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DanteCultural Ano III - nº 7 - Novembro/2007 ISSN 1980-637X Celso Lafer Um apaixonado pelas letras e pelo conhecimento Igreja da Paz A beleza intacta no meio da degradação do centro de São Paulo Guido Totoli O talento do ceramista, pintor e escultor italiano que faz sucesso no Brasil Lombardia A rica variedade na cozinha, as paisagens e a arquitetura da região Imigrantes rebeldes Italianos que vieram ao Brasil para propagar sua ideologia

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DanteCulturalAno III - nº 7 - Novembro/2007

ISSN 1980-637X

Celso LaferUm apaixonado pelas letras e pelo conhecimento

Igreja da PazA beleza intacta no meio da degradação do centro de São Paulo

Guido TotoliO talento do ceramista, pintor e escultor italiano que faz sucesso no Brasil

Lombardia A rica variedade na cozinha, as paisagens e a arquitetura da região

Imigrantes rebeldesItalianos que vieram ao Brasil para propagar sua ideologia

O que seu filho vai ser quando crescer?

Colégio Dante Alighieri

www.colegiodante.com.br / (11) 3179-4400

Educação Infantil (Maternal e Jardim) Ensino Fundamental Ensino Médio�

O futuro começa aqui.

Carta ao leitor

3

Caros Leitores:

São tantos os assuntos e os personagens, e é tão grande a influência da cultura italiana sobre nós, que se tornou imprescindível fazer da nossa DanteCultural, que há dois anos nasceu semestral, uma publicação trimestral.

Uma dessas interessantes histórias, a da capa deste número, conta a vinda de anarquistas italianos para o Brasil, e a luta deles, principalmente de Oreste Ristori, por melhores condições de trabalho e, conseqüentemente, de vida.

Outra história de busca de melhores condições de vida e de ajuda aos imigrantes italianos, apesar de baseada em ideais opostos aos dos anarquistas, é a do surgimento da Igreja Nossa Senhora da Paz, no hoje decadente bairro paulistano do Glicério. De fachada bastante simples, a igreja esconde, no seu interior, verdadeiros tesouros artísticos: esculturas de Galileo Emendabili e afrescos de Fulvio Pennacchi.

Mais um artista italiano que tem seu trabalho apresentado na DanteCultural é o pintor e escultor Guido Totoli, mago da argila e dos pincéis, retratado na seção Perfil.

Na Entrevista, temos o intelectual Celso Lafer, nosso ex-aluno, que nos conta, entre outros fatos, do seu tempo de Dante e de suas experiências como ministro de Estado - além da recém-assumida presidência da Fapesp.

No Ensaio Fotográfico, fazemos um passeio em preto-e-branco por aquele que, provavelmente, é o mais italiano dos bairros paulistanos: a Mooca. Vemos as vilas, os cachorros pela rua e as antigas construções fabris.

A uma viagem pela bela região da Lombardia, e a seus pratos deliciosos, nos levam as seções de Turismo e Gastronomia. Presenteamos nossos olhos com as belas imagens do Duomo e da Galleria Vittorio Emanuele, ambas em Milão, e do Lago de Como, além de aguçarmos nossas papilas gustativas com as receitas do casonsei alla bergamasca, da costoletta alla milanese e do creme de mascarpone, fornecidas pela chef Silvia Percussi.

Dois nomes muito importantes do cinema italiano, um na direção, e outro na música, estão presentes nesta edição. São Michelangelo Antonioni, que tratava, em seus filmes, da incomunicabilidade, com enorme riqueza de imagens; e Ennio Morricone que, mesmo sem falar inglês, criou mais de 500 trilhas sonoras para filmes de Hollywood.

Como esta edição de novembro é a última do ano, aproveito para desejar a todos os nossos leitores um Santo Natal e um excelente 2008.

Em fevereiro, nos encontramos novamente. Boa leitura!

Marco FormicolaPresidente do Colégio Dante Alighieri

4C1 C2 C3 C4 C5 C6

Notas 6

Entrevista 8

Capa 16

Igreja da Paz 22

Teatro 28

Literatura 30

Música 34

Cinema 36

Perfil 38

Espaço aberto 42

Ensaio fotográfico 44

Gastronomia 48

Turismo 52

Artigo/Educação 58

Memória 59

Semana da Língua Italiana, Brasilis Playback Theatre e o talento do ex-aluno Raphael Despirite

Celso Lafer fala sobre sua trajetória como político, professor e intelectual

As aventuras e a luta de anarquistas italianos no Brasil

A igreja que já foi reduto de italianos mantém sua ligação com os imigrantes

Commedia dell'arte: as máscaras são protagonistas nesse teatro italiano

As lições de uma criança para leitores de todas as idades em Não tenho medo

Ennio Morricone, o maestro que dedicou sua vida ao cinema

O diretor das sensações e do silêncio, Michelangelo Antonioni

Guido Totoli: o artista inquieto que veio de um pequeno povoado da Itália e se consagrou no Brasil

“(...) nos trancamos em milhos que fogem do fogo. É o medo de estourar a casca protetora”

As construções históricas e as pessoas que formam a paisagem urbana da Mooca

Uma cozinha variada e rica: a lombarda

As riquezas naturais e arquitetônicas da Lombardia

A busca do equilíbrio na educação dos filhos

Álbum aberto

Capa: Milton CostaJúlio Santos ARS Latina Tadeu Brunelli Milton Costa Divulgação Érico Padrão

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Fernando Homem de Montes - Publisher

Marcella Chartier - Editora (jornalista responsável - MTb: 50.858)

Revisão: Luiz Eduardo Vicentin

Projeto Gráfico: Nelson Doy Jr.

Diagramação e arte: Simone Alves Machado e Joyce Buitoni (assistente)

Ilustrações: Milton Costa

Comercial: Vinicius Hijano

Colaboradores: Beatriz Scavazzini, Daniel Lima, Edoardo Coen, Érico Padrão,

Gabriel Affonso Morales, Itamar Cardin, João Florêncio,

Júlio Santos, Laura Folgueira, Luisa Destri, Marília Kotait,

Silvana Leporace, Silvia Percussi

A Revista DanteCultural (ISSN 1980-637X)

é uma publicação do Colégio Dante Alighieri

Cultural

Marco Formicola - Presidente

José de Oliveira Messina - Vice-presidente

Renato Bernardo Fontana - Diretor Secretário

José Piovaccari - 2º Diretor Secretário

Milena Montini Martins de Siqueira - Diretora Financeira

Salvador Pastore Neto - 2º Diretor Financeiro

Carlo Cirenza - Diretor Adjunto

Ítalo Américo Lorenzi - Diretor Adjunto

José Luiz Farina - Diretor Adjunto

José Perotti - Diretor Adjunto

Lauro Spaggiari - Diretor Geral Pedagógico

CartasMande suas sugestões e críticas para [email protected]

Tiragem: 6 mil exemplares

Colégio Dante AlighieriAlameda Jaú, 1061. São Paulo-SPFone: (011) 3179-4400www.colegiodante.com.br

DanteCulturalDanteCultural

Notas

Emoções em improviso

O Brasilis Playback Theatre se apresentou no auditório Miro Noschese, no Dante, duas vezes no segundo semestre: uma no dia 28 de agosto, outra no dia 9 de outubro. Nas peças do grupo, a platéia é a protagonista. A cada história contada por um dos espectadores presentes, os atores deram um show de improviso e emocionaram o público interpretando as cenas no palco."Eles têm uma comunicação fantástica entre si, preparam toda a cena na hora sem nem mesmo conversarem", admira-se a profa. Lúcia Lacerda de Oliveira, do Departamento de Arte, que esteve presente na apresentação do dia 28 de agosto. Quando adolescente, ela se envolveu num grupo voluntário que ensinava natação a crianças cegas. Uma menina, que no início chorava muito e não queria nadar, acabou se encantando com a

Júlio Santos

Na VII Semana da Língua Italiana, comemorada em todo o mundo entre os dias 22 e 28 de outubro, o Dante sediou dois eventos: uma exposição sobre a presença do mar na obra do autor Emilio Salgari; e uma mesa-redonda sobre o tema "O italiano e o mar", promovida pelo Istituto Italiano di Cultura em parceria com o Consulado Geral da Suíça em São Paulo. A Semana tem como objetivo estimular o interesse pelo conhecimento do idioma italiano no mundo.Participaram do debate, no dia 23, Marco

João Florêncio

VII Semana da Língua Italiana celebrada no DanteCameroni, representante da Confederação Suíça, Mino Carta, jornalista da revista Carta Capital, Paolo Manzo, do periódico italiano Il Giornale, e o escritor Mario Lorenzi - que substituiu Oliviero Pluviano, representante da ANSA (agência de notícias italiana), que não pôde comparecer por um imprevisto. Estavam presentes também o cônsul da Suíça em São Paulo, Rudolf Wyss, e o cônsul-geral adjunto, Roland Rietmann.Mino Carta contou suas lembranças pessoais. "Não me esquecerei da visão do mar genovês quando saía de Gênova de trem", disse o ex-aluno do Dante, que chegou ao Brasil em 1946 e ressaltou a emoção de voltar ao Colégio. "É como chegar em casa, adoro vir ao Dante".O cônsul da Itália em São Paulo, Marco Marsilli, demonstrou entusiasmo com as discussões da mesa-redonda. "O evento cumpriu bem a proposta de falar do mar e das relações importantes que a Itália tem com ele, principalmente por causa do comércio do contato com outros povos", diz Marsilli. "Além disso, todos na mesa são oradores brilhantes".

dedicação da professora. Depois de uma entrevista feita com Lúcia no palco, o grupo representou a história. "Eles escutam com o coração, não precisam de ensaio", completa a professora.O diretor do Brasilis Playback Theatre é o ex-aluno e ator Mário Moura. "No mesmo auditório onde recebi meu primeiro livro, há 36 anos, voltei para mostrar meu trabalho. É emocionante retornar ao lugar onde aprendi os caminhos da vida", afirma Mário. O ingresso para as duas apresentações foi um livro, e os exemplares reunidos foram entregues à Associação Remanescentes do Quilombo de Ivaporundava e à Acorde Oficina para o Desenvolvimento Humano.

