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Sobre Darwin

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    O darwinismo nos manuais escolares portugueses de Zoologia (1859-1909)

    Bento Cavadas

    Palavras ChaveManuais escolares, Darwin, darwinismo, Zoologia, evoluo.

    Resumo$REUDGH'DUZLQ LQXHQFLRXSDXODWLQDPHQWHRVDXWRUHVSRUWXJXHVHVGHmanuais escolares de Zoologia. Contudo, h fortes lacunas na investigao GHVVD UHODR&RPYLVWD D FROPDWDU DOJXPDVGHVVDVRPLVVHV QHVWD LQ-YHVWLJDRPRVWUDVHDLQXQFLDGRGDUZLQLVPRQRVPDQXDLVGH=RRORJLDdestinados ao ensino liceal, atravs do estudo dos mecanismos e das provas do evolucionismo que apresentam. Constatou-se que de curtas referncias aos pressupostos desse naturalista, equiparadas em extenso e valorao aos argumentos criacionistas, os autores de manuais foram se acercando da complexidade argumentativa do evolucionismo e dos pressupostos apre-sentados por Darwin e seus seguidores, transmitindo com crescente nfase os fundamentos da evoluo das espcies.

    Caderno de Investigao Aplicada, 2009, 3, 63-95

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    Caderno de Investigao Aplicada 3

    TtleDarwinism in Portuguese textbooks of Zoology (1859-1909)

    KeywordsTextbooks, Darwin, darwinism, zoology, evolution.

    Abstract7KH ZRUN RI 'DUZLQ LQXHQFHG WKH DXWKRUV RI 3RUWXJXHVH VFKRRO WH[W-books of zoology only very gradually. However, there are strong gaps in the research of this relationship. In order to help to bridge these gaps, this LQYHVWLJDWLRQVKRZVWKHLQXHQFHRI'DUZLQLVPRQ]RRORJ\WH[WERRNVRIsecondary schools, through the study of the mechanisms and the proofs of evolution that they presented. It was found that, from short references to Darwins assumptions, similar in extent and valuation to creationist argu-ments, textbooks authors slowly approached the complexity of evolution and of assumptions made by Darwin and his followers, transmitting with increasing emphasis the fundamentals of the evolution of species.

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

    1 Introduo

    Em 2009 comemoraram-se os 150 anos da publicao da primei-ra edio da obra paradigmtica de Darwin, On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or The Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life, e os 200 anos do seu nascimento. Nesse enquadramento, este artigo visa ser mais uma das vrias ho-menagens prestadas a um dos mais brilhantes naturalistas.

    Darwin, nesse livro revolucionrio, procurou essencialmente SURYDUTXHDVHVSFLHV VRR UHVXOWDGRGDHYROXRSRU UDPLFD-HV D SDUWLU GH XP DQFHVWUDO FRPXP'HIHQGHX LJXDOPHQWH TXHesse processo ocorreu principalmente atravs de um mecanismo evolutivo, a seleco natural1. Essas ideias originaram um intenso debate em vrios quadrantes sociais, mas principalmente no acad-PLFRUHHFWLQGRVHLQHYLWDYHOPHQWHQRVPDQXDLVHVFRODUHV0(Vde cincias. Darwin no foi o primeiro autor a propor a ideia de evo-luo das espcies, nem, alis, a maior parte das ideias apresentadas QRVHXOLYUR/HSHOWLHUS&RQWXGRFRPRVDELDPHQWHDU-mou Sacarro:

    O seu enorme mrito foi incutir pelo poder duma argumen-tao sem igual apoiada numa imensa riqueza de factos de grande valor, a convico profunda da realidade da evoluo (Sacarro, 1953, p. 10).

    Embora existam alguns estudos que abordaram a introduo do darwinismo em Portugal (Almaa, 1999; Pereira, 2001; Sacarro, FLUFXQVFUHYHUDPVHSULQFLSDOPHQWHVXDLQXQFLDQRPHLRsocial e universitrio. Tambm levantando algumas lacunas de in-YHVWLJDR$QD 3HUHLUD UHSRUWDQGRVH D XP HVWXGR ELEOLRJUFRque realizou sobre o darwinismo na literatura nacional publicada entre 1865 e 1914, advertiu:

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    Caderno de Investigao Aplicada 3

    Essa amostra no nos autoriza a refutar a tese da ausncia de uma tradio darwnica nas cincias naturais, mas convida-nos a suspender o nosso juzo nessa matria, aguardando que a recons-tituio da histria da geologia, da botnica e da zoologia, desde meados do sculo XIX, ao nvel interno das problemticas e con-ceitos, esclarea qual o efectivo valor que a revoluo darwiniana teve para as referidas cincias, em Portugal (Pereira, 2001, p. 70).

    Enquanto Ana Pereira salientou a necessidade de um estudo DSURIXQGDGRGDLQXQFLDGRGDUZLQLVPRHPFLQFLDVHVSHFFDVcomo a Zoologia, Almaa constatou que falta uma investigao que UHYHOHDVXDLQXQFLDDQYHOGRHQVLQROLFHDO

    Outra questo que ser de interesse estudar, visto que a ade-so dos nossos naturalistas ao evolucionismo parece evidente, a de saber quando e como as ideias sobre a evoluo e o Darwinis-mo passaram da Universidade para a educao a nvel secundrio (Almaa, 1999, p. 90).

    &RQWLQXDDUPDQGRTXHK0(VGRSULQFSLRGRVF;;TXHabordam o darwinismo, como o ME Elementos de Zoologia, de Ma-ximiano Lemos, 3. edio, publicado em 1901, e o ME Lies de Zoologia para as 6. e 7. classes dos Lyceus, de Bernardo Aires, publicado em 1907. Todavia, a expresso do darwinismo em MEs GHFLQFLDVDQWHULRUDHVVDVREUDVHHGLHV&DYDGDVSS229-230). Sendo assim, este estudo visa contribuir para colmatar as lacunas levantadas tanto por Ana Pereira como por Almaa, atra-vs de uma abordagem aos manuais escolares de Zoologia. Concre-WDPHQWHRREMHFWLYRGHVWD LQYHVWLJDRPRVWUDUD LQXQFLDGRVpressupostos do darwinismo em Portugal, atravs da anlise dos tex-tos que apresentam esses princpios evolucionistas em alguns MEs de Zoologia publicados entre 1859 e 1909.

    O intervalo de tempo seleccionado para este estudo teve como critrios, no que diz respeito ao ano inicial, corresponder quele em

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

    que Darwin publicou a sua obra principal, assim como equivaler data de publicao de um dos primeiros manuais de Zoologia, intitu-lado Lies de Zoologia Elementar e redigido por Jos Peixoto Silva Jnior; quanto ao ano terminal, corresponde ao cinquentenrio da REUDGH'DUZLQ(VWHLQWHUYDORGHWHPSRFRQVLGHUDVHVHUVXFLHQWHpara mostrar a evoluo do prprio darwinismo nos MEs.

    O estudo inicia-se pela apresentao de uma breve sntese da pre-sena de Darwin no meio acadmico portugus do sc. XIX. Segue-VHXPDDQOLVHGDVYLVHVVREUHDRULJHPGDVHVSFLHVYLJHQWHVDQWHVda divulgao da sua obra, circunscrita anlise do manual redigido por Silva Jnior. Aps a publicao desse ME vieram a lume, passa-do algum tempo, outras obras para o ensino da Zoologia que aborda-ram os argumentos darwinistas. Do conjunto desses manuais, foram seleccionados para o corpo de anlise deste estudo, o ME Elementos de Zoologia, redigido por Silva Amado e Pedro Leite e publicado em 1887, e os manuais redigidos por Bernardo Aires e Maximiano Lemos mencionados anteriormente2. Estas obras foram estudadas no enquadramento dos respectivos programas escolares. A investigao culmina com a discusso dos resultados e a apresentao das prin-FLSDLVFRQFOXVHV

    2 Notas sobre o darwinismo em Portugal no sc. XIX

    5HHFWLQGRVREUHDVUHODHVHQWUHRVQDWXUDOLVWDVFRQWHPSRUQH-os de Darwin e as suas prprias propostas, Teresa Avelar, Margarida 0DWRVH&DUOD5HJRFKHJDUDPFRQFOXVRTXHQDJHQHUDOLGDGHHpassados apenas alguns anos aps a publicao do livro On the Ori-gin of Species, foram consensuais factos como a evoluo corres-ponder a um fenmeno do mundo natural e ter ocorrido atravs de UDPLFDHVVXFHVVLYDVDSDUWLUGHXPDQWHSDVVDGRFRPXP7RGD-

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    Caderno de Investigao Aplicada 3

    YLDDVVHYHUDPTXHHVVHFRQVHQVRQRRFRUUHXFRPRXWUDVVXJHVWHVdarwinistas:

    No entanto, outros componentes da teoria de Darwin, isto , o gradualismo, o processo pelo qual as espcies se originam e prin-cipalmente o mecanismo da seleco natural, no foram to facil-mente aceites. A seleco natural, que hoje em dia considerada como a contribuio mais original de Darwin, foi precisamente a que teve menos aceitao dos seus contemporneos. (Avelar et al., 2004, p. 52)

