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Introdução

Neste artigo pretendo articular duas linhasde reflexão: uma sobre cidade e outra sobre etno-grafia. O propósito é explorar as possibilidadesque esta última, como método de trabalho carac-terístico da antropologia, abre para a compreensãodo fenômeno urbano, mais especificamente paraa pesquisa da dinâmica cultural e das formas desociabilidade nas grandes cidades contemporâneas.Em primeiro lugar exponho, de forma sumarizada,alguns dos enfoques mais correntes sobre a ques-tão da cidade e, em contraste com estas aborda-gens, que classifico como um olhar de fora e delonge, apresento outra de cunho etnográfico, a quedenomino de olhar de perto e de dentro.

Não se trata, contudo, neste caso, de qualqueretnografia: procuro distinguir a proposta que de-senvolvo de outros experimentos que também seapresentam como etnográficos. Penso, ademais,

que não há necessidade de muitos malabarismospós-modernos para aplicar com proveito a etno-grafia a questões próprias do mundo contemporâ-neo e da cidade, em particular: desde as primeirasincursões a campo, a antropologia vem desenvol-vendo e colocando em prática uma série de estra-tégias, conceitos e modelos que, não obstante asinúmeras revisões, críticas e releituras (quemsabe até mesmo graças a esse continuado acom-panhamento exigido pela especificidade de cadapesquisa) constituem um repertório capaz de inspi-rar e fundamentar abordagens sobre novos objetose questões atuais.

Explicito, a seguir, os pressupostos que estãona base dessa proposta e apresento categorias deanálise, mostrando a aplicação de algumas delasem pesquisas recentes. Por fim, sinalizo com aperspectiva de um olhar distanciado, indispensávelpara ampliar o horizonte da análise e complemen-tar a perspectiva de perto e de dentro defendida ao

DE PERTO E DE DENTRO: notas para uma etnografia urbana

José Guilherme Cantor Magnani

RBCS Vol. 17 no 49 junho/2002

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longo do artigo. Pretendo, com estas reflexões,contribuir para delimitar, no amplo e vago campoda chamada “antropologia das sociedades comple-xas”, um recorte mais específico, voltado para o es-tudo de temas própria e especificamente urbanos.1

Abordagens sobre a cidade

Inúmeros são os estudos e as abordagenssobre os rumos e as conseqüências do processo deurbanização em curso, principalmente nas grandesmetrópoles contemporâneas. Com o propósito deestabelecer um pano de fundo para melhor des-tacar a proposta que pretendo desenvolver, inicial-mente agrupei tais abordagens, conforme propusem outro texto (Magnani, 1998), em dois blocos: oprimeiro deles reúne aquelas análises e respectivosdiagnósticos que enfatizam os aspectos desagrega-dores do processo tais como o colapso do sistemade transporte, as deficiências do saneamento bási-co, a falta de moradia, a concentração e desigualdistribuição dos equipamentos, o aumento dosíndices de poluição, da violência. Com base emvariáveis e indicadores sociais, econômicos edemográficos, este é o quadro geralmente apli-cado às grandes cidades do mundo subdesen-volvido ou, de acordo com o atual eufemismo,dos países emergentes.

Uma outra visão, geralmente referida a me-trópoles do primeiro mundo, projeta cenáriosmarcados por uma feérica sucessão de imagens,resultado da superposição e conflitos de signos,simulacros, não-lugares, redes e pontos de encon-tro virtuais. Esta é a cidade que se delineia a partirda análise de alguns semiólogos, arquitetos, críticospós-modernos, identificada como o protótipo da so-ciedade pós-industrial.

No primeiro caso, apresenta-se uma linha decontinuidade onde fatores desordenados de cres-cimento acabam por produzir inevitavelmente ocaos urbano; no segundo, enfatiza-se a ruptura,conseqüência de saltos tecnológicos que tornamobsoletas não só as estruturas urbanas anteriorescomo as formas de comunicação e sociabilidade aelas correspondentes; o caos, aqui, é semiológico.Um, fruto do capitalismo selvagem; a outra, maisidentificada com o capitalismo tardio.

Ainda que por motivos diferentes, essas duasperspectivas – aqui polarizadas para efeito compa-rativo e de contraste – levam a conclusões seme-lhantes no plano da cultura urbana: deterioraçãodos espaços e equipamentos públicos com a con-seqüente privatização da vida coletiva, segregação,evitação de contatos, confinamento em ambientese redes sociais restritos, situações de violência etc.

Não obstante seu esquematismo, esta é umavisão bastante recorrente no discurso da mídia eaté em análises mais acadêmicas voltados para adiscussão de problemas urbanos: é justamente noestereótipo que reside o sucesso da fórmula. Cabelembrar, a propósito, o ocorrido com o conhecidourbanista catalão, Jordi Borja, em uma de suas vi-sitas a São Paulo. Convidado a participar de umprograma de televisão para falar dos problemasdas grandes cidades, foi previamente instruídopelo jornalista: “Quero que o senhor diga como acidade de São Paulo está mal, uma catástrofe, nadafunciona etc.; que diga também como, em geral, ascidades vão mal, com problemas de insegurança,contaminação, falta de moradia, proliferação debairros marginais, pois em todas as cidades hágrandes problemas.”2

Essa perspectiva, em que pesem seu apelo erendimento para abarcar todo e qualquer transtor-no, de enchentes a situações de risco e violência,passando pela perda de contatos e vínculos maispersonalizados, evidentemente não esgota o lequede possibilidades de análise das questões urbanascontemporâneas: há outros recortes em que as di-ferenças entre determinado tipo de cidades situa-das em regiões desenvolvidas e suas congêneresno mundo subdesenvolvido cedem espaço para al-gumas semelhanças. Esta é a perspectiva, porexemplo, de Jordi Borja, que utiliza o conceito de“cidade mundial”; outros, como Saski Sassen (1998,1999) preferem a expressão “cidades globais”.3

Tanto num caso como no outro essa deno-minação alude ao papel que tais cidades ocupamnuma economia altamente interdependente: sedesde conglomerados multinacionais, pólos de insti-tuições financeiras, produtoras e/ou distribuidorasde determinados serviços, informações e imagens,elas constituem os nós da ampla rede que tam-bém já é conhecida, num mundo globalizado,como “sistema mundial”. Sua influência, desta for-

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ma, faz-se sentir muito além das respectivas fron-teiras físico-administrativas e nacionais.

Aqui as questões são de outra ordem: todasessas cidades, num certo plano, assemelham-senão apenas pelas funções que exercem, mas pelosequipamentos e instituições que possibilitam seuexercício Assim, supõe-se que uma “cidade global”seja servida por uma rede de hotelaria de padrãointernacional, um sistema de transporte seletivo,sofisticadas agências de serviços especializados,sistemas e empresas de informação de ponta. Sas-kia Sassen (1999) fala, além da globalização, em“digitalização”, para caracterizar o processo queproduziu as cidades globais.

Chama a atenção o fato de que essa tecnolo-gia, que permite contato imediato e troca de infor-mações on line, não significou o enfraquecimentodas cidades. Sassen, a propósito, distingue doistipos de informação: de um lado, aquele meramen-te constituído por dados, esses sim, disponíveis dee para qualquer ponto do mundo, desde que este-jam devidamente plugados; e, de outro, o processode sua interpretação, avaliação e discernimento,que exige atores reais: pessoal qualificado, empre-sas especializadas dos mais variados serviçoscomo apoio jurídico, consultoria etc., compondo oque a autora chama de “infra-estrutura social paraa conectividade global” (idem).

Alguns exemplos logo vêm à mente, comoprotótipos dessa dinâmica: Nova York, em primeirolugar, Londres, Tókio e, além disso, numa segundaordem de grandeza, Los Angeles (Davis, 2001), queresume e concentra as vantagens e os problemasdesse tipo de cidade – algumas de cujas caracterís-ticas podem ser encontradas em outras metrópoles,ainda que situadas em países menos desenvolvi-dos.4 Barcelona, outro caso bastante difundido decidade global, exemplifica uma característica par-ticular dessa tipologia: a busca e o investimentonuma “marca” local distintiva. Pois, se de um ladosupõe-se que essas cidades dispõem de uma in-fra-estrutura peculiar – o que termina por equali-zá-las –, de outro, é fundamental que cada umaapresente um elemento diferencial, de forma atorná-la competitiva na atração de capitais, demão-de-obra especializada, na realização de even-tos internacionais etc.

Essa visão tem como base uma nova forma deplanejamento urbano, conhecido por “planejamen-to estratégico” que, entre outras medidas, prevêparcerias entre o poder público e o setor privadocom vistas a projetos de renovação urbana. Umadas propostas mais difundidas dessa visão temcomo foco áreas centrais buscando a revitalizaçãode espaços degradados e a recuperação, com no-vos usos, de edificações e equipamentos “históri-cos” ou “vernaculares” (Zukin, 2000), de forma aatrair novos moradores, usuários e freqüentadores.Esse processo, conhecido como gentrification(enobrecimento, requalificação), propõe umanova dinâmica, principalmente para os centros dascidades, pois, além de adequá-los como lugares deconsumo, inaugura uma nova modalidade de con-sumo cultural, isto é, o “consumo do lugar”.

