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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO Débora Bogéa da Costa Tayt-son CRIAÇÃO E DESTRUIÇÃO DE VALOR EM PRÁTICAS DE CONSUMO DO SOL Rio de Janeiro 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

Débora Bogéa da Costa Tayt-son

CRIAÇÃO E DESTRUIÇÃO DE VALOR EM PRÁTICAS DE

CONSUMO DO SOL

Rio de Janeiro

2018

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Débora Bogéa da Costa Tayt-son

CRIAÇÃO E DESTRUIÇÃO DE VALOR EM PRÁTICAS DE

CONSUMO DO SOL

Tese de Doutorado apresentada ao Instituto

COPPEAD de Administração, da

Universidade Federal do Rio de Janeiro,

como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Doutor em

Administração.

Orientador: Letícia Moreira Casotti

Rio de Janeiro

2018

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CRIAÇÃO E DESTRUIÇÃO DE VALOR EM PRÁTICAS DE

CONSUMO DO SOL

DÉBORA BOGÉA DA COSTA TAYT-SON

Tese de Doutorado submetida à Banca Examinadora do Instituto COPPEAD de

Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte

dos requisitos necessários à obtenção do grau de Doutor em Administração.

Aprovada por:

Rio de Janeiro 2018

(Presidente da Banca)

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DEDICATÓRIA

À família, meu porto seguro.

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço à minha orientadora, Professora Letícia Casotti, por

toda a generosidade e carinho desde o primeiro dia em que nos conhecemos.

Hoje vejo que trocar um doutorado em andamento para começar um novo foi a

minha melhor escolha. Como você uma vez me disse e eu concordo, “aqui

trabalhamos muito, mas somos felizes”. Obrigada por dividir essa felicidade

comigo ao longo desses quatro anos.

A todos os professores do COPPEAD, em especial às professoras Roberta

Campos e Maribel Suarez, que tantas vezes me ouviram apresentar e discutiram

essa pesquisa comigo ao longo do seu desenvolvimento.

À professora Lisa Peñaloza que gentilmente aceitou me receber no doutorado

sanduíche em Bordeaux e dedicar parte do seu tempo para contribuir com o meu

desenvolvimento como pesquisadora.

Ao meu orientador de mestrado, Professor Eduardo Ayrosa, por ter despertado

em mim a vontade de seguir na pesquisa em Comportamento do Consumidor e

ter me apresentado para a Professora Letícia Casotti.

À Ticiane, por todo suporte administrativo necessário para que eu conseguisse

cumprir os prazos acadêmicos.

A CAPES, pelos auxílios de bolsas a esta pesquisa tanto no Brasil, quanto

durante o período de doutorado sanduíche.

À Camila Teixeira e a Thaysa, pelos diversos momentos em que conversamos e

por me ajudarem a concluir esse desafio com mais leveza.

Às minhas amigas da salinha de pós-doc, Ana Raquel, Nilma e Ana Paula, por

compartilharem comigo não apenas um lugar de trabalho como também

incontáveis momentos de incentivos.

Às minhas amigas doutorandas, Clarice Santos e Jeanne Pereira, por dividirem

comigo os momentos de angústia e de alegria.

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Às minhas amigas inacianas, Ana Carolina, Roberta, Betania, Ana Luiza, Joana,

Renata e Simone pela amizade, apoio e compreensão durante essa caminhada.

À minha mãe, Lena, e ao meu irmão, Leonardo, pelo amor incondicional e por

me fornecerem o suporte necessário para que eu conseguisse seguir em busca

dos meus sonhos.

À minha amada afilhada, Letícia, por ser uma criança cheia de saúde e alegria.

Obrigada por me ensinar tanto mesmo com tão pouca idade.

Ao Érico, meu companheiro de vida, por toda paciência, amor e respeito e por

sonhar esse sonho junto comigo.

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RESUMO

TAYT-SON, Débora Bogéa da Costa. Criação e Destruição de Valor em

Práticas de Consumo do Sol. 2018. 148f. Tese (Doutorado em Administração)

- Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro, 2018.

Essa pesquisa possui como objetivo principal compreender como valores podem

ser criados e destruídos a partir de práticas presentes no consumo do sol. O

contexto de pesquisa escolhido, o sol, tem como principal característica a sua

onipresença que permitiu que fossem identificados e analisados

simultaneamente processos tanto de criação quanto de destruição de valor. Esse

estudo aconteceu em duas etapas. Na primeira, foi realizada uma análise de

textos de propagandas de protetor solar que identificou a existência de diversos

conflitos nas representações do sol. Na segunda etapa, foram realizadas

entrevistas narrativas apoiadas pela Teoria da Práticacom mulheres residentes

da cidade do Rio de Janeiro que permitiram construir um modelo conceitual de

criação e destruição de valor. Os três conjuntos de práticas que suportaram a

construção do modelo conceitual encontrados na pesquisa foram: (1) as práticas

que se relacionam com o corpo; (2) as práticas que se relacionam com

intermediários e; (3) as práticas que envolvem interações sociais. Essa pesquisa

avança nos estudos encontrados em cultura de consumo ao propor que práticas

podem levar tanto à criação quanto à destruição de valor. Além disso, traz

contribuições quanto à lente teórica utilizada e o contexto de pesquisa escolhido.

Palavras-chave: Criação de Valor. Destruição de Valor. Teoria da Prática.

Consumo do Sol.

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ABSTRACT

TAYT-SON, Débora Bogéa da Costa. Value Creation and Destruction in Sun

Consumption Practices. 2018. 148f. Tese (Doutorado em Administração) -

Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro,

Rio de Janeiro, 2018.

This research has the main objective to understand how the values can be

created and destroyed from practices present in sun consumption. The chosen

research context, the sun, has as main characteristic its omnipresence that

allowed identifying and simultaneously analyzing both the processes of creation

and destruction of value. This study took place in two stages. In the first one, an

analysis of texts presente on sunscreen advertisements was carried out, which

identified the existence of several conflicts in representations of the sun. In the

second stage, narrative interviews supported by Practice Theory were conducted

with women residents in the city of Rio de Janeiro, which allowed the construction

of a conceptual model of creation and destruction of value. The three groups of

practices that supported the construction of the conceptual model found in this

research were: (1) body-related practices; (2) practices related to intermediaries

and; (3) practices involving social interactions. This research advances the

studies found in consumer culture, proposing that practices can lead to both

creation and destruction of value. In addition, it brings contributions about the

theoretical lens used and the research context chosen.

Keywords:Value Creation. Value Destruction. Practice Theory. Sun Consumption.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Categorização da Teoria de Valor .................................................... 37

Figura 2: Metáforas para o Consumo .............................................................. 53

Figura 3: Circuito da Prática ............................................................................ 80

Figura 4: A Prática por Schatzki (1996) ........................................................... 98

Figura 5: A Prática nessa Pesquisa .............................................................. 100

Figura 6: Processo de Criação e Destruição de Valor em Práticas de Consumo

do Sol .............................................................................................. 112

Figura 7: Modelo Conceitual de Criação e Destruição de Valor em Práticas de

Consumo ......................................................................................... 114

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Estudos de Valor como Resultado.................................................. 41

Quadro 2: Estudos Teóricos de Processo de Criação de Valor ...................... 46

Quadro 3: Estudos Empíricos de Criação de Valor ......................................... 48

Quadro 4: Estudos de Destruição de Valor ..................................................... 52

Quadro 5: Campanhas em mídia impressa de protetor solar .......................... 84

Quadro 6: Perfil das Entrevistadas .................................................................. 96

Quadro 7: Elementos da Prática ...................................................................... 98

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SUMÁRIO

1. Percurso Prático e Teórico da Pesquisa .................................................... 14

1.1 Objetivo e Organização da Tese ......................................................... 17

2. Introdução .................................................................................................. 19

2.1 Consumo do Sol: Contextualização .................................................... 21

2.1.1 O Consumo e a Natureza ............................................................. 21

2.1.2 O Consumo e o Sol ...................................................................... 23

2.1.3 O Sol e o Governo Brasileiro ........................................................ 26

2.1.4 O Sol e o Rio de Janeiro ............................................................... 28

2.2 A Pesquisa .......................................................................................... 32

3. Contribuições da Literatura ........................................................................ 33

3.1 Valor .................................................................................................... 34

3.1.1 Valor como Resultado na Literatura ............................................. 39

3.1.2 Processos de Criação de Valor na Literatura ............................... 41

3.1.3 O Conceito de Destruição de Valor .............................................. 48

3.1.4 Tipologias de Consumo de Holt (1995) ........................................ 52

3.1.4.1 Consumir como Experiência .................................................. 53

3.1.4.2 Consumir como Integração .................................................... 55

3.1.4.3 Consumir como Classificação ................................................ 59

3.1.4.4 Consumir como Teatralização ................................................ 61

4. Teoria da Prática ....................................................................................... 64

4.1 Teoria da Prática como parte das Teorias Culturais ........................... 66

4.2 Teoria da Prática e o Consumo ........................................................... 69

4.3 Teoria da Prática nos Estudos de Consumo Recentes ....................... 74

4.4 O Circuito da Prática: O Estudo de Paolo Magaudda ......................... 78

5. Primeiro Estudo Exploratório: Textos de Propagandas ............................. 81

5.1 Procedimentos Metodológicos ............................................................ 81

5.2 Principais Achados do Estudo ............................................................. 87

5.2.1 Juventude versus Envelhecimento ............................................... 87

5.2.2 Juventude versus Envelhecimento: Representações de Gênero . 88

5.2.3 Juventude versus Envelhecimento: Representações Estéticas .... 89

5.2.4 Sol versus Sombra ....................................................................... 90

5.2.5 Discussão ..................................................................................... 91

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6. Estudo Principal: Práticas de Criação e Destruição de Valor .................... 92

6.1 Procedimentos Metodológicos ............................................................ 92

6.2 Principais Achados do Estudo ........................................................... 101

6.2.1 Práticas que se relacionam com o corpo .................................... 101

6.2.2 Práticas que se relacionam com intermediários ......................... 105

6.2.3 Práticas que envolvem interações sociais .................................. 108

6.2.4 Discussão ................................................................................... 111

7. Discussão Final ....................................................................................... 112

8. Referências Bibliográficas ....................................................................... 121

9. Anexos ..................................................................................................... 135

9.1 Anexo 1: Exemplos das Propagandas Analisadas ............................ 135

9.2 Anexo 2: Roteiro de Entrevistas ........................................................ 142

9.2.1 Roteiro de Entrevista - Versão 1 ................................................. 142

9.2.2 Roteiro de Entrevista - Versão 2 ................................................. 144

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1. Percurso Prático e Teórico da Pesquisa

No primeiro ano do doutorado, além das muitas leituras pude participar

de um grupo de pesquisa liderado pela Professora Roberta Campos sobre o

tema Socialização do Consumo. As leituras e as discussões sobre o tema se

seguiram até final de 2014 com a produção de um artigo conceitual que foi

apresentado e discutido em um workshop com a professora Lisa Peñaloza em

sua visita ao Centro de Estudos em Consumo do Instituto Coppead.

As leituras e encontros do grupo de pesquisa, as discussões e o

workshop, não me motivaram a seguir com o tema inicialmente escolhido. A

conversa com minha orientadora foi essencial para entender a importância de

gostar do que eu iria pesquisar nos três anos subsequentes e, provavelmente,

seguir pesquisando após a conclusão do doutorado. Assim, decidi que trocaria

de tema.

Como uma sessão de brainstorming, começamos a colocar as diversas

possibilidades de pesquisa que eu poderia escolher, já que deveria atender a um

interesse mútuo. Assim surgiu o sol, que trouxe literalmente brilho ao meu olhar

de pesquisadora. O grupo de pesquisa é apoiado há quinze anos pela Cátedra

L’Oréal de Comportamento do Consumidor. O Centro de Pesquisa que

começava a ser construído dentro do Campus da Universidade anunciava como

prioridade de P&D os produtos para cabelo e pele, o que reforçou a ideia de

entender o consumo do sol.

Aonde posicionar o sol no estudo? O quê do consumo do sol eu iria

pesquisar? Eu sabia que essas repostas fariam parte de um longo percurso de

pesquisa. Como primeiro desafio, minha orientadora recomendou que eu

compreendesse um pouco da história do sol e iniciasse uma pesquisa a partir de

algum texto cultural que falasse do sol tal como letras de músicas ou algum tipo

de literatura.

Para construir esse trabalho de texto cultural que de alguma forma

envolvesse o sol, decidi olhar as propagandas de protetor solar, uma categoria

de produto criada para evitar o sol, criada para nos proteger do sol. Esse

caminho pareceu interessante já que outros textos estavam repletos de

associações sempre positivas com o sol “astro rei”. Como o sol estava retratado

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nessas propagandas? Esse artigo foi apresentado no congresso Enanpad de

2015. O artigo faz parte dessa tese e foi,não só o primeiro contato com o tema

escolhido, mas também o responsável por apoiar a decisão segura de seguir por

esse curioso campode pesquisa.

Após apresentação do artigo de texto cultural e os bons feedbacks dos

avaliadores, era preciso ir ao campo e iniciar a aproximação com os

consumidores e, ao mesmo tempo, observar situações de consumo do sol. Qual

caminho seguir? Mas sobre o quê vou conversar com as consumidoras? E assim

decidi que na primeira rodada de entrevistas, dado que pouco material disponível

sobre o sol foi encontrado nos estudos de cultura e consumo e mesmo em

comportamento do consumidor de forma mais abrangente, que a entrada no

campo seria feita de forma mais aberta considerando ainda objetivos amplos de

pesquisa. Perguntas que explorassem os significados e os aspectos negativos e

positivos do sol, bem como o uso de técnicas projetivas, serviram de base para

esse meu primeiro roteiro.

Na primeira parte do campo foram realizadas seis entrevistas e,

simultaneamente, iniciei um processo de leituras para escolha de uma lente

teórica que pudesse me ajudar a compreender o fenômeno que, naquele

momento, nem eu sabia ainda qual era. E assim cheguei à Teoria da Prática.

Essa teoria era uma boa opção para responder as dúvidas que eu tinha a

respeito da discussão de agência e estrutura que já permeavam minha mente

desde o primeiro ano de doutorado, especialmente após o início das leituras de

Socialização.

Lendo os artigos que utilizaram a Teoria da Prática, encontrei a pesquisa

de Schau, Muñiz e Arnould (2009) que discute como práticas de comunidades

de marca criam valor. Nesse momento, identifiquei que valor poderia ser o outro

eixo teórico que sustentaria esse trabalho. Muitas pesquisas que analisam os

aspectos de criação de valor foram então lidas e organizadas para que

começassem a fazer sentido.

Na sequência, tendo descoberto o eixo e a lente teórica que guiariam os

passos dessa tese, escrevi o projeto que foi apresentado na banca de

qualificação em outubro de 2016. A banca de qualificação trouxe diversos

questionamentos que foram relevantes para que eu conseguisse avançar na

análise e na discussão. Até esse momento, os resultados estavam apresentando

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os achados do campo mais do que trazendo possibilidades de contribuições

teóricas. Os pontos levantados pela banca foram essenciais para que eu

pudesse aprofundar as leituras e conseguir identificar possibilidades de gap

teórico.

Assim, concluímos que eu deveria voltar ao campo e realizar novas

entrevistas, mas agora com um roteiro mais maduro e elaborado, que trouxesse

questões que envolvessem aspectos presentes tanto na Teoria da Prática

(objetos, significados e fazeres), quanto no valor (benefícios percebidos). Foram

realizadas mais nove entrevistas em profundidade com mulheres residentes na

cidade do Rio de Janeiro.

Da análise das quinze entrevistas que tínhamos até esse momento,

fizemos um artigo que foi submetido para o Enanpad daquele ano. Entre os

resultados da pesquisa, identificamos práticas que envolvem o consumo do sol

e que foram organizadas em algumas categorias temáticas. Dessas categorias

temáticas, apenas uma destoava das demais por concentrar aspectos negativos

da relação do indivíduo com o sol e que, no primeiro momento, chamamos de

Combate.

Em uma das apresentações realizada por mim ao grupo do Centro de

Estudos em Consumo do Coppead, recebi como sugestão voltar à literatura de

valor para tentar ser menos descritiva nos meus resultados e identificar a minha

contribuição teórica. Nessa volta à literatura (que aconteceu diversas vezes ao

longo dessa pesquisa), identifiquei um conceito recente, pouco explorado no

marketing e que estava concentrado apenas nas discussões de serviços:

destruição de valor.

A destruição de valor acabou surgindo na minha pesquisa na medida em

que identificamos a existência de uma categoria temática que concentrava

aspectos negativos do sol e que se distanciava de todas as demais. Sabíamos

que essa categoria guardava um dos pontos altos da pesquisa dada a

construção cultural sempre positiva ao redor do sol, mas faltava ainda identificar

a relação dela com a discussão de valor e com a Teoria da Prática. E, assim, a

destruição de valor começou a fazer parte dos resultados da pesquisa. Ao reler

algumas entrevistas, encontrei mais testemunhos que falavam de destruição de

valor.

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Tendo isso em mente, realizei uma nova volta ao campo. Nesse novo

roteiro, busquei incluir questões que pudessem trabalhar tanto os aspectos de

criação quanto os de destruição de valor para o consumidor, com olhar para as

práticas de consumo. Com essa nova rodada de entrevistas, pudemos aprimorar

o artigo submetido inicialmente para o Enanpad para que contemplasse também

essa discussão de destruição de valor.

Esse novo artigo foi levado para ser apresentado e discutido durante o

período em que realizei o doutorado sanduíche. Fui aceita para o estágio no

exterior na Kedge Business School: Ecole de Commerce et Management, em

Bordeaux, França, com orientação da professora Lisa Peñaloza. Esse estágio

trouxe novo olhar e importantes questionamentos em relação à lente teórica e

aos achados de campo desse estudo. As discussões sobre a análise dos meus

achados de pesquisa com essa importante e experiente pesquisadora trouxeram

diferentes contribuições. Algumas sugestões já foram usadas na discussão final

desse documento de minha candidatura ao doutorado e outras sugestões foram

avaliadas como possibilidades de trabalhar, em um futuro próximo, em outras

direções e com outra lente teórica.

1.1 Objetivo e Organização da Tese

Essa pesquisa possui como objetivo compreender como valores podem

ser criados e destruídos a partir de práticas presentes no consumo do sol, um

contexto onipresente na vida do indivíduo. Para alcançar esse objetivo, foram

realizados dois estudos: um estudo inicial exploratório que analisou propagandas

de protetor solar e um estudo principal com a análise de entrevistas narrativas

com mulheres residentes da cidade do Rio de Janeiro. Esses estudos deram

origem à construção de um modelo conceitual que será apresentado e discutido

na discussão final.

A organização dessa pesquisa se deu em seis capítulos. Na parte inicial,

fiz um breve resumo da minha história de pesquisadora no doutorado falando do

processo de construção dessa tese e das idas e vindas do campo para a

literatura.

No segundo capítulo, apresento uma introdução onde inseri os principais

trabalhos que serviram de base para essa pesquisa e mostramos como esse

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trabalho pode contribuir para a discussão do processo de criação e destruição

de valor em práticas de consumo. A contextualização foi separada em quatro

subpartes: 1) começa apresentando os estudos que se aprofundaram em

compreender a relação entre o consumo e a natureza; 2) justifica o motivo pelo

qual nos permitimos chamar esse consumo de consumo do sol e apresentamos

a história desse consumo desde antes do século XX; 3) apresenta o papel

desempenhado pelo Governo Brasileiro nesse consumo, mostrando alguns

dados da população brasileira e como a classificação do protetor solar como

medicamento ou cosmético deve ser melhor discutida nos dias de hoje; 4)

termino a introdução com uma parte destinada a apresentar as peculiaridades

de se estudar o consumo do sol no Rio de Janeiro, cidade que apresenta mais

de 50% de dias ensolarados por ano (equivalente a 212 dias), segundo a

EMBRATUR (O Globo, 2013).

Os capítulos três e quatro apresentam a revisão de literatura e a lente

teórica aplicada nessa pesquisa de maneira a estabelecer os fundamentos

teóricos necessários para atingir o objetivo de pesquisa aqui proposto. Essa

seção está separada em dois grandes grupos. No primeiro, capítulo 3,

discutiremos a literatura de valor. Nessa parte apresentaremos as discussões

sobre o conceito de valor presente nos estudos da CCT (Consumer Culture

Theory), a diferenciação entre criação e destruição de valor e as tipologias de

consumo tradicionalmente estudadas no campo do Comportamento do

Consumidor. O segundo grupo, capítulo 4, está destinado a apresentar a lente

teórica escolhida para essa tese, a da Teoria da Prática. Nesse momento, explico

como ocorreu o surgimento da Teoria da Prática em meio às teorias culturais

existentes até aquele momento, mostrando como ela vem sendo utilizada nos

estudos de consumo e finalizamos apresentando o modelo proposto por

Magaudda (2011), cujos elementos servirão de base para a análise dos achados

da pesquisa.

Na sequência (capítulo 5), abordo os procedimentos metodológicos e

principais achados do primeiro estudo exploratório que realizamos a partir da

análise de textos de vinte e seis propagandas de protetor solar divulgadas entre

2005 e 2015. Por sua vez, o capítulo 6 irá abordar o estudo principal desse

trabalho composto por entrevistas narrativas que foram conseguidas em três

momentos diferentes com a colaboração de 17 entrevistadas voluntárias. Nessa

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etapa, utilizamos um roteiro semi-estruturado e nos beneficiamos do auxílio da

técnica projetiva. Para a análise das entrevistas narrativas, utilizo o suporte da

ferramenta Atlas.ti. Os resultados foram apresentados a partir das categorias

que emergiram do campo e escolhi apresentar as categorias conflitantes em

conjunto para facilitar a compreensão. Nesse capítulo, apresentaremos o

processo de criação e destruição de valor nas práticas de consumo do sol.

Finalmente, no capítulo sete, apresento a discussão final dessa pesquisa.

Nessa seção são discutidas as principais contribuições do estudo,onde

sugerimos uma proposta de modelo conceitual para se estudar valor a partir de

práticas de consumo, assim como são indicadas sugestões de pesquisas

futuras.

2. Introdução

Essa pesquisa se insere dentro da área de Marketing mais

especificamente da área de Comportamento do Consumidor e tem como objetivo

principal compreender como valores podem ser criados e destruídos a partir de

práticas presentes no consumo do sol, um contexto onipresente na vida do

indivíduo. Para alcançar esse objetivo, foram realizados dois estudos: um estudo

inicial exploratório que analisou propagandas de protetor solar e um estudo

principal com a análise de entrevistas narrativas com mulheres residentes da

cidade do Rio de Janeiro. Esses estudos deram origem à construção de um

modelo conceitual que será apresentado e discutido na discussão final.

Pesquisadores de consumo possuem uma longa trajetória de pesquisas

em valor, ou seja, no benefício percebido em alguma coisa seja em relação a

uma pessoa, um objeto ou uma atividade (Figueiredo & Scaraboto, 2016).

Durante muitos anos, a perspectiva econômica do consumo dominou a

discussão (Holt, 1995). Porém, a partir da década de 1990, outras perspectivas

começaram a aparecer trazendo a noção de que o consumo é uma prática

subjetiva e não necessariamente determinada pelas características de um objeto

(Bourdieu 1984; Halle 1992; Morley 1986; Press 1991; Radway 1984).

É possível observar que na literatura a discussão de valor tomou dois

caminhos diferentes (Gummerus, 2013). De um lado, a corrente tradicional e

mais comum na literatura preocupada em realizar pesquisas que buscam o valor

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como resultado. Dentro dessa corrente, alguns principais trabalhos se destacam

como, por exemplo, Sydney Levy (1959) que propôs o conceito de valor

simbólico como a atividade que vai permear o consumo. Assim, pessoas

compram produtos pelo que significam. Em sequência e ainda no valor como

resultado, surgiram o valor de troca e o valor experiencial nos trabalhos de

Bagozzi (1975), Hirschman e Holbrook (1982) e Belk, Wallendorf e Sherry

(1989). Logo após, Holbrook (1999) trouxe a noção de valor de uso.

Do outro lado, existe a corrente preocupada em analisar o processo de

criação de valor. Um dos trabalhos seminais que representam bem essa

classificação é a noção de valor para o consumidor, trazida por Kotler (1967).

Dentro dessa perspectiva, a empresa tem a responsabilidade de desenvolver

bens e produtos que tragam satisfação para o consumidor. Mais recentemente

essa corrente voltou a dominar a discussão de valor. Entre os trabalhos que se

destacam podemos citar a pesquisa de Peñaloza e Venkatesh (2006) que

introduziram a noção de construção social do mercado e valor de sinal,

afirmando que o processo de criação de valor está inserido em um sistema de

significados. Karababa e Kjeldgaard (2013) aprofundaram esse entendimento

trazendoo paradigma cultural para a discussão de valor. Assim, o valor será

culturalmente construído. Já Venkatesh e Peñaloza (2014) sugerem que além

de o valor ser culturalmente construído, deve considerar a existência de um valor

ambiental. Ou seja, sugerem um Sistema de Valor de Mercado que irá envolver

tanto as formas de organização capitalistas como qualquer outro tipo de

organização de mercado e diversos atores.

Entre os trabalhos preocupados em entender como estudar tanto o valor

como resultado quanto o processo de criação de valor, podemos destacar a

pesquisa de Gummerus (2013) que, apesar de trazer contribuições para o

marketing de serviços, propõe que a experiência de serviço será responsável por

criar a ligação entre essas duas correntes de discussão de valor. Por outro lado,

e no campo do comportamento do consumidor, Arnould (2013) propõe o

desenvolvimento de uma teoria prática de valor onde defende que um olhar para

a Teoria da Prática social (Reckwitz, 2002; Schatzki, 2001; Warde,2005)pode

trazer informações relevantes uma vez que oferece uma solução para o

problema de estrutura-agência comum em teorias sociais já que considera

resultados advindos de práticas de consumo. Em contrapartida, Arsel (2016)

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propõe que o mercado seja visto como uma assemblage. Assim, o valor será

construído e incorporado a partir de redes heterogêneas de movimentação de

um objeto. Mais do que olhar um momento discreto do consumo, deve-se

entender o mercado como um sistema de movimento de relacionamentos. Mais

recentemente, Figueiredo e Scaraboto (2016) propõem a análise de ações no

lugar de práticas uma vez que acreditam que a última falha em explicar como

ações não intencionais, discretas e realizadas uma única vez por uma

multiplicidade de atores também contribui para o sistema de criação de valor.

Seguindo o que foi defendido por Arnould (2013), acredita-se que aplicar

a Teoria da Prática pode ser relevante para a pesquisa de consumo do sol. Assim

como Shau, Muñiz e Arnould (2009), que aplicaram a Teoria da Prática para

entender o processo de criação de valor coletivo em nove comunidades de

marca distintas,esse projeto defendeque entender práticas que enfatizam

rotinas, hábitos compartilhados, técnicas e competências trará uma perspectiva

que não será nem individualista e nem holística. Além disso, uma abordagem

prático-teórica irá enxergar os consumidores nem puramente racionais (homo

economicus) e nem dependente de uma estrutura (homo sociologicus), mas sim

como agentes delimitados por nexus socioculturalmente constituídos (Arsel &

Bean, 2013). As práticas funcionam como “imagens pluralistas e flexíveis de

constituição da vida social (...) que podem surgir em contextos locais e acomodar

perfeitamente as complexidades, diferenças e particularidades” (Schatzki, 1996,

p.12).Diante disso, acredita-se que a Teoria da Prática pode trazer benefícios

para a discussão de como um valor é sociocuturalmente (Karababa &Kjeldgaard,

2013) e ambientalmente (Venkatesh & Peñaloza, 2014) constituído.

2.1 Consumo do Sol: Contextualização

2.1.1 O Consumo e a Natureza

Relações humanas com o mundo natural fazem parte tradicionalmente

dos escritos produzidos pelas mais diversas civilizações. Mais recentemente e

vindo do campo da biologia, surgiu o conceito de biofilia que para Wilson (1984)

significa a ideia da necessidade intrínseca humana do contato com a natureza.

Essa necessidade, segundo o autor, não poderia ser suprimida por versões

construídas artificialmente.

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No campo da CCT, os primeiros artigos que abordavam a relação

Indivíduo x Natureza tinham a finalidade de compreender o consumo

experiencial. Um dos exemplos diz respeito ao trabalho de Arnould e Price

(1993). Nessa pesquisa, os autores analisaram o consumo de experiências

hedônicas e extraordinárias em um grupo de rafting do rio Colorado. A partir de

um esforço que envolveu dois anos de coleta de dados e uma análise

multimétodo, descobriram que a satisfação geral advinda dessa atividade só é

alcançada por a mesma permitir ao praticante vivenciar o crescimento pessoal,

a renovação e a harmonia com a natureza.

A noção do paradoxo que envolve viver em harmonia com a natureza foi

abordada também na literatura (Thompson, 2004). Os consumidores buscam

viver em harmonia com a uma natureza onde de certa forma possam controlar e

dominar ao mesmo tempo. Para isso, Thompson (2004) buscou compreender as

mitologias do mercado de consumo e os discursos de poder envolvidos,

realizando uma pesquisa sobre o mercado de saúde natural. O pesquisador

entrevistou anunciantes de remédios à base de plantas e consumidores que

buscam alternativas aos seus problemas médicos e descobriu que, em alguns

casos, entrevistados usam produtos naturais como uma maneira até de

contestar uma autoridade médica dominante.