    Entre os contemporneos de Darwin destacam-se alguns (pou-cos) naturalistas portugueses que se debruaram sobre o evolucio-nismo. Alis, a penetrao do darwinismo em Portugal, no sc. XIX, foi incipiente, tendo sido limitada apenas a um meio acadmico res-trito. Foi to cingida que mesmo um dos naturalistas portugueses de maior relevo, Jos Vicente Barbosa de Bocage, que foi um dos estu-diosos mais marcantes da Zoologia portuguesa, se limitou a referir QDVXDH[WHQVDREUDOHYHVDSUHFLDHVVREUHDHYROXR7LUDSLFRVS$SHVDUGHVVDVOLPLWDHV&DUORV$OPDDTXHHVWXGRXo impacte do darwinismo na Universidade portuguesa, asseverou que o meio acadmico nacional, no plano universitrio do sc. XIX, DUPRXVHFRPRXPGRVSULQFLSDLVDSRORJLVWDVGRHYROXFLRQLVPRQXPDSRFDHPTXHDPHVPDGRXWULQDWHYHJUDQGHVGLFXOGDGHVGHimplantao noutros pases, como a Frana, a Gr-Bretanha, a Ale-manha, a Itlia e a Espanha (Almaa, 1999, pp. 8, 67-83). No caso GH(VSDQKDQRQDOGRVF;,;RFRUUHXXPLQWHQVRGHEDWHSEOLFRsobre o evolucionismo que revelou a resistncia de certas classes VRFLDLVDRPHVPR$HVVHUHVSHLWR6LP5XHVFDVUHODWRXXPFDVRcurioso, ocorrido na Universidade de Barcelona, que culminou com uma revolta estudantil. Essa insurreio foi a resposta tentativa de suspenso do professor catedrtico de Histria Natural, Odn de Buen, autor de obras evolucionistas, por ordem do Bispo de Barce-

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

    lona, Jaume Catal, o qual:

    ordena a su grey que entregue los ejemplares que posean de estas obras a la autoridad eclesistica para su inutilizacin lSDUDHYLWDUHOFRQLFWRSURYRFDGRSRUHOVHRU%XHQ{VHGLVSRQJDque explique el curso de Historia Natural un profesor que no sea lDQWLFDWOLFR QL HQVHH GRFWULQDV DQWLFDWOLFDV{ 6LP 5XHVFDV1999, p. 222).

    25HLWRUGD8QLYHUVLGDGHGH%DUFHORQDDQXLXVSUHWHQVHVGRBispo, anunciando a suspenso do catedrtico. Contudo, a classe es-tudantil uniu-se em sua defesa, em uma lucha de la libertad de la FLHQFLDFRQWUDODWLUDQLDGHODLJQRUDQFLD6LP5XHVFDVS224). O caso terminou favoravelmente para Odn de Buen porque R&RQVHOKR8QLYHUVLWULRUHVROYHXUHWLUDUDVDFXVDHVTXHSHQGLDPsobre esse evolucionista.

    Ao nvel dos prprios manuais escolares, a introduo do darwi-nismo em Espanha no foi consensual. De acordo com Puelles Ben-tez e Hernndez Laille, reinavam diversas perspectivas nos manuais de cincias espanhis do sc. XIX:

    pudiendo distinguir-se desde aquellos que, de un modo u otro, mantuvieron la literalidad de la Biblia creacionismo -, hasta los que introdujeron el evolucionismo darwinista, pasando por po-siciones intermedias concordando las posiciones antagnicas o introduciendo el evolucionismo sin citar a Darwin -, sin que dejara de haber tambin manuales claramente antidarwinistas. (Puelles Bentez; Hernndez Laille, 2009, pp. 71-72)

    Em Portugal, como ir mostrar esta investigao, os manuais fo-ram mais uniformes quanto sua expresso evolucionista e darwi-QLVWD7DPEPQRVHFRQKHFHPUHJLVWRVGHWHUHPRFRUULGRFRQLWRVno meio universitrio semelhantes aos de Espanha. Provavelmente, tal deveu-se ao darwinismo ter inicialmente sido restrito a uma es-cassa elite intelectual, que o recebeu calmamente.

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    Caderno de Investigao Aplicada 3

    Segundo Carlos Almaa, Darwin tornou-se conhecido no meio DFDGPLFRSRUWXJXVGRVF;,;JUDDVVWUDGXHVIUDQFHVDVGDsua obra, que chegaram ao pas a partir de 1862 (Almaa, 1999, pp. 18, 89-90). Contudo, a traduo da obra de Darwin para a lngua portuguesa, segundo Ana Pereira, demorou cerca de meio sculo desde a sua publicao inicial. Essa investigadora referiu, inclusi-vamente, que o livro paradigmtico de Darwin apenas surgiu em lngua portuguesa venda na Livraria Chardron3, em 1913, e que o livro The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex, publica-do em 1871, foi somente traduzido em 1910 (Pereira, 2001, p. 75).

    Apesar dessa introduo incipiente, o evolucionismo, tendo como motor a introduo do positivismo em Portugal, foi visto com agrado no meio acadmico. O prprio Conselho de Professores da 8QLYHUVLGDGHGH&RLPEUDTXHGLWDYDDVTXHVWHVGHGRXWRUDPHQWRrevelou interesse pela temtica. Esse Conselho, j no enquadramento do darwinismo no meio universitrio nacional, interpelou, em 1865, o botnico Jlio Augusto Henriques com a questo As espcies so mudveis?41DVXDGLVVHUWDRSDUDRDFWRGHFRQFOXVHVPDJQDVna Universidade de Coimbra - portanto, seis anos aps a publicao do livro On the Origin of Species -, Jlio Henriques culminou a res-posta interpelao do Conselho com o seguinte pargrafo:

    Parece pois que na espcie humana tem completa aplicao

    a teoria de Darwin. A muitos desagradar a ideia de que o homem um macaco aperfeioado. Mas se Deus nos deu a razo, se hoje o progresso e o desenvolvimento intelectual nos coloca to longe do restante do mundo animal, que importa a origem? Que receio pode infundir uma teoria, cujas consequncias so em geral a consecu-o de um maior grau de perfeio? O mundo marcha: deixemo-nos ser levados neste movimento de progresso (Henriques, 1865, p. 107).

    $VFRQVLGHUDHVGH-OLR+HQULTXHVVREUHDDSOLFDRGRHYR-OXFLRQLVPRHVSFLHKXPDQDQRFDUDPSRUHVVDGLVVHUWDR(P

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

    SRURFDVLRGRFRQFXUVRDXPOXJDUQD)DFXOGDGHGH)LORVRDda Universidade de Coimbra, defendeu outra dissertao, intitulada Antiguidade do homemQDTXDOH[FOXLXDVFRQFHSHVDQWURSRFQ-tricas. Defendeu que o ser humano, tal como os restantes seres vi-vos, possui uma existncia precria, ameaada por mltiplas contin-gncias. Note-se que Darwin apenas tornou pblicas as suas teorias aplicadas espcie humana, em 1871, no livro The Descent of Man, and Selection in Relation to Sex, pelo que Jlio Henriques, como realou Ana Pereira antecipando-se em cinco anos ao naturalista ingls, aplica a teoria da evoluo por seleco natural espcie humana (Pereira, 2001, pp. 67-68).

    No mesmo ano em que Jlio Henriques apresentou a disserta-RDQWHULRU-DLPH%DWDOKD5HLVQDWHVHA vinha e o vinho, susten-WRX VXSHUFLDOPHQWH D GRXWULQD GDUZLQLVWD GD GHVFHQGQFLD FRPPRGLFDHVDSOLFDGDYLQKD 3HUHLUDSS$OJXQVanos mais tarde, Jlio Henriques, em 1882, ano da morte de Darwin, redigiu um artigo em sua homenagem, intitulado Charles Darwin, publicado no Jornal de Horticultura Pratica. Nesse artigo homena-geou Darwin atravs do relato dos episdios mais importantes da sua vida e da apresentao dos principais argumentos da seleco natural, estabelecendo analogias com os fenmenos observveis nas prticas agrcolas (Henriques, 1882, pp. 41-44).

    Na esteira destes pioneiros do darwinismo em Portugal, surgiu, em 1883, a dissertao de Eduardo Burnay, intitulada Gstrula e SOQXOD $V WHRULDV ORJHQWLFDV GH+DHFNHO H GH 5D\/DQNHVWHU, para cumprimento dos requisitos necessrios ao concurso a um lu-gar de professor substituto de Zoologia, na Escola Politcnica de Lisboa. Nessa dissertao, Burnay, partindo da considerao de que o evolucionismo j seria ponto assente, dedicou-se ao estudo das UHODHVHGRJUDXGHSDUHQWHVFRHQWUHRVJUXSRVGHVHUHVFRQVLGHUD-GRV$QDOLVRXDLQGDDVWUDQVLHVTXHVHHVWDEHOHFHUDPHQWUHHOHVH

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    Caderno de Investigao Aplicada 3

    o seu posicionamento na srie animal, socorrendo-se das evidncias biogenticas5 apresentadas pelos naturalistas referidos no ttulo da dissertao (Almaa, 1999, p. 41).

    $DERUGDJHP LQXQFLDGRGDUZLQLVPRHP3RUWXJDOQRVF;,;QRFDFRPSOHWDVHPDDOXVRD$UUXGD)XUWDGRXPMRYHPnaturalista autodidacta e adepto convicto da teoria darwinista, que teve o privilgio de trocar correspondncia com Darwin6. Darwin LQFOXVLYDPHQWHSURSVOKHXPSODQRGHHVWXGRVGDIDXQDHRUDGRVAores e ofereceu-lhe um livro de Wallace para o auxiliar nas suas SHVTXLVDVFLHQWFDV7DPEPRFRORFRXHPFRQWDFWRFRPRERW-QLFR -+RRNHU FRP YLVWD LGHQWLFDR GH HVSFLHV GD RUD GDIlha de So Miguel recolhidas e reunidas em herbrios por Arruda Furtado (Trinco, 2009, pp. 103-107). Esta troca de correspondncia FLHQWFDFXMDSULPHLUDFDUWDUHGLJLGDSRU$UUXGD)XUWDGRGDWDGHde Junho de 1881, no se prolongou durante muito tempo devido deteriorao da sade de Darwin e ao seu falecimento, em Abril de 1882. Grato pelos conselhos de Darwin, Arruda Furtado publicou, nesse ano, artigos em sua memria, nos jornais O Sculo e A Voz do Operrio.

