de fomento re- comerciais estaduais · se da integração financeira do país, dando espe-cial...

3
P arasituar o papel dos bancos estatais no Brasil - entendendo "banco" no sentido amplo de "instituição financei- ra"-, convém, antes de mais nada, e em benefício da clareza, categorizar os bancos estatais existentes no país: (CEF) e, transitoriamente e em situação singular, o Banco Meridional; O bancos, também federais, de fomento re- gional: o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e o Banco da Amazônia (BASA); O bancos comerciais estaduais: o Banco do Estado de São Paulo (BANESPA), a Nos- sa Caixa/Nosso Banco (NC-NB, também de São Paula), o Banco do Estado de Es- CJ bancos comerciais federais: o Banco do Brasil (BB), a Caixa Econômica Federal RAE Light· v.2· n.6· p. 9-11 Uma opinião sobre o papel dos Bancos estatais no Brasil Real David F. Hastings

Upload: others

Post on 18-Nov-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: de fomento re- comerciais estaduais · se da integração financeira do país, dando espe-cial atenção a determinados focos da política fe-deral (agro-indústria e exportação,

Parasituar o papel dos bancos estataisno Brasil - entendendo "banco" nosentido amplo de "instituição financei-ra"-, convém, antes de mais nada, e

em benefício da clareza, categorizar os bancosestatais existentes no país:

(CEF) e, transitoriamente e em situaçãosingular, o Banco Meridional;

O bancos, também federais, de fomento re-gional: o Banco do Nordeste do Brasil(BNB) e o Banco da Amazônia (BASA);

O bancos comerciais estaduais: o Banco doEstado de São Paulo (BANESPA), a Nos-sa Caixa/Nosso Banco (NC-NB, tambémde São Paula), o Banco do Estado de Es-

CJ bancos comerciais federais: o Banco doBrasil (BB), a Caixa Econômica Federal

RAE Light· v.2· n.6· p. 9-11Uma opinião sobre o papel dos Bancos estatais no Brasil Real David F. Hastings

Page 2: de fomento re- comerciais estaduais · se da integração financeira do país, dando espe-cial atenção a determinados focos da política fe-deral (agro-indústria e exportação,

pírito Santo (BANESTES), o Banco do Es-tado do Rio Grande do Sul (BANRISUL), oBanco de Brasília (BRB), o Banco do Es-tado do Paraná (BANESTADO), o Bancodo Estado do Ceará (BEC), e outros.

Em categorias especiais, que excluo destasconsiderações pelas razões indicadas, existem oBanco Central do Brasil (BC - o "banco dos ban-cos", que não se relaciona com público) e o Ban-co Nacional de Desenvolvimento Econômico eSocial (BNDES - que se restringe ao campo es-pecífico de atuação para o qual foi criado). Até hápouco existiam também os bancos de desenvol-vimento estaduais - estes, por sua redundânciacom os correspondentes bancos comerciais esta-duais, foram, na sua maioria (se não na totalida-de), por estes últimos incorporados.

A bem da verdade, salvo algumas exceções, noBrasil os bancos estatais não são de propriedadeexclusiva do governo: o Banco do Brasil e a maio-ria dos bancos estaduais têm composição acioná-ria que mescla o Estado com o indivíduo. (Isso dámargem a algumas distorções muito curiosas. Nãodá para deixar de pensar no fato curioso de que, namaioria dos casos, quando um banco estatal dá lu-cro, o ganho beneficia, sob forma de dividendos,seus acionistas - a coletividade trlbutadae os in-divíduos participantes do capital, mas quando umbanco estatal dá prejuízo, a perda onera o Estado- a coletividade tributada apenas. E eu nuncasoube de um caso em que o acionista recebessedividendos negativos.)

Em tese, cada uma daquelas três categoriasde bancos estatais teria um papel específico: osbancos comerciais federais deveriam encarregar-se da integração financeira do país, dando espe-cial atenção a determinados focos da política fe-deral (agro-indústria e exportação, no caso doSB; poupança popular e crédito imobiliário, nocaso da CEF), os de fomento regional deveriamdedicar-se exatamente ao desenvolvimento (eco-nômico, supõe-se) das regiões em que atuam, eos comerciais estaduais deveriam suprir even-tuais deficiências, tanto de integração financeiraquanto de desenvolvimento econômico, que semanifestassem em seus respectivos Estados.

