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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Soares, Hugo Rafael Transições, volume I : das trevas a luz / Hugo Rafael Soares. -- 1. ed. -- São Paulo : Ícone, 2014. -- (Coleção Ícone jovem / coordenação editorial Sèlene D`Aquitaine)

ISBN 978-85-274-1225-4

1. Ficção - Literatura juvenil I. D`Aquitaine, Sèlene. II. Título. III. Série.

12-14037 CDD-028.5

Índices para catálogo sistemático:

1. Ficção : Literatura juvenil 028.5

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1ª ediçãoSão Paulo

2014

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© Copyright 2014 Ícone Editora Ltda.

Transições Volume 1 Das Trevas à Luz

Coordenação editorial da Coleção Ícone JovemSèlene D’Aquitaine (Adriana Barbosa Ferreira)

Projeto gráfico, capa e diagramaçãoRichard Veiga

RevisãoJuliana Biggi

Proibida a reprodução total ou parcial desta obra, de qualquer forma ou meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, sem permissão expressa do editor (Lei nº 9.610/98).

Todos os direitos reservados à:ÍCONE EDITORA LTDA.Rua Anhanguera, 56 – Barra Funda CEP 01135 ‑000 – São Paulo – SP Tel./Fax.: (11) 3392 ‑[email protected]

Ícone JovemColeção

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Para Dina Thereza e Abílio Rafael,Enildinha e Flávio Augusto,

e Bella.

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Capítulo 1. Transições, 9

Capítulo 2. A Mensageira Desastrada, 17

Capítulo 3. Verdades e Revelações, 25

Capítulo 4. As Pétalas de um Belo Jardim, 32

Capítulo 5. O Resgate, a Sereia e o Centauro, 43

Capítulo 6. Três Horrendas Irmãs, 69

Capítulo 7. Lua Minguante, o Começo do Treinamento, 79

Capítulo 8. A Viagem aos Sonhos de Jeanne, 106

Capítulo 9. No Castelo, 118

Capítulo 10. Individualidade Positiva, 138

Capítulo 11. O Usurpador de Vidas, 165

Capítulo 12. Memórias e Festividades, 193

Capítulo 13. Uivos Sombrios da Noite, 220

Capítulo 14. A Chave do Limbo, 255

Capítulo 15. Queimaduras que Curam, Águas que Queimam, 294

Capítulo 16. Cartografia Perniciosa, Bendita Caligrafia, 328

Capítulo 17. Lapidando o Diamante Negro, 363

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sol estava nascendo, e as estrelas iam sumindo lentamente do céu. No alto dos picos o gelo refletia os primeiros raios de sol que eram

lançados sobre aquele vale. As árvores preguiçosamente iam acordando e as flores se desabrochando. O rio ficara agitado, os peixes procuravam alimento, tornavam‑se alimento das águias, falcões e harpias. As abelhas logo batiam suas asas voando na direção das belas flores escondidas atrás de troncos, borboletas graciosamente dançavam trançando coloridos espirais invisíveis dançantes. De uma toca bem escondida uma raposa se esgueirou colocando sua cabeça para fora a vigiar se havia algum predador, fosse bestial ou racional. Por duas vezes verificou se o perigo era iminente, quando não é? Passado algum tempo voltou com uma presa na boca e, largando‑a no chão, fez um gesto com a cabeça. No mesmo instante um trio vulpino saltou para fora da toca saciando a fome. A mãe observou atentamente enquanto a presa era degustada. Rasgou‑se o silêncio preocupante das mordidas, poderia ter sido um galho quebrando‑se. Antes que a raposa olhasse para os filhotes eles já haviam corrido para dentro da toca, sorrateira recolheu o resto da presa enfiando‑se o mais rápido possível dentro da toca.

Um homem rústico e de aparência mal‑humorada apontava uma arma ao nada, arfava com olhos arregalados, de leve andou aos cuidados de afugentar a presa, fez um gesto com a mão como se estivesse chamando alguém. Atrás do homem, saltando um tronco, surgiu um cão perdigueiro, que correu silencio‑samente até o dono e começou a farejar. Dentro da toca a raposa apertava‑se

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maternalmente à sua prole, temendo o pior empurrou seus filhotes para o canto mais profundo, quiçá seguro. Extrema fúria rugiu, abocanhando os ares, apresentando as pontiagudas presas ferozes.

— Seu cachorro velho, não vê que aí não tem nada?! — puxando a corrente presa na coleira, o dono retirou o cachorro da entrada da toca, pensando que pelo tempo que ficara latindo e nada acontecera não havia raposas ali. — Sai daí!