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Herdeiro da boa mesa Depois de se formar no Ensino Médio do Dante, em 2001, Raphael Despirite foi para a França estudar no curso técnico de gastronomia da Escola Ritz-Escoffier, do hotel Ritz de Paris. Há três anos, o chef assumiu o comando da cozinha de um dos restaurantes mais sofisticados de São Paulo, o Marcel. E já é reconhecido pelo seu talento: em 2007, recebeu o prêmio Chef Revelação da revista Prazeres da Mesa, foi indicado pela revista Veja na categoria "chef revelação" (O melhor da cidade - comer e beber), e premiado pela revista Gula com o terceiro lugar, na mesma categoria. "Sempre gostei de gastronomia e meu interesse pela cozinha foi natural porque minha família já era do ramo", conta Raphael. O Marcel foi fundado pelo seu avô, o francês Jean Durand, na década de 1960. "É uma responsabilidade absurda comandar uma cozinha com mais 50 anos de tradição", aponta. "Por isso, me dedico bastante ao restaurante e invisto na minha carreira. Procuro ir aos maiores congressos de gastronomia de vanguarda e incorporar novas

Div

ulg

ação

RESTAURANTE MARCEL Rua da Consolação, 3555 - Jardins São Paulo/ SPFone: (011) 3064-3089 www.restaurantemarcel.com.brHorário de funcionamento: de segunda a quinta das 12h00 às 14h30 e das 19h00 às 24h00. Sexta e sábado das 12h30 às 14h30 e das 19h00 à 01h00. Domingo das 12h30 às 14h30, e das 19h00 às 23h00.

técnicas e ingredientes ao cardápio". Desde criança, Raphael passa boa parte do seu tempo entre as panelas. "Na época do colegial (hoje, Ensino Médio), sempre que podia, fazia estágio na cozinha do Marcel", lembra. Mesmo produzindo cardápios da alta gastronomia, Raphael lembra do lanche preferido na escola. "Tenho saudades da pizzinha do recreio", diz.

Entrevista

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Divulgação

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Um homem das letras

Professor, ex-ministro e imortal da Academia Brasileira de Letras, Celso Lafer conta sua trajetória, fala de seus tempos de Dante e do novo desafio como presidente da Fapesp

Quais são suas lembranças do Dante?Eu entrei no Dante em 1953, no então chamado 1º ano do ginásio (hoje, Ensino Fundamental) e fiquei até 1959, quando me formei no colegial (hoje, Ensino Médio). O Dante foi para mim uma experiência extraordinária, da qual guardo as melhores lembranças. Em primeiro lugar, um colégio onde realmente se aprendia, onde o ensino era levado a sério e onde eu adquiri uma série de conhecimentos que foram a base do meu desenvolvimento futuro. Além disso, o Dante foi para mim, desde o início, um estímulo para a imersão na cultura italiana. A sedução da cultura e da língua italiana me marcou com muito gosto. Estudando italiano, sempre se decorava um ou outro poema, inclusive aqueles dedicados à Beatrice (musa inspiradora de Dante Alighieri), que eu recitava para uma namoradinha

m andar inteiro de um edifício da avenida Faria Lima, entre as mais movimentadas de São UPaulo, é tomado de livros. Pelo longo corredor que leva até o escritório de Celso Lafer, as paredes de vidro permitem que se vejam as prateleiras carregadas de grossos volumes. Chegando à sala do entrevistado, mais livros. Atrás da mesa, ao lado da porta, perto das janelas. Uma coleção de peso. "Tem mais embaixo, em casa, na casa da minha mãe, por tudo quanto é lugar", diz Lafer. Ex-ministro das Relações Exteriores dos governos Collor e FHC (deste último, também foi Ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior), membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), professor titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP, e presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) desde o final de agosto de 2007, Lafer formou-se no Dante em 1959. "Foi uma experiência extraordinária, da qual guardo as melhores lembranças", conta. Ainda na época da escola, começou sua paixão pelas letras e pelo conhecimento, que recrudesceu com o tempo. Lafer fala cinco línguas e é autor de 281 artigos publicados em jornais e revistas, 39 livros, 169 capítulos de outras publicações, entre outros textos. Os temas variam entre relações internacionais, política, globalização, Direito, e demais interesses, além de homenagens ao falecido jurista Miguel Reale - antecessor de Lafer na cadeira 14 da ABL e também ex-aluno do Dante. "Tínhamos uma relação muito próxima, além de ele ter sido meu professor. Era um grande intelectual, com muita personalidade", lembra. Depois de tudo o que produziu, aos 66 anos ainda não está satisfeito. "Sempre tem alguma coisa faltando, eu ainda quero escrever, por exemplo, sobre o processo decisório em política externa, contando minha experiência", diz. Mesmo com o pouco tempo que lhe sobra para os exercícios físicos, dos quais não abre mão, e para a convivência com a família, é assim que ele prefere. Agora, Lafer dedica uma atenção especial à Fapesp. E reitera a importância da interação cultural na pesquisa brasileira. "Para lidar com os desafios do mundo contemporâneo, deve haver uma complementaridade entre as culturas científica e humanística", afirma.

na época do colegial. A mesma com quem tinha discussões polêmicas sobre nossas preferências em relação à ópera: ela, devota de Puccini (Giacomo Puccini) e eu, que, apesar de admirar Puccini, acreditava que Verdi (Giuseppe Verdi) tinha uma abrangência e uma profundidade maiores.Ainda falando das influências da Itália, um grande pensador que marca o meu pensamento é Norberto Bobbio, que veio ao Brasil no início da década de 1980. Ele era um pensador universal, com muita sensibilidade, em primeiro lugar em relação à tradição cultural italiana, que ele discutiu e explorou em seus livros. O contato com Bobbio reavivou e ampliou o meu acesso à Itália do século XX.

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O senhor ainda mantém amizade com algum colega dos tempos de Dante?Com alguns sim, outros a vida separou. Uma das minhas colegas do Dante é a Costanza Pascolato, que já naquela época conseguia dar um charme todo especial ao uniforme imposto às moças.

Existe algum episódio marcante da sua história no Colégio?Há uma coisa que me marcou muito, que vivi no Dante: eu estava no 4º ano ginasial e o professor de inglês organizou uma viagem de um mês de duração à Europa. Fui com colegas de turma e, para mim, foi uma absoluta revelação. Eu nunca tinha estado na Europa, tinha 15 anos, e fiquei fascinado. Conheci Roma, o Museu do Vaticano, Florença, Veneza, Paris, Londres... Acho que essa viagem foi o que me abriu os horizontes e que me tornou uma pessoa preparada para amadurecer e estudar.

Quando estudante do Colégio, o senhor imaginava que seguiria a carreira que escolheu?Saber para onde e como se vai é muito

complicado. Quando terminei o Dante, fui aprovado nos

vestibulares para Direito e Letras. Eu tinha lido, em

1959, data da publicação, Formação da literatura brasileira, um clássico do Antonio Candido. O livro tinha acabado de sair e quase ninguém tinha lido. Fiz um grande sucesso

porque revelava um domínio da

literatura brasileira. Meu pai era

advogado e, por isso, acabei me atraindo pelo

Direito. Estagiei num escritório importante, comecei a me aprofundar nas matérias e vivi um período muito intenso na faculdade do ponto de vista político. Entrei em 1960 numa faculdade que sempre foi ponto de vibração dos grandes debates políticos brasileiros, uma escola de cidadania. Eu peguei o último ano da presidência do Juscelino Kubitschek, a eleição de Jânio Quadros e a frustração da renúncia, a dificuldade da posse do Jango, o plebiscito, as reformas de base, a intervenção militar e o início do regime autoritário.Desde os tempos da faculdade também já me interessava pelas relações internacionais, assunto que ocupou uma parte grande da minha agenda profissional e acadêmica. Por isso fiz uma pós-graduação no exterior (na Universidade de Cornell, nos EUA) e me doutorei em 1970 em Ciência Política. Em 1971 comecei a lecionar na faculdade, onde estou até hoje. É a atividade mais estável na minha vida, onde passo a maior parte do meu tempo.

Como foi sua experiência no governo?A experiência no interior de um governo é sempre forte, e trabalhar na gestão do Fernando Henrique foi muito construtivo. Talvez a primeira impressão mais forte de passar pelo governo seja a noção de limites: não dá para fazer tudo o que se imagina. A segunda é a percepção de que a existência desses limites não deve fazer você esmorecer. Vencer esses dois grandes desafios é uma tarefa muito importante. Dizia o Machado de Assis que o inesperado tem o seu papel. Quando fui para o Ministério das Relações Exteriores, imaginava poder concentrar a minha atenção na diplomacia econômica, nas grandes negociações comerciais, na OMC (Organização Mundial do Comércio), no Mercosul, na União Européia. Mas me vi atropelado pelos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 e tive que lidar também com uma agenda de segurança no plano internacional e uma agenda política que não estavam previstas. O Aron (Raymond Aron, filósofo e sociólogo francês), um grande pensador, fazia uma distinção entre a política do entendimento e a política da razão. A primeira é uma tentativa de

Arq

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ess

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Um colégio onde realmente

se aprendia, onde o ensino era levado a sério e onde eu adquiri

uma série de conhecimentos que

foram a base do meu desenvolvimento

futuro.

renovar suas táticas para lidar com conflito e cooperação. A política da razão é ter uma certa idéia regulatória, segui-la e ir adaptando suas táticas àquilo que acontece. Na experiência de governo há uma combinação das duas políticas.

E como foram as experiências em cada ministério que o senhor assumiu?Assumi o Ministério das Relações Exteriores, do Collor, em 1992, num momento em que ele sentiu que precisava fazer uma grande renovação para levar adiante uma proposta inovadora. E foi nesse contexto que ele procurou mobilizar não as estrelas centrais do PSDB, mas os que circundavam essa constelação. Eu fui, então, chamado. Enfrentei uma grande crise política que levou ao impeachment. Engendramos o que se chamou de compromisso com a governabilidade - uma deliberação coletiva do ministério que afirmava que continuaríamos no governo até que o Congresso se manifestasse. Entendíamos que com isso asseguraríamos condições de governabilidade. E acho que acabamos criando uma instância própria, quase que uma instância de governo parlamentar num regime presidencialista, que permitiu que a crise política fosse encaminhada sem maiores problemas. Até que o Congresso decidiu encaminhar o processo de impeachment e todos nos afastamos. Depois, participei da campanha do Fernando Henrique Cardoso e ele me convidou para ser embaixador em Genebra, na Suíça. Foi uma experiência extraordinária, porque Genebra era o

epicentro do processo de globalização e lidei com a OMC no início de sua atuação. Atuei na conferência de desarma-mento, na organização internacional do trabalho, na da saúde. Depois dos quatro anos, entendi que já tinha cumprido as minhas responsabilidades e o Fernando Henrique me convidou para o Ministério do Desenvolvimento. Foi um período difícil, quando, inclusive, o Hélio Mattar foi meu excelente colaborador (Hélio Mattar, entrevistado da edição anterior da DanteCultural, foi Secretário de Desenvolvimento da Produção do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Hoje, é presidente do Instituto Akatu de Consumo Consciente). Era um período difícil por causa das inseguranças da operação cambial. A crise econômica de 1999 favoreceu a minha saída e voltei a São Paulo.

Cultural

Celso Lafer estudou no Dante do 6º ano do Ensino Fundamental (antiga 5ª série)até se formar no Ensino MédioArquivo Dante

ã s e i a N o ou xclus vist .Gos o sc e t de ler, e r ver,

d c o do amigo o onvívi s s,da bo c alian a omida it a ,

r s e r de ob a d a te, o queo Pa a a a Octavio z ch m v

e s priv ios ad o ' ilég d is a'v t

12

Mais tarde, o ex-presidente me convidou para voltar ao Ministério das Relações Exteriores, o que fiz com muito prazer. Uma das boas experiências que guardo dos tempos de colaborador do governo FHC é o estímulo intelectual que eu tinha participando de uma discussão constante, de uma inteligência superior que deu uma direção para o nosso país.