Tais propostas são identificadas, por alguns,como parte da tendência “pós-moderna” no urba-nismo e na arquitetura; há, entretanto, quem retiredo termo pós-modernidade qualquer determinaçãopositiva, por considerá-lo vazio, incapaz de intro-duzir uma ruptura com relação à sua antecessora,ou seja, a modernidade: tanto uma como outra nãoseriam alternativas, mas, de acordo com OtíliaArantes, “passos unificados de um mesmo proces-so de ajuste da sociedade às reviravoltas que dá ocapitalismo para continuar o que sempre foi, e decujas metamorfoses a paisagem urbana é a fachadamais visível”, (1998, pp. 12-13). A autora tem tam-bém uma visão bastante crítica tanto em relação aofenômeno da globalização, como às propostas derevitalização urbana induzidas por esse processo:

Essa mundialização do capital, para chamar a coi-sa pelo seu verdadeiro nome, que é econômica,tecnológica, midiática, gera descompassos, segre-gações, guetos multiculturais e multirraciais, aomesmo tempo em que desterritorializações anár-quicas, crescimentos anômalos e transgressivos[...]. Além do mais, as novas tendências estruturaisde crise da regulação social e de desmonte dosEstados nacionais transformam os alegados valo-res locais em mercadorias a serem igualmenteconsumidas e recicladas na mesma velocidade emque se move o capital. Em linhas gerais, esse é onó da renovação urbana em andamento tanto nospaíses afluentes quanto, com mais razão ainda, naperiferia (1998, pp. 187-188).

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Em obra coletiva mais recente (2000), essascríticas são retomadas e acrescidas das análisesde Carlos Vainer e Ermínia Maricato. O primeirovolta-se especificamente e com uma leitura maistécnica para o planejamento estratégico, modelodifundido no Brasil por algumas agências multila-terais (BIRD, Habitat) e consultores internacionais,sobretudo catalães, com base na da experiênciade Barcelona, já mencionada.5

Segundo Vainer, este modelo de planejamen-to é inspirado em conceitos e técnicas oriundosdo planejamento empresarial, e sua adoção pelosgovernos locais justifica-se pelo fato de as cidadesestarem submetidas às mesmas injunções que asempresas. A questão urbana, nessa visão, deve serlida na chave da competitividade: competir por in-vestimentos de capital, tecnologia e competênciagerencial; competir por atração de novas indús-trias e negócios; competir por atração de força detrabalho qualificada.

O texto de Ermínia Maricato, mais militante,critica o uso de termos como “cidade global”, “cida-de mundial” e “planejamento estratégico”, os quaisqualifica como modismos; em contrapartida, temum apreciação mais positiva a respeito do planeja-mento de inspiração modernista, justamente porseu caráter “holístico”, como afirma, contraposto àfragmentação da visão pós-moderna. É afirmativa:declara-se em prol de um urbanismo socialmenteincludente e democrático, propondo uma junçãoentre “plano de ação” e “orçamento participativo”.

Finalmente, nessa mesma linha crítica, cabecitar o trabalho de Ana Cristina Fernandes (2001),para quem as novas políticas públicas voltadaspara a valorização do plano local (sejam cidades ouregiões) devem ser pensadas à luz dos interessesde três agentes: organismos multilaterais juntamen-te com instituições de consultoria internacional,corporações transnacionais e elites locais.

Essa discussão, por sua vez, não é estranhaà antropologia. Há autores que enfatizam os efei-tos homogeneizadores do sistema mundial sobreculturas locais, também creditando tal influência à“grande narrativa da dominação ocidental”, con-forme a expressão usada por Marshall Sahlins paradesignar essa leitura (1997, p. 15). Nesse artigo, oautor mostra, todavia, com base em etnografias re-centes, que não há uma só lógica nem uma única

direção no fluxo transnacional por onde transitampessoas, mercadorias e recursos: não poucas ve-zes esse fluxo termina fortalecendo costumes einstituições tradicionais num dos pólos, aqueleconstituído pela longínqua aldeia de origem.

Mas o propósito aqui não é discutir a ordeminternacional e sim delimitar um campo onde sepossam apreciar alternativas de análise voltadaspara a dinâmica urbana contemporânea. Por certo adiscussão é alentada e há muito mais estudos sobrea realidade das grandes cidades que os apresen-tados aqui, mas algumas pistas encontradas nosautores escolhidos já permitem estabelecer umcontraponto à proposta que será desenvolvida nopresente trabalho.

O olhar etnográfico: de perto e de dentro

Tomando em conjunto esse debate em tornoda questão urbana com suas propostas e tambémcríticas que vêm constituindo, desde há algumtempo, a pauta de inúmeros encontros de cúpulae seminários de organizações internacionais etambém não governamentais,6 podem ser destaca-dos alguns pontos em comum.

Em primeiro lugar, observa-se a ausência dosatores sociais. Tem-se a cidade como uma entidadeà parte de seus moradores: pensada como resulta-do de forças econômicas transnacionais, das eliteslocais, de lobbies políticos, variáveis demográficas,interesse imobiliário e outros fatores de ordemmacro; parece um cenário desprovido de ações,atividades, pontos de encontro, redes de sociabi-lidade. Quando muito, faz-se referência a algumaperformance – arte pública – que parecia ser aúnica forma de intervenção capaz de alterar ou, aomenos, produzir algum momentâneo estremeci-mento, para deleite de uns poucos e indiferença damaioria que passa ao largo de tais experimentos, ajulgar pela repercussão de alguns deles na cidadede São Paulo.7

A bem da verdade, não é propriamente a au-sência de atores sociais que chama a atenção, masa ausência de certo tipo de ator social e o papel de-terminante de outros. Em algumas análises, a dinâ-mica da cidade é creditada de forma direta e ime-diata ao sistema capitalista; mudanças na paisagem

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urbana, propostas de intervenção (requalificação,reciclagem, restauração), alterações institucionaisnão passam de adaptações às fases do capitalismoque é erigido, na qualidade de variável indepen-dente, como a dimensão explicativa última e total.

Neste caso, quando aparecem atores sociais,são os representantes do capital e das forças domercado: financistas, agentes do setor imobiliário,investidores privados. Personagens como os “ani-madores culturais” – consultores, arquitetos, artistase demais intelectuais – também se fazem presentesmas a serviço dos interesses do capital, como“profissionais caudatários”, para usar a expressãoempregada por Arantes (1998).

Já os moradores propriamente ditos, que,em suas múltiplas redes, formas de sociabilidade,estilos de vida, deslocamentos, conflitos etc.,constituem o elemento que em definitivo dá vidaà metrópole, não aparecem, e quando o fazem, éna qualidade da parte passiva (os excluídos, osespoliados) de todo o intrincado processo urba-no.8 Nas leituras mais militantes, por certo, essesatores são recuperados, mas como sujeitos de es-tratégias políticas como o orçamento participativo,um “urbanismo socialmente includente”, associa-ções de vários tipos etc.

Sem ignorar a contribuição da ação engaja-da e organizada, no entanto, há uma gama de prá-ticas que não são visíveis na chave de leitura dapolítica (ao menos de uma certa visão de políti-ca): é justamente essa dimensão que a etnografiaajuda a resgatar. A incorporação desses atores ede suas práticas permitiria introduzir outros pon-tos de vista sobre a dinâmica da cidade, para alémdo olhar “competente” que decide o que é certoe o que é errado e para além da perspectiva e in-teresse do poder, que decide o que é convenientee lucrativo.

Finalmente, não obstante terem as cidadesglobais como o referente para suas análises, algunsdesses estudos tomam como pressuposto umtipo de cenário da vida pública ainda preso ao pro-tótipo e a dimensões da cidade da alta Idade Médiaeuropéia ou mesmo da cidade-estado antiga, cujacentralidade era simbolizada e garantida por algu-mas instituições que dominavam o espaço público.Ora, num aglomerado contíguo com mais de dezmilhões de habitantes, como é o caso da cidade de

São Paulo, não há uma, mas várias centralidades(Frúgoli, 2000) e, em vez de se procurar (em vão)um princípio de ordem que garanta a dinâmica dacidade como um todo, mais acertado é tentar iden-tificar essas diferentes centralidades e os múltiplosordenamentos que nelas e a partir delas ocorrem.

Pois os atuais grandes centros urbanos nãopodem ser considerados simplesmente como ci-dades que cresceram demais – daí suas mazelas edistorções. A própria escala de uma megacidadeimpõe uma modificação na distribuição e na formade seus espaços públicos, nas suas relações com oespaço privado, no papel dos espaços coletivos enas diferentes maneiras por meio das quais osagentes (moradores, visitantes, trabalhadores, fun-cionários, setores organizados, segmentos excluí-dos, “desviantes” etc.) usam e se apropriam de cadauma dessas modalidades de relações espaciais.

Para além da nostalgia pela “velha rua mo-derna” de Berman (1989, p. 162) ou do “balé dascalçadas” de Jane Jacobs (1992, p. 50), certamentehaveria que se perguntar se o exercício da cidada-nia, das práticas urbanas e dos rituais da vida pú-blica não teriam, no contexto das grandes cidadescontemporâneas, outros cenários: para tanto, é ne-cessário procurá-los com uma estratégia adequada.

É o que se propõe com a antropologia, pormeio do método etnográfico. As grandes cidadescertamente são importantes para análise e reflexão,não apenas porque integram o chamado sistemamundial e são decisivas no fluxo globalizado ena destinação dos capitais, mas também porqueconcentram serviços, oferecem oportunidadesde trabalho, produzem comportamentos, deter-minam estilos de vida – e não apenas aquelescompatíveis com o circuito dos usuários “solven-tes”, do grande capital, freqüentadores da redehoteleira, de gastronomia e de lazer que seguempadrões internacionais.

