil, de 1964 a 1985.

Durante de período ditatorial, as questões educacionais deixaram de ser pedagógicas e passaram a ser políticas, com isso, vários pensadores de várias áreas do conhecimento passam a pensar a

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escola e sua função. A educação passa ser novamente pensada, mas com imensas defasagens, pois esses 21 anos de atraso não se recuperam da noite para o dia. Esforços estão sendo feitos como a LDB 9394/96, os PCNs e outras políticas educacionais desenvolvidas pelos governos pós-ditadura, que em sua maioria sempre patinam e nada acrescentam a discussão, apenas maquiando os problemas e com isso a educação vai sendo deixada de lado cada vez mais.

Concluindo podemos dizer que a História da Educação Brasileira tem um princípio, meio e fim bem demarcado e facilmente observável. Ela é feita em rupturas marcantes, onde em cada período determinado teve características próprias. [...] Embora os Parâmetros Curriculares Nacionais estejam sendo usados como norma de ação, nossa educação só teve caráter nacional no período da Educação jesuítica. Após isso o que se presenciou foi o caos e muitas propostas desencontradas que pouco contribuíram para o desenvolvimento da qualidade da educação oferecida. (BELLO, 2001).

O nome pode até ser de “Nova República”, as políticas

educacionais, porém, continuam antigas, a Constituição coloca a educação como direito de todos e dever da família e do estado, princípios como igualdade, liberdade, gratuidade, valorização do profissional, qualidade e gestão democrática devem ser defendidos pelo Estado, que deve ser o grande mantenedor da educação, bem como uma quantidade mínima de verba a ser destinado às escolas. No papel é muito bonito, mas na prática a situação é completamente diferente. PEDAGOGIA DA ESSÊNCIA E PEDAGOGIA DA EXISTÊNCIA

Dentro de sua obra, Saviani (2009), coloca esses dois termos para designar o antagonismo existente entre a pedagogia tradicional e a pedagogia nova, tendo como pano de fundo a filosofia essencialista e a existencialista; para o autor essa é uma tese filosófico-histórica, que

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pode ser entendida como “o caráter revolucionário da pedagogia da essência e do caráter reacionário da pedagogia da existência”. (SAVIANI, 2009, p. 34).

[...] o que eu quero dizer com isso é, basicamente, o seguinte: nós estamos hoje, no âmbito da política educacional e no âmbito do interior da escola, na verdade nos digladiando com duas posições antitéticas que, geralmente são traduzidas em termos do novo e do velho, da pedagogia nova e da pedagogia tradicional. Essa pedagogia tradicional é uma pedagogia que se funda numa concepção filosófica essencialista, ao passo que a pedagogia nova se funda numa concepção filosófica que privilegia a existência sobra a essência. (SAVIANI, 2009, p. 35).

Como tudo na história, o pensamento educacional também sofre modificações ao longo do tempo, em certos momentos algumas mudanças vêm para melhorar a situação vigente, em outros apenas se trocam nomenclaturas, mas a estrutura e os sistemas continuam os mesmos e outras vezes, ainda, a mudança vem para pior. No Brasil, como já discutido no subtítulo anterior, várias mudanças ocorreram ao longo dos anos, nem sempre boas para a educação e esse antagonismo entre o tradicional e o novo é uma discussão que não leva a nenhum fim, pois ambas falam que a outra está errada, ao passo que, em ambas, existem pontos positivos e negativos e devem ser respeitados e trabalhados.

A pedagogia tradicional vem ao longo do tempo perdendo espaço, pois ela não respondia mais aos anseios do país e ao seu crescimento econômico, com isso, o ensino técnico ganha espaço e passa a ter prioridade, isso se evidencia claramente na divisão do colegial em técnico e científico. De acordo com o pensamento nietzscheano, não é que não seja importante o aprendizado da técnica, mas esta não pode ser sobreposta à própria cultura, se isso ocorre é decretada a morte cultural e torna mais

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fácil a manutenção do poder de uma forma mentirosa por quem finge servir à verdade.

Para Nietzsche a situação desanimadora da educação de seu tempo poderia ser percebida pela leitura dos pedagogos, da pobreza de sua produção que mais pareceria uma brincadeira de crianças. Exatamente na formação básica do ginásio, essencial, era onde reinavam maus profissionais que não tinham a menor delicadeza para o trabalho pedagógico, para a “mais delicada das técnicas que poderia existir numa arte, a técnica da formação cultural” (NIETZSCHE, 2004. p.67)

Não vemos esse abandono do ensino lamentado por Nietzsche

apenas na Alemanha do século XIX, mas igualmente no Brasil do século XX, que em vista da manutenção de poder nas mãos de poucos não engrena mudanças estruturais fortes para que o avanço na educação seja sentido, pelo contrário, apenas formulam-se projetos, leis e planos que maquiam a realidade e, no fundo, tudo continua como está.

Traça-se um caminho a ser percorrido e este é abandonado em pouco tempo como e a evolução da educação ou do sistema educacional fosse algo que magicamente possa ser feito de um dia para o outro. Brinca-se da fazer políticas educacionais.

A educação é um fenômeno cultural. Não somente os conhecimentos, experiências, usos, crenças, valores, etc. a transmitir ao indivíduo, mas também os métodos utilizados pela totalidade social para exercer sua função educativa, são parte do fundo cultural da comunidade e dependem do grau de seu desenvolvimento. Em outras palavras, a educação é a transmissão integrada da cultura em todos os seus aspectos, segundo os moldes e pelos meios que a própria cultura existente possibilita. O método pedagógico é função da cultura existente. O saber é o conjunto dos dados da cultura que se têm tornado socialmente conscientes e que a sociedade é capaz de expressar pela linguagem. Nas sociedades iletradas não existe saber graficamente conservado pela escrita e contudo, há transmissão do

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saber pela prática social, pela via oral e, portanto, há educação. (PINTO, 1982. IN GADOTTI, 1997, p. 251).

Várias teorias surgem mas poucas levam em conta a pluralidade

de situações e vidas existentes e que devem fazer parte do processo educativo. A apostila não dá conta de resolver todas as questões muito menos abrange situações adversas enfrentadas por vidas que se encontram no meio educacional. Não pode existir uma pedagogia massificada.

Nietzsche já mostra isso quando fala do conhecimento enciclopédico, erudito, que está totalmente desconexo da vida prática, sendo assim, melhor seria não tê-lo, pois, ele de nada serve ou serve apenas como enfeite para o ser, como aquele livro que nunca sai da estante. O sistema que é posto e que é conduzido pelo Estado, está aí justamente para isso mesmo, não é interessante um conhecimento para a vida prática, apenas para a vida técnica, este, vem pronto, sob um ótimo aspecto e com sabor agradável, porém, sem nenhuma criticidade e sem nenhuma pretensão de ser maior, nada de ser para os outros.

Nessa lógica, a manutenção do poder fica mais fácil e a exploração e a alienação constantes, assim, nada muda. Nietzsche nos fala que a educação prática não é para todos, com isso a técnica se faz necessária, mas não é função da universidade e si perpetuar esse conhecimento e muito menos essa educação deve servir de fonte de exclusão e diminuição do ser humano, o que ocorria na Alemanha de Nietzsche e como ocorre na sociedade de hoje.

Portanto, o papel da universidade é proporcionar o conhecimento que não vai de encontro direto com os interesses do mercado e consequentemente do estado, longe de ser artificial e superficial, vazio de sentido e antinatural, o conhecimento deve ser humano, deve levar o ser ao conhecimento de si e fazer com que ele veja a vida com olhos de artista, tomar consciência que nada é estanque e isolado, sendo assim, a proposta de educação que nos é imposta é uma aberração pois não respeita a natureza de cada pessoa humana.

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UM POUCO MAIS DOS PROBLEMAS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA CONTEMPORANEIDADE

Segundo Plank (2001), podemos considerar dois problemas educacionais brasileiros, o primeiro é a discrepância que há entre as metas e os objetivos encarregados pelo sistema e o segundo problema é a desproporção na ênfase colocada sobre a administração e o controle às custas do ensino aprendizagem.

A disjunção entre valores reais e valores formais tem tido várias consequências. A política educacional brasileira caracteriza-se por um constante formalismo. Isso significa, por um lado, que a expressão de boas intenções e a passagem de leis incorporando-as passam a conseguir fins em si mesmas, eximindo os encarregados do sistema de quaisquer obrigações futuras para com aqueles que frequentam ou trabalham nas escolas sob seu controle. Consequentemente, o ceticismo quanto à eficácia das leis é bastante difundido, tanto entre aqueles que as fazem, quanto entre os que são obrigados a segui-las. (PLANK, 2001, p. 92).

O sistema político está estruturado para elevar ao máximo as

decisões administrativas e tornar mínimas responsabilidades políticas, com isso o público será tomado para benefício do privado e isso somado a falta de capacidade política para implementar as reformas desejadas faz com que avanços sempre patinem, ou seja, nunca saiam para não comprometer os interesses de uma elite dominante, assim, interesses privados são mais fortes que os interesses públicos e estes acabam desarticulados das relações de poder.

Percebemos claramente a critica nietzscheana ao Estado, este, não vê problema algum em matar a cultura e a educação que constitui a vida do povo para não ver seus interesses comprometidos, assim fica bem mais fácil a manutenção do poder, exploração e troca de favores uma vez que não crítica sobre a real situação em que se encontra a escola, faz-se filantropia educacional e nada mais.

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A educação que deveria ser transformadora da sociedade e salvaguardar o que de bom tem sido conquistado com o tempo está sendo usada para usufruto de poucos, vivemos um feudalismo com nova roupagem e isso já apontava Nietzsche no século XIX, pois ele “remava contra a maré inevitável da industrialização e democratização da sua sociedade” (AMARAL, 2008, p. 380), pois via em todo esse contexto a morte cultural, nada de muito diferente do que acontece no mundo hodierno, todo esse contexto e essa estrutura só nos pode levar a apenas um lugar, ao caos social.

A educação oferecida pelo estado é uma educação vendida, conveniente a apenas pequena parcela dos seres humanos, não faz o homem transcender com toda sua potencialidade àquilo para o qual ele está destinado, apenas domestica a ponto do lobo ser tomado como um cachorrinho de estimação inofensivo.

[..] foi o estado que se encarou como a fonte, o defensor e a única garantia da vida ordeira: a ordem que protege o dique do caos. [...] Foi a visão de ordem que os estranhos modernos não se ajustaram. [...] Os estranhos exalavam incerteza onde a certeza e a clareza deviam ter imperado. [...] Constituir a ordem foi uma guerra de atrito empreendida contra os estranhos e o diferente. Nessa guerra (para tomar emprestados os conceitos de Lévi-Strauss), duas estratégias alternativas, mas também complementares, foram intermitentemente desenvolvidas. Uma era antropofágica: aniquilar os estranhos devorando-os e depois, metabolicamente, transformando num tecido indistinguível do que já havia. Era esta a estratégia da assimilação: tornar a diferença semelhante; abafar as distinções culturais ou lingüísticas; proibir todas as tradições e lealdade [...] A outra estratégia era antropoêmica : vomitar os estranhos, bani-los do limite do mundo ordeiro e impedi-los de toda comunicação com os do lado de dentro. Essa é a estratégia da exclusão [...] (BAUMAN, 2010, pp. 28-29)

Dentro de todo esse pensamento, o ser humano tem uma

pseudo felicidade, sua vida está envolta em falsidade e assim, ele não

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enxerga o que realmente se encontra por trás de toda essa filantropia educacional, há a falsa impressão de ser dono de si mesmo, mas uma vez que educação não é libertadora este papel de autonomia não existe, pois, o necessário para essa autonomia não se tem ou não se valoriza, que nada mais é do que o que Nietzsche falou, a filosofia e a arte.

Nesta lógica da educação voltada para a técnica e esquecendo-se da vida, Nietzsche faz a crítica à multiplicação dos sistemas de ensino que prometem uma “educação” breve e competente, hoje, principalmente instituições de ensino privadas vivem em função do mercado e se aperfeiçoam apenas em função disso, o que não deveria acontecer, uma vez que o neoliberalismo não quer uma educação para o bem e desenvolvimento do ser humano e sim visa apenas o lucro e o crescimento de pequenos grupos exploradores que abafam a vontade de potencia do homem em benefício próprio.

Com isso, os donos dos estabelecimentos de ensino, tanto o Estado quando instituições privadas exploram cada vez mais esse artifício para seu lucro. As empresas e a tecnologia exige profissionais capazes para desenvolver tal serviço, então eles vão ter, em um prazo curto, não se preocupando com o desenvolvimento humano, sendo assim, valores e ideias que norteiam o comportamento humano para uma sociedade harmoniosa são deixados de lado para o serviço cada vez mais aprimorado de um profissional que é humano mas age e é tratado como máquina.

O sancta simplicitas! Em que mundo mais estranhamente simplificado e falsificado vive a humanidade! É infinito o espanto diante de tal prodígio. Quão claro, livre, fácil e simples conseguimos tornar tudo o que nos rodeia! Quão brilhantemente soubemos deixar que nossos sentidos caminhassem pela superfície e inspirar a nosso pensamento um desejo de piruetas caprichosas e de falsos raciocínios! O quanto nos esmeramos para conservar intacta nossa ignorância, para lançar-nos aos braços de uma despreocupação, de uma imprudência, de um entusiasmo e de uma alegria de viver quase inconcebíveis, para gozar a vida!

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E sobre essa ignorância edificaram-se as ciências, baseando a vontade de saber em outra ainda mais poderosa, a vontade de permanecer na incógnita a contraverdade, não sendo esta vontade o contrário da primeira, mas sua forma mais refinada. (NIETZSCHE, 2001, pp. 47-48).

O trabalho e, podemos dizer que também a escola, na

sociedade pós-moderna, estão desumanizados e a busca da felicidade, que Nietzsche tanto insiste, que uma vida feliz só vem, principalmente, pela arte e pela filosofia, é buscada no dinheiro, este se transformou no grande deus da sociedade, onde se é alguém pelo que a pessoa tem e não pelo o que ela é.

A EDUCAÇÃO PARA A ÉTICA

Sem dúvida que vivenciamos uma crise de valores na sociedade

presente, mas a culpa por esses desvios, na verdade é de quem? Destruíram antigos valores que norteavam a vida do homem e nada foi colocado no lugar, então, há apenas o vazio, mas, esse vazio tem que ser preenchido por algo, dessa forma, é papel conjunto da escola e família orientar as novas gerações para essas ações de preenchimento e da construção do ser humano e são justamente estas duas instituições que, no mundo pós-moderno, vivem uma desvalorização sem tamanho.

A crise manifestada na sociedade vem do vazio criado pelo desmoronamento de valores clássicos e ao mesmo tempo pelo desejo quase que incontrolável de autorrealização, que se sobrepõe às necessidades comuns ou sociais. Vive-se em um pseudo niilismo, onde, à medida que algo convém para o momento é assumido pelo homem, ao passo que, se aquela ideia não cabe mais aos seus anseios, é descartada e o vazio continua.

“Nietzsche pretendia usar o niilismo para superar o niilismo, ou seja, perder os valores da humanidade, para se adquirir os valores da super-humanidade, promovendo uma revolução através da cultura”. (OLIVEIRA, 2005, p. 59). Destruir é sempre mais fácil que construir,

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ainda mais no campo da moral onde existem regras que limitam a ação do homem no âmbito social, assim, podemos nos remeter ao movimento contra cultural ocorrido, principalmente na década de 1960 e que vemos suas consequências até a atualidade, manifestada pela ideia central em que “é proibido proibir”. Existem valores necessários para a vida feliz e outros, que por sua vez, aprisionam o ser humano, assim a superação do niilismo pelo próprio niilismo proposto por Nietzsche para a construção do além-do-homem,

Devia se voltar não àqueles valores que aprisionavam, mas sim àqueles valores básicos que levavam em conta a dignidade do ser humano, onde ele não fosse uma coisa a ser explorada, mas um ser que realmente tivesse vontade e soubesse o que era melhor para si, não sendo dominado nem explorado por outros seres, iguais a eles, mas que se achavam superiores. (OLIVEIRA, 2005, p. 59).

Nesse prisma, dá-se a entender que tudo está permitido, com

alguns pilares morais destruídos é que aparece a crise de sentido da vida e alguns valores importantes que defendiam a dignidade da vida humana, a noção do outro como ser igual caem por terra também, assim aparece a banalização do corpo e da sexualidade e tudo fica sendo coisificado. Vemos hoje as consequências dessas mudanças que feriram a dignidade da pessoa humana e tudo isso se reflete na educação e na escola. Percebemos várias transferências para a escola que não são de sua competência, como regras básicas de convivência, noções de comportamentos, noções de higiene e outros pontos que lhes são terceirizados, tudo isso deturpa profundamente a função social da escola, que em vista desses desvios, não é cumprida.

A família não dá conta de desenvolver seu papel na educação dos filhos porque aquele esquema tradicional – pai, mãe e filhos – em sua maioria, não existe mais, qualquer um dos elementos desse esquema pode ser substituído facilmente por outro membro, pois na lógica vigente, o importante é a autorrealização e não a qualidade de

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relações, sendo o outro uma coisa, “a solidariedade é algo difícil de viver. [...] Por essa razão, proliferam todos os movimentos de desagregação da sociedade, inclusive narcotráfico, pederastia, criminalidade e desconfiança social em relação ao outro”. (MARTINS, 2000, p. 199).

A sociedade pós-moderna revelou-se uma máquina quase perfeita de tradução – uma máquina que interpreta qualquer questão social existente ou provável como questão privada [...]. Não foi a “propriedade dos meios de produção” que se privatizou (seu caráter “privado” é certamente colocado em dúvida na era das fusões e das multinacionais). A mais seminal das privatizações foi a dos problemas humanos e a da responsabilidade por sua solução. A política que reduziu as responsabilidades assumidas em relação à segurança pública, retirando-se das tarefas da administração social, efetivamente dessocializou os males da sociedade e traduziu a injustiça social como inépcia ou negligencia individual. Essa política não exerce atração suficiente para despertar no consumidor o cidadão; suas apostas não são impressionantes bastante para torná-la objetivo da ira que poderia conduzir à coletivização. Na sociedade pós-moderna de consumo, o fracasso redunda em culpa e vergonha, não em protesto político. A frustração alimenta o embaraço, não a dissensão. Talvez desencadeie todos os conhecidos sintomas comportamentais do ressentimento de Nietzsche e Scheler, mas politicamente desarma e gera apatia. A conseqüência sistêmica da privatização da ambivalência é uma dependência que não precisa nem de uma ditadura baseada na coerção nem de doutrinação ideológica; uma dependência que é sustentada, reproduzida e reforçada essencialmente por métodos de mercado, e que é abraçada de boa vontade e não se sente absolutamente como dependência – pode-se mesmo dizer: que se sente como liberdade e um triunfo da autonomia individual. (BAUMAN, 1999, pp. 276-277).

O mundo e a cultura se transformaram, mas infelizmente não

pela educação, mas sim pelo processo inverso, temos cada vez mais a morte da cultura, a desumanização, a maior parte de tudo está sem sentido e descartável, vivemos um antagonismo, tudo muda mas nada

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muda, e a educação que deveria ser força motriz para toda transformação está cativa nos interesses econômicos de pequenos grupos e muitas vezes também pelo próprio estado, pois a consciência critica trazida pela escola, vai de encontro a seus interesses de dominação, dessa forma se oferece o mínimo, a educação encontrada na prateleira da farmácia, para satisfazer necessidades imediatas e manter a mesma ordem de exploração e alienação.

Todo esse mal estar social e a entrega dos seus problemas para uma busca de soluções pela escola faz a situação se tornar bem mais complicada, pois, os serviços prestados pela instituição escolar são multiplicados sem se ter a devida estrutura para isso, fazendo-a assumir problemas e soluções que nem são de sua competência, “ela é interpelada para dar solução a emergentes problemas sociais - rotulados, genericamente, como de 'exclusão social' - que estão intimamente ligados à crise da sua própria universalização!” (BARROSO, 2008, p. 49).

Em suma, Nietzsche propõe um aprendizado voltado para a vida, para isso é necessário ver a vida com outros olhos, com olhos de artistas e filósofos, que amam verdadeiramente essa vida e demonstrem esse amor em suas palavras e atos para que outros se enamorem igualmente, para isso, é preciso aprender a ver. “Aprender a ver – habituar o olho a calma, a paciência, a deixar que as coisas aproximem-se de nós: aprender a aplacar o juízo, a rodear e abarcar o caso particular a partir de todos os lados”. (LARROSA, 2005, p.32).