Diferente dos artigos anteriores e por ter um olhar crítico em relação à

natureza, Scholz (2012) realizou uma pesquisa onde buscou mostrar como esse

paradoxo de viver em harmonia é construído nas propagandas atuais. Para isso,

o autor analisou mais de seiscentas propagandas da revista Backpacker nos

períodos de 2007 a 2009. Como resultado, classificou as imagens em “Arcadia”

e “Dynamic”, onde a primeira concebe a natureza como um organismo vivo e

orgânico, porém calmo e passivo; e a segunda, classifica a natureza ao mesmo

tempo benevolente e calma, mas também violenta e perturbadora, podendo

ameaçar os seres humanos. O artigo finaliza dizendo que para entender o que

significa viver em harmonia com a natureza é importante considerar como essa

natureza é discursivamente construída e, como implicação tangível da pesquisa,

ressaltam que a área de marketing que desejar posicionar seu produto dentro do

paradoxo do viver em harmonia, deve priorizar a classificação “Dynamic” para se

resguardar e não ser chamada de hipócrita, que fingem ideias e sentimentos que

não existem.

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A natureza pode representar significados diferentes para pessoas

diferentes. Assim, a experiência de cada indivíduo com a natureza será única e

isso se traduzirá em expressões e significados pessoais. Kunchamboo e Lee

(2012) realizaram um estudo utilizando a abordagem interpretativa para analisar

dados de um blog sobre o meio ambiente e seus participantes a fim de explorar

o significado da natureza entre aqueles que são fortemente inclinados para sua

preservação. Os resultados incluem a consideração da natureza como uma

extensão do ser, como espiritualidade e como religião. No geral, os resultados

sugerem que ver a natureza e o ser como uma única unidade acaba sendo

responsável por uma motivação fundamental do comportamento de consumo

ecológico e sustentável.

A natureza também foi vista em relação à cultura (Canniford & Shankar,

2013). Durante algum tempo acreditava-se que os consumidores enquadravam

a natureza como algo oposto a cultura em situações de consumo romantizadas

que ofereciam experiências sublimes, mágicas ou primitivas. A partir da

realização de um estudo etnográfico da cultura do surf, foi percebido que a

natureza não é uma categoria ontologicamente separada, ao contrário, é

constituída através de procedimentos disciplinados que orquestram a natureza

com recursos culturais do mercado. O conjunto de recursos heterogêneos que

estão envolvidos no consumo da natureza é frágil e pode ser contestado por

estruturas de serviços, recursos tecnológicos e tensões sociais, porém, os

consumidores continuam implantando discursos românticos sobre natureza

sustentando o ideal de que a natureza, externa à cultura, é uma zona pura. Isso

é conseguido através de práticas que ocultam, removem ou corrigem situações

onde fica claro o status híbrido da natureza com a cultura.

2.1.2 O Consumo e o Sol

Essa pesquisa possui como objetivo principal compreender como valores

são criados e destruídos a partir de práticas presentes no contexto do consumo

do sol, um astro onipresente na vida. A definição de consumo utilizada por Warde

(2005) nos apoia para o entendimento do uso do termo “consumo do sol”. O autor

entende consumo a partir de diferentes perspectivas que vão da contemplação

à funcionalidade e que falam de “bens” adquiridos ou não:

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[...] o consumo pode ser definido como um processo pelo

qual os agentes se envolvem na apropriação e apreciação,

seja para fins utilitários, expressivos ou contemplativos, de

bens, serviços, performances, informações ou ambiente,

adquiridos ou não, sobre os quais o agente tem algum grau

de discernimento. (Warde, 2005, p. 137).

No tema escolhido nessa pesquisa e que envolve o contato do indivíduo

com o sol, vemos que o comportamento das pessoas em relação à exposição da

sua pele se dá basicamente por três crenças principais: a primeira diz respeito

ao fato de que a pele bronzeada torna a pessoa mais atraente; a segunda

destaca a ideia de que o bronzeado traz benefícios à saúde e, a terceira e última,

de que o bronzeado prévio previne os efeitos indesejáveis de futuras exposições

ao sol (de Souza, Fischer & de Souza, 2004). Para compreender como

chegamos a esse momento, é interessante buscar a relação histórica do

indivíduo com o sol.

Até o século XX e durante as suas primeiras décadas, existia um padrão

dominante de valorização da pele clara. Essa tonalidade era um indicador de

condição socioeconômica mais elevada. Os ricos evitavam a exposição regular

e se vestiam com chapéus, sombrinhas e vestidos mais fechados. Porém,

grande parcela da população, trabalhando com agricultura, permanecia

constantemente exposta ao sol e, por isso, apresentava uma pele mais

bronzeada. Dessa forma, durante anos a manutenção do bronzeado foi

associada à pobreza (Keesling & Friedman, 1987)

A partir de 1920, esse estereótipo inverteu com a adoção da pele

bronzeada por parte dos centros formadores de opinião em moda, tal como Coco

Chanel (designer de moda francês). Essa tonalidade passou a significar riqueza,

indicativo de abundância de tempo e de recursos financeiros para dedicar-se ao

lazer. No Brasil, a mudança também foi incentivada pela disseminação de

práticas esportivas e atividades de lazer ao ar livre. Nos anos 30, a pele

queimada de sol continuou sendo o novo padrão de beleza e foi reforçada pelo

aumento da frequência de banhos de mar e o lançamento dos primeiros

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bronzeadores, além das câmaras de bronzeamento artificial (de Souza, Fischer

& de Souza, 2004).

A associação do bronzeamento da pele com a saúde, desencadeada na

Europa no início do século XX e a partir da década de 1940, também passou a

contribuir. Essa prática terapêutica, chamada helioterapia, prescrevia banhos de

sol diários como forma de prevenção ou mesmo curativa de determinados males.

Da mesma forma, mães eram estimuladas a dar banho de sol diariamente em

seus filhos a partir de um mês de vida.

Por sua vez, preocupações e pesquisas sobre a heliopatia, distúrbios

patológicos causados pela luz do sol e representados principalmente pelo câncer

de pele devido às constantes exposições solares, passaram a ser desenvolvidas

a partir dos anos 40. Porém, os comunicados mais alarmantes e voltados para a

sua prevenção foram intensificados apenas a partir da década de 60, quando os

jovens que eram crianças na década de 30 começaram a desenvolver tumores

(Keesling & Friedman, 1987).

Os primeiros registros documentados de protetores surgiram apenas em

1928, nos Estados Unidos. Apenas em 1936 que ocorreu o lançamento do

primeiro filtro solar produzido em escala comercial, pela L’Oreal. Porém, o

primeiro protetor considerado realmente eficaz foi desenvolvido somente em

1944, pelo farmacêutico Benjamim Greene, após intensa observação das

queimaduras na pele dos soldados que voltavam da Segunda Guerra Mundial.

A marca em questão foi batizada de Coppertone. Depois de 10 anos do início da

produção desse protetor é que passaram a desenvolver os primeiros

bloqueadores produzidos em escala mundial e, por serem feitos utilizando como

base uma pomada branca e densa, tinham o inconveniente de serem difíceis de

espalhar. No Brasil, a primeira marca de protetor solar foi introduzida somente

em 1984 pela empresa Johnson&Johnson. A marca Sundown possuía protetores

com fatores de proteção FPS 4, 8 e 15 e foi responsável pela conscientização e

educação inicial dos consumidores (Silva, Machado, Rocha e Silva, 2015;

Abihpec – Estadão, 2017).

Na década de 1950, a indústria de filmes, músicas e propagandas

americanas foram fundamentais para o desenvolvimento e difusão de uma

mitologia de estilo de vida voltada para os indivíduos jovens bronzeados e de

classe média executando atividades de lazer que envolvia o contato com praia e

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mar. A partir da década de 1960, a população viu crescer a noção do simbolismo,

trazida por Sidney Levy em 1959, onde o consumidor passou a ser visto como

alguém orientado para o significado e não apenas para a utilidade básica de um

produto. Nesse momento, as produções artísticas e culturais passaram a lançar

estéticas que serviam para seduzir jovens como, por exemplo, a mitologia da

cultura da juventude dourada que ressaltava o estilo de vida dos surfistas

(Askegaard, 2010).

Uma clássica representação disso que escrevemos é a propaganda do

Coppertone lançada em 1959 pela americana Joyce Ballantine Brand. Nessa

mídia, observa-se uma criança que possui a sua roupa de banho puxada por um

simpático cachorrinho onde é possível notar a pele branca por debaixo da roupa.

Como destaque na mídia impressa estava os benefícios do protetor solar da

respectiva marca para se fugir da cor pálida e conseguir um bronzeado mais

rápido, profundo e, ao mesmo tempo, com proteção.

2.1.3 O Sol e o Governo Brasileiro

A exposição excessiva ao sol é o principal fator de risco para o surgimento

dos cânceres de pele, que ocasionou, em 2014, 98.420 casos novos do tipo não

melanoma nos homens e 83.710 nas mulheres, além de 2.960 casos novos em

homens e 2.930 em mulheres do tipo melanoma (mais letal). Para se ter uma

ideia do perigo da exposição excessiva e sem cuidado, alguns cânceres ocorrem

quase exclusivamente em áreas expostas de forma continua e intermitente à

radiação solar (Instituto Nacional do Câncer, 2014)

Uma matéria divulgada em janeiro de 2016 pela Revista Exame acerca de

um estudo realizado pelo Instituto de Ciências Tecnológicas e Qualidade

Industrial (ICTQ) mostrou que 48% da população brasileira não têm se protegido

do sol. Esse estudo analisou o comportamento de mais de duas mil pessoas em

dezesseis capitais do Brasil e, surpreendentemente, mostrou que esse número

pode ser ainda maior, como no caso das capitais litorâneas, onde alcança cerca

de 60% da população local. Como exemplo, temos o Rio de Janeiro e Salvador.

Um dos principais motivos alegados pelos entrevistados diz respeito ao

incomodo causado pela sensação de oleosidade ao colocar o produto na pele

(Revista Exame, 2016).

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Em estudos realizados tanto em 2005 quanto em 2010 e disponíveis na

página da câmara dos deputados na internet (Câmara dos Deputados, 2016), o

consultor legislativo para a área de saúde pública, Geraldo Lucchese,reforça a

relevância acerca da categorização do protetor solar como medicamento ou

cosmético. Existem inúmeras solicitações para enquadrar, por meio de lei

federal, os protetores solares na categoria dos medicamentos. Entre os

principais argumentos utilizados estão o de facilitar o acesso dos consumidores

aos mesmos e servir de auxílio em campanhas de prevenção do câncer de pele.

Caso o protetor fosse enquadrado na categoria de medicamentos, poderia ser

distribuído gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, em especial para os

trabalhadores com exposição diária ao sol.

Segundo Khury e Borges (2011), a classificação de um protetor solar em

medicamento ou cosmético é uma peculiaridade de cada país. Enquanto nos

Estados Unidos os protetores solares são considerados produtos OTC (“Over-

the-counter”), um tipo chamado pelos autores de "quase medicamento", na

Europa e no Brasil, são regulamentados pela legislação de cosméticos. Mais

especificamente, no Brasil, seguimos as orientações das resoluções RDC 47, de

16 de março de 2006, RDC 79 de 28 de agosto de 2000 e a RDC 237 de 22 de

agosto de 2002 que apresentam a lista de filtros ultravioletas permitidos para

produtos de higiene pessoal, cosméticos e perfume e definem normas de

rotulagem desses produtos.

Entre os motivos para enquadrar o protetor solar como medicamento

apresentados em algumas proposições, está o fato de que esses produtos

possuem alíquota zero de IPI, além de poderem ser vendidos e comercializados

na modalidade dos genéricos. Nesse enquadramento, poderiam ser distribuídos

também pelo SUS como dito anteriormente. Por outro lado, alguns defendem

que o protetor solar deve continuar a fazer parte da categoria de cosméticos e

que a sua possível transposição ocasionaria um efeito contrário ao pretendido

por aqueles defensores de mudanças na classificação.

Entre os argumentos apresentados pelos contrários a essa modificação,

podemos destacar três que se resumem em primeiro lugar ao fato de os

protetores passarem a ser comercializados apenas em farmácias e drogarias

uma vez que a legislação sanitária proíbe a venda de medicamentos em outros

estabelecimentos. Em segundo lugar, está o fato dos protetores estarem sujeitos

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à orientação e recomendação médica, com grandes restrições à publicidade e

aos locais de venda, o que poderia limitar a informação e o esclarecimento. Em

terceiro e último lugar, temos que uma alteração na classificação desses

produtos ocasionaria um grande impacto nos custos dos registros dos produtos

e na autorização de funcionamento das empresas junto à Agência Nacional de

Vigilância Sanitária (ANVISA). Isso ocorreuma vez que as taxas de

medicamentos são consideravelmente maiores que as de cosméticos. Além

disso, as empresas que atualmente produzem protetores e filtros não possuem

autorização para funcionar como laboratórios farmacêuticos.

2.1.4 O Sol e o Rio de Janeiro

“Rio 40 graus, cidade maravilha purgatório da beleza e do caos.”

(Música Rio 40 graus, Fernanda Abreu)

O Rio de Janeiro está cercado por representações que traduzem o espírito

da cidade. Entre as principais representações podemos pontuar a praia, o sol, o

mar, os corpos seminus, o carnaval, a juventude, a liberdade, as favelas, dentre

outros (Goldenberg, 2007). Em uma simples procura nas imagens de um

provedor de busca qualquer digitando “Rio de Janeiro”, podemos notar a atenção

que é dispensada à beleza da cidade que combina fotografias tanto de praias

quanto de morros.

Em uma pesquisa realizada pelo Datafolha em 2013 sobre os hábitos

culturais dos cariocas com mais de doze anos (Datafolha, 2013), notou-se que a

música é o hábito mais democrático da cidade (95%), seguido de ir a shoppings

para lazer e diversão (77%) e ir à praia (74%). Importante destacar que a praia

foi a primeira opção de lazer escolhida por moradores da Zona Sul e da Área

Administrativa da Barra (regiões oceânicas) que representam 28% da população

da cidade do Rio de Janeiro, enquanto os shoppings foram escolhidos

preferencialmente pelas demais regiões, Centro, Norte e Oeste, mais afastadas

do mar, e que representam 62%.

No livro “Nu & Vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo

carioca”, a antropóloga Mirian Goldenberg (2007) compila e apresenta dez

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artigos de antropólogos brasileiros e estrangeiros que realizaram pesquisas de

campo na cidade do Rio de Janeiro com a finalidade de, partindo de seus corpos,

conseguirem enxergar a cultura carioca. Segundo a antropóloga, locais como o

Rio de Janeiro, com praias, áreas de lazer ao livre e temperatura elevada durante

quase todo o ano, favorecem um corpo mais à mostra.

Uma tentativa de tipificar o carioca pode ser notada na composição da

não-carioca Adriana Calcanhoto onde destaca que “cariocas são bonitos,

cariocas são bacanas, cariocas são sacanas, cariocas são dourados, cariocas

são modernos,..., cariocas não gostam de dias nublados”. Como diz a letra e

destaca o antropólogo Gontijo (2007), o Rio de Janeiro sempre foi o propagador

de ideias, valores e normas para todo o país. Tudo que passava ou era criado

pelo Rio, se tornava a essência da brasilidade.

No centro do estilo de vida do carioca, que era visto e compreendido como

centro cultural do Brasil, está um cenário em particular: a praia (Penna, 2016).

Para compreender o papel desse cenário para a cidade, vale trazer um breve

histórico da ocupação do espaço territorial da cidade do Rio de Janeiro. Segundo

Gontijo (2007), até o início do século XIX, o povoamento da cidade se limitou aos

contornos do litoral da Baía de Guanabara. Após a chegada da Corte portuguesa

e a transformação da cidade em capital acelerou a ocupação dos territórios ao

norte (especialmente São Cristóvão para os aristocratas). No segundo período

imperial, e uma vez que São Cristóvão encontrava-se saturado, foi a vez de

bairros como Catete, Flamengo e Botafogo se tornarem reduto da elite branca.

A classe operária começava a se concentrar no centro e centro–norte da cidade,

perto dos antigos engenhos de cana-de-açúcar, fazendas e novas fábricas.

Especialmente no início do século XX, com a finalidade de arejar e sanear

o centro da cidade, que nesse momento lidava constantemente com epidemias

que dizimavam grandes parcelas da população, sejam elas de ricos ou de

pobres, governos locais decidiram abrir vias de circulação com a inauguração

das primeiras linhas de bonde. As novas linhas de bonde permitiram o avanço

da cidade rumo às zonas Norte e Sul e reconfiguraram o mapa da cidade antes

limitado pelos morros. A elite ia se instalando cada vez mais distante da classe

operária até que em 1892, chegou-se a beira mar com a abertura do Túnel Velho

que liga Botafogo a Copacabana (Velho, 1999; Gontijo, 2007, O’Donnell, 2013).

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A ocupação e transformação de Copacabana, Ipanema e Leblon, bairros

clássicos da Zona Sul do Rio de Janeiro e caracterizados por suas belas praias,

em bairros residenciais da elite está ligada à mudança dos hábitos e da

percepção em relação ao mar e aos banhos. Assim, com a abertura do Túnel

Velho e a chegada do bonde a Copacabana em 1892, o bairro deixa de ser um

simples lugar de banho terapêutico para se tornar o primeiro cartão postal da

cidade. A burguesia urbana fará de Copacabana, a partir de 1920, “o espelho de

um país jovem e moderno”. (Velho, 1999; Gontijo, 2007; O’Donnell, 2013; Penna,

2016).

Como destaca Velho (1999),

[...] a crescente valorização da praia, por razões de saúde e

sociabilidade, também contribui para a constituição de um

estilo copacabanense mais esportivo e, progressivamente,

mais informal diante dos padrões tradicionais da sociedade

patriarcal ainda fortemente presentes na sociedade

brasileira das primeiras décadas do século XX. (Velho, 1999

p. 11).

Sobre Copacabana, Tom Jobim já cantava pelos anos de 1950 na música

homônima que “Existem praias tão lindas cheias de luz, nenhuma tem o encanto

que tu possuis (...). Copacabana, princesinha do mar, pelas manhãs tu és a vida

a cantar e a tardinha o sol poente deixa sempre uma saudade na gente”.

Dada a extensão territorial do Brasil e a precariedade dos transportes,

estradas e meios de comunicação até aquele momento, se tornava muito

complicado o conhecimento de suas regionalidades. Assim, o Rio de Janeiro,

que já havia se tornado o centro e modelo cultural para todo o Brasil desde a

chegada da corte Portuguesa, passou a representar um modelo que sintetizava

todo um imenso país (Penna, 2010; Penna, 2016). Como pontua Gontijo (2007)

[...] há uma espécie de ideologia (sutil) da carioquice

permeando os escritos da maioria dos cientistas sociais e

intelectuais brasileiros (de todos os tempos), que generaliza

os traços cariocas para o resto do Brasil, transformando-os

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em traços culturais nacionais, formadores da própria

"identidade nacional brasileira". É como se o Rio de Janeiro

fosse o espelho do Brasil, e não o contrário. (Gontijo, 2007

p.74).

Tomemos como exemplo a revista O Cruzeiro que se tornou um marco na

imprensa nacional. Lançada em 1928, a revista possuía um projeto audacioso

para a época: edições semanais que seriam distribuídas em todas as capitais e

principais cidades do Brasil. Em 1938, a revista lançou a coluna “As Garotas de

Alceu”, sob o olhar e cuidado de Alceu Penna, com o objetivo de lançarem as

primeiras pin-ups brasileiras (Penna, 2010; Penna, 2016).

Como destaca Penna (2010):

Alceu Penna se inspirou, para fazer suas “Garotas”, na

mulher carioca da emergente classe média, com seus

modismos e trejeitos. A coluna influenciou muitas mocinhas

da época e alcançou uma grande popularidade, durante os

anos de sua veiculação. “As Garotas do Alceu” chegaram a

ser tornar referência em beleza e comportamento para as

meninas da época. (Penna, 2016, p.101).

Como um cenário de destaque para Rio de Janeiro, a praia esteve

presente na primeira edição da coluna em 1938 que recebeu o título de “Garotas

da Praia”. Nessa edição, o assunto principal girava em torno de dúvidas a cerca

da utilização de um novo espaço de lazer, com questões de como se portar e o

que vestir (Penna, 2010; Penna, 2016).

Além dessas questões, outra que também aparecia com frequência na

revista diz respeito à associação da praia com os esportes, cada vez mais

comuns nesse ambiente (Penna, 2010; Penna, 2016). Uma prática que pode ser

facilmente encontrada por nós nos dias de hoje, mas que ainda causa

estranheza principalmente para o turista estrangeiro, como ressalta o

antropólogo Malysse (2007) no trecho a seguir:

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A praia, em si, não era diferente dos cartões-postais que eu

vira, mas fiquei surpreso ao constatar a extraordinária

atividade que se produzia ali. Enquanto para mim a praia era

um lugar de repouso, de descontração, até mesmo de

abstração do resto do mundo, aqui as pessoas corriam,

jogavam, caminhavam, ficavam de pé, olhavam-se, seus

corpos pareciam tomados por um movimento incessante e

ninguém parecia estar ali para relaxar. A beira-mar era

ocupada por pistas de corrida que regulavam o fluxo

descontínuo dos corpos, contraídos pelo esforço físico ou

levados pela cadência da caminhada. (Malysse, 2007 p.83).

Assim, há que se constatar que em uma cidade tropical quese encontra à

beira-mar como o Rio de Janeiro, exista uma tendência à maior concentração

das atividades cotidianas em áreas ao ar livre, à prática freqüente de esportes,

à cultura do corpo (Goldenberg, 2007), à liberação do peso das roupas (Malysse,

2007) e o maior contato com o sol. Daí a possível explicação para o trecho da

música de Adriana Calcanhoto que pontua que “cariocas não gostam de dias

nublados.”

2.2 A Pesquisa

O estudo do consumo do sol se mostrou adequado para compreender

como as práticas podem criar e destruir valor. Sabe-se que o valor é resultado

das práticas (Arnould, 2013), porém, compreender como o valor é rotineiramente

criado tem sido deixado de lado(Arnould, 2013). Além disso, a discussão de

como práticas podem destruir valor,no lugar de criar, só surgiu mais

recentemente e focada apenas na literatura de marketing de serviços (Plé &

Chumpitaz Cáceres, 2010; Echeverri & Skålén, 2011). Assim, acredita-se que a

proposta desse estudo irá contribuir para a compreensão não apenas de como

o valor é resultado das práticas, como também de como o valor pode ser

rotineiramente criado e destruído.

Aanálise histórica da relação do indivíduo com o sol nos trouxe diferentes

características que nos ajudam a identificar comoos regimes de valor podem

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influenciar práticas de consumo (Arnould , 2013). Se por um lado, o sol e a pele

bronzeada já estiveram associados à condição social inferior e à necessidade de

usar roupas mais fechadas, com a influência da moda as pessoas passaram a

associar a pele morena a maior tempo e condição financeira para realizar

atividades ao ar livre. Assim, com o estudo do consumo do sol, poderemos

compreender também a interseção e a transição entre regimes de valor, seja

para processos de criação de valor (Arnould , 2013) ou para processos de

destruição.

Escolhemos analisar as práticas de criação e destruição de valor no

consumo do sol, após a realização de um trabalho que também compõe essa

pesquisa de análise de texto cultural em propagandas de protetor solar. O

consumo do sol nos possibilitou acesso a diversos conflitos entre os

consumidores e, também, nas propagandas analisadas.

O campo consistiu em uma análise de texto cultural de vinte e seis

propagandas de protetor solar e entrevistas narrativas semi-estruturadas com 17

mulheres residentes da cidade do Rio de Janeiro. As entrevistas ocorreram em

três etapas.Entre esses diferentes momentos de ida e volta ao campo, as leituras

de diversas bibliografias relacionadas ao tema foram ampliadas.

A pergunta norteadora dessa pesquisa foi: Como valores podem ser

criados e destruídos em práticas de consumo? Algumas perguntas secundárias

também foram pensadas com a finalidade de dar suporte à resposta da pergunta

principal e estão colocadas a seguir:

Quais as principais práticas no consumo do sol?

Que conflitos são encontrados no consumo do sol?

Como os elementos que compõem as práticas (fazeres, dizeres e

objetos) se manifestam no consumo do sol?

Comoelementos das práticas podem atuar na criação ou

destruição de valor?

3. Contribuições da Literatura

A construção desse referencial teórico percorreu dois caminhos presentes

nos estudos da CCT (Consumer Culture Theory): oprimeiro baseia-se na

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construção de valor para o consumidor presente nos trabalhos de Holbrook

(1999), Karababa e Kjeldgaard (2013),Arnould (2013), Venkatesh e Peñaloza

(2014), Arsel (2016) e Hartmann, Wiertz e Arnould (2015).Seguindo a estrutura

adotada por Gummerus (2013), optamos por apresentar a discussão de valor

desse primeiro caminho separada entre as três principais correntes de pesquisa

existentes na literatura e que envolve o valor como resultado e os processos de

criação e destruição de valor. O segundo caminho diz respeito às tipologias de

consumo (Levy, 1959; Sahlins, 1976; Zaltman & Wallendorf, 1977; Douglas &

Isherwood, 1979; Holbrook & Hirschman, 1982; Rook, 1985; McCracken, 1986;

Belk, 1988; Belk, Wallendorf & Sherry, 1989; Sherry, 1990; Arnould & Price,

1993; Addis e Holbrook, 2001). O trabalho de Holt (1995) com a proposta de

tipologias e metáforas de consumo servirá como base para a estrutura de

discussão desse segundo caminho.

3.1 Valor

Valores foram muito pesquisados na área de marketing e no campo do

comportamento do consumidor (Levy, 1959; Kotler 1967; Bagozzi, 1975;

Churchill &Moschis, 1979;Holbrook & Hirschman, 1982;Johnson, 1984; Belk,

1987; Zeithaml, 1988; Humphrey & Hugh-Jones, 1992, Holbrook, 1999).Esse

tema foi deixado de lado durante um tempo e, mais recentemente, vem

ganhando presença nas pesquisas e discussões na área de cultura e consumo

onde alguns autores defendem que além de identificar tipologias de valores, é

importante compreender como eles são criados (Karababa & Kjeldgaard, 2013;

Arnould, 2013; Gummerus, 2013; Venkatesh & Peñaloza, 2014; Arsel, 2016;

Hartmann, Wiertz & Arnould, 2015; Figueiredo & Scaraboto, 2016).

A busca pela definição de valor tem sido um grande desafio entre diversos

filósofos e pesquisadores, mostrando sua natureza multifacetada (Babin, Darden

& Griffin, 1994). Apesar da percepção dos consumidores de que valor é um

determinante crucial do comportamento do consumidor, durante muito tempo as

pesquisas sobre esse conceito apresentaram poucos resultados conclusivos e

foram muito criticadas por trazerem definições e conceitualizaçõesequivocados

do termo, procedimentos para medição inadequados e problemas metodológicos

(Zeithaml, 1988).

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Como objetivo principal de sua pesquisa qualitativa exploratória, Zeithaml

(1988) se propôs a definir o conceito de valor a partir da perspectiva do

consumidor. Devido à grande variedade de atributos, notou que o que constitui

valor, mesmo em uma única categoria de produto, parece ser altamente pessoal

e, por isso, o seu conceito vai envolver quatro grandes definições: 1) valor é

preço baixo, 2) valor é qualquer coisa que eu deseje com um produto, 3) valor é

a qualidade que eu recebo pelo preço que eu pago e 4) valor é o que eu recebo

pelo que eu dou. Essas quatro expressões de valor podem ser resumidas em

uma definição geral: valor é toda a avaliação da utilidade de um produto baseado

em percepções do que é recebido e o que é dado. Embora o que é recebido e o

que é dado possam variar entre os consumidores, o valor irá representar um

tradeoff entre os componentes que são dados e recebidos.

Na antropologia, Graeber (2001) destacou que existem três grandes

fluxos de pensamento que convergem na definição do termo valor. O primeiro

deles destaca que o valor no sentido social significa tudo aquilo que é bom,

apropriado e desejado na vida humana. O valor no sentido econômico, em

segundo, diz respeito ao grau em que os objetos são desejados, particularmente

diz respeito à medição de por quanto os consumidores estão dispostos a desistir

de levar o produto. Existe ainda uma terceira definição de valor segundo o autor

que diz respeito ao valor no sentido semiótico, que se refere ao valor como

significado. Significados culturais são mediados através do consumo e

constantemente reconstruídos entre múltiplos atores. O estudo deste assunto

tem sido uma das principais linhas de investigação do CCT (Consumer Culture

Theory) desde seus primeiros dias (Karababa & Kjeldgaard, 2013).

Karababa e Kjeldgaard (2013) pontuam que esses domínios de valor não

são separados e exclusivos, ao contrário, estão inter-relacionados. Assim,

apesar dos três tipos de valor serem separados analiticamente, estarão

presentes simultaneamente em manifestações de mercado tornando-se valores

culturalmente ativos que fazem sentido para os atores presentes em

determinado contexto.

Echeverri e Skålén (2011) também tentaram compilar os estudos de valor.

Segundo os autores, as pesquisas na área estão separadas em duas grandes

categorias. A primeira é a formação de valor não interativo que sustenta que o

valor é produzido pelos provedores e consumido pelos clientes. Nesse caso o

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valor é conceituado como troca (Bagozzi, 1975). De acordo com essa visão, o

valor está incorporado nos produtos e serviços que as organizações produzem.

O valor é adicionado durante o processo de produção e é igual ao preço que o

cliente irá pagar. Por sua vez, a segunda diz respeitoà formação de valor

interativo que estipula que o valor é co-criado durante a interação entre provedor

e cliente (Vargo & Lusch, 2004). Em contraste com o conceito de valor que está

incorporado ao produto e serviço, esta classificação considera que os

provedores co-criam serviços e produtos em colaboração com seus clientes. Isso

implica dizer que o valor, em vez de ser adicionado durante um processo de

produção separado, é co-criado, realizado e avaliado em um contexto social que

envolve o processo de produção e consumo simultaneamente. Assim, o valor

será avaliado de maneira subjetiva pelos clientes.