    Como se pode constatar por esta breve sntese, o darwinismo em Portugal teve uma introduo lenta e circunscrita essencialmente ao PHLRXQLYHUVLWULRFLUFXQVWQFLDTXHVHUHHFWLXQRVUHVWDQWHVVHF-tores sociais.

    3 Os manuais de cincias antes da obra On the Origin of Species

    Jos Peixoto Silva Jnior foi o autor de um dos primeiros ma-nuais para o ensino da Zoologia nos liceus (Cavadas, 2008, p. 177). Em meados do sc. XIX foram publicados manuais da sua lavra, in-titulados Lies de Zoologia Elementar, redigidos em conformidade

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

    com o programa de 18567. Essas obras destinavam-se ao ensino da disciplina de Princpios de physica e chimica e introduco histo-ria natural dos trs Reinos, instituda pela Lei de 12 de Agosto de 18548SRU5RGULJRGD)RQVHFD

    A 1 parte das Lies de Zoologia Elementar foi publicada em 1859 e a 2. parte em 18609. Embora a edio da 1. parte dessa obra fosse contempornea publicao do livro On the Origin of SpeciesQRPXQGRFLHQWFRMHUDPFRQKHFLGDVRXWUDVSHUVSHFWL-vas evolucionistas, nomeadamente as coligidas por Lamarck na obra Philosophie Zoologique, publicada cinquenta anos antes. Contudo, Silva Jnior, por desconhecimento ou intencionalmente, ignorou essa perspectiva, pautando os seus manuais por uma hegemnica viso criacionista, como se pode constatar por esta valorao sobre os reinos animal, vegetal e mineral: Sendo certo, porm, que de to-dos estes seres o animal o mais nobre da criao (Jnior, 1859, p. 2FULDFLRQLVPRHVWWDPEPSDWHQWHQHVWDFLWDRGH5ROOLQTXHSilva Jnior utilizou para rebater os argumentos dos que negavam a importncia da Histria Natural:

    para admirar, diz este insigne escritor, que o homem, co-locado no meio da natureza, tendo diante dos olhos o espectcu-lo mais majestoso, que a imaginao pode conceber, rodeado de maravilhas, que s para ele parecem ter sido criadas, no pense em estud-las, nem queira estudar-se a si prprio. Vive no mundo, aonde rei; mas vive como o idiota, a quem tudo indiferente. O mundo ensina a todos a majestade da criao, excepto queles que, na frase da Escritura, tm olhos, mas no vem, tem ouvidos, mas no ouvem. (Jnior, 1859, p. 4.)

    Este discurso de carcter religioso permite inferir que Silva J-nior era um apologista convicto do criacionismo. Para esse posi-cionamento, provavelmente concorreu o facto de ter uma escassa IRUPDRFLHQWFDSRUTXHQDSRFDHPTXHUHGLJLXHVVHVPDQXDLVtal como se pode aferir na pgina de rosto dos mesmos, era Bacha-

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    Caderno de Investigao Aplicada 3

    rel formado em Direito pela Universidade de Coimbra, advogado e professor substituto extraordinrio no Liceu de Santarm, da cadeira de Introduco historia dos tres reinos. Note-se que na poca a formao de professores era incipiente a nvel geral, problema que se acentuava na formao de docentes de cincias, dado o atraso FLHQWFR QDFLRQDO HP FRPSDUDR FRP RV FRQJQHUHV HXURSHXVEm manuais posteriores, redigidos por outros autores, a perspectiva evolucionista comeou a vingar, quer pela maior divulgao da obra GH'DUZLQTXHUSHODIRUPDRFLHQWFDPDLVSURIXQGDGRVUHVSHF-tivos obreiros.

    4 Metodologia

    Este trabalho seguiu a tcnica de anlise de contedo por se con-siderar a mais adequada ao estudo exploratrio desta investigao. Dividiu-se em quatro fases: a primeira fase, heurstica, consistiu na seleco, recolha ou localizao dos programas escolares e dos 0(VDDQDOLVDUQRPELWRGDVSXEOLFDHVGRSHURGRFRQVLGHUD-do, seguida por um momento hermenutico, no qual se situaram os contedos relativos ao evolucionismo nos programas e manuais se-leccionados; a segunda fase foi destinada concepo da grelha de anlise, tendo sido aplicada a alguns MEs para precisar e limitar as categorias previamente escolhidas; a terceira etapa consistiu na anlise de contedo propriamente dita, que nos MEs se restringiu ao corpo do texto sobre as teorias da origem das espcies, principal-PHQWHDRGDUZLQLVPRSRUPDTXDUWDIDVHFRQVLVWLXQRUHJLVWRHno tratamento dos dados obtidos.

    O corpus de programas e de MEs analisados, apresentado no quadro seguinte, inclui os documentos e as obras mais representa-

    tivas do perodo considerado (Cavadas, 2008, pp. 222, 233, 318).

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

    Quadro 1 Corpus de programas e de manuais escolares analisados.

    PROGRAMAS ESCOLARES

    MANUAIS ESCOLARES

    Ano Designao Ano Ttulo Autor(es) Classe/Ano

    Editora Id.

    1886Programma de Introduo

    Historia Natural1887

    Elementos de

    Zoologia

    Silva Amado e Pedro Leite

    4. e 6. anos

    Typographia Mattos Moreira

    M1

    1889

    Programma para o ensino de physica, chimica

    e historia natural

    1890Elementos

    de Zoologia

    Maximiano Lemos

    4. e 5. anos

    Lemos e C. - Editores M2

    1905Programa

    de Scincias Naturais

    1907 Lies de ZoologiaBernardo

    Aires6. e 7. classes Cruz & C. M3

    A anlise dos programas permitiu aclarar o ano escolar que o legislador considerou oportuno para o ensino do evolucionismo e a profundidade com que o tema deveria ser desenvolvido nos manu-ais.

    $JUHOKDGHDQOLVH FHQWURXVH HPGXDVFDWHJRULDVGHQLGDV Dpartir dos principais argumentos evolucionistas apresentados pelos autores dos manuais: os mecanismos de evoluo e as provas da evoluo. Na categoria mecanismos da evoluo, consideraram-se FRPRSDUPHWURV DV FRQGLHVRXRVSURFHVVRVTXHDSURPRYHPFRPRDVHOHFRQDWXUDODVHOHFRVH[XDODVFRUUHODHVGHFUHVFL-PHQWRDFRPSHWLRHQWUHDVHVSFLHVRLVRODPHQWRJHRJUFR10, a variabilidade e a hereditariedade. As provas da evoluo referem-se a dados que, no promovendo o processo evolutivo, so evidncias GDDFRGRPHVPRQRSDVVDGR2VSDUPHWURVGHQLGRVSDUDHVWDcategoria foram a embriologia, os fsseis de transio e a existncia de rgos rudimentares.

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    Caderno de Investigao Aplicada 3

    5 Darwin nos manuais de Zoologia

    Nesta seco, apresenta-se a sntese do estudo de cada um dos PDQXDLV FRP R LQWXLWR GH DRUDU RVPHFDQLVPRV H DV SURYDV GDevoluo apresentados pelos respectivos autores, enquadrando-os no programa escolar e na legislao liceal respectiva.

    M1 - Elementos de Zoologia, por Silva Amado e Pedro LeiteSilva Amado, reitor do Liceu Central de Lisboa e lente proprie-

    trio da Escola-Mdico-Cirrgica do Porto, e Pedro Leite, professor de Physica, Chimica e Introduco Historia Natural, no Liceu Central de Lisboa, redigiram manuais intitulados Elementos de Zoo-logia, destinados ao ensino da Zoologia nos 4. e 6. anos dos liceus. Essa disciplina pertencia cadeira de Principios de physica, chimica e historia natural, instituda pelo Regulamento geral dos liceus, as-sinado por Luciano de Castro.

    De acordo com o programa de 1886, os estudos de Zoologia de-YLDPQDOL]DU QR VH[WR DQR FRP &RQVLGHUDHV VREUH D GLIHUHQ-FLDRVLROJLFDHPRUIROJLFDQDHVFDODDQLPDO2+RPHPVXDRUJDQL]DRFRPRH[SUHVVRPDLVHOHYDGDGDGLIHUHQFLDRVLR-lgica e orgnica14. essencialmente no captulo que aborda esses contedos programticos e no captulo introdutrio do manual que se pode aferir a perspectiva da origem das espcies defendida pelos autores. A prxima sentena ilustrativa da sua posio:

    Tendo percorrido todos os graus da escala animal, desde os organismos microscpicos, que mal se podem distinguir pelos PHLRV GH DPSOLFDRPDLV DSHUIHLRDGRV VHUHV TXH WHP XPDRUJDQL]DRWRVLPSOHVTXHVRSRUDVVLPGL]HUJRWDVLQQLWD-mente pequenas da matria viva, sem diferenciao alguma mor-folgica ou funcional, at ao Homem, coroa e remate da criao, observmos numerosssimas formas, variadssimos mecanismos SDUDRH[HUFFLRGDVIXQHVTXHFDUDFWHUL]DPRVDQLPDLV$PD-do; Leite, 1887, p. 243).

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

    Na citao anterior est patente a perspectiva criacionista da ori-gem das espcies at ao Homem, coroa e remate da criao- que, segundo os autores, assentava em dois pilares:

    1. Cada espcie provem de um ou mais indivduos (repro-duo sexual) primitivos, que foram criados, ou gerados esponta-neamente.

