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De Leste a Lorosae: a década da mudança em Timor Timor-Leste ficará na história como o primeiro Estado-nação a ser constituído no século XXI, mais especificamente em Maio de 2002. No entanto, o caminho percorrido até à independência e autodeterminação foi longo e penoso. Durante muitos anos, a parte oriental da ilha de Timor pertencente ao vasto arquipélago indonésio foi o palco de um dos mais antigos e persistentes casos de violações dos direitos humanos na história mundial contemporânea. Timor-Leste foi invadido em 1975 e anexado no ano seguinte como a 2província da Indonésia, Desde então e até bem recentemente, apesar de Resoluções das Nações Unidas l}ne determinavam a retirada imediata das tropas indonésias e das frequentes acusações de abusos dos direitos e liberdades básicas, a ocupação da ilha beneficiou do reconhecimento de facto de alguns dos parceiros estratégicos ocidentais: os EUA, a Grã- Bretanha e a França, só para mencionar alguns. Foi somente no final da década de 1990 que as principais potências ocidentais inverteram o seu posicionamento relativamente a Timor-Leste e romperam com o passado. O redireccionamento político dessas potências e a subsequente atenção devotada às queses dos direitos humanos, aliados às alterações internas na Indonésia, criaram uma janela de oportunidade para a mudança. Até essa altura e por mais de 25 anos, Timor-Leste esteve à mercê das reviravoltas da tealpotitík; até se tornar num Estado-nação . . Muito antes disso, em Novembro de 1991, soldados indonésios dispararam sobre uma multidão durante uma demonstração no cemitério de Díli matando 273 pessoas (Taylor, 1999; Pinto, 1997). O Massacre de Díli pode ser considerado o ponto de viragem tanto na história como na cobertura noticiosa da luta timorense, catapultando a pequena ilha do sudoeste asiático para as páginas dos principais jornais mundiais. Pela primeira vez o mundo apercebeu-se dos gritos de independência de Timor-Leste. Mais ainda, o episódio do cemitério de Santa Cruz em Díli, deslocou a queso timorense da periferia para o epicentro da política externa portuguesa. Este capítulo apresenta uma resenha do contexto histórico contemporâneo de Timor-Leste. Primeiro, delineia o posicionamento dos principais actores políticos relativamente à queso timorense antes do Massacre de Novembro de 1991. Segundo, este epidio marcante na história da antiga colónia portuguesa em particular é enquadrado e descrito em detalhe. Terceiro, os aspectos contextuais e conjunturais à volta do Massacre são considerados em

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De Leste a Lorosae: a década da mudança em Timor

Timor-Leste ficará na história como o primeiro Estado-nação a ser constituído no século XXI,

mais especificamente em Maio de 2002. No entanto, o caminho percorrido até à

independência e autodeterminação foi longo e penoso. Durante muitos anos, a parte oriental

da ilha de Timor pertencente ao vasto arquipélago indonésio foi o palco de um dos mais

antigos e persistentes casos de violações dos direitos humanos na história mundial

contemporânea. Timor-Leste foi invadido em 1975 e anexado no ano seguinte como a 27ª

província da Indonésia, Desde então e até bem recentemente, apesar de Resoluções das

Nações Unidas l}ne determinavam a retirada imediata das tropas indonésias e das frequentes

acusações de abusos dos direitos e liberdades básicas, a ocupação da ilha beneficiou do

reconhecimento de facto de alguns dos parceiros estratégicos ocidentais: os EUA, a Grã-

Bretanha e a França, só para mencionar alguns.

Foi somente no final da década de 1990 que as principais potências ocidentais inverteram o

seu posicionamento relativamente a Timor-Leste e romperam com o passado. O

redireccionamento político dessas potências e a subsequente atenção devotada às questões

dos direitos humanos, aliados às alterações internas na Indonésia, criaram uma janela de

oportunidade para a mudança. Até essa altura e por mais de 25 anos, Timor-Leste esteve à

mercê das reviravoltas da tealpotitík; até se tornar num Estado-nação .

. Muito antes disso, em Novembro de 1991, soldados indonésios dispararam sobre uma

multidão durante uma demonstração no cemitério de Díli matando 273 pessoas (Taylor, 1999;

Pinto, 1997). O Massacre de Díli pode ser considerado o ponto de viragem tanto na história

como na cobertura noticiosa da luta timorense, catapultando a pequena ilha do sudoeste

asiático para as páginas dos principais jornais mundiais. Pela primeira vez o mundo

apercebeu-se dos gritos de independência de Timor-Leste. Mais ainda, o episódio do cemitério

de Santa Cruz em Díli, deslocou a questão timorense da periferia para o epicentro da política

externa portuguesa.

Este capítulo apresenta uma resenha do contexto histórico contemporâneo de Timor-Leste.

Primeiro, delineia o posicionamento dos principais actores políticos relativamente à questão

timorense antes do Massacre de Novembro de 1991. Segundo, este episódio marcante na

história da antiga colónia portuguesa em particular é enquadrado e descrito em detalhe.

Terceiro, os aspectos contextuais e conjunturais à volta do Massacre são considerados em

minúcia, constituindo elementos explicativos do ponto de viragem da exposição mediática de

Timor-Leste e de como o episódio foi noticiado pela imprensa internacional. Por fim, o

presente capítulo analisa como a ocorrência simultânea de determinadas contingências de

natureza política e económica no cenário internacional, em geral, e na Indonésia e em

Portugal, em particular, facilitaram a mudança em Timor-Leste.

1 Contexto Histórico do Timor Português

Durante 450 anos Timor-Leste beneficiou de uma coabitação pacífica com a potência

dominante portuguesa. Esse relacionamento remonta a 1520, muito embora aquele território

só se tenha tornado numa província ultramarina a partir de 1896, e formalmente reconhecida

como tal desde 1926. O fim do Estado Novo em Portugal em 1974 conduziu a uma mudança

dramática na orientação política do país, com consequências também ao nível das políticas

coloniais. A postura do «orgulhosamente sós» que caracterizava o orientação da política

externa dos regimes de Salazar e Caetano, traduzia uma recusa de aceitar o inevitável

processo de descolonização, mesmo que a custo do isolamento internacional. Este foi um

aspecto primordial que impulsionou a revolução dos cravos.

Os conflitos nas colónias africanas, muito mais violentos e preocupantes, constituíram na

época a prioridade da metrópole. No caso de Timor-Leste, no entanto, as autoridades em

Lisboa preferiram uma espécie de solução de compromisso capaz de conciliar as pretensões

timorenses de autodeterminação com as intenções indonésias. Aliás, o futuro do território

timorense não era de forma nenhuma consensual no seio da classe política portuguesa.

Alguns, entre os quais Mário Soares, eram inicialmente favoráveis à integração na Indonésia

desde que essa fosse a legítima vontade dos timorenses. Outros, tais como Almeida Santos,

preconizavam que o território deveria fazer parte integrante de Portugal. A possibilidade da

independência da colónia do sudoeste asiático era considerada, na altura, como inviável. No

processo, Timor-Leste acabou por ser abandonada à sua sorte e à mercê das autoridades

indonésias.

Curiosamente, a Indonésia não tinha demonstrado anteriormente qualquer interesse notório

em Timor-Leste dado que as suas pretensões territoriais incidiam sobre as Índias Holandesas,

das quais Timor-Leste não fazia parte integrante. Bruno Beijer da embaixada da Suécia em

Jacarta admitiu que até seis meses antes da invasão não havia qualquer pretensão

integracionista por parte da Indonésia (entrevista, 1998). No mesmo sentido, um artigo de

imprensa britânico noticiava que até dois dias antes da invasão as autoridades indonésias

«reiteraram o seu apoio à descolonização pacífica e ordeira portuguesa» (The Times,

09.12.75). Não só Timor-Leste não fazia parte do território indonésio, como também não

representava o mesmo potencial em termos de riqueza e de recursos naturais como Aceh e

Irian Jaya.

Não obstante, a vitória da Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN),

um movimento de esquerda, nas eleições de Julho de 1975 com 55% dos votos e o

discurso marxista dos demais partidos locais causou receios de que Timor-Leste se

transformasse uma nova Cuba. Nesse contexto, tanto as autoridades indonésias como

os aliados ocidentais consideraram indesejável a possibilidade da independência de

Timor-Leste, dado que o surgimento de um governo de esquerda constituiria um risco de

segurança acrescido naquela região. As potências ocidentais induziram a Indonésia a agir,

pelo que Timor-Leste se converteunum alvo militar de Jacarta.

Cinco meses depois das eleições e no rescaldo de uma guerra civil provocada pelo golpe

de Estado liderado pela União Democrática Timorense (UDT) 1, e já apreensiva com a

possibilidade de uma invasão indonésia, a Fretilin declarou unilateralmente a

independência da República Democrática de Timor-Leste. Tal declaração de

independência de acordo com o diário britânico Tlie Times forneceu à Indonésia «o

pretexto formal para intervir contra a ameaça do comunismo» e levou a Jacarta a

persuadir «Portugal e a ONU a manterem-se longe do conflito» (04.11.75). Para alguns

especialistas, tais como Michael Leifer, a acção da Fretilin provocou e convidou os

indonésios a invadirem o território (entrevista, 1998).

Aproveitando o momento ele convulsão civil na antiga colónia portuguesa e incentivado

pelas potências ocidentais, a Indonésia invadiu Timor-Leste em 7 ele Dezembro de 1975.