OLIVEIRA, Luis Fernando. Education for ethics in Brazil from Nietzschean philosophy. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, pp.69-84. ABSTRACT: In the Post-Modern World, several paradigms fell apart, so we have a crisis of these crises is that of ethics. Basic values are being lost, causing great social unrest. Based on the thought of the philosopher who fought for humanity to evolve but not lost, we try to propose some ideas to make us think about the current reality experienced in Brazilian

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education in general, through a brief history of pedagogy in Brazil, discussions that occurred around these pedagogical ideas and some decisions from there until we reach ethical problem proposed by years of bad administration of educational policies. KEYWORDS: Education, Nietzsche, History of Pedagogy, Ethics, Post-Modernity. REFERÊNCIAS: AMARAL, S. C. As conferências de Nietzsche sobre educação: a diferença entre bildung e gelehrsamkeit. IN. Fragmentos de cultura, Goiânia, v.18, n. 5/6, p. 375-382, maio/jun. 2008. BARROSO, Geraldo. Crise da escola ou na escola? Uma análise da crise de sentido dos sistemas públicos de escolarização obrigatória. Rev. Port. de Educação, 2008, vol.21, no.1, p.33-58. BAUMAN, Z. Modernidade e Ambivalência. Tradução Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1999. BAUMAN, Z. O Mal Estar da Pós-Modernidade. Tradução: Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010. BELLO, J. L. P. Educação no Brasil: a história das rupturas. 2001. Disponível em <http://www.pedagogiaemfoco.pro.br/heb14.htm> Acessado em: 05 set 2011. GADOTTI, M. História das ideias pedagógicas. 5.ed. São Paulo:Ática, 1997. Série Educação. LARROSA, J. Nietzsche e a Educação. Belo Horizonte: Autentica, 2005. MARTINS, I. G. S. A era das contradições: desafios para o novo milênio. São Paulo: Futura, 2000. NIETZSCHE, F. W. Além do bem e do mal: prelúdio de uma filosofia do futuro. Tradução: Armando Amado Júnior. São Paulo: WVC, 2001 NIETZSCHE, F. W. Escritos sobre educação. Tradução, Apresentação e Notas: Noéli Correia de Melo Sobrinho. Rio de Janeiro: PUC Rio; São Paulo: Loyola, 2004.

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OLIVEIRA, L. F. Nietzsche: um olhar sobre o século XX. 82p. Trabalho de Conclusão de Curso (Filosofia). Instituto de Filosofia Dom Felício do Centro de Estudos da Arquidiocese de Ribeirão Preto (CEARP), Brodowski – SP, 2005. PILETTI, N.; PILETTI, C. História da educação. 4. ed. São Paulo: Ática, 1995. PINTO, A. V. Sete lições sobre educação de adultos. São Paulo:Cortez, 1982. Educação. PLANK, D. N. Política educacional no Brasil: caminhos para a salvação nacional. Porto Alegre: Artmed, 2001. SAVIANI, D. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação política. 41. ed. Revista. Campinas: Autores Associados, 2009. Coleção Polêmicas do nosso tempo.

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A RESISTÊNCIA CATÓLICA AO AVANÇO DA CONCEPÇÃO LIBERAL DA EDUCAÇÃO NO BRASIL

(1930-1961)

Rafael José da SILVEIRA* RESUMO: Este artigo tem por objetivo analisar o confronto entre as principais concepções de ensino e educação que nortearam políticas públicas no Brasil da década de 1930 até o início da década de 1960. O debate aparece como herdeiro de duas concepções ideológicas distintas da sociedade: católicas e liberais. PALAVRAS-CHAVE: Brasil; História da Educação; Pensamento Católico; Pensamento Liberal; Instrução Pública.

Para compreendermos os processos educacionais no Brasil, que refletiram os papéis sociais da Igreja e do Estado, devemos entender qual foi o contexto histórico que se preocupou com a extensão de uma instrução para boa parte da população, ou seja, o surgimento do que entendemos hoje por escola pública. Para tal intento, nos remontamos à França do século XVIII, período de divulgação dos ideais iluministas e da Revolução que dividiu os poderes do Estado, separando-o da Igreja.

De uma forma geral, os séculos XVIII e XIX marcam um avanço do pensamento liberal na Europa, e as formas de instrução não deixaram de receber sua parcela de influência dos novos pensadores que abalariam as estruturas do Antigo Regime. Divulgadores de métodos científicos, “experimentais”, os iluministas propunham uma nova abordagem para a educação.

* Especialista em “História, cultura e sociedade” do Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto. Sob orientação da Profª Drª Nainora Freitas.

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Na grandiosidade do empenho cultural, o que talvez seja mais característico é a admissão das artes junto às ciências e à cultura intelectual; não se trata mais das artes liberais, desde à gramática até a filosofia, mas propriamente das artes e ofícios que vimos [...] reivindicar seu lugar e sua dignidade na formação e na atividade do homem (MANACORDA, 1999, p.240) .

Dessa forma, o resquício de um antigo modelo de instrução, que

separava a formação intelectual, tutelada pela Igreja, da educação experimental transmitida nas corporações de ofício, foi questionado pelo pensamento liberal. O filósofo Rousseau foi além desses questionamentos de seu tempo e

Revolucionou a abordagem pedagógica, para um cunho mais antropológico, pois focalizou o sujeito, a criança ou o homem, dando um golpe feroz na abordagem epistemológica, centrada na reclassificação do saber e na sua transmissão à criança como um todo já pronto. Pela primeira vez, ele enfrenta com clareza o problema, focalizando-o do lado da criança, considerada não somente como homem “in fieri”, mas propriamente como criança, ser perfeito em si

(MANACORDA, 1999, p.243, grifos do autor).

Essas grandes inovações de abordagem pedagógica acabaram por trazer em seu bojo elementos que negavam a educação tradicional no ensino às crianças, tais como a rejeição do método catequético, a exclusão dos estudos especulativos e a evocação da natureza como mestra (MANACORDA, 1999, p.243).

Essa mudança de concepção pedagógica, reflexo de uma sociedade em rápida transformação, não representou somente mudanças políticas, mas também foi fruto de um processo econômico que nortearia as relações de produção e de trabalho no Velho Mundo: a Revolução Industrial

Mudou não somente os modos de produção, mas também os modos de vida dos homens, deslocando-os dos antigos para os novos

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assentamentos e transformando, junto com os processos de trabalho, também suas idéia e sua moral e, com elas, as formas de instrução [...]. Na segunda metade do setecentos assiste-se ao desenvolvimento da fábrica e, contextualmente, à supressão de fato e de direito, das corporações de artes e de ofícios, e também da aprendizagem artesanal como única forma popular de instrução. Este duplo processo, de morte da antiga produção artesanal e de renascimento da nova produção de fábrica, gera o espaço para o surgimento da moderna instituição escolar pública. Fábricas e escolas nascem juntas: as leis que criam a escola de Estado vêm juntas com as leis que suprimem a aprendizagem corporativa (e também a ordem dos jesuítas) (MANACORDA, 1999, p.249).

A expressão “fábricas e escolas nascem juntas”, resume muito

bem um período de transformações sociais que demandava novos rumos no campo do ensino. O moderno desafio sócio-educacional, gerado pelo pensamento liberal e pelas transformações econômicas, passou a ter maior relevância pública e começou a fazer parte ainda mais de debates políticos e ações estatais. A laicização da instrução tem origem em contextos que refletiam processos de politização e democratização social, tais como as revoluções americana (1776) e francesa (1789). Na França revolucionária foram apresentadas reivindicações a favor da instrução popular nas Assembléias Legislativas. Condorcet, cientista famoso e político, “sustentava a necessidade de uma instrução para todo o povo, aos cuidados do Estado e inspirada num laicismo absoluto: uma instrução, enfim, única, gratuita e neutra” (MANACORDA, 1999, p.250).

Uma educação única, gratuita e neutra, representava, na teoria, uma extensão da cidadania sob os princípios de igualdade e liberdade. A pretensa neutralidade educacional era consequência do credo iluminista de que a moderna ciência era isenta de questões passionais. Em linhas gerais,

O período revolucionário [...] serviu para afirmar o direito de todos à instrução e para renovar seus conteúdos no sentido da proeminência

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das coisas (ciência) sobre as palavras (as letras) e da sua estreita relação com a vida social e produtiva (MANACORDA, 1999, p.253).

As ideias liberais solaparam o poder da Igreja e sua influência

social. No século XIX, não só o pensamento iluminista concorria com a pedagogia cristã, mas também outras vertentes tais como o positivismo e, as mais refutadas pela instituição eclesiástica: as ideias socialistas. Assim, “Com o avanço de ideias liberais e a perda do poder político, o Estado Pontifício defende seus domínios no campo da instrução [...] em querelas relacionadas à dois temas : o da escola e o da imprensa” (MANACORDA, 1999, p.292).

Na primeira metade do século XIX, Gregório XVI (1831-1846) critica as sociedades bíblicas inglesas que distribuem vários exemplares bíblicos em línguas vulgares “atraindo qualquer tipo de pessoa a lê-la sem nenhum guia”. O Próximo Papa, Pio IX (1846-1878), endossa as ideias de Gregório XVI contra as sociedades bíblicas com sua “desenfreada liberdade de pensar, de falar, de escrever...” e combate o comunismo, “aquela doutrina funesta”. Sob Pio IX, o clero é “convidado” a vigiar todas as escolas para “garantir um ensinamento católico” (MANACORDA, 1999, pp.292-293).

A Igreja realmente começou a dedicar sua atenção ao ramo do ensino a partir do pontificado do Papa Leão XIII (1878-1903). Por um lado, havia uma simpatia quanto à renovação da cultura teológica e, também, uma “sensibilização” para a questão social. Por outro lado, a Igreja reconfirmava com vigor uma doutrina tradicional em matéria educativa, “sublinhando o papel primário da família e o princípio da liberdade de educação para a própria Igreja” (CAMBI, 1999, p.565). Em termos políticos, essas mudanças propostas por Leão XIII abriram caminho para a “reconciliação entre o Estado burguês e a Igreja Católica sem, contudo, abandonar a linguagem de seus antecessores” (MANACORDA, 1999, p.295).

As encíclicas, cartas que contêm recomendações emitidas pelo magistério da Igreja, são alguns dos principais documentos para se analisar as diretrizes doutrinárias propostas pela Santa Sé. A partir

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destes documentos pode-se, por exemplo, estudar a perspectiva ideológica de todo um pontificado. A encíclica quod apostolici muneris (1878) de Leão XIII, defende a propriedade privada como “lei natural” e condena a agitação da plebe, que causa desordem social. Ataca os socialistas que tentam “subverter o edifício da ordem social”. A carta libertas (1888) “exige que a liberdade de palavra e de imprensa seja legalmente reprimida, como também seja proibida a liberdade de ensino...”. Contudo, Leão XIII é lembrado pela história, principalmente, pela elaboração da encíclica rerum novarum (1893), o documento que inaugurou, de fato, a reconciliação do Estado burguês e a Igreja Católica, pois começou “a assumir concretamente alguns princípios do mundo moderno, objetivando uma aproximação com as correntes liberais, mas certamente para evitar um avanço mais temível do socialismo” (MAANCORDA, 1999, p.295).

O papado de Pio XI (1922-1939) herda a preocupação dos seus antecessores, a temível Revolução Comunista, e estabelece o relacionamento da Santa Sé com outros Estados. Na análise de Franco Cambi, sobre a encíclica divini illius magistri (1929), texto que permaneceu na base de toda experiência pedagógica cristã até o Concilio Vaticano II (1962), o vigário de Cristo reafirmava que

„Não se pode dar adequada e perfeita educação que não seja a educação cristã e que esta tem importância suprema para as famílias e para toda a humana convivência. Só ela, de fato, garante uma formação integral do homem em relação ao fim sublime para o qual foi criado, isto é, a salvação através da fé e a adequação aos mandamentos da Igreja‟. Justamente à Igreja é reconhecido um papel proeminente na educação dos jovens, enquanto depositária da verdadeira via para operar a salvação do homem, ao lado da família que tem diretamente do criador a missão e, portanto o direito de educar a prole, tanto no campo moral e religioso como no físico e civil. Ao Estado, por conseguinte, cabe uma função subordinada, ou seja, a de proteger e promover, e não absorver, a família e o indivíduo, e não mais monopolizar a educação, portanto, mas respeitar os direitos natos da Igreja e da família. O texto pontifício auspicia, em suma, um

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pluralismo de escolas, de cuja liberdade o Estado deve fazer-se fiador, e defende uma concepção da educação pública como operante em função de uma delegação recebida das famílias. Além disso, o texto condena muitos aspectos da educação moderna, tal como a co-educação dos sexos ou educação sexual, inspirada por um „naturalismo pedagógico, falso e pernicioso, que remete a uma pretensa autonomia e liberdade ilimitada da criança contra toda forma de autoridade‟ (CAMBI, 1999, pp. 565-566).

De uma forma geral, Pio XI ainda minimiza o poder do Estado

sobre a educação, argumentando que a Igreja e a família têm, por vontade divina, o direito de educar. Este Papa inova em relação aos seus antecessores quando não proíbe a liberdade de ensino, todavia, defende “uma concepção da educação pública como operante em função de uma delegação recebida das famílias”. Na prática, esse discurso será utilizado, pelo corpo eclesiástico, em defesa de uma cultura educacional cristã em países de maioria católica.

O papado de Pio XII (1939-1958) não nos legou muitos documentos oficiais sobre as diretrizes cristãs acerca do ensino, contudo, encontramos uma carta, em que o herdeiro do trono de São Pedro enviou para clérigos suíços acerca da reabertura de uma Escola Normal Católica em 1958, nela percebe-se a concepção de ensino idealizada por ele. O Pontífice Romano reconhece o direito de atuação do Estado na educação, mas é contrário a toda ideologia fora do catolicismo, pois a fé deveria irradiar-se por todo o ensino. Ao mesmo tempo, defende uma maior aproximação entre Igreja e Estado quando evoca um ensino compromissado com o amor à pátria, tornando a formação cristã um instrumento de educação cívica. Para Pio XII

[...] A Igreja também reconhece, em principio e na prática, o direito do Estado sobre a escola, direito derivado da tarefa que lhe foi confiada por Deus, de se preocupar com o bem comum. A Escola deve dar toda instrução e formação cívica que o Estado está no direito de esperar dos seus cidadãos conforme as circunstancias [...] A educação patriótica, no sentido verdadeiro e permanente da palavra, aquela que

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desperta nos adolescentes o amor da sua pátria e lhes faz tomar consciência dos valores e dos altos feitos do seu país, certamente é tão bem assegurada na escola católica como nas demais. [...] Ela está na primeira linha desses educadores que dão ao amor da pátria um embasamento religioso e moral. Não obstante, ela previne contra todo nacionalismo malsão e exagerado, pois um aspecto essencial do pensamento católico é que a dignidade de todo homem deve ser respeitada, e que a justiça, a benevolência, o reconhecimento dos bens que lhe são próprios, são devidos não somente ao seu próprio povo, mas também a todos os outros. (PIO XII, 1958)

Esses modelos educacionais idealizados pela Santa Sé,

sobretudo as diretrizes propostas por Pio XI e complementadas por Pio XII, irão dar suporte ao pensamento pedagógico católico no Brasil já em meados da década de 1920, estabelecendo as vias possíveis para o relacionamento entre Igreja e Estado.

No esteio deste contexto, nos preocuparemos, principalmente, com questões que se referem ao ensino e a educação cristã e, sobretudo, ao embate entre “católicos e liberais”. Entre outros católicos, Alceu Amoroso Lima foi um dos intelectuais que mais tiveram contato com os representantes do poder, todavia, ao passo que a Igreja se aproximava do Estado, suas ideologias pedagógicas sofriam mais concorrência de atores que defendiam outras vias para o nosso desenvolvimento. Entre eles, destacamos o professor Anísio Teixeira, ilustre representante de uma corrente educacional chamada de “Escola Nova”.

O movimento escolanovista tem origem nos Estados Unidos no final dos oitocentos, mas foi bastante difundido, sobretudo, a partir da primeira metade do século XX. Baseado nos métodos científicos de sua época, sobretudo em conhecimentos provenientes da psicologia, ele possui dois aspectos importantes:

O primeiro é a presença do trabalho no processo da instrução técnico-profissional, que agora tende para todos a realizar-se no lugar separado “escola”, em vez do aprendizado no trabalho, realizado junto

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aos adultos, o segundo é a descoberta da psicologia infantil com suas exigências “ativas” (MANACORDA, 1999, p.305).

Esta nova abordagem pedagógica, idealizada pelo educador

John Dewey, e defendida por Anísio Teixeira como política pública no Brasil, gerou atritos com o rígido modelo de ensino tradicional católico, pautado na autoridade, inspirado nos moldes da Santa Sé e, portanto, atrelado á fé (CURY, 1978). Essa concepção moderna de escola, não negava os fatores morais na formação da criança, era pretensamente cientifica, por conseqüência, não comprometida com aspectos doutrinários. Para Manacorda,

Nas escolas novas, a espontaneidade, o jogo e o trabalho são importantes elementos educativos. A evolução psicológica da criança se apresenta de forma essencial em sua pedagogia. O próprio trabalho, nessas escolas, não se relaciona tanto ao desenvolvimento industrial, mas ao desenvolvimento da criança: não é preparação profissional, mas elemento de moralidade e, junto, de modalidade didática [...]. Os representantes destas tendências são os críticos mais radicais da escola e da educação tradicionais (MANACORDA, 1999, p.305).

Em posição defensiva, os intelectuais católicos e membros do

corpo eclesiástico, reagiram à introdução dessas novas tendências liberais para o ensino no Brasil. Na década de 1920, alguns escolanovistas já influenciavam as políticas educacionais em seus estados. A partir da Era Vargas, com a implantação de um Estado mais centralizador, as principais disputas se deram no âmbito federal.

Os pensadores católicos criticavam a tendência laica instalada pela República. Preconizavam a reintrodução do ensino religioso nas escolas por considerar que a verdadeira educação devia estar vinculada à orientação moral cristã. Para eles, as escolas leigas “só instruem, não educam” [...]. Outra característica que marcava a

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atuação dos pensadores católicos era um ferrenho anticomunismo (ARANHA, 2008, p.304).

O Estado brasileiro na presidência de Vargas se propunha como

agente transformador e modernizador da sociedade. Não obstante, a Igreja, arauto da tradição, que comovia e influenciava multidões de fiéis era importante aliada política. Assim, os pedagogos liberais, representantes de um projeto modernizador, não conseguiram grandes avanços até o fim do período ditatorial de Vargas (1937-1945). As reformas do ministro da educação de Vargas no Estado Novo, Gustavo Capanema, retratam bem as mudanças que ocorreram em bases conservadoras.

Nos termos da lei, a influência do movimento renovador se fez presente, estipulando o planejamento escolar, além de propor a previsão de recursos para implantar a reforma. Também foi dada atenção à estruturação da carreira docente, bem como à condigna remuneração do professor [...] A partir de então a lei propunha a centralização nacional das diretrizes. Persistia, no entanto, a predominância de matérias de cultura geral em detrimento das de formação profissional, bem como o rígido critério de avaliação (ARANHA, 2008, P.307).

No esteio destas permanências, o ensino secundário -

preocupado em proporcionar cultura geral e humanística; alimentar uma ideologia de caráter fascista; proporcionar condições para o ingresso no curso superior e possibilitar a formação de lideranças – “nada mais fazia do que acentuar a velha tradição do ensino secundário acadêmico, propedêutico e aristocrático” (ROMANELLI apud ARANHA, 2008, p.308). Assim, o desprezo pelos cursos profissionalizantes andava em descompasso com nossa realidade social, fruto do avanço econômico, tecnológico e industrial. Um dos principais fatores, que contrariava os ideais escolanovistas de coeducação, era de orientação conservadora e tradicionalmente ligado à prática pedagógica dos católicos: a

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“recomendação explícita na lei de encaminhar as mulheres para estabelecimentos de ensino de exclusiva freqüência feminina”. O governo ditatorial de Vargas atenuou o impacto de algumas conquistas liberais, se ausentando enquanto Estado educador e favorecendo grupos da iniciativa privada, notadamente as ordens católicas (ARANHA, 2008, p.308-309).

Essa situação se perdurou até 1945, quando o país retornou ao estado de direito, com governos eleitos pelo povo. Sob o espírito da redemocratização em 1946, o Brasil elaborou uma nova carta constitucional e, em oposição à Constituição imposta pelo Estado Novo em 1937, os escolanovistas retomaram a luta por seus ideais na elaboração de leis para a educação. A formulação da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) para a educação percorreu um longo caminho, desde seu primeiro anteprojeto (1948) até sua promulgação (1961). Além dos escolanovistas e seus aliados1, participaram católicos tradicionalistas como o padre Leonel Franca e Alceu Amoroso Lima (ARANHA, 2008, p.310).

As disputas entre estes grupos se acirraram quando o deputado Carlos Lacerda, político conservador da UDN, propôs uma discussão acerca da “liberdade de ensino”. Ele defendia a iniciativa privada e incumbia o Estado de oferecer os recursos necessários para os colégios particulares. Sabendo que a maioria das escolas particulares de ensino secundário pertencia tradicionalmente às congregações religiosas, os religiosos católicos retomaram os antigos debates. Eles criticaram,

1 Aqui, existe uma heterogeneidade ideológica que se uniu em torno da defesa da escola pública contra os interesses particulares, como veremos, nos debates educacionais. Na obra de Maria Lúcia de Arruda Aranha, História da Educação e da Pedagogia (2008) podemos encontrar, por curiosidade, na página 310 em nota de rodapé, o nome dos políticos e intelectuais que fizeram parte da campanha em defesa da escola pública: Florestan Fernandes, Fernando de Azevedo, Almeida Júnior, Carlos Mascaro, João Villa Lobos, Fernando Henrique Cardoso, Laerte Ramos de Carvalho, Roque Spencer Maciel de Barros, Wilson Cantoni, Moisés Brejon, Maria José Garcia Werebe, Luiz Carranca, Anísio Teixeira, Jayme Abreu, Lourenço Filho, Raul Bittencourt, Carneiro Leão, Abgar Renault e outros.