A presença de migrantes, visitantes, morado-res temporários e de minorias; de segmentos dife-renciados com relação à orientação sexual, identi-ficação étnica ou regional, preferências culturais ecrenças; de grupos articulados em torno de op-ções políticas e estratégias de ação contestatóriasou propositivas e de segmentos marcados pelaexclusão – toda essa diversidade leva a pensarnão na fragmentação de um multiculturalismo

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atomizado, mas na possibilidade de sistemas detrocas de outra escala, com parceiros até entãoimpensáveis, permitindo arranjos, iniciativas e ex-periências de diferentes matizes.

É evidente que não há como negar todosaqueles problemas apontados nos diagnósticoscom base em inúmeros e consistentes estudos ecomprovados também pela própria experiênciado dia-a-dia nas grandes cidades, nem, evidente-mente, as injunções dos interesses das grandescorporações transnacionais e das elites locais nossistemas decisórios sobre o ordenamento urbanoe sua influência nas condições de vida da popula-ção. Mas a pergunta que ainda paira é: isso étudo? Este cenário degradado esgota o leque dasexperiências urbanas? Não seria possível chegar aoutras conclusões, desvelar outros planos mudan-do este foco de análise, de longe e de fora, combase em outros métodos e instrumentos de pes-quisa,9 como os da antropologia, por exemplo?

É bem verdade que esta disciplina, como sesabe, elaborou seus métodos de investigação apartir principalmente do estudo de sociedades de-dicadas à coleta, à caça, à agricultura de subsis-tência e cujo modo de vida tem como base outrasformas de assentamento que não a cidade; porconseguinte, as estratégias da pesquisa etnográfi-ca, à primeira vista, não a credenciariam paradeslindar as complexidades da cidade contempo-rânea, imersa no sistema globalizado.

Entretanto, é também consenso que a antro-pologia não se define por um objeto determinado:mais do que uma disciplina voltada para o estudodos povos primitivos ela é, como afirma Merleau-Ponty, “a maneira de pensar quando o objeto é‘outro’ e que exige nossa própria transformação.Assim, também viramos etnólogos de nossa pró-pria sociedade, se tomarmos distância com rela-ção a ela” (1984, pp. 199-200).10

Essa questão da “distância” como condiçãopara a análise antropológica, assim como outras,correlatas – a relação sujeito/objeto, colocar-se ounão no lugar do outro, dar voz ao nativo, o caráterda participação na observação participante, a auto-ria do texto etnográfico – já rendeu muita discussãoe não será retomada aqui. Mas há um ponto quevale a pena identificar porque tem implicaçõespara o argumento deste artigo: trata-se da natureza,

da especificidade do conhecimento proporcionadopelo modo de operar da etnografia e que – deacordo com a hipótese que está sendo trabalhada– permite-lhe captar determinados aspectos da di-nâmica urbana que passariam desapercebidos, seenquadrados exclusivamente pelo enfoque dasvisões macro e dos grandes números.

A revisão de algumas tentativas para “cercar”a especificidade da etnografia pode ser revelado-ra: Peirano (1995), por exemplo, fala em “resíduos”– certos fatos que resistem às explicações habituaise só vêm à luz em virtude do confronto entre a teo-ria do pesquisador e as idéias nativas; Goldman(2001) refere-se à “possibilidade de buscar, atravésde uma espécie de ‘desvio etnográfico’, um pontode vista descentrado”;11 há que lembrar ainda os“anthropological blues” de Da Matta (1974) e a ex-pressão “experience-near versus experience-dis-tant” usada por Geertz (1983).

À sua maneira – com ênfases diferentes –cada uma dessas paráfrases, entre outras, deixamentrever alguns núcleos de significado recorrentes:o primeiro deles é uma atitude de estranhamentoe/ou exterioridade por parte do pesquisador emrelação ao objeto, a qual provém da influência desua cultura de origem e dos esquemas conceituaisde que está armado e que não é descartada pelofato de estar em contato com outra cultura e ou-tras explicações, as chamadas “teorias nativas”. Naverdade, essa co-presença, a atenção em ambas éque acaba provocando a ambigüidade, a possibili-dade de uma solução não prevista, um olhar des-centrado, uma saída inesperada.

Por outro lado, essa experiência tem efeitosno pesquisador: ela o “afeta” (Goldman, 2001);“transforma” (Merleay-Ponty, 1984), produz-se“nele” e, no limite, “converte” (Peirano, 1995). Opesquisador não apenas apreende o significadodo arranjo do nativo, mas ao perceber esse signi-ficado e conseguir descrevê-lo agora nos seus ter-mos (dele, analista), é capaz de atestar sua lógicae incorporá-la de acordo com os padrões de seupróprio aparato intelectual e até mesmo de seusistema de valores. Segundo Merleau-Ponty, “trata-se de construir um sistema de referência onde pos-sam encontrar lugar o ponto de vista do indígena,o do civilizado e os erros de um sobre o outro,construir uma experiência alargada que se torne,

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em princípio, acessível para homens de um outropaís e de um outro tempo” (1984, p. 199).

Num nível mais geral essa experiência temcomo condição o pressuposto de que ambos, pes-quisador e nativo, participam de um mesmo pla-no: o dos “fenômenos fundamentais da vida doespírito” (Lévi-Strauss, 1971, p. 28). Ambos sãodotados dos mesmos processos cognitivos quelhes permitem, numa instância mais profunda,uma comunhão para além das diferenças cultu-rais. Afinal, “as milhares de sociedades que exis-tem ou existiram sobre a superfície da terra sãohumanas e por esse título participamos delas demaneira subjetiva: poderíamos ter feito parte de-las e portanto podemos tentar compreendê-lascomo se fôsssemos parte delas” (idem, p. 26).

Por último cabe assinalar que o método et-nográfico não se confunde nem se reduz a umatécnica; pode usar ou servir-se de várias, confor-me as circunstâncias de cada pesquisa; ele é antesum modo de acercamento e apreensão do que umconjunto de procedimentos. Ademais, não é a ob-sessão pelos detalhes que caracteriza a etnografia,mas a atenção que se lhes dá: em algum momen-to, os fragmentos podem arranjar-se num todoque oferece a pista para um novo entendimento.

Em suma: a natureza da explicação pela viaetnográfica tem como base um insight que permitereorganizar dados percebidos como fragmentários,informações ainda dispersas, indícios soltos, numnovo arranjo que não é mais o arranjo nativo (masque parte dele, leva-o em conta, foi suscitado porele) nem aquele com o qual o pesquisador inicioua pesquisa. Este novo arranjo carrega as marcasde ambos: mais geral do que a explicação nati-va, presa às particularidades de seu contexto,pode ser aplicado a outras ocorrências; no entan-to, é mais denso que o esquema teórico inicialdo pesquisador, pois tem agora como referente o“concreto vivido”.

Assim, o que se propõe inicialmente com ométodo etnográfico sobre a cidade e sua dinâmicaé resgatar um olhar de perto e de dentro capaz deidentificar, descrever e refletir sobre aspectos ex-cluídos da perspectiva daqueles enfoques que,para efeito de contraste, qualifiquei como de forae de longe.

A proposta de uma etnografia urbana

A mudança de foco que a perspectiva antro-pológica possibilita, principalmente em função dométodo etnográfico, tem a vantagem de evitaraquela dicotomia que opõe, no cenário das gran-des metrópoles contemporâneas, o indivíduo e asmegaestruturas urbanas.

Essa polarização, presente em algumas dasposturas aqui expostas, pontua muitas análises ediagnósticos sobre a cidade contemporânea e podeser identificada mais claramente nos conhecidosdiscursos do senso comum sobre despersonaliza-ção, massificação, solidão etc., motes muito difun-didos e sempre à mão quando se quer discorrer so-bre os problemas dos grandes centros urbanos:

Em meio à multidão, o indivíduo está só. Ele cru-za diariamente com centenas de pessoas que nãoconhece. Essas pessoas vivem no mesmo meio,mas não convivem. A mesma metrópole produz asmassas e isola o indivíduo. Nesse contexto surgem,especialmente na literatura, temas que questionama perda dos laços sociais tradicionais e apontam abanalização da vida nas grandes cidades.12

Uma afirmação como essa, que evoca vagos“laços sociais tradicionais”, mas que passa ao lar-go das possibilidades e das alternativas que a vidacosmopolita propicia, desconhece a existência degrupos, redes, sistemas de troca, pontos de encon-tro, instituições, arranjos, trajetos e muitas outrasmediações por meio das quais aquela entidadeabstrata do indivíduo participa efetivamente, emseu cotidiano, da cidade.

A simples estratégia de acompanhar um des-ses “indivíduos” em seus trajetos habituais revelariaum mapa de deslocamentos pontuado por contatossignificativos, em contextos tão variados como o dotrabalho, do lazer, das práticas religiosas, associati-vas etc. É neste plano que entra a perspectiva deperto e de dentro, capaz de apreender os padrõesde comportamento, não de indivíduos atomiza-dos, mas dos múltiplos, variados e heterogêneosconjuntos de atores sociais cuja vida cotidianatranscorre na paisagem da cidade e depende deseus equipamentos.