    2. As espcies so invariveis, isto , desde a criao do pri-meiro indivduo, at destruio do ltimo, a espcie conserva os mesmos caracteres, atravs do tempo e do espao (Amado; Leite, 1887, p. 4).15

    Acerca da hiptese da gerao espontnea, numa nota de roda-p, referiram que Agassiz sustentou a invariabilidade das espcies, admitindo que cada espcie foi criada simultaneamente em diversos pontos da Terra e representada originariamente por um grande n-mero de indivduos. Todavia, Silva Amado e Pedro Leite tambm abordaram o transformismo16GDVHVSFLHVDUPDQGRTXHDVFUHQDVanteriores no encontraram eco em alguns naturalistas:

    Outros naturalistas consideram as espcies, como um con-junto de indivduos semelhantes, que se reproduzem dando ori-gem a outros indivduos semelhantes, mas julgam que as espcies VRYDULYHLVH WUDQVLWULDVRV LQGLYGXRVTXHDVFRPSHPVRsusceptveis de se transformarem no decurso de sculos, de modo que as espcies so ciclos de gerao, correspondendo a determi-QDGDVFRQGLHVGHH[LVWQFLD FRQVHUYDQGRHQTXDQWRHVWDVQRmudam, uma certa constncia nos caracteres essenciais (Amado; Leite, 1887, p. 5).

    Os transformistas defendiam que as espcies no correspondiam DFULDHVLVRODGDVPDVTXHVHSRGLDPFRQYHUWHUQRXWUDVSRUWDQWReram variveis. Silva Amado e Pedro Leite chegaram, inclusive, a referir o contributo de Darwin para a consolidao do transformis-mo:

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    Caderno de Investigao Aplicada 3

    (VWDWHRULDVXVWHQWDGDSRUGLYHUVRVQDWXUDOLVWDVHOVRIRVadquiriu maior importncia nestes ltimos tempos, desde que se divulgaram os trabalhos de Ch. Darwin (Amado; Leite, 1887, p. 5).

    Os autores mencionaram que, para Darwin, a causa da varia-bilidade das espcies, responsvel pela grande diversidade de for-mas dos animais e das plantas, a seleco natural. Explicaram sucintamente os mecanismos da teoria de Darwin, comeando por DUPDUTXHQXPDPHVPDHVSFLHKLQGLYGXRVFRPFDUDFWHUVWL-cas diferentes; os indivduos com caractersticas favorveis para alcanarem a vitria nesta luta pela existncia seriam os escolhi-dos, formando paulatinamente variedades, at se transformarem HPHVSFLHVGLVWLQWDV$UPDUDPTXHQHVVDOXWDSHODH[LVWQFLDRVindivduos que apresentam mais diferenas comparativamente com a espcie original so os que vo subsistir, enquanto as formas inter-medirias tendem a desaparecer; alis, asseveraram que a variedade , para Darwin, apenas uma espcie em vias de formao (Amado; Leite, 1887, pp. 5-6).

    Abordaram sucintamente alguns argumentos a favor do transfor-mismo, como a existncia dos rgos rudimentares e as provas de-rivadas da embriologia, citando a mxima de Haeckel a histria da evoluo individual uma repetio curta e abreviada, uma espcie de recapitulao da histria da evoluo da espcie (Amado; Lei-te, 1887, p. 7). Contudo, apesar de todas os argumentos a favor do transformismo, alertaram:

    Devemos todavia reconhecer que a doutrina do transformis-mo, mesmo depois de elucidada pelo princpio da seleco natural, uma hiptese brilhante, mas ainda no tem uma demonstrao VXFLHQWH$PDGR/HLWHS

    (VWDDUPDRSURYDYHOPHQWHUHVXOWDGHQDSRFD6LOYD$PDGRH3HGUR/HLWHGLVSRUHPGHELEOLRJUDDHVFDVVDVREUHRVIXQGDPHQ-

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

    WRVGRGDUZLQLVPR(PFRQVHTXQFLDDFDXWHODUDPVHDUPDQGRTXHa seleco natural, apesar de coerente, no directamente demons-trvel. Todavia, essa ressalva no surpreende, pois os autores reve-laram afeio pelo criacionismo. Alis, numa linha de pensamento DQWURSRFQWULFDFKHJDUDPLQFOXVLYDPHQWHDDUPDUTXHRGRPQLRdo Homem na terra vem-lhe indubitavelmente da superioridade do VHXVLVWHPDQHUYRVR7DOSRVLFLRQDPHQWRUHHFWHXPDVXSUHPDFLDintelectual atribuda ao ser humano, que ocupa uma posio domi-nante e de tal modo superior aos outros animais, que muitos natu-ralistas estabeleceram um reino aparte para o inclurem (Amado; /HLWHS2UDHVWDVFRQVLGHUDHVUHHFWHPDFRQYLFRdos autores de que o ser humano a coroa e remate da criao.

    M2 - Elementos de Zoologia, por Maximiano LemosMaximiano Lemos Jnior, um reputado mdico e professor de

    Medicina, redigiu vrios manuais para o ensino liceal de Botnica e de Zoologia. Esses estudos incluam-se na disciplina de Physica, chimica e historia natural, cuja implantao curricular foi determi-nada pela Reorganizao do plano de estudos dos lyceus17, assinada por Luciano de Castro, em 1888.

    A primeira edio do manual Elementos de Zoologia, para os 4. e 5. anos dos liceus, foi publicada em 189018. O manual foi elabora-do de acordo com os programas de 188919. Embora possa surpreen-der essa redaco clere do mesmo, porque a sua publicao apenas dista um ano da introduo do novo programa, esclarece-se que o programa de 1889 apenas consistiu numa reformulao da ordem dos contedos programticos de 1888, acomodando-os distribui-o curricular determinada pela reorganizao do plano de estudos dos liceus do mesmo ano.

    De acordo com o programa de 1889 deveria ser ministrada no 5. ano uma breve notcia sobre organizao, diferenciao e seleco

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    Caderno de Investigao Aplicada 3

    nos seres vivos20. Em consonncia, o ltimo captulo do manual Elementos de ZoologiaDERUGDDV1RHVVREUHRWUDQVIRUPLVPR. Nesse captulo, na lio 192, Maximiano Lemos contraps duas po-VLHVDGRXWULQDGD LPXWDELOLGDGHHDGRXWULQDGD WUDQVIRUPDRsucessiva ou do transformismo.

    Dedicou apenas um curto pargrafo doutrina da imutabilida-GHDTXDODGYRJDTXHDHVSFLHXPWLSR[RLQYDULYHOTXHVHtransmitiu desde a origem at ns, debaixo da sua forma primitiva (Lemos, 1890, p. 269). O autor rejeitou essa concepo eviden-WHPHQWH IDOVD DUJXPHQWDQGR TXH RFRUUHP PRGLFDHV LPSRU-tantssimas que todos os dias se passam aos nossos olhos, quer nos animais domsticos, quer nas plantas cultivadas, e advogou que FDULDPLQH[SOLFDGRVRVIDFWRVGHGHVDSDULRGHDOJXQVDQLPDLVfsseis (Lemos, 1890, p. 269). Portanto, o seu discurso foi imbudo GRPDWHULDOLVPRDGRXWULQDORVFDTXHDFUHGLWDYDQRH[LVWLUHPforas divinas na natureza, mas apenas matria21. No prosseguimen-to dessa argumentao informou que a doutrina da imutabilidade foi sustentada por Cuvier e JussieuHTXHVHRSHDRWUDQVIRUPLVPR, cujos apologistas foram Lamarck, tienne Geoffroy Saint-Hilaire e Charles Darwin. De acordo com Maximiano Lemos, o transformis-PRSUHVVXSHTXH

    ORQJHGHVHUHPWLSRV[RVHLQYDULYHLVDVHVSFLHVSR-dem, sob a aco de diferentes causas e num perodo mais ou me-nos longo, transformar-se noutras de organizao mais perfeita (Lemos, 1890, p. 269).

    Ainda na lio 192, enunciou outros argumentos a favor da teoria transformista: a variabilidade, a hereditariedade, a seleco natural, DFRQFRUUQFLDYLWDOHDVFRUUHODHVGHFUHVFLPHQWR4XDQWRYDULD-ELOLGDGHSDUDDOPGHGLVWLQJXLUYDULDHVDFLGHQWDLVGHSHUPDQHQ-WHVDUPRXTXHDVOLJHLUDVYDULDHVTXHVHREVHUYDPQRVDQLPDLVcomo por exemplo o diferente tamanho dos cavalos, so argumentos

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

    a favor do transformismo. O argumento da hereditariedade consiste numa viso lamarckista da transmisso dos caracteres descendn-FLDFRPRVHSRGHFRQVWDWDUQDVVXDVFRQVLGHUDHV

    z VHR LQGLYGXRQR IRLPRGLFDGRSRUFDXVDVHVSHFLDLVque actuaram durante o seu desenvolvimento ou depois do nas-cimento, tende a reproduzir na prole a sua imagem quase exacta; zVHRLQGLYGXRVRIUHXTXDOTXHUPRGLFDRWHQGHDUHSURGX]LUesse carcter na gerao (Lemos, 1890, p. 270).

    $OLRSURVVHJXHFRPDDUPDRGHTXHH[LVWHPFDXVDVTXHimprimem uma determinada direco hereditariedade: a seleco natural e a concorrncia vital. Partindo de um exemplo de seleco DUWLFLDO HGHYULRVFDVRVSDUWLFXODUHVGH VHOHFRQDWXUDO0D[L-miano Lemos sintetizou os pressupostos desta ltima da seguinte forma:

    a variedade que representar um aperfeioamento em qual-quer sentido maior probabilidade ter de resistir e de se desenvol-YHURXWUDTXHDSUHVHQWHFDUDFWHUHVGHVIDYRUYHLVVHUVDFULFDGDrapidamente pela natureza (Lemos, 1890, p. 271).