Na prática, todos os bancos estatais são co-merciais e de "amplo espectro", concorrendo empraticamente todas as frentes com o conjuntodos bancos privados e, em alguns casos, até ne-gligenciando sua esfera precípua de atuação,um ponto que tem sido alvo de preocupação nasatuais gestões.

Antes do advento do Plano Real, os bancos es-tatais, tal como os demais, tinham assumido o

papel de "corretores da dívida pública", mergu-lhando na "ciranda financeira" ensejada pelos ní-veis estratosféricos da inflação, das taxas de jurose das margens financeiras resultantes. Com o vir-tual desaparecimento da inflação e da queda con-seqüente das taxas despread, a maioria dos ban-cos (que, incluindo alguns bancos estatais, haviaprevisto o fenômeno desencadeado pelo governode Fernando Henrique Cardoso) antecipou osajustes necessários. Por exemplo, em 1985 oBanco Itaú tinha cerca de 75.000 funcionários,mas esse número caiu para perto de 50.000 em1992 e atualmente chega na faixa de 35.000. Osdemais bancos privados, na sua maioria, também"abriram os olhos" nas mesmas proporções.

Em suma, com o desaparecimento dos windfallprofits gerad0/3pela inflação galopante, os bancosprivados identificaram a conveniência do retornoao seu papel original de intermediários financei-

··ros, promovendo ajustes a essa conveniência (afi-nai de contas, os acionistas sempre reclamamseus dividendos!). Sou da opinião de que os ban-cos estatais deveriam ter voltado às suas voca-ções originais, mas acho que a maioria deles nãoenxergou essa conveniência ...

Isso não quer dizer que os bancos estatais de-vam restringir-se ao papel original, mesmo porqueisso seria implicar abandono das atividades debancos comerciais. Especial atenção às ativida-des de suporte financeiro aos planos de governosdeve mesmo existir, mas, em muitos casos, esseapoio exige atividades normais de bancos comer-ciais. Por exemplo, admitindo que, sendo SãoPaulo um Estado fortemente voltado para a indús-tria, seu banco estadual - o BANESPA - con-centre-se no financiamento à indústria (refiro-meapenas à indústria para simplificar; São Paulo étambém agrícola, pecuarista, comercial e presta-dor de serviços). Acontece que o financiamento aum tipo de atividade econômica acaba envolven-do outras esferas, de modo que, para dar supor-te a um hipotético plano governamental de incen-tivo à indústria, o BANESPA seria obrigado a ofe-recer serviços bancários completos a seus clien-tes, como qualquer outro banco. Apenas achoque, nesse exemplo, o SANESPA deveria focali-zar suas atividades no apoio aos planos econômi-cos do governo de São Paulo, além de oferecer osdemais serviços bancários. Na verdade, vejo esseapoio a planos governamentais como a própria ra-zão de ser dos bancos estatais; sem essa função,não haveria porquê manter os bancos estatais.

Agora, avançando um pouco mais, abordemosa questão do uso eleitoreiro (ou de outras distor-ções de politicagem) dos bancos estatais: não hádúvida de que o fato de o banco estatal se centra-

© 1995, RAE Light/EAESP/FGV, São Paulo, Brasil.

Page 3: de fomento re- comerciais estaduais · se da integração financeira do país, dando espe-cial atenção a determinados focos da política fe-deral (agro-indústria e exportação,

lizar sobre ações de apoio a planos governamentaispode continuar propiciando o seu mau uso. Nestemomento, acredito que todos os bancos estatais, in-cluindo os federais, estão sofrendo conseqüências,em alguns casos, dramáticas, de abusos de gestõesanteriores, mas esse tipo de problema não se situana esfera econômica, administrativa ou mesmo po-lítica - é um caso de polícia. Mas vejo tambémoutra perspectiva para essa questão.