Apesar dos vários estudos conceituais e empíricos sobre valor, o valor

para o consumidor como um conceito ainda merece mais clareza. Em nossas

pesquisas encontramos poucos trabalhos que se propõem a discutir ou

apresentar uma definiçãode valor. Um desses trabalhos que podemos destacar

é o de Grönroos (2008), no campo de serviços, que irá definir valor para o

consumidor da seguinte maneira:

O valor para os clientes significa que depois de terem

experimentado um processo de auto-serviço (cozinhar uma

refeição ou retirar dinheiro de um caixa eletrônico) ou um

processo de serviço completo (comer fora em um

restaurante ou se retirar dinheiro no caixa de um banco)

são ou se sentem melhor do que antes. (Grönroos, p. 303,

2008 – tradução livre).

Na mesma linha, Figueiredo e Scaraboto (2016, p.4) mais recentemente

apresentaram uma definição de valor mais concisa. Segundo os autores,

“pesquisadores de consumo possuem uma longa trajetória em examinar valor,

ou seja, o benefício percebido de alguma coisa”.

Inspirada no trabalho de Gummerus (2013), esse projeto propõe olhar as

pesquisas de valor separadas entre duas correntes principais: a primeira envolve

o valor como resultado que busca explicar como os consumidores percebem o

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valor, ou seja, como fazem avaliações de valor e quais são os resultados de valor

que estão recebendo. Já a segunda propõe um olhar ao processo de criação de

valor que considera as atividades, os recursos e as interações envolvidos nessa

criação do valor. Processos de criação de valor tendem a ser contínuos enquanto

o valor como resultado tende a ser amarrado em um ponto específico no tempo.

Diferentemente da pesquisa de Gummerus (2013), que oferece uma discussão

a partir dos estudos com foco em serviços, esse trabalho fará a classificação

partindo de artigos do campo do comportamento do consumidor.

A lógica da divisão de valor em duas categorias propostas por Gummerus

(2013) pode ser resumida na figura 1.

Figura 1: Categorização da Teoria de Valor

Fonte: Adaptado de Gummerus (2013)

Valor como resultado diz respeito a como um ator determina o valor que

estará presente em um dado momento e envolve quatro categorias classificadas

como: meios e fins, benefício e sacrifício, experiências e fenomenológico. Valor

como resultado de meios e fins considera que o valor pode ser apreciado em

diferentes níveis de abstração, sendo os atributos do produto o nível mais baixo,

atributos de desempenho no nível mediano e objetivos e propósitos no nível mais

elevado. Essa categoria foi concebida a partir de como um produto contribui para

o alcance de objetivos funcionais, práticos e emocionais. Valor como resultado

de benefícios e sacrifícios considera que existe um julgamento cognitivo da

utilidade de um produto por parte do consumidor que mede sua eficiência a partir

da análise dos benefícios e dos sacrifícios com a sua aquisição. Valor como

Valor

Processos de Criação

Resultado

Empresa Co-criação ConsumidoresMeios e

FinsBenefício

e Sacrifício

Experiências Fenomenológico

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resultado de experiência veio pra enriquecer a visão anterior do consumidor

como uma pessoa que toma decisões lógicas e passa a enxergá-lo como alguém

que busca sensações e emoções no consumo. Por fim, o valor como resultado

fenomenológico se baseia na lógica de serviço dominante (Vargo & Lusch, 2004)

para propor que existem duas atividades em paralelo no valor: uma é a co-

criação a partir da integração de recursos e atores no mercado e a outra é a

determinação fenomenológica onde o consumidor considera o significado de

cada experiência para construir valor para si próprio. Assim, o cliente se sentirá

aliviado uma vez que o bem ou serviço cumpriu sua proposta de entrega de valor.

Tradicionalmente, o processo de criação de valor foi inserido dentro das

empresas, o que significa que as empresas eram tidas como criadoras de valor

na medida em que transformavam recursos em produtos finais. Mais

recentemente, a literatura de criação de valor ganhou um avanço a partir da

introdução da lógica de serviço dominante que propôs que o processo de criação

de valor se localize na interação entre a empresa e os consumidores, ocorrendo

assim a co-criação de valor. Segundo Gummerus (2013), existem três

abordagens diferentes para criação de valor que podem ser descritas como a

criação de valor da empresa, a co-criação de valor e a criação de valor do

consumidor. A criação de valor da empresa explica como as empresas

conquistam competitividade sustentável a partir da criação de valor para o

consumidor. Por sua vez, a co-criação de valor propõe que o foco precisa estar

na interface entre organização e o ambiente e não apenas nos processos

internos da organização. Por fim, a criação de valor para o consumidor se

concentra no que o consumidor faz com serviços e produtos na sua esfera de

vida. Existem duas maneiras principais de enxergar o consumidor como criador

de valor que são os processos e as práticas. Em processos, o consumidor cria

valor a partir de uma série de atividades desempenhadas para atingir um objetivo

particular. Esse comportamento é orientado ao objetivo e instrumental e assume

que as pessoas buscam objetivos de maneira racional. As práticas, por sua vez,

se referem às ações rotinizadas que são orquestradas por ferramentas,

conhecimento, imagem, espaço físico e um sujeito que é considerado o

carregador das práticas. As práticas asseguram que ao contrário de terem valor

por si, as ações se tornam valiosas a partir de interações com um contexto.

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3.1.1 Valor como Resultado na Literatura

O valor como resultado é discutido na literatura em termos do que o cliente

recebe versus o que ele dá em diferentes dimensões, tais como valor utilitário e

hedônico. Sydney Levy (1959) propôs inicialmente o conceito de valor simbólico

como a atividade que vai permear o consumo. A sociedade está composta por

mais pessoas que possuem mais coisas, tais como lazer, dinheiro, posses,

prazeres e preocupações. Quanto menor for a preocupação com a satisfação de

níveis de sobrevivência, mais abstratas as respostas humanas se tornam. Na

medida em que o comportamento do consumidor no ambiente de mercado se

torna mais elaborado, cresce também seu aspecto simbólico. Consumidores

continuam preocupados com preço, qualidade, e durabilidade dos produtos uma

vez que são considerados valores tradicionais sensatos. Porém, ao mesmo

tempo, sabe que outros fatores legítimos também o afetam. As pessoas

compram produtos não apenas pela sua utilidade, como também pelo que

significam (reforçar imagens, distinção, discriminação pública, dentre outros).

Na sequência surgiu o valor de troca no trabalho de Bagozzi (1975).O

paradigma do marketing como troca surgiu como quadro teórico útil para

conceituar o comportamento de marketing. A troca, que foca principalmente na

transferência direta de algo tangível entre duas partes, é apenas um caso

especial da teoria da troca. Na realidade, as trocas de marketing podem ser

muitas vezes indiretas, evolver aspectos intangíveis e simbólicos e mais de duas

partes podem participar. Em geral, existem três tipos de troca: 1) restrita (relação

mútua entre duas partes), 2) generalizada (relação recíproca que envolve ao

menos três atores) e 3) complexa (sistema de mútuas relações entre pelo menos

três partes onde cada ator social está envolvido em pelo menos uma troca direta,

enquanto que todo o sistema é organizado por uma rede de interligação).

Holbrook e Hirschman (1982) foram os primeiros a reconhecer a

importância dos aspectos experienciais de consumo. No seu início, os estudos

de comportamento do consumidor estiveram envolvidos em uma ênfase nas

escolhas racionais e irracionais de consumo, esse último atrelado ao modelo de

processamento de informação onde o consumidor é um pensador lógico que

resolve seus problemas para tomar decisões de compra. Durante muitos anos,

o comportamento do consumidor negligenciou fenômenos importantes como

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atividades de lazer, prazeres sensoriais, devaneios, fruição estética e respostas

emocionais. Assim, Holbrook e Hirschman (1982) desenvolveram um quadro

teórico baseado no contraste tanto do modelo de processamento de informação

quanto da perspectiva experiencial do consumo (que foca na natureza simbólica,

hedônica e estética) que mostrou como esse consumo é um fenômeno

diretamente relacionado à busca por fantasias, sentimentos e diversão.

No mesmo ano, Hirschman e Holbrook (1982 p.92) classificaram a “faceta

do comportamento do consumidor que está relacionada aos aspectos

multisensoriais, fantasias e emoções da experiência de uso de um produto”, de

consumo hedônico. Os aspectos multisensoriais representam as múltiplas

modalidades sensoriais onde é possível receber a experiência. Envolve o sabor,

som, aromas, impressões táteis e imagens visuais. As fantasias, por sua vez,

ocorrem quando o consumidor reproduz uma imagem sensorial que não estava

diretamente relacionada à experiência. Um exemplo disso é o perfume que pode

despertar tanto os aspectos multisensoriais por conta do seu aroma, quanto

fantasias compostas de imagens internas que contém sinais, sons e sensações

táteis que também são experimentados. Outro tipo de resposta relacionada ao

consumo hedônico é a excitação emocional que representa um fenômeno

motivacional com características neurofisiológicas que inclui sentimentos como

alegria, ciúme, medo raiva e êxtase.

O lado experiencial do consumo também foi abordado a partir de seus

aspectos sagrados e profanos (Belk, Wallendorf & Sherry, 1989). Dessa forma,

o consumo também pode funcionar como um veículo de experiências

transcendentais, exibindo assim alguns aspectos do sagrado. O sagrado está

relacionado a objetos que significam algo muito mais poderoso e extraordinário

do que o próprio ser e não necessariamente estão relacionados à religião. Como

exemplo, bandeiras, esporte, arte, automóveis, museus e coleções. A melhor

maneira de entender as propriedades do sagrado é a partir do seu contraste com

o profano. Enquanto o primeiro é tido como algo extraordinário, o segundo é

ordinário e faz parte do dia a dia. Assim, o sagrado tem o poder de tirar a pessoa

do próprio eixo a partir de experiências de êxtase e totalmente diferentes dos

prazeres diários comuns. Consumidores separam o que é sagrado do que é

profano, a partir de domínios comuns de experiência que são classificados em

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seis categorias potenciais de consumo vinculadas ao sagrado: lugar, tempo,

coisas tangíveis, intangíveis, pessoas e experiências

A conceitualização de valor que representa o que Echeverri e Skålén

(2011) classificaram de formação de valor interativo pode ser visto na pesquisa

de Holbrook (1999). Holbrook assume a posição de que o valor reside em ações

e interações e que é produzido coletivamente, mas subjetivamente

experimentados. Como resultado de sua pesquisa, Holbrook (1999) trouxe para

a discussão o valor de uso e propôs um framework onde apresenta oito principais

tipos de valor para o consumidor que merecem consideração na análise do

comportamento relacionado com o consumo. Essas oito tipologias surgem a

partir de uma matriz que envolve o uso de três principais dimensões classificadas

pelos autores como: (1) valor intrínseco e extrínseco; (2) valor orientado para si

e para outros e (3) valor ativo e reativo. A partir de uma matriz 2 x 2 x 2 usando

as três dimensões anteriores, propôs que os valores de uso envolvidos no

consumo fossem classificados em: Eficiência, Excelência, Status, Estima,

Brincadeira, Estética, Ética e Espiritualidade.

No quadro 1, apresentamos os principais estudos que analisam o valor

como resultado.

Quadro 1: Estudos de Valor como Resultado

Fonte: a autora

3.1.2 Processos de Criação de Valor na Literatura

Autores Tema Principais Contribuições

Sydney Levy (1959) SímbolosValor Simbólico: Pessoas compram produtos

pelo que significam

Bagozzi (1975)Marketing como

Troca

Valor de Troca: troca de bens tangíveis ou

intangíveis entre duas ou mais pessoas

Hirschman e Holbrook (1982)

Aspectos

Experiênciais do

Consumo

Perspectiva experiencial do consumo.

Natureza simbólica, hedônica e estética do

consumo

Belk, Wallendorf e Sherry (1989)

Aspectos Sagrados

e Profanos do

Consumo

O consumo como veículo de experiências

transcendentais

Holbrook (1999) Valor de Consumo

Valor de Uso: Eficiência, Excelência, Status,

Estima, Brincadeira, Estética, Ética e

Espiritualidade.

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Embora a literatura tenha se concentrado em pesquisas sobre o valor

como resultado, alguns trabalhos também se preocuparam em analisar como

esse valor é gerado, especialmente pesquisas mais recentes. Em processos de

criação de valor, cabe um olhar mais acentuado sobre as diferentes visões em

relação a quem está envolvido nas atividades de criação de valor e como o valor

é gerado por meio de certas atividades de uma empresa, da co-criação de

mercados e pelo cliente (Gummerus, 2013).

Kotler (1967) iniciou essa discussão a partir da elaboração de valor para

o cliente ou de satisfação para o consumidor. Um ponto crucial nesse momento

foi a compreensão de que a organização é a responsável por criar valor para o

consumidor e deve lidar com uma diversidade grande de grupos que estão

interessados em seus produtos e que podem fazer a diferença para o sucesso

da empresa. Sendo assim, torna-se de vital importância para o sucesso da

organização que a mesma seja sensitiva, sirva e satisfaça esses grupos de

consumidores.

Com o surgimento do marketing de marca, Peñaloza e Venkatesh (2006)

e Venkatesh, Peñaloza e Firat (2006) introduziram a noção de valor de sinal,

afirmando que a economia de mercado está chamando por uma mudança

paradigmática que sai da discussão das técnicas e conceitos de marketing para

enxergar o mercado como uma construção social. Assim, pesquisadores de

marketing devem mudar sua atenção do marketing para o mercado, com esse

último situado dentro de um contexto institucional e sócio-histórico. O marketing

limita a pesquisa em atividades no nível das empresas, enquanto na prática

estamos lidando com produtos ou serviços e com forças e comportamentos

presentes no mercado. Em contraste, o mercado expande a disciplina para

envolver práticas e discursos onde as questões são mais profundas. Assim,

deve-se expandir o conceito de marketing para incluir interesses de todos os

agentes de mercado e levar em consideração o bem-estar social. À medida que

os mercados vão se tornando mais estetizados, espetaculares, encorpados,

personificados e personalizados, recomenda-se enxergar a economia de

mercado global como uma economia de sinal.

A noção de valor de sinal irá incorporar o valor de troca, o valor de uso e

incluir também significados. Os mercados e valores passam a ser produzidos

conjuntamente pelos consumidores, profissionais de marketing e outra força

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cultural constituinte. Consumidores e profissionais de marketing passam a se

posicionar dentro de um sistema econômico culturalmente constituído que é

produzido na medida em que realizam as trocas de acordo com seus sistemas

de linguagem e significados. Nessa visão, as empresas não são mais

consideradas a partir dos produtos e serviços que oferecem e sim operam em

um sistema de significados de alianças interorganizacionais e transações

simbolicamente orientadas. Na medida em que os mercados continuam

competindo entre si e os produtos e serviços se tornam cada dia mais

comoditizados, o que irá distinguir um produto de outro será a imagem e o

simbolismo construído nele. Assim, mercados e consumidores irão fazer a

distinção baseado em diferentes elementos de valores chamado de sinal. O

crescimento da importância do valor de sinal é o motivo pelo qual marcas e

propagandas se tornaram condição necessária no marketing contemporâneo

(Peñaloza & Venkatesh, 2006; Venkatesh, Peñaloza & Firat, 2006).

Karababa e Kjeldgaard (2013) apresentaram um comentário no Journal of

Consumer Research abordando debates recentes em marketing sobre a

indefinição da noção de valor. Os autores propõem a compreensão dos

processos de valor e sua criação de forma mais abrangente e com um olhar

cultural. Como visto anteriormente, a visão geral predominante do uso de valor

na literatura de marketing e pesquisa do consumidor é discutida em relação a

três tipos de valores abstratos: valor econômico, semiótico e social. A noção de

valor econômico é fundada na economia clássica e política. Economia marxista

define valor de troca como o trabalho necessário para apropriar qualidades úteis

aos bens e expressá-las de forma quantitativa. Por sua vez, valor social se refere

à virtude e pode ser utilizado tanto no sentido ético, que é determinado por uma

pessoa, quanto culturalmente, como a virtude de alguma coisa que é externa a

uma pessoa, ideia, produto ou atividade. Ou seja, o que é considerado bom e

valioso na vida humana. Finalizando, o valor semiótico se refere ao valor de sinal

ou significado. Significados culturais estão presentes no consumo e são

constantemente reconstruídos entre múltiplos atores. Essa perspectiva desafia

a suposição de que a criação de valor ocorre apenas no contexto de troca.

Diante disso, os autores propuseram mais discussões sobre o conceito de

valor a partir de uma perspectiva CCT envolvendo a co-criação de mercado. Uma

abordagem sociocultural pode oferecer uma perspectiva menos reducionista do

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valor do que as categorias culturais, a ideia de valor como meramente

“significado” ou a concepção de valor economicamente inspirada pela troca e

pelo valor de uso. Tipos diferentes de valor no mercado tais como o valor de

identidade, experiência, estético, funcional, hedônico e o valor da comunidade,

devem ser conceituados como tipologias co-criadas a partir de práticas advindas

de diversos atores, tais como consumidores, empresas, meios de comunicação,

Estado e comunidades de marca que operam em um mercado (Karababa &

Kjeldgaard, 2013).

Arnould (2013) mantém o foco nesse processo de criação de valor e

discute como uma Teoria da Prática de valor poderia ser desenvolvida. O valor

é resultado de práticas que podem variar dependendo do tipo de regime de valor

que for dominante. Assim, práticas de criação de valor críticas para uma

determinada cultura irão diferir daquelas comuns a outros contextos culturais.

Abordagens teóricas práticas enfatizam a centralidade da ação humana

coordenada na produção e reprodução de resultados organizados e coletivos

onde alguns dos quais são valores. Segundo a literatura, o valor não é nem

objetivo como os economistas podem argumentar nem subjetivo como

psicólogos poderiam, mas sim um efeito contingente de interação. Nessa visão,

valor não reside em um indivíduo independente de suas ações e nem em um

bem independente da ação a qual ele é submetido. Em resumo, o valor reside

nas ações e interações onde os recursos têm a função de facilitar, tornar possível

ou apoiar.

Alterando a perspectiva para o nível de performances de prática e

considerando a concepção dos indivíduos como “portadores de práticas”, isto é,

como "pontos únicos de passagem de práticas” com a noção de práticas como

"portadoras de valor", podemos dizer que o valor de uso acontece em dois

momentos no desempenho das práticas. O primeiro é o momento produtivo, ou

seja, onde recursos de algum tipo são oferecidos. Esses recursos podem ser

informação, objeto, experiência, dentre outros. Existe também o momento de

consumo onde recursos de algum tipo são recebidos. Assim, informação, objetos

e experiências podem ser aceitos. O valor será realizado através da experiência

desses momentos. Segundo Arnould (2013), oportunidades futuras de pesquisa

encontram-se pela primeira vez na discussão de como valor é rotineiramente

criado ao invés de que tipos de valor são criados.

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Gummerus (2013)destaca como a abordagem de valor oferecida pela

Lógica Dominante de Serviço que ressalta que o valor é co-criado por empresas

e clientes e que os beneficiários determinam o valor (resultado), pode contribuir

para os estudos de valor. O artigo também discute como os processos de criação

de valor e valor como resultado podem estar interligados a partir das

experiências. Essa inferência se baseia em dois pressupostos básicos: 1)

clientes permitem interpretar as atividades de criação e co-criação; 2) quando

clientes estão envolvidos em atividades de criação e co-criação, experiências de

serviços são criadas na medida em que agem, sentem e pensam durante esses

eventos. Assim, baseia-se na ideia de que o valor de consumo vem da

experiência do consumidor tanto para empresa quanto para o cliente, assim, a

experiência é o núcleo de consumo.

Venkatesh e Peñaloza (2014) discutem que é sabido que os mercados

são sistemas de criação de valor econômico, social e cultural. Mercados são

vistos como construções sociais e culturais onde o que é criado é um sistema de

significados, especialmente nos ambientes globais e multiculturais. Comentando

a publicação de Karababa e Kjeldgaard (2013), os autores levam a discussão de

valor um pouco mais distante e propõem contribuições para o paradigma cultural.

Assim, os autores sugerem um Sistema de Valores que irá unir valores

socioculturais e ambientais aos propostos anteriormente (troca, uso e sinal).

Vários domínios sociais e biológicos impactados por várias formas de

organização de mercado, sejam elas capitalistas ou não, serão trazidos para a

discussão. Por fim, o quadro cultural proposto por Karababa e Kjeldgaard (2013)

irá abraçar questões sociais e ambientais, implicando cada vez mais em

preocupações multiculturais e ambientais promulgadas no nível do sistema de

mercado e incluindo diferentes atores.

A materialidade e o princípio fundamental de que a circulação das coisas

cria valor foi visto no trabalho de Arsel (2016). Como primeiro objetivo, a autora

se propôsa discutir a ontologia do valor uma vez que falta teorização sobre o

tema na literatura. Como forma de solucionar essa questão,devemos olhar para

os mercados e as trocas existentes como “assemblages”. Além disso, a ideia de

traçar a posição de um objeto torna-se uma orientação epistemológica

interessante para os estudos de valor. Em outras palavras, para entender o valor

de um bem, pesquisadores devem mapear o sistema de movimento de

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relacionamentos que um bem está inserido ao invés de olhar um momento único

da transação, como a compra ou o descarte.

Entende-se que enxergar mercados como “assemblages” envolve

reconhecer que existe uma reunião de atores, coisas, instituições, narrativas e

outros recursos. Essa visão permite relacionar as experiências individuais com

uma rede externa de recursos, narrativas e materiais de consumo. Essa rede

também irá envolver recursos simbólicos e atores humanos e não humanos.

Esses atores possuem interesses diversos permitindo diferentes arranjos de

configurações, objetivos, ações e possibilidades. Os mercados vistos como

“assemblages” permitem que objetos circulem com o objetivo principal de gerar

valor. Consequentemente, o valor não é uma propriedade inerente a um objeto,

ao contrário, é construído e incorporado em um objeto a partir de redes

heterogêneas. Assim, um bem só terá significado e valor quando estiver em uma

rede de sistemas complexos de relacionamentos (Arsel, 2016).

O quadro 2 traz os estudos teóricos que analisam o processo de criação

de valor.

Quadro2: Estudos Teóricos de Processo de Criação de Valor

Autores Tema Principais Contribuições

Kotler (1967) Gestão de MarketingValor para o consumidor

Satisfação do consumidor

Peñaloza e Venkatesh (2006)

Venkatesh, Peñaloza e Firat (2006)

Construção social do

mercado

Valor de Sinal

Sistema de Significados = Valor de troca +

Valor de uso + Significados

Karababa e Kjeldgaard (2013)Perspectiva sociocultural do

valor

Paradigma Cultural

Valor culturalmente construído

Arnould (2013) Praxeologia do Valor

Teoria da Prática do Valor

Valor como resultado de práticas. Como o

valor é criado no lugar de que tipos de valores

são criados

Gummerus (2013)

Valor como Resultado x

Processo de Criação de

Valor

Lógica Dominante de Serviço e Experiência

como ligação entre processos de criação de

valor e valor como resultado

Venkatesh e Peñaloza (2014)Sistema de Valor de

Mercado

Valor do Ambiente

Sistema composto por Valor de troca + Valor

de uso + Valor de sinal + Valor sociocultural

+ Valor ambiental

Arsel (2015) Valor e "assembling markets"

Ontologia do Valor e Posição do Objeto

O valor é construído e incorporado em um

objeto a partir de redes heterogêneas

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47

Fonte: a autora

Entre os artigos empíricos que analisaram o processo de criação de valor,

podemos destacar a pesquisa realizada por Holt (1995). Partindo de uma

perspectiva construcionista e interacionista, da sociologia, a pesquisa

apresentou uma classificação do consumo como um tipo de ação social. Assim,

o objetivo principal foi desenvolver uma linguagem analítica para representar a

variedade de formas em que consumidores interagem com objetos consumidos.

Por ser um trabalho que reuniu classificações consideradas por nós relevantes

para esse trabalho além de servir de base para pesquisas posteriores (Schau,

Muñiz e Arnould, 2009), escolhemos explicar detalhadamente seus principais

resultados na próxima seção.

Schau, Muñiz e Arnould (2009) analisaram como práticas em

comunidades de marca criam valor. Usando a Teoria da Prática social, os

autores revelaram o processo de criação de valor coletivo em nove comunidades

de marca que compreendem uma variedade de categorias de produtos. Como

resultado, os autores identificaram um conjunto comum dedoze práticas de

criação de valor organizadas em quatro temáticas agregadas (uso de marca,

engajamento na comunidade, rede social e gestão de impressão). Além disso,

os autores perceberam que as práticas possuem uma função fisiológica onde a

interação entre os participantes funciona como um processo de aprendizagem,

dotando seus participantes de capital cultural, produzindo a partilha de

informação privilegiada, gerando oportunidades de consumo e criando

valor.Schau, Muñiz e Arnould (2009) utilizam as tipologias e metáforas de Holt

(1995) como inspiração para a discussão de valor. Segundo os autores, Holt

ilustra a maneira como os consumidores individuais conseguem obter valor

através de uma interação com um evento esportivo. Assim, Holt discute

atividades de criação de valor, principalmente através da produção de distinção

individual a partir da dotação de capital cultural.

Mais recentemente, Figueiredo e Scaraboto (2016) realizaram uma

pesquisa que tem como contexto uma rede colaborativa de “geocaching”, uma

versão moderna de um caça ao tesouro. Os resultados demonstraram como a

circulação de objetos promove um sistema de criação de valor que compreende

quatro subprocessos classificados como: 1) promulgação, onde a circulação de

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objetos promove interdependência entre várias ações de criação de valor pelos

participantes na rede; 2) transvaloração, onde a circulação faz com que os

objetos coletem e armazenem valor potencial gerado a partir de múltiplas ações

ocorridas ao longo do tempo e espaço por diversos participantes em múltiplas

transferências; 3) avaliação, onde a circulação permite que os participantes

acessem dinâmica e coletivamente o valor indexado (história e a durabilidade)

dos objetos e 4) alinhamento, onde a circulação de objetos promove ações de

criação de valor que estão em conformidade com os valores microculturais

prevalentes na rede. Os autores analisaram ações humanas e não humanas,

pois acreditam que a visão da Teoria da Prática, que busca entender a criação

de valor na medida em que os consumidores participam de certas práticas, não

explica como ações não intencionais, ao acaso e realizadas uma única vez de

maneira independentemente por consumidores individuais contribuem para a

natureza sistêmica de criação de valor.

O quadro 3 consolida os artigos empíricos que abordam o processo de

criação de valor na literatura.

Quadro3: Estudos Empíricos de Criação de Valor

Fonte: a autora

3.1.3 O Conceito de Destruição de Valor

Assim como Gummerus (2013), que oferece uma discussão de valor

apoiado em trabalhos que possuem como foco a área de serviços, as pesquisas

de Plé e Chumpitaz Cáceres (2010), Echeverri e Skålén (2011) e Smith (2013)

Autores Tema Principal Contribuição

Holt (1995)Como consumidores

consomem

Consumo como um tipo de ação social onde

são criados valores para os consumidores

Shau, Muñiz e Arnould (2009)

Como práticas em

comunidade de marca criam

valor

Processo de criação de valor coletivo a partir

de práticas comuns a comunidades de marca

Figueiredo e Scaraboto (2016)

Sistema de criação de valor

em redes de consumo

colaborativas

A circulação de objetos promove um sistema

de criação de valor

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também se apóiam nessa literatura para discutir o processo de co-destruição de

valor (ver quadro 4). Essas pesquisas foram inspiradoras para o nosso trabalho

por abordarem um tema ainda muito recente nos estudos de valor.

Na Lógica Dominante de Serviço, o consumidor será sempre co-criador

de valor (Vargo & Lusch, 2008). Assim, o valor de um bem ou serviço não existirá

por si só, mas dependerá de como o consumidor percebe a experiência

contextual advinda desse bem ou serviço (Plé & Chumpitaz Cáceres, 2010).

Prahalad e Ramaswamy (2004) explicam a co-criação de valor da seguinte

forma:

A visão de co-criação desafia a visão de mercado como

uma agregação de consumidores em torno do que uma

empresa pode oferecer. No novo espaço de co-criação de

valor, os gerentes de negócios têm pelo menos um controle

parcial do ambiente onde ocorrem as experiências e das

redes que desenvolvem para facilitar essas experiências

de co-criação. Porém, eles não conseguem controlar como

os indivíduos passam a co-construir suas

experiências.(Prahalad & Ramaswamy, p.11, 2004,

tradução da autora).

A premissa da Lógica Dominante de Serviço é que o valor é gerado por

um processo colaborativo de co-criação entre as partes (Vargo & Lusch, 2008).

Se o valor pode ser co-criado, parece logicamente possível pressupor que o

mesmo possa ser co-destruído através desse processo (Plé & Chumpitaz

Cáceres, 2010). Porém, a literatura de valor parece deficiente em compreender

os resultados potencialmente negativos advindos dessas interações (Plé &

Chumpitaz Cáceres, 2010) e permanece vinculada a conotações sempre

positivas, como a própria ideia chave de co-criação. Assim, a principal impressão

que fica da literatura é que o envolvimento em processos de criação de valor não

é problemático para as partes envolvidas (Echeverri & Skålén, 2011).

Segundo Echeverri e Skålén (2011), se por um lado a co-criação se refere

ao processo em que provedores e consumidores colaborativamente criam valor,

a co-destruição irá se referir à destruição colaborativa ou diminuição de valor por

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50

provedores ou consumidores. Assim, tanto a co-destruição de valor como a co-

criação serão parte integrante em uma interação.