Aquando da invasão, o governador português deixou Timor-Leste para se instalar na ilha

de Ataúro, também sob domínio de Lisboa. Tal mudança, no entanto, deve ser entendida

não como a metrópole abdicando do seu direito de potência administrante no território,

mas como uma deslocação da administração forçada pelas circunstâncias. Na verdade

Ataúro fazia parte elo território de Timor-Leste junto com o ilhéu de Jaco e o enclave de

Oecussi.

O objectivo de Jacarta consistia em alegadamente libertar o território da opressão

perpetrada pela Fretilin a pedido dos «irmãos» timorenses. A versão indonésia foi

veiculada nos comunicados de imprensa difundidos pelas agências noticiosas (France

Press, Associated Press e Reuters), quando noticiaram que Jacarta tinha enviado tropas

para «restabelecer a ordem» e «resgatar a capital de Timor-Leste do domínio da Fretilin»,

a pedido de quatro partidos pro-indonésios. Por entre outros testemunhos e versões,

constava o comunicado oficial do governo indonésio que declarava «não poder impedir

voluntários indonésios de ajudar os irmãos timorenses na luta pela libertação da opressão

da Fretilin» (The Times, 08.12.75). No entanto, a versão indonésia ocultou o facto de que

«desde Setembro desse ano se tinha dedicado ao intenso patrulhamento naval da costa

timorense de forma impedir a chegada de suprimentos para a Fretilin, enquanto treinava e

armava guerrilheiros no território» (The Times, 04.11.75 and 09.12.75). Os laços ancestrais

sanguíneos, em contra ponto com a histórica falta de interesse na antiga colónia portuguesa,

agora serviram de leitmotf para invadir Timor-Leste e como justificação para a anexação

indonésia.

Contudo, conforme aludido anteriormente, a Indonésia não agiu de sua única e exclusiva

iniciativa, antes recebeu o apoio tácito das potências ocidentais para invadir Timor-Leste. Tal

constatação é compartilhada por figuras de renome como John Taylor que sustenta que os

governos um pouco por todo o mundo estavam na disposição de anuir a ocupação indonésia

por motivos estratégicos, políticos e económicos (1999). Noam Chomsky denomina a tais

países de «cúmplices do crime», especificando o caso elos EUA e da Austrália como os

exemplos mais destacados, mas sem esquecer a inclusão «nos Estados pá rias da Grã-Bretanha

(especialmente no período de governação de Margareth Thatcher e John Major), da França, do

Japão e de muitos outros países» (1996: 171). Scott Burchill advoga mesmo que «a invasão de

Timor-Leste e a subsequente repressão ela população nativa não teriam sido possíveis sem a

cumplicidade ocidental. Os Estados Unidos da América e a Grã-Bretanha forneceram de bom

grado as armas que Jacarta necessitava para perseguir a resistência armada e matar a

população civil timorense» (2000: 169). Afinando pelo mesmo diapasão, Paul Monk assinala

que a Austrália foi avisada e aprovou a concepção e implementação ele as operações

clandestinas encetadas pela Indonésia, «Muito cedo foi informado que se a manipulação

camuflada não funcionasse, a Indonésia fomentaria a desordem no território como pretexto

para a intervenção militar. A Austrália consentiu com base numa abordagem de realpolitik do

problema, sob pena de ser exposta e denunciada (2001: 19-20). Estes países, são designados

no âmbito deste capítulo de «coligação ou aliança dos indisponíveis». Tal expressão é

empregue por contraposição à mais recente disposição internacional de agir de forma

concertada e (alegadamente) por razões humanitárias a favor de Timor-Leste. Curiosamente,

foram os mesmos actores que suscitariam a intervenção no território após a realização do

referendo de 1999, os que durante anos declinaram a resolução do problema. E não terá sido

certamente por falta de mecanismos e de capacidade para fazê-lo, dado que quando a

Indonésia submeteu à ONU uma resolução solicitando o parecer do Tribunal Internacional

acerca da legitimidade do uso de armas nucleares, em Novembro de 1993, os EUA, a França e

a Grã-Bretanha ameaçaram Jacarta com sanções e com o fim da ajuda. Tal ameaça foi decisiva

e suficiente para que a Indonésia retirasse a resolução (Chomsky, 1996: 175).

Na verdade, esta coligação preferia manter Timor-Lestc integrado no país vizinho e, em

simultâneo, conservar o relacionamento estreito com o regime de Jacarta (Burchill 200: 169;

Monk, 2001: 19-20). O motivo de tal posicionamento pro-indonésio generalizado parecia óbvio

e facilmente explicável. A postura anti-comunista da Indonésia, a mão-de-obra barata e

flexível, bem como os recursos naturais abundantes converteram-na num parceiro atraente

para as maiores potências ocidentais. Como se tal não bastasse, a disposição privilegiada do

arquipélago indonésio potenciava ainda mais a sua já considerável importância geoestratégica.

De facto o território Indonésio prolongava-se pelas principais linhas de ligação marítimas entre

a Asia Oriental, a Europa e o Médio Oriente. Na extremidade sul, localiza-se o curso de água

mais importante da região: o mar do Sul da China (Dupont, 1996: 278).

Além dos recursos naturais abundantes (tais como, o gás, o café, e as costas petrolíferas), a

metade oriental de Timor também tinha uma considerável relevância geoestratégica. A norte

da ilha, situam-se os estreitos de Ombai-Wetar, consistindo uma série de canais profundo que

permitem a passagem discreta (submersa) de submarinos nucleares entre os oceanos Pacífico

e Indico, o que a não verificar-se significaria mais oito dias para completar tal viagem de

ligação (Taylor, 1995: 26-29). As condições naturais e geográficas de Timor-Leste, ao contrário

da Indonésia, não favoreceram a ambição maubere de independência dado que o

estabelecimento de um regime comunista era tanto indesejável quanto intolerável pelos

países ocidentais num cenário de plena Guerra Fria.

O exemplo de um país em particular, um membro da coligação dos indisponíveis, é elucidativo

do posicionamento ocidental relativamente à questão maubere. Além da proximidade

geográfica, Camberra tinha uma dívida de gratidão relativamente aos timorenses que haviam

lutado junto com os australianos a fim de impedirem a invasão japonesa durante a II Guerra

Mundial (Kingsbury, 2000). No entanto, isso não foi impeditivo do apoio australiano à tomada

da ex-colónia portuguesa pela Indonésia em 1975, conforme documentos recentemente

divulgados (ainda que outros que contêm detalhes mais devastadores se mantenham em

segredo) que confirmam o erro histórico australiano (Monk, 2001: 21). A mesma dívida de

gratidão, não constituiu tampouco entrave ao reconhecimento de facto da anexação do

território timorense, três anos mais tarde (ao votar contra a resolução da Assembleia Geral da

ONU sobre Timor-Leste), bem como a sua aquiescência de jure em 1979(2).

Surpreendentemente Camberra assumiu tal reconhecimento antes de qualquer outro país e,

mais do que isso, foi o único a fazê-lo.

Uma prioridade de defesa e segurança (isto é, o receio elo poderoso vizinho indonésio) pode

ter motivado esta traição australiana, mas um outro argumento também parece ser plausível.

Um factor preponderante - secretamente enfatizado em Agosto de 1975 pelo embaixador da

Austrália em Jacarta, Richard Woolcott- consistia no facto do seu país poder «fazer um melhor

negócio de exploração das reservas de petróleo com a Indonésia do que com Portugal ou do

que com o Timor-Leste independente» (Chomsky, 1996: 200). De facto, o reconhecimento de

jure por parte da Austrália da soberania indonésia sobre Timor-Leste permitir-lhe-ia encetar as

negociações com Jacarta que conduziriam à assinatura do Tratado de Timor Gap relativo aos

recursos de petróleo e gás timorenses dez anos mais tarde (Gunn, 1997: 57-68). A promoção

do interesse nacional australiano, portanto, prevaleceu sobre valores éticos e morais, tais

como, a autodeterminação e outros direitos humanos. Scott Burchill constata que «desde a

invasão indonésia, os sucessivos governos australianos constantemente colocaram os laços

comerciais e de defesa precederam as preocupações com os direitos humanos, algo que

possibilitou o estreitamente das relações com o regime de Jacarta» (2001: 170).

O mesmo se poderia dizer de outros membros da «coligação dos indisponíveis», e da

Grã-Bretanha em particular (3). A influência dessa coligação teve ramificações no raio de acção

da ONU, bem como na falta de capacidade de iniciativa da mesma. Refém da vontade dos

membros permanentes do Conselho de Segurança (China, Rússia, Grã-Bretanha, França e EUA)

- que historicamente só tomaram uma posição por povos como o timorense quando coincidia

com os interesses ideológicos, económicos ou estratégicos - a ONU foi incapaz de prevenir ou

de pôr cobro à invasão e subsequente anexação por parte da Indonésia, Depois da tomada

pela força do território, os EUA votaram contra a resolução 389/76 o que se consubstanciaria

num veto efectivo da questão de Timor-Leste no Conselho de Segurança nos 23 anos

subsequentes (Monteiro, 2001). A ONU não pôde fazer muito mais do que repetidamente

condenar as acções indonésias nas suas resoluções da Assembleia Geral. Em Dezembro de

1976, deplorou a invasão e exigiu a retirada imediata do território português de Timor-Leste

(The Times, 23.12.76). Tal resolução, no entanto, nunca foi implementada - uma situação que

terá contribuído para a descredibilização da autoridade e da reputação ela ONU (Robinson,

1994). Desde 1982, Timor-Leste permaneceu na agenda daquela organização como uma

questão do foro dos direitos humanos, ao invés da negação do direito de autodeterminação e

do uso ilegal da força (Chinkin, 1993: 210).