Relutante o cão quis demonstrar sucesso ao seu dono, o qual jamais seria capaz de reconhecê‑lo. Num gesto humano, suspirou aliviada ao constatar que o perigo se fora, os seus filhotes a imitaram ainda assustados. Fez careta para eles, voltaram correndo para dentro da toca. Sentada, a raposa olhou para cima e observou um esquilo, que por ali estava passando, pensativa no que acabara de acontecer.

Outra vez mais mal‑humorado o dono do cachorro o amarrou perto de sua casinha, fazendo questão de lhe repreender com maus dizeres, entrou resmun‑gando na sua casa, pobre porta esmurrada fora. Ouviu‑se gritos e estardalhaços, maldizendo o tristonho cão, o velho senhor anunciou um castigo seguido de maus‑tratos. Visto que além da cerca havia outro rancho, na varanda duma casa vermelha, um rapaz de quinze ou dezesseis anos estava sentando pensativo. Inconscientemente olhou para o lado e viu entre a cerca os olhos pesarosos do cão, que pousara sua cabeça entre as patas. O rapaz pareceu irritado com aquela cena um tanto deprimente, de um salto saíra do último degrau, subindo assim dois, entrou atravessando um corredor indo até a ampla cozinha arejada, sentou‑se numa das doze cadeiras, brumas apetitosas dançavam sob as panelas fazendo o estômago diminuir‑se em fome.

— Algum problema rapazote? — perguntou a avó sem se virar, picava alguns legumes habilmente.

— Francamente, não gosto deste vizinho. — empertigou‑se na cadeira.— Tenho comigo que não você não é o único. O velho Nunes… Só faz

tratar outrem ríspida e friamente, ninguém além de sua irmã escapa de suas grosserias. — os seus olhos se estreitaram observando o além‑cerca — Logo aquele velho rabugento terá o que merece… Não há justificativa para a mal‑dade, tendo isto em vista, nada será capaz de perturbar a justiça. — terminou em tom solene.

O cabelo acaju da avó estava preso num coque cerimonial, o avental florido impedia que os fugitivos resíduos crepitantes maculassem sua vestimenta, simples, contudo digna. Irrequieto com a injustiça momentânea, num súbito saltou, antes de irromper aos fundos virou‑se, indagando displicente:

— Vó Rosa, por onde anda o Vô Gabriel?

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— Como sempre… Cuidando do jardim. — retorquiu risonha, parou por um instante, aquela displicência lembrava‑lhe uma dor incurável, a presença de seu neto a fazia crer numa nova esperança, como uma luminescência nascendo em meio às cinzas do caos, afinal, não custava nada crer.

Ao transpor os fundos iluminados, o rapaz avistou o avô abaixado junto a algumas flores, resmungando irritado “Mas será possível?!” Pensou: “Hoje reina o mau humor”. Era iminente que não estavam em seus lugares as certezas da normalidade, o velho homem também vestia um avental que por sua vez era em tom pastel e bem sujo de terra, ao seu lado semienterrados entre as gramináceas seus utensílios de jardinagem. Sua voz era em um tom nervoso e apreensivo.

— Entendido, compreendo… — continuou com vocábulos inaudíveis, em seguida concluiu: — Não quero correr mais riscos…

— Vovô? Com quem está falando? — aproximando‑se agilmente curioso, indagou o rapaz com um ar desconfiado. O velho homem deu um salto caindo de costas, riu sem graça, esticou um braço para trás. Logo enfiou um dedo na boca, soprou em seguida, como se houvesse sido picado por um espinho protetor.

— Ué, conversando? — olhou para os lados, preocupado. — Quem eu? Nada! Impressão sua…

— Pois a minha impressão foi em alto e bom som. Vamos diga‑me, Vô, por que não quer correr mais riscos?

— Estava anotando mentalmente para não deixar de usar as luvas de novo. Sabe? Estava só podando uns galinhos e retirando algumas raízes, estou esquecido ultimamente.

— Além de esquecido, está falando sozinho… — riu‑se.— Oras seu! — não pôde deixar de rir. — Não estou tão velho assim…

Setenta é só o começo, acredite.— Eu acredito Seu Gabriel. Quer ajuda? — ajoelhou‑se ao lado do avô.— O que foi isto?!Um ser se mexera por detrás das flores esgueirando‑se por detrás da cerca

viva. O velho jardineiro, fingido‑se de inexperiente, tramou novamente que não tinha ouvido, arrematando com um resmungo que deveria significar “Deve ser qualquer bichinho sem importância”. Para o rapaz, parecia ser um caxinguelê, como um daqueles que você acabara de ver dentro do vale.