No artigo seminal sobre o tema, Plé e Chumpitaz Cáceres (2010) definem

a co-destruição de valor da seguinte forma:

[...] a co-destruição de valor pode ser definida como um

processo interacional entre sistemas de serviço que resulta

em um declínio em pelo menos um dos sistemas de bem-

estar (que, dada a natureza de um sistema de serviço,

pode ser individual ou organizacional). Durante esse

processo, os sistemas de serviços interagem diretamente

(pessoa a pessoa) ou indiretamente (como, por exemplo,

com os bens) através da integração e aplicação de

recursos. (Plé & Chumpitaz Cáceres, p.431-432, 2010,

tradução da autora).

Os sistemas de serviços são configurações de recursos (pessoas,

informação e tecnologia) que estão conectados a outro sistema. Assim, sistemas

de serviços incluem firmas, consumidores, fornecedores, empregados, governos

e todo e qualquer parceiro na rede de relacionamento de uma empresa (Vargo

& Lusch, 2008, Plé & Chumpitaz Cáceres, 2010 e Smith, 2013). Cada um desses

sistemas de serviços irá contribuir na criação de valor para eles próprios e para

os demais envolvidos (Vargo & Lusch, 2008).

E quando ocorrerá a co-destruição de valor? Segundo Plé e Chumpitaz

Cáceres (2010), a co-destruição resulta do mau uso dos recursos durante as

interações entre os diferentes sistemas de serviços. Cada um dos sistemas de

serviços envolvidos poderá usar os recursos próprios ou os recursos do outro

sistema de serviços. O uso incorreto desses recursos resultará em co-destruição

de valor para pelo menos um dos sistemas de serviços envolvidos.

Por sua vez, o mau uso dos recursos envolvidos pode ser compreendido

como uma falha em usar os recursos da maneira que é apropriada ou esperada

pelo sistema de serviço. Assim, quando dois sistemas interagem, direta ou

indiretamente, cada parte possui certas expectativas em relação ao seu próprio

papel e o papel da outra parte. O uso inapropriado ou inesperado de algum

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recurso disponível em uma interação irá resultar em destruição de valor para

pelo menos uma das partes (Plé & Chumpitaz Cáceres, 2010).

Usando a pesquisa de Plé e Chumpitaz Cáceres (2010) como ponto de

partida; porém, trazendo um estudo empírico sistemático e construindo em cima

da lente teórica da Teoria da Prática, Echeverri e Skålén (2011) identificaram

que a co-destruição de valor é uma consequência de quando clientes recorrem

a elementos da prática incongruentes em respeito ao comportamento do

empregado de uma empresa. A partir de um estudo de uma organização de

transporte público da Suécia, os autores identificaram cinco práticas de interação

de valor que mostram como essas práticas não estão associadas apenas a co-

criação, como também a co-destruição de valor.

Para a literatura de valor, esse trabalho contribui sob duas perspectivas

diferentes. A primeira diz respeito ao consumo de um elemento onipresente na

vida do consumidor. Diferente de outros consumos em que o aspecto da escolha

é o ponto de partida para a prática do consumo, o contexto do sol possibilita a

que se observe, por vezes, não só escolhas como adaptações, afastamentos,

dentre outras práticas. Neste estudo, a Teoria da Prática serve de apoio para a

análise da criação de valor do consumo relacionado ao sol, em consonância com

a indicação de Arnould (2013) sobre lacunas relacionadas à temática de valor

nos estudos de consumo.

A segunda perspectiva destaca que algumas práticas, ao contrário de

criarem valor, podem levar ao processo de destruição de valor em

comportamento do consumidor, ou seja, mesmo sem a ocorrência de interação

entre diferentes sistemas de serviços (firmas, consumidores, fornecedores,

empregados, governos e todo e qualquer parceiro na rede de relacionamento de

uma empresa), como pontuam Vargo e Lusch (2008), Plé e Chumpitaz Cáceres

(2010) e Smith (2013).

O quadro 4 apresenta as pesquisas de destruição de valor encontradas

na literatura.

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52

Quadro 4: Estudos de Destruição de Valor

Fonte: a autora

3.1.4 Tipologias de Consumo de Holt (1995)

Utilizamos as tipologias de consumo trazidas por Holt (1995) para ajudar

a organizar a literatura referente aos processos de criação de valor, corrente

escolhida por essa pesquisa.

A partir da década de 1990, autores do campo do comportamento do

consumidor buscaram compreender como as pessoas consomem e o que elas

fazem quando consomem. Até aquele momento, o consumo era estruturado por

meio das propriedades do objeto consumido. A partir de uma perspectiva

econômica, acreditava-se que os produtos eram desenvolvidos como um

conjunto de atributos que fornecessem benefícios particulares (Holt, 1995). Após

essa primeira constatação, diferentes perspectivas começaram a se desenvolver

sugerindo que o ato de consumir é uma prática subjetiva e variada e não

determinada apenas pelas características de um objeto (Bourdieu 1984; Halle

1992; Morley 1986; Press 1991; Radway 1984). Um mesmo objeto pode ser

consumido de maneiras variadas, por diferentes grupos de consumidores.

Com uma observação extensiva de espectadores de beisebol, Holt (1995)

propõe uma classificação do consumo em quatro grandes categorias. Essas

categorias emergiram a partir de duas distinções conceituais básicas

encontradas em literaturas anteriores: a estrutura e o propósito do consumo. Em

termos de estrutura, o consumo consiste em ações em que consumidores se

envolvem tanto diretamente com o objeto de consumo (objetiva), quanto

interações com outras pessoas em que os objetos de consumo servem como

recursos para intermediar essa interação (interpessoal). Em termos de propósito,

Autores Tema Contribuição

Plé e Chumpitaz Cáceres (2010) Co-destruição de ValorCo-crição não é o único resultado possível

em interações do sistema de serviços

Echeverri e Skålén (2011)

Formação de valor interativo

em uma perspectiva prático-

teórica

Co-destruição de Valor Interativo a partir de

Práticas de Consumo

Smith (2013)

Co-destruição de valor no

relacionamento com clientes

(CRM)

Falhas no processo de integração de

recursos gera destruição de valor

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as ações dos consumidores podem representar tanto um fim em si mesmas

(autotélicas), quanto meios para alcançar outros fins (instrumentais).

Cruzando essas duas dimensões, Holt (1995) propõe uma matriz 2x2

(Figura 2) que contém três metáforas tradicionalmente vistas na literatura para

descrever o ato de consumir (consumo como experiência, integração e

classificação) e uma nova metáfora até então negligenciada pela literatura e

classificada por ele de Consumo como Teatralização.

Figura 2: Metáforas para o Consumo

Fonte: Holt (1995, p.3)

Tradução livre da autora

3.1.4.1 Consumir como Experiência

Para construir a metáfora de consumir como experiência, Holt (1995) se

baseou nos trabalhos de Holbrook e Hirschman (1982) e Belk, Wallendorf e

Sherry (1989). Essa metáfora tende a ver o consumo como um fenômeno

psicológico de uma perspectiva fenomenológica que enfatiza estados

emocionais que surgem durante o consumo.

Como visto anteriormente, Holbrook e Hirschman (1982) foram os

primeiros a apresentar a visão de valor com resultado de experiência. Valor como

resultado de experiência possui como objetivo complementar e enriquecer a

visão dos clientes como responsáveis por decisões lógicas e passam a ver os

seres humanos como buscadores de sensações e emocionais. Assim, valor

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como resultado de experiências combinará afeto e cognição do consumidor e

propõe que os eventos ideias também possam ser pesquisados.

Os aspectos sagrados e profanos também foram relevantes para explicar

o lado experiencial do consumo(Belk, Wallendorf & Sherry, 1989). Assim, o

consumo funciona como um veículo de experiências transcendentais, exibindo

alguns aspectos do sagrado e do profano, conforme detalhado anteriormente.

Existe ainda o lado extraordinário da experiência (Arnould & Price, 1993).

Construído a partir do rafting no rio Colorado, o “rio mágico” envolve um senso

de reverência e mistério. Assim, a experiência extraordinária oferece absorção,

controle pessoal, diversão e apreciação que são fáceis de relembrar, porém,

devido ao elevado envolvimento emocional, são difíceis de descrever. As

dimensões da experiência extraordinária se manifestam a partir da harmonia

com a natureza, o senso de pertencimento a uma comunidade não estruturada

onde as pessoas são iguais e compartilham o espírito da comunidade, o

crescimento pessoal e a renovação.

A importância da customização em massa no desenvolvimento e

aplicabilidade da perspectiva experiencial do consumo foi abordada por Addis e

Holbrook (2001). A customização em massa gera impactos profundos no

comportamento do consumidor uma vez que os estimula a cobrar a indústria por

novos produtos de uma maneira nunca vista antes. Junto com a customização

em massa, o marketing de relacionamento acabou desenvolvendo na empresa

a importância de considerar os consumidores como interlocutores válidos,

criando um contato mais íntimo, inclusive, no processo de produção. Assim, a

subjetividade foi ganhando ainda mais espaço.

O conceito de experiência não apresenta uma definição clara e objetiva e,

por isso, acaba sendo definido em termos ideológicos. Essa questão foi

abordada por Carù e Cova (2003) que buscaram dar uma visão geral dos

diferentes significados atribuídos à palavra experiência em várias disciplinas

científicas e destacar, a partir de uma abordagem desconstrutiva, que no

marketing devemos utilizar uma tipologia de consumo de experiência que vai

além de uma visão ideológica que tende a considerar toda experiência como

sendo extraordinária.

A partir da ascensão da abordagem experiencial no marketing durante a

década de 2000 e do desenvolvimento da etnografia de consumo que surgia

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como uma estratégia promissora para pesquisa qualitativa, Carù e Cova (2008)

desenvolveram uma metodologia que melhor examina o consumo de

experiência. Assim, os autores propuseram uma metodologia integrada de

consumo que combina observação e introspecção de grandes e pequenas

histórias propondo assim uma abordagem etnográfica completa para

experiências de consumo.

Mais recentemente, o consumo como experiência também foi visto a partir

de sua relação com a natureza. Utilizando o método etnográfico no contexto do

surf, Canniford e Shankar (2013) teorizaram a experiência purificadora com a

natureza de seus consumidores a partir de um conjunto de recursos

heterogêneos. Utilizando a teoria da assemblage, os autores mostraram

comoquestões relativas à geografia são vitais para a reprodução de discursos

românticos do consumo dessa experiência.

3.1.4.2 Consumir como Integração

Já o Consumir como Integração descreve como consumidores adquirem

e manipulam os significados de um objeto. Com uma variedade de práticas de

consumo, Holt (1995) utiliza desde trabalhos sobre rituais de consumo (Rook,

1985), até processos de extensão do ser (Belk, 1988), rituais personalizados

(McCracken, 1986) e processos sacralizados (Belk, Wallendorf & Sherry, 1989).

Assim, consumidores são capazes de integrar o objeto com o próprio ser

permitindo que os mesmos tenham acesso às propriedades simbólicas do bem.

No dia a dia, as pessoas participam regularmente de atividades

ritualizadas em suas casas, nos seus trabalhos e nas suas atividades de lazer,

tanto de maneira individual quanto coletiva, como membros de uma comunidade

maior. Expressões ritualizadas foram definidas como uma linguagem do corpo

que envolve tanto comportamentos mentais quanto físicos e retratam os esforços

dos consumidores com a finalidade de obter status social, maturidade e

identidade sexual (Rook, 1985). O ritual contribui para marcar as passagens

significantes na vida do consumidor tais como formaturas, casamentos e

enterros Mas também pode estar envolvido em atividades diárias que regula as

interações sociais e prescreve a maneira “correta” de se fazer as coisas como,

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por exemplo, filas, agradecimento e rituais de despedida (Zaltman & Wallendorf,

1977).

Em muitos casos os rituais são analisados como práticas de reforço a

tradições sociais subjacentes à sociedade (Cupolillo, Casotti e Campos, 2014).

Um dos exemplos é o trabalho de Wallendorf e Arnould (1991) sobre os rituais

coletivos do Dia de Ação de Graças nas cidades americanas. Segundo os

autores, esse ritual celebra a abundância material e prova ao participante sua

habilidade em suprir necessidades básicas através de um consumo em excesso.

Assim, o Dia de Ação de Graças é um discurso entre os consumidores que

contribui para a formação de uma cultura de consumo americana que negocia

seus significados de forma a tornar a compreensão difícil para pessoas que não

fazem parte dessa cultura.

O feriado norteamericano de compras no dia seguinte à celebração do

Dia de Ação de Graças, conhecido como Black Friday, também foi analisado sob

a perspectiva dos rituais de consumo (Thomas & Peters, 2011). Entrevistas

fenomenológicas realizadas em um período de dois anos indicaram que as

atividades de compra no Black Friday constituem um ritual coletivo de consumo

que é praticado e compartilhado por múltiplas gerações de mulheres de uma

mesma família e, até mesmo, de amigas mais próximas. O ritual de Black Friday

irá diferir de rituais de compras e de feriados por incluir elementos como

aventura, competição e urgência no consumo.

Além dos rituais, outra maneira de representar o consumo por integração

está presente no processo de extensão do ser (Belk, 1988). Nossas posses são

fundamentais para refletirem e contribuírem na formação de nossas identidades.

Assim, são partes de nós e, na atual vida moderna, aprendemos, definimos e

lembramos quem somos através delas. Para entender o significado das posses,

antes é preciso compreender o papel que os atos de ter, fazer e ser

desempenham nas nossas vidas. Um exemplo está na própria utilização de um

uniforme que permite que sejamos uma pessoa diferente do que seríamos sem

ele, tanto para nós mesmos quanto para terceiros, ou seja, existe uma sensação

de aumento de poder individual a partir da utilização de um objeto (Belk, 1988).

A identificação que temos com as nossas posses acontece ainda na infância

quando aprendemos o que é nosso, o que é do outro e o que é do ambiente, e

aprendemos também a lidar com a inveja do outro pelo que temos e a nossa

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própria pelo que não temos. A ênfase na posse material permanece elevada ao

longo da vida e, a partir dela, buscamos alcançar felicidade, relembrar

experiências passadas, conquistas e a participação de outros em nossas vidas.

O acúmulo de posses fornece um senso de passado e nos fala quem somos, de

onde viemos e para onde iremos (Belk, 1988).

As posses e atividades que os consumidores amam e seu papel na

construção de uma narrativa de identidade também foram analisados por Ahuvia

(2005). As pessoas e os bens que amamos possuem forte influencia no nosso

ser e no senso de quem somos. Na literatura de comportamento do consumidor,

a identidade do consumidor têm sido frequentemente relacionada a construtos

que podem estar mais ou menos relacionados ao amor, tais como posses

especiais, envolvimento e relacionamento entre consumidor e marca. Amor

difere desses construtos uma vez que engloba uma categoria mais ampla que

inclui objetos públicos, como a natureza, bem como atividades de consumo. No

entanto, todos estes construtos compartilham um foco na maneira como as

pessoas usam o consumo para manter seu senso de identidade ao longo do

tempo e para se definirem em relação a outras pessoas.

O papel da natureza na extensão do ser foi vista por Kunchamboo e Lee

(2012). Segundo os autores, a nossa percepção quanto à natureza ser parte da

extensão do nosso ser possui implicações sobre a forma como iremos lidar com

a natureza. Essa percepção provoca a consciência da nossa interdependência

com a natureza, levando a uma ligação emocional. Essa ligação desenvolve a

visão de que a natureza possui um valor intrínseco. O sentimento de inclusão

encoraja as pessoas a ver a natureza como parte do próprio "ser",

desenvolvendo assim uma forte necessidade de valorizá-la e protegê-la. Assim,

ver a natureza como extensão do ser incentiva o comportamento ecológico do

consumidor o que leva a uma atitude positiva em relação ao consumo

sustentável. No entanto, o sentimento de exclusão (quando a natureza não é

parte do ser) encoraja uma visão antropocêntrica que trata o indivíduo como

centro do universo e coloca a natureza como um objeto que deve ser explorado.

A extensão do ser foi proposta em 1988 e desde então muitas

mudanças tecnológicas passaram a afetar dramaticamente a forma como

consumimos, nos apresentamos e nos comunicamos. Belk (2013) propõe uma

atualização para revitalizar o conceito incorporando os impactos da digitalização

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e fornecendo uma compreensão do senso de ser do consumidor em um

ambiente tecnológico comum aos dias atuais. Esse trabalho está em constante

progresso uma vez que nosso comportamento dentro de um ambiente virtual

continua a evoluir. O mundo digital abre uma série de novos meios para a

extensão do ser, usando novos objetos de consumo para chegar a um público

ainda mais amplo.

Para entendermos o significado das posses, McCracken (1986) mostrou

como um bem pode estar carregado de significados culturais. O significado

cultural se move de um mundo culturalmente constituído para um bem e daí para

o consumidor individual. O primeiro movimento parte de um mundo culturalmente

constituído e, através da propaganda e da moda constrói significados para os

bens e serviços. Assim, as propriedades conhecidas do mundo culturalmente

constituído, passam a residir nas propriedades desconhecidas do bem de

consumo e, assim, a transferência do significado do mundo ao bem é realizada.

A transferência para o indivíduo irá ocorrer a partir das “ações simbólicas” ou

rituais de consumo. O ritual manipula o significado cultural com a finalidade de

realizar uma comunicação individual ou coletiva que pode afirmar, evocar, ceder

ou rever os símbolos e significados culturais convencionais.

Os processos sacralizados (Belk, Wallendorf & Sherry, 1989)

representam o papel de consumir como integralização a partir do que os autores

chamaram de objetificação (uma das doze propriedades da sacralidade). A

objetificação é a tendência de enxergar uma variedade de elementos da

existência mundana de uma forma transcendental, onde acabam aparecendo de

maneira mais ordenada, consistente e intemporal. A partir da representação em

um objeto, o sagrado acaba se concretizando. Assim, uma pedra pode continuar

a ser uma pedra, mas se torna um objeto sagrado quando sua origem é

compreendida a partir da criação de um mito que faz com que seja vista como a

lágrima de um animal. Bens tangíveis podem incluir ícones, roupas, mobiliários,

artefatos e posses simbolicamente ligadas ao consumidor e que se tornam

sagrados a partir de mitos, rituais e sinais. Um objeto pode se tornar sagrado

também pela sua raridade e beleza, que os deixa distantes da classificação de

itens ordinários, tais como metais preciosos e jóias.

Os processos sacralizados também foram analisados a partir da

perspectiva de consumo como religião e mito no contexto de fãs de Star Trek

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(Kozinets, 2001). A partir de uma pesquisa que envolveu vinte meses de trabalho

de campo em fãs clubes, convenções e grupos de internet, além de mais de

sessenta entrevistas com fãs, Kozinets pontuou que essa subcultura de

consumo funciona como um poderoso refúgio utópico uma vez que envolve

qualidades extraordinárias e sagradas. Essas articulações de sacralização são

utilizadas para criar uma distância em relação ao seu estado superficial, um

produto comercial.

Kunchamboo e Lee (2012) analisaram papel sagrado que a natureza

exerce na vida dos participantes de um blog sobre o meio ambiente. Segundo

os autores, o que explica a sensação de unidade entre os participantes e a

natureza é a espiritualidade definida como um sentimento geral de proximidade

com o sagrado. Espiritualidade é um conceito que se origina na parte de dentro

de um indivíduo e pode ser definida como o núcleo ou vida interior da pessoa e

pode ser encontrada em todas as sociedades através de uma experiência

individual com o divino, uma conexão com a natureza ou através da prática

religiosa. Assim, a espiritualidade que existe no contato com a natureza envolve

uma sensação de proximidade e ligação com meio ambiente a partir de um

sentimento de serenidade e calma ao testemunhar as maravilhas da natureza.

3.1.4.3 Consumir como Classificação

Em Consumir como Classificação, o consumo é tido como um processo

onde os objetos, vistos como recipientes cheios de significados culturais e

pessoais, agem para classificar seus consumidores em relação a outros

considerados relevantes. Práticas classificatórias servem tanto para construir um

senso de filiação quanto para aumentar o senso de distinção. Assim, a

classificação é um processo que é realizado através da posse e exibição social

do objeto consumido. Essa metáfora foi construída a partir de trabalhos

publicados por Levy (1959), Sahlins (1976) e Douglas e Isherwood (1979).

Levy (1959) pontuou que quanto menor a preocupação de satisfação de

um nível mínimo de vida que permita a sobrevivência, mais abstrata se torna a

exigência humana por produtos. Assim, na medida em que os comportamentos

no mercado se tornam mais elaborados, o seu simbolismo também aumenta.

Isso significa dizer que no lugar de vender bens para consumidores orientados

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funcionalmente, os vendedores estão engajados em vender símbolos.

Consumidores justificam suas escolhas de consumo a partir de questões como

conveniência, negligência, pressão familiar, outras pressões sociais, razões

econômicas complexas e propagandas. Eles buscam satisfazer infinitos

objetivos, sentimentos, desejos e circunstâncias. O consumo se torna menos

uma questão de “Eu preciso disso?”. E passa a ser mais “Eu desejo isso?” “Eu

gosto disso?”. Os bens adquiridos passam a ter significados pessoais e sociais

adicionados às suas funcionalidades.

Ao contrário da teoria utilitária que preza por uma orientação econômica,

Sahlins (1976) toma como característica distintiva do homem, não apenas que

ele vive em um mundo material, mas sim que o mesmo o faz de acordo com um

esquema de significados de sua própria invenção. Para essa compreensão, é

considerada a cultura uma vez que a mesma é tida como a responsável por

constituir a utilidade de cada produto. Assim, em uma sociedade não será

possível separar os aspectos materiais dos aspectos sociais, como se o primeiro

se referisse à satisfação de necessidades a partir da exploração da natureza e

o segundo aos problemas relacionados entre os homens. Em termos de

propriedades sociais e materiais, bens estão relacionados tanto à articulação

com a natureza em serviço de um interesse prático, quanto à manutenção de

uma ordem entre as pessoas e entre grupos. Em um esquema simbólico que

engloba tanto as forças materiais quanto sociais, cada força material presente

em uma existência social só poderá ser determinada a partir de sua integração

com um sistema cultural (Sahlins, 1976).

Bens funcionam como um sistema de informação. Em vez de supor que

os bens são necessários principalmente para subsistência, além de exibição

competitiva, Douglas e Isherwood (1979) supõem que eles são necessários para

fazer com que as categorias de uma cultura permaneçam visíveis e estáveis.

Antropólogos perceberam que os bens materiais encontrados em estudos tribais

possuem a finalidade não só de fornecer alimentos e cobertura para os seus,

como também, são importantes para fazer e manter relações sociais. A rede de

laço de parentesco que une os membros de uma comunidade local é provocada

muitas vezes pela operação de regras atreladas aos bens, muitas vezes

expressos em gado. A união do casamento se concretiza com o pagamento de

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gado e cada fase do ritual do casamento é marcada pela sua transferência ou

abate.

Mudanças nos significados culturais de um objeto também foram

abordadas por Kjeldgaard e Bengtsson (2005). Após ser considerado um

comportamento marginal e até desviante, o consumo de tatuagem tornou-se um

fenômeno de consumo de massa. Uma vez que as tatuagens ganharam

popularidade, é possível acreditar que as razões pelas quais as pessoas fazem

tatuagens mudaram também. Antes associada a uma cultura de marinheiros e

motoqueiros, a tatuagem se tornou um fenômeno onde algumas são

consideradas até fora de moda e ultrapassadas. Atualmente, fazer uma

tatuagem tem se tornado comparável a outras práticas de consumo onde as

pessoas procuram embelezar seus corpos de acordo com as normas de moda.

Portanto, as pessoas não vão necessariamente fazer uma tatuagem para

expressar afiliação a um estilo de vida certo ou uma subcultura específica. Com

a popularização da tatuagem, nova forma de classificação também se

desenvolveu. Alguns usuários discutem a tatuagem dentro de um sistema

classificatório de arte e moda gerando a necessidade de elaborar os desenhos

das tatuagens e personalizar seus significados.

O consumo como classificação também foi visto por Arsel e Bean (2013)

ao desenvolverem um quadro teórico do gosto baseado na Teoria da Prática. O

gosto é considerado um domínio fértil dos pesquisadores de consumo e

sociólogos por ser considerado como um mecanismo fundamental para

perpetuar hierarquias sociais. Segundo os autores, existe um regime de gosto

definido como um sistema normativo construído discursivamente que vai

orquestrar práticas em uma cultura de consumo orientada esteticamente. Esse

regime de gosto será perpetuado por instituições presentes no ambiente de

mercado como revistas, sites e marcas e será responsável por regular práticas

por meio de um engajamento contínuo.

3.1.4.4 Consumir como Teatralização

A quarta e ultima dimensão trazida por Holt (1995) diz respeito ao

Consumir como Teatralização. Essa metáfora envolve uma ação autotélica com

estrutura interpessoal. Apesar de ter recebido pouca atenção na literatura, busca

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descrever como as pessoas usam o consumo de objetos para desenvolver a

relação entre eles e os outros. Assim, o consumo não envolve apenas o consumo

direto de objetos, mas também inclui esse consumo como recurso para interagir

com outros consumidores. O objeto de consumo é essencial para a teatralização,

pois fornece os materiais através dos quais a interação lúdica é ordenada. Em

relação a trabalhos anteriores que abordaram o tema, temos como exemplo

Sherry (1990) e Arnould e Price (1993).

Baseado no comportamento de consumidores de jogos profissionais de

basebol, Holt (1995) percebeu que existe um quadro metacomunicacional entre

esses espectadores que define o conteúdo de suas falas e suas ações como

algo totalmente sem sentido exceto para o seu papel no aumento da interação

entre os outros. Esse quadro também define os papéis e as regras que aqueles

que participam no jogo assumem. Duas ações são predominantes entre

espectadores de beisebol: a comunhão, onde espectadores compartilham

mutuamente suas experiências e a socialização, onde espectadores fazem uso

de práticas vivenciais para entreter uns aos outros.

A socialização e a comunhão foram vistos no trabalho de Sherry (1990)

que explorou o significado sociocultural de um mercado de pulgas a partir de

uma pesquisa etnográfica. Um quadro teórico mostrou que comprar em

mercados de pulga envolve lidar com duas dimensões: a primeira diz respeito à

dimensão estrutural representada pela dialética formal-informal e a segunda é a

dimensão funcional formada pela dialética econômico-festiva. Segundo a

pesquisa, o consumo é um jogo social que sempre esteve presente nas

diferentes culturas. Diferente de mercados tradicionais, o mercado de pulgas

oferece uma atmosfera mais social, onde as interações são mais pessoais,

menos restritas e as pessoas são mais simpáticas. Algumas interações,

inclusive, são partes importantes da atmosfera, como a negociação e a forma

adequada de fazê-la. O comportamento do consumidor desse mercado irá

envolver três características básicas: a busca (pelos “tesouros” escondidos), a

negociação (e a forma como deve ser feita) e a socialização (consumidores

buscam viver a experiência do mercado de pulgas e a compra e venda é apenas

um aspecto envolvido) (Sherry, 1990).

Voltando para um contexto de jogo, Csikszentmihaly (1990) pontuou que

suas regras enfatizam uma sensação de movimento de vai e vem entre o campo

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e a estrutura. Um jogador, por exemplo, não estará distanciado do jogo, mas sim

estará imerso em sua estrutura. Para jogar bem, uma pessoa não pode fazer

qualquer coisa que queira. Pelo contrário, o jogador qualificado é altamente

sintonizado às circunstâncias emergentes no jogo, e atua em conjunto com o

fluxo. Para o observador experiente, as ações do jogador são compreensíveis

dentro do fluxo do jogo e o exercício de suas habilidades está sistematicamente

relacionado em facilitar que o jogo ocorra. Assim, as regras do jogo e dinâmica

estrutural não são impedimentos para brincadeiras criativas, ao contrário, estão

permitindo condições a partir da qual as habilidades podem surgir e ser

compreendidas pelos outros.

Espectadores comungam quando compartilham quem eles realmente são

quando estão experimentando o objeto de consumo uns com os outros, de tal

modo que a interação se torna uma experiência mútua. Arnould e Price (1993)

encontraram essa característica quando exploraram o consumo hedônico em

uma experiência extraordinária de consumo do rafting no rio Colorado. A partir

da realização de uma pesquisa multimétodo que envolveu dois anos de coleta

de dados com participantes dessa atividade, os autores viram que existe uma

expectativa em relação aos outros participantes. Os praticantes inexperientes

geralmente atribuem pouca importância aos demais para construir uma

experiência satisfatória e compartilhada. Por isso, é esperado que todos sejam

amigáveis, saibam trabalhar em equipe, considerem uns aos outros e sejam

sociáveis. Geralmente, o praticamente mais experiente acaba assumindo o

papel de instruir os outros sobre esses aspectos essenciais para uma prática

adequada.

Partindo de uma etnografia que explorou um evento que possui a duração

de uma semana e que é caracterizado como um antimercado, chamado Burning

Man, Kozinets (2002) concluiu que algumas práticas são usadas para distanciar

os consumidores do mercado. A pesquisa inclui discursos que suportam a

comunhão entre os participantes rebaixando as lógicas tradicionais de mercado,

as práticas alternativas de mercado e o posicionamento do consumo como uma

arte de expressão do ser. Uma das práticas comuns do evento envolve o ato de

presentear. O guia de sobrevivência da organização do evento destaca que o

local deve ser baseado no livre compartilhamento e troca de bens, ou seja, uma

economia de presentes. Assim, o ato de presentear desempenha um papel

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importante, senão central, para perpetuar os princípios defendidos pelo evento

e conhecidos como: reciprocidade, cuidado uns com os outros e vínculo

emocional.

4. Teoria da Prática

Ao considerarmos a natureza da vida social, a teoria social sempre esteve

envolvida na discussão de dois grandes conceitos, o de totalidade e o individual.