O que o senhor acha da gestão do atual Ministério das Relações Exteriores?Um antecessor nunca é um analista inteiramente objetivo e imparcial, por isso não vou entrar nas críticas, nem nos acertos.

O que evoluiu nesse Ministério desde o governo Collor? E o que precisa melhorar?O Ministério é de qualidade, deve preservar as características de uma carreira de Estado, serve ao país, na sucessão de seus governos. É muito importante que o critério de ingresso, que é o de mérito, seja preservado. A agenda diplomática se ampliou enormemente. Mesmo no meu tempo, da minha primeira para a minha segunda gestão, e para o que é a realidade contempo-rânea. Cabe ao Ministério manter a lembrança da memória diplomática e renovar sua mensagem à luz das novas situações. Temas como meio ambiente, ecologia, por exemplo, não tinham a proeminência que têm hoje.

Queria que o senhor falasse um pouco sobre sua cadeira 14 na ABL. Substituiu Miguel Reale, também ex-aluno do Dante. Como recebeu a notícia de que o substituiria?Ele era um grande admirador de Dante, estudioso e exegeta. Era um grande intelectual, com uma forte personalidade. Conheci o professor Reale quando menino, porque, quando eu tinha 5, 6 anos, meus pais moravam na avenida 9 de Julho, que era bem mais pacata do que é hoje. O professor Reale era quase nosso vizinho, e meus pais tinham uma relação de amizade com ele e a família dele. Eu jogava bola com o Miguelzinho (Miguel Reale Júnior, filho do professor). Depois fui aluno do professor Reale e, mais tarde, ele me convidou para participar de um curso de pós-

graduação que estava ministrando. Ficou uma relação muito próxima, ele me estimulou a ir estudar nos Estados Unidos, eu o acompanhei no Congresso de Filosofia do Direito em Quebéc, no Canadá. Quando voltei, ele se interessou pela minha carreira e colaborei com ele na Revista Brasileira de Filosofia, em múltiplas atividades dele. Ia com freqüência à casa dele, enfim, tínhamos uma relação muito boa. Na faculdade, substituí o professor Reale na disciplina que era dele, Filosofia do Direito, que ele inovou nacional e internacionalmente. E eu escrevi muito sobre a obra dele, a temática dos valores, o poder e a legitimidade, o critério da justiça... Quando ele faleceu, escrevi um grande texto sobre sua trajetória como professor e pensador na área do Direito. Escrevi muito sobre ele também no meu discurso de posse na Academia.

Eu acho que o professor Reale foi, post-mortem, o meu grande

eleitor, porque todos sabiam na ABL do

meu relacionamento

com ele e estava claro que, se ele tivesse que ser substi-tuído, ele gostaria de ser por alguém ligado a

ele, e eu era a pessoa mais

visivelmente próxima.

Uma semana antes de falecer, fui visitá-lo

no hospital. Achei que ele estava abatidinho. Veio o

almoço, e almoço de hospital não se caracteriza por ser uma maravilha. Eu disse: "Olha professor, não é o macarrão da mamma, mas o senhor vai almoçar". Peguei o prato, levei a ele, comecei a conversar e ele comeu. Terminado o almoço, ele imediatamente disse: "Bom, o que nós vamos publicar no próximo número da Revista Brasileira de Filosofia? Tenho esse texto, aquele, o que você acha?". Ele estava em plena vitalidade e demonstrando esse gosto pelas coisas mesmo num momento de saúde delicada. Na semana seguinte, ele foi para casa e eu ia visitá-lo, mas infelizmente ele faleceu antes. Esse encontro no hospital foi uma despedida.No ano anterior ao falecimento, fizemos uma homenagem a ele na Faculdade de Direito da USP. Ele foi e falou, como costumava fazer, sem nenhuma nota. Claro que ele pensava nas coisas,

Talvez a primeira impressão mais forte de

passar pelo governo seja a noção de limites: não dá para fazer tudo o que se imagina. A segunda é a percepção de que a existência

desses limites não deve fazer você esmorecer.

Div

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ação

era sempre a exposição verbal de uma prévia reflexão. Mas sem nada anotado.

O senhor atua também no campo cultural, como presidente da Fundação Cultural Ema Gordon Klabin...É uma fundação muito interessante, criada pela minha tia Ema, que era prima de papai. Ela fez uma coleção muito interessante, com obras que vão de Frans Post, que é a reprodução iconográfica inicial do Brasil, a Lasar Segall, além de obras da pintura italiana do Renascimento e da pintura holandesa dos séculos XVII e XVIII. Foi tia Ema que legou, em seu testamento, a casa e as obras para a criação de um museu que ela entendia que deveria servir à cultura da cidade de São Paulo. (leia mais no box)

Falando em coleções, pelo visto o senhor tem uma de cachimbos, uma grande de livros...Cachimbos eu fumo, ainda que isso não seja aparentemente correto. Livros eu tenho muitos, uma biblioteca grande, mas é mais de trabalho, ligada aos meus interesses. Tem mais embaixo, em casa, na casa da minha mãe, por tudo quanto é lugar.

Qual o seu maior objetivo como presidente da Fapesp? A Fapesp é uma instituição exemplar. Tem uma visão abrangente da noção de pesquisa, inclui as artes, a ciência, a tecnologia, o ambiente. Tem 13 coordenadorias que dizem respeito a áreas

como agronomia, veterinária, saúde, humanidades, economia

etc. O orçamento anual é da ordem de 600 milhões de reais, e ele tem sido basicamente aplicado em três pilares: formação de recursos humanos, que são as bolsas de iniciação, mestrado,

doutorado, pós-doutorado, que recebem 30% do

investimento anual; pesquisa acadêmica básica, que recebe

60% dos recursos anuais; e pesquisas com vistas à aplicação, que incluem projetos de pesquisa em pequenas empresas, que recebem 10%. Eu entendo que não é possível lidar com os desafios do mundo contemporâneo sem uma complementaridade entre as culturas científica e humanística. Por exemplo, um dos campos da Filosofia do Direito é a bioética. Você não pode lidar com os desafios da bioética sem ter um conhecimento da inovação científico-tecnológica. Direito do meio ambiente: você não pode falar sobre mudança climática e diversidade sem ter um domínio sério da dimensão científica dessas coisas. Um dos méritos da Fapesp é o de ser um local onde se faz a complementaridade e o diálogo entre as estruturas. Na revista da Fapesp, chamada Pesquisa, há uma promoção da complementaridade dos saberes. Numa mesma edição, você pode encontrar uma área sobre política científica e tecnológica, uma sobre o

A relação entre Lafer e o prof. Miguel Reale ia além da profissional: além de ter sido aluno de Reale, Lafer tornou-se admirador e amigo pessoal do falecido jurista

Eu acho que o professor Reale foi,

post-mortem, o meu grande

eleitor.

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Uma casa-museu

A casa em que vivia a empresária Ema Gordon Klabin, no Jardim Europa, é um museu aberto à visitação desde abril de 2007. "Tia Ema", como a chama Lafer, faleceu em 1994 e deixou mais de 1.500 peças de procedência variada, intactas na decoração de sua casa: arte da antigüidade clássica, oriental, africana, européia, brasileira, pré-colombiana, entre outras. As preferências de Ema não tinham apenas uma direção, por isso a multiplicidade da riqueza no acervo. "Os museus começaram como coleções", aponta Lafer. "É um pouco o que dizia Malraux (André Malraux, pensador francês do século XX) sobre a história do museu imaginário e da criação. Os objetos deixam de ter uma utilidade funcional e entram no universo da reflexão artística". Além das peças, o próprio ambiente da residência de 900 m², projetada pelo arquiteto Alfredo Ernesto Becker, é de lembranças das quatro décadas que Ema viveu lá: móveis, um arquivo de cerca de 2.400 itens (a maioria de documentos pessoais), mais de 2 mil fotos e uma biblioteca de quase 3 mil volumes disponíveis para consulta. A casa-museu abre para exposição às terças, quintas e sextas-feiras, com monitores, e a visita deve ser agendada com antecedência pelo telefone (11) 3062-5245 ou pelo e-mail [email protected], porque os grupos são limitados. A entrada custa dez reais.

A casa-museu de Ema Klabin tem mais de 1.500 peças

reator de um submarino nuclear, uma discussão sobre proteína de veneno de cascavel na farmacologia, uma parte sobre entomologia, que é como os insetos em cadáveres ajudam a elucidar mortes misteriosas, e uma parte sobre humanidades, com uma discussão econômica a respeito das agências reguladoras.A Fapesp funciona muito bem e pretendo manter o sentido de direção para contribuir com seu melhoramento.

O que falta na carreira?Sempre tem alguma coisa, é um mundo inacabado. Existem várias coisas que quero escrever ainda. Uma delas é uma discussão sobre o processo decisório em política externa. Um livro que eu gostaria de fazer sobre a minha experiência e além dela - pensando um pouco em como as decisões são tomadas, o quanto você consegue organizar a agenda e o quanto você é organizado por ela, qual o papel da opinião pública, os fatores políticos que condicionam sua atuação.

O que dá mais prazer ao senhor?Não sou exclusivista. Gosto de ler, escrever, do convívio dos amigos, de obras de arte (do que o Octavio Paz chamava de "os privilégios da vista"), gosto da boa comida italiana...

Aceitaria um convite para algum ministério novamente?Já tive uma vida pública muito plena, realizada, isso não está mais na agenda das minhas preocupações.

Envolvido em tantos trabalhos, o senhor tem uma rotina?Trabalho muitas horas por dia, deve dar umas 13 horas. Existe sempre uma certa rotina entre aulas, escritório, Fapesp, exercícios físicos... sempre na boa linha romana mens sana in corpore sano.