    Portanto, salientou um dos principais pressupostos do darwinis-PRDSHUVLVWQFLDGDVYDULDHVIDYRUYHLVSURPRYLGDSHODVHOHF-o natural. Cogitando, ainda, sobre a seleco natural, vincou que a seleco sexual, enquanto escolha natural dos reprodutores entre os vencedores das lutas dos machos para a posse das fmeas, um dos mecanismos mais importantes ao seu servio. Tambm referiu que para a seleco natural contribui a concorrncia vital, isto , a competio entre as espcies23. Aps fornecer vrios exemplos, re-VXPLXHVVHPHFDQLVPRDUPDQGRTXHVHQXPDUHJLRKDELWDGDSRUuma espcie animal aparecer outra espcie ou variedade prxima mais robusta ou com outra caracterstica que a favorea, esta ltima tender a sobrepor-se primeira, quer do ponto de vista da alimen-

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    Caderno de Investigao Aplicada 3

    WDRTXHUGHRXWUDVFRQGLHVGHH[LVWQFLD6HJXQGRRDXWRUHVVDforma suplantar a rival que decrescer rapidamente at desaparecer do meio (Lemos, 1890, p. 273). Portanto, possvel inferir que Ma-[LPLDQR/HPRV SRVVXD DOJXPDV QRHV SULPRUGLDLV GH GLQPLFDpopulacional.

    3RUOWLPR DSUHVHQWRXRDUJXPHQWRGDV FRUUHODHVGHFUHVFL-mento queLPSOLFDTXHLQWURGX]LQGRVHTXDOTXHUPRGLFDRQXPUJRHDFXPXODQGRVHSRUVHOHFRVHPRGLTXHPRXWURVUJRVpor consequncia necessria (Lemos, 1890, p. 273), ou seja, uma PRGLFDRQXPUJRLQGX]QHFHVVDULDPHQWHSRVWHULRUHVPRGLFD-HVQRXWURVUJRV6HJXQGR0D[LPLDQR/HPRVVRDVPRGLFD-HVVXFHVVLYDVTXHRFRUUHPQXPDGDGDHVSFLHTXHYRGDURULJHPSDXODWLQDPHQWH D RXWUD H QRPRGLFDHV EUXVFDV TXHRFRUUHPsomente num carcter mais ou menos importante. Essa constatao IRLGHHQFRQWURDRJUDGXDOLVPRRXVHMDLPSRUWQFLDGHYDULDHVmuito pequenas para a evoluo, tal como Darwin postulou.

    Culminou o captulo com uma sntese dos factos em que assenta DWHRULDGH'DUZLQDUPDQGRTXHRLQFLRGHXPDQRYDHVSFLHSDU-WHGHXPDPRGLFDRTXDOTXHUQDHVSFLHRULJLQDOVHHVVHVQRYRVcaracteres apresentarem uma vantagem, os indivduos que os pos-suem, em virtude da hereditariedade, reforada pela seleco sexu-DOWUDQVPLWHPQRVVJHUDHVVHJXLQWHVGHSRLVGHYULDVJHUDHVDVRPDGDVSHTXHQDVPRGLFDHVVXFLHQWHSDUDVHFRQVLGHUDUcomo uma nova espcie, a variedade da espcie original; essa, por sua vez, pode conduzir pelos mesmos mecanismos a outras espcies (Lemos, 1890, pp. 273-274).

    M3 - Lies de Zoologia, por Bernardo AiresEm conformidade com o programa de Sciencias Naturaes de

    1905, Bernardo Aires, lente catedrtico da cadeira de Zoologia e Director do Museu Zoolgico da Universidade de Coimbra, redi-

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

    giu manuais intitulados Lies de Zoologia, dividindo-os em trs volumes para o ensino da rea homloga. Para este estudo interes-sa o volume III, publicado em 1907 e destinado ao ensino da Zo-ologia nas 6. e 7. classes da cadeira de Sciencias Naturaes. Essa cadeira foi instituda pela Reforma da instruo secundria, ditada por Eduardo Jos Coelho, em 1905. O programa apenas exigia a abordagem, na VII classe, do tema Adaptao e hereditariedade. Contudo, Bernardo Aires considerou que tal implicava o estudo do transformismo:

    Exigindo a hereditariedade e a adaptabilidade, o programa refere-se implicitamente ao transformismo, que uma consequn-cia imediata daqueles princpios. Por isso expomos aqui umas li-JHLUDVQRHVVREUHHVVDWHRULD$LUHVS

    (VVDRSRUHHFWHXPDFODUDDSUR[LPDRGH%HUQDUGR$LUHVDRevolucionismo, porque abordou essa teoria mesmo sem estar pres-crita programaticamente. Essa aproximao reforada pelo facto de Bernardo Aires, ao contrrio dos outros autores, no ter abordado o criacionismo, mas ter apresentado imediatamente o transformis-mo.

    O estudo do transformismo, abordado no captulo XII, inicia-se na lio 173. Bernardo Aires comeou por referir o objecto do trans-IRUPLVPRLQLFLDQGRDVVXDVFRQMHFWXUDVFRPDUHH[RGHTXHVHMDRXQRRPHLRFDSD]GHLQXHQFLDUDSURGXRGHHVSFLHVLQH-gvel, de acordo com as evidncias sugeridas pela paleontologia27, DQDWRPLDFRPSDUDGDHPEULRORJLDHJHRJUDD]RROJLFDTXHDVHV-SFLHVDFWXDLVGHULYDPGHWUDQVIRUPDHVGHHVSFLHVDQWHULRUHV6H-gundo o autor, o transformismo procura mostrar que as espcies do SDVVDGRORQJHGHVHUHP[DVHLPXWYHLVVHWUDQVIRUPDUDPQRXWUDVHTXHHVVDVWUDQVIRUPDHVFRQWLQXDPLQFHVVDQWHPHQWHDRSHUDUVHtendo como resultado novas espcies. Alertou que o transformismo no se devia confundir com lamarckismo ou darwinismo, porque

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    Caderno de Investigao Aplicada 3

    essas correntes apenas se dedicavam a apresentar as causas dessas WUDQVIRUPDHV

    3DUDRODPDUFNLVPRRPRWLYRGDVWUDQVIRUPDHVGRVVHUHVvivos reside principalmenteQDVYDULDGDVDFHVTXHRPHLRH[HUFHVREUHHOHVRGDUZLQLVPRH[SOLFDHVVDVWUDQVIRUPDHVVREUHWXGRpor uma espcie de escolha dos indivduos, efectuada no pelo KRPHPFRPRQDVHOHFRDUWLFLDOPDVSHODQDWXUH]DHFKDPDGDpor isso seleco natural. (Aires, 1907, pp. 173-174)

    A seguir, aclarou melhor a perspectiva darwinista discor-rendo sobre a luta pela existncia e a seleco natural nas OLHVH UHVSHFWLYDPHQWH28$UPRXTXHRV VHUHVYLYRV QR VHPXOWLSOLFDP LQGHQLGDPHQWH SRUTXH H[LVWHPna natureza muitas causas que o impedem. Entre essas cau-sas encontram-se as que Darwin denominou como luta pela existncia ou concorrncia vital, que actuam desde o esta-do embrionrio at idade adulta de um ser vivo. Esclare-ceu que, por exemplo, um embrio - ou grmen, usando a terminologia da poca - pode no se desenvolver devido a causas intrnsecas, como a falta do vitelo de que se nutre, ou a causas extrnsecas, como no haver calor necessrio SDUDRVRYRVFKRFDUHP1RHVWDGRDGXOWR VLWXDHVFRPRDVPVFRQGLHVFOLPDWULFDVDFRPSHWLRSRUDOLPHQWRVe pela conquista da fmea, ou lutas contra os inimigos, po-dem levar morte precoce, inviabilizando a reproduo de um determinado organismo. Alertou, ainda, que a luta dos machos para a conquista das fmeas um importante exem-plo da concorrncia vital29. Na lio 176 conjecturou sobre o processo de seleco natural ou de sobrevivncia dos mais aptos, mencionando que na concorrncia vital:

    a vitria pertencer aos mais favorecidos, sob o ponto de

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

    vista da forma especial que toma a luta em cada caso particular, isto , aos mais aptos (Aires, 1907, p. 175).30

    Forneceu vrios exemplos de vantagens nessa competio: a cor ou outros caracteres mimticos; formas de defesa aprimoradas, como armas; a migrao quando o clima se encontra imprprio; a atraco de mais fmeas devido a caractersticas como cores ou can-to mais sedutores31, etc. (Aires, 1907, p. 175). Continuou a sua argu-PHQWDRDUPDQGRTXHRVGHVFHQGHQWHVGRVPDLVDSWRVVHURPDLVnumerosos do que os dos menos aptos e, ao mesmo tempo, mais fa-vorecidos para a luta. Nessa nova gerao, os mais aptos tero mais probabilidades de se multiplicarem do que os outros e daro descen-dncia ainda mais apta do que eles, e assim por diante. Pelo contr-rio, o nmero dos menos aptos diminui at desaparecerem. Quando a variao, que serviu de ponto de apoio quela aptido especial HTXHVHIRLDPSOLFDQGRGHXPDVJHUDHVSDUDDVRXWUDVDWLQJHum grande nmero de indivduos, torna-se a base de uma nova raa que poder continuar a afastar-se, dando origem a uma nova esp-cie. Essa transformao ser facilitada se houver uma segregao das raas formadas, isto , se existirem barreiras geolgicas, como montanhas ou rios, que as isolem umas das outras, evitando o seu FUX]DPHQWR&RPRFRUROULR%HUQDUGR$LUHVDUPRXTXH

    A transformao das espcies baseada na seleco natural e secundariamente auxiliada pela segregao dos grupos em via GHVHIRUPDUHPHHPJHUDOSHODVDFHVPRGLFDGRUDVGRPHLRconstitui o darwinismo, tal como Darwin o apresentou (Aires, 1907, p. 176).