Platão construiu seus discursos sobre justiça, educação, psicologia, arte e

existência social a partir de uma analogia entre o indivíduo e a sociedade como

um todo. Essa analogia permaneceu como princípio organizador do pensamento

durante muitos anos (Schatzki, 1996). Após a virada interpretativa, que ocorreu

na década de 1970, as “teorias da prática” ou “teorias de práticas sociais” se

tornaram uma alternativa conceitual atraente para um público insatisfeito com as

teorias sociais clássicas. É possível encontrar elementos de uma teoria das

práticas sociais na obra de diferentes pesquisadores sociais das últimas décadas

do século XX e que são de origem teórica diversificada, tais como Bourdieu

(1972, 1997), Giddens (1979, 1984), Foucault (1976, 1980), Latour (1991) e

Schatzki (1996) (Schatzki, 1996; Reckwitz, 2002; Schatzki, Cetina &

Savigny, 2001; Warde, 2005).

A diversidade e multiplicidade de impulsos, questões e oposições entre

esses teóricos levaram a uma abordagem ainda não unificada da prática. A

maioria dos teóricos, principalmente aqueles em filosofia e ciências sociais

tradicionais, identifica as atividades envolvidas na prática como as de pessoas:

práticas são matrizes de atividade humana. Uma significativa minoria, centrada

em estudos de ciência e tecnologia, no entanto, acreditam que as atividades

ligadas em práticas também incluem aquelas de não-humanos, tais como

máquinas e objetos de investigação científica. A maioria, por fim, concorda que

a atividade é incorporada e que nexos de práticas são mediados por artefatos e

objetos (Schatzki, Cetina & Savigny, 2001).

Shove e Pantzar (2005) pontuam que teóricos como Bourdieu (1984,

1992), de Certeau (1984) e Giddens (1984) usam o termo prática de diferentes

formas, porém, de uma maneira comum que enfatiza rotinas, hábitos

compartilhados, técnicas e competências. O ponto fundamental é que práticas

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são feitas por e através da reprodução de rotinas. Mesmo sendo um argumento

forte e convincente, essas teorias acabam sendo completamente sociais no

sentido de que os artefatos materiais, infra-estruturas e produtos sempre soam

como um recurso negativo.

Baseado e inspirado nos trabalhos de Wittgenstein, Schatzki (2001)

oferece uma interpretação diferente para a prática. Para ele, as práticas

consistem em arranjos encorpados e materialmente mediados por atividades

humanas centralmente organizadas em torno de uma compreensão

compartilhada da prática. De encorpado, entende-se o fato de muitos

pensadores, do final do século XX, enfatizarem o entrelaçamento entre as formas

de atividades humanas e as características do corpo humano. Teóricos que

destacam essa visão acreditam que corpos e atividades são constituídos nas

práticas. Assim, as práticas são o contexto principal onde as propriedades do

corpo, cruciais para a vida social, são formadas. Não apenas habilidades e

atividades como também experiências.

Entre os motivos principais que estão atraindo o público para as teorias

da prática, estão o fato de elas não serem nem individualistas e nem holísticas.

No lugar disso, são compostos por “imagens pluralistas e flexíveis de

constituição da vida social que geralmente se opõem a unidades hipostasiadas

(ex. substância ou coisa), que pode surgir em contextos locais e acomodar

perfeitamente as complexidades, diferenças e particularidades” (Schatzki, 1996,

p.12).

Dessa forma, existem pelo menos duas noções de prática proeminentes

na literatura (Schatzki, 1996; Arsel& Bean, 2013). De acordo com a primeira, a

prática é o processo de aprender ou melhorar a capacidade de fazer alguma

coisa a partir da repetição e persistência. É nesse sentido que os adultos

praticam piano, crianças são incentivadas a treinarem e iniciantes informam seus

amigos ao telefone que não podem, pois estão treinando. A segunda avalia a

prática como um nexo temporalmente desdobrado e espacialmente disperso de

“fazeres” e “dizeres” (doings and sayings). Como exemplo, temos as práticas de

cozinhar, votar, práticas industriais e práticas de lazer (Schatzki, 1996; Arsel &

Bean, 2013).

Com a finalidade de trabalhar as questões que envolvem a relação entre

valor e práticas de consumo, esse trabalho irá adotar a perspectiva da "Teoria

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da Prática" (Schatzki, 1996; Schatzki, Cetina & Savigny, 2001), começando a

partir do referencial teórico desenvolvido por Reckwitz (2002) e da sua aplicação

no contexto de estudos de consumo feitas por Sassatelli (2007), Shove e Pantzar

(2005) e Warde (2005). Seguindo esses trabalhos, assume-se que atividades de

consumo são o resultado de desempenhos individuais entrelaçados em um

contexto sócio-material complexo, onde significados, objetos e atividades

encarnados estão dispostos em configurações específicas de práticas, assim

estamos olhando para a segunda noção de prática proeminente na literatura

(Schatzki, 1996; Arsel& Bean, 2013).

4.1 Teoria da Prática como parte das Teorias Culturais

Reckwitz (2002) destaca que a Teoria da Prática é um tipo de teoria

cultural. Em contraste com as teorias clássicas do “homo economicus”, que

explica a ação a partir de propósitos individuais, intenções e interesses, onde a

ordem social é um produto da combinação de interesses individuais; e do “homo

sociologicus” que explica a ação apontando para normas e valores coletivos,

onde a ordem social é garantida por um consenso normativo; as teorias culturais

buscam explicar e compreender as ações por meio da reconstrução das

estruturas simbólicas de conhecimento que habilitam e restringem os agentes de

interpretar o mundo de acordo com certas formas. Essa estratégia conceitual

não é exclusiva da Teoria da Prática. Nem todos os teóricos culturais são

teóricos da prática, algumas distinções se fazem necessárias.

O campo das teorias culturais, ou seja, das teorias sociais que explicam

ou compreendem a ação e a ordem social a partir de estruturas simbólicas e

cognitivas é altamente complexo. Existem quatro grandes subtipos de teorias

culturais: o mentalismo, o textualismo, o intersubjetivismo e a Teoria da Prática.

Há algumas diferenças entre a Teoria da Prática social e as outras formas de

teoria cultural, mas o mais importante e elementar é que a Teoria da Prática vai

situar o social em um local diferente dos de outras teorias culturais. Isso significa

dizer que a menor unidade de análise da teoria social na teoria a prática é

conceituada de maneira diferente (Reckwitz, 2002; Schatzki, 2002).

Uma vertente das teorias culturais, a que possui mais tradição, localiza o

social ou o coletivo na mente humana. A ideia básica da corrente do mentalismo

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é que a mente é o lugar do social por ser o local onde habitam as estruturas de

conhecimento e significado. Dessa forma, o social pode ser encontrado na

cabeça dos indivíduos e a menor unidade de análise social são as estruturas

mentais. A mente é o lugar ou reino que abriga uma determinada gama de

atividades e atributos e são essas estruturas mentais do conhecimento que vão

garantir a ordem social (Schatzki, 1996; Reckwitz, 2002).

A próxima vertente, conhecida como textualismo, acredita que as

estruturas simbólicas não estão situadas na mente humana e sim fora dela em

cadeias de sinais, símbolos, discursos, comunicação ou textos. Assim, o social

não fica ancorado no nível psicológico das mentes, mas apenas no nível

extrasubjetivo de sinais em sua materialidade. Três contextos teóricos se

desenvolveram a partir da noção do textualismo e são eles: pós-estruturalismo,

semiótica e fenomenologia (Reckwitz, 2002; Schatzki, 2002). A terceira vertente

conhecida como intersubjetismo localiza o social nas interações. O ponto

paradigmático nesse caso está no uso de uma linguagem comum. Em seus atos

de fala, os agentes estão se referindo a um lugar de proposições semânticas e

de regras pragmáticas sobre o uso de sinais. Dessa maneira, o social não pode

estar em outro lugar que não nas interações sociais de seus agentes. Interação

é, portanto, um processo de transferência de significados que foram

internalizados na mente (Reckwitz, 2002).

Por sua vez, a Teoria da Prática não coloca o social nas qualidades

mentais, nem nos discursos e nem nas interações. Ao contrário, coloca o social

nas práticas que são a menor unidade de análise social. Existe uma diferença

que merece ser compreendida entre prática (praxis) e práticas (praktiken). De

acordo com Reckwitz (2002):

Prática (praxis), no singular, representa apenas um termo

enfático para descrever toda a ação humana (em contraste

com a "teoria" e mero pensamento). Prática, no sentido da

teoria das práticas sociais, no entanto, é outra coisa. A

"prática" (Praktik) é um tipo rotineiro de comportamento

que consiste em vários elementos interligados a um outro:

formas de atividades corporais, formas de atividades

mentais, "coisas" e seu uso, um conhecimento prévio na

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forma de compreensão, know-how, estados de emoção e

conhecimento motivacional. (Reckwitz , 2002, p.249).

A prática vista como uma maneira de cozinhar, de consumir, de cuidar de

si mesmo e de outras pessoas, forma um todo que depende da existência de

vários elementos e da interligação entre eles e que não pode de maneira alguma

ser reduzida a qualquer um desses elementos individualmente. O indivíduo,

representado por um corpo e um agente mental, irá atuar como um

“transportador” de uma prática e de muitas práticas diferentes que não precisam

ser coordenadas entre si. Assim, mais do que um portador de padrões de

comportamento corporal, o indivíduo será portador de certas maneiras de

entender, de saber como (know-how) e de desejar (Reckwitz, 2002).

Dessa forma, a prática funciona como um nexo de “dizeres” e “fazeres”.

Dizer que os “dizeres” e “fazeres” formam uma prática que constitui nexo,

significa dizer que estão ligados de alguma maneira. As três formas de ligação

são definidas como: 1) entendimentos, por exemplo, sobre o que dizer e fazer;

2) e regras, princípios, preceitos e instruções; 3) estruturas teleoafetivas que

envolvem limites aceitáveis, tarefas, propósitos, crenças, emoções e estados de

espírito que governam a prática e a incorpora em um contexto (Schatzki, 1996).

Schatzki (1996) rotulou as práticas em duas categorias de espaço-tempo.

A primeira foi denominada de prática dispersa. As práticas dispersas são aquelas

que amplamente aparecem entre os diferentes setores da vida social e podem

ser exemplificadas por práticas de descrever, ordenar, seguir regras, explicar,

questionar, reportar, examinar e imaginação. Seu desempenho requer

principalmente uma compreensão. Uma compreensão de como realizar um ato,

de como identificar esse ato ao fazê-lo ou quando alguém o faz e uma

capacidade de pedir ou responder a um ato. Outra palavra para descrever essa

capacidade é o saber. Assim, práticas dispersas são um conjunto de “dizeres” e

“fazeres” interligados principalmente pela compreensão do ato em si, do saber

fazer. Saber fazer alguma coisa é uma capacidade que pressupõe uma prática

compartilhada e coletiva envolvendo um desempenho em um contexto

apropriado e com entendimentos comuns, que são fundamentais para o

reconhecimento de um ato (Schatzki, 1996; Warde, 2005)

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A segunda, chamada de prática integrativa, envolve práticas mais

complexas que são encontradas em e constituídas por domínios particulares da

vida social. Como exemplo existe as práticas agrícolas, práticas de negócios,

práticas de voto, práticas de ensino, práticas de celebração, práticas culinárias,

práticas religiosas, dentre outras. Assim como as práticas dispersas, as práticas

integrativas são conjuntos de “dizeres” e “fazeres” interligados, porém,

englobam: 1) entendimentos, 2) regras e princípios e 3) estruturas teleoafetivas.

Práticas integrativas não funcionam como uma mistura de práticas dispersas que

são colocadas junto para formar práticas integrativas. Práticas integrativas

incluem muitas vezes práticas dispersas que são parte dos componentes de

“dizeres” e “fazeres” que permite uma compreensão do ato em si, porém,

funcionam em conjunto com uma habilidade de seguir regras e estruturas

teleoafetivas. Essas práticas são as que despertam mais interesse em

sociólogos e em uma sociologia do consumo (Schatzki, 1996; Warde 2005).

Resumindo, Reckwitz (2002) vai definir a prática como:

A prática é, portanto, uma forma rotineira em que os corpos

são movidos, os objetos são manipulados, assuntos são

tratados, as coisas são descritas e o mundo é

compreendido. Dizer que práticas são "práticas sociais", é

de fato uma tautologia. Uma prática é social uma vez que

é um tipo de comportamento e compreensão que aparece

em diferentes lugares e em diferentes pontos no tempo e é

realizada por diferentes corpos/mentes. No entanto, isso

não pressupõe necessariamente interações – ou seja, o

social no sentido do intersubjetivismo – e nem permanecer

no nível extra-mental e extra-corporal de discursos, textos

e símbolos – ou seja, o social no sentido do textualismo.

(Reckwitz , 2002, p.250).

4.2 Teoria da Prática e o Consumo

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Alan Warde (2005) publicou no Jounal of Consumer Culture (JCC) o artigo

intitulado Consumption and theories of practice onde considera o potencial do

renascimento do interesse nas teorias da prática para os estudos de consumo.

O artigo apresenta os preceitos básicos de uma teoria e extrai alguns princípios

gerais para a sua aplicação na análise do consumo. O pressuposto básico é que

o consumo ocorre na medida em que bens são apropriados ao longo do

engajamento em práticas particulares.

Por mais atenção que a literatura vem dando para a cultura material e a

vida social dos bens, existe uma tendência a ter uma visão parcial a respeito do

que está envolvido ao consumir e ao usar coisas nas práticas. As teorias de

consumo devem ir além de uma orientação simbólica e pensar novamente nos

consumidores, produtores e artefatos materiais com os quais eles lidam (Shove

e Pantzar, 2005). Embora a aquisição e a posse sejam importantes na

sinalização de tipos de status e identidades, muitos produtos estão diretamente

relacionados à condução e reprodução da vida diária fazendo com que haja uma

dimensão material na prática que merece atenção (Warde, 2005; Shove e

Pantzar, 2005).

O consumo não deve ser considerado apenas uma atividade padronizada

social e culturalmente, uma vez que a construção de um estilo pessoal está

pautada em mercadorias (commodities) cujas trajetórias os consumidores nunca

conseguirão ter total controle. Essas mercadorias são negociadas dentro de

vários contextos, instituições e relações que tanto habilitam quanto restringem

os indivíduos (Sassatelli, 2007). Os estudos em consumo já estão

suficientemente maduros para superar a dualidade que por um lado celebra o

consumo como um ato livre e libertador e por outro o deprecia colocando-o como

um ato dominado e subjugado. Assim, na medida em que o consumo parece ter

mais significado em si mesmo, ainda que firmemente relacionado a esferas de

produção, venda e promoção, as práticas de consumo passam a fazer sentido

para as pessoas ainda que não totalmente livres ou dominadas (Sassatelli,

2007).

Warde (2005) traz uma nova definição para consumo:

Eu entendo o consumo como um processo pelo qual

agentes se envolvem em apropriação e apreciação, seja

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para fins utilitários, expressivos ou contemplativos, de

mercadorias, serviços, desempenhos, informações ou

ambientes, quer sejam adquiridos ou não, sobre os quais o

agente tem algum grau de discricionariedade ... Nessa

visão, o consumo não é em si uma prática, mas sim um

momento em quase todas as práticas (Warde, 2005,

p.137).

A apropriação irá ocorrer no interior das práticas – carros são desgastados

e a gasolina é queimada no automobilismo. A partir de convenções da prática,

os itens serão apropriados e a sua forma de utilização será definida. Padrões de

similaridade e diferença em posses e usos dentro e entre grupos de pessoas,

muitas vezes demonstrada por estudos de consumo, podem ser vistos como a

conseqüência da forma como a prática é organizada e não como o resultado de

escolha pessoal, como sendo irrestrita ou limitada. As convenções e as normas

da prática orientam o comportamento. Assim, atividades irão gerar desejos, e

não vice e versa. Práticas, no lugar de vontades individuais, criam desejos. Por

exemplo, veículos modificados, manuais e revistas de automóvel funcionam

como conseqüência ao engajamento em uma prática particular de esporte de

automóvel ao contrário do que simples gosto individual ou escolha. Assim, a

prática é que irá explicar a natureza e o processo de consumo (Warde, 2005).

Partindo do trabalho de Schatzki (1996), Warde (2005) sugere que as

práticas consistem em “fazeres” e “dizeres” e, portanto, a análise deve se

preocupar tanto com a atividade prática quanto com suas representações. Os

nexos, que fazem com que esses “fazeres” e “dizeres” façam sentido e assumam

certa coordenação são compostos por três componentes. Como uma forma de

facilitar a referência e a compreensão, os três componentes que formam o nexo

e que foram previamente definidos no trabalho de Schatzki foram chamados por

Warde de: 1) entendimento, 2) procedimentos e 3) engajamentos.

Baseados no trabalho de Reckwitz (2002), Shove e Pantzar (2005)

pontuam que as coisas são centrais e estão inevitavelmente envolvidas na

produção e reprodução da prática. Assim, trabalham com a noção de que as

práticas envolvem a integração ativa dos materiais, significados e formas de

competências. A análise da maneira com que as coisas são adquiridas,

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apropriadas e utilizadas rotineiramente falha em capturar a extensão do que está

envolvido na prática. Um exemplo está nos jogadores de futebol que não estão

simplesmente usando ou se apropriando da bola. Ao chutar uma bola e durante

o jogo, os jogadores estão ativamente envolvidos na reprodução do jogo em si.

Consumidores não são apenas usuários, mas funcionam como profissionais

ativos e criativos e a apropriação é apenas uma dimensão de reprodução da

prática. Assim, na visão de Shove e Pantzar (2005), o nexo onde os “fazeres” e

“dizeres” fazem sentido passa a ser formado por: 1) significados, 2)

competências e 3) produtos.

A criatividade dos consumidores também foi vista por Sassatelli (2007)

que pontuou que as práticas devem ser observadas como atos criativos e

irredutíveis, mas não inteiramente fora dos princípios estruturais de uma dada

cultura. No lugar de uma ação estratégica (e, portanto, produto de uma ação

totalmente definida, autônoma e realizada), o consumo é mais bem representado

como uma série de atos de improvisação empreendidos pelos atores sociais que

precisam se mover através de uma variedade de mundos sistematizados por

rotinas coletivas e imaginários. Teorias da prática tentam substituir a imagem do

ator como um operador cognitivo, comunicador e intérprete de textos, para a de

um sujeito corporificado que é situado no espaço e no tempo interagindo com

objetos dentro de contextos sociais que os participantes continuamente

consolidam a partir das práticas.

A partir de um estudo com pessoas que se exercitam através da

modalidade da caminhada nórdica, que possui como diferencial a utilização de

bastões que auxiliam na execução da atividade, Shove e Pantzar (2005)

mostraram como a questão cultural pode se relacionar com as práticas. O

primeiro e mais importante ponto a se considerar é que a prática é feita pelas

ações e omissões de potenciais e reais praticantes. O que uma prática é em uma

cultura e o que ela irá se tornar em outra depende de quem irá executá-la, onde,

quando e com que consequência para a subsequente trajetória atividade como

um todo. O segundo ponto destaca que a prática não ocorre de maneira isolada,

mas em referência a um arranjo de conceitos específicos e culturais já

estabilizados. A maneira como esses elementos estão configurados irá variar de

um local para outro. O terceiro e último ponto destaca que a prática envolve

ligações e conexões com uma comunidade de participantes-chave, como por

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73

exemplo, empresas, concorrentes, governo, dentre outros. Para uma prática

fazer parte de outra cultura, novas ligações e conexões precisam ser feitas entre

os praticantes e participantes-chave. É neste sentido que práticas são

inerentemente dinâmicas.

Essa característica dinâmica da prática foi pontuada também por Warde

(2005) ao colocar que as práticas sociais não apresentam planos uniformes onde

agentes participam de forma idêntica. Em vez disso, são diferenciadas

internamente em muitas dimensões. Do ponto de vista do indivíduo, a prática vai

depender de experiências passadas, conhecimento técnico, aprendizado,

oportunidades, recursos disponíveis, estímulos de terceiros, dentre outros. Do

ponto de vista da prática como um todo, podemos pensar em um domínio

especializado que compreende muitas competências e capacidades distintas.

Quanto à capacidade de seus agentes, podemos diferenciar entre os

participantes de longa data e novatos, teóricos e técnicos, generalistas e

especialistas, conservadores e radicais, visionários e seguidores e profissionais

e amadores. Todas essas diferenças podem ser relevantes ao analisar o papel

dos participantes e da estrutura nas práticas.

A rigidez do sistema de produção difere da forma como os consumidores

consomem. Produtos são produzidos pelo sistema de produção de maneira

caracteristicamente rígida, mas são experimentados e utilizados pelos

consumidores de maneiras diferentes de acordo com o contexto e a

circunstância. Ao consumir, os atores sociais elaboram os significados e os usos

das mercadorias, articulando as suas qualidades simbólicas e materiais com

vários graus de reflexividade e de uma maneira que às vezes sejam úteis para a

reprodução de estruturas de poder existentes, outras vezes não. Um exemplo

está nos gostos das pessoas que refletem sua localização sócio-cultural, que,

através de suas escolhas passam a demonstrá-la e reproduzi-la (Sassatelli,

2007).

O conceito da prática irá combinar uma capacidade para dar conta tanto

de uma reprodução quanto de uma inovação. Em um determinado momento no

tempo, uma prática possui um conjunto estabelecido de entendimentos,

procedimentos e objetivos. Práticas de reprodução são as que muitas vezes não

envolvem reflexão ou consciência por parte de seus portadores. São práticas

que possuem certa inércia como, por exemplo, hábitos, rotinas, conhecimento

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tácito, tradição e assim por diante. O desempenho em uma prática conhecida

não é muitas vezes consciente e nem reflexivo. No entanto, as práticas também

contêm as sementes da mudança constante. Elas são dinâmicas em virtude de

sua própria lógica interna de operação, uma vez que as pessoas em muitas

situações devem se adaptar, improvisar e experimentar. Além disso, práticas não

estão hermeneuticamente seladas de outras práticas adjacentes e paralelas das

quais lições são aprendidas, inovações emprestadas e procedimentos copiados

(Warde, 2005).

4.3 Teoria da Prática nos Estudos de Consumo Recentes

Considerando o potencial da Teoria da Prática para os estudos de

consumo, essa seção irá apresentar os trabalhos recentes no campo do

Comportamento do Consumidor que se utilizaram dessa teoria e de seus

princípios gerais para aplicação na análise do consumo final. Busca-se, assim,

obter uma noção de como essa teoria vem sendo aplicada no campo.

O termo prática vem sendo utilizado de duas maneiras diferentes nas

pesquisas de comportamento do consumidor. Na primeira, como exemplo, temos

os trabalhos de Humphreys (2010), Denegri-Knott e Molesworth (2010) e Arsel

e Thompson (2011), que utilizam o termo prática como forma de cobrir todas as

ações desempenhadas pelas pessoas. A segunda, por sua vez, segue os

trabalhos de Reckwitz (2002) e Warde (2005) e acredita que a prática irá

envolver ações rotineiras baseadas em entendimentos, procedimentos e

engajamentos. Esse trabalho seguirá a segunda linha de pensamento.

Fazendo uso da Teoria da Prática social, Schau, Muñiz e Arnould (2009)

buscaram categorizar práticas de criação de valor em comunidades de marca

identificando o papel de cada tipo de prática no processo de criação de valor

coletivo. Partindo de uma meta-análise, onde examinaram trabalhos anteriores

em conjunto com dados coletados em nove comunidades de marca,

conseguiram identificar um conjunto de doze práticas comuns de criação de

valor. Com o objetivo de defender uma aplicação metodológica explícita da

Teoria da Prática para separar as formas de criação de valor coletivo em

comunidade de marca, os autores se inspiraram nas tipologias de consumo de

Holt (1995) e na definição da Teoria da Prática de Warde (2005) – que liga

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comportamentos, desempenhos e representações a partir de entendimentos

(know-how) procedimentos (regras e princípios) e engajamentos (finalidade e

propósito).

Práticas estigmatizadas e os processos de estigmatização e

desestigmatização também foram analisados nos estudo de consumo. Sandikci

e Ger (2010) realizaram um estudo etnográfico de práticas de consumo de moda

de mulheres que utilizam o véu Islâmico na Turquia. O estudo teve como objetivo

mostrar como uma prática desviante e estigmatizada durante muito tempo na

mentalidade da população urbana, primeiro se tornou uma escolha atraente para

mulheres de classe média e depois se transformou em uma prática considerada

elegante por muitos. O véu foi se tornando gradualmente parte de uma rotina,

deixando de ser estigma. Prática e rotina foram vistos como conceitos que se

constituem onde prática é definida como uma “forma rotineira em que os corpos

são movidos, os objetos são manipulados, os indivíduos são tratados, as coisas

são descritas e o mundo é entendido” (Reckwitz, 2002, p.250).

Em março de 2011, o Journal of Consumer Culture publicou uma edição

especial chamada de Applying Practice Theory to the Study of Consumption. Na

introdução, Halkier, Katz-Gerro e Martens (2011) mostraram que o potencial da

Teoria da Prática para o campo do comportamento do consumidor se

desenvolveu a partir de discussões e debates na Universidade de Manchester

onde Alan Warde era co-diretor e organizava uma série de seminários

interdisciplinares sobre o consumo do dia a dia. Essas discussões incluíram

diversos estudiosos como Bente Halkier, Milka Pantzar, Inge Ropke, Elizabeth

Shove e Dale Southerton que, posteriormente, se tornaram grandes defensores,

divulgadores e debatedores da perspectiva prático-teórica nos estudos de

consumo.

Partindo de um estudo qualitativo sobre as maneiras de se tornar um

usuário de um aparelho de cozinha conhecido como Bimby – uma espécie de

multiprocessador de alimentos -, Truninger (2011) argumenta que a combinação

da Teoria da Prática com a teoria de convenções (conventions theory) promete

superar algumas das deficiências da Teoria da Prática em conseguir

empiricamente operacionalizar as práticas. Esse processador não pode ser

comprado em lojas, é vendido apenas diretamente pelos vendedores que fazem

uma demonstração na casa de futuros clientes. Essas demonstrações acabam

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76

se tornando eventos sociais onde o anfitrião convida amigos e familiares para

uma refeição grátis produzida com o Bimby e sob a supervisão do demonstrador.

Demonstradores podem ser vistos como intermediários culturais que tanto

divulgam o produto quanto transmitem mensagens normativas e simbólicas

sobre o ato de cozinhar, além de orientar sobre o uso da tecnologia. A conclusão

é que a junção dessas duas teorias oferece uma nova ênfase em questões como

o sequenciamento de tarefas, a tensão entre práticas que são instituídas e as

que são personalizadas e a ligação entre imagens, objetos e competências.

Na mesma edição, Gram-Hanssen (2011) investiga a questão da

mudança nos hábitos da vida cotidiana e oferece esclarecimentos conceituais do

próprio conceito de prática e como elas são organizadas. Baseando-se em três

estudos de caso sobre o consumo doméstico de energia na Dinamarca, Gram-

Hanssen lida com duas questões na utilização da abordagem da Teoria da

Prática em pesquisas em consumo que incide sobre a relação entre a

estabilidade e a mudança. A primeira inclui o equilíbrio entre a rotina e a

reflexividade onde se conclui que mudanças nas práticas podem vir de

engajamentos e de reflexão consciente, mas também de naturalizar novos

hábitos em rotinas. A segunda envolve a conceituação de prática, sua relação

com outras práticas, possíveis variações da prática e o desenvolvimento de

novas práticas.

O processo que envolve mudanças na prática foi visto por Hargreaves

(2011) que realizou um estudo qualitativo sobre as mudanças no consumo pró-

ambiental. Foi realizado um estudo de caso etnográfico que envolveu nove

meses de observação participante e trinta e oito entrevistas semi-estruturadas

com a finalidade de compreender uma iniciativa de mudança comportamental

que ocorreu em um ambiente de trabalho. Ao contrário das abordagens

individualista e racional para mudanças de comportamento, a Teoria da Prática

retira o indivíduo do centro da análise e transfere a atenção para as práticas

sociais e coletivas de uma organização. O artigo sugere que a Teoria da Prática

fornece uma perspectiva mais holística e fundamentada em processos de

mudanças comportamentais. O autor, no entanto, também sugere que a

abordagem da Teoria da Prática em mudanças de comportamento de consumo

também precisa se concentrar em uma análise mais ampla considerando

diversas outras práticas que se cruzam.

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A discussão metodológica sobre a potencial utilidade da abordagem da

Teoria da Prática nos estudos de consumo foi vista no artigo de Halkier e Jensen

(2011). Os autores discutem os desafios de traduzir a Teoria da Prática em

métodos de pesquisa empírica no campo do consumo. Argumenta-se que uma

interpretação sócio-construtivista da Teoria da Prática pode ser particularmente

útil para permitir que os pesquisadores de consumo realizem estudos empíricos

que são diferentes das abordagens tradicionalmente utilizadas no campo. Essa

abordagem sócio-construtivista permite que os investigadores de consumo

analisem formas de consumir e como essas estão envoltas em redes de

reprodução social e de mudanças. Permite também que os pesquisadores

compreendam formas de consumir como realizações relacionais contínuas no

meio de múltiplas práticas da vida cotidiana.

Finalizando os artigos da edição especial do Journal of Consumer Culture,

Magaudda (2011) desenvolveu um estudo empírico qualitativo a partir de vinte e

vinco entrevistas sobre as mudanças no consumo de música na Itália,

acompanhadas do crescimento da digitalização da música. O artigo discute o

papel da materialidade em relação às práticas e a questão da desmaterialização

e se de fato as músicas foram desmaterializadas após a sua digitalização. O

artigo mostra que o surgimento de novas tecnologias fez com que a

materialidade passasse a se articular de novas maneiras. Para realizar a análise

de seus dados, o artigo adota o que chamou de “circuito da prática”, esquema

analítico que auxilia na análise empírica.