Divulgação

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Anarquistas

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A vida por uma causa

A história e o ativismo dos imigrantes italianos que vieram ao Brasil no começo do século XX para lutar e divulgar sua ideologia

Por Laura Folgueira

Nos primeiros anos do século XX, a vida em São Paulo era, maior parte, tranqüila. na

Não havia os milhares de carros que hoje circulam pelas ruas, nem televisão, muito menos arranha-céus. Boa parcela da população desfrutava de calmaria, sem outras preocupações que não as cotidianas. Era a época da chegada maciça de imigrantes europeus, que vinham, em sua maioria, trabalhar nas fazendas de café do interior paulista, substituindo o trabalho escravo. As fábricas começavam a deslanchar, contratando também muitos operários - imigrantes ou brasileiros.Oreste Ristori, italiano nascido em um vilarejo na região da Toscana em 1874, chegou ao Brasil em fevereiro de 1904, procedente do Uruguai. Veio com sua esposa, Mercedes, uma uruguaia descendente de índios que conheceu em Montevidéu durante um baile do Centro Internacional - um centro de cultura gerido por anarquistas onde eram realizadas atividades pedagógicas e culturais.Aparentemente, Oreste Ristori era mais um italiano que emigrava para o Brasil em busca de trabalho. Na realidade, ele tinha intenções um pouco diferentes. Ristori cresceu em uma família de trabalhadores agrícolas - seus pais não possuíam residência ou emprego fixo, o que ocasionava dificuldades financeiras. Sem nenhuma educação formal, a realidade levou o jovem a questionar suas limitações materiais. Assim, meio sem querer, começava a tender para o pensamento anarquista. "Ele se torna um ativista pela contradição existente entre sua condição social de extrema miséria e sua personalidade curiosa, inteligente e rebelde",

explica o professor Carlo Romani, autor do livro Oreste Ristori: uma aventura anarquista.Jovem, Ristori começou a freqüentar, em Empoli, cidade onde morava, as sociedades formadas por adolescentes toscanos, que se reuniam secretamente para blasfemar contra a igreja e a autoridade exercida pelos padres católicos nos pequenos vilarejos italianos. Nas reuniões, em praças e bares da cidade, começou a desenvolver seu lado ativista.Entre 1897 e 1898, já participando de diversas manifestações no país, Ristori encontrou-se com Luigi Fabri e Luigi Galleani, que estavam presos na ilha de Ponza, em regime de domicilio coatto: os prisioneiros podiam circular apenas na ilha, e tinham horários para comer, dormir e trabalhar. Lá, organizavam uma série de palestras e atividades, junto a outros militantes da causa anarquista, como Pasquale Binazzi (que fez parte de um importante jornal anarquista, o Umanitá Nova) e Giovani Gavilli. "Os anarquistas viviam em assembléias permanentes em todas as prisões onde ficavam confinados", diz Romani. "As questões da educação e da cultura e suas atividades são inseparáveis do ativismo anarquista".Mais tarde, ao emigrar para os Estados Unidos, Galleani foi editor do periódico anarquista Cronaca Sovversiva, para o qual escreveram os ilustres Sacco e Vanzzetti, italianos radicados nos Estados Unidos e executados em 1927 pelo governo estadunidense depois de condenados pelo homicídio de dois homens em Braintree, Massachusetts. Galleani foi expulso do país em 1919.

O caso IdalinaA disputa entre os grupos anarquistas e a Igreja Católica - notadamente com a ordem ultramontana, um grupo de padres também denominados escalabrianos, que pretendia exercer algum tipo de controle ou influência sobre os imigrantes italianos, especialmente sobre os que trabalhavam como colonos em fazendas do interior - já era antiga. Para atingir seus objetivos, padres excursionavam fazendo batizados, casamentos e pregando a imigrantes pouco afeitos ao catolicismo.A ordem ultramontana fundou o Orfanato Cristóvão Colombo, localizado no bairro de Vila Prudente, em São Paulo, com a intenção de abrigar crianças carentes que pudessem ser transformadas em bons trabalhadores - católicos, é claro. Mas, em 1911, quando uma das

crianças, uma menina chamada Idalina, desapareceu da instituição, e um dos padres foi acusado de matá-la, os grupos anarquistas encontraram ainda mais motivação para criticar a Igreja.Após longa investigação capitaneada pelo La Battaglia, Ristori e seus companheiros deflagraram uma forte campanha sobre o caso, publicando artigos e fazendo manifestações. "O caso acaba se tornando uma cruzada anticlerical em São Paulo, com a aderência de vários veículos e manifestações públicas", conta Romani. Por isso, a polícia decidiu acabar com a campanha e prender seus organizadores. Ristori, como líder, foi um deles, passando quase um ano, entre 1911 e 1912, no Departamento de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops).

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Anarquistas no BrasilQuando chegou a São Paulo, Oreste Ristori já era um ativo militante desde 1892, época em que participou de sua primeira manifestação, organizada em San Miniato, província de Pisa, na Itália. Os anos que passou em Montevidéu, onde conheceu sua mulher, não foram tranqüilos: lá ele permaneceu como refugiado político, perseguido pela polícia argentina. Participou da greve geral de Buenos Aires, em 1902, deflagrada pela Federación Obrera Argentina (FOA).A data de sua chegada ao Brasil é apenas aproximada, baseada no fato de que seus últimos registros na polícia de Montevidéu datam do começo de janeiro de 1904; e em 20 de fevereiro, o periódico brasileiro Germinal, que circulava na capital paulista, já registrava uma conferência sua na cidade.Além dessa revista, já havia no Brasil muitos outros periódicos publicados por anarquistas, como O amigo do povo, Caradura, Il risveglio e A lanterna, dirigidos em sua maioria por grupos de imigrantes responsáveis por organizar ações, festas e conferências.Hospedado na casa de Tobia Boni, anarquista radicada no Brasil desde 1898, foi lá que Ristori conheceu outros anarquistas italianos, como Angelo Bandoni, Giulio Sorelli, Pio Spadea, Pappalardo, Teiobaldo Soderi e Antonio Rova, membros ou simpatizantes do grupo batizado La Propaganda. Juntos, decidiram publicar um periódico, que se chamaria La Battaglia, com Ristori à frente, como fundador e principal editor. Além de dirigir o jornal, ele se dedicava também a propagar o anarquismo em viagens ao interior do estado. Por isso, em 1904, Alessandro Cerchiai passa a dirigir o La Battaglia durante as longas ausências de Ristori.

As campanhas empreendidas pelo grupo eram muitas, e variadas. No começo, concentraram-se na defesa da melhoria das condições de trabalho dos imigrantes italianos nas fazendas do interior. Em 1906, Ristori começou o Movimento Contra a Emigração ao Brasil, muito difundido na Itália, em Portugal e na Espanha - a campanha contra a emigração, na realidade, permearia toda a história do jornal.Além de publicar artigos defendendo suas idéias, os militantes do grupo acreditavam, principalmente, em ações. Faziam comícios em portas de fábricas, incentivando a greve dos trabalhadores e o boicote ao consumo dos produtos. Davam ajuda financeira aos trabalhadores agrícolas que pretendiam fugir das fazendas onde trabalhavam, e protegiam-nos na capital.Não conseguiram escapar ilesos da repressão policial. Nos comícios e manifestações, colocavam-se na linha de frente. Constantemente, eram detidos e espancados. Entre 1911 e 1912, Ristori permaneceu preso em razão de sua campanha contra um orfanato ligado à Igreja Católica.Nesse último ano Gigi Damiani substitui Ristori na direção do jornal, de forma permanente. Com o nome modificado para La Barricada, a publicação durou apenas mais um ano, até 1913, após ter sido distribuída por quase dez anos, todas as semanas, ininterruptamente.Os motivos para o fim do jornal estavam ligados à prisão de Ristori e "seu descrédito quanto à capacidade revolucionária dos trabalhadores", conforme explica Romani. "Ele teve uma crise em 1912, e sofreu acusações de que apenas escrevia, propagandeava e vivia às custas dos outros".

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Além do anarquismo, a vidaPor dedicarem grande parte de seu dia aos veículos e manifestações anarquistas, esses imigrantes construíram na cidade um cotidiano típico daqueles tempos. Viviam principalmente em bairros operários, como Cambuci, Brás, Mooca, Pari, Campo Belo e Água Branca.Pertencentes à classe operária, eram funcionários de fábricas ou faziam trabalhos autônomos. Ristori e Cerchiai trabalhavam na indústria gráfica, como tipógrafos e linotipistas (mais tarde, Ristori também passou a trabalhar com revelação de fotografias), enquanto Damiani era pintor e trabalhava com construção.O dinheiro para que o La Battaglia sobrevivesse vinha de doações e assinaturas. Chegando a ter uma tiragem de até 5 mil exemplares, o jornal contava com a divulgação de seus diretores, que viajavam por diversas linhas de trem fazendo campanha para que os passageiros assinassem sua publicação. Assim, chegaram a fazer com que até 30% da renda das vendas viesse de assinaturas.Alguns foram casados e tiveram filhos, muitos dos quais estudavam em escolas anarquistas. "A vida deles era normal, como a de qualquer outro grupo familiar, mas com muito mais liberdade de discussão dos problemas internos da família", explica Romani. As casas eram sempre freqüentadas por amigos ou viajantes, e as relações eram, de certa forma, liberais. "A concepção de família era bem mais ampla e

expandida", conta Romani. “A relação homem e mulher também era mais livre, com eventual troca de casais".Esse estilo de vida já era comum aos anarquistas desde pelo menos 1890, quando, em uma de suas primeiras experiências como comunidade no Brasil, e após terem adquirido da Companhia de Colonização (instituição responsável pela propaganda e pelos subsídios que atraíam os imigrantes europeus) algumas terras no Paraná - na região onde hoje fica a cidade de Palmeira, próxima a Ponta Grossa - serviram-se da área para o estabelecimento da colônia anarquista Santa Cecília.Miguel Sanches Neto, autor do livro Um amor anarquista, explica que um dos objetivos do fundador da colônia, Giovani Rossi (figura central de seu romance), era criar uma família aberta. "A mulher deveria receber vários homens, para que os filhos não fossem de um pai, mas de toda a comunidade", explica Neto.

Anarquistas graças a DeusEsposa do famoso escritor baiano Jorge Amado, Zélia Gattai passou muitos anos sem ser conhecida. Menos conhecida, ainda, era sua história pessoal, pelo menos até 1979, quando lançou seu primeiro livro, Anarquistas graças a Deus, com suas memórias de infância.Nascida em São Paulo em 1916, em uma casa alugada na Alameda Santos, Zélia viveu a época em que a Avenida Paulista ainda não era tomada por prédios, as pessoas andavam de bonde e os carros não enchiam as ruas. Muitos dos atuais bairros mais movimentados da cidade, como o Pacaembu, eram ainda campo baldio, onde moleques iam brincar, escondidos de seus pais.É nessa reconstrução de momentos já perdidos da vida na cidade, mais do que na narrativa, que o livro ganha força. A autora perde-se em memórias e histórias de infância que, apesar de divertidas, têm sempre certo tom ingênuo, e podem ser repletas de clichês; por outro lado, é das memórias que vem - quando o leitor já se acostumou com a vida em família e os contos da menina - a menção, a início quase sem importância, de que seu pai, Ernesto Gattai, fazia parte de um grupo de anarquistas italianos em São Paulo.Ainda que não fosse dos mais ativos, já que se dedicava a seus próprios negócios no ramo dos automóveis, Gattai era amigo bastante íntimo de Oreste Ristori, Angelo Bandoni e de outros. Levava a família a reuniões e bailes em que se discutiam assuntos relacionados ao anarquismo, como a execução de Sacco e Vanzetti, em 1927. Seus filhos sabiam cantar o hino da Internacional.Apesar disso tudo, preserva-se no livro de Zélia uma vida em família absolutamente normal, quase

sem sobressaltos. A presença do anarquismo na casa vem principalmente de um imenso quadro que ocupa a parede principal da sala, dos livros que a mãe guarda no armário e de um bonito relato feito pelo pai sobre a experiência - idéia do avô de Zélia - de imigrar ao Brasil para fazer parte da Colônia Cecília.