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novamente, a laicidade do ensino e, amparados pela doutrina da Igreja, defendiam a liberdade de ensino como “liberdade das famílias de escolher a melhor educação para seus filhos”. Por outro lado, os defensores da escola pública, ao contrário do período da Era Vargas, “admitiam a existência das duas redes de ensino – a particular e a oficial -, mas, para eles, as verbas públicas deveriam ser exclusivas da educação popular” (ARANHA, 2008, p.310-311, grifo nosso).

Devido a estes desencontros e descaminhos observados na formulação de nossas leis para o ensino, encontramos autores (AZZI, 2008; ROMANELLI, 2007; SAVIANI, 2005; ARANHA, 2008) que se preocuparam em observar e explicar as causas de nossos problemas educacionais no período.

Para Saviani, uma das possíveis hipóteses para analisarmos a falta de um planejamento para o ensino e, a ausência de um coerente e consolidado sistema educacional no Brasil, diz respeito às posições dos grupos em conflito na formulação das leis. Do lado da escola pública estavam os chamados “liberais” e aqueles de tendências socialistas;

Do lado da escola particular estavam a Igreja Católica e os donos de escola particular que, sem doutrina, apoiavam-se na doutrina da Igreja para defender seus interesses. Ora, essas diferentes posições teriam dificultado a definição de objetivos comuns e, daí, a ausência de sistema (SAVIANI, 2005, p.114).

Em suas conclusões acerca do assunto, Saviani discorda da

vigência de um “sistema educacional” no Brasil e denuncia que a nossa educação é inadequada à realidade, pois cheia de elementos anacrônicos devido aos interesses conservadores, e fruto de imitação social, sem autonomia nem autenticidade. Para ele, um emaranhado de instituições escolares e a falta de planejamento para uma organicidade que trouxesse uma lógica de funcionamento que ligasse todos os níveis de ensino, não pode ser considerado um sistema (SAVIANI, 2005, p.111).

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A pesquisadora Otaiza Romanelli reconhece que a partir de 1930, o ensino expandiu-se fortemente, mas detectou que nesse

“Período de transição da sociedade oligárquico-tradicional para a urbano-industrial, em que se redefinem as estruturas de poder e se orienta o modelo econômico, no sentido da industrialização, ainda encontramos um sistema educacional que privilegia uma elite, havendo um certo dualismo no sistema educacional (sistema oficial em oposição a treinamento profissional, como forma de discriminar socialmente as populações escolares) [...]. Em linhas gerais, pode-se afirmar que o poder político, até o início dos anos 60, mostrou-se incapaz de absorver a crise e a Lei de Diretrizes e Bases atendeu mais a interesses de ordem política do que a interesses sociais emergentes e, até mesmo, a interesses econômicos (ROMANELLI, 2007, p.255-256).

Para Aranha, a Lei nº4.024 (LDB), publicada em 1961,

apresentou algumas mudanças em relação à reforma Capanema, mas não houve alteração na estrutura do ensino. Um avanço estava

No ensino secundário menos enciclopédico, com significativa redução do número de disciplinas. Também a padronização foi atenuada, permitindo a pluralidade de currículos em termos federais [...]. Todavia, inúmeras desvantagens decorriam da nova lei. Apesar de pressões para que o Estado destinasse recursos apenas para a escola pública, a lei atendia também as escolas privadas [...], através do financiamento a estabelecimentos mantidos pelos estados, municípios e particulares para compra, construção ou reforma de prédios escolares e respectivas instalações e equipamentos, de acordo com as leis especiais em vigor” (ARANHA, 2008, p.311, grifo nosso).

Complementando as críticas feitas por Aranha acerca da

publicação da nossa LDB de 1961, o professor Demerval Saviani aponta muitas incoerências no “projeto conciliador”, proposto por Almeida Júnior,

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que reconhecia o subsídio público para as escolas particulares. Para Saviani,

Vale a pena pôr em relevo estas incoerências do projeto na linha mais característica de sua fisionomia: a) a escola particular é, ao cabo de contas, mantida pelo poder público; b) a escola mantida pelo Estado não é fiscalizada pelo Estado; [...]. Por outras palavras: o mais importante, por sua extensão, dos processos capazes de propiciar e preservar a unidade espiritual da nação, poderá escapar completamente ao exame dos poderes públicos. Que significam essas incoerências? Que a lei não tem unidade nem sistema (SAVIANI, 2005, p.19-20).

Aqui, a bandeira conciliadora de preservação da “unidade

espiritual da nação”, que na prática reconhecia o direito de subsídio estatal para colégios particulares, muitos deles confessionais, acabou por significar a injeção de recursos em instituições que não aceitaram a supervisão do Estado, escapando completamente ao exame dos poderes públicos.

Em linhas gerais, os subsídios públicos aos colégios particulares significaram a manifestação de interesses conservadores e, também, um empecilho à democratização do acesso ao ensino, que se daria pela escola pública, gratuita e laica. Contudo, os debates entre católicos e liberais e a abertura democrática, arrefeceram os ânimos dos líderes católicos na condução de um projeto sacralizador para a sociedade através da educação, tendo por conseqüência, uma maior aproximação com seus antagonistas, principalmente Anísio Teixeira e Lourenço Filho. O pensador católico Alceu Amoroso Lima, a respeito de todas essas questões, reconhecia cada vez mais a contribuição dos escolanovistas e sua metodologia pedagógica baseada na liberdade e autonomia do aluno. E conclui: “Acabei grande amigo de ambos, reconhecendo a importância da função democrática da educação, que ambos sempre haviam promovido” (apud AZZI, 2008, p.318).

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SILVEIRA, Rafael José da. The Catholic resistance and advancement of the liberal conception of education in Brazil. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, pp. 87-101. ABSTRACT: This article aims to analyze the confrontation between the main conceptions of teaching and education that guided public policy in Brazil from the 1930s until the early 1960s. The debate arises from two distinct ideological conceptions of society: Catholic and liberal. KEYWORDS: Brazil, History of Education; Catholic Thought; Liberal Thought; Public Instruction. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Artigos PIO XII. Carta de Pio XII sobre a concepção católica do ensino In Revista eclesiástica brasileira, v.18, p.807-809, set. 1958. SILVA, Antônio Francisco da. Intelectuais e a defesa da religião. Revista Ultimo Andar [on-line]. São Paulo, (14), 127-147, junho, 2006. Disponível em http://www.pucsp.br/ultimoandar/download/artigos_intelectuais.pdf Acessado em 16/12/09. Livros ARANHA, Maria Lúcia de Arruda. História da educação e da pedagogia: Geral e Brasil. São Paulo: Moderna, 2006. AZZI, Riolando. História da Igreja no Brasil: Terceira época (1930-1964). Petrópolis: Vozes, 2008. CAMBI, Franco. História da pedagogia. São Paulo: Editora da Unesp, 1999. CURY, Carlos Roberto Jamil. Ideologia e educação brasileira – católicos e liberais. São Paulo: Cortez, 1978.

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MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação: da antiguidade aos nossos dias. São Paulo: Cortez, 1999. ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil (1930-1973). Petrópolis: Vozes, 2007. SAVIANI, Dermeval. Educação brasileira: estrutura e sistema. Campinas: Autores Associados, 2005. SERBIN, Kenneth P. Padres, celibato e conflito social: uma história da Igreja católica no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. .

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DESCARTES E SUA DESCOBERTA DA SUBSTÂNCIA ESPIRITUAL

Luís Carlos MORENO*

RESUMO: Este artigo tem como objetivo geral pesquisar em Descartes como se dá a descoberta do espírito. Vive-se num momento histórico e numa sociedade em que não se pode acreditar em todas as informações que chegam, mas pode-se confiar na razão para se tomar a decisão sobre o que é verdadeiro ou falso. Descartes propicia oportunidade de refletir sobre espírito e matéria. Com a dúvida radical, Descartes inaugura, ou inventa, o espírito crítico, a liberdade de pensamento e, com isso, se torna um dos fundadores da filosofia moderna.

PALAVRAS-CHAVE: Descartes, Substância Espiritual Absoluta, imortalidade da alma.

A doutrina cartesiana do cogito (abreviação de cogito, ergo sum, “penso, logo existo”) indica a evidência pela qual cada indivíduo reconhece a própria existência enquanto sujeito pensante. A conclusão do raciocínio leva à fundação de duas verdades que resistem à dúvida metódica, utilizáveis como postulados da reflexão metafísica: 1) o pensamento é uma realidade em si mesmo - uma substância - distinta e diferente da matéria; 2) o indivíduo humano é tanto res cogitans (um sujeito pensante) quanto res extensa, enquanto corpo. De que maneira o ser humano (o espírito, a alma, a inteligência) pode conhecer a si mesmo? A Substância Espiritual é a resposta às questões existenciais dos seres humanos?

As teorias espiritualistas da mente ensinam que, seja qual for o seu nome, a mente e neste trabalho será denominada „espírito‟ possui

* Licenciado em Pedagogia. Especialista em Filosofia e Ensino da Filosofia. Atualmente é professor do Centro Universitário Barão de Mauá.

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um grau de independência ou realidade não explicado por outras teorias da mente (espírito). Defendem que o ser humano tem um eu espiritual, e que a realidade inclui o espiritual. Conforme Lalande (1999) pode-se chamar, de maneira geral, espiritualismo a toda doutrina que reconhece a independência e a primazia do espírito, isto é, do pensamento consciente. Entre os espiritualistas, podemos citar: Sócrates, Platão, Bérgson, Durkheim, Berkeley, Hume, Espinosa, Malebranche.

Pode-se argumentar que: I) a racionalidade é importante, indispensável mesmo, mas não é tudo; há muitos aspectos da vida a que ela não tem acesso, por mais intensa e acurada que seja a busca filosófica; II) que a plenitude da existência passa pela compreensão da substância espiritual, sendo função da razão testar criticamente nossas conjecturas, nossa interpretação dos fatos e nosso método de chegar a esse entendimento; III) a razão não é um fim, mas um instrumento.

Neste artigo, procura-se esclarecer o quanto o espírito é a forma ou estrutura da atividade humana corpórea, e se faz ou não faz sentido o seu entendimento como uma alma ou substância separada.

O dualismo cartesiano separou a realidade entre o espiritual e o material, mas cumpre indagar: se a realidade é espiritual ou material; uma exclui a outra ou ambas se complementam?

Vivemos num momento histórico e numa sociedade em que não se pode acreditar em todas as informações que chegam e nem nos próprios sentidos, mas pode-se confiar na razão para decidir o que é verdadeiro e válido ou o que é falso. Aparentemente a humanidade revive o problema contemporâneo de Descartes de „não se saber em que acreditar‟. O interesse em Descartes e sua descoberta da substância espiritual se justifica e fundamenta no deslocamento do interesse da sociedade consumista atual, que colocou o ter (dinheiro / bens materiais) acima do ser (espírito), oportunizando a reflexão sobre espírito e matéria. Como seres físicos, há a necessidade de recursos materiais para a preservação da vida, mas, a materialização da existência e condição de ser humano plenamente consciente e realizado se alcança através da compreensão e evolução do espírito também.

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Os seres humanos precisam, urgentemente, compreender que a plenitude da vida não será alcançada com a posse da máxima quantidade possível de bens materiais, coisas extensas de vez que estas são finitas, que a plenitude da vida será alcançada com o entendimento e desenvolvimento do ser pensante, do espírito.

O que somos, carrega as singularidades da nossa constituição material e espiritual, com reflexos e conseqüências na vida em sociedade. Refletir sobre as possibilidades dos seres pensantes pode nos proporcionar a oportunidade de intervir na nossa história de vida, amparados no conhecimento – para a construção de um mundo mais justo e verdadeiramente humano.

Para o eventual questionamento, porque mais uma vez, ou ainda Descartes, para a atualidade, a importância e a pertinência do seu pensamento como tema pode ser justificada, resumidamente, entendendo que a filosofia moderna é uma filosofia do sujeito humano, individual por excelência, um humanismo que recoloca o homem no centro e com ele a emergência de uma espiritualidade moderna.

A metodologia utilizada para este artigo foi a pesquisa bibliográfica, com interpretações das obras do autor.

A história do problema do espírito é, em verdade, a história da filosofia inteira, porque esta começa quando o ser humano se questiona sobre si mesmo; o desconforto e a inquietação permanente provocada pela sua condição o motiva a indagar: o que sou? De que sou feito? Quais as minhas substâncias?

Estas questões contêm em latência três inquietações: 1) os seres humanos atribuem a si mesmos um valor; uma dignidade e uma liberdade que nunca foram reconhecidos nos demais entes do mundo; 2) resistem a desaparecer com o desaparecimento da sua estrutura física (e essa aspiração à sobrevivência é universal e extrapola a filosofia); 3) reconhecem-se dotados de uma criatividade racional (ciência, técnica, linguagem), estética ( arte) e ética (religião e moral).

A busca por uma explicação para essas três constantes da experiência que o ser humano faz de si mesmo é a origem da filosofia;

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nelas está contido o enigma humano, com sua determinação em se acreditar distinto das coisas, dos vegetais e dos irracionais.

O surgimento do conceito de espírito foi para explicar de forma abrangente e satisfatória essa situação da condição humana. A asserção do espírito funcionou como garantia da singularidade que o ser humano representa em seu ambiente. O conceito foi popularizado no pensamento ocidental pelo cristianismo, através do Pneuma, com ampla polivalência semântica, como uma realidade inquestionável.

É de se ressaltar que no pensamento grego, o conceito equivalente de psyqué como entidade ou dimensão espiritual do homem foi mais trabalhado pelas doutrinas ético-religiosas do que pelo pensamento filosófico. Enfim, os gregos chegaram ao espírito por motivos mais éticos do que metafísicos.

Descartes (2005) prova a realidade da mente primeiro ao afirmar que algo deve colocar tudo em dúvida, como sua mais conhecida máxima propõe: “Penso, logo existo”. Ele também institui que “Sou uma coisa pensante”. Pensar é a essência dos seres humanos e, dessa forma, a mente (espírito) é distinta do corpo (matéria). Essa concepção ficou conhecida como Dualismo Cartesiano.

O dualismo cartesiano é a doutrina metafísica que considera o mundo na sua totalidade composto por duas substâncias: matéria e o pensamento. Para Descartes, entre esses dois modos de ser da realidade existe absoluta diferença e oposição: o pensamento é inextenso (ou seja, não tem uma dimensão espacial), é consciente de si mesmo e livre; a matéria, ao contrário, é sempre extensa e disposta no espaço, não tem consciência de si mesma e é mecanicamente determinada, não livre.

A doutrina cartesiana do „cogito‟ indica a evidência pela qual cada ser humano reconhece a própria existência enquanto sujeito pensante. A conclusão do raciocínio leva à fundação de duas verdades que resistem à dúvida metódica, utilizáveis como postulados da reflexão metafísica: 1) o pensamento é uma realidade em si mesmo (uma

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substância), distinto e diferente da matéria; 2) o ser humano é tanto um sujeito pensante quanto corpo (matéria).

René Descartes tem sido mencionado, desde o século XVIII, como o “O Pai da Filosofia Moderna”, mas como as concepções da filosofia se alteraram desde então o mesmo ocorreu com o significado desse título. No século XIX e na maior parte do século XX, os filósofos de língua inglesa classificaram Descartes como um epistemólogo.

Desde Descartes, a epistemologia, tem sido a disciplina filosófica central. Ela formula questões sobre o alcance e os limites do conhecimento, com suas fontes e sua justificação e lida com argumentos céticos concernentes a nossas pretensões de conhecimento e crença justificada.

A obra de Descartes estabeleceu a pauta para tarefa filosófica fundamental de mostrar por que estamos justificados por crer no que cremos. São dele as palavras, no Discurso do Método (2005, p.70): “[...] percebi que, ao mesmo tempo em que eu queria pensar que tudo era falso, fazia-se necessário que eu, que pensava, fosse alguma coisa. E, ao notar que esta verdade: eu penso, logo existo, era tão sólida e tão correta que as mais extravagantes suposições dos céticos não seriam capazes de lhe causar abalo, julguei que podia considerá-la, sem escrúpulo algum, o primeiro princípio da filosofia que eu procurava”.

A concentração de Descartes no “eu pensante” individual, sua visão filosófica do mundo estabeleceram a possibilidade de uma alternativa viável à explicação tradicional e na legitimação da crença dela.

É necessário ressaltar três aspectos do empreendimento intelectual desse pensador: 1) ele teve de descrever em termos bem gerais a natureza do mundo segundo sua visão moderna; 2) mostrar como esse mundo se relacionava com um Deus cristão e, 3) como se relacionava com a humanidade.

De acordo com o dualismo, a mente é uma substância distinta do corpo. Entre os defensores do dualismo encontramos o filósofo René Descartes. Substância é um termo filosófico para aquilo que existe.

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Alguns filósofos o utilizam para referir-se à matéria; outros para referir-se ao que é material e espiritual.

No dualismo, o conceito de mente pode ser aproximado ao conceito de intelecto, de pensamento, de entendimento, de espírito e de alma do ser humano.

René Descartes propos o dualismo das substâncias (que seriam uma entre duas coisas: res cogitans ou res extensa). Para ele o espírito e o corpo seriam nitidamente distintos. Espírito e matéria constituiriam dois mundos irredutíveis, assim não seriam nunca uma substância só, mas sempre duas substâncias distintas. Espírito seria do mundo do pensamento, da liberdade e da atividade; e matéria seria do mundo da extensão, do determinismo e da passividade.

O dualismo metafísico cartesiano deixou como herança à posteridade uma série de problemas graves. Por exemplo, como explicar inter-relações entre as substâncias tão heterogêneas entre si. Para ele, somente em Deus elas poderiam ser reunidas e formar uma só substância. Corpo e alma seriam substâncias finitas que de Deus proviriam, isso é, seriam fruto de um ser de substância infinita. Como uma substância finita poderia derivar de uma substância infinita ? E ainda por analogia, somente no ser humano se encontrariam, com se almagamadas, a alma e o corpo, que ao sentido parecem quase indistintas e não separadas. Mas Descartes não considera verossímel algo apreendido dos sentidos.

“Por meio do espírito, cada ser pode intuir que existe, que pensa, que o triângulo é delimitado somente por três linhas, a esfera por uma única superfície, e semelhante coisas que são em número muito maior de quanto perceba a maioria, posto que desdenha atribuir à mente coisas tão fáceis”. (Regras para a direção do espírito, Descartes).

“De modo que, depois de muito pensar a respeito, e de ter cuidadosamente tudo examinado, é preciso afinal concluir, e confirmar, que a proposição Eu sou, eu existo é necessariamente verdadeira todas as vezes que eu a pronuncio ou a concebo em meu espírito”. (Meditações Metafísicas, Descartes, 2005a).

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No resumo, por ele mesmo, das Meditações (2005a), encontramos: “Na segunda, o espírito, que, usando de sua própria liberdade, supõe que não existem todas as coisas, da existência das quais tem ele a menor dúvida, reconhece que é absolutamente impossível que, entretanto, ele mesmo não exista. O que é também de uma muito grande utilidade, visto que por tal meio ele comodamente faz distinção das coisas que lhe pertencem, isto é, à natureza intelectual, e das que pertencem ao corpo. Mas, já que pode ocorrer que alguns esperem de mim nesse lugar razões para provar a imortalidade da alma, estimo dever agora adverti-los de que, tendo cuidado de não escrever nada neste tratado de que não tivesse demonstrações muito exatas, me vi obrigado a seguir uma ordem semelhante àquela de que se servem os geômetras, a saber, adiantar todas as coisas das quais dependem a proposição que se busca antes de concluir algo dela”.

A posição de Descartes, assegura que as idéias dotadas de evidência não são aprendidas pela experiência, mas parte constitutiva da mente humana, assim a teoria postula a presença no homem de determinadas idéias, aptidões, habilidades, atitudes e comportamentos desde o seu nascimento.

O exercício da dúvida demonstra a existência de um sujeito espiritual, capaz de produzir pensamento. Dado que a dúvida é um pensamento, não se pode duvidar de sermos espíritos pensantes. Somente o pensamento não pode deixar de existir, porque não se pode duvidar sem pensar.

“Passemos, pois, aos atributos da alma e vejamos se alguns deles residem em mim. Os primeiros são nutrir-me e andar; mas se é verdade que eu não tenho corpo, também é verdade que não posso andar nem me alimentar”. Nesta passagem das Meditações Metafísicas (2005ª, p.45), a existência do corpo foi colocada em dúvida.

“Um outro atributo é sentir; mas igualmente, não se pode sentir sem o corpo; sem contar que acreditei ter sentido muitas coisas durante o sono e ao despertar dei-me conta de não tê-las sentido realmente”.

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Igualmente, neste trecho das Meditações Metafísicas (2005a, p.45-46), a percepção é colocada em dúvida.