Um posicionamento de alguma forma distinto seria expectável de um outro importante actor

nas relações internacionais, com envolvimento directo em Timor-Leste: o Vaticano, Os

timorenses não esperariam a negação dos valores morais e éticos (liberdade e

autodeterminação, respeito pelos direitos humanos e pela dignidade espiritual) a favor dos

interesses seculares da Igreja Católica. A diplomacia silenciosa e paliativa do Vaticano,

conjugada com a determinação de não condenar abertamente a Indonésia - algo que poderia

pôr em risco os interesses da influente comunidade católica na Indonésia - não foi benigna

para a causa timorense. Tal posicionamento assume contornos mais incompreensíveis do que

o da generalidade dos países da «coligação dos indisponíveis». No sentido em que os

interesses estratégicos da Santa Sé parecem menos inteligíveis e desculpáveis do que os

interesses económicos e geopolíticos que caracterizam normalmente a realpolitic: dos

principais países ocidentais. No caso de Timor-Leste, contudo, as semelhanças eram

indisfarçáveis. Apesar do interesse relativamente às questões dos direitos humanos e mesmo

conscientes da necessidade de ser a voz dos oprimidos, a política externa do Vaticano é

pautada pela promoção dos seus melhores interesses. Em casos como a Indonésia (à

semelhança do Chile de Pinochet), o Vaticano optou pela via do diálogo para não afectar os

interesses da comunidade católica naquele país. A situação de Timor-Leste pode ser

sintetizada da seguinte forma: foi abandonada aos esforços integracionistas do regime

indonésio; ficou dependente da benevolência de Portugal e da Igreja Católica; foi um capítulo

esquecido nas páginas dos assuntos internacionais; e, por arrastamento, transformou-se num

dos menos noticiados assuntos para a generalidade da imprensa ocidental. Em face deste

generalizado esquecimento mediático e diplomático, Timor-Leste constituía uma pedra no

sapato de toda a gente (4).

2. O massacre de Dili: enquadramento e rescaldo

Os acontecimentos que rodearam o massacre de Díli indiciam que o banho de sangue

perpetrado no cemitério de Santa Cruz não se tratou de uma ocorrência acidental e

espontânea. O episódio de 12 de Novembro tampouco foi uma casualidade isolada na história

de Timor-Leste e da Indonésia. Para além dos tumultos ocorridos em Tanjung Priok e Lampung,

outros incidentes de natureza separatistas e étnicos sucederam-se no vasto arquipélago

indonésio: em Aceh, Irian Java, nas Molucas e no Kalimantan Ocidental (principalmente

envolvendo a comunidade muçulmana). Aceh, em particular, foi o cenário da contínua

contestação à administração indonésia promovida pelo Aceh Merdeka (Movimento de

Libertação ou Frente de Libertação de Aceh) (5). Ocorrências violentas, tais como, a fome

severa e os assassínios em massa, tinham acontecido em Timor-Leste desde a invasão da

ex-colónia portuguesa em 1975. Um exemplo elucidativo é o do episódio de Kraras em

Viqueque de 1983, no qual entre 200 e 300 pessoas terão sido executadas pelas tropas

indonésias durante uma celebração, em retaliação pelo assassínio de 16 militares indonésios

uns dias antes (Taylor, 1990: 25; e Jones 1995: 50-8).

Pouco depois da anexação ocorrida em 1976, foram impostas restrições de acesso de cidadãos

estrangeiros ao território. Na verdade, e até 1989, Timor-Leste permaneceu vedado a

visitantes externos e teve de lidar com fenómenos como a guerra, a violência brutal e o medo

(Vatikiotis, 1992: 184). A partir dessa altura, Jacarta permitiu a abertura do território ao

exterior. Dentre os muitos motivos que poderão ter justificado a decisão indonésia importa

destacar os seguintes: a vontade de melhorar a imagem internacional com a aproximação da

presidência do Movimento dos Não Alinhados (depois do falhanço em 1988-89) (6); a

necessidade de demonstrar à comunidade internacional que não havia nada a ocultar, de

forma a conseguir que o assunto de Timor-Leste fosse removido definitivamente da agenda da

ONU; um subterfúgio para atrair maior investimento privado e estrangeiro (Liong, 1995: 65); a

manifestação de uma atitude orgulhosa e de prematura e excessiva auto-confiança patenteada

pelas autoridades indonésias (7); a tentativa de desacreditar o principal mentor da invasão de

Timor-Leste (8), Benny Murdani, que se assumia agora como um adversário político do

presidente Suharto (9), ou um esforço para denegrir a reputação de Suharto e sabotar as

manobras eleitorais do Presidente (10), Qualquer que tenha sido o motivo ou os motivos, o

que é certo é que Timor foi declarada uma província aberta em Dezembro de 1988,

inaugurando um período de keterbuknan, ainda que se tratando de uma abertura relativa.

Consequentemente, as restrições de viagem foram levantadas e a presença militar no

território reavaliada.

Este status quo provisório e indefinido, que se manteria até 1991, foi desafiado por três

importantes acontecimentos, Primeiro, em Outubro de 1989, durante uma visita papal de seis

horas de duração ao território, gritos audíveis e slogans visíveis a favor da independência

marcaram os protestos de índole pacífica dos timorenses. Segundo, em Janeiro de 1990,

aquando da passagem do embaixador americano John Monjo pela ex-colónia portuguesa,

cerca de 150 estudantes manifestaram-se defronte ao hotel onde ele estava albergado e

foram silenciados pelas forças de segurança indonésias, resultando alegadamente na morte de

dois timorenses. Por fim, em Setembro desse mesmo ano, após a celebração de uma missa

pelo Núncio Apostólico em Jacarta para comemorar o 50º aniversário da Sé de Dili, os

timorenses manifestaram-se novamente a favor da auto-determinação e independência. Como

efeito prático do somatório destes três episódios, Jacarta foi forçada a reequacionar a

decisão inicial relativamente à política de maior abertura para o território.

Em 1991, no contexto de uma negociação de sete anos entre a Indonésia e Portugal, foi

acordada a visita de 10 a 12 dias de duração de uma delegação parlamentar portuguesa. No

entanto, tal visita, prevista inicialmente para o dia 4 de Novembro, teve de enfrentar a férrea

oposição das forças armadas Indonésias (11), e acabou por ser posta em causa devido a

receios em [acarta de que protestos semelhantes aos que tiveram lugar em 1989 e 1990

voltassem a ocorrer.

Durante os preparativos para a visita da delegação portuguesa Jacarta ordenou o envio de

mais tropas indonésias para o território, de forma a prevenir e evitar sublevações adicionais.

Concomitantemente, uma nova operação com o nome-código Águia (Operasi Elang) foi

implementada com vista à antecipação dos movimentos da frente clandestina timorense. Mais

tarde, os responsáveis indonésios formularam exigências adicionais àquelas que tinham estado

na base do acordo como condição para a realização da visita. Começaram por exigir que todas

as fotografias tiradas no território durante a visita fossem enviadas para o exterior via Jacarta.

Posteriormente, impediram a inclusão de uma jornalista australiana, Jill Jollife, no elenco da

delegação. De acordo com o relato de Adam Schwarz, tinha ficado estipulado a integração de

10 jornalistas portugueses e seis estrangeiros na comitiva, cujos nomes deveriam ser

comunicados com três semanas de antecedência. A objecção da presença da jornalista

australiana residente em Lisboa prendeu-se com o facto de ter escrito durante anos de forma

crítica sobre Timor-Leste. O Ministro dos Negócios Estrangeiros Ali Alatas descreveu-a como

«uma propagandista da Fretilin, o braço armado da luta pela independência em Timor-Leste»

(Far Eastern Economic Review, 07.11.91).

Portugal rejeitou estes requisitos de última hora (12) e em 24 de Outubro anunciava a

«suspensão» da missão. Oficialmente, o pretexto estava relacionado com as supra-citadas

exigências e manobras moratórias indonésias, ainda que no seio do círculo político interno

também prevalecesse o receio de que a visita pudesse resultar na morte de muitos timorenses

(JN, 14.11.91). O cancelamento da visita portuguesa motivou a consternação e desilusão nas

populações timorenses, mas não resultou em nenhuma forma de protesto público ou violência

imediata. De qualquer forma, Claire Bolderson, correspondente da BBC e do Financial Times

em Jacarta, estava em Timor-Leste nessa altura e pôde aperceber-se da tensão existente

tendo, a propósito, partilhado com vários diplomatas ocidentais que «algo estaria prestes a

ocorrer» (entrevista, 2004).

Alguns dias mais tarde, a 28 de Outubro, um esquadrão ninja do exército indonésio invadiu a

Igreja de Motael, em Díli, matando Afonso Henriques e Sebastião Gomes, e prendendo alguns

outros jovens que estavam refugiados naquele local há cerca de um ano. Algumas versões

oficiais apresentaram a ocorrência como tratando-se de um confronto entre facções

pro-independentistas e pro-indonésios no exterior da igreja, o que motivara a intervenção e

entrada das tropas no edifício religioso. Versões de fontes alternativas, no entanto, asseguram

que se tratou de mais uma manobra orquestrada e incitada por pessoal militar indonésio à

paisana (Jones, 1995: 56-7). Esta última versão é confirmada tanto na reportagem de Adam

Schwarz - que refere que uma das vítimas, alegadamente pertencente a um grupo

pro-indonésio, era efectivamente um agente dos serviços secretos a soldo do exér- cito - como

pelo testemunho do bispo Carlos Ximenes Belo (Far Easteni Econotnic Review, 18.11.91) (13).