Talvez eu seja otimista, mas acho que dois impor-tantes fatores devem influenciar na redução dessesriscos de mau uso: a profissionalização da gestãodos bancos estatais e a moralização da classe po-lítica. À medida que bancos estatais forem geridospor administradores profissionais e competentes, ouso abusivo dessas instituições será reduzido, e àmedida que uma nova moral se estabelecer entre ospolíticos, a própria vontade do uso abusivo tenderáa se atenuar. Como observei antes, talvez eu este-ja sendo otimista, mas acho que essas duas revolu-ções estão ocorrendo no Brasil. O Estado do Cea-rá é um bom exemplo disso: o BEC está quase que"ressurgindo das cinzas". É claro que há ainda umlongo caminho pela frente ...

A dinâmica do processo é simples e pode sermuito eficaz. Imaginemos, por exemplo, uma situ-ação em que o Governo Covas queira implemen-tar determinado plano de desenvolvimento econô-mico no Estado de São Paula, e que atribua à Nos-sa Caixa/Nosso Banco, um banco estadual, oagenciamento financeiro desse plano. Ao analisaro plano, a administração da instituição verifica que,do ponto de vista financeiro, ele não é viável naforma proposta. O que ocorrerá então, admitindoum mínimo de bom-senso da equipe governamen-tal, e mediante uma exposição adequada de moti-vos, é que o plano será ou reformulado com vistasà sua viabilidade financeira ou descartado.

Ao se voltarem para essa atuação específica,os bancos estaduais teriam, assim, um nicho demercado assegurado. Mas temos de pensar naatuação limitada ao território dos seus estados eno seu poder de concorrência com os bancos pri-vados, que têm redes nacionais e, em alguns ca-sos, até internacionais. Um banco estadual tem,de fato, severas limitações territoriais: ele podemanter agências fora da área do seu Estado, masainda assim de maneira muito restrita. Mas essalimitação de ordem geográfica, física, está sendocompensada por um sistema informatizado muitoavançado, que integra todos os bancos estaduais,denominado "Rede Verde-Amarelo". Por meiodeste sistema - montado pela ASBACE (Associ-ação Brasileira dos Bancos Estaduais), entidadede classe dos bancos estaduais -, qualquer ban-co estadual pode acessar, para determinadas

RAE Light· v.2· n.6

BANCOS ESTA

transações, as redes de todos os outros bancosestaduais, formando assim uma malha que cobretodo o território nacional. Até certo ponto, o sis-tema "Verde-Amarelo" permite aos bancos esta-duais concorrerem em condições de igualdade,no que diz respeito à abrangência territorial, como Bradesco, o Itaú, o Unibanco, o Bamerindus e,até, com o Banco do Brasil.

Concluindo, observamos que os bancos estataistêm mercado assegurado e têm estrutura paracompetir com os bancos privados. Mas isso leva-nos também a uma outra pertinente questão: comoexplicar, então, que a maioria dos bancos estataisestá enfrentando dificuldades de lucratividade, deliquidez, e mesmo de sobrevivência, enquanto amaioria dos bancos privados se mostra saudável?

Ficou implícito, antes, que muitos bancos esta-tais sofreram usos abusivos de gestões governa-mentais passadas - de uns dois anos para cá, aimprensa vem trazendo notícias a respeito todosos dias. A questão é que, ao problema do mau usodesses bancos, acrescem-se outros, decorrentesda ausência do "olho do dono", característica detodas as entidades estatais.

Uma explicação para essa questão começa pelofato de que haviam gestores de bancos estataisque não estavam preparados para administrar comeficiência econômica. Designados por critérios pu-ramente políticos, eles também não estavam mui-to preocupados em procurar tal eficiência porquesabiam que, no máximo em quatro anos, suas res-ponsabilidades provavelmente cessariam. Nesteponto, destaco uma estatística mais ou menos re-cente que indica que, em média, o tempo de ocu-pação de cargos de direção em bancos estaduaisera da ordem de onze meses. Nesse cenário, osprofissionais de carreira dos bancos estatais (emmuitos casos, de primeiríssima qualidade) poucopodiam fazer para operar as instituições segundouma visão empresarial e bancária salutar. Em fun-ção desses fatores, os bancos estatais, com rarasexceções, demoraram muito para se conscientizardas necessidades de ajustes para uma situação deestabilidade financeira e crescimento econômico.Mas hoje esse quadro é outro: a situação de com-petência dos gestores de bancos estatais estámudando para melhor. Apenas é preciso dar tem-po ao tempo, já que, como observado antes, há umlongo caminho pela frente ...•