E finalmente, para provar que somente o pensameno não pode deixar de existir, porque não se pode duvidar sem pensar: “Um outro é pensar; e aqui constato que o pensamento é um atributo que me pertence, sendo o único que não pode separar-se de mim. Eu sou, eu existo: isto é certo; mas por quanto tempo? Na verdade, por todo o tempo em que eu estiver pensando; posto que talvez ocorresse, se parasse de pensar, que eu parasse ao mesmo tempo de ser e de existir” (DESCARTES, 2005a, p.46). .

“Sou, então, uma coisa verdadeira, e verdadeiramente existente; mas qua coisa é esta? Eu já disse: uma coisa que pensa” (DESCARTES, 2005a, p.46). A certeza de existir como ser pensante tem um caráter fundamental para nossa concepção do eu enquanto ser espiritual.

Com Descartes, não é mais a confiança ou a fé que permite alcançar a verdade última ou a plenitude da vida, mas a consciência de si.

Descartes (2005) tinha plena consciência, particularmente após a condenação de Galileu em 1633, de que seus pensamentos físicos e metafísicos seriam considerados heréticos. Entretanto, era seu entendimento e consideração pessoal que havia compatibilidade com sua visão do cristianismo. Ao conhecer o mundo tal como realmente é, pela via da razão, estamos libertando nosso verdadeiro, ativo eu pensante imaterial de sua sujeição aos enganos proporcionados pelos sentidos físicos e permitindo que a alma imaterial divina e pura tenha precedência sobre o corrupto corpo físico e alcance uma visão do mundo mais próxima de Deus.

Para provar a existência de Deus, usou o seguinte argumento: “Penso, logo existo”, prova que eu existo, mas sou um homem

mortal imperfeito e falho. Se eu fosse meu próprio criador, naturalmente teria me criado como um ser perfeito, e se eu não criei, então quem foi? Deus”.

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“Pelo nome Deus entendo uma substância infinita, eterna, imutável, independente, onisciente, onipotente, pela qual eu mesmo, e todas as outras coisas que existem (se é verdade que há coisas que existem) foram criadas e produzidas.” Na nota 25, das Meditações Metafísicas (2005a, p.72) encontramos que: “Enfim, surge uma idéia de que a coisa pensante não pode ser causa. Como ela, Deus também é substância, porém, é de notar que não se fala em sustância univocamente; sou substância finita e por isso posso ser causa da idéia de substância extensa, também finita; Deus, contudo, é substância infinita, e não posso eu, finito, ser causa da idéia de um ser infinito”. E conclui mais adiante: “E, por conseguinte, é preciso necessariamente concluir de tudo o que disse anteriormente que Deus existe; pois ainda que a idéia da substância esteja em mim, pelo próprio fato de eu ser uma substância, eu não teria, contudo, a idéia de uma substância infinita, eu que sou um ser finito, se ela não tivesse sido posta em mim por alguma substância que fosse verdadeiramente infinita”. Na nota 26, da mesma edição (p.72), esclarece que: “Eis a primeira prova da existência de Deus, por meio da aplicação do princípio de causalidade: se está em mim uma ideia de que não posso ser causa, deve existir algo que seja causa dessa ideia, no caso, Deus”.

“Eu tenho uma concepção do que é a perfeição, embora eu não seja perfeito. Então, de onde vem essa ideia de perfeição? Não vem de mim, obviamente. Afinal, eu sou imperfeito e a perfeição não pode vir de algo tão imperfeito quanto eu. Então, deve haver um ser perfeito e ele é Deus”.

Tendo provado que ele existe e tendo “provado” a existência de Deus, voltou sua reflexão para a natureza e a realidade. De acordo com ele, dois elementos compunham a realidade como a percebemos e conhecemos. Denominou-as de substâncias. As substâncias do pensamento são nossas mentes e as substâncias extensas são nossos corpos físicos.

Ao separar o espiritual do material, Descartes permitiu que a nova ciência empreendesse a sua investigação no mecanismo de um

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mundo material ordeiro desvinculada da intervenção arbitrária de um Deus providencial ou das irregularidades imprevisíveis da natureza. Deus se tornou o relojoeiro cósmico que criou um mundo ordeiro e mentes para aprender sobre o mesmo. Além disso, ao livrar a mente do conhecimento incerto, Descartes cria que se poderia prosseguir pela dedução desde os primeiros princípios para tudo o que se poderia conhecer acerca do mundo.

Do próprio Descartes (2005a), encontramos no resumo da terceira meditação: “...antes de conhecer a imortalidade da alma, é formar uma concepção clara e nítida e inteiramente distinta de todas as con-cepções que se possam ter do corpo:que foi feito nesse lugar. Requer-se, além disso, saber que todas as coisas que concebemos clara e distintamente são verdadeiras, conforme nós as concebemos: o que não pôde ser provado antes da quarta Meditação. Ademais, é preciso ter uma concepção distinta da natureza corporal, a qual se forma, parte nesta segunda, e parte na quinta e sexta Meditação. E, enfim, deve-se concluir de tudo isso que as coisas que se concebem clara e distintamente serem substâncias diferentes, como se concebem o espírito e o corpo, são, de fato, substâncias diversas e realmente distintas umas das outras; e é o que se conclui na sexta Meditação. E, na mesma, isso também se confirma pelo fato de não concebermos nenhum corpo senão como divisível, ao passo que o espírito, ou a alma do homem, não se pode conceber senão como indivisível, pois, de fato, não podemos conceber a metade de alma alguma, como podemos fazer com o menor de todos os corpos; de forma que suas naturezas não são somente reconhecidas como diversas, mas mesmo, em alguma medida, contrárias. Ora, é preciso que saibam que não me empenhei em dizer nada mais sobre isso neste tratado, tanto porque isso é suficiente para mostrar com bastante clareza que da corrupção do corpo a morte da alma não se segue, e assim para dar aos homens a esperança de uma segunda vida após a morte, como também porque as premissas das quais se pode concluir a imortalidade da alma dependem da explicação de toda a física; primeiramente, a fim de

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saber que em geral todas as substâncias, isto é, as coisas que não podem existir sem serem criadas por Deus, são por sua natureza incorruptíveis, e não podem jamais cessar de ser, se não reduzidas ao nada por esse mesmo Deus, que lhes queira negar seu concurso ordinário. E, em seguida, a fim de que se observe que o corpo, tomado em geral, é uma substância, eis por que também ele não perece; mas que o corpo humano, enquanto difere dos outros corpos, é formado e composto apenas de uma certa configuração de membros e outros acidentes semelhantes; e a alma humana, pelo contrário, não é assim composta de quaisquer acidentes, mas é uma pura substância. Pois, ainda que todos seus acidentes mudem-se, por exemplo, que ela conceba certas coisas, que ela queira outras, que ela sinta outras, etc., é contudo sempre a mesma alma; ao passo que o corpo humano não é mais o mesmo só pelo fato de que a figura de algumas de suas partes encontre-se mudada. Daí se segue que o corpo humano pode facilmente perecer, mas que o espírito, ou a alma do homem (o que não distingo) é imortal por sua natureza”.

Na terceira Meditação (2005a), foi longamente explicado principal argumento de que se serve para provar a existência de Deus. Descartes se refere à dificuldade de entender como a idéia de um ser soberanamente perfeito, idéia que se encontra em nós, “contém tanto de realidade objetiva, isto é, participa por representação em tantos graus de ser e de perfeição, que ela deve necessariamente vir de uma causa soberanamente perfeita”. Mas esclarece por comparação com uma máquina cuja idéia encontra-se no espírito de algum operário; pois, “como o artifício objetivo dessa idéia deve ter alguma causa, a saber, a ciência do operário ou de qualquer outro de quem ele a tenha aprendido, da mesma forma é impossível que a idéia de Deus, que está em nós, não tenha Deus mesmo como sua causa”.

A existência de Deus pode ser provada, além do processo indutivo, também pelo dedutivo, mediante um raciocínio ontológico. Basta examinar a idéia de perfeito, que está presente em nossa mente pelo próprio fato de nos reconhecermos imperfeitos. “Voltando a

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examinar a idéia que eu tinha de um ser perfeito, via que a existência estava compreendida nele do mesmo modo, e até com maior evidência, de que na idéia de triângulo está compreendido que os seus três ângulos são iguais a dois retos ou, na esfera, que todas as suas partes são equidistantes do centro, e que, por conseguinte, é igualmente certo, o quanto pode sê-lo qualquer demonstração da geometria, que Deus, que é este ser perfeito, é ou existe”. Existe, pois, o ser divino e é perfeitíssimo.

Nos Princípios da Filosofia, Descartes (2002) traz uma prova ontológica da existência de Deus baseada não na idéia de infinito. Resumidamente, seu argumento: a idéia que nós temos de uma substância infinita não pode ser produzida por nós, que somos substâncias finitas; deve por isso, ser produzida pela própria substância infinita.

Em síntese, Decartes (2002, p.37) forneceu as provas não apenas de sua existência como uma “coisa pensante”, mas também para a existência de Deus e do mundo. De importância considerável é a sua prova da existência de Deus. Uma prova para essa existência de Deus é que como “coisa pensante” ele tem idéias.Uma dessas idéias é de um Deus perfeitamente bom e absolutamte poderoso. Descartes afirma que nada, exceto Deus, poderia lhe dar essa idéia.

“Penso, logo existo”. Deus existe e ele é bom. O mundo é apenas matéria em movimento.

O mundo de Descartes é um mero lugar mecânico operando segundo leis atemporais de movimento e, em si, destituído da maior parte das propriedades que poderiam nos fazer sentir à vontade nele. Entretanto, esse mundo cartesiano é caracterizado pela sua inteligibilidade. Assim, caracterizava uma concepção pluralista da pessoa humana comum como formada por um número indefinido de objetos físicos separáveis. Esses objetos físicos separados são na realidade, afirmava ele, de natureza apenas adjetiva. Assim, como quaisquer outros objetos físicos existentes, não são na realidade coisas ou substâncias separadas, mas apenas modos da única substância extensa.

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Segundo Descartes, a essência do ser humano é o espírito, mas qual a relação dele com o corpo? Ele considerava o corpo uma substância completa, existente por si, diversa do espírito e oposta a ele: o corpo constituído pela matéria extensa e o espírito constituído pelo eu pensante. No ser humano essas duas substâncias, embora diferentes encontram-se unidas. Para Descartes (2002), o espírito e o corpo estão unidos, mas apenas num ponto: na glândula pineal, que ele entendeu posicionada no centro do cérebro. Quanto ao corpo, afirmou que não há nenhuma diferença entre o homem e os animais: uns e outros não passam de autômatos ou máquinas semoventes. O que distingue o homem dos animais é o espírito. Os animais não têm espírito, nenhum espírito; o ser humano tem um espírito criado por Deus.

Pensadores espiritualistas não conseguiram ignorar a realidade do corpo, assim o problema do espírito e insere na relação espírito / matéria.

Atualmente o problema ganhou interesse e relevância, sob a denominação „mente / cérebro‟. Mais concretamente, a discussão atual gira em torno de questões tais como: 1) existe a mente (espírito)? 2) caso exista, será algo distinto do cérebro?

As respostas fundamentadas no materialismo classificam-se em: 1) A mente (espírito) é o cérebro; o cérebro é uma realidade puramente física, ou neural ou biológica; 2) A mente (o espírito) é o cérebro; mas o cérebro humano ostenta uma propriedade emergente, graças à qual o ser humano é distinguido qualitativamente de qualquer outra entidade física, química ou biológica.

As relações entre espírito e corpo foram explicadas por Descartes através de um sistema proposto em que os fluídos hidráulicos que operam os músculos do corpo são direcionados pela glândula pineal no centro do cérebro, de modo que, por meio de pequenos ajustes na posição dessa glândula, a alma é capaz de controlar o fluxo desses fluidos e dessa forma redirecionar as ações do corpo de acordo com suas decisões.

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O espírito, por ser imaterial, não está sujeito aos efeitos da decadência física, e é assim imortal. É semelhante a Deus em sua imaterialidade e não faz parte do mundo material básico, embora esteja ligada a ele por sua encarnação.

As ações do espírito são versões humanas das atividades divinas da compreensão e da vontade, a primeira uma cópia perfeita, mas finita da inteligência divina, a última inclinada ao abuso e corrompida pelo pecado original. Ao efetuar juízos, a compreensão apresenta uma idéia ao espírito, a qual é, então, afirmada ou negada pelo espírito.

Descartes é bem conhecido por sua concepção dualista: a mente existe independente do corpo, da matéria. Ele acreditava nessa divisão. Embora pudesse duvidar que tinha um corpo, havia uma coisa de que era impossível duvidar – o fato de que ele estava duvidando. Isso o levou à conclusão famosa: “Penso, logo existo” e à certeza de que a mente (o espírito) pode existir independentemente da matéria.

Um aspecto importante do problema espírito/corpo a questão da sobrevivência após a morte, a imortalidade. Se nosso eu é de fato dividido, corpo/ espírito vinculados, mas distintos, podemos ver de que maneira é possível a vida depois da morte. O espírito poderia existir por si próprio e ter uma vida sem ajuda do corpo. Poderia simplesmente deixar o corpo depois da morte em vez de ser destruída com ele, continuar a existir sozinha, vincular-se a outro corpo ou interagir com outros espíritos.

Se o dualismo não é verdadeiro e os processos mentais (espirituais) ocorrem no cérebro e dependem de seu funcionamento biológico, não é possível haver vida após a morte do corpo.

A versão cartesiana do problema espírito/corpo tem sido um dos mais comentados problemas filosóficos dos últimos três séculos.

São de Descartes, no Tratado das Paixões da Alma (2005b), as palavras: “Nunca seremos filósofos se tivermos lido todos os argumentos de Platão e Aristóteles mas não pudermos formar um juízo sólido sobre os problemas que temos à nossa frente. E também, dele, nas Meditações Sobre a Filosofia Primeira (2005a): “Minha alma não está no

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meu corpo como o piloto no navio; estou vinculado a ela de maneira bem mais íntima...”

Em síntese, nas Meditações (2005a) é afirmada explicitamente a imortalidade do espírito. “Não temos nenhum argumento e nenhum exemplo que nos persuada de que a morte ou o aniquilamento de uma substância como o espírito deva seguir de uma causa tão superficial como a mudança de figura, que é um modo do corpo, não do espírito (...). Não temos mesmo argumentos ou exemplos que possam sequer convencer-nos de que existam substâncias espirituais sujeitas a ser aniquiladas”.

A consideração da união entre o espírito (substância pensante) e o corpo (substância material) não foi resolvida em Descartes, de vez que ele permaneceu fiel ao ensinamento escolástico.

O dualismo é a tese de que a alma existe de maneira independente do corpo material, sobrevivendo à morte deste. Em Descartes, ficará conhecido como “dualismo de substância” – Tese de Descartes que afirma a existência de duas substâncias separadas, a alma, pensamento ativo e sem extensão, e o corpo, extensão não-pensante e passiva. O problema que surge é porque essas substâncias parecem interagir causalmente. As respostas dadas na época foram:

I) o interacionalismo, (estados da mente e estados do corpo interagiriam causalmente. Para Descartes, isso se daria na glândula pineal);

II) o ocasionalismo (doutrina segundo a qual nenhuma entidade material tem eficácia causal, mas apenas Deus é o único e verdadeiro agente causal. Quando uma agulha espeta a pele, o evento físico é uma “ocasião” para Deus causar o estado mental de dor. Mente e corpo não interagem, mas a ação de Deus faz com que tenhamos a impressão desta interação) e

III) a harmonia pré-estabelecida (segundo a qual alma e corpo não interagem contra a tese do interacionalismo). Deus teria resolvido criar um mundo possível no qual alma e corpo transcorrem de maneira

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coordenada, em harmonia, de maneira pré-estabelecida no início da criação.

Essa questão continuou sendo uma das principais dificuldades do cartesianismo: como conciliar a união substancial e a distinção real das duas essências, a espiritual e a corporal?

Esse tema continuará a ser discutido por seguidores e detratores de seu pensamento, e ainda engendrará grandes sistemas filosóficos posteriores a ele.

Vimos que, em Descartes, o espírito (substância) se constitui num princípio racional. Senso comum, parece fácil entender as distinções dualistas entre o espiritual e o material, lembrando que a concepção espiritualista da vida, tendo na mais alta conta a capacidade da mente humana no sentido de descobrir a verdade absoluta, remonta a Platão. É a origem antiga do dualismo.

E quase que consenso que a revolução cartesiana iniciou o espírito do mundo moderno. Assim quando o dualismo não tem um caráter religioso, provavelmente é cartesiano. É a filosofia que separa o mental ou espiritual do material ou científico. Ele se recomenda pela facilidade com que as questões científicas e religiosas podem ser mantidas separadas.

Ao separar o espiritual do material, Descartes permitiu que a nova ciência empreendesse a sua investigação do mecanismo de um mundo material ordeiro, desvinculada da intervenção arbitrária de um Deus providencial ou das irregularidades imprevisíveis da natureza. Deus se tornou o relojoeiro cósmico que criou um mundo ordenado e mentes para aprender sobre o mesmo. Além disso, ao livrar a mente do conhecimento incerto, Descartes cria que se poderia prosseguir pela dedução desde os primeiros princípios para tudo o que se poderia conhecer acerca do mundo. A realidade é espírito e matéria.

Ao lado da substância espiritual, existe também uma realidade material, que se caracteriza por ser extensa no espaço. Res cogitans e res extensa, espírito e matéria, mente e corpo, são as duas substâncias metafísicas do real

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Algumas observações à título de conclusão: É preciso submeter à crítica os preconceitos adquiridos com a

educação. A percepção não oferece garantias de certeza. Mesmo a sensação de si mesmo como corpo não é segura. De fato, certas patologias psíquicas perturbam a personalidade,

levando um indivíduo a sentir-se outro. Mesmo a condição da consciência pode ser colocada em

dúvida: como ter certeza de não estar sonhando? A busca da verdade consiste em um esforço crítico realizado

pela mente sobre si mesma. A dúvida é uma forma de conhecimento imediato, não

discursivo. O exercício da dúvida, deve-se duvidar até dos métodos

científicos. É possível duvidar de estar sonhando. Mas posto que a dúvida é um pensamento, não se pode duvidar

que somos seres pensantes. Cogito, ergo sum; penso, logo existo: esta afirmação é

absolutamente certa. O fato de pensar permite afirmar-nos somente como seres

pensantes, mas não ainda como indivíduos dotados de corpo. A realidade da dúvida legitima somente a existência de um

pensamento, uma res cogitans (substância pensante), não de um corpo. Antes de iniciar a prática da dúvida, a sensação de existir como

corpo parecia uma certeza. Outras certezas eram os fatos de perceber, de pensar e de

possuir uma alma. Parece evidente a existência dos corpos, da matéria e do

espaço em que se movem, mas todas essas crenças não passaram pela prova da dúvida metódica e hiperbólica. A existência do corpo foi colocada em dúvida, assim como a percepção.

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Somente o pensamento não pode deixar de existir, porque não se pode duvidar sem pensar. A dúvida demonstra a existência de uma res cogitans, uma coisa pensante. Essa conclusão inaugurou uma forma de dualismo que se transformou num dos mais polêmicos temas de todo o cartesianismo.

A certeza de existir como ser pensante tem caráter fundamental; pode ser assumida como postulado para cadeias dedutivas.

Descartes deixou para o mundo moderno a posição inatista, ou seja, a teoria que postula a presença no homem de determinadas idéias, aptidões, habilidades ou comportamentos antes de qualquer experiência. Para ele, as ideias dotadas de evidência não são aprendidas pela experiência, mas parte constitutiva do espírito humano. O que dignifica o homem não é o fato de possuir a razão, mas saber fazer uso dela, através de fatores indispensáveis: a vontade de conhecer; a unidade do saber; o exercício da crítica atenta e permanente, que ele consolidou na elaboração do método da dúvida.

No início do Discurso do Método, obra em que se apresenta o conhecimento como meio de adquirir todas as virtudes, há um questionamento seguido de uma resposta: “Se o bom senso (razão) é um dom natural tão bem distribuído entre os homens, por que, então, tantas discórdias e tantas incertezas? A resposta parece obvia: é porque os homens não sabem fazer bom uso dele”.

Finalizando, desejo recordar que Descartes deu uma explicação mecanicista para as relações entre corpo e espírito: no corpo do homem, como também no dos animais, não há sensações, mas somente ações e reações semelhantes às de uma máquina. Os espíritos, que seriam partículas sutis de matéria e veículos dos movimentos dos nervos fazem, através da glândula pineal, a alma se ressentir dos movimentos corporais, estimulando nela as sensações correspondentes. Também através desta glândula, a alma colocaria em movimento os espíritos, produzindo os movimentos do corpo.

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Uma solução inaceitável porque não se aplica a duas substâncias infinitas. Se as duas substâncias são de fato independentes e incomensuráveis, a elas não se pode aplicar uma fisiologia mecânica.

O homem é um ser no qual as duas substâncias se encontram.

MORENO, Luiz Carlos. Descartes and his discovery of spiritual substance. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, pp.103-121.