Em memória de Sebastião Gomes foi celebrada uma missa no dia 12 de Novembro de 1991 no

local onde ele morreu, seguida de uma procissão até ao cemitério de Díli. Esta cerimónia

religiosa transformar-se-ia num dos mais violentos incidentes na ex-colónia portuguesa desde

a invasão, quando os soldados indonésios dispararam sobre uma multidão congregada no

interior do cemitério.

Ao contrário de outras ocasiões, neste caso os disparos das automáticas M-16 foram ouvidos

um pouco por toda a parte no mundo ocidental. Dissemelhante a ocorrências anteriores, desta

feita o incidente ficou registado em suporte de vídeo.

Na verdade, o realizador britânico Max Stahl, que sorrateiramente tinha entrado no território

com câmaras ocultas com o intuito de filmar a dramática chegada da delegação portuguesa

após tantos anos de ocupação indonésia, acabou por filmar o massacre de Díli (entrevista,

1998).

Não obstante a disposição da família da vítima de evitar qualquer conotação ou

aproveitamento político na procissão, a resistência timorense achou que aquele seria o

momento indicado para proceder a uma demonstração de protesto (Jonsson entrevista, 1999).

Ciente da presença no território de jornalistas estrangeiros, bem como do Representante

Especial para a Tortura das Nações Unidas, Pieter Kooijmans (14), o líder da resistência

maubere, Xanana Gusmão, convocou a comparência dos jornalistas na demonstração. O

intuito da convocatória era o de constituir um elemento dissuasor de uma eventual

intervenção das forças indonésias, dado que todas as manifestações anteriores tinham

resultado numa intervenção ou carga policial, ainda que nunca antes numa cerimónia religiosa

(Stahl entrevista 1998). Nesse sentido, Max Stahl aceita que, de alguma forma, os Timorenses

tenham encenado a demonstração para as câmaras (ibid.).

Alguns autores acreditam que os timorenses sabiam de antemão que as forças indonésias

estariam preparadas e dispostas a agir, da mesma forma que Jacarta não poderia desconhecer

os preparativos para a demonstração de 12 de Novembro (15). Nesse sentido foi até mesmo

avançada a hipótese do Massacre de Díli ter sido uma resposta propositada dos comandantes

locais frustrados pela resiliência e pelo reconhecimento internacional da resistência maubere

(Taylor, 1995: 28-9). Para Bob Muntz, responsável do projecto da Community Abroad (uma

agência de desenvolvimento estrangeiro australiana), a acção indonésia não foi provocada,

antes premeditada e bem orquestrada. O padre Stefani entrevistado por Hugh O'Shaughnessy

do The Observer descreveu os acontecimentos como «um massacre e uma operação militar

meticulosamente planeada para eliminar os principais contestatários da Indonésia» (17.11.91).

Por fim, outros asseveram que nem os protestos foram planeados, nem a reacção indonésia foi

deliberada (Jonsson entrevista, 1999).

No que concerne às circunstâncias que envolveram o Massacre de Díli, testemunhos oculares

incluindo os de jornalistas estrangeiros, indicaram que não houve nenhum tipo de provocação.

Alguns elementos presentes no cortejo fúnebre limitaram-se a desfraldar bandeiras a favor da

independência e a ecoar alguns slogans a respeito do direito de auto-determinação. O

fotógrafo britânico Stephen Cox declarou que os soldados indonésios dispararam directamente

contra a multidão sem qualquer aviso prévio. Amy Goodman, ao serviço da estação American

Pacifica Radio, corroborou os demais testemunhos ao asseverar que os soldados indonésios

abriram fogo sobre pessoas indefesas que não tinham mais do que alguns cartazes e a cruz

comemorativa da morte do Sebastião. Allan Nairn, em representação da revista New Yorker,

assinalou que para além de ter morto uma centena de homens, mulheres e crianças indefesas,

os soldados também perseguiram jovens timorenses a quem abateram pelas costas.

Os indonésios rejeitaram as críticas de violações dos direitos humanos e definiram o incidente

como sendo um assunto do foro interno. Aliás, a terminologia frequentemente empregue por

Jacarta para designar os acontecimentos de Santa Cruz foi «incidente», não «massacre» ou

«chacina». O primeiro comunicado oficial por parte do exército indonésio dava conta de uma

sublevação em Díli, fomentada por membros incitados e influenciados pelos remanescentes da

Fretilin e outros grupos separatistas na Indonésia (Ryter, 1991). A versão indonésia consistia

em «milhares de jovens timorenses em protesto contra a anexação que desafiaram as forças

da autoridade munidos de facas, bastões e pedras, tendo dezenas de manifestantes sido dados

como mortos» (lnside Indonésia, 12.91) (16). De acordo com as forças armadas indonésias

depois dos soldados terem tentado infrutiferamente dispersar a multidão e de terem sido

atacados o incidente foi ínevítável. (17)

O General Try Sustrino, chefe das forças armadas e porta-voz de Jacarta, ao invés de assumir

qualquer responsabilidade das autoridades indonésias disparou a culpa em todas as direcções.

Mesmo que em clara contradição com algumas vozes dissonantes no seio do exército, tais

como as do comandante da zona de Udayana Sintong Panjaítan admitindo que «o mundo

inteiro está a apontar para nós. Eu aceito e lamento isso». Também o comandante operacional

indonésio em Timor, Rudolf Warouw, reconheceu que os seus homens tinham agido

erroneamente (The Guardian, 15.11.91). Try Sustrino preferiu culpar a Fretilin e elementos

estrangeiros, incluindo as ONG, pelo incidente e alegou que as tropas agiram em legítima

defesa. Adicionalmente, não só justificou os dispares dos seus homens, como expressou a

disposição de exterminar tanto os envolvidos no episódio do cemitério, como quem quer que

ousasse perturbar a estabilidade (ibid.). Paradoxalmente o general acabou por admitir que a

acção militar indonésia teria resultado de um mal-entendido, isto é, da má interpretação de

uma ordem.

O presidente Suharto, por seu turno, referiu-se aos incidentes de Novembro como sendo uma

questão menor, exagerada pelos países e imprensa ocidentais. (18)

Ali Alatas afinou inicialmente pelo mesmo diapasão ao classificar como deplorável a cobertura

noticiosa enviesada elos acontecimentos. Posteriormente o Ministro elos Negócios

Estrangeiros indonésio optou por uma postura mais moderada argumentando que o governo

não tinha ordenado nem consentido os disparos. Por fim, acabou por lamentar o episódio e

demonstrou disponibilidade da parte de Jacarta para investigar o sucedido (The Guardian, 15 e

18.11.91).

Quatro anos após o massacre, a divulgação de um documento militar secreto datado de 6 de

Abril de 1992 revelava que dois oficiais indonésios de topo conheciam em detalhe as

operações que resultaram na matança de Santa Cruz (Balowski, 1995). Na mesma altura, o

representante especial elo Conselho Nacional da Resistência Maubere (CNRM), José

Ramos-Horta, denunciava ter conhecimento de ordens oficiais emitidas pelo General Try

Sustrino, ao comandante operacional de Díli para empregar o uso da força no dia 12 ele

Novembro ele 1991. Tais ordens de comando, emitidas três semanas antes do massacre,

foram renovadas 24 horas antes elos trágicos acontecimentos (Ramos-Horta, 1995: 70). Do

mesmo modo, o Relator Especial Bacre Waly Ndiaye concluiu no seu relatório que tinha razões

para acreditar que «as acções das forças de segurança não foram uma reacção espontânea a

um desacato civil, antes uma planeada acção militar concebida para lidar com uma

manifestação civil em violação dos padrões de direitos humanos internacionais» (Krieger,

1996: 133).

Ao nível oficial, a Indonésia insistiu na versão de um acontecimento doméstico no qual os

países estrangeiros não se deviam imiscuir, uma vez que envolvia a soberania de um Estado

independente. Por exemplo, Benny Murdani recusou a proposta da ONU para a realização de

uma investigação independente sobre o massacre ele Díli, afirmando justamente tratar-se de

um assunto do fora interno.

Da mesma forma, a proposta australiana ele envio de uma força de manutenção de paz para o

território de Timor-Leste foi liminarmente recusada por Murdani, que objectou contra

qualquer tipo de interferência sob o pretexto de «que há um limite relativamente aos jogos

políticos que a Indonésia pode tolerar da parte de países terceiros ... se não há guerra em

Timor-Leste, porquê o envio de uma força de paz?» (Ryter, 1991).

Apesar das tentativas de silenciar o assunto, pressões do exterior forçaram o presidente

Suharto a nomear uma Comissão Nacional de Inquérito. A constituição desta Comissão

constituiu uma decisão sem precedentes nos 26 anos da governação do presidente indonésio.

E isso sucedeu apesar do exército ter também constituído a sua própria equipa de

investigação, denominada Conselho da Honra Militar, o que não deixa de ser revelador da

fractura então existente entre as forças armadas e o governo.