    Embora o darwinismo seja muito coerente, o autor alertou que possui uma lacuna importante no seu corpo explicativo: no aclarar as causas da variao entre indivduos da mesma espcie, fenme-no em que a prpria teoria assenta. Se certo que a concorrncia vital elevada entre indivduos da mesma espcie, a seleco na-

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    Caderno de Investigao Aplicada 3

    tural apenas pode actuar sobre eles porque, dentro de um padro de caractersticas comuns, possuem algumas diferenas. Segundo Ber-QDUGR$LUHV'DUZLQH[SOLFRXHVVHSURFHVVRDSHQDVDUPDQGRTXHa matria viva tem por propriedade fundamental a variabilidade, e portanto que os seres vivos diferem uns dos outros por particulari-dades mais ou menos considerveis (Aires, 1907, p. 177). Ainda mencionou que alguns naturalistas discordam que a seleco natural resulte na transformao das espcies. Alis, numa nota de rodap, informou que Pfeffer defendeu inclusivamente que:

    a seleco natural, longe de levar transformao das HVSFLHVWHPSRUHIHLWRPDQWHU[RVRQPHURHRVFDUDFWHUHVGRVseus representantes (Aires, 1907, p. 177).

    $ ODFXQD H[SOLFDWLYD GH'DUZLQ VREUH D RULJHP GDV YDULDHVfoi frequentemente levantada pelos seus crticos, como Fleeming Jenkin. Fleeming acreditava que a seleco natural no podia ac-WXDUGHPRGRFXPXODWLYRDUPDQGRTXHXPDFDUDFWHUVWLFDQRYDSRUPDLVYDQWDMRVDTXHIRVVHFDULDUDSLGDPHQWHGLOXGDGHYLGRDRcruzamento do indivduo portador com indivduos sem essa carac-terstica (Avelar et al, 2004, pp. 74-75; Browne, 2008, p. 80; Vala & Carvalho, 2009, p. 79). O prprio Asa Gray33, devido a Darwin no FRQKHFHUDRULJHPGDVYDULDHVDFRQVHOKRXRDFRQVLGHUDUDKLS-WHVHGHTXHHUDPGLULJLGDVSRU'HXVDRORQJRGHOLQKDVEHQFDVevidenciando um desgnio na Natureza. Todavia, Darwin ops-se a essa ideia, pois no acreditava que um ser divino, a existir, tives-se tambm como desgnio determinar os episdios de sofrimento que ocorrem no mundo natural (Avelar, 2007b, pp. 77-80; Lepeltier, 2009, pp. 135-137).

    Bernardo Aires, devido a essas lacunas, deu a entender que o lamarckismo continuou a angariar apoiantes34, ao defender que as YDULDHVGRVVHUHVYLYRVVRXPDFRQVHTXQFLDGDDFRGRPHLR

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

    auxiliado pela seleco natural, pela segregao e por outros facto-UHVGHWUDQVIRUPDRHTXHHVVDVYDULDHVVRWUDQVPLWLGDVGHV-FHQGQFLD5HIHULXDLQGDTXHQDSRFDJHUDUDPVHGXDVHVFRODVTXHradicalizaram a sua posio em torno do lamarckismo e do darwi-nismo:

    A escola alem menos ecltica do que Darwin. O novida-rwinismo pretende explicar a transformao das espcies exclusi-vamente pela seleco natural. A reaco por parte dos lamarckis-tas no menos vigorosa. O novilamarckismo invoca unicamente a aco do meio (Aires, 1907, p. 177).

    Para terminar este tema, na lio 177, apontou outra evidncia a favor da evoluo biolgica, a lei biogentica, a qual designou lei da patrogenia. Mencionou que essa lei foi condensada por Fritz Mller QDVHJXLQWHDUPDRDRQWRJHQLDGXPRUJDQLVPRQRPDLVGRque um resumo da sua genealogia (Aires, 1907, p. 178). Para es-clarecer essa sentena usou uma analogia ao explicar que as formas embrionrias de um animal representam a galeria dos retratos dos seus antepassados. Continuou mencionando que essa parecena, descoberta por Serres, em 1842, se pode traduzir nestes termos, que concluem a lio:

    a ontogenia uma anatomia comparada transitria, como DDQDWRPLDFRPSDUDGDSURSULDPHQWHGLWDDRQWRJHQLD[DHSHU-manente dos animais superiores (Aires, 1907, p. 178).

    Bernardo Aires, ao equiparar a ontogenia a uma anatomia com-parada transitria, pretendia esclarecer que a ontogenia permitia ob-VHUYDUDWUDYVGDDQOLVHGRVHPEULHVDVYULDVHVSFLHVFXMDWUDQ-sio sucessiva conduziu espcie qual pertence um determinado organismo actual.

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    Caderno de Investigao Aplicada 3

    6 Discusso dos resultados

    O quadro seguinte sintetiza os principais argumentos evolucio-nistas apresentados nos manuais analisados.

    Quadro 2 Tipologia de mecanismos e de provas da evoluo apresentados nos manuais.

    Mecanismos/provas da evoluoManuais

    M1(1887)

    M2(1890)

    M3(1907)

    Mecanismos da evoluo

    Seleco natural X X X

    Seleco sexual - X X

    &RUUHODHVGHFUHVFLPHQWR - X -

    Concorrncia vital X X X

    ,VRODPHQWRJHRJUFR - - X

    Variabilidade - X X

    Hereditariedade - X X

    Provas da evoluo

    Embriologia X - X

    Fsseis de transio - - X

    Existncia de rgos rudimentares X - X

    De acordo com os dados do quadro anterior evidente uma maior prevalncia de argumentos evolucionistas medida que os manuais se sucedem: o M1 apresenta apenas quatro argumentos, o M2 seis e o M3 nove argumentos. Possivelmente, essa diferena acompanhou o desenvolvimento do prprio conhecimento sobre a evoluo e as ideias darwinistas, porque se os manuais M1 e M2, distanciados em apenas trs anos no que diz respeito sua publicao, pouco diferem no nmero de mecanismos e provas da evoluo apresentados, o mesmo no acontece comparando-os com o manual M3, publicado em 1907, altura em que as ideias evolucionistas j estavam slidas e SHUOKDYDPXPPDLRUFRQVHQVRDFDGPLFR

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

    Todos tm em comum abordarem tanto a seleco natural como a competio entre as espcies como motores do processo evoluti-vo. Contudo, essa concordncia no se repete relativamente a outros mecanismos e provas da evoluo, alguns mencionados somente QXPDQLFDREUDFRPRDVFRUUHODHVGHFUHVFLPHQWR0RLVROD-PHQWRJHRJUFRHRVIVVHLVGHWUDQVLR0$VHOHFRVH[XDOa variabilidade e a hereditariedade foram fenmenos abordados em dois manuais, assim como, a embriologia e a existncia de rgos rudimentares. A variao na tipologia dos argumentos evolucionis-tas apresentados nos manuais M1 e M2 provavelmente deveu-se so-mente preferncia dos autores porque, dado o perodo curto que mediou a publicao desses MEs, Silva Amado, Pedro Leite e Ma-ximiano Lemos teriam acesso, presumivelmente, s mesmas obras de referncia.

    7 Concluso

    Esta investigao permite concluir que o evolucionismo darwi-nista, a par da sua aceitao no meio universitrio portugus, au-mentou, paulatinamente, a sua representatividade nos manuais de Zoologia do ensino liceal. Esse acolhimento manifestou-se no maior desenvolvimento no corpo do texto dado ao transformismo em com-parao com o destinado ao criacionismo, assim como na prefern-cia atribuda apresentao dos argumentos de Darwin em prejuzo dos de Lamarck.

    Dos autores analisados, constatou-se que Silva Jnior foi apolo-gista do criacionismo, concepo que provavelmente foi a expresso GDVXDIUDFDIRUPDRFLHQWFDHGH'DUZLQWHUDFDEDGRGHSXEOLFDUa sua obra paradigmtica. J Silva Amado e Pedro Leite, num con-texto ps-darwiniano, revelaram uma tendncia criacionista, embora no deixassem de apresentar os argumentos do evolucionismo com

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    Caderno de Investigao Aplicada 3

    imparcialidade. Em contrapartida, Maximiano Lemos e Bernardo Aires, ambos docentes universitrios, foram acrrimos defensores do evolucionismo, posio que foi clara e manifesta no primeiro DXWRUFRPDUPDHVWH[WXDLVTXHGHFODUDPLQHTXLYRFDPHQWHTXHconsidera o criacionismo como uma concepo sem fundamento.