ABSTRACT: This paper has the general objective Find in the works of Descartes how we find the discovery of the spirit. We live in a historical moment and in a society where you can not believe all information that comes, but you can rely on reason to make the decision about what is true or false. Descartes provides an opportunity to reflect on the spirit and matter. With radical doubt, Descartes inaugurates, or invents, critical thinking, freedom of thought and, therefore, becomes one of the founders of modern philosophy. KEYWORDS: Descartes; spiritual absolute substance; immortality of the soul.

REFERÊNCIAS

DESCARTES, Renê. Discurso do método tradução de Paulo Neves. Porto Alegre: L&PM, 2005. ______. Meditações metafísicas. Introdução e notas Homero Santiago; tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão; tradução dos textos introdutórios Homero Santiago. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005a. (Clássicos). ______. As paixões da alma. Introdução, notas, bibliografia e cronologia por Pascale D‟Arcy; tradução Rosemary Costhek Abílio. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005b. (Clássicos). ______. Princípios da filosofia. Tradução de Guido Antônio de Almeida (coordenador), Raul Landim Filho, Ethel M. Rocha, Marcos Gleizer e Ulysses Pinheiro. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002.

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LALANDE, André. Vocabulário técnico e crítico da filosofia. 3ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

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A HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO E A NOVA LEI DO AVISO

PRÉVIO

Marco Antonio BATISTA* RESUMO: Este artigo procura realizar uma pesquisa bibliográfica sobre o novo aviso prévio. Apresenta e discute as principais mudanças ocorridas neste instituto, analisando aspectos positivos e negativos da Lei nº 12.506/2011. PALAVRAS-CHAVE: aviso prévio; novas regras; novos prazos. 1. Introdução

Este trabalho pretende abordar as mudanças nos prazos do aviso prévio, que passaram a vigorar a partir de 13 de outubro de 2011, com a edição da Lei nº 12.506/2011, que dispõe sobre o aviso prévio e dá outras providências.

Com a nova lei, os prazos de concessão do aviso prévio passaram de 30 (trinta) para o máximo de 90 (noventa) dias, dependendo do tempo de serviço que o empregado tiver na empresa. Trata-se de uma lei que afeta todos os trabalhadores que, a partir da publicação da lei, desfaçam o vínculo trabalhista com seus empregadores. Serão analisadas as mudanças no prazo do aviso prévio, verificando vantagens e desvantagens, realizando pesquisa bibliográfica e documental sobre o tema, através de livros, jornais, revistas, além da própria lei que modificou os prazos do aviso prévio.

* Bacharel em Direito pela Universidade Paulista, Especialização em Língua Portuguesa e Especialização em Direito do Trabalho, pelo Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil. E-mail do autor: [email protected]. Orientador: Prof. Dr. Lucas de Souza Lehfeld.

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O artigo pretende estudar o aviso prévio, situando-o no contexto do direito do trabalho, analisando os princípios que regem o direito, especialmente o direito trabalhista, estudando o surgimento das primeiras normas protetivas ao trabalhador, dentro da sociedade humana, observando as principais mudanças em relação ao homem, à sociedade e ao trabalho, que ocorreram ao longo da história. 2. O trabalho, dos primórdios até a Idade Média

O trabalho, desde o princípio dos tempos, foi considerado como castigo. Adão teve de trabalhar para comer, em virtude de ter comido a maçã, o fruto da árvore proibida. Conforme disposto na Bíblia, Antigo Testamento, Gênesis 3:

...17: E ao homem disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei dizendo: Não comerás dela; maldita é a terra por tua causa; em fadiga comerás dela todos os dias da tua vida. 18: Ela te produzirá espinhos e abrolhos; e comerás das ervas do campo. 19: Do suor do teu rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, porque dela foste tomado; porquanto és pó, e ao pó tornarás... (<www.culturabrasil.pro.br/zip/biblia.pdf>. Acesso em 26/09/2012)

A palavra trabalho vem do latim tripalium, espécie de

instrumento de tortura de três paus ou uma canga que pesava sobre os animais.

A escravidão foi a primeira forma de trabalho, e o escravo era considerado apenas uma coisa e não tinha qualquer direito, nem mesmo trabalhista. Ele não era considerado sujeito de direito, pois era propriedade de seu senhor. O único direito do escravo era o de trabalhar até à morte.

Conforme dispõe Sérgio Pinto Martins:

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Na Grécia, Platão e Aristóteles entendiam que o trabalho tinha sentido pejorativo. Envolvia apenas a força física. A dignidade do homem consistia em participar dos negócios da cidade por meio da palavra. Os escravos faziam o trabalho duro, enquanto os outros poderiam ser livres. O trabalho não tinha o significado de realização pessoal. As necessidades da vida tinham características servis, sendo que os escravos é que deveriam desempenhá-las, ficando as atividades mais nobres destinadas às outras pessoas, como a política. Hesíodo, Protágoras e os sofistas mostram o valor social e religioso do trabalho, que agradaria aos deuses, criando riquezas e tornando os homens independentes. A ideologia do trabalho manual como atividade indigna do homem livre foi imposta pelos conquistadores dóricos (que pertenciam à aristocracia guerreira) aos aqueus. Nas classes mais pobres, na religião dos mistérios, o trabalho é considerado como atividade dignificante. Em Roma, o trabalho era feito pelos escravos, que eram considerados coisas. Era visto o trabalho como desonroso. A locatio conductio tinha por objetivo regular a atividade de quem se comprometia a locar suas energias ou resultado de trabalho em troca de pagamento. Estabelecia, portanto, a organização do trabalho do homem livre. Era dividida de três formas: a) locatio conductio rei, que era o arrendamento de uma coisa; b) locatio conductio operarum, em que eram locados serviços mediante pagamento; c) locatio conductio operis, que era a entrega de uma obra ou resultado mediante pagamento (empreitada) (MARTINS, 2004, p. 38).

Posteriormente, surge a servidão. Era a época do feudalismo. A

sociedade feudal consistia em três classes: sacerdotes, guerreiros e trabalhadores, sendo que esta produzia para as outras duas. Enquanto os cavaleiros lutavam e os clérigos e padres pregavam, alguém tinha que produzir as armaduras dos guerreiros, os seus vestuários, bem como as vestes da classe sacerdotal. Além disso, alguém tinha que produzir o alimento que seria consumido pelas três classes então existentes.

Todo o trabalho era desenvolvido na terra, na lavoura e pecuária, através do cultivo de grãos e de animais, para alimentação, e

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da criação de ovelhas, cuja lã seria utilizada na confecção de vestimentas.

O trabalho era essencialmente agrícola, mas bem diferente do que hoje conhecemos, devido à precariedade do seu desenvolvimento.

A maioria das terras agrícolas estava dividida em áreas conhecidas como “feudos”. Cada feudo consistia apenas de uma aldeia e de várias centenas de acres de terra arável que a circundavam, nas quais o povo da aldeia – a classe trabalhadora – desenvolvia o trabalho, para sustentar as duas classes dominantes.

Cada propriedade feudal tinha o seu senhor. Conforme era dito na época: “não havia senhor sem terra, nem terra sem um senhor”.

A casa do senhor feudal era sempre fortificada, fosse um castelo ou uma casa-grande de fazenda. Lá o senhor vivia, ou apenas esporadicamente, já que muitos senhores possuíam vários feudos, chegando alguns a possuírem centenas.

Marcavam o sistema feudal três características importantes: 1) a terra arável era dividida em duas partes, sendo uma pertencente ao senhor e cultivada apenas para ele, enquanto a outra era dividida entre diversos arrendatários; 2) a terra era cultivada pelo sistema de faixas espalhadas e não em campos contínuos, como hoje; 3) os trabalhadores (arrendatários) cultivavam, além das terras que arrendavam, a propriedade do senhor feudal.

Vivendo numa pobre choupana, trabalhando arduamente em suas faixas de terra espalhadas, o camponês colhia apenas o suficiente para uma vida miserável. Tinha que trabalhar a terra do senhor, dois ou três dias por semana, sem pagamento.

Em época de colheita, quando havia pressa, tinha primeiro que segar o grão nas terras do senhor. Nunca houve dúvida quanto à terra mais importante. A terra do senhor feudal tinha que ser arada, semeada e ceifada antes da sua. Se uma tempestade ameaçasse a colheita, a plantação do senhor tinha que ser salva primeiro. Havendo qualquer produto a ser vendido no mercado local, deveria ser primeiramente vendido o produto do senhor feudal. Para moer o seu próprio trigo ou

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produzir o seu vinho, o camponês tinha que pagar para utilizar o moinho ou a prensa do senhor.

Apesar de não ser propriamente um escravo como o foi o escravo negro, o camponês, conhecido como servo, era quase reduzido à escravidão e, considerando a origem latina da palavra, servus significa escravo.

Havia vários graus de servidão, sendo que alguns servos, conhecidos como aldeães, não possuíam nem mesmo um pequeno arrendamento, mas apenas uma cabana e trabalhavam para o senhor em troca de comida.

A riqueza, na época, media-se pela quantidade de terras que se possuía, e nesse aspecto a Igreja foi a maior proprietária de terras, detendo imenso poder e prestígio. O clero e a nobreza, como já foi dito, constituíam as classes governantes, pois controlavam as terras e o poder que delas provinha. Enquanto a Igreja prestava ajuda espiritual, a nobreza prestava proteção militar, exigindo em troca pagamento da classe trabalhadora, consistente no cultivo das terras (HUBERMAN, 1986).

3. O surgimento do comércio e das corporações de Ofício

O comércio na Idade Média era realizado em pequena escala, mais à base de troca. Muitos obstáculos retardavam o crescimento do comércio. O dinheiro era escasso e diferente em cada lugar. Pesos e medidas também variavam em cada região. Devido a todos esses fatores, o transporte de mercadorias para grandes distâncias era penoso, perigoso, devido aos salteadores, além de ser difícil e muito caro.

Mas o comércio não permaneceu pequeno para sempre. Gradativamente, o comércio começou a crescer, transformando a vida da Idade Média.

Um dos motivos que levaram ao crescimento do comércio, na visão de Huberman foi:

As cruzadas levaram novo ímpeto ao comércio. Dezenas de milhares de europeus atravessaram o continente por terra e mar para arrebatar

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a Terra Prometida aos muçulmanos. Necessitavam de provisões durante todo o caminho e os mercadores os acompanhavam a fim de fornecer-lhes o que precisassem. Os cruzados que regressavam de suas jornadas ao Ocidente traziam com eles o gosto pelas comidas e roupas requintadas que tinham visto e experimentado. Sua procura criou um mercado para esses produtos. Além disso, registrou-se um acentuado aumento na população, depois do século X, e esses novos habitantes necessitavam de mercadorias. Parte dessa população não tinha terras e viu nas Cruzadas uma oportunidade de melhorar sua posição na vida (HUBERMAN, 1986, p. 18).

Com o crescimento do comércio, surgiram as grandes feiras,

onde eram comercializados produtos de todas as partes do mundo. Com isso, logicamente, as cidades também foram crescendo (HUBERMAN, 1986).

As cidades cresciam e também sua população. Muitos homens deixam as servidões e o trabalho na terra, aventurando-se em busca de outro tipo de trabalho, nas cidades.

Surge nova forma de organização do trabalho: as corporações de ofício, organizando os trabalhadores a partir da atividade que exercem, com o que concorda Segadas Vianna et al. (1993, p.31, apud DANTAS JR., A. R. et al, 2009): “[...] a identidade de profissão, como forma de aproximação entre homens, obrigava-os, para assegurar direitos e prerrogativas, a se unir, e começaram a repontar, aqui e ali, as corporações de ofício ou „Associações de Artes e Misteres‟” (DANTAS JR. A. R., 2009, p. 20).

O trabalho, então, não era propriamente livre, pois somente era permitido o exercício da profissão aos que fizessem parte da corporação.

A regulamentação de aprendizagem de qualquer ofício submetia-se a uma organização hierárquica em três níveis, a saber: aprendiz, companheiro e mestre.

Proprietários das oficinas, os mestres já tinham passado pela prova da obra-mestra. Os companheiros recebiam salários dos mestres

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pelo trabalho. Já os aprendizes eram os menores que recebiam dos mestres o ensino do ofício ou profissão.

Os aprendizes tinham a perspectiva de, aos poucos, aprimorarem seu trabalho, galgando o grau de companheiros e posteriormente o de mestres, após terem aprovada uma obra-prima ou obra-mestra.

Embora houvesse um pouco mais de liberdade aos trabalhadores, nessa época, os reais objetivos eram os interesses das corporações, em detrimento de conferir proteção aos trabalhadores.

Os aprendizes trabalhavam a partir dos doze anos, sendo que em alguns países começavam a prestar serviços com idade inferior, e sua jornada diária chegava até a dezoito horas no verão (MARTINS, 2004).

Objetivando preservar o mercado contra uma proliferação de corporações e consequente queda de preços dos produtos, ocorreu um aburguesamento das corporações, que passaram a aumentar os encargos e dificuldades para a elaboração da obra-prima, criando nas corporações uma verdadeira estrutura de castas (DANTAS JR. et al, 2004).

As corporações de ofício, consideradas incompatíveis com o ideal de liberdade do homem, foram suprimidas a partir da Revolução Francesa de 1789. Logo depois, instalou-se a primeira Revolução Industrial.

4. A Revolução Industrial

Vários fatores contribuíram para a eclosão da Revolução

Industrial, entre os quais, pode-se assinalar: o acúmulo de capitais oriundos do comércio; a existência de farta mão de obra nas cidades e as inovações tecnológicas como a máquina a vapor, a máquina de fiar e o tear mecânico.

Conforme dispõe Aldemiro Rezende Dantas Jr., tratando da matéria:

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A primeira Revolução Industrial e os efeitos sociais por ela gerados, associados aos valores vigentes naquele período histórico, serão decisivos para o surgimento do Direito do Trabalho, pois serão a fonte material de toda uma construção jurídica engendrada para muitos, com uma finalidade específica: proteger o proletariado de então da situação abjeta e desumana vivenciada pelos trabalhadores (DANTAS JR. et al, 2009, p. 22).

Embora um dos fatores da eclosão da Revolução Industrial

tenha sido o grande contingente de mão de obra, a máquina, enquanto impulsionava a produção, gerava desemprego, pois uma única máquina podia substituir a força de trabalho de milhares de trabalhadores e não precisava de repouso.

Conforme aumentava a procura por trabalho e diminuía sua oferta, o salário diminuía. Além disso, passou-se a utilizar mais do trabalho do menor e da mulher, por terem remuneração inferior à do homem, o que provocou maior aviltamento das condições de trabalho.

As jornadas de trabalho eram de sol a sol, com pequenos intervalos, as fábricas quase não tinham ventilação, os acidentes de trabalho eram freqüentes e inexistia qualquer proteção aos acidentados. Os salários caíam vertiginosamente e a sociedade dividia-se em duas classes antagônicas: burguesia e proletariado.

Surgem as primeiras revoltas dos trabalhadores contra as máquinas, visando sua destruição, pois elas, indiretamente, haviam causado sua miséria.

Ocorrem as primeiras greves, que são violentamente reprimidas pela polícia.

Associações de qualquer gênero são proibidas, especialmente a de trabalhadores. O sindicalismo é considerado movimento criminoso, sendo penalmente tipificado.

Conforme dispõe Aldemiro Rezende Dantas Jr. (et al):

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[...] Mas as primeiras normas do Direito do Trabalho surgiriam mesmo de forma autônoma, por concessão dos empregadores, que, desejosos de restaurar a paz no ambiente de produção, por vezes concederam algumas das reivindicações dos trabalhadores. Apenas em momento posterior o Estado se vê guindado a regulamentar as relações de trabalho [...] (DANTAS JR., A. R. et al, p. 25).

Prosseguindo, logo após:

[...] A doutrina social da Igreja exerceu papel determinante no surgimento do Direito do Trabalho. A visão de solidariedade e sentimento cristão para com os trabalhadores, justiça social, todas reveladas nas Encíclicas Papais desde a Rerum Novarum, serão determinantes para justificar uma nova postura por parte do Estado [...] (DANTAS JR., A. R. et al, p. 25).

O Estado começa a reconhecer a desigualdade econômica das

partes envolvidas na relação de trabalho: a hipossuficiência do empregado contra a opulência do empregador. Para compensar essa inferioridade econômica, procura-se conceder superioridade jurídica ao empregado. Surge então o princípio da proteção e com ele o próprio Direito do Trabalho, passando o Estado a intervir ativamente nas relações de trabalho, através da edição de normas sobre: salário mínimo, jornada de trabalho, higiene e segurança no trabalho etc.

As constituições passam a incluir preceitos relativos à defesa social da pessoa, normas de interesse social e garantia de certos direitos fundamentais, incluindo o Direito do trabalho.

A Constituição do México, de 1917, foi a primeira que tratou do tema, estabelecendo, no art. 123, jornada de oito horas, proibição de trabalho de menores de 12 anos, limitação da jornada dos menores de 16 anos a seis horas, jornada máxima noturna de sete horas, descanso semanal, proteção à maternidade, salário mínimo, direito de sindicalização e de greve, indenização de dispensa, seguro social e proteção contra acidentes do trabalho.

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Depois da mexicana, a Constituição de Weimar, de 1919, versou sobre o tema, disciplinando a participação dos trabalhadores nas empresas, autorizando a liberdade de coalizão dos trabalhadores, tratando também da representação dos trabalhadores na empresa. Criou, ainda, um sistema de seguros sociais e também a possibilidade de os trabalhadores colaborarem com os empregadores na fixação de salários e demais condições de trabalho.

A partir de então, as constituições dos países passaram a tratar do Direito do Trabalho.

Surge o Tratado de Versalhes, de 1919, que prevê a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), para proteger as relações entre empregados e empregadores no âmbito internacional, expedindo convenções e recomendações nesse sentido.

Adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 10 de dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem prevê alguns direitos aos trabalhadores, como limitação razoável do trabalho, férias remuneradas periódicas, repouso e lazer etc.

5. O Direito do Trabalho no Brasil

Enquanto a industrialização alcançava grande desenvolvimento

no mundo, o Brasil vivia ainda o período de colônia portuguesa, através do mercantilismo baseado na agricultura de monocultura utilizando mão de obra escrava. Essa primeira fase de nosso direito laboral findou apenas em 1888, com a Abolição da Escravatura. Em seguida, cai o regime monárquico, que se sustentava com a escravidão.

A segunda fase do direito trabalhista no Brasil estendeu-se até 1930, iniciando a regulamentação de normas favoráveis ao trabalho livre. Precursora da Justiça do Trabalho no país foi a Lei n. 1869/22, que criou os Tribunais Rurais. A Constituição de 1891 reconheceu a liberdade de associação. Em 1923, a Lei Elói Chaves tratou de caixas de pensões e aposentadorias dos ferroviários; em 1925 foi promulgada a Lei de Férias, concedendo quinze dias de férias anuais aos trabalhadores, o

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que foi inserido na Constituição de 1934, sendo que esta foi a primeira constituição brasileira a tratar especificamente do Direito do Trabalho.

O Direito do Trabalho no Brasil inicia sua terceira fase em 1930, com a Revolução e a Era Vargas. A produção legislativa desse período é farta e procede-se à reunião e sistematização das normas laborais e sedimentam-se os princípios que as norteiam.

Embora como órgão do Poder Executivo, a Constituição de 1934 cria a Justiça do Trabalho.

Nesse período surge a primeira Lei de Indenização por Despedida Injusta (1935). Em 1939 ocorre a Organização da Justiça do Trabalho e surge a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), em 1943, que teve como objetivo reunir as leis esparsas existentes na época.

Ocorre o reconhecimento do direito de greve, em 1946, e do repouso semanal remunerado, no ano de 1949. A gratificação natalina é de 1962, e de 1966 a Lei do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (DANTAS JR. et al, 2009).

Promulgada em 1988, a atual Constituição Federal (CF) trata dos direitos trabalhistas nos artigos 7º a 11, tendo sido inseridos no Capítulo II, “Dos Direitos Sociais”, do Título II, “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, enquanto nas constituições anteriores os direitos trabalhistas sempre foram inseridos no âmbito da ordem econômica e social.

Tantos são os direitos trabalhistas consagrados no art. 7º da CF, que alguns autores o veem como verdadeira CLT. (MARTINS, 2004).

6. Princípios que regem o Direito do Trabalho

Princípio é onde começa algo. É o início, a causa, a origem, o

começo. Os princípios são o fundamento, a base, os alicerces de uma ciência. Para o Direito, são os princípios que informam e inspiram as normas jurídicas.

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Alguns princípios são comuns ao Direito em geral, dentre os quais podemos destacar o princípio da boa-fé. Esse princípio prescreve que sempre deve existir lealdade recíproca em todos os contratos.