O relatório final da Comissão Nacional de Inquérito foi entregue em primeira-mão ao

presidente Suharto. Apesar de presumivelmente nunca ter sido publicado, a versão preliminar

contradizia a versão militar quanto ao número de vítimas e considerava o comportamento dos

militares como «tendo excedido as normas aceitáveis» com «disparas excessivos contra os

manifestantes (Far Eastern Economic Review, 1993 Yearbook: 130). Ainda, de acordo com o

mesmo relatório, nove soldados e um elemento das forças policiais estiveram envolvidos, e

seis oficiais superiores, incluindo o comandante da destacamento de Bali responsável por

Timor-Leste, foram incriminados (Sherlock, 1996). Consequentemente esses oficiais foram

dispensados, três deles demitidos do exército e os restantes removidos dos cargos que

ocupavam. (19)

No círculo doméstico, perpassou a ideia de que Suharto teria corrido um risco considerável de

uma revolta ao sacrificar oficiais superiores e disciplinar publicamente o apparatus militar. No

entanto, outros qualificaram a tomada de decisão do presidente como uma mudança

«cosmética» para satisfazer as exigências dos países ocidentais para que uma investigação

fosse levada a cabo e os responsáveis punidos. Dessa forma, o regime indonésio poderia

recuperar a credibilidades aos olhos dos principais países doadores de fundos.

As conclusões constantes no relatório preliminar da Comissão Nacional de Inquérito, que

atestavam não se ter tratado de uma acção ordenada pelo governo ou pelas forças armadas,

seriam amplamente contestadas. A comissão dos Direitos Humanos da ONU, na sua resolução

1993/97 relativa a Timor-Leste, lamentou que as investigações às acções dos elementos do

pessoal de segurança em Novembro de 1991, não tenham sido capazes de identificar

claramente os responsáveis pelas perdas de vidas, ferimentos e desaparecimentos; e também

expressou consternação pela falta de informação acerca do número de pessoas; mortas

(Krieger, 1996). As autoridades indonésias apenas identificaram uma das vítimas mortais:

Kamal Bamadhaj, um neo-zelandês que foi formalmente reconhecido. No balanço dos mortos,

os números apontados eram amplamente contraditórios. Inicialmente a Indonésia colocou a

fasquia de mortos nos 50, mas posteriormente esta seria reduzida para 19. Testemunhas

oculares, incluindo jornalistas ocidentais, aludiram a mais de 100 vítimas. Abílio Osório, o

governador de Timor-Leste, foi citado no Forum Keadilan alegando que pelo menos 200

pessoas teriam falecido (Goderbauer, 1993: 142). A dada altura, as cifras oficiais indonésias

apesar de inusitadas eram de fácil memorização: 19 mortos, 91 feridos e 90 desaparecidos. A

cifra definitiva, contudo, nunca foi estabelecida. Em Julho de 1994, um comunicado da Human.

Rights Watch ao Comité de Descolonização da ONU, reconhecia a ausência de qualquer

progresso na tarefa de determinar o número de desaparecidos após o massacre de Díli.

Em vista do número indeterminado de execuções extra-judiciais, que nunca foi objecto de uma

investigação apurada após o massacre de Díli, poder-se-ia concluir que mesmo à data de hoje

não é possível quantificar com exactidão o número de mortos, feridos ou desaparecidos no

episódio. Curiosamente, uma situação semelhante tinha ocorrido em Setembro de 1984,

quando tropas indonésias disparam sobre um grupo muçulmano em Tanjunk Priok, na zona

portuária de Jacarta. Não foi encetado qualquer investigação e o governo estimou as perdas

humanas em 30 enquanto que observadores independentes apontavam para mais de 100

(Goderbauer, 1993: 144). (20)

Tal como salientado anteriormente, Jacarta tinha uma interpretação diametralmente oposta

dos incidentes, que terão ocorrido numa altura inoportuna em termos das relações externas

da Indonésia. O massacre de Díli ensombrou a prospectiva presidência indonésia do

Movimento dos Não-Alinhados para o triénio de 1992-95, em substituição da ex-Jugoslávia.

Também condicionou a possibilidade de Jacarta obter o reconhecimento internacional das

suas pretensões relativamente a Timor-Leste.

Os acontecimentos de 12 de Novembro confrontaram o presidente Suharto com a necessidade

de mitigar os efeitos negativos dos incidentes no cenário internacional e, em especial, junto

dos principais países doadores. A Indonésia naquela altura dependia largamente da ajuda

externa, tal como fica demonstrado numa breve análise do ano fiscal de 1991-2, período

durante o qual Jacarta recebeu cerca de $4.7 bilhões, proveniente de várias fontes, o

equivalente a 20% do orçamento anual.

O Massacre de Díli tampouco foi abonatório para a reputação de Ali Alaras. Após ter

participado nas negociações de paz no Cambodja, o Ministro dos Negócios Estrangeiros

indonésio posicionava-se para se tornar no próximo Secretário-Geral da ONU. Os esforços de

Alatas para melhorar a imagem internacional da Indonésia e para promover uma visão mais

transparente de Timor-Leste foram postos em causa pelo incidente de Santa Cruz. Por fim, a

nível interno, o Massacre hipotecou o estatuto de candidato presidencial de Sustrino, como

sucessor de Suharto. Ao contrário, do que chegou a ser inicialmente ventilado, Sustrino não

tirou dividendos no curto prazo do episódio de Díli.

A violência e o desrespeito pelos direitos humanos não cessaram com o Massacre. Pouco

depois dos acontecimentos de Díli, o Major Sintong Panjaitan afirmou aos microfones da

Reuters que a «Operação Sorriso», num espírito de abertura, seria substituída pela «Operação

Combate», concebida para obliterar a resistência timorense. Para esse fim, o governo de

Jacarta substituiu a liderança militar conotada com a anterior abordagem de glasnost. H. S.

Mantiri foi nomeado para suceder o Major General Sintong Panjaitan, enquanto o Brigadeiro

General Theo Syafei foi nomeado o novo comandante em Díli, após o Massacre. Abílio José

Osório Soares substituiu Mário Carrascalão no cargo de governador de Timor-Leste.

Paralelamente, tanto a Cruz Vermelha como outras organizações humanitárias foram

impedidas de aceder ao território, uma decisão com alcance sine die. Em 26 de Fevereiro de

1992, foi decretada a proibição de acesso de jornalistas estrangeiros a Timor-Leste e a

atribuição dos surat jalan (visas de circulação) suspensa. Somente jornalistas indonésios ou

repórteres residentes em Díli, que não estivessem ao serviço de agências noticiosas

estrangeiras, podiam aceder à antiga colónia portuguesa.

3 O ponto de viragem

Como aludido no início deste capítulo, esta secção explica a razão pela qual o Massacre de Díli

representou um marco histórico assinalável tanto em termos da visibilidade internacional da

questão de Timor-Leste, como da sua exposição mediática na generalidade da imprensa

ocidental.

A chacina do cemitério de Santa Cruz constituiu inegavelmente um ponto de viragem no que

concerne à exposição internacional da questão timorense (Ramos-Horta, 1995). Na verdade,

esta é uma ideia consensual entre todos os entrevistados no âmbito deste trabalho. Por

exemplo, Anne Booth, especialista em política indonésia contemporânea, considera o

massacre de Díli como o factor mais decisivo em termos da sensibilização da comunidade

internacional. A académica justifica o raciocínio com base na constatação de que antes do

massacre os indonésios esperavam que Timor-Leste desaparecesse definitivamente como

assunto da agenda internacional e que o território fosse reconhecido pela ONU como

pertencendo à Indonésia (Booth entrevista, 1998; and The Economist, 16.11.91). Gabriel

Jonsson, académico e activista presidindo ao SwedishOsttimor Kommiten (um dos grupos de

apoio à causa timorense espalhados por todo o mundo) não tem qualquer dúvida em

considerar o massacre de Díli como o evento mais importante da história recente de

Timor-Leste. De outra forma, a luta timorense ter-se-ia perpetuado para sempre e não teria

atingido a psyche da comunidade internacional (entrevista,1999). O Ministro dos Negócios

Estrangeiros português de então, João Deus Pinheiro, está convencido que caso o massacre

não tivesse ocorrido Timor nunca seria um estado independente (entrevista, 2000). Por último,

o assessor de imprensa da Amnistia Internacional em Londres, Ríchard Bunting, considera que

o episódio no cemitério de Santa Cruz chamou a atenção pela primeira vez para Timor-Leste e

elevou a questão como um assunto autónomo de persistente violação de direitos humanos

(entrevista, 1998). (21)

O Massacre de Díli também constituiu um marco no que respeita à relevância noticiosa da

cobertura mediática ocidental. Antes do Massacre, Timor-Leste nunca tinha constado no menu

do noticiário internacional, com a excepção do período que mediou a revolução dos Cravos em

Portugal (Abril 1974) e a invasão de Timor-Leste (Dezembro de 1975) durante o qual a atenção

mediática foi significativa. Na altura, a possibilidade de Timor se tornar num Estado

independente ou de ser incorporado na Indonésia motivou o interesse dos média ocidentais.

No entanto, a invasão assinalou um declínio na cobertura, sendo que uma explicação plausível

para o decréscimo possa ter sido a expulsão de todos os estrangeiros do território - inclusive

jornalistas - após a tomada indonésia da ex-colónia portuguesa. Tal como Herman assinala, as

reportagens sobre Timor-Leste eram extremamente escassas e diminuíram à medida que as

violentas incursões indonésias aumentavam em intensidade; os textos eram vagos quanto às

alegadas mortes e eram desprovidos de qualquer expressão de indignação; e não empregavam

a expressão «genocídio» (1985: 191).

Ao longo dos últimos 25 anos verificou-se uma cobertura intermitente e casual na imprensa

ocidental. Interesse sustentado, só foi patenteado pela imprensa australiana, dada a

proximidade geográfica e a existência de uma comunidade de refugiados timorenses

instalados naquele país; e, em especial, pela imprensa portuguesa, devido ao passado colonial

e às estreitas e persistentes ligações culturais.