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Se a perspectiva que classifico de perto e dedentro está associada à etnografia, não é todaproposta de pesquisa com base na antropologiaou referida ao método etnográfico que busca essetipo de conhecimento. Existe, por exemplo, umamodalidade que caracterizo como de passagem: elaconsiste em percorrer a cidade e seus meandrosobservando espaços, equipamentos e personagenstípicos com seus hábitos, conflitos e expedientes,deixando-se imbuir pela fragmentação que a suces-são de imagens e situações produz. O relato final,geralmente na forma de ensaio, termina por ex-pressar essa experiência por meio do uso de metá-foras que serão tanto mais sugestivas quanto maiora criatividade do analista e o leque de relações queestabelecer: “hibridização”, “porosidades”, “territo-rialidades flexíveis”, “não-lugares”, “configuraçõesespaço-temporais”, “paisagens disjuntivas” e outras.

Sem diminuir a importância das vantagensque essa estratégia de pesquisa pode proporcio-nar é preciso também estar atento a algumas con-seqüências que tal profusão terminológica e amultiplicidade de categorias a elas associadas po-dem acarretar: quando ainda presas ao plano dametáfora, é possível que terminem duplicando,no texto, a heterogeneidade percebida na expe-riência inicial.13 Um desafio para todos os quetêm a cidade contemporânea como tema de estu-do é, pois, o de construir modelos analíticos maiseconômicos que evitem o risco de se reproduzir,no plano de um discurso interpretativo, a frag-mentação pela qual as grandes metrópoles sãomuitas vezes representadas na mídia, nas artesplásticas, na fotografia e em intervenções artísti-cas no espaço público.14

Em todo caso, em vez de um olhar de pas-sagem, cujo fio condutor são as escolhas e o tra-jeto do próprio pesquisador, o que se propõe éum olhar de perto e de dentro, mas a partir dosarranjos dos próprios atores sociais, ou seja, dasformas por meio das quais eles se avêm paratransitar pela cidade, usufruir seus serviços, uti-lizar seus equipamentos, estabelecer encontros etrocas nas mais diferentes esferas – religiosida-de, trabalho, lazer, cultura, participação políticaou associativa etc.

Esta estratégia supõe um investimento emambos os pólos da relação: de um lado, sobre os

atores sociais, o grupo e a prática que estão sendoestudados e, de outro, a paisagem em que essaprática se desenvolve, entendida não como merocenário, mas parte constitutiva do recorte de aná-lise. É o que caracteriza o enfoque da antropologiaurbana, diferenciando-o da abordagem de outrasdisciplinas e até mesmo de outras opções no inte-rior da antropologia.

O pressuposto da totalidade

Há, entretanto, uma questão prévia: qual se-ria, na estratégia proposta, a unidade de análise?A cidade em seu conjunto ou cada prática cultu-ral em particular? Ou, nos termos de uma dicoto-mia mais conhecida, trata-se de antropologia dacidade ou na cidade?

Para introduzir essa questão, convém retomarum ponto comum às abordagens até aqui apresen-tadas: a maioria dos estudos que classifico comoolhar de fora e de longe dá pouca relevânciaàqueles atores sociais responsáveis pela tramaque sustenta a dinâmica urbana; quando apare-cem, são vistos através do prisma da fragmenta-ção, individualizados e atomizados no cenárioimpessoal da metrópole.

Entretanto, contrariamente às visões que privi-legiam, na análise da cidade, as forças econômicas,a lógica do mercado, as decisões dos investidores eplanejadores, proponho partir daqueles atores so-ciais não como elementos isolados, dispersos e sub-metidos a uma inevitável massificação, mas que,por meio do uso vernacular da cidade (do espaço,dos equipamentos, das instituições) em esferas dotrabalho, religiosidade, lazer, cultura, estratégias desobrevivência, são os responsáveis por sua dinâmi-ca cotidiana. Postulo partir dos atores sociais emseus múltiplos, diferentes e criativos arranjos cole-tivos: seu comportamento, na paisagem da cidade,não é errático mas apresenta padrões.

Partir das regularidades, dos padrões e nãodas “dissonâncias”, “desencontros”, “hibridizações”como condição da pesquisa supõe uma contrapar-tida no plano teórico: a idéia de totalidade comopressuposto. Não se trata, evidentemente, daquelatotalidade que evoca um todo orgânico, funcional,sem conflitos; tampouco se trata de uma totalida-

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de que coincide, no caso da cidade, com os seuslimites político-administrativos: em se tratando deSão Paulo, por exemplo, é impensável qualquerpretensão de etnografia de uma área de 1.525 km2

ocupada por cerca de doze milhões de pessoas.No entanto, renunciar a esse tipo de totalidadenão significa embarcar no extremo oposto: ummergulho na fragmentação. Se não se pode deli-mitar uma única ordem, isso não significa que nãohá nenhuma; há ordenamentos particularizados,setorizados; há ordenamentos, regularidades.

Uma primeira representação de totalidade,como pressuposto da etnografia, é aquela forneci-da pela clássica visão de uma comunidade emque os membros se conhecem, mantém relaçõesface-a-face, estão ligados por padrões de troca in-terpessoais etc.:

[...] defendo que os conhecimentos dos antropólo-gos sociais têm uma qualidade especial, devido àárea onde exercitam sua imaginação artística. Essaárea é o espaço vivo de alguma pequena comuni-dade de pessoas que vivem juntas em circunstân-cias em que a maior parte de suas comunicaçõesdiárias depende diretamente da interação. Isto nãoabrange toda a vida social humana, muito menosabrange toda a história humana. Mas todos os sereshumanos gastam grande parte das suas vidas emcontextos desta espécie (Leach, 1989, pp. 50-51).

A essa perspectiva podem-se agregar as co-nhecidas passagens – a de Evans-Pritchard, “da por-ta da minha barraca podia ver o que acontecia noacampamento ou aldeia” (1978 [1940], p. 20) e a deMalinowski, “no meu passeio matinal pela aldeia,podia observar detalhes íntimos da vida familiar [...]”(1978, p. 21). Não obstante as críticas que recebe-ram de autores pós-modernos, essas imagens per-manecem associadas a situações de pesquisa não sóno contexto das “sociedades de pequena escala”:continuam tentadoras para circunscrever o entornode uma pesquisa com personagens identificados econhecidos, no interior de fronteiras bem definidas.Em outro trabalho (Magnani, 2000, p. 20) discuti suaaplicação no cenário das grandes cidades contem-porâneas, caracterizando-a justamente com a ex-pressão “a tentação da aldeia”.

Mas se um recorte bem estabelecido é condi-ção para o bom exercício da etnografia, a exigênciade totalidade vai além dessa necessidade de se po-

der contar com o objeto da pesquisa no interior delimites demarcados. Uma incursão pela etnologiaindígena pode esclarecer: se uma delimitação espa-cial concreta – a aldeia, o acampamento, uma por-ção definida do território, a jusante ou a montantede tal ou qual rio – é imprescindível para fundar aobservação etnográfica, outros recortes, contudo,mais amplos, são mobilizados para situar, avaliar,comparar o detalhe das etnografias. Assim, referên-cias como “paisagem amazônica”, “terras baixas sul-americanas” e outras, presentes nos textos de etno-logia indígena, permitem determinar recorrências epadrões de troca e comunicação mais amplos nosplanos da cosmologia, do xamanismo, da mitologia,dos rituais etc.: sem essa passagem corre-se o riscode ficar preso aos estreitos limites de um estudo decaso. A questão da totalidade coloca-se, dessa ma-neira, em múltiplos planos e escalas.

Uma segunda característica da totalidadecomo pressuposto da etnografia diz respeito à du-pla face que apresenta: de um lado, a forma comoé vivida pelos atores sociais e, de outro, como épercebida e descrita pelo investigador.

Numa conhecida passagem da “Introdução àobra de Marcel Mauss”, em que Lévi-Strauss mostrade que maneira elementos de natureza muito dife-rente podem chegar a se articular num fato social,e que só sob esta forma podem ter uma significa-ção global, transformando-se numa totalidade, oautor afirma que a garantia de que tal fato “corres-ponda à realidade e não seja uma simples acumu-lação arbitrária de detalhes mais ou menos certos”é que seja conhecido no interior de uma experiên-cia concreta, desde um plano mais social, localiza-da no tempo e no espaço, até o plano do indivíduo(Lévi-Strauss, in Mauss, 1971, p. 24).

Para ficar no campo da antropologia urbana,quem já estudou terreiros de candomblé, gruposde jovens, escolas de samba, torcidas organizadasde futebol etc. sabe muito bem que nestes e emoutros casos análogos há uma totalidade vivamen-te experimentada tanto como recorte de fronteiraquanto como código de pertencimento pelos inte-grantes do grupo. Tomando como exemplo a ca-tegoria de pedaço que expus em outros trabalhos,é também evidente, por parte de seus integrantes,uma percepção imediata, clara, sem nuanças ouambigüidades a respeito de quem é ou não é do

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pedaço: é uma experiência concreta e compartilha-da. O analista, por sua vez, também percebe talexperiência e a descreve: essa modalidade parti-cular de encontro, troca e sociabilidade supõe apresença de elementos mínimos estruturantes quea tornam reconhecível em outros contextos.

Assim, uma totalidade consistente em ter-mos da etnografia é aquela que, experimentada ereconhecida pelos atores sociais, é identificadapelo investigador, podendo ser descrita em seusaspectos categoriais: para os primeiros, é o con-texto da experiência, para o segundo, chave deinteligibilidade e princípio explicativo. Posto quenão se pode contar com uma totalidade dada apriori, postula-se uma a ser construída a partir daexperiência dos atores e com a ajuda de hipótesesde trabalho e escolhas teóricas, como condiçãopara que se possa dizer algo mais que generalida-des a respeito do objeto de estudo.