Especificamente no que tange ao Direito do trabalho, podemos citar como principais os seguintes princípios, com suas principais características:

PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO, que visa proporcionar uma compensação à inferioridade econômica do empregado, concedendo-lhe superioridade jurídica em relação ao empregador. Esse princípio desdobra-se em outros três subprincípios, a saber: Princípio do in dúbio pro operário, o qual estabelece que, havendo dúvida sobre duas ou mais interpretações possíveis, deve-se optar pela interpretação mais favorável ao empregado. Princípio da aplicação da norma mais favorável, que prevê a aplicação da norma mais favorável ao obreiro, havendo duas ou mais normas passíveis de serem aplicadas, independente de sua hierarquia. Princípio da condição mais benéfica, o qual prescreve que as condições mais benéficas ao trabalhador, previstas no contrato de trabalho ou constantes no regulamento da empresa devem prevalecer, apesar da edição de norma posterior dispondo sobre a mesma matéria, menos benéfica ao empregado. A nova regra jurídica somente produzirá efeitos para os novos contratos de trabalho (SARAIVA, 2007).

PRINCÍPIO DA IRRENUNCIABILIDADE DE DIREITOS, o qual dispõe que os direitos trabalhistas são, em regra, irrenunciáveis. Assim, por exemplo, mesmo que um empregado declare expressamente que não quer receber décimo terceiro salário, este não poderá deixar de ser-lhe pago.

PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA RELAÇÃO DE TRABALHO, que estabelece que os contratos de trabalho presumem-se, como regra, estabelecidos por prazo indeterminado, sendo considerados exceções os contratos por prazo determinado.

PRINCÍPIO DA PRIMAZIA DA REALIDADE, bastante utilizado na prática trabalhista, prescreve que os fatos, ou seja, os acontecimentos

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reais são bem mais importantes do que os documentos (ALMEIDA, A. L. P. de, 2007?).

Divergem alguns autores quanto a todos os princípios que regem o direito do trabalho. Entretanto, pode-se considerar como os mais importantes esses acima citados.

7. Origens do instituto do aviso prévio

Interessante observar que o aviso prévio não surgiu com o

direito do trabalho, mas como forma de uma parte avisar a outra que quer romper determinado contrato.

Já nas corporações de ofício, o companheiro tinha que conceder aviso prévio ao mestre, mas não havia reciprocidade do mestre em relação ao companheiro.

O Código Comercial de 1850 previa em seu art. 81 que, se o prazo do ajuste celebrado entre o preponente e os seus prepostos não estivesse estipulado, qualquer dos contraentes poderia extingui-lo, desde que avisasse o outro do seu término, com um mês de antecipação.

O Código Civil de 1916 também dispunha sobre o aviso prévio nos contratos por prazo indeterminado, estabelecendo prazos diferentes, dependendo do tempo de fixação do salário, ou seja: antecedência de oito dias de aviso, para salário pago por mês, ou mais; quatro dias, para pagamento semanal ou quinzenal; de véspera, quando o salário fosse ajustado por menos de sete dias.

No âmbito do Direito do Trabalho, a Lei nº 62/35 tratou do aviso prévio exigido apenas do empregado em favor do empregador (MARTINS, 2004).

A CLT cuidou do aviso prévio nos arts. 487 a 491, estipulando a exigência mínima de oito dias, para pagamento efetuado por semana ou tempo inferior e de trinta dias para os que recebem por quinzena ou mês, ou que trabalhem há mais de doze meses na empresa.

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A falta de aviso prévio por parte do empregador dá direito ao empregado aos salários referentes ao prazo do aviso. Além disso, garante sempre a integração desse período no seu tempo de serviço.

Se a falta de aviso é por parte do empregado, o empregador pode descontar os salários correspondentes ao respectivo prazo.

No caso de rescisão por parte do empregador, este deve conceder redução de duas horas da jornada diária, durante o prazo do aviso prévio, ou: redução de um dia de serviço no caso de ajuste para pagamento semanal ou inferior e redução de sete dias corridos no ajuste para os que recebem quinzenal ou mensalmente.

Em relação ao trabalhador rural, conforme a Lei nº 5889/73, a redução no prazo do aviso prévio é de um dia por semana.

Dentro do prazo do aviso, cabe pedido de reconsideração por parte do notificante, dependendo do aceite da parte contrária.

Trata o aviso prévio de um direito irrenunciável do empregado. O pedido de dispensa do cumprimento do aviso não dispensa o patrão de pagar o respectivo valor, salvo se o trabalhador comprovadamente obteve novo emprego.

Durante o prazo do aviso, se o empregador der motivo à rescisão imediata do contrato, deverá pagar a remuneração correspondente ao referido prazo, além da indenização que for devida. Se o empregado der motivo a justa causa, no mesmo prazo, perde o direito ao restante do respectivo prazo. No caso de culpa recíproca, não há que se falar em aviso prévio, pois o contrato de trabalho termina de imediato, e o empregado faz jus a 50% (cinqüenta por cento) do valor do aviso prévio (CARRION, 2008).

A Constituição Federal (CF) de 1988 estipulou aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, no mínimo de trinta dias, nos termos da lei, o que derrogou disposições da CLT sobre a matéria, dentre as acima citadas. Entretanto, a CF somente editou a lei, a que se referiu, no ano de 2011, cerca de vinte e três anos após a sua promulgação.

8. O novo aviso prévio

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A partir de 13 de outubro de 2011, passam a valer as novas

regras do aviso prévio, conforme abaixo dispostas.

Presidência da República Casa Civil

Subchefia para Assuntos Jurídicos

LEI Nº 12.506, DE 11 DE OUTUBRO DE 2011.

Dispõe sobre o aviso prévio e dá outras providências.

A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o O aviso prévio, de que trata o Capítulo VI do Título IV da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, será concedido na proporção de 30 (trinta) dias aos empregados que contem até 1 (um) ano de serviço na mesma empresa. Parágrafo único. Ao aviso prévio previsto neste artigo serão acrescidos 3 (três) dias por ano de serviço prestado na mesma empresa, até o máximo de 60 (sessenta) dias, perfazendo um total de até 90 (noventa) dias. Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília, 11 de outubro de 2011; 190o da Independência e 123o da República. DILMA ROUSSEFF José Eduardo Cardozo Guido Mantega

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Carlos Lupi Fernando Damata Pimentel Miriam Belchior Garibaldi Alves Filho Luis Inácio Lucena Adams Este texto não substitui o publicado no DOU de 13.10.2011 (WWW.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/lei/l12506.htm)

Verificando a lei acima, percebe-se que a mudança em relação

ao aviso prévio foi que, a partir da vigência da lei (publicação), aos pedidos de aviso prévio serão acrescidos 3 (três) dias por ano de serviço prestado na mesma empresa, até o máximo de 60 (sessenta) dias, perfazendo um total de até 90 (noventa) dias.

Devido à simplicidade da lei, algumas dúvidas precisam ser sanadas. A primeira delas diz respeito à contagem do prazo para o aviso prévio, no caso de o empregado contar com um ano e onze meses de empresa, por exemplo, serão acrescidos mais 3 (três) dias, ou somente após mais 12 (doze) meses?

Na vigência da lei anterior, o mínimo de 30 (trinta) dias de aviso prévio valia tanto para o empregado quanto para o empregador, ou seja, para a parte que notificasse a outra sobre a decisão de rescindir o contrato de trabalho. E no caso da nova lei, o que exceder o prazo de 30 (trinta) dias, até o limite máximo de 90 (noventa) dias de aviso deverá ser concedido ou pago, também pelo empregado? Como ocorria com a lei anterior, o novo aviso prévio continua sendo regido pela bilateralidade?

No caso de pedido de demissão do empregado com vários anos na mesma empresa, que solicitar a dispensa do aviso prévio, em virtude de haver comprovadamente arranjado outro emprego, em atendendo o pedido, o empregador ficará dispensado do pagamento do prazo do aviso, como na lei anterior?

A nova lei vale somente para notificações de aviso ocorridas após 13 de outubro de 2011, ou também é eficaz para os que se

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encontrarem na contagem do prazo do aviso prévio anterior? (PRETTI, 2012).

Divergem os autores quanto à interpretação da Lei nº 12506/2011, no tocante às indagações anteriores.

Analisando a finalidade do aviso prévio, assim se expressa João Augusto da Palma:

[...] Aí, vamos encontrar o direito se vinculando à realidade. Surge o aviso-prévio como um direito trabalhista que foi gerado inspirado no Princípio da Boa-Fé. As partes não podem romper o contrato sem que haja uma prévia comunicação anunciando o fim do contrato. Este dever de comunicar é das duas partes: ao empregado (grifo do autor) que ficará desempregado carecendo de recursos para o seu sustento e da sua família e ao empregador (grifo do autor) que precisará buscar um substituto para continuar suas atividades (econômicas ou não). Desemprego e decréscimo da produção são questões de ordem social e econômica e até mobilizam o governo. Portanto, o aviso-prévio é uma obrigação recíproca entre empregado e empregador e que antecipa a realidade, fazendo-se necessária uma relação de extrema boa-fé, respeito, que deve haver entre os parceiros contratuais, haja vista que as relações jurídicas precisam caracterizar-se por absoluta lealdade, do contrário haverá prática frandulenta (sic), abusiva, desonesta, ilícita e imoral. [...] (PALMA, 2011, p. 10).

Considerando que a lei nova cuida apenas da obrigação

patronal, assim prossegue o autor:

[...] Ao disciplinar o direito ao aviso-prévio proporcional, o legislador de 2011 não excluiu por inteiro a aplicação do velho regramento, como é facilmente constatado. Isto porque a proporcionalidade foi fixada para a hipótese do aviso-prévio que “será concedido” ao empregado (art. 1º, da Lei nova) e para este caso é o que foi disposto nesta ocasião. Tanto é que no parágrafo único do art. 1º desta nova lei o legislador consigna, expressamente, que a proporcionalidade é alusiva “ao aviso-

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prévio previsto neste artigo”; isto é, aquele dado ao empregado, constituindo a ampliação do aviso-prévio uma regra protetiva do empregado e não do empregador. O texto do art. 487, caput da CLT, trata (e sempre tratou) com igualdade (grifo do autor) empregado e empregador, referindo-se “...a parte que,..., quiser rescindir o contrato...”; não é mais desta forma, porque aplica-se ao aviso-prévio dado pelo empregador o texto desta nova Lei, que lhe define regras específicas, próprias, quanto à duração (maior, proporcional). Portanto, a obrigação em si de conceder o aviso-prévio continua recíproca (de ambos) entre empregado e empregador, por força do caput do art. 487, mas a duração do aviso-prévio (e tão somente quanto à duração) agora não é a mesma. [...] (PALMA, 2011, p. 33).

No que tange à indagação sobre o fato de a lei nova atingir ou

não os contratos em curso de aviso prévio, na opinião de João Augusto da Palma: “O aviso-prévio é apenas uma comunicação do final do contrato, mas não cessa o contrato”.

Destarte, entende o autor que nesse caso seja cabível a extensão do aviso-prévio; caso isso não seja possível, o mesmo deverá ser indenizado (PALMA, 2011, p. 38/39).

Diverge, em parte, dessa doutrina, Paulo Sérgio João, respondendo à pergunta sobre o prazo do aviso prévio trabalhado:

O prazo de aviso prévio trabalhado é de 30 (trinta) dias. O acréscimo de 03 (três) dias por tempo de serviço não deve ser interpretado como acréscimo do período trabalhado, mas apenas como aumento do valor da remuneração do período de 30 (trinta) dias (JOÃO, 2011, p. 21).

Assim se posiciona esse mesmo autor, respondendo à

indagação sobre a partir de quando o período de aviso prévio deve ser acrescido de 03 (três dias):

O período de aviso prévio passou a ser acrescido de 03 (três) dias por ano de serviço ao mesmo empregador pela lei 12.506/11. Atingindo

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todos os contratos de trabalho vigentes, isto é, retroagindo para beneficiar todos os contratos de trabalho em andamento. O acréscimo da remuneração em 03 (três) dias por ano de serviço é considerado a partir do segundo ano de trabalho, até o limite de 60 dias. Estes dias de acréscimo referem-se apenas à remuneração do aviso e não ao cumprimento além de 30 (trinta) dias (JOÃO, 2011, p. 31).

Mais adiante, assim se manifesta esse autor, comentando sobre

o acréscimo de 03 (três) dias:

O acréscimo de 03 (três) dias na remuneração do período de aviso prévio, por ano de serviço para o mesmo empregador, beneficia apenas o empregado com contrato rescindido sem justa causa. Quando se trata de pedido de demissão, o aviso prévio sempre estará limitado a 30 (trinta) dias de aviso prévio, não aplicando o acréscimo de tempo de serviço (JOÃO, 2011, p. 32).

De forma diametralmente oposta se manifesta Gleibe Pretti,

conforme se nota:

[...] Embora o texto legal não discipline expressamente a bilateralidade da aplicação do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, a interpretação jurídica que deve prevalecer certamente será neste sentido, já que os 30 dias atuais de duração valem tanto para o empregado dispensado pela empresa quanto para aquele trabalhador que pede demissão do emprego; diante disso o empregado que pedir demissão deverá pagar 90 dias de aviso prévio (3 salários). [...] (PRETTI, 2012, p. 9/10).

Pode-se constatar, pelo já exposto, que as opiniões dos

doutrinadores divergem muito na interpretação da nova lei do aviso prévio. 9. Conclusão

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Este trabalho intentou estudar as mudanças provocadas pela lei nº 12506/2011, que dispõe sobre o aviso prévio e dá outras providências, bem como analisar aspectos positivos e negativos provocados pela nova lei.

O que se observou com o desenvolvimento do artigo foi que será necessário o Poder Executivo regulamentar a nova lei, explicitando como irá funcionar na prática. Embora a norma contenha pouquíssimos artigos e seja uma pequena lei, em dimensão, as dúvidas que provocou aos operadores do direito, bem como às empresas e aos trabalhadores são muitas e imensas. Os doutrinadores pesquisados divergem bastante quanto à correta aplicação dessa nova legislação. Além disso, os seus reflexos são muito abrangentes, pois afetam milhares senão milhões de trabalhadores e de empresários.

Tendo em vista que mudanças desse tipo provocam sempre muita insegurança no meio jurídico, espera-se que as dúvidas sejam sanadas o mais breve possível, por intermédio de decreto, que regulamente a lei, serenando o ordenamento jurídico.

BATISTA, Marco Antonio. The history of the Labour Law and the new Law of prior notice. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, pp. 123-143.

ABSTRACT: This article conducts a literature search on the new law of prior notice. Presents and discusses the main changes in this institute, analyzing positive and negative aspects of Law n º 12.506/2011.

KEYWORDS: prior notice, new rules, new deadlines. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, A. L. P. de. Direito do Trabalho: Material, Processual e Legislação Especial. Coleção Resumos de Direito. 3 ed. revista. São Paulo: Rideel, 2007?

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BÍBLIA SAGRADA. Antigo Testamento, Gênesis. [on-line]. Disponível em: www.culturabrasil.pro.br/zip/biblia.pdf. Acesso em 26 set 2012. BRASIL. Lei nº 12506, de 11 de outubro de 2011. Dispõe sobre o aviso prévio e dá outras providências. [on line]. Disponível em: (www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/lei/l12506.htm). Acesso em 01 out 2012. CARRION, V. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 33 ed. atualizada por Eduardo Carrion. São Paulo: Saraiva, 2008. DANTAS JR. A. R. et al, Direito Individual do Trabalho I. 2 ed. Curitiba: IESDE, 2009. HUBERMAN, L. História da Riqueza do Homem. 21.ed. Rio de Janeiro: LTCV, 1986. JOÃO, P. S. Nova Lei do Aviso Prévio: 100 perguntas e respostas. Código Jurídico especial. São Paulo: Arte Antiga, 2011. MARTINS, S. P. Direito do Trabalho. 20 ed., São Paulo: Atlas, 2004. PALMA, J. A. da. Como Praticar os Novos Avisos Prévios. São Paulo: LTR, 2011. PRETTI, G. O novo Aviso Prévio: De acordo com a Lei nº 12.506/2011. Série Atualização Legislativa. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012. SARAIVA, R. Trabalho Direito Material e Processual. Série Resumo: Como se preparar para o Exame de Ordem, 1ª fase. Coordenação SANTOS, V.R., 5 ed. São Paulo: Método, 2007.

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ESTRATÉGIAS DE NEGOCIAÇÃO ENTRE A SANTA SÉ, O ESTADO BRASILEIRO E A IGREJA CATÓLICA

LOCAL ENTRE 1889 E 1991*

Lilian Rodrigues de Oliveira ROSA** RESUMO: Este artigo analisa as relações internacionais entre a Santa Sé e o Brasil, em particular durante o governo provisório instalado com a Proclamação da República, em 1889. O que se propõe é a compreensão das estratégias de negociação entre Igreja Católica local, Santa Sé e o Estado nos primeiros anos da República. Palavras-chave: Santa Sé; Estado Brasileiro; História; Relações Internacionais.

Durante a fase do governo provisório republicano, entre 1889 e 1891, a Santa Sé empreendeu uma negociação com a Igreja Católica local e o Estado no Brasil. As estratégias envolvidas nesse processo são foco de análise neste artigo, enfatizando-se o papel de Leão XIII e da liderança eclesiástica brasileira na defesa dos interesses católicos imediatamente após a separação entre o Estado e a Igreja.

A correspondência do Internúncio Francesco Spolverini informando a queda do Império e a Proclamação da República no Brasil, em 1889, à Secretaria de Estado da Santa Sé, sob a responsabilidade do Cardeal Mariano Rampolla del Tindaro, não causou imediata movimentação. A cúpula do Vaticano parecia não estar preocupada com a troca da forma de governo. Seu principal interesse era em conhecer os

* Trabalho originalmente apresentado no XIII SOLAR, em Cartagena das Índias, em setembro de 2012, com financiamento CAPES, viabilizado pelo Programa de Apoio à Participação em Eventos Científicos no Exterior – PAEX. ** Doutora em História e Cultura Social, pela Unesp de Franca. Coordenadora do curso de História do Centro Universitário Barão de Mauá e Vice-presidente do IPCCIC – Instituto Paulista de Cidades Criativas e Identidades Culturais.

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homens que ocupariam o poder a partir daquele momento. Por isso, solicitou aos seus representantes no Brasil informações sobre os membros do governo provisório. A Santa Sé pretendia mapear qual seria a direção que o novo regime daria à organização política do Brasil, no que se tratava da religião católica (RAPPORTTI, 1889, f. 24-26).

Essa precaução era justificada. Afinal, a inspiração do novo regime acenava para um afastamento cada vez maior entre o Estado e a Igreja Católica, considerada pelos grupos mais radicais dentro do governo, como um elemento de obscurantismo e de retrocesso. Nesse contexto, a liderança da Igreja Católica no Brasil procurava difundir a ideia que, estruturalmente, ela era dissociada do Império, mostrando que não havia simbiose entre os dois, mas sim uma relação de dependência “danosa” dessa em relação aquele. Essa estratégia buscava evitar a proliferação da ideia que, com a queda do trono, cairia também a Igreja.

Com a Proclamação da República as regras do jogo mudaram. Era preciso planejar formas de atuação dentro do Estado Republicano, que abrigava em seu corpo tendências liberais e positivistas, além dos interesses dos cafeicultores paulistas, que faziam frente à política econômica de D. Pedro II, último imperador do Brasil.

Para o Vaticano, havia a percepção que o novo governo assumia posturas públicas que evidenciavam a crença na capacidade de gerar os instrumentos legais capazes de encaminhar o Brasil ao progresso, tendo como base a ciência e o racionalismo. Na voz dos liberais mais radicais, difundia-se que era possível abrir mão da religião como legitimadora do seu poder temporal. Não mais o obscurantismo católico, não mais a monarquia atrofiada. Com o fim das relações oficiais entre a Igreja Católica e o Estado e a derrubada da monarquia, pareciam ter sido removidos os dois últimos obstáculos que impediam o progresso nacional (MANOEL, 1997, p. 67-81).

Tanto liberais quanto positivistas propagavam a laicização completa do Estado, com um projeto político que previa, após 1889, não só separar a Igreja do Estado e extinguir o Padroado Régio, mas desapropriar os bens eclesiásticos, especialmente os baseados no

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direito de aquisição de bens pelas corporações de mão morta 2. Essas ideias geravam um clima de insegurança para as lideranças católicas que não tinham como prever o rumo exato que novo governo daria à política nacional.

A hierarquia eclesiástica era levada a se reorganizar a partir de formas de conduta mais adaptadas ao cenário político que se engendrava. Era necessário preparar-se para uma possível guinada em direção ao liberalismo mais radical. O sentido que a política nacional parecia tomar preocupava a Igreja Católica, que se considerava como a única força ideológica capaz, naquele momento, de fazer frente às essas mudanças.

Do ponto de vista das suas relações internacionais a posição da Santa Sé foi de cautela. Afinal, a sua representação diplomática da Santa Sé no Brasil não tinha status de embaixada e os internúncios que por aqui passaram não conseguiram estabelecer uma sólida influência sobre a hierarquia católica, nem junto ao governo brasileiro. A estratégia escolhida diante do quadro de indefinição quanto ao futuro político do país foi garantir relações amigáveis, que pudessem evitar a radicalização do governo em relação à Igreja. Essa postura condizia com a orientação de Leão XIII e do seu Secretário de Estado, o Cardeal Rampolla, que tinham uma política de abertura ao diálogo no que tange às questões internacionais. O embate com o liberalismo era travado no campo doutrinário, por meio das encíclicas papais. No campo da prática, esse embate vertia-se numa política de negociação com os Estados laicos.