O episódio de Novembro de 1991 concedeu visibilidade a Timor-Leste enquanto assunto

internacional e emancipou-o da Indonésia, constituindo desde essa altura um tema por direito

próprio. Pela primeira vez, a ex-colónia portuguesa teve honras de primeira página e

estabeleceu um precedente na mente dos editores e repórteres (Andersson entrevista, 1999).

Os dois factores decisivos para tal protagonismo foram: a presença de jornalistas ocidentais no

território aquando do massacre - Allan Nairn. Amy Goodman, Saskia Kouwenberg, Max Stahl,

Russel Andersson e Stephen Cox - e a existência de imagens do episódio. Na verdade, e pela

primeira vez, desde a invasão, incidentes em Timor-Leste tinham sido filmados. Max Stahl não

só registou alguns momentos do massacre como logrou enviar sorrateiramente uma cassete

de três minutos para fora do país. O operador britânico solicitou ao representante da ONU,

Pieter Kooijmans, que fosse o portador da cassete, mas foi confrontado com a recusa do

holandês. Posteriormente, uma jornalista com a mesma nacionalidade, Saskia Kouwenberg,

também recusou fazê-lo por receio de ser descoberta, pelo que teve de ser o padre Renato

Stefani a transportar a cassete para o exterior do território (Stahl, 1998). As imagens não

editadas consistiam em grandes planos de avalanches de pessoas a correrem em pânico

através do cemitério tendo como barulho de fundo disparos de metralhadora e sirenes, bem

como as vozes de mulheres visivelmente perturbadas que rezavam alto em português. Talvez a

mais contundente das imagens tenha sido a de um plano fechado de um timorense ferido,

ensanguentado e em sofrimento nos braços de um antigo. As imagens foram prontamente

veiculadas em Portugal no dia 18 de Novembro e posteriormente transmitidas um pouco por

todo o mundo. Como é consensualmente aceite, a existência de imagens e a sua rápida difusão

no exterior, incluindo a Grã-Bretanha onde o Massacre mereceu uma cobertura sem

precedentes de 20 minutos no boletim diário do dia 28 de Novembro da ITV - foi fundamental

para tornar os incidentes no cemitério de Santa Cruz noticiáveis (Carey entrevista, 1998;

Bunting entrevista, 1998).

O registo visual atestava a versão dos jornalistas ocidentais presentes em Díli. Igualmente

importante, as imagens contrariaram os melhores esforços de Camberra, Londres e

Washington de manter Timor-Leste de fora da agenda diplomática internacional (Kingsbury,

2000: 172-3). As imagens pungentes motivaram a produção de dois documentários e incitaram

ao activismo internacional. Na verdade, a violência do massacre associada ao impacto das

imagens captou a atenção mundial para uma realidade no território que havia sido ocultada

durante décadas. Desta forma, o massacre literal e metaforicamente colocou Timor-Leste no

mapa-mundo (Kimura and Kheng, 1997).

Poder-se-ia argumentar que o massacre só mereceu o destaque mediático porque não havia

mais nada significativo no menu noticioso desse período. Contudo, uma análise da imprensa

escrita nessa altura revela que o fim da Guerra do Golfo, a desintegração da União Soviética e

o conflito nos Balcãs rivalizaram com o massacre de Díli pela atenção mediática do noticiário

internacional. Até mesmo na Ásia, o processo de paz no Cambodja estava nessa altura em

foco, após a assinatura do acordo em Paris, em Outubro, e o regresso do príncipe Norodom

Sihanouk depois de 13 anos no exílio. Além disso, a proximidade dos 50 anos da dolorosa

memória de Pearl Harbour, bem como, os dois tufões que abalaram as Filipinas, receberam

cobertura mais extensa que o massacre de Díli. O primeiro desses tufões provocou a morte de

5000 pessoas. O segundo, de natureza política, foi causado pelo regresso ao país de Imelda

Marcos que gerou uma onda de apoio popular na véspera das eleições presidenciais no país.

De qualquer forma, o que é inegável é que o massacre de Díli provavelmente não teria

merecido a atenção mediática caso não contivesse os ingredientes de um acontecimento

noticiável. Tratava-se desde logo de um episódio dramático, envolvendo o derramamento de

sangue, algo que sempre afecta e promove sentimentos de empatia nas audiências (Booth

entrevista, 1998; Andersson entrevista, 1999).

Mesmo não tendo sido o protagonista noticioso do período em questão, e apesar do

desconhecimento internacional da questão maubere, o massacre de Díli mereceu cobertura

mediática sem precedentes por mérito próprio.

Dois eventos conjunturais merecem atenção detalhada dado que aparecem no noticiário,

estavam relacionados com a cobertura e foram considerados durante as entrevistas encetadas

no âmbito deste trabalho: o fim da Guerra Fria e a Guerra do Golfo. Durante décadas o conflito

de Timor-Leste esteve subordinado ao calculismo ocidental da Guerra Fria relacionado com a

edificação de uma Indonésia forte na sua condição de Estado tampão da expansão do

comunismo no sudoeste asiático. À medida que a sombra da rivalidade Este-Oeste se

desvanecia na região da Ásia-Pacífico, a lndonésia perdeu algum desse valor estratégico

enquanto aliado ocidental. Ao mesmo tempo, assuntos tais como a auto-determinação, o

ambiente, o tráfico de droga e o terrorismo apareciam com maior frequência na agenda

internacional dada a acepção mais abrangente da segurança. Consequentemente, havia agora

mais margem de manobra para críticas por parte das potências ocidentais aos

comportamentos desviantes de Jacarta no domínio dos direitos humanos. O impacto do

colapso do antagonismo político-ideológico entre o capitalismo e o bloco comunista na saga

timorense, contudo, gera alguma controvérsia entre os especialistas na matéria. Enquanto

Peter Carey advoga que tal mudança fundamental no cenário internacional constituiu o factor

contemporâneo mais decisivo na luta maubere (entrevista, 1998), Anne Booth discorda e

contesta esta relevância. Para Both os assuntos dos direitos humanos já integravam a agenda

internacional mesmo antes do fim da Guerra Fria (entrevista, 1998).

Um ano antes do término da Guerra Fria, irrompeu a crise no Golfo Pérsico quando o lraque

invadiu o Kuwait e o declarou como parte integrante do seu território. Semelhanças com o

caso de Timor-Leste e a denúncia sobre a dualidade de critérios emergiram como evidências

da hipocrisia que caracterizava das intervenções dos países influentes nos assuntos

internacionais. Os timorenses esperavamque a atitude evidenciada pelos aliados ocidentais

relativamente ao. Kuwait durante a «Tempestade do Deserto» por extensão beneficiasse a sua

nação.

Bruno Beijer manifestou alguma cautela em co.mparar os dois casos por constatar que apesar

de algumas semelhanças em termos morais, no que concerne à reallpolitik as diferenças são

substanciais (1999). Enquanto. «o petróleo e a zona geoestratégica envolvida [i.e. Kuwait e

Iraque] justificavam uma reacção vigorosa», no caso de Timor-Leste «nenhuma resolução nem

nenhum tipo de embargo contra a Indonésia foi implementado (entrevista, 1999). A

comunidade internacional pretendia assegurar a observância do direito de auto-determinação

dos Timorenses sem hipotecar o. bom relacionamento com uma parceiro estratégico regional

(ibid.). (22) James Dunn também se concentrou no contraste entre o Kuwait e Timor-Leste

constatando que a ex-colónia portuguesa «não estava na convergência do relacionamento

entre as superpotências; não constituía uma prioridade política, estratégica ou económica para

a União Soviética ou a China» (1995: 7).

4 O redireccionamento da comunidade internacional no pós-massacre

Parece indisputável que o massacre de Díli amplificou a questão de Timor-Leste, colocando a

ex-colónia portuguesa no mapa mediático e diplomático. Em resultado disso, o assunto

reapareceu ocasionalmente nos fóruns internacionais e na imprensa mundial, muito embora

uma solução para o diferendo continuasse longe da vista. Na verdade, a ex-colónia portuguesa

teve de aguardar pela ocorrência simultânea de condições específicas para que se quebrasse o

impasse relativo às suas antigas pretensões. Entre os factores que facilitaram a mudança,

encontram-se a alteração do interesse da comunidade internacional, as mudanças políticas e

económicas ocorridas na Indonésia e a reconciliação portuguesa com a sua ex-colónia.

Antes de elucidar corno isto ocorreu, seria de todo injusto não destacar que a ocupação

indonésia enfrentou desde o início uma resistência armada e resoluta, à custa de 200 000 vidas

timorenses. (23) Somente a resistência, e a Fretilin em particular, como excepção à regra, não

sucumbiram ao esforço ele perpetuar uma luta determinada para manter o assunto de

Timor-Leste vivo. Um outro partido timorense, a UDT, aliou-se à Indonésia e até 1986 defendia

a integração de Timor-Leste. (24) Desde então, desapontada com Jacarta, esta facção política

assinou um acordo com a Fretilin que conduziu à formação de uma frente conjunta de luta

contra a ocupação indonésia: o Conselho Nacional de Resistência Maubere. Mais tarde, em

1997, a coligação dos grupos timorenses (incluindo por exemplo a Fretilin e a UDT) deu origem

ao Conselho da Resistência Nacional Maubere.