Ocupou toda a manhã ajudando o avô com o jardim, a horta, a grama e ouvindo histórias sobre sua mocidade. Sentaram‑se no fundo da casa rancheira, em cadeiras trançadas, de estofado macio, era um dia quente.

— Sabe, filho, já houve um tempo em que a paz era a companheira dos homens, e agora estão em guerra constante com os animais, plantas…

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A poluição, o desmatamento, você é inteligente, deve ter percebido. Para nós que somos mais velhos, humm… Nem tão velhos, sentimos mais que vocês. Já houve uma época em que o homem respeitava a vida. Ai… Você deve me achar um chato, mas quero lhe passar meus ensinamentos, meu neto —, olhando para o horizonte sem fim, ele fechou os olhos.

— Gosto de lhe ouvir, vovô. Eu entendo o que quer dizer. Preocupo‑me, mas o que podemos fazer?

— Muito em muito pouco. — um sorriso torto anuviou o rosto marcado pelo tempo de Seu Gabriel. — Vamos almoçar, estou com um pressentimento de que teremos um delicioso frango frito, quibebe, cuscuz, e para sobremesa aquele curau que só a sua avó sabe fazer.

— Então, por que estamos esperando?A fartura não era a esmo, o trio comemorava o primeiro dia daquele ano

que mal se sustentava em seu arrebol. Dona Rosa ainda estava um pouco sen‑tida, todos os seus filhos não puderam vir para a usual festança, por motivos profissionais, emocionais e regionais. Contrariando seu pai, o rapaz decidira vir passar o fim de ano com seus avós que o receberam com extrema hospita‑lidade como de sempre o faziam, era inevitável sentir a falta da grande família, contudo ao que parece o Destino era mais caprichoso do que poderia imaginar. Após esta maravilhosa degustação, não se esqueceu de experimentar o café, subiu as escadas para armar‑se de sua inseparável mochila.

— Vocês estão estranhos… Está tudo bem mesmo?— É claro que…— Não! — replicou o avô risonho — Você que está muito imaginativo, vá

e divirta‑se, encontre‑se com a sua essência.— Por favor, não se afaste do bosque, meu querido. — beijou‑lhe, protetora.— Estou munido de lápis e papel, não há quem possa comigo… Volto antes

do anoitecer.Adentrou por uma estradinha torta que levava ao meio de um emaranhado

de espaçadas árvores, respirou fundo, “como era bom retornar àquele bosque, repleto de bromélias e orquídeas penduradas em galhos sorteados”. Havia ali uma clareira, cheia de flores e passarinhos esvoaçantes que não paravam de piar, não muito longe dali o mesmo rio que, antes agitado passava, agora estava lento e calmo. Fios de luz transpassavam um entrelace dos galhos mais altos das árvores, no centro daquela clareira um majestoso ipê branco erguia‑se, destacando‑se do cenário verdejante e do efeito alaranjado causado pelos raios de sol. De um lado da clareira um tronco caído repousava em seu descanso eterno, muitos cogumelos ali nasciam, dando uma atmosfera mítica àquele lugar.

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Sentando ali mesmo, o rapaz colocou a mochila aos pés, puxou um caderno e um estojo, repousou o caderno sobre as suas pernas abrindo uma página em branco. Escolheu um lápis, a folha parecia encará‑lo feroz e ameaçadora‑mente. Olhou para ela sem ter ideia nenhuma do que escrever. Entretanto não haveria mesmo de começar, distraiu‑se, as flores e folhas caídas começaram a agitar‑se, ergueu uma das sobrancelhas, era como se estivessem alçando voo livre, dançante e leve.

Sem dúvida havia um erro naquilo tudo, os ventos cessaram, pasme, orga‑nizaram‑se em torno daquela clareira, o vento formava círculos, espiralando potencial e crescentemente. Intrigado ergueu‑se, seus cabelos balançavam, as folhas do livro não se decidiam em seu destino, destro, canhoto, vice‑versa. Num súbito átimo tudo cessou numa explosão eólica, sentira um calafrio. Quando reabrira os olhos, partículas, folhas e pétalas ainda pairavam no ar menos perplexas que o rapaz.

Esgueirou as íris dum lado ao outro, sem saber o que tinha se passado por ali. “Uma ventania… uma ventania muito esquisita, com certeza” refletiu, voltando‑se a sentar. Seu coração, reparou algum tempo após o estranho acon‑tecimento, parecia não se caber dentro de si, sentia que deveria erguer‑se, sair dali. Recolocando o livro e o estojo na mochila dirigiu‑se ao rio para passear, espairecer um pouco. Seguindo por uma trilha ainda mais tortuosa, andou durante algum tempo pensando no que aconteceu. O rio estava novamente agitado, ora, que rio mais indeciso! Vários peixinhos nadavam em busca de mais alimento. O rapaz sentou‑se observando‑os, seria somente a sua impressão ou os pequenos vertebrados aquáticos apontavam para uma única direção?