    Outro aspecto que interessa realar que Silva Amado, Pedro Leite e Maximiano Lemos consideraram que a evoluo das esp-cies tende para a formao de seres de organizao mais perfeita, ou seja, que a evoluo visa a gnese de espcies que so superiores s DQWHULRUHVWHQGRLQFOXVLYDPHQWHVLGRDUPDGRSRU6LOYD$PDGRH3HGUR/HLWHTXHRVHUKXPDQRRGHVWLQRQDOGDHYROXR7RGDYLDessa perspectiva antropocntrica no toldou a sua viso positivista porque apresentaram, com alguma profundidade, vrios argumentos sobre a evoluo das espcies, socorrendo-se de exemplos concretos sempre que foi necessrio aclarar melhor o seu discurso. Note-se que, na poca, a concepo de que a evoluo conduzia a espcies cada vez mais perfeitas, culminando no ser humano, era corrente. &RQWXGRWDOQRUHHFWLDDVLGHLDVGH'DUZLQRTXDOGHIHQGLDTXHDHYROXRHUDXPDVXFHVVRGHUDPLFDHVDSDUWLUGHXPDQFHVWUDOFRPXPVHPGLUHFRSULYLOHJLDGDHVHPXPGHVJQLRQDO

    Por seu lado, Bernardo Aires destacou-se por ter sido o autor que apresentou a maior tipologia de mecanismos e de provas da evolu-RUHHFWLQGRSURYDYHOPHQWHTXHURDFHVVRDPDLVGRFXPHQWDRsobre a temtica, quer a profundidade com que o tema j era co-nhecido no meio universitrio. Todavia, foi notria alguma suscep-tibilidade por parte do autor das Lies de Zoologia s lacunas do GDUZLQLVPRFRPRRQRHVFODUHFLPHQWRGDFDXVDGDVYDULDHV(Pconsequncia, socorreu-se de argumentos como a hereditariedade GRVFDUDFWHUHVDGTXLULGRVSDUDH[SOLFDUHVVDVRPLVVHV$OLVRDSR-logismo da evoluo, mas no da totalidade das ideias darwinistas, era comum nessa poca, que foi mais tarde denominada eclipse

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

    do darwinismo37. O darwinismo, entendido exclusivamente como teoria da seleco natural foi, nesse perodo, sucessivamente posto de parte na Europa e na Amrica, tendo, em consequncia, surgido novas teorias rivais (mutacionismo, neolamarckismo e ortognese) para explicar a evoluo (Bowler, 1983).

    O processo de seleco natural, defendido por Darwin como mo-tor da evoluo, foi outro ponto de dissonncia com a comunidade FLHQWFD&RQWXGRPHGLGDTXHPDLVHYLGQFLDVLQGLUHFWDVVXUJL-ram a corrobor-lo, os autores dos manuais analisados foram acei-tando a ideia de que esse mecanismo fomenta a origem das espcies. De facto, pareceu haver, paulatinamente, um consenso acadmico nacional sobre talvez o aspecto mais importante do raciocnio evo-lucionista de Darwin. Todavia, interessante notar que nenhum dos autores analisados abordou as peculiaridades da distribuio geogr-FDGRVVHUHVYLYRVXPGRVDUJXPHQWRVHYROXFLRQLVWDVPDLVFRQVS-cuos da aco da seleco natural.

    Se a transposio do darwinismo para os manuais pareceu ser SDFFDDRFRQWUULRGRTXHVXFHGHXQRVPDQXDLVHVSDQKLVDQ-ORJRV3XHOOHV%HQWH]+HUQQGH]/DLOOHSSFDainda em aberto se o evolucionismo foi efectivamente e devidamen-WHPLQLVWUDGRHPVDODGHDXOD5HFRUGDVHTXHDVWHRULDVGDRULJHPdas espcies eram atiradas para a ltima rubrica de um programa extenso do ano liceal terminal. Portanto, provvel que os docentes de cincias no tivessem tempo para abordar essa temtica devi-GDPHQWHSRLVRQDOGRDQRHVFRODUHUD WDPEPGHVWLQDGRSDUDDpreparao de exames.

    Como corolrio, possvel concluir que nos manuais portugue-ses de Zoologia analisados do perodo considerado, o evolucionismo foi, paulatinamente, apresentado como uma teoria com um corpo terico coerente e com cada vez mais aceitao, embora Bernardo Aires tenha levantado algumas das suas lacunas. Essa tendncia ge-

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    UDOIRLH[SUHVVDWDQWRSHORVLJQLFDWLYRGHVHQYROYLPHQWRFRPTXHRevolucionismo foi exposto, apoiado pela aluso a vrios mecanis-mos e provas da evoluo, como pela abordagem dos respectivos autores a vrios argumentos apresentados por outros investigadores que aprofundaram esses fenmenos e corroboraram factualmente a maioria das ideias evolucionistas apresentadas por Charles Darwin.

    5HIHUQFLDVELEOLRJUFDVAires, Bernardo (1907). Lies de Zoologia para as 6. e 7. classes dos lyceus. Vol. III. Braga:

    Cruz & C..Almaa, Carlos (1999). O darwinismo na Universidade portuguesa (1865-1890). Lisboa: Mu-

    seu Bocage. ISBN: 972-98196-0-2.Amado, J.; Leite, Pedro (1887). Elementos de Zoologia: para uso dos lyceus. 2. Parte. Lis-

    boa: Typographia Mattos Moreira.$YHODU7HUHVD0DWRV0DUJDULGD5HJR&DUODQuem tem medo de Charles Darwin?

    &ROHFR0RVDLFRVGD&LQFLD/LVERD5HOJLR'JXD(GLWRUHVAvelar, Teresa (2007a). Darwin, evoluo e seleco natural,Q*$63$5$XJXVWDFRRUG

    Evoluo e Criacionismo: uma relao impossvel9LOD1RYD GH )DPDOLFR(GLHVQuasi, pp. 45-67. ISBN: 978-989-552-307-8.

    Avelar, Teresa (2007b). Depois de A Origem das Espcies,Q*$63$5$XJXVWDFRRUGEvoluo e Criacionismo: uma relao impossvel9LOD1RYD GH )DPDOLFR(GLHVQuasi, pp. 69-92. ISBN: 978-989-552-307-8.

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    de 1888, pp. 2336-2337.Decreto n. 3, de 3 de Novembro de 1905, publicado no Dirio do Governo n. 250, de 4 de

    Novembro de 1905, p. 3871.Edital (s. d.), publicado no Dirio do Governo n. 122, de 26 de Maio de 1856, p. 702.Vala, Filipa; Carvalho, Thiago. (Coords.) (2009). A Evoluo de Darwin. Lisboa: Fundao

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    Bento Cavadas I O darwinismo nos manuais escolares

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    Notas1 Para uma descrio sinttica e precisa das ideias de Darwin, consultar Avelar, 2007a, pp. 45-67.2 No caso do ME redigido por Maximiano Lemos, a edio analisada foi a primeira e no a terceira, referida por Almaa.3 O investigador acedeu a um exemplar no datado dessa obra na Biblioteca Pblica Municipal do Porto (Cota: D6-1-14), traduzido por Joaquim D Mesquita Pal, um mdico e professor. 4 O Conselho h j algum tempo que mostrava interesse pela temtica da origem das espcies. Alguns anos antes, em 1861, props a Manuel Paulino dOliveira a questo de doutoramen-to Haveria um ou mais centros de criao vegetal?, enquadrada na problemtica da exis-WQFLDGHFULDHVVXFHVVLYDVRXGHFHQWURVPOWLSORVGHFULDR&RQWXGR0DQXHO3DXOLQRdOliveira no respondeu a essa questo atravs de uma abordagem ao darwinismo porque a obra desse naturalista, em 1861, ainda no era conhecida em Portugal (Almaa, 1999, pp.19-20, 88-89). Paulino dOliveira, na linha de pensamento de De Candolle, fez a sua defesa re-FRUUHQGRH[SOLFDRGDGLVWULEXLRJHRJUFDGDVSODQWDVDWUDYVGDH[LVWQFLDQRSDVVDGRde centros mltiplos de criao (Almaa, 1999, p. 94). No TXHGL]UHVSHLWRVFULDHVVXFHVVLYDVXPGRVVHXVSULQFLSDLVDSRORJLVWDVIRL-DPHVDwight Dana (1813-1895), mineralogista e gelogo dos EUA. Segundo Lepeltier, ele consi-derava que, na sequncia da primeira criao divina, mltiplas espcies tinham sido destrudas HPYLUWXGHGHXPDVULHGHFDWVWURIHVHVXEVWLWXGDVSRUQRYDVFULDHVGLYLQDV(VVDLGHLDresultou essencialmente dos bons conhecimentos paleontolgicos de James Dana, o qual sabia GDH[LVWQFLDGHH[WLQHVGHXPJUDQGHQPHURGHIRUPDVGHYLGDQRQDOGHFHUWRVSHURGRVgeolgicos, seguida do aparecimento de novas espcies (Lepeltier, 2009, pp. 128-129).5 $SDUWLUGHREVHUYDHVGRGHVHQYROYLPHQWRHPEULRQULRGHYULRVDQLPDLV+DHFNHOXPGDUZLQLVWDFRQYLFWRSURSVD/HLGD5HFDSLWXODRRX/HL%LRJHQWLFDDSURIXQGDGDSRU5D\/DQNHVWHU(VVDOHLDGYRJDYDTXHDRQWRJHQLDXPDUHFDSLWXODRGDORJHQLDRXVHMDRVestados sucessivos por que passa um organismo, ao longo do seu desenvolvimento embrion-rio, assemelham-se s formas adultas do percurso evolutivo dos seus antepassados. 6 Paulo Trinco, no livro O portugus que se correspondeu com Darwin, compilou as onze cartas trocadas entre Arruda Furtado e Darwin.7 Edital (s. d.), publicado no Dirio do Governo n. 122, de 26 de Maio de 1856, p. 702.8 Dirio do Governo n. 196, de 22 de Agosto de 1854, p. 1075.9 ([LVWHPH[HPSODUHVGHVVDV HGLHV UHXQLGRVQXPQLFRYROXPHSHUWHQFHQWHDR IXQGRGDBiblioteca Nacional de Portugal (Cota: S.A. 3341 V).10 2LVRODPHQWRJHRJUFRQRSRGHVHUFRQVLGHUDGRREMHFWLYDPHQWHFRPRXPPHFDQLVPRque promove a evoluo, mas somente como um elemento circunstancial do meio que favo-