Além da resistência militar e civil, outros elementos estiveram envolvidos na sobrevivência da

identidade nacional timorense. Apesar da posição oficial do Vaticano se ter caracterizado pela

aceitação do status quo, membros da igreja católica local contribuíram de forma decisiva para

a preservação da identidade cultural e religiosa (por exemplo ao adoptarem o tétum como

língua litúrgica). Esse foi o caso do Monsenhor Carlos Ximenes Belo que se converteu num

aliado da resistência e no mediador privilegiado com a Indonésia. O seu antecessor Monsenhor

Martinho da Costa Lopes tinha denunciado as práticas de genocídio dos indonésios em

Timor-Leste, algo que alegadamente terá estado na sua destituição, por parte do Vaticano, a

favor de Belo, com o intuito de facilitar a integração da ex-colónia portuguesa na Indonésia

(Gomes, 1995). Após o massacre, Belo cautelosamente suscitou a possibilidade de realização

de um referendo sobre o futuro de Timor-Leste. Nos anos que se seguiram, ele assumiu-se

como um defensor activo da defesa dos direitos humanos timorenses e um opositor ferrenho

da ocupação indonésia (Kingsbury, 2000: 25).

A outro nível, as resoluções tanto da Assembleia Geral como do Conselho de Segurança da

ONU (Gunn, 1997: 107-12), considerando a integração indonésia como ilegal e reconhecendo

continuamente Portugal como potência administrante do território, revelar-se-iam decisivas

para o futuro de Timor-Leste e para a credibilidade da própria organização. Na verdade, a

atribuição do estatuto de território não-autónomo a Timor-Leste foi de importância

primordial. Permitiu, numa fase inicial, às autoridades portuguesas e aos timorenses

empreenderem a sua campanha conjunta pela causa comum e, posteriormente, legitimaria a

intervenção da comunidade internacional. Mesmo enfrentado a falta de vontade política das

maiores potencias (isto é da «coligação dos indisponíveis») em implementar as suas repetidas

resoluções, a ONU logrou preservar na sua agenda o processo inacabado de Timor-Leste ao

longo dos anos, demarcando legalmente o assunto. De 1983 a 1991, sob os auspícios de Perez

de Cuellar, a ONU promoveu negociações entre a Indonésia e Portugal sobre Timor-Leste. No

final dos anos 90, já sob a diplomacia inovadora de Kofi Annan, a ONU contribuiu para

formulação de uma solução definitiva para a questão maubere.

Portugal, a antiga potência colonial, afinou o seu posicionamento relativo à questão da sua

ex-colónia na década de 1980: Timor-Leste deixou de ser apenas uma referência marginal nos

sucessivos programas governamentais para constituir uma prioridade da política externa

portuguesa. Dois factores, em particular justificaram a mudança radical em Lisboa. Por um

lado, a influência decrescente de Portugal no Conselho de Segurança da ONU. Na verdade, o

número de países que votaram favoravelmente a resolução da Assembleia Geral das Nações

Unidas relativa a Timor-Leste passou de 72 votos a favor e 9 contra (em 1975), para um

empate técnico a 50 votos (além de 46 abstenções) em 1982. Face a esta tendência de voto, as

autoridades de Lisboa ficaram apreensivas com a possibilidade da Indonésia obter uma

votação favorável no Conselho de Segurança, algo que hipotecaria o fundamento legal da

acção portuguesa.

Por outro lado, a adesão de Portugal à Comunidade Europeia em 1986. Lisboa envolveu-se

sem grandes dificuldades no processo de Cooperação Política Europeia (CPE), cujo molde

intergovernamental não condicionava o gozo das prerrogativas soberanas externas nem

hipotecava a especificidade dos estreitos laços históricos-culturais entre Portugal e a

«affectatio communitalis» dos Estados de língua oficial portuguesa. Neste enquadramento

comunitário, Portugal empreendeu uma estratégia de «up-hill struggle» com o intuito de

sensibilizar os parceiros comunitários para a intolerável e persistente situação em Timor-Leste.

De todo em todo, Portugal merece o crédito porque Timor-Leste provou ser uma longa causa e

muitas vezes uma luta solitária (Beijer entrevista, 1999).

Em 1975, a Indonésia removeu o assunto do escrutínio da comunidade internacional e

promoveu em alguma medida o desenvolvimento no território. No entanto, as soluções

militares para os problemas em Timor-Leste não surpreendentemente receberam a

desaprovação maubere. Durante a década de 1990, as mudanças na Indonésia e, em

particular, a resignação do presidente Suharto, facilitaram a solução da questão de

Timor-Leste. Dito doutra forma, só pela conjugação dos factores da crise económica que

afectou a Indonésia e os demais «tigres» asiáticos em 1997 e a queda de Suharto em Maio de

1998, (25) foi possível a emergência de uma solução alternativa para a até então irresolúvel

questão timorense. O Presidente Habibie queria romper com o passado e estabelecer um claro

contraste com o seu predecessor, apresentando-se como um liberal e democrata. Timor-Leste

oferecia a oportunidade para evidenciar esta nova disposição. Ao contrário do antecessor,

Habibie tinha uma concepção diferente da autoproclamada 27ª província. Ele acreditava que

não compensava manter a situação no território com todos os consideráveis custos militares e

financeiros envolvidos. Timor-Leste tinha sido relegado ao ostracismo da opinião pública

indonésia. Nunca havia sido um assunto doméstico relevante, no sentido que ninguém sabia

aquilo que se passava no território e não entendia o interesse que a questão suscitava

(Tirtosudarmo, 1992: 136). Por isso, Habibie podia lidar com a questão de uma forma mais

liberal sem correr o risco de sofrer grandes represálias internas. Igualmente digno de nota, foi

o posicionamento da nova liderança indonésia no sentido da promoção da credibilidade

internacional do país. A visibilidade recém-adquirida de Timor-Leste como assunto

internacional, bem como, a sua exposição mediática mundial concederam a Habibie um

argumento adicional para amputar a situação que tinha estado na origem das críticas externas.

A abertura e disposição do novo presidente para abordar o assunto da autonomia e mais tarde

permitir a possibilidade da realização de um referendo sobre a independência,(26)

confirmaram o redireccionamento da posição indonésia vis-à-vis Timor-Leste. Também atestou

que, de alguma forma, Suharto tinha bloqueado a resolução da questão maubere e que caso

ele tivesse permanecido no poder por mais alguns anos dificilmente o estatuto de Timor-Leste

teria sofrido alguma alteração. Nesse sentido, poder-se-ia argumentar que a independência e

autodeterminação de Timor-Leste se devem mais à situação político-económica da Indonésia

do que às vontades concertadas de mudança da parte dos próprios timorenses e dos

portugueses. As mudanças político-económicas na Indonésia também facilitaram o

redireccionamento das políticas de outros países relativamente a Jacarta com algumas

repercussões para Timor-Leste. A Austrália, por exemplo, alterou o seu posicionamento

governamental em Dezembro de 1999. As autoridades de Camberra tradicionalmente

encararam a independência de Timor-Leste como uma causa perdida e a anexação indonésia

como irreversível. A alteração desta visão característica da política oficial australiana, a favor

da auto-determinação dos timorenses, seria igualmente crucial para o futuro do território.

Por último, a já sublinhada atenção mediática também constituiu um factor fundamental para

a sobrevivência da questão de Timor-Leste no cenário internacional. João de Deus Pinheiro

(entrevista, 2000) atribui-lhe um papel decisivo, tanto antes como depois do Massacre de Díli.

Antes do episódio no cemitério de Santa Cruz, a cobertura esporádica devotada a Timor-Leste

permitiu substanciar a posição e o activismo portugueses em prol da antiga colónia. Após o

massacre, não só a cobertura de Timor-Leste alcançou uma audiência internacional mais

alargada, projectando a questão de maubere de uma forma sem precedentes, como também

assumiu uma orientação mais crítica na denúncia das violações dos direitos humanos no

território (ibid.).

5 Conclusão

Este capítulo, concentrou-se nas vicissitudes da questão de Timor-Leste desde a época da

descolonização, passando pelo período de domínio de facto da Indonésia e alguns episódios

marcantes que conduziram a independência do povo maubere. Depois de 16 anos de

ocupação indonésia, e ao contrário de outras ocorrências no território, que ou não foram

noticiadas ou receberam uma míngua/exígua cobertura mediática, o massacre de Díli

constituiu um ponto de viragem do foco mediático relativamente a este território remoto. Por

fim, analisa o redireccionamento das principais potências da «coligação dos indisponíveis» e

constata que, de forma algo irónica, Timor-Leste deve em muito a sua permanência na agenda

internacional aos mesmos actores que no passado aquiesceram a ocupação de Jacarta, o que

quase se consumou na sua integração efectiva e definitiva no Estado Indonésio.

(1) Como Damien Kíngsbury reconhece: «Numa fase inicial a Fretilin e UDT não era radicalmente diferentes

nos objectivos a que se propunham, e lograram aliar-se em Janeiro de 1975 em busca da

independência… mas com os serviços secretos indonésios a conspirarem contra a Fretilin, a UDT foi

levada a crer que a Fretilin promoveria em breve um golpe. Em antecipação desse prospecto, em 11 de

Agosto de 1975, apoiada pelas forças de segurança locais, a UDT organizou um ataque preventivo contra a

Fretilin que ficou conhecido como o "movimento revolucionário anticomunista ele 11 de Agosto"… a

luta foi intensa mas terminaria em poucos dias ainda que" custa de 2000 a 3000 baixas» (2000: 155)

[tradução do autor].