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De volta à ItáliaEm 1917, Ristori fugiu para Buenos Aires para escapar de um inquérito contra ele no Rio de Janeiro, acusando-o de estelionato: ele havia encomendado papel importado do Canadá para publicar uma revista colorida, e não pagou à importadora. "Ristori era um anarquista de formação individualista para quem o roubo da burguesia não era roubo, e sim expropriação para fortalecimento da causa revolucionária", explica Romani. Seu companheiro Gigi Damiani foi expulso do Brasil logo depois, em 1919, sob a acusação de "ser anarquista".Na Argentina e no Uruguai, Ristori ainda participou de iniciativas e publicações anarquistas, fazendo passeatas, campanhas e escrevendo artigos. Na capital argentina, publicou um jornal de caricaturas com teor anticlerical.

Depois de alguns anos, porém, o fervor anarquista arrefeceu, e o ativista deixou de ser mencionado nas publicações com que colaborava.Mesmo quando voltou ao Brasil, em 1925, não retomou completamente suas atividades. Ainda assim, em 1936, foi deportado para Livorno, na Itália, após ter sido perseguido e preso pela Intentona Comunista, uma tentativa de golpe contra o governo de Getúlio Vargas, organizada pela Aliança Nacional Libertadora. Confinado pelo governo fascista de Mussolini em Empoli, Ristori morreu na Itália, em 1943, fuzilado por neo-fascistas após a queda de Mussolini. Segundo Romani descreveu, no livro Oreste Ristori: uma aventura anarquista, "uma morte heróica, com o cachimbo na boca e cantando a Internacional".

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O anarquismo e seus pensadoresFoi no século XIX, com a Revolução Industrial, e com a expansão e o fortalecimento do capitalismo, que o pensamento anarquista começou a ganhar força. Seus primeiros teóricos surgiram na Europa, e tinham correntes filosóficas diferentes na abordagem do sistema que propunham. O alemão Max Stirner (1806-1856), adepto do individualismo, sugeria que os desejos individuais - fossem eles emocionais ou sociais - deveriam ser a base dos julgamentos morais e das leis de uma sociedade. Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), por sua vez, propunha, na França, um programa político que já se definia como anarquista, com conceitos como federalismo e mutualismo, além de exibir grande preocupação com as condições dos trabalhadores de classes mais baixas.Michael Bakunin (1814-1876), um dos mais conhecidos pensadores e ativistas do anarquismo que surgia, orientava suas idéias para a revolta social. Em suas teorias, o sindicalismo já era personagem importante, o que viria a confirmar-

se durante o século XX, com militantes anarquistas incitando revoluções operárias em porta de fábricas - como faziam os anarquistas italianos que agiam em São Paulo e no interior do estado.No fim do século XIX e início do século XX, a Itália provou-se terreno fértil para o surgimento de importantes pensadores e ativistas anarquistas, como Errico Malatesta (1853-1932) e Luigi Galleani (1861-1931) - com quem Oreste Ristori teve contato na ilha de Ponza, onde este esteve exilado, junto a Luigi Fabri.Galleani vivia nos Estados Unidos quando fundou o periódico Cronaca Sovversiva. Foi deportado em 1919, por causa de suas crenças no anarquismo. Já Malatesta fundou o jornal Umanitá Nova, com o qual colaboraram os mais importantes pensadores do país. O periódico circulou na Itália entre 1920 e 1922, e chegou a ter uma tiragem de 50 mil exemplares.

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O Sentido da Paz

Localizada no Glicério, a Igreja Nossa Senhora da Paz foi erguida durante a Segunda Guerra, sobreviveu às transformações urbanas de São Paulo e, hoje, é um monumento de beleza em meio ao tráfico e à miséria do centro da cidade

Por Itamar Cardin

Desde o seu surgimento, na década de 1930, a Igreja Nossa Senhora da Paz é um ponto de referência da comunidade de descendentes de italianos em São Paulo

Os bancos da Igreja da Nossa Senhora da Paz, no Glicério, estão quase todos ocupados por senhores de camisas sociais e senhoras de cabelo grisalho. Absortos, olham as esculturas de santos, os afrescos bíblicos, e ouvem a voz e a palavra macia do padre. De repente, a mudança. Quase todos os fiéis se ajoelham de mãos dadas e pedem a redenção dos pecados, em uma imagem uniforme. "Prendete". É o padre, quebrando o silêncio e chamando os fiéis de volta à realidade. "Padre Nostro che sei nei cieli, sai santificato il tuo nome. Venga il tuo regno...". Todo primeiro domingo do mês é assim. Descendentes de italianos se encontram na Nossa Senhora de Paz para acompanhar a missa pregada em italiano pelo padre Giorgio Cunial. Comparecem geralmente cerca de 400 pessoas, a maioria da terceira idade. O altar fica exatamente à frente de uma estátua branca de 1,5 m da Padroeira com o menino Jesus. Na altura da cabeça da imagem, ao fundo, nasce um afresco de Cristo crucificado. A pintura tem quase 6 m de comprimento e se sobressai entre os diferentes

tons de cinza do painel de fundo. Três velas ladeiam a estátua. E, mais à direita, dispõem-se lado a lado as bandeiras do Brasil e da Itália.A igreja está localizada na Rua do Glicério e pertence à missão escalabriana, de origem italiana. Apesar da ligação inicial com a Itália, desde a década de 70 dedica boa parte de seus esforços no atendimento a imigrantes latinos e a migrantes brasileiros, com o Centro Pastoral do Migrante (CPM), o Centro de Estudos Migratórios (CEM) e a Casa do Migrante. As três instituições dão morada, atendimento jurídico, psicológico, trabalho e até comida para quem chega a São Paulo, além de disponibilizar uma biblioteca sobre o tema. A influência da comunidade latina fez com que os confessionários fossem substituídos por imagens das padroeiras da Bolívia, Chile, Paraguai e Peru. E no último domingo de cada mês, são realizadas missas em espanhol. Há também a Pastoral da Solidariedade, que distribui cestas básicas à população carente do Glicério. Naquela missa em italiano, realizada em setembro, Alberto Costa e Silva, de 7 anos, é uma das poucas crianças presentes. Acompanhado do tio e da mãe, passa parte da missa tentando decifrar o italiano do padre Giorgio. E na outra, permanece do lado de fora brincando com o primo, três anos mais novo. "O que mais gosto é de ficar olhando o padre porque ele é de Deus", diz, abrindo em sorriso a boca banguela, para orgulho do tio Fernando. De cabelos lisos quase cobrindo os olhos puxados, bermuda e tênis de futebol de salão, e bisneto de italianos, Alberto não tem dúvida. "Essa missa é bem mais legal do que as outras."Mas os encantos da igreja vão além da missa em italiano. Apesar de a Nossa Senhora da Paz estar instaurada em uma região cercada pelo tráfico, miséria e prostituição, o templo se destaca pela beleza. A igreja é constituída de tijolos alarajandos em tom claro, o que dá a ela um clima ameno e simples. São 18 metros de altura, 49 de comprimento e 25 de largura. Há ainda uma torre de 37,5 metros separada da

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construção principal, com nove pequenas janelas de cada lado, no topo. O conjunto lembra muito as velhas olarias do interior do estado. Na parte interna, a riqueza e a qualidade das obras sacras impressionam. Fulvio Pennacchi, consagrado artista ítalo-brasileiro na primeira metade do século XX, é o responsável pelos afrescos, e as esculturas são de autoria do também italiano Galileo Emendabili - que fez o Monumento aos Heróis Constitucionalistas de 1932, no Parque do Ibirapuera. O surgimento da Nossa Senhora da Paz tem início em meados da década de 1930 e se deve, em grande parte, aos esforços do padre Melini. Um dos líderes da comunidade católica italiana em São Paulo, Melini desejava construir uma igreja que servisse de referência aos imigrantes italianos presentes na cidade. Mais do que uma instalação católica, pretendia desenvolver um projeto social, com escola, creche, ginásio (o único não construído), e que promovesse encontros e festas. Um forte componente histórico também integra as bases do projeto. Na época, a Itália vivia o auge do fascismo de Benito Mussolini e da valorização à italianidade. No Brasil, não era diferente. Getúlio Vargas caminhava para uma ditadura de forte exaltação ao caráter nacional. No encontro desses dois nacionalismos, nascia uma cisão. "A situação se tornou ainda pior quando Getúlio passou a coibir encontros, sociedades e agremiações italianas. Ficaram todos divididos", afirma o padre Sidnei Dornella,

responsável pelo CEM. "É inegável que padre Melini bebeu desse caldo cultural, com um pouco de inspiração em Mussolini".Decidido a concretizar o projeto, Melini se uniu a senhoras de poderosas famílias italianas, como a Crespi e a Matarazzo, e fundou a Associação Nossa Senhora da Paz, que promovia eventos e recolhia contribuições de membros da comunidade italiana. O terreno de 10 mil m² foi comprado no Glicério entre 1937 e 1938. Melini levou o projeto original para Pennacchi, mas ele se recusou a auxiliar, alegando que, muito enfeitada, ela não corresponderia às tradições italianas. Quando enviada ao Vaticano para receber aprovação, a planta foi vetada pela falta de simplicidade.Pennacchi foi novamente procurado. Com os requisitos aceitos, ele se uniu a Emendabili e ao arquiteto Leopoldo Pettini e iniciou o processo de construção da Nossa Senhora da Paz. A pedra fundamental foi lançada em 20 de outubro de 1940. Por volta de dois anos depois, parte da Igreja já havia sido levantada - o suficiente para a realização das primeiras missas. A harmonia entre o trabalho de Pettini e o dos dois artistas é notória e se estabelece claramente na busca pela simplicidade, pela coerência e pela beleza. O traço da igreja, o material, os afrescos e as esculturas parecem formar um todo só, como se tivessem sido feitos por uma única pessoa. Nas pinturas, um detalhe significativo: Pennacchi só tematiza as verdades do Senhor, como o Juízo Final e a Anunciação. Os santos,