Portanto, aqueles dois planos a que se fezalusão anteriormente – o da cidade em seu con-junto e o de cada prática cultural assignada a esteou àquele grupo de atores em particular – devemser considerados como dois pólos de uma relaçãoque circunscrevem, determinam e possibilitam adinâmica que se está estudando.

Para captar essa dinâmica, por conseguinte, épreciso situar o foco nem tão de perto que se con-funda com a perspectiva particularista de cadausuário e nem tão de longe a ponto de distinguirum recorte abrangente, mas indecifrável e despro-vido de sentido. Em outros termos, nem no níveldas grandes estruturas físicas, econômicas, institu-cionais etc., nem no das escolhas individuais: háplanos intermediários onde se pode distinguir a pre-sença de padrões, de regularidades. E para identifi-car essas regularidades e poder construir, como re-ferência, algum tipo de totalidade no interior da qualseu significado possa ser apreciado, é preciso contarcom alguns instrumentos, algumas categorias deanálise, como será discutido a seguir.

A família de categorias

Essas totalidades são identificadas e descri-tas por categorias que apresentam, conforme jáafirmado, um duplo estatuto: surgem a partir do

reconhecimento de sua presença empírica, naforma de arranjos concretos e efetivos por partedos atores sociais, e podem também ser descritasnum plano mais abstrato. Neste caso, constituemuma espécie de modelo, capaz de ser aplicado acontextos distintos daquele em que foram inicial-mente identificados. São, portanto, resultado dopróprio trabalho etnográfico, que reconhece os ar-ranjos nativos mas que os descreve e trabalha numplano mais geral, identificando seus termos e arti-culando-os em sistemas de relações. A noção depedaço, por exemplo, supõe uma referência espa-cial, a presença regular de seus membros e um có-digo de reconhecimento e comunicação entre eles.

Esta, aliás, é a primeira de uma série de ca-tegorias que terminaram conformando uma “fa-mília” terminológica – pedaço, trajeto, mancha,pórtico, circuito – e surgiu no contexto de umapesquisa sobre lazer na periferia de São Paulo.15

Contrariamente a uma visão corrente, para aqual o lazer era uma questão de pouca relevân-cia no cotidiano dos trabalhadores, o que seconstatou por meio da observação de campo foium amplo e variado leque de usos do tempo li-vre nos finais de semana dos bairros de periferia:circos, bailes, festas de batizado, aniversário e ca-samento, torneios de futebol de várzea, quermes-ses, comemorações e rituais religiosos, excursõesde farofeiros, passeios etc. Eram, evidentemente,modalidades simples e tradicionais, que não ti-nham o brilho e a sofisticação das últimas novi-dades da indústria do lazer, nem apresentavamconotações políticas ou de classe explícitas, masestavam profundamente vinculadas ao modo devida e às tradições dessa população.

Observando mais de perto as regras que pre-sidem o uso do tempo livre por intermédio dessasformas de lazer, verificou-se que sua dinâmica iamuito além da mera necessidade de reposição dasforças despendidas durante a jornada de trabalho:representava, antes, uma oportunidade, por meiode antigas e novas formas de entretenimento e en-contro, de estabelecer, revigorar e exercitar aquelasregras de reconhecimento e lealdade que garantemuma rede básica de sociabilidade.

Por outro lado, essas modalidades de lazertampouco constituíam um todo indiferenciado,disponível e desfrutável por todos, de forma alea-

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tória: havia uma ordem. Era possível distinguir,por exemplo, formas de entretenimento caracte-rísticas de homens, por oposição às de mulheres;de crianças versus de adultos; de rapazes e moças,e assim por diante.

Tomando como ponto de partida o espaçoonde eram praticadas, foi possível distinguir umsistema de oposições cujos primeiros termos são“em casa” versus “fora de casa”. No primeiro deles,“em casa”, estavam aquelas formas de lazer associa-das a ritos que celebram as mudanças significativasno ciclo vital e tinham como referência a família,ou seja, festas de batizado, aniversário, casamentoetc. O segundo termo da oposição, “fora de casa”,subdividia-se, por sua vez, em “na vizinhança” e“fora da vizinhança”. O primeiro englobava locaisde encontro e lazer – bares, lanchonetes, salões debaile, salões paroquiais e terreiros de candombléou umbanda, campos de futebol de várzea, o circoetc. – que se situavam nos limites da vizinhança.Estavam, portanto, sujeitos a uma determinada for-ma de controle, do tipo exercido por gente que seconhece de alguma maneira – seja por morar per-to, seja por utilizar os mesmos equipamentos,como ponto de ônibus, telefone público, armazém,farmácia, centro de saúde, quadra de esportes,quando disponíveis.

Quando o espaço – ou um segmento dele –assim demarcado torna-se ponto de referênciapara distinguir determinado grupo de freqüenta-dores como pertencentes a uma rede de relações,recebia o nome de “pedaço”:

O termo na realidade designa aquele espaço in-termediário entre o privado (a casa) e o público,onde se desenvolve uma sociabilidade básica,mais ampla que a fundada nos laços familiares,porém mais densa, significativa e estável que asrelações formais e individualizadas impostas pelasociedade (Magnani, 1998, p. 116).

Uma primeira análise mostrou que essa no-ção era formada por dois elementos básicos: umde ordem espacial, física – configurando um ter-ritório claramente demarcado ou constituído porcertos equipamentos – e outro social, na formade uma rede de relações que se estendia sobreesse território.

As características desses equipamentos defi-nidores de fronteiras (bares, lanchonetes, salões,campo de futebol etc.) mostravam que o territórioassim delimitado constituía um lugar de passageme encontro. Entretanto, não bastava passar poresse lugar ou mesmo freqüentá-lo com alguma re-gularidade para ser do pedaço; era preciso estar si-tuado (e ser reconhecido como tal) numa peculiarrede de relações que combina laços de parentes-co, vizinhança, procedência, vínculos definidospor participação em atividades comunitárias e des-portivas etc. Assim, era o segundo elemento – arede de relações – que instaurava um código capazde separar, ordenar e classificar: era, em últimaanálise, por referência a esse código que se podiadizer quem era e quem não era “do pedaço” e emque grau (“colega”, “chegado”, “xará” etc.).

Essa categoria, nativa, acabou transcendendoo locus de sua aplicação originária e, a partir deum diálogo com outras propostas, como a repre-sentada pela oposição rua versus casa de Rober-to Da Matta, passou a ser usada para designar umtipo particular de sociabilidade e apropriação doespaço urbano.

Segundo a conhecida fórmula damattiana,têm-se dois planos, cada qual enfeixando de for-ma paradigmática uma série de atitudes, valores ecomportamentos, uma delas referida ao público e,a outra, ao privado. O pedaço, porém, apontavapara um terceiro domínio, intermediário entre arua e a casa: enquanto esta última é o lugar da fa-mília, à qual têm acesso os parentes e a rua é dosestranhos (onde, em momentos de tensão e am-bigüidade, recorre-se à fórmula “você sabe comquem está falando?” para delimitar posições emarcar direitos), o pedaço é o lugar dos colegas,dos chegados. Aqui não é preciso nenhuma inter-pelação: todos sabem quem são, de onde vêm,do que gostam e o que se pode ou não fazer.

Desta forma, uma categoria nativa termi-nou sendo descrita em termos mais formais, oque permitiu experimentar sua aplicação em ou-tros contextos.

Até então o contexto era o bairro na perife-ria de São Paulo. A questão levantada em Festa noPedaço, contudo, resultou em novo projeto depesquisa16 e a primeira pergunta foi sobre o que

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aconteceria em outras partes do território urbano– as regiões centrais, por exemplo –, de um modogeral caracterizadas pelo anonimato e pela impes-soalidade nas relações e percorridas por gente devárias procedências. Como se estabelecem, aí, asredes de sociabilidade, já não marcadas por rela-ções de vizinhança ou por práticas compartilha-das no horizonte do dia-a-dia?

Não foi difícil reconhecer a existência de pe-daços em regiões centrais da cidade, quando setratava de áreas marcadamente residenciais: a ló-gica era a mesma. Em outros pontos, porém, usa-dos principalmente como lugares de encontro elazer, havia uma diferença com relação à idéia ori-ginal de pedaço: aqui, diferentemente do queocorria no contexto da vizinhança, os freqüenta-dores não necessariamente se conheciam – aomenos não por intermédio de vínculos construí-dos no dia-a-dia do bairro – mas sim se reconhe-ciam como portadores dos mesmos símbolos queremetem a gostos, orientações, valores, hábitos deconsumo e modos de vida semelhantes.

O componente espacial do pedaço, aindaque inserido num equipamento ou espaço demais amplo acesso, não comporta ambigüidadesdesde que esteja impregnado pelo aspecto simbó-lico que lhe empresta a forma de apropriação ca-racterística. Um trecho do relatório de pesquisatorna clara essa idéia:

[...] Nessa rua, [24 de maio] destaca-se uma dastantas galerias da região: Centro Comercial Presi-dente, ocupada por lojas de discos “funk”, “disco”e outros ritmos dançantes (Disco Mania Blacks,Truck’s Discos), além de outros serviços como ca-beleireiros “black” (Gê Curl Wave, Almir BlackPower, Gueto Black Power) que reforçam a parti-cular gramática de sua ocupação característica: éum pedaço negro que aglutina rapazes e moçasem torno de algumas marcas de negritude comodeterminada estética, música, ritmo, freqüência ashows e danceterias (Chic Show. Zimbabwe, Ski-na Club etc.) (“Os Pedaços da Cidade”, relatóriode pesquisa, p. 52).