Mais recentemente, Arsel e Bean (2013) analisaram o gosto e como o

mesmo consegue fazer parte das práticas do dia a dia. Partindo de uma pesquisa

que envolveu uma análise tanto qualitativa quanto quantitativa de um blog

popular de design de residências (Apartment Therapy), os autores viram que o

regime de gosto é definido como um sistema normativo discursivamente

construído que orquestra práticas em uma cultura de consumo esteticamente

orientada. Utilizando o circuito da prática proposto por Magaudda (2011), os

autores perceberam que esses regimes de gostos são perpetuados por

instituições presentes no mercado tais como revistas e sites de internet. Assim,

o regime de gosto irá regular a prática por meio do engajamento contínuo.

Na próxima seção, será apresentado o circuito da prática proposto por

Magaudda (2011). O circuito é um modelo explicativo que facilita uma análise

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empírica e que visa destacar a evolução das relações entre materialidade e

práticas sociais. Baseia-se na ideia de que a prática deve ser considerada como

uma unidade inteira de análise que consiste na interação entre objetos materiais,

conjuntos de conhecimentos e competências e imagens culturais e simbólicas.

4.4 O Circuito da Prática: O Estudo de Paolo Magaudda

Essa seção possui como objetivo apresentar em detalhe a pesquisa de

Magaudda (2011) sobre a relevância de objetos materiais nos estudos de

consumo. O estudo aprofunda um tema relevante para a presente pesquisa, que

envolve a questão da materialidade, além de propor um modelo explicativo da

Teoria da Prática que permite a análise empírica e que destaca as mudanças na

relação entre materialidade e práticas sociais, chamado de circuito da prática.

O artigo parte da Teoria da Prática com a finalidade de mostrar que a

digitalização da música e a desmaterialização dos bens musicais não significam

menos materialidade e não implicam um papel social menos relevante para os

objetos no consumo. Ao contrário, a digitalização da música revela-se,

paradoxalmente, como um processo no qual a reconfiguração da relação entre

o bem material e a cultura leva a um novo papel desempenhado pelos objetos

na vida das pessoas e em suas atividades. Assim, mostra que os bens materiais

ainda ocupam uma posição relevante e que a materialidade desempenha um

papel essencial nas práticas de consumo.

O artigo se baseia em dados coletados durante uma pesquisa sobre a

apropriação de tecnologias digitais de músicas e envolveu vinte e cinco

entrevistas semi-estruturadas em profundidade com jovens consumidores

italianos de música digital. Os dados foram analisados e interpretados com base

na abordagem da grounded theory. As mudanças no relacionamento entre

consumidores e a materialidade da música digital despontaram como uma

questão relevante que deveria ser abordada no processo de difusão de novos

dispositivos e serviços de música. O artigo centrou-se então em três processos

e dispositivos que envolveram mudanças: a introdução de um novo objeto (iPod);

um objeto existente que não estava ligado anteriormente ao consumo de música

(disco rígido) e, finalmente, um velho e obsoleto objeto (disco de vinil).

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79

Magaudda (2011) destaca que enquanto mudanças nas práticas de

escutar música foram parcialmente abordadas a partir de perspectivas tais como

de produção, legais e econômicas, suas consequências no nível sociocultural e

em relação às práticas de consumo, ainda precisam ser mais bem exploradas.

Embora esteja claro que ocorreram mudanças na materialidade das músicas e

que as tecnologias têm influenciado as maneiras pelas quais as pessoas

consomem música, precisamos reconhecer que interpretar estas mudanças

como uma perda de relevância no papel de objetos materiais na formação de

hábitos e de culturas pode ser equivocado.

Com o objetivo de abordar as questões relativas à materialidade,

digitalização da música e práticas de consumo, o artigo adotou uma perspectiva

enraizada na Teoria da Prática (Schatzki,1996; Schatzki, Knorr-Cetina & Von

Savigny, 2001) partindo do referencial teórico desenvolvido por Reckwitz (2002)

e da sua articulação com os estudos de consumo de Warde (2005), Shove e

Pantzar (2005) e Sassatelli (2007). Com base nesses trabalhos, o autor assume

que práticas de consumo são o resultado de desempenhos individuais

entrelaçados em um contexto sócio-material complexo, onde significados,

atividades (“fazeres”) e objetos (meanings, doings and objects) estão dispostos

em configurações específicas de práticas. Assim, as práticas serão o resultado

da ligação performativa destes três elementos, uma ligação em que a

materialidade desempenha um papel crucial na criação, na mudança e na

estabilidade de todas as atividades e práticas.

Com a fim de desenvolver um foco teórico sobre a dinâmica da mudança

da prática, Magaudda (2011) evoluiu o esquema tripartite de prática elaborado

por Shove e Pantzar (2005) - significados, atividades e objetos - transformando-

o em um circuito da prática. O circuito da prática (figura 3) é um esquema para

analisar os processos de mudanças nos padrões de consumo e é composto por

três principais elementos analíticos (significados, objetos e atividades) que

constituem a prática como uma entidade inteira e que se destina a explicar a

dinâmica de mudança da prática e transformação do ponto de vista dos

consumidores e atores humanos.

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Figura 3: Circuito da Prática

Fonte: Adaptado de Magaudda (2011, p.24)

No circuito da prática, as setas duplas e contínuas representam a

constante relação entre os três elementos que constituem as práticas como uma

entidade completa. As relações reais e influências que esses elementos

estabelecem dinamicamente nas experiências das pessoas podem ser

demonstradas em linhas pontilhadas e irão variar conforme a prática analisada

(ver Magaudda, 2011). Assim, o circuito representa uma ferramenta analítica e

visual para verificar o trabalho de reconfiguração de uma prática e também as

experiências dos consumidores focando no nível individual e concreto onde as

práticas são criadas, estabilizadas e transformadas.

No processo de digitalização de consumo de música, o autor mostrou que,

embora a música tenha mudado passando de registros tangíveis para dados

intangíveis, os objetos materiais musicais e as tecnologias continuam a

desempenhar um papel relevante e ainda mais importante nas práticas de

consumo de música. Mudanças no consumo de música geradas pelo processo

de digitalização não levaram à desmaterialização do consumo e ao

desaparecimento de objetos materiais. Ao contrário, geraram formas de re-

Objetos Significados

Fazeres

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materialização, que significa a rearticulação das relações entre a materialidade,

significados culturais e atividades das pessoas.

O autor aborda também uma consideração mais teórica que diz respeito

ao fato de que, adotando o circuito da prática para entender e apontar as

mudanças que ocorrem em práticas de consumo de música, o artigo contribuiu

para a articulação, no plano empírico, de ideias e de categorias desenvolvidas

pela Teoria da Prática. Assim, acredita-se que o circuito poderia demonstrar

melhor a sua utilidade na análise de diferentes esferas da prática do consumidor,

especialmente as que examinam alterações radicais de bens materiais e

ferramentas envolvidas em processos de consumo. O circuito da prática oferece

uma alternativa para transformar conceitos em torno da Teoria da Prática em

termos empíricos e em uma ferramenta viável para o desenvolvimento de novas

pesquisas e tipos semelhantes de análise.

5. Primeiro Estudo Exploratório: Textos de Propagandas

5.1 Procedimentos Metodológicos

A utilização de filmes, propagandas de televisão ou mídia impressa não

são uma novidade nos estudos das Ciências Sociais. Porém, ainda constituem

um campo pouco explorado na área de comportamento do consumidor (Suarez,

Motta & Barros, 2009).

Já na década de 1930, o antropólogo Bronislaw Malinowski (1935)

ressaltava que a mídia impressa é o campo mais rico da magia verbal moderna.

No Brasil, o antropólogo Everardo Rocha volta a falar da magia da propaganda

em seu livro “Representações do consumo: estudos sobre a narrativa

publicitária” (Rocha, 2006). Rocha pontua que estudar a publicidade é algo

urgente e necessário, pois através delas podemos conhecer a nós mesmos.

Assim, a publicidade será o principal discurso que nos fala do consumo e são

fundamentais para entendermos a cultura contemporânea. Para o autor, a

publicidade traduz a produção para que essa possa virar consumo, e ensina

modos de sociabilidade enquanto explica o quê, onde, quando e como consumir.

Na área de comportamento do consumidor, Jonh Sherry (1987) observou

que apesar de as propagandas serem rotuladas muitas vezes como as principais

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causadoras do mal da contemporaneidade e responsáveis por um sistema

econômico irracional, elas são excelentes fontes de dados para uma pesquisa.

O autor também destaca a propaganda como componente do marketing e o

marketing como um agente de mudanças culturais no mundo contemporâneo.

Na mesma linha de raciocínio, Scott (1994) ressalta que o mundo das

propagandas é povoado por imagens fantásticas que caminham para lados

distintos que podem ir desde o sensual até o divertido.

De acordo com Belk e Pollay (1985), as propagandas, mais do que

qualquer outra fonte de informação, foram as responsáveis por uma mudança

social nos valores da população que passaram a priorizar o hedonismo. Os

autores também ressaltam que a ênfase em destacar o prazer no consumo

presente nos comerciais, faz com que passemos a nos sentir menos culpados

em relação ao consumo em si. Dessa forma, as propagandas do século vinte

acabaram por contribuir com o reforço e a difusão de uma cultura de consumo

onde a aquisição de bens materiais substituiu a busca de objetivos religiosos até

então priorizada.

Em 2004, Schroeder e Zwick realizaram uma pesquisa envolvendo

análise de imagens presentes em propagandas impressas onde buscaram

compreender como a identidade masculina interage com o consumo de imagens,

de produtos, de desejos e de paixões. Ou seja, nessa pesquisa os autores

analisaram a construção cultural da masculinidade a partir da análise de

identidades masculinas contraditórias presentes nas propagandas. Dessa forma,

concluíram que as representações não apenas expressam a masculinidade

como desempenham um papel central na formação de concepções de

masculinidade e ajudam a construir segmentos de mercado tais como os

playboys, dentre outros.

O paradoxo que envolve viver em harmonia com a natureza, construído a

partir de propagandas, também foi analisado por Scholz (2012). No referencial

teórico detalhamos mais essa pesquisa, mas aqui vale destacar que foram

analisadas mais de seiscentas propagandas da revista Backpacker nos períodos

de 2007 a 2009. Como resultado, a pesquisa classificou as imagens em duas

categorias chamadas de “Arcadia” e “Dynamic”. A primeira concebe a natureza

como um organismo vivo e orgânico, porém calmo e passivo; e a segunda,

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classifica a natureza ao mesmo tempo benevolente e calma, mas também

violenta e perturbadora, podendo ameaçar os seres humanos.

Propagandas também foram estudadas como facilitadores de rituais em

relação ao tipo de alimentação do Natal, na pesquisa de Freeman e Bell (2013).

A partir de uma pesquisa utilizando como método a análise longitudinal

semiótica, os autores mostraram como os próprios rituais em relação à

alimentação foram se adaptando para suportar as mudanças no estilo de vida

das mulheres nos últimos vinte anos.

Além dos rituais como contribuição da Antropologia, o entendimento dos

mitos também é importante para a análise de textos culturais. Para tanto,

voltamos mais uma vez nas contribuições de Rocha (1985) que destaca que o

mito representa “(...) uma narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma de as

sociedades espelharem suas contradições, exprimirem seus parados, dúvidas e

inquietações”. Segundo o autor, essa palavra é de difícil definição e pode ser

usada para representar uma gama diversificada de ideias. Justamente por isso,

é preciso ter cuidado para formar sua real definição.

Resumir o mito a uma simples narrativa, um discurso, uma fala, é capaz

de descaracterizá-lo e para isso devemos considerá-lo uma narrativa especial.

Se por um lado o mito é caracterizado com sendo algo ocorrido nos tempos de

outrora, ele também pode ser considerado para descrever alguma coisa

inacreditável. Porém, Rocha (1985) ressalta que embora o mito possa não ser

verdade, isso não quer dizer que não possua seu valor, e, para tanto, a eficácia

do mito e não a sua verdade é que deve ser o critério para pensá-lo. Na frente

dos nossos olhos, é possível identificarmos como anúncios publicitários, filmes,

notícias de jornais, super-heróis, música popular, fotografias, etiquetas, modas,

televisão, programas de rápidos, dentre outros, nos contemplam, seduzem e

abandonam, tais quais um mito.

Coleta de dados

Para a coleta de dados, foram analisadas 26 propagandas de protetores

solar vinculadas em revistas entre 2006 e 2015. Esse conjunto de propagandas

que refletem o consumo moderno de protetores solares foi utilizado para

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ressaltar os aspectos culturais (positivos e negativos) presentes na relação do

indivíduo com a natureza aqui representada pelo sol.

Para obter esse resultado, foram realizadas buscas na internet de

propagandas de protetores vinculadas em mídia impressa dos últimos anos. No

buscador Google, foram inseridas as seguintes frases: “propaganda de protetor

solar”, “mídia impressa protetor solar”, “campanhas protetor solar” e “divulgação

protetor solar”. Foram recolhidas imagens de campanhas publicitárias de

diversas marcas, fatores solares e ano divulgação. As campanhas selecionadas

a partir de 72 visualizações estão listadas no Quadro 5.

Quadro 5: Campanhas em mídia impressa de protetor solar

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Análise de dados

O clássico modelo do movimento dos significados apresentado por

McCraken (1986; 1987) foi inspirador para nossa proposta e análise, assim como

Número Produto Marca Ano

1 Nívea Sun - Protetor Solar FPS 30 Nivea 2006

2 Sundown Protetor Solar Sundown 2007

3 Sundown Protetor Solar Sundown 2007

4 Avon Sun - Protetor Solar Gel FPS 15 Avon 2008

5 Solar Expertise - FPS 30 Loreal Paris 2008

6 Solar Expertise - FPS 30 Loreal Paris 2008

7 Sundown Protetor Solar Spray Sundown 2009

8 Sundown - Exposição ao sol Sundown 2009

9 Nívea Sun - Loção Solar Bloqueadora Nívea 2010

10 Nívea Sun - Loção Solar Bloqueadora Nívea 2010

11 Sun Filter - Protetor Solar Muriel Cosméticos 2010

12 Roc - Protetor Solar Roc Italiana 2010

13 Roc - Protetor Solar Roc Italiana 2010

12 Sundown Protetor Solar FPS 30 e 60 Sundown 2010

13 Renew Solar Advance Renew 2011

14 Nívea Sun - Protetor Solar FPS 30 Nívea 2012

15 Coppertone Sport Pro Series Coppertone 2012

16 Coppertone Sport Pro Series Coppertone 2012

17 Bloqueador Solar e Facial Roval Cosméticos 2012

18 Solar Expertise Corpo e Rosto - FPS 30 Loreal Paris 2012

19 Base Protetor Spectraban FPS 35 Spectraban 2012

20 Avon Sun Kids e Bebês FPS 40/50 Avon 2014

21 Avon Sun - Protetor Solar Labial FPS 30 Avon 2014

22 Avon Sun - Protetor Solar FPS 30 Avon 2014

23 Cenoura e Bronze - Protetor FPS 50 e 30 Cenoura & Bronze 2014

24 Cenoura e Bronze - Protetor FPS 50 e 30 Cenoura & Bronze 2015

25 Cenoura e Bronze - Protetor FPS 30 Cenoura & Bronze Não

Identificado

26 Cenoura e Bronze - Protetor FPS 30 Cenoura & Bronze Não

Identificado

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o foi para Askegaard (2010). Segundo esse modelo, os significados culturais em

uma sociedade de consumo irão se mover de maneira incessante. A trajetória

tradicional fará com que o significado cultural se mova primeiro do mundo

culturalmente constituído para os bens de consumo e, em seguida, desses bens

para o consumidor através de rituais.

McCraken (1986) explica que o primeiro movimento de significados parte

de um mundo culturalmente constituído e, através de, por exemplo, propagandas

constrói significados para os bens e serviço. Nesse movimento inicial proposto

por McCracken é que reside o foco da análise desses textos culturais. Assim, as

propriedades conhecidas do mundo culturalmente constituído passam a residir

nas propriedades desconhecidas do bem de consumo e, assim, a transferência

do significado do mundo ao bem é realizada.

Com relação aos rituais, os de posse e preparação parecem ser os que

mais se associam à categoria de produto que foi analisada. McCracken (1986)

destaca que os indivíduos passam boa parte do seu tempo discutindo,

comparando, mostrando e fotografando suas posses. A partir da posse desses

bens, os indivíduos podem trazer para si os valores simbólicos presentes nos

produtos a partir de forças de marketing. Já os rituais de preparação, são aqueles

descritos como os voltados para os bens que possuem uma natureza perecível.

Dessa forma, o consumidor deverá retirar o significado cultural do bem repetidas

vezes.

Na metodologia de análise desse estudo, os trabalhos realizados por

Hirschman (1988) e Suarez, Motta e Barros (2009) serviram de inspiração. No

caso, o foco está em captar o movimento da narrativa do texto e como ele se

desenrola a partir da definição de categorias concretas de Ator, Ação e

Resultado. Para o autor, a utilização dessas categorias permitirá tornar visível a

lógica binária do texto, ou seja, as associações positivas e negativas presentes

nas propagandas em relação ao consumo do sol. Para isso, cada propaganda

foi separada para que então a análise sintática da narrativa fosse feita a partir da

observação das categorias ator e ação.

Assim, cada propaganda foi detalhada em uma planilha que distinguiam

Ator, Ação e Resultado. Nessa tabela também existiu a preocupação em separar

os contextos (praia, parque), os objetos presentes (esteiras de sol, chapéu, bola),

as observações extras (predominância de cores) e as conclusões gerais onde

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foi possível incluir observações relevantes e que contribuiriam na análise dos

resultados.

Utilizando o modelo proposto por McCracken e os trabalhos de Hirschman

(1988) e Suarez, Motta e Barros (2009), nosso interesse se deu em interpretar

nas propagandas de protetores solares, sinais que representem o mundo

culturalmente constituído que transfere seus significados para o bem. Além

disso, a partir da noção de ritual de posse e de preparação, buscaremos

identificar se o bem – protetor solar - transfere significados para seus

consumidores.

5.2 Principais Achados do Estudo

Nessa seção, são trazidos os principais achados desse trabalho que foi

apresentado no Enanpad de 2015, em Belo Horizonte.Esses achados foram

organizados em 4 categorias: (1) Juventude versus envelhecimento; (2)

Juventude versus envelhecimento: Representações de Gênero; (3) Juventude

versus Envelhecimento: Representações Estéticas e;(4) Sol versus Sombra.

5.2.1 Juventude versus Envelhecimento

Resultados sugerem que juventude versus envelhecimento é o grande

conflito que circunda o consumo do sol e dos protetores representados nos

comerciais analisados. Na análise, esse conflito está dividindo em itens que vão

falar de juventude e envelhecimento, representações de gênero, representações

estéticas e sol versus sombra.

Ainda que os cenários sejam predominantemente positivos com contextos

de lazer que envolve praia, parque, férias e esporte, as oposições encontradas

nos anúncios trazem tanto os benefícios quanto os malefícios do sol de

diferentes formas. A palavra juventude não aparece escrita de forma literal no

texto, mas essa etapa tão valorizada da vida aparece nas imagens com a

utilização de modelos, atrizes e celebridades sempre jovens. Já a palavra

envelhecimento aparece de forma direta.

Na campanha realizada pela L’Oréal do protetor “Solar Expertise”, a

empresa lançou na mídia impressa três folhetos onde apareciam em cada: uma

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mulher, um homem e um casal. Na campanha destinada para o público feminino,

a juventude foi representada pela utilização de uma bela atriz vestindo apenas

um biquíni branco em um cenário de praia desfilando seu corpo jovem. A frase

de divulgação da campanha era: “Máxima proteção contra o envelhecimento

solar”. A utilização de palavras como “máxima proteção”, “contra” e

“envelhecimento”, parece reforçar a busca pela eterna beleza e jovialidade,

principalmente no caso das mulheres.

Já a campanha voltada para o público masculino utiliza como modelo um

campeão internacional de surf que aparece segurando sua prancha e a frase de

destaque é “Protetor solar avançado + ação antienvelhecimento”. Não apenas a

“ação”, mas os termos “avançado” e “anti” se somam à imagem bronzeada e

suada de um esportista sugerindo alguém jovem em constante atividade ao ar

livre.

A mesma campanha do produto Solar Expertise da L’Oréal possui a

versão onde homem e mulher são representados ao mesmo tempo. Novamente

o envelhecimento é o vilão que precisa ser combatido. A frase em destaque é

“Sim para o verão, não para o envelhecimento da minha pele”.

5.2.2 Juventude versus Envelhecimento: Representações de

Gênero

Na campanha realizada pela L’Oréal do protetor “Solar Expertise, uma

diferença de gênero aparece quando comparamos a versão masculina com a

celebridade da versão feminina do anúncio, que também se encontra na praia

ao ar livre. Uma jovem com leve bronzeado e cabelos penteados e secos sugere

uma atividade mais complacente ao invés de qualquer tipo de exercício físico.

Por sua vez, na campanha voltada para o público masculino, o reforço está na

utilização da palavra “ação” que sugere um movimento mais masculino do que a

palavra “proteção” usada no anúncio feminino.

Outro aspecto que é possível comparar entre os anúncios com

representação feminina e masculina relaciona-se aos produtos em destaque. O

homem possui apenas uma embalagem junto à sua imagem. A mulher possui

três embalagens de fator de proteção e formas de aplicação diferentes, o que

pode indicar maior preocupação com o benefício central do produto, ou seja, elas

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lutam “contra” o envelhecimento e por isso precisam de mais “armas” ou

protetores. Enquanto isso, o gênero masculino que deverá ter uma “ação” “anti”

parece estar orientado mais para uma prevenção ou preparação do que

propriamente para uma luta.

Na versão da campanha onde homem e mulher são representados ao

mesmo tempo, ambos são jovens, mas a mulher aparece mais em destaque e

sua expressão sugere mais atenção já que o homem não possui um olhar direto.

O casal exibe uma postura sensual assim como se caracteriza o próprio verão,

a estação do ano mais sensual com férias e corpos mais a mostra, mas chama

atenção à declaração de posicionamento no singular “minha” e não “nossa” (“Sim

para o verão, não para o envelhecimento da minha pele”).

Em uma campanha em página dupla e interativa onde bastava colocar a

revista ao sol para descobrir quem havia usado protetor e quem não havia, a

Sundown 2009 traz a seguinte declaração de posicionamento: “Chegou

Sundown nova fórmula. Exponha este anúncio ao sol e descubra quem usa

Sundown e quem não usa”. Alguns aspectos podem ser realçados a partir desse

texto e das imagens que trazem de um lado as embalagens e as sentenças e do

outro um casal deitado em esteiras de praia onde se vê ao lado do homem uma

raquete de frescobol e da mulher uma bolsa com o protetor Sundown.

5.2.3 Juventude versus Envelhecimento: Representações

Estéticas

Uma campanha lançada pela L’Oréal do protetor Solar Expertise FPS 60

trouxe para a discussão a dualidade do belo e do feio. A propaganda difere das

demais, pois não apresenta um cenário de praia ou parque, comum nas

propagandas analisadas. Por outro lado, a imagem mostra duas mulheres, entre

elas a atriz Grazi Massafera, sentadas como se estivessem pegando sol em uma

praia ou piscina (uma vez que os cabelos aparentam estar molhados). Pela

luminosidade da pele das modelos e pela sombra feita pelos seus corpos de

biquíni é possível inferir que ainda que expostos ao sol estão sem auxílio de

outros produtos como viseiras, óculos, barracas, dentre outros.

Na frase da campanha aparece escrito em negrito e com letras em caixa

alta “CIÊNCIA AVANÇADA CONTRA OS DANOS SOLARES MAIS

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PROFUNDOS”. Logo embaixo e sem ser em negrito aparece a frase “PARA

PROTEGER A BELEZA DA SUA PELE”.

Ao lado da imagem das modelos, aparecem dois protetores solares FPS

60 e a frase “tecnologia contra UVA longo” e com uma luminosidade que também

leva a entender que os frascos estão diretamente em exposição ao sol. Nesse

anúncio, a discussão da juventude versus envelhecimento abre espaço para a

discussão do belo e do feio. Na primeira frase que está em negrito, não fica claro

quais danos profundos à pele são esses que a exposição ao sol parece trazer.

Porém, na sequência, sugere que o dano diz respeito à beleza da pele. Ou seja,

a ciência avança para proteger a beleza e não a saúde da pele como inicialmente

pensamos.

Nesse caso, a propaganda fala da exposição da pele ao sol, porém com

proteção adequada para que a mesma fique bonita ou não fique feia. O que seria

o feio nesse caso? Como aparecem duas modelos jovens e uma inclusive com

um tom de pele levemente bronzeado, isso pode sugerir que a beleza da pele

está associada à juventude e a uma pele mais dourada. O que nos leva

novamente ao grande conflito entre juventude versus envelhecimento

5.2.4 Sol versus Sombra

Outro contraste, sol versus sombra, aparece na campanha da Nívea Sun

- Loção Solar Bloqueadora. O termo bloquear, mais enfático do que os termos

mais frequentes, protetor solar e filtro solar, está associado a uma paisagem que

mostra uma luminosidade de fim de tarde, ou seja, mais próxima da sombra do

que do sol que é o principal protagonista das campanhas dessa categoria de

produtos. Novamente a mulher é o destaque com seu corpo jovem ligeiramente

bronzeado sem que seja mostrado o seu rosto, o que pode indicar um produto

orientado para bloquear a ação do sol no corpo e não na face. A relação que a

campanha parece procurar realçar entre o produto e a sombra é reforçada pela

tatuagem no corpo feminino de uma nuvem e de um coqueiro em cada um dos

dois anúncios analisados.

A dualidade sol versus sombra parece estar também representada no

contraste de cores que as propagandas mostram: azuis e amarelas / laranjas.

Não apenas como pano de fundo dos folhetos, essas cores foram priorizadas

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inclusive nas embalagens dos produtos. Elas são conhecidas por representarem

acima de tudo o calor, a luz e a jovialidade. Elas estão associadas ao sol, ao

verão, à energia, à diversão e à liberdade. Mas também podem representar

alerta, atenção e cuidado, como por exemplo, quando são utilizadas nos

semáforos.

As oposições estão presentes nas ações representadas nos textos das

propagandas com palavras, expressões e cenas que sinalizam ao consumidor a

importância do produto. Mensagens recomendam que o produto esteja sempre

ao alcance. Proteger e cuidar são as principais ações que aparecem nos textos

(14 campanhas). Expressões como “Verão com mais proteção” e “O melhor

cuidado e proteção para sua pele” reproduzem os benefícios básicos da prática

de passar o protetor e tem a função de despertar o indivíduo para os possíveis

problemas causados pelo sol. Algumas ações com conotação mais positiva

aparecem como consequência possível para quem se protege do sol como, por

exemplo, aproveitar e curtir.

5.2.5 Discussão

As oposições que cercam o sol repercutem nas propagandas

selecionadas nessa pesquisa (Bem ou Mal? Envelhecimento ou Juventude?

Belo e Feio? Intenso ou Moderado? Saúde ou Doença? Essencial para a vida ou

com radiações que adoecem?). A categoria de produto navega em imagens e

textos que representam essas oposições sem que seja possível interpretar se é

o lado do bem ou do mal, o vencedor ou o mais sedutor para o posicionamento

da categoria.

Por outro lado, as propagandas sugerem a influência da questão estética

ou da busca da beleza e juventude, o que aproxima as marcas de protetores

mais a produtos de beleza. Os produtos ficam distantes de sua atribuição de

bloquear, proteger ou filtrar os malefícios do sol como o câncer de pele. Por outro

lado, os produtos sugerem proximidade a tratamentos estéticos que, por

exemplo, prolongam a juventude ou adiam as rugas do envelhecimento.

A abordagem cultural do consumo pode apoiar nossa compreensão sobre

a eficácia ou não dos esforços das organizações públicas em disseminar

informações sobre o câncer de pele bem como sua incidência e seus riscos. No

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mundo culturalmente construído que influencia as propagandas e ao mesmo

tempo é por elas influenciado, o consumo do sol tem tido associações quase

sempre positivas, fantasiosas e até românticas. Diante desse imaginário positivo

sobre o consumo do sol, como construir uma comunicação que possa trazer

associações diferentes e que contemplem, por exemplo, a prevenção e

educação diante das evidencias dos malefícios do consumo do sol?

Esse estudo exploratório inicial foi importante para que tivéssemos um

primeiro contato com um contexto de pesquisa ainda pouco explorado no campo

de Cultura e Consumo, o sol. Além disso, os achados encontrados na análise

das propagandas de protetores nos levaram a identificar dualidades presentes

nesse consumo e que puderam ser exploradas e discutidas, na percepção do

consumidor, durante a realização do segundo estudo que foi composto por

entrevistas narrativas.

6. Estudo Principal: Práticas de Criação e Destruição de Valor

6.1 Procedimentos Metodológicos

Embora alguns trabalhos na área acadêmica de marketing defendam a

importância de analisar o simbolismo do consumo, o desenvolvimento de

estruturas interpretativas com o objetivo de derivar ideias de marketing a partir

dos textos advindos de histórias dos consumidores foi deixado em grande parte

para os praticantes de marketing e de publicidade (Thompson, 1997).

A partir da década de 1980, os conceitos de narrativa e história de vida se

tornaram mais visíveis nas ciências sociais. Chamado por alguns de “revolução

narrativa”, o uso dessa técnica ofereceu possibilidades de pesquisa diferente das

mais tradicionais como experimentos, questionários, observação, dentre outros.