No caso brasileiro, para as primeiras tratativas com o governo republicano o Papa contou com a ação de D. Antônio Macedo Costa, Arcebispo do Pará, que tinha um histórico que o favorecia como negociador da Igreja junto ao Estado Republicano: ele era um defensor da autonomia da Instituição Católica local e da autoridade do Papa. Essa postura ficou evidenciada durante a prisão dele e de D. Vital, em 1874, pelo Imperador, em decorrência de divergências com a maçonaria. D.

2 Bens das Associações religiosas considerados inalienáveis, de caráter perpétuo.

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Macedo representava uma parcela da Igreja que havia sido punida pelo Império por resistir em parte as suas ordens e por optar seguir as determinações papais. Essa era uma importante carta de negociação no novo jogo político que se estruturava.

No final do ano de 1889, o Arcebispo do Pará escreveu para Rui Barbosa, Ministro da Fazenda do governo provisório. De acordo com Ivan Manoel (1997), o documento deixou entrever indícios de que as negociações pela defesa dos interesses da Igreja Católica vinham ocorrendo em várias frentes, com homens como Quintino Bocaiúva e com o próprio Marechal Deodoro da Fonseca.

Seguindo as orientações da Santa Sé, D. Macedo enfatizou na carta a sua posição contrária à separação entre a Igreja e o Estado. Contudo, mostrou sua resignação diante do “desejo irreversível” do governo provisório em promover a cisão. Defendeu no documento que pelo menos os bens da Igreja fossem preservados, lembrando que não era uma questão de privilégios, mas de garantia dos direitos justificados pela ligação da Igreja com a própria formação do povo brasileiro (MANOEL, 1997). As primeiras negociações surtiram efeito. O Decreto n. 119-A, de sete de janeiro de 1890, extinguiu o Padroado Régio e separou a Igreja do Estado, como antecipou D. Macedo Costa. Mas garantiu, por meio do artigo 5º, as propriedades da Igreja. Por força e peso da tradição católica e pela influência de Leão XIII e do seu negociador, a Igreja Católica conseguiu flexibilizar o projeto liberal-positivista e garantiu parcialmente os seus interesses no Brasil (MANOEL, 1997, p. 75).

Nesse momento de instabilidade a Igreja buscava atualizar as formas de inserção política no Estado Republicano, adequando suas estratégias. O refinamento da articulação entre a Igreja local e a Santa Sé, no que tange ao seu discurso político foi a primeira estratégia adotada. Para isso, a Santa Sé precisou fortalecer os seus principais representantes no Brasil: o Internúncio Apostólico, Francesco Spolverini e D. Macedo Costa, Arcebispo do Pará.

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Como parte dessa estratégia a Santa Sé transferiu D. Macedo para o Arcebispado da Bahia, em 26 de junho de 1890. Como Primaz do Brasil e mais próximo dos centros do poder republicano, caberia ao Arcebispo e ao Internúncio reunirem o episcopado, com o intuito de ampliar a força da Igreja como agente político.

Os prelados foram orientados a estabelecerem contato com políticos que fizessem parte dos seus círculos de relacionamento. Deveriam pedir apoio à “causa católica” aos homens influentes, membros das oligarquias regionais e lideranças nacionais. A finalidade era conseguir o máximo de apoio na defesa dos interesses católicos. Mesmo com a flexibilização do projeto liberal-positivista, que resultou na preservação das propriedades da Igreja, a Santa Sé ainda não confiava que existissem motivos para crer na estabilidade da situação da Igreja no Brasil. Toda a negociação até aquele momento não havia evitado que a Igreja perdesse o seu lugar privilegiado de religião oficial do Estado. Havia um caminho longo a ser percorrido para estabilizar a situação da Igreja. Em particular no que concernia a discussão em torno do projeto da nova Constituição Brasileira.

Pouco mais de dois meses depois da publicação do Decreto n. 119-A, o episcopado brasileiro lançou uma Carta Pastoral coletiva, em 19 de março de 1890, escrita sob os auspícios de D. Macedo Costa. Mesmo com o relativo sucesso das negociações orientadas pelo Arcebispo do Pará até aquele momento, havia no documento um tom de insegurança com a nova situação imposta pelo Decreto. Os prelados estavam particularmente apreensivos com o caminho que o tão proclamado progresso econômico e social poderia tomar (IGREJA CATÓLICA, Pastoral Coletiva, 19/03/1890, p. 5).

A realidade político-religiosa indicava que as relações entre a Igreja Católica local e o Estado poderiam caminhar tanto para uma aproximação, quanto para a progressiva morte do projeto de civilização cristã no Brasil. Na Carta Pastoral foram exteriorizadas as preocupações dos prelados com a nova situação imposta pela queda do Império e pela oficialização do caráter laico da República. Implícita no texto estava a

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insegurança de que, junto com a Coroa, a religião católica fosse extirpada da vida pública. Estabelecia-se o temor de uma sociedade sem Deus. Essa foi a primeira reação coletiva do episcopado brasileiro à nova situação político-religiosa do Brasil. Entendia-se que era preciso agir rápido para reorganizar a estrutura eclesiástica e coordenar a articulação político-religiosa necessária à sobrevivência do catolicismo, que havia perdido a subvenção do Estado. Uma das ações necessárias era a difusão entre o clero e os fiéis da certeza que a Igreja Católica não havia sucumbido junto com o Império. Mas, que estava ameaçada pelo avanço de ideias estranhas à tradição católica brasileira: o liberalismo, o positivismo e o materialismo.

Com base nas orientações da Santa Sé, D. Macedo Costa deveria usar sua influência para convencer o episcopado que era o momento certo de transformar a crise em oportunidade. Principalmente, no sentido reorganizar as estruturas eclesiásticas e uniformizar a conduta do clero, reelaborando suas práticas sociais e estabelecendo novos parâmetros de atuação.

Para a hierarquia eclesiástica local, a Igreja Católica e o Estado deveriam manter a autonomia entre as estruturas em decorrência de um objetivo convergente: o bem comum da sociedade brasileira. Este só seria possível por meio do ordenamento cristão da sociedade e pelo exercício de uma vida integralmente cristã. O documento coletivo de 1890 defendia a ligação entre o Estado e a Igreja, mas não admitia a mínima subordinação da Igreja Católica local ao poder civil, cabendo unicamente ao Papa reunir o poder de legislar, o poder judiciário e o poder penal, nas questões que concerniam à Confissão Católica.

A forma como o episcopado se relacionaria com Estado nas próximas duas décadas estava posta no texto da Carta Pastoral de 1890 que, embora fosse áspero com a transição política que se efetivava, endossava o novo regime e deixava o caminho aberto para a negociação entre as duas instituições, como havia orientado a Santa Sé ao Arcebispo D. Macedo Costa.

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No documento de 1890 prevalecia a certeza que a Igreja “[...] formou em seu seio fecundo a nossa nacionalidade, e a criou e avigorou ao leite forte de sua doutrina” (IGREJA CATÓLICA, Pastoral Coletiva, 19/03/1890, p. 22). Para a Igreja Católica local, concebida como o elemento essencial na constituição da própria nacionalidade brasileira, o Decreto n. 119-A colocou-a no mesmo patamar que todas as outras religiões, sem levar em consideração o peso da sua tradição e o seu papel na formação cultural do Brasil.

Embora a Santa Sé também concordasse com essa visão, a sua percepção era mais ampla, envolvendo a situação da Igreja Católica como um todo. Para a cúpula do Vaticano, o Decreto n. 119-A era visto sob outra ótica: como o resultado de uma negociação relativamente bem sucedida, que evitou restrições à liberdade de atuação da instituição.

Para o episcopado brasileiro a questão era mais próxima, de natureza prática. Toda a transformação política que se processava era vista como a progressiva exclusão da Igreja do edifício político brasileiro, resultante da influência das revoluções europeias, que já teriam inserido no país, muito antes de 1890, o “espírito hostil” à Igreja Católica (IGREJA CATÓLICA, Pastoral Coletiva, 19/03/1890, p. 40).

Com a perda do apoio (inclusive o financeiro) do Estado, restava ao episcopado a alternativa de aproximar-se de Roma. Era o momento de seguir as orientações da Santa Sé na reestruturação política que ocorria: usar a liberdade conferida pelo governo atual e ter paciência para trabalhar pela reconquista de espaços no edifício político e social do Estado brasileiro.

Muito mais que uma resposta ao Decreto n. 119-A, a Carta Pastoral significou uma tomada de posição diante da nova situação. Sob a liderança de D. Antonio Macedo Costa, o episcopado brasileiro despertava para a nova situação política e se posicionava para reposicionar a Igreja dentro do sistema político republicano (MANOEL, 1997). Nesse movimento a Carta Pastoral definiu a execução, por parte dos prelados, de três ações imediatas: 1) apreciar a liberdade que a Igreja desfrutava no novo regime, garantida pelo Decreto n.119-A; 2)

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trabalhar para consolidar esse direito de maneira efetiva; 3) cumprir dedicadamente os deveres cristãos no novo período que se inaugurava no Brasil.

Na primeira ação proposta, os prelados que assinaram a Carta Pastoral entenderam a liberdade no Decreto n. 119-A como a não escravidão da Igreja. O texto aprovava a liberação dos “laços” em torno da Instituição Católica. Em outras palavras, nessa visão o fim do Padroado Régio possibilitaria a libertação da opressão disfarçada em proteção, na qual muitas vezes os “[...] favores dos Reis tem degenerado em escravidão” para a Igreja (IGREJA CATÓLICA, Pastoral Coletiva, 19/03/1890, p. 42-45).

A aparente contradição presente na Carta Pastoral, representada na defesa da permanência da ligação entre Estado e Igreja e, ao mesmo tempo, na celebração da liberdade conquistada com o fim do Padroado Régio, é um indicativo das incertezas vividas naquele momento pela Igreja local. Não há contradição. Havia sim o desejo de manter-se como religião oficial, com todos os benefícios advindos disso. Contudo, essa ligação não era deseja de maneira que a estrutura eclesiástica tivesse que se submeter ao poder civil. Ligados ao Estado como orientação espiritual do ordenamento político, mas subordinados à estrutura hierárquica de Roma. Essa era a proposta contida na Carta Pastoral de 1890.

No que se refere à segunda ação recomendada pela Carta Pastoral, a consolidação da liberdade da Igreja era considerada uma necessidade, já que aquele momento político era visto como uma oportunidade para ampliar a atuação da Igreja, como por exemplo, por meio da implantação de escolas particulares confessionais. A Santa Sé considerou o contexto de liberdade religiosa gerado pela publicação do Decreto n. 119-A como propício para a restauração da religião católica no Brasil. Essa se daria com intensificação do projeto romanizador, que previa a união doutrinária e institucional da hierarquia eclesiástica local com o Papa e a Cúria Romana.

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Em carta ao arcebispo da Bahia, o Papa escreveria que “D‟ora em diante, [...] poderemos entrar francamente na prática de nossa sancta Religião, regendo-nos segundo a nossa fé e a nossa disciplina, sem recear a mínima intervenção do poder publico” (LEÃO XIII, 9/06/1890, ff. 23-26).

Agradando ou não aos membros do episcopado local, o Decreto n. 119-A modificou as relações entre o Estado e a Igreja. Por isso, o tom doravante deveria ser de conciliação e de cautela. Aos grupos que acusavam a Igreja Católica de representar uma ameaça ao governo republicano, em decorrência da sua antiga ligação com o Império, o episcopado deveria responder que a Igreja Católica era indiferente a todas as formas de governo, não pretendendo e não podendo opor-se ao bem do Estado.

A Carta Pastoral de 1890 foi um documento de posicionamento público do episcopado diante da situação política do país. Caracterizou-se quase como um desabafo que, mesmo orientado por D. Antônio Macedo Costa que estava alinhado às orientações de Roma, não tinha o tom tão conciliador como desejava a Santa Sé. Esse fato pode ser explicado pela ligação ainda muito frouxa entre a hierarquia eclesiástica local e o Vaticano, também, pela própria condição incerta que vivia o episcopado, do qual muitos membros ainda eram monarquistas.

Visando contornar essa situação, marcada por posicionamentos muitas vezes incompatíveis com a sua orientação, a Santa Sé tornaria duas providências imediatas. A primeira foi no sentido de tornar a sua comunicação com a Igreja Católica local mais intensa e mais rápida, buscando aliar a conduta do clero ao direcionamento de Roma. O Vaticano buscava aproveitar o momento político da melhor maneira possível para restaurar os seus interesses, e para estreitar as ligações institucionais católicas, por meio de uma comunicação mais eficaz.

A segunda providência foi mais incisiva e direta. Leão XIII escreveu para D. Antônio Macedo Costa, em nove de junho de 1890. O Papa, já de conhecimento que o episcopado pretendia realizar uma

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conferência 3, explicitou o seu desejo ao Arcebispo da Bahia: unidade de atuação do clero e da hierarquia contra os inimigos comuns e em relação ao momento político nacional (LEÃO XIII, 9/06/1890, ff. 23-26).

O Sumo Pontífice preocupava-se com a “frouxidão da disciplina” eclesiástica no Brasil. Colocava em dúvida a força da ligação hierárquica entre o clero e o próprio episcopado, num momento em que a coesão era essencial para resguardar a instituição religiosa de um futuro incerto. A mensagem da Santa Sé à Igreja local e ao Estado Brasileiro: a Igreja nada impetraria contra o Estado e esperava que ele nada tentasse contra a religião (LEÃO XIII, 9/06/1890, ff. 23-26).

Orientado pelo Papa, D. Macedo Costa, deveria se esforçar durante a Conferência de Bispos, que se realizaria em 1890, para que o episcopado discutisse meios para atender aos interesses comuns das dioceses. Também deveriam ser debatidas formas de manifestar publicamente a força da disciplina eclesiástica e para restaurar os costumes do clero, a partir da observância dos Sagrados Cânones.

Com o fim dos limites impostos pelo Império Brasileiro à comunicação com a hierarquia eclesiástica local, a Santa Sé colocaria em prática o projeto de implantação da disciplina nos moldes do Concílio de Trento, que previa a uniformização de conduta, tanto do clero, quanto dos arcebispos e bispos e o estreitamento de laços destes com o Papa e a Cúria Romana.

Em 14 de junho de 1890, portanto, cinco dias depois do envio da Carta do Sumo Pontífice para D. Macedo Costa, a Secretaria de Estado mandou instruções para a realização da Conferência de Bispos brasileiros ao Internúncio Apostólico. No documento o Cardeal Rampolla demonstrou ter consciência das possibilidades que se abriam com o fim do Padroado Régio. Para ele era “[...] o princípio d‟uma benéfica restauração dos interesses do catholicismo n‟essa Republica”. De maneira estratégica o Secretário de Estado orientou ao episcopado e ao

3 Nesse período, as conferências episcopais não tinham o caráter permanente que possuem hoje; se caracterizavam como encontros não periódicos com o objetivo de promover a união pastoral e institucional entre os bispos e arcebispo.

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Internúncio como deveriam agir: “[...] aproveitando-se com prudência e sabedoria das actuaes condições políticas do Paiz [...]” (RAMPOLLA, 14/06/1890, f. 3-8). Em outras palavras, o momento era de ação, mas não uma ação descoordenada e sim organizada a partir das orientações da Secretaria de Estado, envolvendo um planejamento coletivo.

Longe da cena pública, a alta cúpula do Vaticano entendia não serem suficientes a publicação de uma Carta Pastoral Coletiva de 1890 e a organização de uma conferência do episcopado, para mostrar ao governo brasileiro a força de articulação da Igreja. As garantias para a defesa dos interesses católicos no Brasil teriam que ser conquistadas, também, por meio da ação diplomática. Extrapolando os limites da cidade do Vaticano e atuando coerentemente com a sua postura de não fugir ao debate com a modernidade, Leão XIII escreveu diretamente para o chefe do governo provisório brasileiro, Marechal Deodoro da Fonseca, em 28 de outubro de 1890.

Um dos fatos mais significativos do documento, como negociação no campo das relações internacionais, foi o reconhecimento oficial do governo provisório do Marechal Deodoro da Fonseca pelo Papa e a indicação do desejo de estabelecer relações diplomáticas oficiais entre a Santa Sé e o Brasil (LEÃO XIII, 28/10/1890, f. 74-77).

Leão XIII, com este ato político, visou obter garantias para a liberdade de atuação da Igreja Católica local. A preocupação do Papa era colocar os termos para as negociações em torno do projeto da nova Constituição Republicana. Para isso, Leão XIII invocou os “sentimentos religiosos” do Marechal, associando a fé católica a um “precioso” bem. Afirmou ser a religião católica um verdadeiro legado dos “seus ancestrais”, o elemento que definia o povo brasileiro por suas raízes comuns. Na carta a religião católica foi descrita como parte de um passado que todos os brasileiros compartilhavam e que, portanto, os unia.

Com esse prólogo Leão XIII preparou o espírito do velho militar para o teor de gravidade do que escrevia nas próximas linhas: trataria de “um assunto de gravíssima importância, com os quais nos unem vários

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interesses vitais da Igreja Católica, não menos que para esta Nação” (LEÃO XIII, 28/10/1890, f. 74-77). O Papar manifestava a sua apreensão com o momento de instabilidade vivido pela Igreja e as incertezas que pairavam sobre como o governo brasileiro conduziria as relações entre os dois poderes: o religioso e o civil.

O texto não era nada subjetivo e não pretendia apenas apelar aos sentimentos ancestrais do militar. A missiva tinha endereço certo e um objetivo claro: lembrar ao Marechal que a Santa Sé havia reconhecido o novo governo republicano e que, portanto, nada tinha contra ele.

Os termos na negociação estavam postos. Leão XIII acenava com a sua proposta para as bases das relações diplomáticas entre a Santa Sé e o governo do Brasil nos próximos anos: os interesses da Igreja Católica no Brasil não seriam defendidos apenas pelo episcopado local, mas também pela Santa Sé, no campo da política externa. O povo brasileiro era católico. Como cidadão, devia obediência ao Estado, como católico, devia obediência ao Papa, o representante de Deus na terra. Na carta, mais uma vez a religião católica era associada à tradição do brasileiro, compreendida como um elemento inseparável da formação sócio-cultural da nação.

O Pontífice enfatizava o interesse em garantir direta ou indiretamente que a nova Constituição respeitasse os direitos da Igreja. Por isso, pediu ao Marechal que intercedesse no processo político em andamento no sentido de evitar o pior. As inquietações do Papa residiam não somente nas possíveis consequências do Decreto n. 119-A, mas fundamentalmente na possibilidade real de prevalecer tendências positivistas e liberais radicais no projeto constitucional, que estava em fase de elaboração, inicialmente por uma comissão de juristas, sob a presidência de Saldanha Marinho e, posteriormente, por Rui Barbosa e os ministros da República.

O Sumo Pontífice definiria uma postura nas suas relações internacionais que influenciaria a política externa da Santa Sé ao longo do século XX: em nome da defesa da sua missão evangelizadora e dos

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seus interesses institucionais, eram adotadas posturas realistas e pragmáticas em sua política externa. Firmar o caráter transnacional da Igreja Católica, abrir novas áreas para a ação evangelizadora, recuperar ou consolidar os espaços tomados à Igreja pelo liberalismo e pelo laicismo, eram os principais propósitos dessa posição.

De acordo com o autor Azevedo (2003) esse realismo político se caracterizou pela participação dos Pontífices e dos seus representantes no jogo de xadrez estratégico, buscando firmar a Santa Sé como mediadora e negociadora nas questões políticas mais complexas. No caso brasileiro foi essa a postura assumida pelo Papa diante da nova composição política republicana. O tom da carta de Leão XIII era de negociação, com vistas a deixar as portas abertas para um acordo bilateral, mesmo que não oficial, no qual ambos fizessem concessões e se beneficiassem mutuamente.

A Santa Sé oferecia o reconhecimento oficial ao novo governo, a manutenção das relações oficiais e a aceitação pacífica da separação oficial. Mesmo deixando claro que doutrinariamente era contra a separação entre o Estado e a Igreja, o Papa compreendia que era uma situação irreversível naquele momento.

Tendo esclarecido o que o Marechal poderia esperar de um possível acordo bilateral com a Santa Sé, era o momento de Leão XIII indicar quem seria o seu mediador. Aquele que deveria levar ao Marechal as disposições contidas no projeto constitucional que estavam em desacordo com os interesses da Igreja. A missão levar a cabo as tratativas com o Chefe do Governo Provisório, em nome do Papa não coube ao Internúncio, mas a D. Macedo Costa. O Arcebispo deveria convencer o Marechal quão lesivo aos direitos da Igreja seria o novo dispositivo legal em elaboração, caso este mantivesse as disposições radicais contra a Igreja Católica.

Temendo pela integridade da instituição católica, o Papa pretendia evitar o aprofundamento da crise, que poderia resultar em um conflito entre a Igreja e o Estado, caso a Constituição da República fosse publicada nos termos do projeto em elaboração. O Pontífice esclareceu

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suas expectativas para um possível acordo: o Marechal Deodoro, com o seu prestígio, garantiria a liberdade da Igreja, a exemplo da Constituição dos Estados Unidos da América, eliminando do projeto constitucional as disposições contrárias à Igreja, em troca, além do já sinalizado pela Santa Sé, indicado acima, a Igreja continuaria com a sua missão “de paz, de conservação e de ordem em meio a sociedade” (LEÃO XIII, 28/10/1890, f. 74-77).