Gangues, bandos, turmas, galeras exibem –nas roupas, nas falas, na postura corporal, nas pre-ferências musicais – o pedaço a que pertencem.Neste caso, já não se trata de espaço marcado pela

moradia, pela vizinhança, mas o “efeito pedaço”continua: venham de onde vierem, o que buscamé um ponto de aglutinação para a construção e ofortalecimento de laços. Quando jovens negrossaem de suas casas e dirigem-se a esse seu pedaçolocalizado no Centro Comercial Presidente17 não ofazem, necessariamente, com o objetivo de dar um“trato no visual” ou comprar discos, vão até lá paraencontrar seus iguais, exercitar-se no uso dos códi-gos comuns, apreciar os símbolos escolhidos paramarcar as diferenças. É bom estar lá, “rola um papolegal”, fica-se sabendo das coisas... e é assim queessa rede da sociabilidade vai sendo tecida.

Portanto, se a categoria pedaço revelou-seútil para descrever uma forma de sociabilidadeem outro contexto que não o de sua origem, noâmbito da vizinhança e do bairro foi preciso,como se viu, proceder a alguns ajustes.

Mas a incursão pelo centro iria mostrar ou-tros padrões de uso e ordenação do espaço. Exis-te uma forma de apropriação quando se trata delugares que funcionam como ponto de referênciapara um número mais diversificado de freqüenta-dores. Sua base física é mais ampla, permitindo acirculação de gente oriunda de várias procedên-cias e sem o estabelecimento de laços mais estrei-tos entre eles. São as manchas, áreas contíguas doespaço urbano dotadas de equipamentos quemarcam seus limites e viabilizam – cada qual comsua especificidade, competindo ou complemen-tando – uma atividade ou prática predominante.Numa mancha de lazer, os equipamentos podemser bares, restaurantes, cinemas, teatros, o café daesquina etc., os quais, seja por competição sejapor complementação, concorrem para o mesmoefeito: constituir pontos de referência para a prá-tica de determinadas atividades. Já uma manchacaracterizada por atividades ligadas à saúde, porexemplo, geralmente se constitui em torno deuma instituição do tipo âncora – um hospital –,agrupando os mais variados serviços (farmácias,clínicas particulares, serviços radiológicos, labora-tórios etc.), e assim por diante.

As marcas dessas duas formas de apropria-ção e uso do espaço – pedaço e mancha – na pai-sagem mais ampla da cidade são diferentes. Noprimeiro caso, em que o fator determinante é

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constituído pelas relações estabelecidas entre seusmembros (como resultado do manejo de símbolose códigos), o espaço como ponto de referência érestrito, interessando mais a seus habitués. Comfacilidade muda-se de ponto, quando então seleva junto o pedaços.

A mancha, ao contrário, sempre aglutinadaem torno de um ou mais estabelecimentos, apre-senta uma implantação mais estável tanto napaisagem como no imaginário. As atividades queoferece e as práticas que propicia são o resultadode uma multiplicidade de relações entre seus equi-pamentos, edificações e vias de acesso, o que ga-rante uma maior continuidade, transformando-a,assim, em ponto de referência físico, visível e pú-blico para um número mais amplo de usuários.

Diferentemente do que ocorre no pedaço,para onde o indivíduo se dirige em busca dosiguais, que compartilham os mesmos códigos, amancha cede lugar para cruzamentos não previs-tos, para encontros até certo ponto inesperados,para combinatórias mais variadas. Numa determi-nada mancha sabe-se que tipo de pessoas ou ser-viços se vai encontrar, mas não quais, e é esta aexpectativa que funciona como motivação paraseus freqüentadores.

A cidade, contudo, não é um aglomerado depontos, pedaços ou manchas excludentes: as pes-soas circulam entre eles, fazem suas escolhas en-tre as várias alternativas – este ou aquele, este eaquele e depois aquele outro – de acordo comuma determinada lógica. Mesmo quando se diri-gem a seu pedaço habitual, no interior de deter-minada mancha, seguem caminhos que não sãoaleatórios. Está-se falando de trajetos.

O termo trajeto surgiu da necessidade de secategorizar uma forma de uso do espaço que sediferencia, em primeiro lugar, daquele descritopela categoria pedaço. Enquanto esta última,como foi visto, remete a um território que funcio-na como ponto de referência – e, no caso da vidano bairro, evoca a permanência de laços de família,vizinhança, origem e outros –, trajeto aplica-se afluxos recorrentes no espaço mais abrangente dacidade e no interior das manchas urbanas. É a ex-tensão e, principalmente, a diversidade do espaçourbano para além do bairro que colocam a neces-sidade de deslocamentos por regiões distantes e

não contíguas: esta é uma primeira aplicação dacategoria: na paisagem mais ampla e diversificadada cidade, trajetos ligam equipamentos, pontos,manchas, complementares ou alternativos.

Outra aplicação é no interior das manchas.Tendo em vista que elas supõem uma presençamais concentrada de equipamentos, cada qual con-correndo, à sua maneira, para a atividade que lhedá a marca característica, os trajetos, nelas percor-ridos, são de curta extensão, na escala do andar: re-presentam escolhas ou recortes no interior daquelamancha, entendida como uma área contígua.

Assim, a idéia de trajeto permite pensar tantouma possibilidade de escolhas no interior das man-chas como a abertura dessas manchas e pedaçosem direção a outros pontos no espaço urbano e,por conseqüência, a outras lógicas. Sem essa aber-tura corre-se o risco de cair numa perspectiva reifi-cadora, restrita e demasiadamente “comunitária” daidéia de pedaço – com seus códigos de reconheci-mento, laços de reciprocidade, relações face-a-face.Afirmou-se que pedaço é aquele espaço interme-diário entre a casa (o privado) e o público ou, parautilizar um sistema de oposições já consagrado,entre casa e rua. Não é, contudo, um espaço fe-chado e impermeável a uma e outra, ao contrário.É a noção de trajeto que abre o pedaço para fora,para o âmbito do público.

Os trajetos levam de um ponto a outro pormeio dos pórticos. Trata-se de espaços, marcos e va-zios na paisagem urbana que configuram passa-gens. Lugares que já não pertencem à mancha decá, mas ainda não se situam na de lá; escapam aossistemas de classificação de uma e outra e, comotal, apresentam a “maldição dos vazios fronteiri-ços”.18 Terra de ninguém, lugar do perigo, preferidopor figuras liminares e para a realização de rituaismágicos – muitas vezes lugares sombrios que é pre-ciso cruzar rapidamente, sem olhar para os lados...

Há, por fim, a noção de circuito. Trata-se deuma categoria que descreve o exercício de umaprática ou a oferta de determinado serviço pormeio de estabelecimentos, equipamentos e espa-ços que não mantêm entre si uma relação de con-tigüidade espacial, sendo reconhecido em seuconjunto pelos usuários habituais: por exemplo, ocircuito gay, o circuito dos cinemas de arte, o cir-cuito neo-esotérico, dos salões de dança e shows

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black, do povo-de-santo, dos antiquários, dosclubblers e tantos outros.

Retomando, para melhor diferenciar: aindaque pedaço e mancha tenham em comum umareferência espacial bem delimitada, a relação dopedaço com o espaço é mais transitória, poispode mudar-se de um ponto a outro sem se dis-solver, já que seu outro componente constitutivoé o simbólico, em razão da forte presença de umcódigo comum. Já a mancha – delineada pelosequipamentos que se complementam ou compe-tem entre si no oferecimento de determinadobem ou serviço – apresenta uma relação mais es-tável com o espaço e é mais visível na paisagem:é reconhecida e freqüentada por um círculo maisamplo de usuários.

A noção de circuito também designa umuso do espaço e de equipamentos urbanos –possibilitando, por conseguinte, o exercício dasociabilidade por meio de encontros, comuni-cação, manejo de códigos –, porém de formamais independente com relação ao espaço, semse ater à contigüidade, como ocorre na manchaou no pedaço. Mas tem, igualmente, existênciaobjetiva e observável: pode ser levantado,descrito e localizado.

Em princípio, faz parte do circuito a totali-dade dos equipamentos que concorrem para aoferta de tal ou qual bem ou serviço, ou para oexercício de determinada prática, mas algunsdeles acabam sendo reconhecidos como ponto dereferência e de sustentação à atividade. Mais doque um conjunto fechado, o circuito pode serconsiderado um princípio de classificação. Nessesentido, é possível distinguir um circuito principalque engloba outros, mais específicos: o circuitodos acupunturistas ou o dos astrólogos, por exem-plo, fazem parte do circuito principal neo-esotéri-co e com ele mantém contatos, vínculos e trocas.

Por outro lado, o circuito comporta váriosníveis de abrangência e a delimitação de seucontorno depende das perguntas colocadas pelopesquisador. O povo-de-santo na cidade, comomostrou Rita de Cássia Amaral (2000), tem seucircuito e seu modo de vida, mas é possível, porexemplo, dependendo dos objetivos da pesqui-sa, delimitar e considerar apenas o circuito dascasas africanizadas, ou estendê-lo para as de-

mais, incluindo ou não os terreiros de ascendên-cia angola e até os de umbanda; saindo do terre-no propriamente religioso, o circuito podeabranger a capoeira, as escolas de samba, os afo-xés e também escolas de dança, exposições dearte africana, restaurantes, e assim por diante.