Assim, metodologias narrativas se tornaram uma parte significativa do repertório

das ciências sociais (Lieblich, Tuval-Mashiach & Zilber, 1998; Shankar, Elliott &

Goulding, 2001).

A narrativa dos consumidores pode ser considerada um repositório de

informações referente à resposta cognitiva e afetiva do consumidor em relação

às marcas, propagandas e trocas interpessoais (Stern, Thompson & Arnould,

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1998). Assim, não há experiência humana que não possa ser expressa na forma

de uma narrativa. Como Roland Barthes destacou:

A narrativa está presente no mito, lenda, fábula, conto,

novela, epopéia, história, tragédia, drama, comédia,

mímica, pintura (pense na Santa Úrsula de Carpaccio),

vitrais de janelas, cinema, quadrinhos, notícias,

conversação. Além disso, no âmbito dessa quase infinita

diversidade de formas, a narrativa está presente em todas

as idades, em todos os lugares, em todas as sociedades;

ela começa com a própria história da humanidade e nunca

existiu, em nenhum lugar e nem tempo algum, um povo

sem narrativa. Não se importando com a divisão entre boa

e má literatura, a narrativa é internacional, trans-histórica,

transcultural: ela simplesmente existe, como a vida em si

(Barthes, 1993, p.251-2)

As narrativas possuem imensa variedade e podem ser encontradas em

diversos lugares. Existe uma necessidade comum ao indivíduo que é a de contar

histórias. Contar histórias é uma excelente forma de comunicação humana, além

de ser uma capacidade universal. A partir de narrativas, as pessoas se recordam

de histórias que vivenciaram, colocam sua experiência em uma dada sequência,

buscam e encontram possíveis explicações para essas sequências e interagem

com a rede de acontecimentos que constroem a vida individual e social. Ao

contar histórias, fazemos com que acontecimentos e sentimentos presentes no

dia a dia se tornem mais leves e familiares (Bauer & Gaskell, 2000).

Pesquisa narrativa refere-se a qualquer estudo que utiliza ou analisa

materiais narrativos. Os dados podem ser coletados como uma história (história

de vida fornecida em uma entrevista ou uma obra literária) ou de uma maneira

diferente (notas de campo de um antropólogo que escreve as suas observações

como uma narrativa ou em cartas pessoais). Ele pode ser usado para

comparação entre os grupos, para aprender sobre um fenômeno social ou

período histórico ou para explorar uma personalidade (Lieblich, Tuval-Mashiach

& Zilber, 1998).

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Comunidades, grupos sociais e subculturas contam histórias com

palavras e significados que são específicos para a sua experiência e seu modo

de vida. O conjunto de palavras de um determinado grupo social constitui a sua

perspectiva sobre o mundo e presume-se que as narrativas preservem

perspectivas particulares de uma forma mais genuína. O ato de contar histórias

é uma habilidade relativamente independente da educação. Enquanto o último é

desigualmente distribuído em qualquer população, a competência para contar

histórias não é ou, pelo menos, é menos (Jovchelovitch & Bauer, 2000).

Embora as construções narrativas possam ser marcadas por contradições

e crenças internas, permitem que as pessoas construam um sentido de

continuidade e coerência ao longo de suas experiências de vida. Essas

narrativas pessoais são contextualizadas dentro de um fundo complexo de

significados culturais historicamente estabelecidos e de um sistema de crenças.

Esse background cultural fornece as categorias sociais, as crenças de senso

comum, o conhecimento popular e quadros de referência interpretativos a partir

do qual significados personalizados e concepções de identidade são construídos

(Thompson, 1997).

O uso do texto narrativo como dado de pesquisa justifica-se no paradigma

interpretativo como uma contribuição para uma melhor compreensão da

perspectiva do consumidor (Stern, Thompson & Arnould, 1998). Arnould e Price

(1993) destacam que a narrativa da experiência é fundamental para uma

avaliação global. Ao narrarsuas experiências, participantes podem acessar uma

variedade de scripts pré-conscientes ou narrativasculturalmente informadas.

Narrativas são histórias consideradas como o meio mais importante pelo qual as

nossas experiências ganham significados. Em outras palavras, histórias e contar

histórias nos ajudam a dar sentido às nossas vidas (Shankar, Elliott & Goulding,

2001).

Shankar, Elliott e Goulding (2001) defendem que a premissa principal para

uma narrativa é que a mesma tenha uma sequência, ou seja, tenha início, meio

e fim. Além disso, a narrativa terá os seguintes componentes-chave: 1)

estabelecimento de um ponto valioso (cada história terá um ponto que será

avaliado negativa ou positivamente pela pessoa envolvida na narrativa); 2)

seleção de eventos relevantes (após decidir o ponto é preciso selecionar apenas

os eventos que ajudam a compor esse ponto); 3) ordenar os eventos (de maneira

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linear, temporal); 4) estabelecer sequência causal (a ordenação tende a facilitar

a compreensão da causalidade dos eventos) e 5) sinais de demarcação

(histórias tendem a ter bem reconhecidos seus começos, meios e fins).

O processo de contar histórias é um ato de criação e construção e não

simplesmente um ato de lembrar ou recontar. O objetivo do pesquisador deve

ser de ajudar o participante nesse processo e, consequentemente, encorajá-los

a refletirem sobre seus registros mentais ao longo da vida. A perspectiva da

narrativa ame que as histórias que as pessoas contam não surgem do nada,

aparecem de algum lugar. Será esse lugar que representará as circunstâncias

transmitidas do passado que estamos interessados em investigar (Shankar,

Elliott & Fitchett, 2009).

Como Giddens (1991) destacou, a nossa identidade não é para ser

encontrada em nosso comportamento e nem nas reações dos outros, mas na

nossa capacidade de manter uma narrativa particular em andamento. Para isso,

deve-se estar continuamente integrando eventos do mundo exterior à nossa

história que está em constante construção. Essas pequenas histórias sobre o

nosso próprio ser podem aparecer como se estivessem revelando um ser pós-

moderno fragmentado. Mas, dada a nossa facilidade de armazenamento, a

nossa seletividade intencional de recuperação de fatos e a fé em nossa

capacidade de remendar pedaços em uma narrativa coerente, podemos

começar a ver um self composto de qualquer coisa que pode aparecer em uma

situação, desde histórias de viagens ou aventuras de infância (Belk, 2013).

Coleta de Dados

No início, pensei em entrevistar mulheres de diferentes Estados do Brasil.

Porém, logo que foram realizadas as primeiras seis entrevistas, notou-seque o

Rio de Janeiro possui características peculiares que podiam tornar o processo

de criação e de destruição de valor ainda mais interessante.

Essas características já foram observadas na introdução da pesquisa e

basicamente se resumem a representações da cidade que envolve praia, sol,

mar, corpos seminus e liberdade (Goldenberg, 2007). Além disso, o Rio de

Janeiro sempre foi considerado o propagador de ideias, valores e normas para

todo o Brasil. Tudo que passava ou era criado pelo Rio, se tornava a essência

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da brasilidade (Gontijo, 2007). Assim, a seleção das entrevistadas não

estabeleceu limitações de idade, apenas que fossem adultas, acima de 18 anos.

No final, foram entrevistadas mulheres com idades entre 20 e 75 anos. Como

filtro, era perguntado se residiam na cidade do Rio de Janeiro.

Dado que pouco material sobre o sol foi encontrado nos estudos de cultura

e consumo, decidiu-se que na primeira rodada de entrevistas o ideal seria ir de

forma mais aberta, sem delimitações, para o campo. Perguntas abertas que

explorassem significados e práticas negativos e positivos do sol serviram de

base para o primeiro roteiro apoiado por exercícios projetivos. Na segunda e

terceira etapa de entrevistas, novo filtro foi construído para que fossem

explorados os aspectos de destruição de valor no consumo do sol. Ao final de

cada entrevista, foi solicitado às respondentes que indicassem conhecidas que

não gostassem de sol para serem entrevistadas.

Em síntese, a coleta de dados envolveu 17 (dezessete) entrevistas

narrativas semi-estruturadas com mulheres residentes da cidade do Rio de

Janeiro e com idades que variaram de 20 a 75 anos. A coleta de dados se deu

em três etapas: na primeira, foram realizadas seis entrevistas. Na segunda,

foram feitas mais nove entrevistas. A terceira e última envolveu apenas mais

duas entrevistas. O quadro 6 apresenta um breve perfil das entrevistadas.

O roteiro de entrevistas (anexo 2) foi elaborando a partir de perguntas

abertas com utilização de exercícios projetivos. As entrevistas foram realizadas

em local escolhido pelas entrevistadas (preferencialmente, em suas residências)

e tiveram duração de cerca de 60 minutos. A escolha das participantes dessa

pesquisa se deu tanto pelo critério de acessibilidade quanto pela técnica da bola

de neve, na qual os participantes indicam conhecidos, que indicam os próximos

e, assim, sucessivamente.

O uso de exercícios projetivos buscou compreender significados

associados ao sol a partir de imagens que continham dias de sol, praia, pele

bronzeada, pele branca, pontos positivos e negativos, dentre outros. As imagens

que estão no anexo 2 eram apresentadas ao longo das entrevistas.

Quadro 6: Perfil das Entrevistadas

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Análise de Dados

Os registros de pesquisa foram reunidos em áudio e transcritos para que

pudessem ser acessados sempre que necessário. No total foram 133 páginas

de textos (Times 12, espaço simples). Para a análise dos dados, contou-se com

o auxílio do software Atlas.ti. As entrevistas transcritas foram importadas para o

software para que iniciássemos o processo de codificação que gerou

inicialmente um total de 306 códigos de análise.

Lofland e Lofland (2006) destacam que em estudos qualitativos, a análise

é concebida como o produto de um processo gradual de indução. Apesar da

análise em contextos sociais conter diversas atividades e rotinas concretas, o

processo permanece aberto, ou seja, a análise pode ser descrita como uma ação

que demanda criatividade do pesquisador.

A Teoria da Prática serviu de suporte para conseguir enxergar os

processos de criação e de destruição de valor nesse trabalho. Para tanto, foi

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necessário identificar quais componentes da Teoria da Práticaseriam utilizados

nessa análise. O quadro 7descreve os principais elementos identificados na

Teoria da Prática por diferentes autores:

Quadro 7: Elementos da Prática

Fonte: a autora

Chamou-se de analíticos, os elementos que irão compor uma prática e os

elementos de ligação, aqueles que fazem com que os analíticos dialoguem entre

si. A figura 4 representaa prática na concepção de Schatzi (1996):

Figura 4: A Prática por Schatzki (1996)

Fonte: a autora

Dizeres Fazeres

Entendimentos

Regras/ Instruções

Estruturas teleoafetivas

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Após iniciar a análise das seis primeiras entrevistas, verificou-se que a

versão dos elementos analíticos apresentada por Magaudda (2011) poderia se

adaptar melhor aos nossos dados. Porém, foi necessário juntar a esses

elementos analíticos, elementos de ligação que estavam espalhados em

diferentes trabalhos. De acordo com Lofland e Lofland (2006), uma das

estratégias possíveis para desenvolver análises em contextos sociais é formular

proposições genéricas que geram ordem para os dados. Essas proposições

podem ser apresentadas de diversas formas, tais como: desenvolver uma tese,

formular um conceito, fazer uma afirmativa, apresentar uma ideia, endereçar um

problema e promover uma interpretação geral.

Inspirados nas estratégias apresentadas por Lofland e Lofland (2006),

identificou-se na análise das entrevistas que fazeres, significados e objetos

(Magaudda,2011) podem se relacionar uns com os outros a partir de esquemas

interpretativos (serviu de inspiração os achados da pesquisa de Orlikowski,

2000), competências (Shove & Pantzar, 2005) e facilitadores (Orlikowski, 2000).

Esquemas interpretativos podem ser compreendidos como estoques de

conhecimentos que os indivíduos adquirem a partir de interações contínuas com

o universo (Orlikowski, 1992, Orlikowski, 2000). Assim, os esquemas

interpretativos permitem compartilhar significados e representam regras que

informam e definem uma interação (Orlikowski, 1992, Orlikowski, 2000).Por

competência, podemos entender que existe uma espécie de método “adequado”

para desempenhar uma prática e que as pessoas precisam aprendê-lo e que

envolve o conhecimentoe a habilidade (Shove & Pantzar, 2005).Por fim,

facilitadores são os recursos necessários para que se possa atingir um objetivo

como, por exemplo, produtos, estruturas físicas, tecnologias, dentre outros

(Orlikowski, 2000).

Nessa pesquisa, utilizou-se a noção de que a prática está estruturada em

termos de significados, fazeres e objetos e que esses elementos conversam

entre si a partir de esquemas interpretativos, competências e facilitadores.

Trouxemos esse esquema representado na figura 5:

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Figura 5: A Prática nessa Pesquisa

Fonte: a autora

O esquema utilizado nessa pesquisa não pretende criticar os demais

apresentados na literatura (ver quadro 7), ao contrário, serviu para organizar os

conceitos abordados na literatura para que melhor se encaixa em trabalhos que

utilizem a Teoria da Práticapara analisar processos de criação e de destruição

de valor.

De acordo com Lofland e Lofland (2006), o que chamamos de codificação

é a atividade principal no desenvolvimento de uma análise. A codificação inicia

a partir de um processo de questionamento dos dados de campo sobre o tipo de

aspecto, tópico ou unidade que aquele item se refere, além do entendimento

sobre o que ele representa. A resposta a essas perguntas irão gerar os códigos

e estes ajudarão a separar, compilar, sintetizar e organizar os achados do

campo.

Nesse trabalho, os 306 códigos de análise encontrados foram

reagrupados de maneira que ao final foram identificadas três dualidades de

práticas que estão associadas tanto a exposição quanto a evitação do sol. A

primeira dualidade envolve práticas ligadas ao corpo, a segunda a um

intermediário e a terceira a interação com terceiros.

Significados

Fazeres Objetos

Prática

Esquemas Interpretativos

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6.2 Principais Achados do Estudo

Ao escolher o consumo do sol para analisar práticas de criação e de

destruição de valor, essa pesquisa sugere que sua onipresença pode

desencadear escolhas, evitações e submissões dado que existem situações em

que a presença do sol não pode ser evitada. A peculiaridade desse contexto se

mostrou interessante para analisar o processo de criação e de destruição de

valor, ou seja, permite compreender dualidades e tensões existentes, como

consumidores se comportam e como as práticas podem construir ou destruir

valor.

As três dualidades analisadas a partir dos relatos estão associadas às

práticas que envolvem tanto exposição quanto evitação do sol e apresentam

camadas diferentes de intimidade com as práticas de consumo do sol. Em uma

primeira camada, mais íntima, estão as práticas ligadas ao corpo. Na segunda

camada, encontramos as práticas relacionadas a um intermediário onde a

criação ou destruição de valor ocorrem a partir de um agente. A terceira camada

reúne práticas onde há interação ou não com outras pessoas, ou seja, onde a

sociabilidade assume um papel importante na criação ou destruição de valor

quanto à exposição ou evitação do consumo do sol.

6.2.1 Práticas que se relacionam com o corpo

As práticas de consumo do sol que envolvem o corpo foram observadas

nos relatos de duas maneiras. A primeira fala de criação de valor de forma mais

geral, pois o sol proporciona a equilíbrio do corpo e da vida, “dá muito bem estar”,

“revigora” e “é fonte de energia”. Já a segunda maneira de unir o sol ao corpo

revela questões estéticas e de prevenção e saúde.

Uma das entrevistadas compara a vida das plantas com a vida humana

para exemplificar a importância do sol sugerindo que plantas podem morrer sem

o sol e pessoas podem ficar sem energia ou mesmo deprimidas sem o consumo

do sol. Ou, o que seria semelhante, sem a vida ao ar livre ou ainda sem o contato

com a natureza, o que tem aproximação com os achados da etnografia de

Canniford e Shankar (2013) no contexto do surf. Os autores encontraram

discursos criados para justificar aspectos negativos da natureza. Ao mesmo

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tempo, identificaram nos relatos uma “função” purificadora das experiências

vividas no contato com a natureza.

E - O que significa o Sol para você?

- Fonte de energia (...). Eu até falo que preciso fazer

fotossíntese, as pessoas precisam de fotossíntese. Que

precisa pegar Sol mesmo, para revigorar, sabe? De alguma

forma assim de energia mesmo, fonte de energia. Muitos

dias nublados seguidos meio que dá uma “deprê”, a gente

precisa de Sol. (R.D. - 31 anos)

A segunda camada de práticas encontrada no consumo do sol e que se

relaciona com o corpo diz respeito à exposição ou evitação do sol. Identificou-

se nos relatos que o valor pode ser criado ou destruído a partir de práticas que

envolvem, por exemplo, o bronzeamento ou a prevenção. O exercício projetivo

onde eram mostradas imagens de peles bronzeadas e naturalmente brancas foi

importante para acessar a intimidade do consumo do sol que envolve o corpo.

As entrevistadas trouxeram relatos que falam da beleza e sensualidade

associadas ao corpo bronzeado. A “marquinha” sensual do biquíni no corpo

queimado pelo sol aparece envolta por certo desconforto, “ficava toda ardida”,

em meio a informações e produtos que defendem a evitação do sol.

[...] depois quando eu comecei a trabalhar a minha meta

era ficar mais moreninha, mas quando era bem

adolescente assim não, acho que talvez quando eu estava

na adolescência, pré-adolescência por aí eu acho que eu

me preocupava mais, usava o pó de arroz caseiro. Depois

quando eu fui para Belo Horizonte (cidade sem praia),

piscina, nunca tinha ido para piscina, clube que a gente

frequentava, queria ficar moreninha igual o pessoal de lá,

já não cuidava assim tanto cuidava (da pele). Eu queria

ficar no sol, por isso ficava toda ardida mas queria ficar com

marquinha. Agora hoje não, as pessoas tem cuidado, tem

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reportagens falando sobre os perigos da exposição ao sol.

(S.M. - 59 anos).

O valor estético positivo construído para o corpo que se expõe ao sol

parece apoiado por práticas advindas de diversos atores presentes no ambiente

de mercado e promovidas na mídia ou compartilhada na mídia social, o que

também foi trazido na discussão teórica de Karababa e Kjeldgaard (2013)

quando propõem uma discussão mais abrangente sobre a criação de valor ou,

dito de outra forma, sobre elementos diversos que participam da co-criação de

valor tais como Estado, comunidades de marca, empresas ofertantes e a

perspectiva sócio cultural.

No entanto, os relatos trazem também dilemas relacionados ao consumo

do sol e sua relação com a beleza. O mesmo sol cuja exposição é capaz de criar

um valor estético positivo proporcionando o bonito bronzeado que traz a “cara

de saúde”, pode também ser visto a partir da perspectiva de destruição de valor,

pois o bronzeado proporciona a dor da pele queimada e pode trazer manchas e

doenças de pele.

Dilemas quanto à estética bronzeada também apareceram quando a

imagem da mulher “muito branca” “que não vai para o sol” é associada com

estratégias de prevenção que sugerem esforço e trabalho. Mas a estética da pele

bronzeada parece ser ainda a mais associada com a beleza, pois não gostam

da “branquidão”. Já a imagem bronzeada, com “cara mais saudável”, e com

estética “ligada à beleza” parece ser a mais admirada e desejada. No entanto,

essa admiração vem acompanhada de comentários em que parece mandatória

a presença de alguma “proteção” contra o consumo do sol, pois mesmo as

mulheres bronzeadas: “até” usam protetor, mesmo que a “intensidade seja

menor”, precisam de uma “proteção básica” já que consomem informações

diversas que falam dos malefícios do sol para o envelhecimento e para a saúde.

Essa (modelo) daqui é mais bronzeada do que a outra,

muito branca. Essa daqui (pele branca) fica debaixo do

coqueiro, do chapéu, de tudo, bota 3 quilos de protetor, ela

não vai para o sol. E essa daqui (pele bronzeada) de

repente coloca até um protetor mais de intensidade menor

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e vamos à luta. A cara fica mais saudável. A aparência fica

mais saudável, não sei se gosto dessa branquidão toda. Eu

até passo mais no rosto, se bem que quando saio para o

sol, aí eu passo, só não passo nas pernas. (D.D. - 59 anos).

Como está com brilho [falando sobre a imagem

bronzeada], parece que tem algum tipo de óleo, mas eu

não consigo imaginar que ninguém usa óleo de bronzear,

acho que tem alguns protetores solares que tem um nível

de proteção muito baixa, acho que ela usaria um protetor

desses que tem fator 8 só para dar uma proteção

básica...acho que hoje em dia ninguém ia fazer isso mais,

ainda mais alguém que tem que cuidar da saúde. (C.N. -

41 anos)

A minha irmã que vai à praia todos os dias ela está mais

envelhecida na pele do que eu e a outra minha irmã que

tem um ano só a mais que ela. Ela disse que é o preço que

ela paga. E é. Ela adora passar muito creme, mas ela vai

muito. A cor dela, ela é mais branca do que eu. Hoje em

dia ela é mais escura do que eu de tão queimada do sol e

ela não quer mais perder aquele tom então ela vai sempre.

Hoje ela se lambuza toda de protetor, hoje todo mundo se

preocupa. (M. H – 72 anos).

A gente ficava preta. Aí botava aquelas roupas brancas

coladas, mandava fazer biquínis de várias cores aí ficava

lá tostando. Quer dizer, era uma loucura. O sol naquela

época estava ligado à beleza. À beleza, mas na época a

gente não associava que podia perder a saúde. (M. H – 72

anos).

Os relatos mostraram também que informações sobre o uso de produtos

no corpo para se expor ao sol se modificaram. No Brasil, o primeiro produto com

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filtro solar foi lançado em 1984 pela Johnson & Johnson com a marca Sundown

(Silva, Machado, Rocha e Silva, 2015). Uma entrevistada, referindo-se ao

passado, conta que “não passava filtro solar” e “botava Coca-Cola” como um

recurso para deixar a pele ainda mais “queimada”. Ela lembra que não se sabia

na época que isso poderia prejudicar a saúde. Posteriormente, a expressão “filtro

solar” foi substituído por “protetor solar” e “bloqueador solar” nas embalagens e

na comunicação.

Mesmo que as mulheres entrevistadas indiquem já ter internalizado a

necessidade de uso do protetor solar quando expostas ao sol para prevenir,

principalmente, manchas, envelhecimento e câncer de pele, alguns relatos

sugerem que essa estratégia nem sempre é seguida. Como exemplifica a fala

de J.C. (34 anos), o “medo de ter um câncer de pele” não supera a “preguiça”

por ter que passar e repassar o protetor enquanto se expõe ao sol.

Uma coisa péssima porque a gente não passava filtro solar

(antigamente), eu chegava tirar casca de mim assim e

ficava tudo branco entendeu. E sempre ficava alguma

manchinha daquela época porque naquela época você

botava Coca-Cola. [...] eu ia para o sol e ficava lá com

Coca-Cola queimando. Todo mundo fazia isso [...] mas na

época a gente não associava que podia perder a saúde.

(M. H – 72 anos).

Eu tenho medo de ter um câncer de pele porque realmente

pego sol sem protetor solar. Não vou mentir. Muitas vezes

não passo protetor solar por preguiça porque muitas vezes

ele está na bolsa, passo só um pouquinho e está bom. E

depois não passo de novo ou passo, ou então não passo

na perna, passo só em cima do braço, não passo embaixo.

Então tenho medo do sol de no futuro ter um câncer de

pele. Eu tenho essa consciência. (J.C - 34 anos).

6.2.2 Práticas que se relacionam com intermediários

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Os relatos anteriores trouxeram relações mais íntimas do corpo com o sol,

ainda que tenha já aparecido o protetor solar como um objeto que participa do

dilema entre a exposição ao sol e a evitação ou prevenção. Nessa parte, no

entanto, os objetos e sua materialidade aparecem como centrais na

intermediação entre o consumo do sol e o corpo. A entrevistada A.M (35 anos),

por exemplo, conta que realizou uma viagem de férias para praia com o marido,

mas acabaram guardando na memória uma “péssima recordação” atrelada ao

uso de um “protetor solar vencido” que foi o responsável por deixá-la “queimada”,

“descascando”, “muito vermelha”, “ardida”, “com a canga o tempo inteiro nas

costas”. A compra de um “novo protetor solar” com “um fator super alto” e “na

validade” foi fundamental para que recuperassem o valor do consumo do sol na

viagem de férias.

Outro relato que manifesta a materialidade como intermediária na

recuperação de valor destruído na presença do sol, fala da luz excessiva

provocada pelo astro rei capaz de gerar dificuldades para enxergar. O uso de

objetos como “óculos”, “chapéu”, “guarda sol” são, muitas vezes, recursos

primordiais para a exposição ao sol. A entrevistada J. (50 anos) nos relatou a

sua “sensibilidade a luz muito grande” que pode impedi-la de ir a praia ou mesmo

caminhar na rua em dias ensolarados, sendo importante o uso de objetos

intermediários como óculos e “chapéu” para reduzir a “claridade”.

Em alguns relatos, foram encontrados espaços exercendo o papel de

intermediários importantes para recuperar o valor destruído pelo desconforto

gerado pelo calor excessivo. Locais como shoppings e cinemas são lembrados,

pois possuem recursos como o ar condicionado capaz de recuperar o valor

destruído por um dia de sol com altas temperaturas. Alem disso, esses espaços

refrigerados ou ainda parques ao ar livre são vistos como alternativas para evitar

o elevado custo de energia caso permaneçam em casa ao longo do dia com os

aparelhos de ar condicionado ligados.

As elevadas temperaturas que as entrevistadas experimentam no Rio de

Janeiro (giram em torno de 40°C no verão e sensação térmica que pode ser

superior a 50°C) fizeram com que a entrevistada D.D (59 anos) associasse o “sol

da tarde” que bate em sua casa a um “maçarico” (aparelho usado também na

culinária que envia uma chama produzida por combustão). A entrevistada reside

em um apartamento de cobertura e diz não poder “ficar de ar condicionado o dia

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inteiro”. Como alternativa, usou uma “barraca de sol” dentro da piscina para

amenizar o calor e evitar o gasto de energia com o ar condicionado.

A materialidade também aparece ligada à criação de valor através da

exposição e evitação do consumo do sol. Porém, nesses casos, não são os

objetos os intermediários para a criação de valor, mas sim o sol. Foram

lembradas situações cotidianas que falam dos benefícios do sol para objetos e

outros em que o sol aparece como elemento decisor ou organizador de situações

cotidianas. O relato de J. (50 anos) fala da lógica organizadora da semana e do

fim de semana a partir do sol que é capaz de “ligar uma tomada” na sua rotina.

A. (54 anos) conta que o sol ou a chuva são intermediários importantes na sua

decisão sobre o que vestir ou calçar. M.H. (72 anos) lembra que a criação de

valor diante da exposição ao sol de um objeto pode ser inversa a destruição de

valor reconhecida quando o corpo é submetido por uma longa exposição ao sol.

O sol pode tornar o objeto “saudável” quando elimina fungos de “tudo”.

Minha filha diz que sou a mulher do tempo, todo dia eu vejo

qual tempo que vai estar se eu estiver aqui no Rio ou

viajando. De acordo com um solzinho que aparece, o

tempo, eu me programo. Eu já vi que domingo vai fazer sol

e domingo é o dia que eu vou para praia porque vai fazer

um sol aberto, aquele sol que você vê o azul todo sem uma

nuvem, sem nada, não tem uma nuvem passando [...].

Então contagia, é como se ligasse uma tomadinha em você

e você ficasse diferente. (J. - 50 anos).

Bom, um dia de Sol para mim, quando eu acordo né, tenho

que começar pela manhã né, que eu acordo quatro horas

da manhã e tenho que ver o tempo para ver a roupa.

Porque quando está chuva é tênis, meia, calça comprida e

um casaquinho. Agora quando o tempo ta bom, é o que?

Você olha pro céu. Se o tempo estiver nublado eu já

preparo meia, tênis, tudo. (A. - 54 anos).

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[...] eu adoro sol. Roupa no sol, tudo no sol para tirar fungo

é saudável, é gostoso, é alegre. (M.H. - 72 anos).

6.2.3 Práticas que envolvem interações sociais

O antropólogo brasileiro Gilberto Velho (1999), em seu estudo sobre a

antropologia urbana no Brasil e em Portugal, conta que uma das principais

motivações para que as pessoas frequentassem mais assiduamente as praias

foi a crescente valorização da praia como espaço de sociabilidade. Os achados

desse estudo também indicam que o consumo do sol cria valor a partir de

práticas de socialização com amigos e familiares em ambientes de lazer ao ar

livre. As entrevistadas contam como o dia de sol “favorece” “o encontro”, “as

conversas”, “a risada” “a alegria” de “estar com pessoas” “todas as amigas”, “todo

mundo junto”. Aspectos experienciais do consumo (Holbrook & Hirschman, 1982;

Belk, Wallendorf & Sherry, 1989) também se sobressaem nessa categoria na

medida em que fenômenos importantes como atividades de lazer, prazeres

sensoriais, devaneios e respostas emocionais também estão presentes no

comportamento desse consumidor.

Como são muitos os dias de sol no Rio de Janeiro, os dias de chuva foram

associados, por algumas entrevistadas, como aqueles em que se permitem “ficar

mais em casa” já que “não tem muita disposição para ficar na rua”. Outros relatos

falam da “função social” do sol. Dias de sol motivam happy hour com os amigos

após o trabalho ou reuniões em casa em torno da piscina. Uma entrevistada traz

como exemplo a socialização em família que um dia de sol proporciona quando

pode velejar em ambiente de “paz” e mais privacidade para “conversar” com o

pai.