(2) Embora alguns apontem 1985 como a data do reconhecimento de jure da anexação do território, a maior

parte dos autores, incluindo Peter Chalk (2001: 233-253), sustenta que tenha ocorrido em 1979.

(3) Noam Chomsky, por exemplo, referiu que «sob a mão condutora de Thatcher a Grã-Bretanha assumiu a

liderança no altamente lucrativo negócio de crimes de guerra». O rationale das autoridades britânicas

ficou expresso nas declarações do Ministro da Defesa britânico quando declarou: Eu não encho a minha

mente com o que um conjunto de estrangeiros estão a fazer sobre outros quando há dinheiro para ser

ganho (1996: 183) [tradução do autor].

(4) Expandindo a metáfora do então Ministro dos Negócios Estrangeiros indonésio Ali Alatas (Sherlock, 1996: 846).

(5) No anuário de 1992, o Instituto Internacional de Investigação sobre a Paz de Estocolmo (SIPRI) relatava

que «em 1989 o movimento reemergiu, atiçando os confrontos que escalaram em 1990. Um ano depois a

oposição armada parecia ter sido suprimida mas a luta continuou intensa na parte final de 1991.

Organizações de direitos humanos estimam em 1500 o número de baixas desde 1989. A agência noticiosa

Reuters avançou com a estimativa de 2300 vítimas, das quais um terço era da população civil» (1992:

440-441; ver também Goderbauer, 1993: 132-179) [tradução do autor].

(6) É curioso mencionar a propósito do Movimento dos Não Alinhados que este organismo incluía

Timor-Leste na listagem dos países não-autónomos que aguardavam libertação.

(7) Anne Booth, por exemplo, preconiza que «o governo indonésio permitiu o acesso aos jornalistas ao

território convencidos que os problemas se tinham atenuado, o que se revelaria um erro estratégico»

(entrevista, 1998).

(8) Bruno Beijer contesta tal possibilidade mencionada na literatura. Embora admitindo que tenha havido

pensamento militar por detrás da operação da invasão e na manutenção do território durante um período

tão longo (se calhar devido a um síndroma semelhante ao do Vietname, dado que achavam que tinham

investido tanto e registado baixas tão consideráveis que não deveriam abdicar do território), ele afirma

que se tratou de lima decisão pessoal do próprio presidente. Por isso, Suharto recusava-se a

implicitamente admitir que tinha sido um erro, caso permitisse a retirada Indonésia de Timor-Leste; bem

como estava preocupado com a unidade e integridade territorial, pelo sinal que emitira para outras

localidades com pretensões autonómicas ou separatistas. Beijer refere ainda a disponibilidade da parte de

Ali Alatas para em 1995 e 1996 apresentar uma proposta credível e razoável contemplando algum tipo de

autonomia para o território, mas deparou-se coma recusa do palácio presidencial (entrevista, 1998).

(9) De acordo com Michael Vatikiotis, «Murdani desempenhou um papel crucial na invasão de Timor em 1975

e aparentemente Suharto "tratou-o como a um filho, o que fez com que a defecção política posterior de

Murdani fosse um sapo difícil de engolir para Suharto". "Murdani foi convocado em 1988 para ser

notificado que deveria abdicar do comando das Abri a favor do General Trv Sustrino" e desde altura

Murdani foi visto como "o mais provável promotor de um pulso contra Sujarão". Em 1991, quando a

sucessão de Suharto ainda não se vislumbrava como exequível, já Murdani era apontado como o principal

rival da família Suharto que o indiciavam como o conspirador-mor da campanha conducente ao derrube

de Suharto- (1992: 82-83,163).

(10)Tratou-se de uma tentativa de desacreditar o regime 5uharto (ibid.: 186).

(11)A realização da visita não era consensual nas chefias das forças armadas indonésias. Corno Vatikiotis

refere «a satisfação resultante da anulação da visita ao território era indisfarçável em algumas das altas

patentes da Abri que se tinham oposto à realização da mesma, mas na qual o ministro dos negócios

estrangeiros depositava a esperança de resolução definitiva do conflito»(ibid: 187) [tradução do autor].

(12)Classificando a atitude indonésia de «um série violação do direito de informar e de ser informado», o

porta-voz cio parlamento português, Vitor Crespo, declarou no dia 26 de Outubro que «a delegação não

viajaria até que o veto à Jolliffe não fosse levantado» (Far Eastern Economic Review, 07.11.91).

(13)Mário Carrascalão também criticou a prática indonésia de utilizar timorenses como elementos dos

serviços secretos.. «Denominando tais agentes de "bandidos e rufias" o governador de Timor-Leste

declarou que o recurso a esse tipo de expediente só servia para acirrar o clima de medo e de suspeição no

território» (Far Eastern Economic Review, 28.11.91).

(14)Pieter Kooijmans foi o primeiro alto oficial a visitar Díli desde a suspensão da visita parlamentar

portuguesa ao território. «A demonstração preparada para os visitantes portugueses», segundo

testemunhos de alguns participantes recolhidos por Adam Schwarz, «foi re-direcionada para Kooijmans»

(Far Eastern Economic Review, 28.11.91).

(15)Ver condusões do Relator Especial Bacre Waly Ndiaye cit. por Kriegel, 1996; e Monitoring Reporting,

30.11.91.

(16)Enquanto um responsável indonésio apontava para 40 mortes, uma ONG apontava para 115 e o Bispo

Belo estimava as baixas em 180. O General Try Sustrino, por sua vez, assegurava que o número de mortos

não chegava seguramente aos 100, 50 no máximo, junto com 20 feridos e nenhum estrangeiro envolvido.

(17)O Relator Especial Bacre Waly Ndiaye declara no seu relatório que «a procissão que ocorreu em Díli no dia

12 de Novembro de 1991 era, quando muito, uma demonstração pacífica de dissidência política por parte

de cidadãos indefesos; as alegações de alguns responsáveis de que as forças de segurança teriam

disparado em legítima defesa e de que teriam respeitado os princípios da necessidade e do uso

proporcional de forças letais não foram comprovadas» (Krieger, 1996: 123).

(18)Curiosamente, a Conferência indonésia dos Bispos Católicos, estudantes indonésios e outras organizações

não só condenaram o episódio corno as suas versões não correspondiam ao discurso oficial.

(19)De acordo com a versão veiculada por Stephen Sherlock «10 lower ranking commissioned and

non-commissioned officers were court-martialled and received sentences from 8 to 18 months for

disciplinary offences ... Major General Sintong Paujaitan, military area commander was sent on a study

tour to the US» (1996: 840). O Anuário de 1993 da Far Eastern Econonmic Review assinala que o

Brigadeiro-General R.S. Warouw foi substituído «and sent off for further studies in the US, while things

cooled down at home» (1993 Yearbook: 130).

(20)O grupo militar em oposto ao general Suharto, denominado a petição dos 50, salientou a semelhança

entre estes dois episódios.

(21)David Howllett, um investigador da Ásia no Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico, contesta que o

Massacre de Díli tenha sido o ponto de viragem, antes um assunto importante que suscitou a atenção

internacional». Portanto, «apesar de ter sido um episódio significativo não o foi mais do que qualquer

outro evento dramático no território considerado noticiável» (entrevista, 1998).

(22)Tal como historiador Mark Curtis constatou «o recurso à justificação aos diabos do outro lado (como

durante a Guerra Fria) para apoiar ditaduras sangrentas e assassinos em massa deixou de ser possível ...

agora outra formulação vigorava: a de que países do terceiro mundo que perpetravam repressões das

populações mas que adoptassem políticas favoráveis aos interesses ocidentais seriam de alguma forma

incapazes, por razões culturais, de garantir o respeito pelos direitos humanos, As tentativas de imposição

do alto padrão ocidental poderiam ser vistas como uma interferência nos assuntos internos de tais países

(algo que não poderíamos equacionar) pelo que o negócio deveria prosseguir como habitualmente»

(1995: 116-19) [tradução do autor].

(23)A resistência timorense foi liderada pelas Falintil (Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste)

que constituíam inicialmente o braço armado da Fretilin até se ter formalmente emancipado em 1987.

(24)O mesmo não se pode dizer acerca de algumas destacadas individualidades timorense tais corno Manuel e

Mário Carrascalão, que colaboraram com a Indonésia até meados da década de 1990. Na verdade, por

altura do massacre de Díli, Manuel Carrascalão ainda desempenhava as funções de governador de Timor

nomeado pela Indonésia.

(25)O representante português na ONU ele 1997 a 2001, António Monteiro, também considera que a renúncia

de Suharto abriu uma janela de oportunidade, ainda que o verdadeiro detentor do poder, o regime militar, permanecesse inalterado» (Monteiro, 2001).

(26)Em 30 de Agosto de 1999, apesar da campanha de intimidação indonésia, 98,6% dos eleitores timorenses

exerceram o seu direito de voto, dos quais 78,5% optou pela independência da Indonésia

Título I Timor-Leste: da Nação ao Estado

Organizadores I Rui M. S. Centeno e Rui Alexandre Novais

Edição I Edições Afrontamento I Rua Costa Cabral, 859 I 4200-225 Porto

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cetac (centro de estudos das tecnologias, artes e ciências da comunicação)

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Capa, I Departamento gráfico I Edições Afrontamento

Colecção I Comunicação I Arte I Informação I 3

N.º de edição I 1049

ISBN10 I 972-36-0864-2

ISBN10 I 978-972-36-0864-9

Depósito legal I 251655/06

Impressão e acabamento I Rainho & Neves Lda. I Santa Maria da Feira

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Dezembro de 200