Em cada um desses recortes está-se em con-tato com o mesmo sistema simbólico e de trocas– continua sendo o universo do povo-de-santo –mas a cada ampliação (ou redução) do âmbito,sem que se perca a referência com um campo re-conhecido pelos usuários, está-se trabalhandocom questões diferentes, definidas de acordocom os propósitos, as perguntas e a literaturaacionada da pesquisa.

As aplicações a outros temas de pesquisapodem multiplicar-se: assim, na minha pesquisasobre neo-esoterismo urbano (Magnani, 1999),tema em que a fragmentação parecia ser a nor-ma, pude descrever vários circuitos derivados docircuito neo-esotérico principal. Um deles é ocircuito do xamanismo urbano (idem, 2000) quepode incluir xamãs indígenas, psicólogos, tera-peutas corporais, ayahuasqueiros, fitoterapeutase, com relação aos espaços, articula consultóriosna cidade com sítios nos arredores da capitalpaulistana (para os rituais) e contatos em outrasregiões do país (Chapada Diamantina, dos Vea-deiros etc.) e do exterior.

Rosani Rigamonte (2001) mostrou que acultura nordestina na cidade de São Paulo seapóia num circuito que inclui não apenas as co-nhecidas Casas do Norte e os forrós tradicionais,mas também pequenas cidades do interior baia-no como Piripá, Barrinha, Condeúba, as quais,entre outras, recebem considerável revoada denordestinos já morando em São Paulo por oca-sião das festas juninas. Sua inclusão no circuitonão se dá como uma referência distante e nostál-gica, mas como pólo efetivo num sistema de tro-cas de longo alcance, pois envolve, ademais, umparticular mecanismo de envio de cartas, dinhei-ro e bens de consumo durante todo o ano, pormeio de uma rede paralela de transporte. Seuponto de partida e chegada é uma praça na zonanorte da capital, a praça Silvio Romero que, nasmanhãs de domingo, transforma-se num pedaçonordestino, freqüentada por quem pretende en-

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viar encomendas a seus familiares ou deles espe-ra alguma notícia.

Bruna Mantese, em sua pesquisa sobre osstraight edge, mostra que o circuito desse seg-mento da cena punk hardcore estabelece umaconexão com o dos Hare Krishna e que, em vezde essa aproximação servir como exemplo demais uma “dissonância” na metrópole, apresentaum consistente padrão de troca, com base numinteresse comum (ainda que por motivações dife-rentes, religiosas num caso, políticas em outro)entre esses dois grupos, aparentemente tão dis-tantes: o vegetarianismo.19

Este é, pois, um procedimento que permiteencarar o problema do “caos semiológico”, aquelaimpressão que se tem cada vez que se isola umdeterminado indivíduo confrontando-o diretamen-te com a cidade; nessas condições, é inevitável asensação de anonimato, fragmentação, desordem.Essa impressão, como já foi dito, é o efeito de umolhar de longe e de fora; ajustando-se devidamen-te o foco da análise, contudo, é possível perceberos diferentes circuitos que o usuário reconhece epercorre ao estabelecer seus próprios trajetos, sejanos planos profissional, do lazer, do consumo, daspráticas devocionais, das estratégias de sobrevi-vência e participação e muitos outros.

Conclusão

Como propósito mais geral, este trabalhopostulava que a antropologia tinha uma contribui-ção específica para o entendimento das questõesurbanas contemporâneas, diferenciando-se, pormeio do enfoque etnográfico, das abordagens deoutras perspectivas e disciplinas. Essa propostaprevia também uma delimitação no amplo e vagocampo conhecido como “antropologia das socie-dades complexas”, reservando a denominação deantropologia urbana stricto sensu para o estudo degrupos sociais e suas práticas quando propriamen-te inscritos na trama da cidade, isto é, articuladosna e com a paisagem, equipamentos ou institui-ções urbanas, considerados não um mero cenário,mas uma parte constitutiva dessas práticas.

Trata-se de uma primeira aproximação àcomplexidade da dinâmica urbana contemporâ-

nea: nesse plano, a unidade de análise da antro-pologia urbana seria constituída pelas diferentespráticas e não pela cidade como uma totalidadeou uma forma específica de assentamento, confi-gurando o que se entende antes por antropologiana cidade e não – ao menos não ainda – comouma antropologia da cidade.

Para identificar essas práticas e seus agentes,foi proposta uma estratégia que recebeu a deno-minação de um olhar de perto e de dentro, em con-traste com visões que foram classificadas como defora e de longe. Ao partir dos próprios arranjos de-senvolvidos pelos atores sociais em seus múltiploscontextos de atuação e uso do espaço e das estru-turas urbanas, este olhar vai além da fragmentaçãoque, à primeira vista, parece caracterizar a dinâmi-ca das grandes cidades e procura identificar as re-gularidades, os padrões que presidem o compor-tamento dos atores sociais. Supõe recortes bemdelimitados que possibilitam o costumeiro exercí-cio da cuidadosa descrição etnográfica.

Identificar essas práticas significa que o re-corte escolhido faz sentido tanto para os própriosatores como para o analista: trata-se de uma tota-lidade empiricamente definida, mas que, capaz deter os elementos que os estruturam reconhecíveiscomo padrões, pode ser descrita, formalizada,constituindo um modelo mais geral. Aponta parauma lógica que transcende o contexto original,com poder descritivo e explicativo.

Desenvolvi algumas categorias que descre-vem as formas como podem se apresentar algunsdesses recortes na paisagem urbana – pedaço,mancha, trajeto, circuito – procurando mostrar aspossibilidades que abrem para identificar diferen-tes situações da dinâmica cultural e da sociabilida-de na metrópole: a noção de pedaço evoca laçosde pertencimento e estabelecimentos de fronteiras,mas pode estar inserida em alguma mancha, demaior consolidação e visibilidade na paisagem;esta, por sua vez, comporta vários trajetos comoresultado das escolhas que propicia a seus fre-qüentadores. Já circuito, que aparece como umacategoria capaz de dar conta de um regime de tro-cas e encontros no contexto mais amplo e diversi-ficado da cidade (e até para fora dela), pode en-globar pedaços e trajetos particularizados.

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Como se vê, essas categorias não se exclueme são justamente as passagens e articulações entreseus domínios que permitem levar em conta, norecorte da pesquisa, as escalas das cidades e os di-ferentes planos da análise. Elas constituem umagramática que permite classificar e descrever amultiplicidade das escolhas e os ritmos da dinâmi-ca urbana não centrados na escolhas de indiví-duos, mas em arranjos mais formais em cujo inte-rior se dão essas escolhas.

As grandes metrópoles contemporâneas nãopodem ser vistas simplesmente como cidades quecresceram demais e desordenadamente, potencia-lizando fatores de desagregação. Elas tambémpropiciaram a criação de novos padrões de trocae de espaços para a sociabilidade e para os rituaisda vida pública. De pouco vale generalizar o de-saparecimento da velha rua, tida como símbolopor antonomásia do espaço público, nem se limi-tar a proclamar que sua função foi ocupada pelas“tiranias da intimidade” ou por zonas desprovidasde sociabilidade: se em determinados contextosficou inviável como suporte de antigos usos, a ex-periência da vida pública a que está associadapode ser encontrada em novos arranjos. Um de-terminado segmento do circuito de lazer, articu-lando pontos distantes na cidade, é tão real e sig-nificativo para seus usuários, quanto a vizinhançano contexto do bairro.

No entanto, cabe reafirmar, por fim, que ameta é seguir em busca de uma lógica mais geral.Do olhar de perto e de dentro, próprio da etnogra-fia, para um olhar distanciado, em direção, aí sim,a uma antropologia da cidade, procurando desve-lar a presença de princípios mais abrangentes eestruturas de mais longa duração. É somente porreferência a planos e modelos mais amplos que sepode transcender, incorporando-o, o domínio emque se movem os atores sociais, imersos em seuspróprios arranjos, ainda que coletivos.

NOTAS

1 Este artigo tem como base uma comunicação queapresentei no I Ciclo de Seminários do Centro deEstudos da Metrópole, em agosto de 2001 no Ce-brab, São Paulo, e o Relatório “Os caminhos da me-trópole”, apresentado ao CNPq no final de um pe-

ríodo de pesquisa com bolsa PQ (2001). Agradeço aPiero Leirner, Rita de Cássia Amaral e Luiz Henriquede Toledo, do Núcleo da Antropologia Urbana(NAU), pela leitura da primeira versão, comentáriose sugestões.

2 Borja, (1995, p. 11). Prossegue o depoimento: [...]“Respondi-lhe: sim, é verdade, mas interessa-memais ver que tipo de respostas é possível dar a es-ses problemas. Então já não lhe interessou a entre-vista e a desmarcou. Já estávamos esperando naporta do estúdio para começar e mesmo assim adesmarcou” [tradução minha].

3 Outro conceito afim é o de “cidades-regiões glo-bais”. Cf. Scott, J. Allen et al., 2001.

4 Ver, por exemplo, o contraponto feito por Caldeira(2000) entre Los Angeles e São Paulo. Marques eTorres (2000), entretanto, discutem a pertinência daaplicação da categoria “cidade global” ao caso deSão Paulo e sua posição relativa no sistema mundialde cidades.