[...] é mais comum sair e velejar no final de semana quando

o tempo está bom, então quase sempre lembro muito

disso. Aí é o meu momento de paz, eu acho que é diferente

de ir a praia, quando está no barco geralmente é eu e meu

pai, mais uma pessoa ou duas, o motor não fica ligado, fica

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só aquela brisa, vela, a gente toma uma cerveja, 10, 11

horas a gente estipula para... Mais cedo não dá para beber

as cervejas, mas aí come amendoim, conversa, então tem

uma função social, a gente até participa de regata, mas

geralmente é por diversão, então eu associo muito o Sol a

velejar, também na Ilha Grande. (C.N. - 41 anos).

Você vai trabalhar e depois vai pro barzinho com os amigos

quando está um clima mais fresco, quando está sol né. Aí de

repente isso já não acontece quando está chovendo, a

pessoa vai direto para casa ou vai fazer outra coisa, quem

não tem muita disposição para ficar na rua. Tem gente que

não gosta de chuva, de sentir molhado [...] (T. – 21 anos).

A gente se reunia, vamos estudar, ia todo mundo lá para

casa, ficávamos de maiô e tal, daí ficávamos no jardim

tomando sol e ao mesmo tempo estudando. Tinham as

mesinhas lá fora no pátio que minha mãe tem, a gente ficava

sentado ali, estudava um pouco, deitava um pouco, tinha

uma piscina, a gente se molhava [...] (H.C – 61 anos).

Ao mesmo tempo em que o sol possui uma associação positiva quando

possibilita práticas que criam valor a partir de experiências de socialização com

exposição ao sol, alguns relatos contam experiências em que a presença do sol

pode destruir valor. Os constantes dias de sol do Rio de Janeiro podem ter como

consequência associações negativas com o sol. Algumas entrevistadas relatam

que se sentem “pressionadas” ou “obrigadas” a gostar e preferir os dias de sol.

Visto de outra forma, os dias de sol trazem a “pressão” de parecer “feliz”, “alegre”,

“sair para se divertir” e de “estar com um monte de gente” que são sentimentos

e comportamentos associados ao carnaval de rua brasileiro.

[...] eu sempre gostei de fazer as coisas opostas, se está Sol

demais eu gosto de ir ao cinema com ar condicionado, não

tem nada a ver por eu queimar muito fácil, é mais uma coisa

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de expectativa, o Sol, a praia, aquela alegria toda, meio

carnaval, tudo isso junto é uma pressão de que você tem

que se divertir, que tudo está bem, maravilhoso, e a maioria

das pessoas entram nesse clima, eu não, porque tem

sempre alguma outra coisa que eu estou pensando. (C.N. -

41 anos).

Uma das minhas músicas preferidas é o “Dia Branco” de

Geraldo Azevedo porque eu sempre [...] gostei do dia

branco, os dias que a gente não vê Sol, não precisa estar

chovendo, mas mais friozinho, sem muito Sol. Aqueles dias

que você não sente aquela obrigação de ser feliz, de estar

com um monte de gente. Eu gosto desses dias mais

incógnitos, eu acho que tem a ver com o humor da gente,

mas eu sempre tive esse problema com o Sol. (C.N. - 41

anos).

Mesmo que C.N. (41 anos) traga como música preferida aquela que fala

de um dia sem sol (Azevedo, 1996), outra música de sucesso fala justamente o

contrário, ou seja, “cariocas não gostam de dias nublados” (Calcanhoto, 1994)

ideia repetida constantemente pela mídia em geral. A fala de J. (50 anos) a seguir

reflete o “duelo infernal” que é gostar dos dias de chuva que podem ser mais

“reflexivos” e produtivos para estudar versus gostar dos dias de sol para o lazer

ou não se divertir em dias de sol que pode significar “perder uma parte da vida”.

Para mim são dias reflexivos (nublados), você fica muito

introspectiva em qualquer lugar. Eu gosto de chuva [...]. Aqui

no Rio são os dias que eu estudo mais, quando tem chuva,

porque quando está com sol, eu começo a estudar e que

vontade de ir para praia. Aqui tem a questão do mar [...] aqui

mesmo (no Rio) passei a caminhar porque eu ficava nesse

duelo infernal, não me concentrava e eu tinha a impressão

de que eu perdi uma parte da minha vida naquele dia porque

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eu não fui caminhar na praia, não fui andar no parque. (J. -

50 anos).

Essa categoria temática mostra como é importante analisar o valor do

consumo também no sentido semiótico (Karababa & Kjeldgaard, 2013). Ou seja,

significados culturais do sol que são mediados pelo consumo e constantemente

reconstruídos por diversos atores. A construção cultural do sol, sempre positiva,

acaba por trazer ao consumidor essa “pressão” e “obrigação” de fazer algo,

sugerindo que o mercado está situado em um contexto institucional e sócio-

histórico relevante para as pesquisas no campo do comportamento do

consumidor (Peñaloza & Venkatesh, 2006; Venkatesh, Peñaloza & Firat, 2006).

6.2.4 Discussão

Os achados desse estudo possibilitaram observar que práticas trabalham

em conjunto e funcionam como engrenagens em um processo de criação e

destruição de valor mesmo em um contexto de onipresença, ou seja, onde as

pessoas possuem menos liberdade de escolher se querem ou não a exposição

ou evitação desse contato. Nessa situação, as experiências trazidas mostram

que as pessoas decidem sobre as práticas que lhes trazem mais benefício

(valor), como também entendem que estão sujeitos a práticas que podem

destruir valor. Exemplificando, as práticas de consumo do sol que se relacionam

como corpo podem gerar destruição de valor quando entendem que a exposição

ao sol pode provocar manchas, envelhecimento e câncer de pele. Em práticas

onde intermediários desempenham papel central, o valor é criado quando o sol

percebido como um benefício para objetos ou para a organização de rotinas. A

destruição valor, nesse caso, pode acontecer quando existem problemas com

intermediários que são importantes para a experiência de consumo como, por

exemplo, o uso de protetor solar vencido, a falta de óculos escuros para pessoas

sensíveis à claridade do sol ou o alto custo de energia do ar condicionado em

épocas de muito calor. Os dias de sol convidam a sair de casa e encontrar

pessoas, mas também podem representar obrigações e pressões para

socialização quando as pessoas buscam experiências mais introspectivas ou

possuem responsabilidades e compromissos prioritários.

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A Figura 6 sintetiza os achados desse estudo. A representação reúne

práticas que trabalham juntas e se dirigem umas às outras. Nessa

representação, é possível observar que essa pesquisa não se limitou a analisar

práticas que envolvem criação de valor, como é o foco da pesquisa de Schau,

Muñiz e Arnould (2009). Inspirados nos achados no campo de serviços

(Echeverri & Skålén, 2011) foi possível observar como práticas no contexto do

consumo do sol podem levar também à destruição de valor. A figura 6 mostra

que práticas que experimentam diferentes valores são combinadas de maneira

complexa dando origem a criação e ou destruição de valor para o consumidor.

Figura 6: Processo de Criação e Destruição de Valor em Práticas de

Consumo do Sol

7. Discussão Final

Práticas que se relacionam com o corpo

• Prevenção

• Beleza

• Manchas

• Câncer de Pele

• Envelhecimento

Práticas que se relacionam com intermediários

• Organização

• Limpeza

• Problemas

• Indisponibilidade

• Gastos de Energia

Práticas que envolvem interações sociais

• Socialização

• Lazer

• Isolamento

• Desconcentrar

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O objetivo dessa pesquisa foi compreender como valores podem ser

criados e destruídos a partir de práticas presentes no consumo do sol, um

contexto onipresente na vida do indivíduo. Para alcançar esse objetivo, foram

realizados dois estudos: um estudo inicial exploratório que analisou propagandas

de protetor solar e um estudo principal com a análise de entrevistas com

mulheres residentes da cidade do Rio de Janeiro. Esses estudos deram origem

à construção de um modelo conceitual que está representadona Figura 7.

A Teoria da Prática pontua que práticas são formadas por objetos, fazeres

e significados (Maggauda, 2009). Quando objetos, fazeres e significados estão

alinhados e em harmonia, podemos supor que a prática criará valor para o

consumidor. Por sua vez, quando algum desses elementos não estiver alinhado,

a prática poderá ser responsável pelo processo de destruição de valor. Os

objetos funcionam como facilitadores (Orlikowski, 2000) para a execução de

diferentes práticas, ou seja, os objetos são recursos para que as pessoas

alcancem seus objetivos. Por sua vez, os fazeres fornecem competências, ou

seja, conhecimentos e habilidades (Shove&Pantzar, 2005; Schau,

Muñiz&Arnould, 2009) que vão sendo adquiridos na medida em que as pessoas

desempenham suas práticas. Finalmente, os significados funcionam como

esquemas interpretativos (Orlikowski, 2000), agindo como regras que refletem o

conhecimento sobre algo a se fazer.

Vejamos alguns exemplos que surgiram ao longo dessa pesquisa onde

práticas de criação e destruição de valor trabalharam em conjunto. Uma das

entrevistadas relata sua experiência com um protetor solar vencido em viagem

de lazer em que ficaram marcadas em sua memória as consequências negativas

do seu uso – queimaduras na pele. O objeto facilitador do consumo do sol não

desempenhou sua função, provocou um desalinhamento e consequentemente

destruiu valor.

Em outro exemplo, uma entrevistada descreve situações em que a

ausência do sol é preferida já que a sua presença pode exercer pressões e

obrigações sociais indesejadas, o que contrasta com significados positivos do

sol presentes nos textos culturais de protetores analisados, em algumas letras

de músicas levantadas e também na história que nos fala do papel positivo do

sol na vida das pessoas. Existe, no caso dessa entrevistada, um desalinhamento

entre o esquema interpretativo construído por ela, em que obrigações

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indesejadas se associam ao dia de sol, e as atividades que ela de fato deseja

desempenhar e que são mais introspectivas e solitárias e que, portanto,

acontecem sem o sol.

Os fazeres também podem passar por desalinhamentos. Relatos mostram

que conhecimentos adquiridos sobre a necessidade de uso do protetor solar e o

medo de doenças que podem ser originadas do não uso e/ou do consumo

excessivo do sol, não são suficientes para que o protetor solar passe a fazer

parte da rotina da respondente. As entrevistadas associam o uso do protetor à

preguiça ou algo repetitivo e cansativo. Nesses exemplos, competências se

tornam desalinhadas, o que dá origem a práticas de consumo do sol que podem

destruir valor

Os dois estudos consolidados permitiram propor o modelo conceitual de

criação e destruição de valor representado na figura 7 a seguir.

Figura 7: Modelo Conceitual de Criação e Destruição de Valor em Práticas de

Consumo

O modelo conceitual proposto por essa pesquisa (Figura 7) sugere que os

significados, fazeres e objetos podem estar em desalinhamento uma vez que

existem representações do consumo do sol, geradas tanto pela história da

relação do indivíduo com o sol (Keesling & Friedman, 1987; Souza, Fischer & de

Souza, 2004; Silva, Machado, Askegaard, 2010; Rocha e Silva, 2015), como por

representações retratas na literatura referente à cidade do Rio de Janeiro (Velho,

1999; Goldenberg, 2007; Gontijo, 2007; Penna, 2016) e nas propagandas de

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protetor solar (Estudo 1), que diferem da vontade do consumidor para

determinado momento ou situação.

Principais Contribuições da Pesquisa

Esse estudo, que usou como principal lente teórica a Teoria da Prática

(Schatzki, 2001; Reckwitz, 2002; Warde, 2005), contribui de diferentes maneiras

para as pesquisas em comportamento do consumidor e, mais especificamente,

para os estudos que se inserem na perspectiva da CCT.

Esse trabalho explora um conceito até então marginalizado pela literatura

do campo, caracterizando a destruição de valor como um processo que também

pode ser resultado de práticas de consumo. Na seção anterior, apresentou-se

um modelo conceitual para os estudos de valor capaz de considerar tanto o

processo de criação de valor, com suas características positivas, quanto o de

destruição, com suas peculiaridades negativas. Vimos que quando ocorre o

desalinhamento de práticas de consumo, o consumidor se vê em uma situação

não esperada e precisa lidar com resultados que podem não ser positivos.

O modelo conceitual proposto (figura7) pode ser adotado para

compreender como valores podem ser criados e destruídos em práticas de

consumo. Esse trabalho também contribui para a articulação, em nível empírico,

de ideias e categorias desenvolvidas em diferentes estudos que abordaram tanto

a Teoria da Prática quanto os processos de criação e destruição de valor. Desta

forma, a prática se apresentacomo uma unidade de análise que envolve

diferentes componentes (objetos, fazeres e significados) que se relacionam entre

si (por meio de facilitadores, competências e esquemas interpretativos). Os

achados mostram que essas práticas podem gerar resultados positivos, na

medida em que seus componentes encontram-se alinhados (criação de valor),

ou resultados negativos, na medida em que se encontrem desalinhados

(destruição de valor)

Além das contribuições do modelo proposto, essa pesquisa avança nos

estudos encontrados e que discutem a co-destruição de valor no campo de

serviços (Plé&Chumpitaz Cáceres, 2010; Echeverri&Skålén, 2011 e Smith,

2013). Os achados sugerem que existem práticas que levam à destruição de

valor sem que haja interação colaborativa entre provedores e consumidores. Se

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por um lado a co-destruição reforça a existência de um desalinhamento entre

pelo menos um dos diferentes elementos do sistema de serviços, algumas

experiências aqui relatadas mostram que o desalinhamento pode ocorrer

também fora do contexto característico de serviços.

Essa pesquisa também corrobora com o estudo de Shove e Pantzar

(2005), ao identificar que diferentes atores estarão envolvidos no processo de

constituir e reproduzir práticas que levem a criação de valor. No entanto, o estudo

de Shove e Pantzar (2005) não contempla destruição de valor. Múltiplos atores,

tais como consumidores, empresas, mídia, Estado e comunidades de marca que

operam em um mesmo mercado, precisam ser analisados em estudos que

envolvem tanto práticas de criação quanto de destruição de valor. A realização

da análise de texto cultural em propagandas de protetor solar e o levantamento

de dados históricos sobre a relação dos indivíduos com o sol mostraram

diferentes representações da pele bronzeada ao longo do tempo. Além disso,

aspectos legais que confundem, no Brasil, a classificação do protetor solar como

medicamento ou cosmético também são exemplos de como a multiplicidade de

atores em torno da prática de consumo do sol pode contribuir nesse processo de

criação e destruição de valor.

Vargo e Lush (2004) propõem uma nova lógica para o marketing onde os

consumidores assumem uma parte importante e crescente na criação de valor,

ao mesmo tempo em que as empresas, as quais historicamente era atribuído o

quase monopólio na criação de valor, perdem espaço para os consumidores.

Eles assumem papel mais protagonista e têm o apoio da tecnologia de

comunicação e do compartilhamento de informações. Compreender a criação e

destruição de valor nas diferentes experiências e relações de consumo é algo

ainda mais valioso para a pesquisa e para prática do marketing. As propostas ou

equações das proposições de valor das empresas parecem difusas uma vez que

diferentes grupos de consumidores em diversas categorias de produtos e

serviços possuem participação mais atuante nessa transição ou, em outras

palavras, participam mais ativamente da criação ou destruição de valor.

Defende-se aqui que novas lentes dentro de perspectivas sócio-culturais,

como a Teoria da Prática, são importantes para conhecer os processos de

mudança ou novas forças dos consumidores que são capazes, por exemplo, de

resistir às forças de mercado ou mesmo destruir proposições de valor trazidas

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pelo mercado.A área de conhecimento precisa de novas lentes que

integremconsumidores, produtores e outros atores como as diferentes mídias

que podem apoiar tanto a construção quanto a destruição de valor nas práticas

de consumo.

A Teoria da Prática, nesse estudo, permitiu identificar três conjuntos de

práticas de criação e destruição de valor: (1) práticas que se relacionam com o

corpo; (2) práticas que se relacionam com um intermediário e; (3) práticas que

envolvem interações sociais. Esses conjuntos forneceram uma base para

compreensão e teorização quanto aos aspectos positivos e negativos em torno

de valor já que trabalham com uma perspectiva não encontrada nos estudos de

valor em cultura e consumo. Os estudos de marketing de serviços falam da

destruição de valor interacional, ou seja, quando envolve interação entre

consumidores e empresas ou outros elementos do sistema de serviços. No

entanto, esse estudo identifica novo olhar para valor ao mostrar que a destruição

também pode ser resultado de práticas cotidianas.

Em síntese, a utilização de perspectivas mais abrangentes no estudo de

valor contribui para uma nova visão sobre valor. A Teoria da Prática nos foi útil

para apresentar um valor originado de uma interação que nem é o valor objetivo

de que os economistas falam, nem o valor subjetivo como associam os

psicólogos e nem o valor sempre positivo, como a literatura de valor em

comportamento do consumidor. Nessa visão, valor não reside em um indivíduo

independente de suas ações e nem em um bem independente da ação a qual

ele é submetido. O valor residirá nas ações e interações onde objetos,

significados e fazeres têm a função de facilitar, tornar possível, apoiar o consumo

(Arnould, 2013), mas, também, como identificado no campo, podem funcionar

como barreiras que levam à destruição de valor.

A característica de onipresença encontrada no contexto do consumo do

solpermitiu que fossem identificados e analisados simultaneamente processos

tanto de criação quanto de destruição de valor já que o consumidor não pode

controlar a presença do sol.A escolha da cidade Rio de Janeiro,com períodos

mais intensos de calor e sol,quando comparada a outras cidades do Brasil e do

mundo, também contribuiu para que as entrevistadas trouxessem exemplos que

falavam simultaneamente de práticas que criam e destroem

valor.Historicamente, a relação do indivíduo com o sol demonstra a existência

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de um regime de valor positivo dominante, possivelmente pela pouca

flexibilidade para evitarmos o sol. Com a descoberta e o avanço dos estudos de

câncer de pele, o aumento da preocupação fez com que as pessoas

desenvolvessem mais práticas de prevenção e até mesmo de evitação do sol.

Comoo consumo ligado ou dependente da natureza também tem sido pouco

contemplado na área de conhecimento, a escolha desse contexto também pode

ser vista como uma contribuição para os estudos de consumo.

Esse estudo também contribui para a discussão de processos de criação

e destruição de valor como algo que pode ser objetivo ou circunstancial. Os

achados dessa pesquisa sugerem que enquanto a criação de valor se assemelha

a um processo objetivo, em que o consumidor antecipadamente já espera

determinado resultado, a destruição de valor pode se caracterizar por questões

circunstanciais, ou seja, quando durante o processo de criação de valor,

acontece algo inesperado na relação de consumo que foge do que havia sido

programado.

Implicações Gerenciais

Compreender o valor para o cliente e o seu processo de criação é uma

importante preocupação das empresas e, também, um diferencial competitivo.

Os achados oferecem uma nova perspectiva aos profissionais para compreender

que consequências desfavoráveis e indesejáveis, que levam à destruição de

valor, podem acontecer em experiências de consumo. O processo de destruição

de valor pode ser desencadeado por uma variedade de motivos, inclusive em

momentos em que o consumidor e a empresa não estão se relacionando

diretamente. As empresas podem oferecer aos clientes mais oportunidades para

que consumidores possam tanto criar valor em suas experiências de consumo

(Shau, Muñiz & Arnould, 2009), quanto minimizar a destruição de valor em

situações indesejáveis.

Pesquisas que identifiquem processos de criação e destruição de valor

podem ser aplicadas a outros contextos já que é possível identificar a crescente

participação do cliente em todas as etapas do processo de consumo.

Delimitações e Oportunidades Futuras

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Esse trabalho, que se insere em uma perspectiva microssocial, possui

diversas delimitações como, por exemplo, o uso da lente teórica da Teoria da

Prática, o contexto do consumo do sol, a localização em apenas uma cidade e o

seu foco em mulheres. Dessa forma, abre diversas avenidas para outros estudos

de consumo, com destaque para estudos que envolvam práticas de destruição

de valor.

Como uma lente teórica alternativa, sugere-se o uso da Assemblage

(Latour, 2005; DeLanda, 2006; Arsel, 2016), que pode trazer revelações

interessantes tanto para a criação e destruição de valor quanto para o papel do

sol nessa interação. Diferente da Teoria da Prática, na Assemblage, a unidade

de análise será a rede de relacionamento composta por diferentes atores e suas

conexões em que o humano passa a ser um elemento dentre vários outros que

compõe a rede. Tanto o sol quanto os protetores e outros objetos de consumo

assumem papéis de atores, assim como os consumidores. A posição do sol

como um ator se considerarmos as relações em uma rede, pode trazer

discussões interessantes na medida em que nos permite enxergá-lo como um

agente na relação de consumo como, por exemplo, quando queima a pele ou

pressiona as pessoas a saírem de suas casas para socializar. Assim, o uso de

diferentes lentes teóricas pode trazer informações novas ou complementares

para compreender criação e destruição de valor já que a utilização da Teoria da

Prática, que coloca o consumidor como um portador da prática, pode ocultar o

papel do sol como um dos atores relevantes nessa relação e não apenas como

um contexto.

Outras oportunidades de pesquisa surgem ao considerarmos as

narrativas construídas nesse estudo em relação ao contexto do sol. Essas

narrativas se diferem daquelas identificadas em estudos anteriores e que

analisaram a relação dos indivíduos com a natureza (Arnould & Price, 1993;

Thompson, 2004; Scholz, 2012, Canniford & Shankar, 2013). Foi possível

observar que essas pesquisas anteriores trouxeram narrativas que envolvem

discursos românticos e discursos utilitários. Porém, nos achados de campo

desse trabalho, identificamos a coexistência de discursos de submissão e de

poder que não podem ser ignorados. Seria interessante explorar como a

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natureza pode tanto contribuir quanto ser um obstáculo para o processo de

criação de valor.

Outros estudos podem buscar compreender a destruição de valor em

outras situações de consumo como, por exemplo, o trabalho em comunidades

de marca (Shau, Muñiz & Arnould, 2009) que se limitou analisar a criação de

valor. Em outro exemplo, pesquisas anteriores sugerem que a circulação de

objetos em uma rede de relacionamento (geocaching) tem a capacidade de criar

valor (Figueiredo &Scaraboto, 2016), porém, o campo poderia se beneficiar

também da análise de ações que poderiam levar à destruição de valor.

Quanto à escolha de mulheres, sabe-se que elas possuem uma relação

própria com o corpo, com a sociabilidade e com possíveis intermediários

envolvidos no consumo, diferente da relação construída por outras categorias de

gênero. Sendo assim, realizar uma pesquisa para compreender como ocorre o

processo de destruição de valor do consumo do sol em outras categorias de

gênero, também pode trazer informações interessantes.

Por fim, as sugestões de pesquisas futuras ilustram e reforçam o principal

achado desse estudo que faz uma crítica à pesquisa de viés abertamente

positivo sobre o valor nos estudos de consumo. Esse trabalho conseguiu

mostrar, com base em dados empíricos, que o valor não é apenas algo que é

criado, mas também pode ser destruído, o que modifica a predominante visão

da criação de valor como único resultado possível durante as interações entre

provedor e cliente assim como também em práticas de consumo cotidianas.

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9. Anexos

9.1 Anexo 1: Exemplos das Propagandas Analisadas

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Figura 6: Campanha Avon Sun + - Protetor Solar FPS 30 – 2014

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Figura 7: Cenoura & Bronze

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Figura 8: Campanha Sundown 2007

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9.2 Anexo 2: Roteiro de Entrevistas

9.2.1 Roteiro de Entrevista- Versão 1

Essa é uma entrevista para uma pesquisa sobre consumo, mas será bem informal, como se fosse uma conversa mesmo. Nome: Idade: Profissão: Estado Civil: Filhos: A palavra natureza te lembra o que? Por que? (cada resposta tem que ser acompanhada de por que? Me explica melhor) Quando eu falo a palavra sol, o que vem a sua cabeça? (cada resposta tem que ser acompanhada de por que? Me explica melhor) O que mais? Me explica porque você fez essa associação. O que mais? - O que é então o sol pra você? - Quais recordações o sol te trás? Só boas? Ou Só más? - Se a gente tivesse uma linha e de um lado estivesse o sinal positivo e do outro o sinal negativo, onde estaria o sol pra você? O que você mais gosta de fazer fora da sua casa, ao ar livre?

- Qual é o seu lazer preferido ao ar livre? - Lazer? Entretenimento? Esporte? Viagem? Exercício físico? Praia? - Conte-me sobre um final de semana típico para você no verão. - E no inverno, muda? E em dias nublados? - O que fez nas suas últimas férias? Projetiva pele branca x bronzeada na praia

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- Pra você, como a primeira cuida da pele? O QUE ELA COMPRA? - Pra você, como a segunda cuida da pele? O QUE ELA COMPRA? E você? Como cuida da sua pele? Você costuma se proteger do sol? Como? - Práticas atuais:

- Quais produtos costuma usar? Diariamente? - Que tipo de benefício você espera deles? - E quando está ao sol? O que você usa/passa? - Além do protetor solar, você usa alguma outra coisa para se proteger?

O que? - Você costuma consumir alguma coisa quando está ao sol? Bebidas /

Comidas

- Práticas anteriores: - Como você cuidava da sua pele mais nova? - Mudou em relação à hoje? - A que você atribui essa mudança? - Como sua mãe cuida/cuidava da pele? - Tem alguma semelhança/diferença?

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9.2.2 Roteiro de Entrevista - Versão 2

Bom dia. Eu sou estudante de doutorado do Coppead/ UFRJ e estou fazendo uma tese sobre práticas de consumo. Ao longo da nossa conversa, vou fazer diversas perguntas e ainda que algumas possam parecer óbvias são muito importantes para mim. Meu principal interesse aqui é que você relate a o que acontece no seu dia a dia . Não existe resposta certa ou errada.Você se importa se eu gravar nossa conversa? Irá me ajudar a guardar tudo o que você me falar sem eu ter que ficar me preocupando em anotar. A conversa será informal e a sua identidade será preservada, assim como o anonimato das suas respostas.Alguma dúvida? Podemos continuar?

Apresentação

Para começar, gostaria que você se apresentasse: Como se chama? Quantos anos? Profissão? Onde mora? Estado Civil?

História de vida e Rotina do Entrevistado (doings)

Vamos começar falando sobre você. Fale-me um pouco do seu lazer na infância. O que você costumava fazer durante a semana? E finais de semana? E nas férias? E na adolescência? E atualmente? Conte-me a sua rotina. Como é a sua semana? E os seus finais de semana? Conte-me sobre um final de semana seu. O que você gosta de fazer? Com que frequência você faz isso? Por quê? O que você fez no último final de semana? (se não fez muita coisa, perguntar do anterior) Saiu ou ficou em casa? Se saiu, foi para onde? Fez o quê? Sozinha ouacompanhada? Se ficou em casa, o que fez?

E nas suas férias? O que gosta de fazer? Como foram suas últimas férias? Que época foi? Para onde foi? O que fez por lá?

E no verão? O que gosta de fazer? Como foi o último verão? E no inverno? O que gosta de fazer?

Meanings - Projetivas

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Quando eu mostro essa imagem o que vem a sua cabeça? E essa?

Qual imagem você gosta mais? Por quê? Explique-me melhor.

Se escolher sol: Pensa que você mora em um lugar que faz sol quase todos os dias:

Como você se sentiria? Por quê? O que você faria nos momentos de lazer? Você gosta de fazer isso? Com que frequência você faz isso? O que mais você gosta de fazer em dias de sol? PRA QUEM ESCOLHEU O SOL, EXPLORAR O NUBLADO DEPOIS Se escolher nublado: Pensa que você mora em um lugar que nunca faz sol: Como você se sentiria? Por quê? O que você faria nos momentos de lazer? Você gosta de fazer isso? Com que frequência você faz isso? O que mais você gosta de fazer em dias sem sol? PRA QUEM ESCOLHEU O NUBLADO, EXPLORAR O SOL DEPOIS Agora (mostrando a figura) você deve dar uma nota de zero a dez aos dias de sol. Onde você colocaria a nota? Explorar a localização escolhida. Por que você colocou aqui? O que você pensou na hora em que escolheu esse lugar?

E se eu pedisse pra você colocar uma nota para os dias sem sol? Onde estaria?

Por que você colocou aí? O que você pensou na hora em que escolheu esse lugar?

Para você, o que significam os dias de sol? Por quê? E os dias sem sol? Por quê? “Cariocas não gostam de dias nublados” – Adriana Calcanhoto O que você me diz dessa afirmação? Por quê? Você concorda ou discorda dessa frase? E você? O que você acha de dias nublados? Agora vou te mostrar uma imagem e gostaria que você me falasse o que vem a sua cabeça.

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Qual a diferença entre os dois momentos? O que você imagina que está acontecendo no momento 1 (antes)? Por que? Pontos positivos em estar branca? Negativos? O que mudou no momento 2? Pontos positivos em ela estar bronzeada? Negativos? Em qual dos dois momentos você acha que ela está mais bonita? Por quê? Você acha que as pessoas em geral pensam como você sobre essa estética (branca ou bronzeada)? Por quê?

Objects Pense em um dia de sol: Quais produtos você costuma usar na sua rotina semanal? Produtos de beleza? Saúde? Vestuário? Qual a frequência de uso? Como você se protege do sol? O que você usa/passa? Com que frequência? Como é a sua alimentação nesses dias? E no inverno? Quais produtos você utiliza? Como é a sua alimentação nesses dias? E em dias nublados? Você utiliza esses produtos? Mais algum produto que ainda não foi citado?Como é a sua alimentação nesses dias? Quando você viaja de férias para lugar de sol, quais produtos não podem faltar na mala? Existe algum produto que você leva para as férias, mas que não tem o costume de usar por aqui? Por quê? Resgatando um pouco na sua memória O que você lembra que não foi bom na sua experiência com o sol no passado? O que não é bom agora? E o futuro? Como você enxerga a sua relação com o sol? Tem mais alguma coisa que eu não perguntei e que você gostaria de falar?