Além das árvores vira uma ave de rapina gigante, a maior de todas. Os par‑dais que por ali voavam tomaram o rumo oposto, temendo por sua integridade física. Um vulto saiu detrás das árvores e correu na mesma direção que a har‑pia. Assustado com a movimentação inesperada resolveu ele mesmo sair dali, seguindo uma trilha que antes não percebera estar ali. Ruídos de galhos, folhas mexendo‑se e sussurros inaudíveis davam um ar assustador àquele espaço. Mais empolgado apertou o passo, até que se deparou com uma clareira, será que se perdera da trilha que sempre fazia? O chão estava repleto de flores de todas as cores, borboletas dançavam harmoniosamente, no centro dessa clareira estranhamente circular havia duas árvores majestosas, dois ipês. Marcados em suas cascas alguns tipos de símbolos. Chegando mais perto para enxergá‑los, pressentiu que fora uma má ideia.

Por trás do rapaz uma lufada demasiada potente o impulsionou arremes‑sando‑o, passando por entre as bignoniáceas floridas. Era loucura o que estava sentindo? Caiu transpassando uma… Camada de ar? “Por que por entre os

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ipês havia uma resistência no ar?”, lembrando‑se das aulas de Física não pôde compreender.

Felizmente não havia se machucado com a queda, deveria ter, então, ape‑nas tropeçado numa raiz. Melhor seguir caminho, matutar sobre os inabituais fatos de hoje parecia ser inútil. Continuou andando até que achou uma placa, nela os seguintes dizeres “Residencial Vale do Sol” e uma seta apontando para o oeste. Seguiu filosofando sobre quanto tempo já se passara, talvez estivesse com fome.

Saiu do bosque dando com uma estradinha de terra, respirando fundo de alívio por não ter se perdido novamente. Este alívio não duraria muito, ele prendera a respiração pelo susto repentino. Duma curva que ali serpenteava surgira uma carruagem, com dois cavalos negros, toda trabalhada em madeira e sem cocheiro. Contudo, os cavalos seguiam numa linha imaginária, como se estivessem sendo guiados. Passaram por ele com um olhar desconfiado, os dois cavalos apertaram a marcha e seguiram mais rápido. Totalmente atônito concluiu “Estou certo, hoje não é um dia normal.”. Seguiu a conhecida estrada de terra roxa que levava até a residência de seus avós, beirava parte de uma bela serra. Um grito cortou o ar:

— Socorro! Socorro! Ajudem‑me! — uma voz masculina e um pouco teatral implorava pelo socorro, rompendo o silêncio arbóreo.

Segurando nas alças da mochila, correu embrenhando‑se na mata por mais uma vez. Seguiu os pedidos dolorosos de socorro, pulando galhos secos que estavam caídos no chão e empurrando outros pelo caminho. Não muito longe da trilha, parou inquieto, os gritos haviam findado. Olhou para todos os lados em busca do necessitado de ajuda. Virou‑se assustado, e sentou‑se. Ouviu um ruído mais à frente e viu uma cena muito triste e comovente. Um camundongo bem pequenino estava preso abaixo de um galho que por ali havia caído. Parecia morto. De repente, o rato abriu um olho, fechando‑o mais que depressa, esperou.

— Ah, não é demais para mim? Eu implorando por socorro e um humano me encontra! — sussurrou num tom choroso. Mirou‑o incrédulo, de olhos arregalados.

— Estou ouvindo coisas… É melhor ir embora… Acho que já tive o máximo de loucuras por um dia…

— Ah, pobre humano, feliz e livre, deve estar melhor do que eu aqui, encarcerado ao ar livre. — bufou estressado. — Quem não estaria?

— Como é?! — virou‑se para o camundongo.— Ele também fala sozinho… Fiquei louco.— Não, quem pirou fui eu! Estou ouvindo um rato falar.

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— Rato não! Sou um camundongo, faça‑me o favor! — entreolharam‑se, estranhando‑se ambos, ao que parecia nenhum dos dois parecia acreditar que o outro era capaz de compreendê‑lo. — Está bem, isto não é normal. Já que pode me entender, vamos, vai me deixar aqui perecer?