5 Integram o grupo dos catalães, entre outros, JordiBorja e Manuel de Forn e, em certa medida, tam-bém Manuel Castells.

6 Entre outros, a Eco 92, no Rio de Janeiro, e a Habi-tat II, realizada em Istambul, Turquia, de 4 a 14 dejunho de 1996. Em São Paulo podem ser citados oencontro em que Jordi Borja proferiu a conferênciaLa Ciudad Mundial, o “Encontro Centro XXI” orga-nizado pela Associação Viva o Centro (São Paulo),em 1994, como etapa preparatória para o SeminárioInternacional Centro XXI. E “Cultura e cidade: Semi-nário Brasil-Alemanha”, realizado no Instituto Goe-the de São Paulo, de 7 a 9 de junho de 2000, quecontou com a participação de pesquisadores daUSP, Unicamp, UNB e, entre as instituições alemãs,a Universidade de Hannover, a Universidade deBerlim e a Fundação Bauhaus.

7 Foi muito festejada, na mídia, a intervenção comraio laser no Viaduto do Anhangabaú, por ocasiãode uma das etapas do projeto “Arte e cidade” , em1996, e que, por alguns segundos, projetava a ima-gem do transeunte num imenso painel, dando-lhemomentâneo destaque, retirando-o do “anonimatoda multidão”. Ora, bastaria acompanhar um poucomais esse mesmo transeunte em seu trajeto paraperceber a rede de relações (trabalho, devoção, la-zer, vizinhança etc.) a que está integrado.

8 Note-se que mesmo na análise de Sharon Zukin, o“vernacular” é, por definição, o elemento dominadoda paisagem, sempre modelada pelas instituiçõesdetentoras do poder (2000, p. 84).

9 Cabe aqui mais um esclarecimento: a escolha desteenfoque não significa descartar estratégias e mode-

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los de análise abrangentes sobre a cidade com baseem técnicas de pesquisa que privilegiam dadosquantitativos, documentais etc; ao contrário, pensoque são complementares e o foco aqui proposto ga-nha outra dimensão quando aliado às conclusões deestudos conduzidos com outras metodologias, le-vando-se em conta as questões que só podem serlevantadas por eles.

10 O termo que Merleau-Ponty usa é, na realidade, “et-nologia”; é ainda comum, em determinados contex-tos, a intercambiabilidade entre antropologia, etno-logia e etnografia. As distinções entre esses termosvariam e dependem de uma série de injunções, des-de as acadêmico-institucionais até as de tradiçõesnacionais. Lévi-Strauss vincula a etnografia ao traba-lho de campo e a um recorte mais delimitado do ob-jeto de estudo, associando etnologia e antropologiaao estabelecimento de sínteses sucessivamente maisabrangentes. No entanto, afirma que “etnografia, et-nologia e antropologia não constituem três discipli-nas diferentes, ou três concepções dos mesmos es-tudos. São, de fato, três etapas ou três momentos deuma mesma pequisa e a preferência por este ouaquele destes termos exprime somente uma atençãopredominante voltada para um tipo de pesquisa quenão poderia nunca ser exclusiva dos dois outros”(Lévi-Strauss, 1991 [1954], p. 396).

11 “Creio que uma outra possibilidade para a ‘antropo-logia das sociedades complexas’ é manter o foco tra-dicional da disciplina nas instituições centrais da so-ciedade estudada e buscar, através de uma espéciede “desvio etnográfico”, um ponto de vista descen-trado. No caso da política, tratar-se-ia de encarar asrepresentações nativas sobre os processos políticosdominantes como verdadeiras teorias políticas pro-duzidas por observadores suficientemente desloca-dos em relação ao objeto para que possam produzirvisões realmente alternativas às dominantes, e deusar tais representações e teorias como guias para aanálise antropológica” (2001, p. 7). Essa preocupa-ção, no campo antropológico, com o estudo das ins-tituições centrais da sociedade, começa a sedimentarreflexões mais sistemáticas, como ocorre no NUAP,Núcleo de Antropologia da Política, e também noNAU (Núcleo de Antropologia Urbana da USP); paraeste último caso, cf. Bevilaqua e Leirner (2000).

12 Trecho do editorial “Uma rede de solidão”, Folha deS. Paulo, 20 de fevereiro de 2000.

13 Ver, a propósito, a análise de Ulf Hannerz (1997) so-bre três metáforas – fluxos, fronteiras e híbridos –na antropologia que denomina de “transnacional”,voltada para os estudos sobre a globalização. Parauma polarização de dois estilos de etnografia, vera contraposição feita por Geertz (2001) entre PierreClastres e James Clifford.

14 Cabe, contudo, uma ressalva: o fato de esta propos-ta empregar uma estratégia de pesquisa que impli-ca deambular, deixando-se impregnar pelo “efeitofragmentação”, não significa que a caminhada comotal deva ser descartada como técnica para o recolhi-mento de um determinado tipo de dados; ao con-trário, ela constitui valioso recurso para um primei-ro levantamento da paisagem e seu entorno noquais o objeto de estudo está inserido e com osquais mantém vínculos.

15 Neste item retomo as categorias elaboradas à medi-da que se avançava a pesquisa sobre a cidade, des-de Festa no pedaço (1984); alguns trechos foramaproveitados de artigos e livros já publicados.

16 Esse projeto foi denominado “Os pedaços da cida-de “ e foi desenvolvido entre 1989 e 1990 na cida-de de São Paulo , com apoio do CNPq e a partici-pação dos integrantes do Núcleo de AntropologiaUrbana tanto na fase de coleta de dados como nasdiscussões que se seguiam às idas a campo.

17 Ao lado do Teatro Municipal, no centro da cidade eque abriga também um pedaço de roqueiros ligadosà cena hardcore.

18 Cf. C. N. Santos e A. Vogel (orgs.), 1985, p. 103, alu-dindo à expressão the curse of border vacuums, tí-tulo de um dos capítulos de Jacobs (1992, p. 257).

19 “O Movimento Straight Edge em São Paulo: metró-pole, identidades e apropriações urbanas”, Projetode Iniciação Científica (PIBIC/USP/CNPq), agos-to/2001 a julho/2002. Como a pesquisa vem reve-lando, de pouco vale apenas classificar esse grupocomo mais uma “tribo urbana”; descrever seu circui-to significa identificar e explorar todas as suas cone-xões e sistemas de troca que, além da assinaladaacima, envolve, por exemplo, contatos com gruposde estudo e ação anarquistas.

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DE PERTO E DE DENTRO:NOTAS PARA UMA ETNOGRA-FIA URBANA

José Guilherme Cantor Magnani

Palavras-chaveAntropologia; Etnografia; Metrópole;Cultura urbana; Circuito

O texto busca pôr em relação duaslinhas de análise, uma sobre cidadee outra sobre etnografia. O objetivoé discutir as possibilidades que esteenfoque, próprio da antropologia,abre para o estudo da dinâmica ur-bana. Tomando como ponto de par-tida a apresentação de alguns qua-dros analíticos sobre o fenômenourbano contemporâneo, caracteriza-dos como um “olhar de fora e delonge”, é desenvolvida a perspectivada etnografia, chamada, por contras-te, de um “olhar de perto e de den-tro”. Explicitados os pressupostosteóricos que sustentam essa posi-ção, é apresentada uma estratégiade pesquisa com base nessa argu-mentação para, finalmente, mostrarseu uso em alguns exemplos etno-gráficos mais recentes. O argumentotermina sinalizando que um olhar“distanciado” amplia e complementaa perspectiva proposta, possibilitan-do a articulação do recorte etnográ-fico, bem delimitado, com planos emodelos mais gerais de análise.

INSIDER AND A CLOSE-UPVIEW: NOTES ON URBANETHNOGRAPHY

José Guilherme Cantor Magnani

KeywordsAnthropology; Ethnography; Metro-polis; Urban culture; Circuit

By interrelating two lines of analy-sis, one having to do with the cityand the other with ethnography,this paper seeks to discuss possibi-lities which are opened by an anth-ropological approach to the studyof urban dynamics.Discussion ofanalytical charts for study of con-temporary urban phenomena al-lows for a characterization of whatmay be termed as an "outsider andlong-distanced view". A contrasting"insider and close-up view" is outli-ned.Theoretical presuppositions areexplicated and research strategy isproposed. As a way o demonstra-tion, recent ethnographic examplesare used. Finally, it is suggested thata "distanced" view may effectivelybroaden and complement the pro-posed perspective, making possiblean articulated project involving welldelimited ethnographic research de-sign and more general levels andmodels of analysis.

DE PRÈS ET DE L’INTÉ-RIEUR: NOTES POUR UNEETHNOGRAPHIE URBAINE

José Guilherme Cantor Magnani

Mots-clésAnthropologie; Ethnographie; Mé-tropole; Culture urbaine; Circuit

Ce texte cherche à mettre en rapportdeux courants d'analyse : celui consa-cré à la ville et celui consacré à l'eth-nographie. Il a pour but de discuterles possibilités offertes par cette der-nière, proprement anthropologique, àl'étude des dynamiques urbaines.Partant de la présentation de quel-ques cadres analytiques du phéno-mène urbain contemporain, caractéri-sés par un "regard de l’extérieur et deloin", on y développe la perspectiveethnographique appelée, par contras-te, "regard de près et de l’intérieur".Les fondements théoriques de cecourant étant présentés, une stratégiede recherche se présente, fondée surces arguments. Cette stratégie est en-suite utilisée sur des exemples eth-nographiques plus récents. Noussuggérons, finalement, qu’un regard"éloigné" peut élargir et compléterla perspective proposée, rendantpossible l'articulation d'un découpa-ge ethnographique bien cerné etdes plans et modèles d'analyse plusgénéraux.