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    rece os restantes mecanismos evolutivos. Contudo, devido ao seu contributo indirecto para a aco desses mecanismos, ser enquadrado nessa categoria.11 Na Biblioteca Nacional de Portugal, o investigador acedeu a uma dessas obras, a 2. parte do manual Elementos de Zoologia (Cota: 753(VVHPDQXDO YHUVD VREUH D VHFRprogramtica intitulada Zoologia descritiva, cujo estudo se inicia na segunda parte do 4. ano e culmina no 6. ano. Note-se que os anos escolares a que se destina este manual no foram apurados directamente porque no apresenta nenhuma informao nesse sentido, mas LQGLUHFWDPHQWHHPUHVXOWDGRGDFRQIURQWDRGRV VHXVFRQWHGRVFLHQWFRVHGRV WSLFRVapresentados no ndice com os do programa para os 4. e 6. anos liceais de Zoologia.12 Decreto de 12 de Agosto de 1886, publicado no Dirio do Governo n. 195, de 30 de Agosto de 1886, pp. 2365-2367.13 Portaria de 19 de Novembro de 1886, publicada no Dirio do Governo n. 267, de 23 de Novembro de 1886, pp. 3392-3393.14 Dirio do Governo n. 267, de 23 de Novembro de 1886, p. 3393.15 Estas hipteses foram fortemente criticadas por P. A. da Costa seis anos antes da redaco deste manual, num artigo apresentado no livro Defeza do Darwinismo, no qual advoga: Es-WDQGRMRVSULQFSLRVGDHYROXRUPHPHQWHHVWDEHOHFLGRVSRUWRGDVDVSURYDVGHUDFLRFQLRe de facto ao alcance da cincia, segue-se que a hiptese da origem independente, ou criao especial do homem e de cada espcie de animal ou planta, fundada na cosmogonia hebraica, tem de ser forosamente rejeitada pelos homens pensadores, como absolutamente irreconcili-vel com aqueles princpios (Costa, 1880, p. 14). 16 Na poca, o termo transformismo, ao qual Darwin designou inicialmente transmutao, era usado em vez de evoluo.17 Decreto de 20 de Outubro de 1888, publicado no Dirio do Governo n. 242, de 22 de Ou-tubro de 1888, pp. 2336-2337.18 Ver um exemplar deste manual na Biblioteca Nacional de Portugal (Cota: S.A. 15155 P.)19 Portaria de 10 de Outubro de 1889, publicada no Dirio do Governo n. 245, de 29 de Ou-tubro de 1889, pp. 2471-2472.20 Dirio do Governo n. 245, de 29 de Outubro de 1889, p. 2472.21 Puelles Bentez e Hernndez Laille, num estudo sobre o darwinismo nos manuais escolares espanhis de Cincias Naturais do ensino secundrio, no perodo compreendido entre a publi-cao da Origem das EspciesHRVQDLVGRVF;,;LGHQWLFDUDPREUDVTXHFODVVLFDUDPcomo manuales darwinistas que citan a Darwin. Um exemplo o manual Elementos de Historia Natural, redigido por Ignacio Bolvar Urrutia, Salvador Caldern y Arana y Francis-FR4XLURJD5RGUJXH]WDPEPSXEOLFDGRHPPara Puelles Bentez e Hernndez Laille, esses manuais apresentam descripciones de la seleccin natural, la lucha por la existncia y todos los dems conceptos defendidos por Darwin en su teoria, como la variabilidad y la herencia (2009, p. 79). 'HDFRUGRFRPHVVDFODVVLFDRROLYURUHGLJLGRSRU0D[LPLDQRLemos tambm pode ser enquadrado nessa categoria, pois aborda os fenmenos anteriores e, ainda, apresenta com frequncia referncias directas a Darwin e ao seu trabalho. Essas obras opunham-se aos manuales darwinistas en los que Darwin no es citado explicitamente (2009, p. 81), nos quais os autores abordavam o evolucionismo darwinista, mas no referiam Darwin directamente.22 Maximiano Lemos considerou que a seleco natural e a luta pela sobrevivncia imprimiam uma direco hereditariedade. Contudo, o que esses mecanismos evolutivos realmente fa-zem alterar a frequncia das caractersticas dos organismos, consoante so favorveis ou no, e no guiar a hereditariedade.23 5HVVDOYDVHTXH'DUZLQIRFRXHVVHQFLDOPHQWHDFRPSHWLRHQWUHLQGLYGXRVHQRHQWUHespcies.24 Decreto n. 3, de 3 de Novembro de 1905, publicado no Dirio do Governo n. 250, de 4 de Novembro de 1905, p. 3871. 25 No fundo da Biblioteca Pblica Municipal do Porto h um exemplar desta obra (Cota: N-10-13).26 Decreto de 29 de Agosto de 1905, publicado no Dirio do Governo n 194, de 30 de Agosto de 1905, pp. 3061-3065.27 Bernardo Aires redigiu uma esclarecedora explicao, numa nota de rodap, sobre a impor-WQFLDGDSDOHRQWRORJLDSDUDRWUDQVIRUPLVPR$UPRXTXHPXLWDVIRUPDVIVVHLVUHSUHVHQWDP

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    uma transio gradual entre seres actuais manifestando uma evoluo contnua no sentido da maior diferenciao orgnica (Aires, 1907, p. 173). Forneceu vrios exemplos dessa transi-o, como os dinossauros e as aves com dentes (Archaeopteryx), que representam a transio dos rpteis para as aves actuais. 28 2PDQXDOUHGLJLGRSRU%HUQDUGR$LUHVWDPEPVHSRGHFODVVLFDUGHDFRUGRFRPDWLSR-logia de Puelles Bentez e Hernndez Laille, na categoria dos manuais darwinistas que citam Darwin (2009, p. 79).29 Ao usar este exemplo, Bernardo Aires, sem o referir directamente, abordou a seleco se-xual. 30 $FHUFDGDVREUHYLYQFLDGRVPDLVDSWRV-DQHW%URZQHFRQFOXLXTXHQRQDOGRVFXORXIX e no incio do sculo XX, por exemplo, quando os imperativos evolutivos da competio HGRSURJUHVVRVHH[SULPLUDPQDHVIHUDVRFLDODH[SUHVVRlVREUHYLYQFLDGRPDLVDSWR{andava em todas as bocas (Browne, 2008, p.13). Portanto, no surpreende que fosse usada com frequncia por Bernardo Aires para explicar o processo de seleco natural.31 (VWDDUPDRLOXVWUDRXWURH[HPSORGHVHOHFRVH[XDO32 Darwin nunca conseguiu explicar rigorosamente a origem da variabilidade. Contudo, acerca GHVVHIHQPHQRDVXDSULQFLSDOFRQFOXVRIRLTXHDVYDULDHVHUDPDOHDWULDVHQRGLUL-gidas: no dependiam das necessidades dos organismos (como sugerira Lamarck) (Avelar, 2009, p. 23). 33 Asa Gray (1810-1888) foi um dos mais notveis botnicos do sc. XIX e um acrrimo de-fensor do darwinismo nos Estados Unidos da Amrica.34 Alis, Bernardo Aires, embora reconhecendo que na poca no se conheciam provas irre-futveis da hereditariedade dos caracteres adquiridos, advogou que a existncia de rgos rudimentares era uma evidncia a seu favor. Acreditava que estes derivariam de rgos nor-PDLVTXHVHUHGX]LULDPSRUHIHLWRGDLQDFRDTXHDPXGDQDGDVFRQGLHVGRPHLRRVcondenou, tornando-os desnecessrios (Aires, 1910, p. 172).35 Darwin tentou encontrar uma soluo para o problema da hereditariedade, mas nunca o conseguiu. (Avelar, 2007a, p. 52). Na poca, o trabalho de Mendel ainda no era conhecido, pelo que os naturalistas se socorriam da melhor explicao existente at data para a proble-mtica da hereditariedade - a lei da herana dos caracteres adquiridos. Essa lei advogava que DVPRGLFDHVSURGX]LGDVQXPRUJDQLVPRDRORQJRGRVHXWHPSRGHYLGDHPFRQVHTXQFLDdo uso ou desuso dos rgos, eram passveis de serem transmitidas descendncia. Ao longo GHJHUDHVVXFHVVLYDVHVVDVWUDQVIRUPDHVKHUHGLWULDVDFXPXODUVHLDPIRUPDQGRQRYDVespcies.36 A ontogenia, que descreve a origem e o desenvolvimento de um organismo desde o ovo fertilizado, passando pela forma adulta, at sua morte, supostamente permitiria saber quais foram os animais a partir dos quais evoluiu uma determinada espcie, atravs da comparao da anatomia do embrio ao longo do seu desenvolvimento com as formas adultas de espcies actuais. Foi a partir destas ideias que surgiu a lei biogentica. Uma verso mais recente dessa lei postula que o desenvolvimento embrionrio de um organismo de uma determinada espcie recapitula no as formas adultas, mas as formas embrionrias das espcies ancestrais. Contu-do, tanto a verso mais antiga como a mais recente da lei biogentica, nunca gerou consenso QDFRPXQLGDGHFLHQWFD37 2SHURGRGHVLJQDGRHFOLSVHGRGDUZLQLVPRRFRUUHXHQWUHRQDOGRVF;,;HDVSULPHL-ras dcadas do sc. XX. Uma boa sntese das caractersticas desse perodo pode ser consultada no captulo com a mesma designao, no livro A heresia de Darwin. O eterno retorno do criacionismo, redigido por Thomas Lepeltier (2009, pp. 102-114).