Com uma só mão ergueu o galho que tinha encerrado o pobre ratinho, levantou‑se enigmaticamente uma nuvem de poeira, sem escopo nenhum. Afinal, o que fizera sentindo naquele dia? O rato, quer dizer, o camundongo levantou‑se limpando os ombros, bateu nas perninhas, como um homem que limpa seu terno. Coçou a cabeça e fez uma reverência desenhando círculos no ar com a sua mão, ah, que seja, pata direita, dizendo solenemente:

— Obrigado, devo‑te uma. — virou‑se e saiu andando.— Disponha, ei! Espere. Desde quando você fala? — virou‑se com um

semblante intrigado, balançando o focinho, colocou os braços para trás da cabeça e olhou pra cima. O rapaz abaixou‑se.

— Oras, humano, desde quando você fala?— Desde pequeno. — respondeu irresoluto.— Eu também. Todos são assim, aprendem a andar, falar… E a atormentar

os outros! — dizendo isso, levantou uma de suas sobrancelhas.— Eu sei, mas animais normalmente não… Ah, esqueça. — disse o rapaz,

desistindo de tentar entender aquela cena no mínimo incomum. — Qual é o seu nome, senhor?

— Flávio Murídeo, muito prazer. — disse o rato em uma nova reverência. Antes que pudesse dizer o seu nome, foi cortado pela rispidez do ser. — Esta‑mos apresentados, tenha uma boa tarde, muito obrigado, et cetera e tal… Tchau!

— Não, fique! Senhor, desculpe‑me a falta de jeito, fala, anda, age como um humano…

— Entendo, eu ouço humanos falando o tempo inteiro, quase sempre agindo como animais, preciso mesmo ir, até mais, desculpe minha graça, todavia tenho muito mais o que fazer. — despediu‑se, dando as costas.

— Espera!No entanto, já era tarde demais, o rato se fora andando. Deixara o outro

falando sozinho. Reergueu‑se saindo, voltou para o lugar donde estava. Esta conversa um tanto quanto esquisita fizera o rapaz esquecer‑se da fome. Apertou o estômago andando mais rápido. A estradinha de terra era ladeada por um bosque, pela esquerda, e duma ladeira pela direita, que não era tão íngreme, nem tão perigosa. Essa zona rural era conhecida pelos seus belos ipês, e flores que desabrochavam principalmente na primavera, contudo quase sempre se mostravam floridas.

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Os avós do rapaz, Seu Gabriel Prior Arierom Seraos e Dona Rosa Martins Sevla Seraos, eram muito bondosos com seus netos, sempre estavam de braços abertos para as visitas de seus descendentes. Contudo, principalmente ele sempre nas suas férias ia para o rancho dos avós, no centro da propriedade uma casinha de madeira pintada de vermelha erguia‑se singela e aconchegante. O quintal era repleto de flores, a horta cheia de sabores. Tinham um celeiro onde guardavam ferramentas e algumas coisas fora de uso e, é claro, o cavalo alazão, forte e imperial, chamado de Estrela, um galinheiro cheio de galiná‑ceos, cujo seu único macho era chamado de Galizé, o Galo. O velho Gabriel o apelidara assim por ter metade do tamanho de um galo normal, apesar de ter a irritação comum ao dobro do seu tamanho.

Do lado do Rancho morava o casal Nunes, o homem era mal‑humorado e bem rabugento, e sua mulher era muito gentil e, ao contrário de seu velho marido, a Senhora Nunes era conhecida por ser boa para todos. Como pode‑riam ter se casado, sendo tão distintos? São os mistérios do amor realmente incógnitos e praticamente insolúveis… Os Nunes tinham tido apenas dois filhos — um desses filhos casara‑se e mudara‑se; os vizinhos não tinham notícia da outra filha há anos. Do outro lado da residência dos Nunes moravam os Adiemla. O patriarca Seu Abílio era o melhor amigo do Seu Gabriel, desde os tempos da infância.

Finalmente avistara o rancho e, com alívio, diminuíra o passo. Toda‑via, quando sentiu o estômago reclamando, reacendeu a chama da volição, encontrar‑se‑ia com um belo jantar. Chegou ao portal de madeira, o qual se misturava com os ramos de trepadeira, algumas outras plantas que libertavam perfumadas flores belas. Respirou fundo e passou pelo jardim em direção à porta de madeira depois da varanda, pelos quais deveriam superar três degraus. O que realmente acontecera naquele dia? Era algo que ele, Antonio, mais conhecido como Tony, ruminava na mais profunda câmara de sua mente. Por ora, a resposta mais coerente viria junto a uma boa ceia, a comida caseira de Dona Rosa.

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