Por fora, o prédio simples de tijolos

avermelhados esconde a beleza dos afrescos no interior da igreja

Gabriel A

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quase sempre acompanhados por cachorros e pássaros, são humanizados por contornos simples e expressões serenas. É uma base dupla a utilizada pelo artista: renascentista, quando se escora no ideal de pureza; e modernista, à medida que utiliza imagens concretas (como os animais) para dar vazão a uma sensação abstrata. Na crucificação, impressiona a serenidade da face de Cristo, que chega a parecer sorrir de seu destino.Feitas em mármore travertino, as esculturas de Emendabili também se sobressaem pela pureza. Embora mantenham a simplicidade, os traços possuem uma certa tensão, que dão maior força de expressão às obras. A imagem da Padroeira com o menino Jesus é bem representativa, com uma precisão nas formas, mas sem que a feição perca a força expressiva.Durante um longo período, a Nossa Senhora da Paz foi não só referência para os imigrantes italianos, como também para os adeptos da arte. Em 1950, foi a única igreja de São Paulo escolhida para participar da Exposição Internacional de Arte Sacra do Ano Santo, em Roma. E viveu o auge oito anos depois, quando o então presidente italiano Giovanni Gronchi a visitou e participou de uma celebração com quase mil pessoas.Uma forte crise, no entanto, abalou a igreja e ela quase foi fechada em meados da década de 1960. "Tudo influiu. A comunidade italiana se dispersou, as mulheres deixaram de ser atuantes,

Fiéis em missa emitaliano,realizada sempre nos primeiros domingos de cada mêsG

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o bairro sofreu drásticas mudanças", diz padre Sidnei. De óculos pequenos, camiseta, jeans e havaianas brancas, o padre conta, impassível, a história da igreja, sempre de olho no interlocutor e com a voz constante, como se mantivesse uma postura imparcial. Mas falseia e a fala se torna mais baixa. "O Glicério deixou de ser bairro de classe média e se modernizou, com a construção de avenidas, viadutos e indústrias. O bairro passou a ser freqüentado por prostitutas e homossexuais, e os padres não souberam o que fazer." Na época, a escola deixou de funcionar, as missas eram assistidas por menos de cinco pessoas e o pátio da igreja se tornou ponto de baderna. "Não se pode deixar de culpar os padres da época. Mas a Nossa Senhora da Paz foi vítima das transformações urbanas vividas por São Paulo. E o Glicério, do preconceito."Preconceito e miséria que até hoje atingem a região. Embora a igreja tenha se refeito a partir da década de 1970, quando enfatizou a ajuda aos imigrantes latinos e à população do bairro, o Glicério não se recuperou. Monumento de beleza no centro de São Paulo, a Nossa Senhora da Paz é cercada por uma região miserável e dominada pelo tráfico, que tem força nos arredores. "Temos de aprender a conviver e não entrar em conflito" afirma o padre Lírio Berwanger, pároco da igreja que diariamente reza missas para cerca de 20 pessoas.O contraste pôde ser presenciado em uma tarde de quinta-feira. Do lado de dentro, o silêncio, a beleza e o agradável cheiro de limpeza - fruto do esforço de um simpático voluntário, Willians, que

“O que mais gosto é de ficar olhando

o padre porque ele é de Deus”,

diz o pequeno fiel

diariamente purifica chão, altares e bancos da Nossa Senhora da Paz. Enquanto isso, mendigos, bêbados, prostitutas e pedintes passavam, sem notá-la, na Rua do Glicério.Na parte de trás do terreno, a miséria e o descuido são ainda mais agudos. Debaixo de um viaduto, no instante em que bate um vento forte e frio, dezenas de moradores de rua jogam baralho em pequenas mesas de madeira, dormem no chão, tragam goles de cachaça. Um jovem em uma cadeira de rodas vende calças e camisetas velhas. Na parte externa do terreno da Nossa Senhora da Paz, nenhuma das vinte janelas escapa das folhas de árvore, dos papéis, das bitucas de cigarro e, principalmente, de um pó negro e denso. Todas possuem pichações entre seus espaços de 2 metros.O cair da tarde se aproxima e o alaranjado dos tijolos vai quase se tornando marrom. Alfredo, peruano, chega próximo ao portão da paróquia e se senta na escadaria. "É aqui a igreja do Glicério?" Passa a olhar para a frente calado, a observar os prédios antigos e descascados, em azul, laranja, amarelo, verde, cinza e bege, todos cortados por roupas na janela, fios, antenas de peixe e parabólicas. "Cheguei de Arequipa há um ano e meio, vim para conhecer o Brasil." Ele abaixa a cabeça e assim permanece por um longo tempo. Quando retorna a falar, a voz é quase inaudível. "Vim tentar ganhar a vida aqui."É assim todo dia na Nossa Senhora da Paz, igreja de múltiplos sentidos para Alberto, Alfredo, Willians e Sidnei. Mas em cada um deles ela guarda uma inseparável ligação com parte da história recente de São Paulo.

Gabriel A

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Os afrescos de Fulvio Pennacchi e as esculturas de Galileo Emendabili mostram a riqueza da arte sacra italiana

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A máscara constrói a essência dos

personagens

TeatroMáscaras

que revelamA commedia dell'arte, gênero do teatro italiano do século XVI, tem sua alma na vida que o ator dá à mascara

Por Marcella Chartier

Gritos e uma pronúncia que mistura português e

italiano ecoam no palco do teatro escuro, até que surgem dois homens mascarados: o fantasma do barão Portavia e seu cúmplice, o fantasma do general Fusel. Eles voltam à cidade de Fênix, onde o barão passou sua vida, para tentar salvar a empresa que ele dirigia e que, agora, está nas mãos de Neto, seu herdeiro desonesto (e subserviente às vontades da esposa Isadora). Para fazer a travessia, seguem outro fantasma, o do escravo Tonho, que sempre baixa num terreiro da cidade. Sem serem vistos, provocam confusões nas relações de pessoas que já têm uma situação complicada para resolver: Eva Riguar, jornalista, é noiva do braço direito de Neto na empresa, Marco Antonio, e publica uma denúncia contra Portavia. Entre os principais

envolvidos no imbróglio, passeiam personagens aparentemente sem importância, como um vendedor ambulante, uma empregada doméstica, um taxista e um motorista de confiança de Neto. Mas são eles os que promovem encontros e desencontros entre os envolvidos na desordem. Para encenar a história acima, formada por 11 personagens, há um elenco de cinco atores. "A freguesia da Fênix", peça do Grupo Barracão de Teatro, é uma representação de um gênero de teatro italiano que surgiu no século XVI e percorreu a Europa até século XVIII, quando perdeu a força: a commedia dell'arte. A principal peculiaridade dela é a utilização de máscaras na composição dos personagens. Mais do que isso: as máscaras definem a essência de cada um deles. A diretora da peça, Tiche Vianna, se interessou pelo gênero italiano no início de sua carreira, em 1986, quando, ainda estudante da Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo (EAD USP), montou um projeto baseado na commedia dell'arte. Na mesma época, o diretor italiano Francesco Zigrino chegava ao Brasil para trabalhar com o gênero. O encontro propiciou a Tiche um aprofundamento no tema, que a estimulou a viajar para a Itália, logo após sua formatura (em 1987), onde estudou por três anos na Universidade de Bologna. "Era instigante trabalhar com um teatro europeu de máscaras, de improviso e popular, diretamente com um italiano que vivenciava isso, e não por meio de alguém que já traria códigos e outras interpretações", explica Tiche.O que encantou a então estudante foi, principalmente, a sensação de encontrar uma representação popular urbana. "No Brasil, as referências ao popular sempre tinham sido o bumba, as festas populares nordestinas ou as do sul. E não o popular da cidade grande", diz Tiche. As origens da commedia dell'arte remontam aos feudos no século XVI. Posteriormente, nas cidades que começavam a surgir, o gênero foi adquirindo novas características e perdendo outras, mas nunca abandonou a máscara.

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ação

Tiche e Ésio são fundadores do Barracão Teatro,companhia que oferece cursos e monta espetáculos

O arquétipo do arlecchino, das raízes da commedia dell'arte italiana, é representado, em "A freguesia da Fênix", por Sabiá, um vendedor ambulante

O primeiro registro de uma trupe de atores que fazia apresentações teatrais de commedia dell'arte é de 1545, em Pádua (norte da Itália). As companhias viajavam pela Europa apresentando suas peças nas ruas, principalmente em feiras dos principados italianos da época. Como os principados eram pequenos, quase todos os seus habitantes assistiam à primeira apresentação de cada trupe. E como era exaustivo partir para outra viagem, as companhias ensaiavam vários espetáculos para permanecer por mais tempo em cada lugar. "Isso gerava a possibilidade de se trabalhar com as mesmas figuras e a de usar a criatividade para mudar as situações entre elas", comenta Tiche. As histórias têm sempre um roteiro, chamado de canovaccio. Apesar de este ser definido antes da atuação, os atores também fazem intervenções, chamadas de lazzi. São gracejos, pequenas humilhações ou travessuras que provocam o riso na platéia. Uma expressão do improviso que inspirou, posteriormente, o circo. "Quando a commedia dell'arte começa a cair, o movimento do circo se expande. E o palhaço moderno tem uma descendência desse gênero", explica Ésio Magalhães, ator e parceiro de Tiche na fundação do Barracão Teatro, que existe desde 1998. A companhia não apenas realiza espetáculos, mas também promove cursos e pesquisas sobre a commedia dell'arte e o teatro de rua em geral. Assim como Tiche, Ésio se interessou pela commedia dell'arte antes de terminar a faculdade. Também em seu penúltimo ano na EAD, na montagem de um projeto, precisava convidar um diretor para participar. Chamou Tiche, que já havia voltado da Itália e se tornado, no Brasil, uma referência no estudo e na execução da commedia dell'arte.

A construção dos personagensA commedia dell'arte tem tipos de personagens, com uma linha de comportamento já determinada. São arquétipos, como os amorosos ou enamorados, que não usam máscaras e constituem o eixo "sério" das histórias, geralmente baseado no drama da impossibilidade que eles têm de viver um amor; e os zannis (velhos e criados), mascarados, que dão humor às peças, fazendo brincadeiras e gerando confusão.Os arquétipos dos zannis são variados (como o arlecchino, a pasquella, a pulcinella, cada um com sua personalidade), e podem aparecer combinados de acordo com a história que será contada. "É como Mazzaropi, que é um tipo fixo 'jeca'. Nos filmes, ele vive várias situações na cidade, na roça, mas é sempre o Mazzaroppi 'jeca'. Ele não muda sua característica", exemplifica Ésio.Como a commedia dell'arte foi um teatro inspirado e inicialmente apresentado nas ruas, as

figuras eram criadas a partir da observação do convívio cotidiano. Dessa forma, o arlecchino, por exemplo, representa um tipo travesso, mas ingênuo. Em "A freguesia da Fênix", o personagem correspondente a esse arquétipo é Sabiá, o vendedor ambulante cheio de ginga e bastante atrapalhado. Assim como a máscara dele, todas as outras usadas nas apresentações do Barracão Teatro são criadas e produzidas por Ésio. No palco, o próprio Ésio faz, também, o papel de Sabiá. O trabalho dos atores, preparados para dar vida às máscaras, é o de convencer o público. "A máscara tem uma tamanha verdade, uma vida, que acreditamos que aquela cara de couro, de papel, que faz barulho, realmente existe e sofre aquela sorte de paixões", aponta Ésio. Em harmonia com o improviso de cada ator, a máscara conquista a platéia. "Nesse tipo de teatro, especificamente, existe uma preparação para que o ator consiga enxergar, escutar e falar com o próprio corpo", complementa Tiche.