A oferta incluía a legitimação do novo regime no púlpito e a colaboração direta na reconstrução política do país. Concebendo a religião católica como a base da relação harmônica entre os homens e destes com o poder estabelecido, o Papa evidenciava ao presidente que poderia, caso fossem atendidos os seus pedidos, reunir o apoio do episcopado, do clero e da população católica em torno do projeto de “união e paz” no novo modelo de Estado.

A Secretaria de Estado da Santa Sé, a partir das experiências vividas em outros países, temiam a radicalização do movimento depois da publicação da Carta Constitucional Republicana. Sua ação, naquele momento, buscava garantir a integridade da Igreja, em curto prazo, médio e longo prazo, de maneira que se mantivessem as condições necessárias para a realização da sua missão evangelizadora.

No mesmo dia, em 28 de outubro de 1890, Leão XIII escreveu a D. Antônio Macedo Costa com os termos da negociação explicitados em carta ao Marechal, ou seja, com as disposições contrárias à Igreja, que o Papa pleiteava que fossem retiradas do projeto constitucional. Os itens do acordo que afetavam diretamente a Igreja deveriam ser levados pessoalmente pelo Bispo ao Marechal Deodoro da Fonseca: a proibição de fundar novos institutos religiosos e de reformar os antigos segundo as normas da Igreja; o golpe de ostracismo à Companhia de Jesus; a exceção feita ao Clero pelos corpos deliberantes do Estado; a ameaça de confisco às propriedades da Igreja com a evocação das leis de mão morta; o ensino laico; o matrimônio civil precedente ao matrimônio religioso (LEÃO XIII, 09/06/1890, f. 23-26).

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Nas duas cartas de Leão XIII, ao Marechal e a D. Macedo Costa, apareceram dois princípios básicos que conduziriam a política de Estado da Santa Sé: a postura de neutralidade política e uma clara opção pelos pactos ou acordos internacionais.

A primeira postura se firmaria com um posicionamento da Igreja como um ente acima de questões políticas partidárias e de eventuais conflitos internos no país. Esse posicionamento, replicado como política externa por outros pontífices ao longo do século XX, garantiria um espaço importante e de peso para a Santa Sé nas relações internacionais: o de mediadora e pacificadora. Já a opção pelos acordos estruturou-se como uma estratégia de defesa dos interesses da Igreja Católica e como forma de colocar freios ao avanço das pretensões cada vez maiores dos Estados laicos em restringir a religião ao espaço privado.

Em nome da ordem social cristã e da defesa da própria Confissão Católica o Papa cedia espaço ao liberalismo e ao laicismo, orientando a hierarquia eclesiástica local a fazer o mesmo. Aproveitava o momento político para garantir autonomia e recursos suficientes para a execução de um projeto de influência política de longa duração.

Parece haver quase um consenso na historiografia da Igreja no Brasil (BRUNEAU, 1974) de que os acontecimentos em torno da Proclamação da República iniciaram uma fase na qual a Igreja se lançou ao combate pelo seu retorno ao governo brasileiro. A análise da documentação que serviu de base para esta pesquisa encaminha outra interpretação: a Santa Sé não se movimentou estrategicamente para efetivar a volta da Igreja Católica à estrutura do Estado brasileiro. O seu objetivo era ordenar e implementar a cristianização das instituições públicas. Isso não significava fazer parte do governo como instituição, mas influenciá-lo de maneira que esse fosse inspirado pela doutrina católica, adotando os mesmos princípios e, portanto, que este tivesse os mesmos objetivos da Igreja.

Quanto à parte do acordo que caberia ao Marechal: a restrição às disposições constitucionais que eram contrárias aos interesses da

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Igreja Católica, os resultados foram considerados muito satisfatórios diante daquele contexto. A Constituição Brasileira de 1891 não foi declarada em nome de Deus e a separação e a retirada das subvenções à Igreja foram mantidas. Contudo, estes não estavam entre os pleitos do Papa. Dentre os itens que Leão XIII havia solicitado reconsideração, acabaram sendo mantidos: o matrimônio civil, o ensino laico e a exceção feita ao Clero quanto ao direito de voto.

Entretanto, isso não se caracterizou como uma derrota política. Ao contrário, além de garantir a não perseguição e a não expulsão dos Jesuítas, o acordo entre os chefes de Estado, Leão XIII e Marechal Deodoro, garantiu a defesa dos bens materiais e da liberdade de atuação da Igreja, dois itens fundamentais do pleito do Romano Pontífice.

Passado esse momento de crise e de intensas negociações, iniciava-se a fase de reorganização institucional da Igreja Católica local. Com base na análise do conjunto documental produzido pela Secretaria de Estado do Vaticano durante as primeiras décadas da República brasileira, é possível afirmar a Santa Sé estabeleceu alguns pontos essenciais de atuação. Em particular no que concernia a nova realidade política do Brasil e a condição institucional da Igreja, agravada pela pelo número reduzido de padres, pelas grandes distâncias e pelas dificuldades de locomoção.

A Santa Sé incentivou que congregações estrangeiras viessem atuar no Brasil; remanejou prelados, ação que ficou sob a coordenação do Internúncio; solicitou a realização de um diagnóstico sobre as dioceses, com a finalidade de levantar dados para a reorganização institucional; empreendeu ações de fortalecimento do Internúncio como representante da autoridade do Papa; investiu na ampliação dos quadros do clero. De todas essas iniciativas ressalta-se a atuação sistemática da Secretaria de Estado para minimizar ao máximo a participação do episcopado na política partidária, de maneira a evitar que posturas políticas radicais cindissem definitivamente e irremediavelmente as relações entre o Estado e a Igreja, inviabilizando futuras negociações no campo da política interna e externa.

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Ao longo da Primeira República brasileira a Santa Sé cumpriria a sua parte no acordo oficioso com o governo republicano, estabelecido nas negociações em 1890: reconheceu o novo governo e manteve com ele relações diplomáticas, não se movimentando em prol da união oficial entre o Estado e a Igreja nas próximas décadas. Quanto à parte do acordo que caberia a hierarquia local: a manutenção e conservação da ordem social e a pacificação das consciências, definido pelo respeito ao governo republicano, ficou por conta do bem sucedido projeto de romanização, responsável por garantir que a maioria dos prelados reproduzisse de maneira eficiente o desejo da Santa Sé de atuação da Igreja como pacificadora da República.

ROSA, Lilian Rodrigues de Oliveira. Strategies and negotiations between the Holy See, the Brazilian state and the local Catholic church between 1889 and 1991. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.7, n.2, 2011, pp.145-163. ABSTRACT: This text aims to present the results of analysis on international relations between the "Santa Sé" and the Brazilian State, between 1889 and 1991. We pay attention on understanding the negotiations to defend the interests of Catholics after the publication of Decree 119-A, which extinguished the Royal Patronage and determined religious freedom in Brazil, leaving Catholicism to be the official state religion. Keywords: Holy See; Brazilian State, History, International Relations. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AZEVEDO, D. A Igreja Católica e o seu papel político no Brasil. A experiência religiosa e a institucionalização da religião. Estudos Avançados/Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 109-120, 1987. AZZI, R. O Estado leigo e o projeto ultramontano. São Paulo: Paulus, 1994. 4.v. (História do pensamento católico no Brasil).

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BRUNEAU, T. O Catolicismo Brasileiro em época de transição. Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Loyola, 1974. MAINWARING, S. Igreja Católica e política no Brasil (1916-1985). Tradução de Heloisa Braz de Oliveira Pieto. São Paulo: Brasiliense, 1989. MANOEL, I. A. D. Antonio de Macedo Costa e Rui Barbosa: a Igreja Católica na ordem Republicana Brasileira. Pós-História. UNESP, Assis, SP, v.5, p. 67-81, 1997. MICELI, S. A elite eclesiástica brasileira: 1890- 1930. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. ROSA, L. R. O. A Igreja Católica Apostólica Romana e o Estado Brasileiro: estratégias de inserção política da Santa Sé no Brasil entre 1920 e 1937. 2011. 286f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual Paulista. Faculdade de Ciências Humanas e Sociais, UNESP, São Paulo, 2011. ____. A face política da romanização: a Santa Sé como ente internacional. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH, São Paulo, julho 2011. SILVA, A. M.; ISAIA, A. C. (coords.). Progresso e Religião. A República no Brasil e em Portugal. 1889-1910. Coimbra: EDUFU/ Imprensa da Universidade de Coimbra, 2007. p. 195 – 208. DOCUMENTOS DO ASV - ARQUIVO SECRETO VATICANO COSTA, D. Antonio Macedo. Alguns pontos de reforma na Egreja do Brasil.. In: Documenti circa Le Conferenze dei Vescovi Brasiliani . 2 ago. 1890. A.S.V., A.E.S., Brasile, pos. 308-311, (II), fasc. 29, ff. 11 – 34. IGREJA CATÓLICA. Pastoral Coletiva de 19 de março de 1890. 4 ed. São Paulo: Typ. Salesiana; Lyceu do Sagrado Coração, 1890, p. 5. LEÃO XIII. 9 jun. 1890. A.S.V. A.E.S. Brasile, pos. 306, 308, 311, (II), fasc. 27-29, ff. 23-26. LEÃO XIII. Al Sgr. Maresciallo Deodoro da Fonseca Capo Del Governo provisório del Brasile, 28 de outubro de 1890. Tradução de Lilian R. O. Rosa e Antonio Alfieri. A.S.V., A.E.S., Brasile, pos. 308-311, (II), fasc. 29, ff. 74-77.

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RAMPOLLA, M. T. Instruções da Santa Sé ao Internúncio Apostólico para a Conferência dos Bispos brasileiros. 14 jun. 1890. In: Documenti circa Le Conferenze dei Vescovi Brasiliani, agosto 1890. A.S.V., A.E.S., Brasile, pos. 308-311 (II), fasc. 29, ff. 3-8. Rapportti sull República, 1889. Tradução de Lilian R. O. Rosa e Antonio Alfieri. A.S.V., A.E.S., Brasile, pos. 298-300 (II), fasc. 24 – 26 SPOLVERINI, Francisco. Carta do Internúncio Apostolico. 1º. Ago. 1890, parte do dossiê Documenti circa Le Conferenze dei Vescovi Brasiliani, agosto 1890. A.S.V., A.E.S., Brasile, pos. 308-311, (II), fasc. 29, f. 9.

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ÍNDICE DE AUTORES/AUTHORS INDEX

ASSOLINI; Filomena Elaine Paiva; p.41

BATISTA, Marco Antonio; p.123

CARVALHO, Daniele Machado; p.41

CARVALHO, Ramires Santos Teodoro; p.25

MORENO, Luís Carlos; p.103

OLIVEIRA, Luis Fernando de; p.69

ROSA, Lilian Rodrigues de Oliveira; p.145

SILVA, Adriana; p.11

SILVEIRA, Rafael José da; p.87

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ÍNDICE DE ASSUNTOS

Aprendizagem; p.41 Aviso prévio; p.123 Brasil; p.87 Descartes, p.103 Educação; p.69 Estado Brasileiro; p.145 Ética; p.69 Formação Inicial e Contínua; p.25

Formação Inicial; p.41 História; p.145 História da Educação; p.87 História da Pedagogia; p.69 Identidade; p.25 Imortalidade da alma; p.103 Instrução Pública; p.87 Leitura; p.41 Memória Discursiva; p.41 Novas regras; p.123 Novos prazos; p.123 Nietzsche; p.69 Pensamento Católico; p.87 Pensamento Liberal; p.87 Pós-Modernidade; p.69 Professor Reflexivo; p.25 Relações Internacionais; p.145 Saberes da Docência; p.25 Santa Sé; p.145 Substância Espiritual Absoluta; p.103

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SUBJECT ÍNDEX

Absolut spiritual substance; p.103 Brazil; p.87 Brazilian State; p.145 Catholic Thought; p.87 Descartes; p.103 Discourse memory; p.41 Education; p.69 Ethics; p.69 History; p.145 History of Education; p.87 History of Pedagogy; p.69 Holy See; p.145 Identity; p.25 Immortality of the soul; p.103 Initial and continuing training; p.25 Initial training; p.41 International Relations; p.145 Knowledge of Teaching; p.25 Learning; p.41 Liberal Thought; p.87 New deadlines; p.123 New rules; p.123 Nietzsche; p.69 Post-Modernity; p.69 Prior notice; p.123 Public Instruction; p.87 Reading; p.41 Reflective Teacher; p.25

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Normas para publicação na revista DIALOGUS

Normas para apresentação de original

Apresentação: Os trabalhos devem ser redigidos em português e

encaminhados via e-mail, em dois arquivos separados:

- um completo (Conforme estrutura do trabalho, abaixo proposta);

- outro sem qualquer identificação do autor e com indicação da área e da sub-

área do trabalho, segundo tabela Capes.

Os textos devem ser digitados em Word (versão 6.0 ou superior), fonte 11, tipo

Arial Narrown, tendo, no máximo, vinte e cinco páginas (salvo exceção). A

configuração da página deve ser a seguinte: tamanho do papel: A4 (21,0 x 29,7

cm); margens: superior e inferior: 7,3 cm; direita e esquerda, 5,3 cm.

Espaçamento: espaço simples entre linhas e parágrafos; espaço duplo entre

partes do texto e entre texto e exemplos, citações, tabelas, ilustrações etc.

Adentramento: parágrafos, exemplos, citações: tabulação 1,27 cm.

No que tange ao conteúdo dos artigos, os dados e conceitos emitidos nos

trabalhos, bem como a exatidão das referências bibliográficas, são de inteira

responsabilidade dos autores.

Não serão aceitos trabalhos fora das normas aqui estabelecidas.

Estrutura do trabalho

Os trabalhos devem obedecer à seguinte seqüência: Título; Autor(es - por

extenso e apenas o sobrenome em maiúsculo); Filiação científica do(s) autor(es)

- indicar em nota de rodapé: Universidade, Instituto ou Faculdade,

Departamento, Cidade, Estado, País, orientação, agência financiadora (bolsa

e/ou auxílio à pesquisa); Resumo (com máximo de sete linhas); PALAVRAS-

CHAVE (até cinco); Texto (subtítulos, notas de rodapé e outras quebras devem

ser evitadas); Abstract e Keywords (versão para o inglês do resumo e dos

PALAVRAS-CHAVE precedida pela referência bibliográfica do próprio artigo);

Referências Bibliográficas (trabalhos citados no texto), com indicação de

tradução (no caso de obras estrangeiras) e número da edição.

• Título: centralizado, letras em maiúsculo, negrito e fonte 12.

• Subtítulos: sem adentramento, apenas a primeira letras do subtítulo deve ser

maiúscula e fonte 12.

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• Nome(s) do(s) autor(es): nome completo na ordem direta, na segunda linha

abaixo do título, alinhado à direita. Letras maiúsculas apenas para as iniciais e

para o sobrenome principal. Fonte 12.

• Resumo: a palavra RESUMO em maiúsculas, em negrito, seguida de dois

pontos, na terceira linha abaixo do nome do autor, sem adentramento. Na

mesma linha iniciar o texto de resumo.

• PALAVRAS-CHAVE: a expressão PALAVRAS-CHAVE em maiúsculas, em

negrito, seguida de dois pontos, na segunda linha abaixo do resumo e uma linha

cima do início do texto. Separar os PALAVRAS-CHAVE por ponto e vírgula.

-Referência bibliográfica completa do próprio trabalho em inglês, conforme o

exemplo:

PÁDUA, Adriana Suzart de. Change and continuity. Comparative notes about

Venezuela´s Bolivarian Constitution. DIALOGUS. Ribeirão Preto, v.X, n.X, 200X,

p. X.

• Abstract: a palavra ABSTRACT em maiúsculas, em negrito, seguida de dois

pontos, na segunda linha abaixo da referência bibliográfica completa do próprio

trabalho em inglês, sem adentramento. Na mesma linha, iniciar o texto do

abstract.

• Keywords: a palavra KEYWORDS em maiúsculas, em negrito, seguida de dois

pontos, na segunda linha abaixo do abstract. Utilizar no máximo cinco keywords

separados por ponto e vírgula.

- Referências Bibliográficas: a palavra REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS em

maiúsculas, em negrito, seguida de dois pontos, na segunda linha abaixo do

keywords. Devem ser dispostas em ordem alfabética pelo sobrenome do

primeiro autor e seguir a NBR 6023 da ABNT.

Abreviaturas - os títulos de periódicos devem ser abreviados conforme o

Current Contents. Exemplos:

Livros e outras monografias

LAKATOS, E. M., MARCONI, M. A. Metodologia do trabalho científico. 2. Ed.

São Paulo: Atlas, 1986. 198p.

Capítulos de livros

JOHNSON, W. Palavras e não palavras. In: STEINBERG, C. S. Meios de

comunicação de massa. São Paulo: Cultrix, 1972, p.47 - 66.

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Dissertações e teses

BITENCOURT, C. M. F. Pátria, Civilização e Trabalho. O ensino nas escolas

paulista (1917-1939). São Paulo, 1988. Dissertação (mestrado em História) -

FFLCH, USP.

Artigos e periódicos

ARAUJO, V.G. de. A crítica musical paulista no século XIX: Ulrico Zwingli.

ARTEunesp (São Paulo), v.7, p.59-63, 1991.

Trabalho de congresso ou similar (publicado)

MARIN, A. J. Educação continuada: sair do informalismo? In: CONGRESSO

ESTADUAL PAULISTA SOBRE FORMAÇÃO DE EDUCADORES, 1, 1990.

Anais... São Paulo: UNESP, 1990, p.114-118.

Citação no texto: O autor deve ser citado entre parênteses pelo sobrenome,

separado por vírgula da data de publicação: (BECHARA, 2001), por exemplo. Se

o nome do autor estiver citado no texto, indica-se apenas a data entre

parênteses: “Bechara (2001) assinala ...”. Quando for necessário especificar

página(s), esta(s) deve(m) seguir a data, separada(s) por vírgula e precedida(s)

de p. (MUNFORD, 1949, p.513). As citações de diversas obras de um mesmo

autor, publicadas no mesmo ano, devem ser discriminadas por letras minúsculas

após a data, sem espacejamento (PESIDE, 1927a) (PESIDE, 1927b). Quando a

obra tiver dois autores, ambos são indicados, ligados por & (OLIVEIRA &

LEONARDO, 1943) e quando tiver três ou mais, indica-se o primeiro seguido de

et. al. (GILLE et. al., 1960).

Notas - Devem ser reduzidas ao mínimo e colocadas no pé da página. As

remissões para o rodapé devem ser feitas por números, na entrelinha superior.

Anexos e/ou Apêndices - Serão incluídos somente quando imprescindíveis à

compreensão do texto.

Tabelas - Devem ser numeradas consecutivamente com algarismos arábicos e

encabeçadas pelo título.

Figuras - Desenhos, gráficos, mapas, esquemas, fórmulas, modelos (em papel

vegetal e tinta nanquim, ou computador); fotografias (em papel brilhante);

radiografias e cromos (em forma de fotografia). As figuras e suas legendas

devem ser claramente legíveis após sua redução no texto impresso de 10,4 x

15,1 cm. Devem-se indicar, a lápis, no verso: autor, título abreviado e sentido da

figura. Legenda das ilustrações nos locais em que aparecerão as figuras,

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numeradas consecutivamente em algarismos arábicos e iniciadas pelo termo

FIGURA.

Anexo(s): introduzir com a palavra ANEXO(S), na segunda linha abaixo da

Referencia bibliográficas, sem adentramento. Continuar em nova linha, sem

espaço.

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EQUIPE DE REALIZAÇÃO

Coordenação Profª Esp. Cláudia Helena Araújo Baldo

Prof. Ms. Cícero Barbosa do Nascimento Profª Ms. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

Prof. Ms. Rafael Cardoso de Mello

Diagramação Prof. Ms. Rafael Cardoso de Mello

Revisão Técnica (Normas) Profª Esp. Cláudia Helena Araújo Baldo

Prof. Ms. Cícero Barbosa do Nascimento Profª Ms. Lilian Rodrigues de Oliveira Rosa

Prof. Ms. Rafael Cardoso de Mello

Revisão Técnica (Língua Estrangeira) Prof. Ms. Rafael Cardoso de Mello

Assessoria Discente Larissa Carolina Aguiar Leme Vanessa Cristina Silva Souza

Tamara da Silva Chinarelli

SOBRE O VOLUME

Mancha: 9,6 X 17,7 Tipologia: Arial Narrown

Papel: Sulfite 75g Matriz: offset

Tiragem: 450 exemplares

Produção Gráfica Editora e Gráfica Padre Feijó Ltda.

Rua Carlos Chagas, 306 - Jardim Paulista CEP 14090-190

Fone: (16) 3632-2131 - Ribeirão Preto – SP

DIALOGUS Rua Ramos de Azevedo, n.423, Jardim Paulista

CEP: 14.090-180 – Ribeirão Preto – SP http://www.baraodemaua.br/comunicacao/publicacoes/dialogus

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