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ação

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Santo

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29

Literatura

30

No fundo do poço, um menino

Em narrativa sobre a passagem precoce para a vida adulta, Niccolò Ammaniti conquista leitor de qualquer faixa etária

Michele Amitrano, de 9

anos, é uma das poucas crianças de Acqua Traverse, um pequeno povoado ao sul da Itália. Está habituado a brincadeiras comuns: bicicleta, futebol de botão, pega-pega, subir e descer colinas, esconde-esconde nos campos de trigo. Passa as férias na

companhia de Maria (sua irmã mais nova), Salvatore (seu melhor amigo), Caveira (o maldoso da turma), Remo (o amigo competitivo) e Barbara (a menina rejeitada pelos garotos). Até que, no verão de 1978, descobre um segredo.Não só por lhe render um novo amigo, a descoberta traz mudanças importantes para o menino: ele perde o prazer das amizades antigas, desaparece de casa durante todo o dia (provocando brigas com os pais), pergunta-se constantemente sobre o significado da novidade e tortura-se por ter que manter o sigilo.O que encontra no poço de uma casa abandonada é um menino: bastante parecido com ele, da mesma idade. Um menino acorrentado, sujo, assustado, e que distingue apenas alguns tipos de seres: os ursinhos lavadores, o senhor dos vermes e o anjo da guarda. Para o novo amigo, Michele é o anjo da guarda.Michele está longe de crer-se como tal. Mas quer cuidar do garoto: dá água para ele, guarda um pouco de sua própria comida para levar ao poço. Diante dos olhos inflamados do menino, há muito habituados com a escuridão, tenta acostumá-lo aos poucos com a luz. E, de tão fortes a identificação e o sentimento, encontra um jeito de lavá-lo e o ajuda a sair do buraco para um breve passeio no jardim. É uma amizade verdadeira, embora circunscrita aos limites do esconderijo.É Michele mesmo quem nos conta sua história, 20 anos depois. Por isso, a narrativa é candente como as brincadeiras de verão: envolve, anima, acelera, estimula a imaginação. Em razão de sua idade à época em que tudo acontece, o narrador tem aquela simplicidade e sinceridade que nós, leitores, já não temos. E isso se manifesta em pequenos detalhes. Na descrição de alguns traços, por exemplo: "As sobrancelhas compridas e aloiradas pareciam tufos de pêlos colados na testa".

A descoberta é, para ele, uma espécie de chegada antecipada ao mundo adulto e envolve o conhecimento de sua própria família e o reconhecimento de seus amigos. Uma partida de futebol de botão origina a traição de seu amigo Salvatore. Uma brincadeira maldosa com Barbara lhe desperta a consciência da injustiça. Os desdobramentos de sua descoberta revelam a ele o lado obscuro de seus pais. Aos poucos Michele descobre que o menino fora vítima de seqüestro. Filippo Carducci, filho de um industrial, havia sido capturado em Pavia cerca de dois meses antes. Na televisão, o garoto viu a foto do menino do buraco: "Todo limpinho, todo penteado, todo bonito, com uma camisa xadrez, estava sorrindo e na mão apertava a locomotiva de um trenzinho elétrico". E assistiu ao apelo da mãe, que implorava para que os seqüestradores não cortassem as orelhas de Filippo.Nos pensamentos de Michele, figuras e monstros da infância - como o homem do saco, que à noite pega as crianças que estão sozinhas na rua - começam a dar lugar às ameaças do mundo real. E ele passa a entender que, ainda que acenda a luz, as cenas horrendas e os disfarces assumidos pelo mal podem não ir embora.É um processo de perda da inocência. Deixemos claro, porém, o emprego desse termo: ainda que cresça, Michele permanece incapaz de praticar o mal. E está longe da ingenuidade ou da ignorância.Uma das principais provas de seu desenvolvimento está em Lata-Velha, sua bicicleta. Filho de caminhoneiro e de dona de casa, Michele é um garoto pobre, que sempre deseja novos brinquedos (especialmente diante dos mimos que Salvatore recebe do pai advogado). Quando finalmente ganha uma bicicleta nova, já tem clara a idéia sobre o que está acontecendo no vilarejo. Assim, embora receba o presente do pai, por sabê-lo envolvido com Filippo, não aceita: fica com raiva, acha que não presta. E continua montado em sua lata-velha. Para o leitor, o percurso é o inverso: à medida que a maturidade é exigida de Michele, nós nos tornamos crianças. Mergulhamos em suas aflições, incorporamos seu raciocínio e sofremos com suas angústias. Queremos ajudá-lo a compreender os mistérios em torno do menino do poço, e sofremos também ao desvendá-los.

Por Luisa Destri

Trecho da obra

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A chegada ao vilarejo de Sergio, um homem de idade, estranho, e que se hospedará justamente no quarto de Michele, marca a fase mais dura desse crescimento. É quando ele se sente de fato sozinho para enfrentar seus medos. Sem a companhia da irmã mais nova, e com Sergio deitado na cama ao lado, Michele precisa conseguir dormir apesar da certeza de que o velho o matará durante a noite.A relação com Maria, aliás, rende passagens entre as mais belas do livro. Como típico menino de sua idade, ele se divide entre o instinto de zelar por ela e a raiva por ser sempre acompanhado pela irmã. Mas Michele surpreende: faz tudo para resguardar a menina da maldade que se revela.A escrita delicada de Niccolò Ammaniti não deixa de ser persuasiva. É que o tornar-se criança novamente por meio de uma narrativa implica deixar-se levar pela imaginação e pelo devaneio. O que culmina em uma defesa do lúdico: as emoções experimentadas por meio dessa história passam por romance, drama e suspense, sem cair nos procedimentos a que estamos acostumados (a violência, o apelo, a banalização e o exagero).Não tenho medo recebeu, em 2001, o prêmio Viareggio. Não por acaso, foi adaptado para o cinema em 2003 por Gabriele Salvatores (diretor de Mediterrâneo). Pela fala simples de Michele, que com detalhes descreve as paisagens e a atmosfera de Acqua Traverse, a narrativa adquire plasticidade. Somadas ao alaranjado da capa da edição brasileira, as caracterizações do menino nos fazem sentir o sol tórrido do verão e a secura dos campos que ele percorre com Lata-Velha.Entretanto, por se tratar de um garoto que nos conta sua história 20 anos depois, a narração apresenta um problema. Espera-se que o distanciamento do tempo se justificará a partir de considerações sobre o ocorrido ou pelos desdobramentos do ocorrido com a criança na vida do adulto. Não é o que acontece.Embora haja alguns comentários - que servem, por exemplo, para contextualizar a época de Michele na história italiana -, a escolha do autor não assume função relevante. O mais encantador no livro é justamente a visão do menino - um adulto contaria os fatos de forma absolutamente diferente. Além disso, a história termina sem estar propriamente concluída, ou seja: o relato é interrompido numa espécie de clímax presente no próprio desfecho - o que é típico de textos em que o evento narrado transcorre até que se encontre com o momento vivido pelo narrador, suspendendo, de certa forma, a ação.Por isso, quando terminamos de ler o livro, ficamos decepcionados.De fato, entre a certeza de que reflexões de adultos sobre a história de Michele cairiam com facilidade em moralismos baratos ou em comentários políticos dissonantes (e por isso é melhor não haver intervenção adulta) e a sensação de obra inacabada, há um vazio.Até lá, contudo, o livro já terá sido capaz de seduzir o leitor.

Não tenho medoNiccolò Ammaniti

Companhia das Letras/ 208 páginas

“ Estava enrolado feito um porco-espinho no cobertor marrom.Não tinha vontade de descer até lá, mas tinha de descobrir se as sobras do bife da minha irmã estavam lá. Embora tivesse visto Felice chegando da colina, não conseguia tirar da cabeça que aquele menino podia ser meu irmão.Estiquei o queixo e perguntei: - Posso ir até aí? Sou o cara da água. Você se lembra? Trouxe comida. Queijo fresco. Esse queijo é gostoso. Melhor, mil vezes melhor que bife. Se você não me atacar, eu dou o queijo para você.Não respondeu.- Então, posso descer?Felice podia ter degolado o menino.- Vou jogar o queijo, pegue - joguei. Caiu perto dele.Uma mão preta e rápida feito uma tarântula despontou do cobertor e começou a tatear no chão até encontrar o queijo, agarrando-o e sumindo com ele. Enquanto comia, suas pernas tremiam, como aqueles cachorros vira-latas que estão sem comer há alguns dias e dão de cara com uma sobra de bisteca.- Também trouxe água... Quer que eu leve até aí?Fez sinal com o braço.Desci. (p. 75)

Ajoelhei-me na cama e apoiei-me na janela para tomar um pouco de ar.A lua estava cheia. Alta e luminosa. Via-se de longe, como se fosse de dia. Os campos pareciam fosforescentes. O ar parado. As casas escuras, silenciosas.Talvez eu fosse a única pessoa acordada em Acqua Traverse inteirinha. Pareceu-me uma coisa bonita.O menino estava no buraco.Imaginava-o morto na terra. Baratas, percevejos e centopéias andando por cima dele, sobre a pele exangue, e os vermes saindo de seus lábios lívidos. Os olhos pareciam dois ovos cozidos.Eu nunca tinha visto um morto. Só minha avó Giovanna. Sobre sua cama, de braços cruzados, o vestido preto e os sapatos. A cara parecia de borracha. Amarela feito cera. Papai dissera que eu tinha de beijá-la. Todos choravam. Papai me empurrava. Eu tinha colocado a boca sobre sua face fria. Tinha um cheiro adocicado e repulsivo que se misturava com o cheiro das velas. Depois daquilo tinha ido lavar minha boca com sabão.Mas e se o menino estivesse vivo?” (p. 45)

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Sem abusos: ele é o sucessor da humanidadeEm romance publicado em 1997 na Itália, narrador é o único sobrevivente após o desaparecimento de todos os homens

Muito se escreveu sobre a

solidão do homem: a que nos é inerente, a de que precisamos para alcançar algum conhecimento verdadeiro, a solidão decorrente do sofrimento, ou aquela da qual tomamos consciência subitamente. Mas nunca ela se

tornou tão palpável e radical quanto em Dissipatio H.G., de Guido Morselli.Dissipatio Humani Generis (do latim, dissipação do gênero humano) é a hipótese de Jâmblico

(240 - 325), um tardio filósofo neoplatônico, para o fim da humanidade: a simples evaporação. Sem violência, sem catástrofes; uma simples evaporação. A de Morselli, no entanto, tem um elemento a mais: um único homem. O que sobrou para testemunhar o vazio e o silêncio. E para iniciar o romance-monólogo."Agora minha história interior é a História, a história da Humanidade. Eu sou agora a Humanidade, a Sociedade (H e S maiúsculas)", nos diz este homem, cujo nome não conhecemos. O que ele chama de Evento se passa no dia em que completa 40 anos, algumas horas após ter desistido do suicídio.

Um crime para comentarEm A cada um o seu, de Leonardo Sciascia, assassinato é mote para que apareçam reais intenções das personagens

Investigações sobre um crime

podem revelar mais a respeito do investigador do que sobre o ato praticado. Especialmente quando, como nesse livro, as relações dentro de uma comunidade são superficiais e as personagens (aparentemente envolvidas ou não), reclusas, adúlteras, falsos moralistas. Mais ainda

se a história se passar em uma pequena cidade, de 7.500 habitantes da Sicília, e se o autor militar na denúncia da Máfia italiana.A trama é esta: como em tantos filmes e historietas, um homem idôneo (o farmacêutico) recebe uma carta com a frase "Você vai morrer pelo que fez", formada por letras recortadas de jornais. Todos (inclusive ele) levam a ameaça na brincadeira. Um descuido... e o caçador (esse era seu hobby) é morto junto com seu companheiro de caça.Laurana é um professor universitário que, intrigado com o baixo empenho da polícia em esclarecer as escassas provas, e alegando "curiosidade intelectual", decide investigar o caso. Mas, para tanto, terá que enfrentar algumas de suas dificuldades: distanciar-se da mãe, cujas

asas estão sempre a protegê-lo, suportar a atração que uma bela mulher exerce sobre ele, e aprofundar os vínculos com a história de um amigo já morto. A atração física exercida por uma das viúvas sobre os homens do vilarejo faz transbordar traços de personalidades recônditos: o desrespeito a um suposto amigo, o sadismo, a luxúria. Sob a observação do professor Laurana, cada palavra atravessada, cada olhar desviado e toda reação exagerada podem ser pistas para o esclarecimento do crime.Mas o que de fato se revela é a corrupção - e não apenas a degradação dos costumes, como quer acreditar o conservador coronel Salvaggio (e aqui está uma das críticas de Sciascia) -, infiltrada em todos os níveis. Nada é datado nesse romance de 1966, embora haja referências à época, e apesar da atuação política de Sciascia (1921-1989), um combativo contumaz do fascismo. Tudo no livro parte da natureza humana - e A cada um o seu é uma breve reflexão sobre a natureza humana e a sociedade: não existe sentença senão na morte.

A cada um o seuLeonardo Sciascia

Editora Objetiva/ 136 páginas

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Mundo adulto para criançasEscritas e ilustradas por gente grande, fábulas abordam valores complexos de forma lúdica

O narrador passeia pela cidade e encontra veículos acidentados, objetos pessoais abandonados ao chão, as rotativas do jornal em funcionamento. Entra em casas, pensões, lojas e no prédio da Bolsa: tudo - um livro aberto, uma cama desfeita - sinaliza interrupção abrupta. "Antes, eram os acidentes de carro que tiravam a vida; naquele instante, foi o retirar-se da vida (seu subtrair-se, evolar-se) que produziu o acidente."Diante de sua condição, ele se pergunta: é excluído ou escolhido? Caso a dissipatio seja uma espécie de ascensão, cabe a primeira hipótese. Se for um castigo...Mas por que ele? O que lhe resta? Como enfrentar o silêncio e a solidão, ou como preencher seus dias?Entre a solidão que permitiria a ele aproveitar todos os objetos e espaços do mundo (a certa altura, o narrador cogita apropriar-se da Bíblia de Gutemberg, a primeira versão impressa) e o medo de estar sozinho, surge uma atitude assustadora:

cansado de não ouvir a voz humana e de passear pela cidade, retira manequins de uma loja e os distribui pela praça central e na piscina municipal. Um vento forte, contudo, os derruba.Em sua tentativa de compreensão, o narrador refuta todas as suas crenças - especialmente o que chama de sociologismo e a política. Nada é suficiente para dar a medida de sua solidão. A idéia do suicídio, que antes do Evento estava consolidada, perdeu o sentido. Matar-se é uma ação que pressupõe uma espécie de destinatário, um outro a quem se quer provocar. Sozinho, só resta a ele esperar. E concluir: "E a sociedade, no fim das contas, era apenas um mau hábito".

Dissipatio H.G. Guido Morselli

Ateliê Editorial/ 168 páginas

Um tema bastante árido,

também para os adultos, é o denominador comum das histórias contidas em Três contos, de Umberto Eco, com ilustrações de Eugenio Carmi: a guerra. De maneira delicada, valorizando sobretudo a tolerância e o respeito, o livro sugere aos pequenos leitores a

reversão de alguns valores da nossa civilização.Em "A bomba e o general", átomos descontentes com seu potencial de destruição fogem às bombas que aguardam em um depósito o dia em que serão utilizadas. Um general sedento por guerra decide lançá-las. Mas elas não explodem: são tomadas pela população e transformadas em vasos de flores. E ao general, frustrado e discriminado, resta trabalhar como porteiro em um hotel - dando alguma valia para seu uniforme militar. Compreender e se abrir para o diferente é o tema de "Os três cosmonautas". Na corrida espacial, um estadunidense, um russo e um chinês vão à Lua. Aprendem a se relacionar, a despeito da competição, mediados pelo medo que lhes é comum. E acabam tornando-se amigos de um marciano."Os gnomos de Gnu" são seres cujo planeta o

homem quer colonizar. Mas convencem o conquistador de que o melhor seria trazê-los à Terra, para que nosso planeta recupere a natureza. Em razão da burocracia alfandegária, contudo, o Imperador não aceita que eles venham. E o texto conclui: "Sabe-se lá se algum dia deixarão os gnomos de Gnu virem para cá. Mas mesmo que não venham, por que não começamos nós mesmos a fazer o que fariam os gnomos de Gnu?".Embora organizadas em versos livres, as histórias não chegam a ser poesia. Poéticas são as ilustrações de Eugenio Carmi, bastante coloridas e baseadas em colagens. Marcadas pela filiação abstracionista do pintor italiano, as figuras apenas estimulam as imagens criadas pelos leitores diante do texto - ao contrário de outros livros infantis, em que a imaginação é quase determinada pelos desenhos.Estimular a fantasia, o raciocínio e a dúvida é o propósito dessas três histórias. Sem lições de moral, as crianças podem entender a responsabilidade que terão pelo mundo adulto.

Três contosUmberto Eco e Eugenio Carmi

Berlendis &Vertecchia /110 páginas

Música

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O maestro de HollywoodProlífico e versátil, Ennio Morricone ajudou a revolucionar o uso da música no cinema e deixou sua marca como um dos compositores mais ouvidos de todos os temposPor Daniel Lima

Na paisagem desolada e de cores queimadas pelo sol, matadores e heróis sem nome duelam ao som de coiotes e... guitarras elétricas. O elemento aparentemente dissonante na descrição tem dono. Num gênero cinematográfico estadunidense por excelência como o faroeste, sua identidade sonora definitiva foi cunhada por um italiano que nunca aprendeu a falar inglês: Ennio Morricone. Foi assinando trilhas de westerns, como Por um punhado de dólares (Per un pugno di dollari, 1964) e Três homens em conflito (Il buono, il brutto, il cattivo, 1966), que Morricone ganhou notoriedade, pôde compor mais de 500 trilhas de filmes, se tornou sinônimo de música no cinema - e também fora dele. Nascido em Roma, em 1928, o precoce Morricone começou a compor já aos seis anos. Iniciou seus estudos aos 12, na Accademia Nazionale di Santa Cecilia, de onde saiu apaixonado por música clássica. A situação da

Itália pós-guerra, no entanto, obrigou Morricone a trabalhar em casas noturnas freqüentadas por norte-americanos, tocando trompete - algo que odiava, por julgar estar servindo aos que "ocupavam" sua terra. As dificuldades financeiras da época fizeram com que Morricone, já casado com Maria Travia, aceitasse também alguns trabalhos para televisão, cinema e teatro. Seu destino começaria a mudar após o reencontro com um antigo amigo de colégio: o diretor Sergio Leone.Para Por um punhado de dólares, Leone encomendou a Morricone um canto militar mexicano. O músico se lembrou de uma melodia não utilizada que havia composto para a televisão e imediatamente a tocou para Leone no trompete. A parceria foi então firmada e não poderia funcionar melhor: com esse filme, Leone revitalizou um gênero cinematográfico em declínio - cujo início se pode identificar em uma das obras de seu maior nome, o diretor John Ford, no crepuscular O homem que matou o facínora (1962) - e revelou um dos maiores astros de nossa época - Clint Eastwood -, além de dar liberdade para que Morricone inovasse a trilha sonora do cinema.A intenção de Morricone era provocar a platéia. Inspirou-se nos cenários e na temática do roteiro. No lugar de peças orquestradas, ruídos de animais e gritos humanos - resultado de um período de estudo no grupo de improvisação Nuova Consonanza, em Roma. A própria música era como uma das vítimas da violência crua dos filmes. Já nesse início, o compositor exercitou aquela que se tornaria talvez sua maior qualidade como trilheiro excepcional: mais do que prover um pano de fundo para as cenas, Morricone as emoldurava, transformando a música em um elemento narrativo, para que o diretor "consiga dizer (com a música) o indizível pelas palavras", definiria o maestro. Prova disso é que as trilhas de Morricone para os filmes de Leone eram em parte compostas antes das filmagens para que o diretor as tocasse nos

Fotos: ARS Latina - www.enniomorricone.it

Foi só em 2007, depois de 5 indicações

em anos anteriores, que Morricone recebeu um Oscar. Desta vez,

ao menos, o prêmio foi completo: pelo

conjunto de sua obra

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sets, servindo de referência para os atores não só na composição do clima, mas também no ritmo das cenas. Era como se filmassem um musical. Em Era uma vez no Oeste (C'era una volta il West, 1968), última parceria entre Leone e Morricone em westerns, o diretor pediu ao compositor que o tema do personagem de Charles Bronson, o Gaita, fosse baseado nos "últimos suspiros de um homem". Com a projeção alcançada pelas trilhas dos faroestes - também conhecidos como spaghetti westerns, rótulo que odeia -, Morricone passou a ser mais requisitado. E como: sem o hábito de recusar serviço, foi acumulando no currículo trabalhos com alguns dos principais diretores do século, desde os conterrâneos Pier Paolo Pasolini, Bernardo Bertolucci, Giuseppe Tornatore e Franco Zeffirelli, até os estadunidenses Mike Nichols, Warren Beatty, Oliver Stone e Brian de Palma. E se aventurou em vários gêneros: na comédia, como Politicamente incorreto (1998), de Beatty; no policial, como Os intocáveis (1987), de De Palma; e até no terror em O enigma do outro mundo (1982), de John Carpenter.A versatilidade, no entanto, oculta um homem avesso ao contato com a imprensa e agarrado a exigências de trabalho específicas. Uma delas é não viajar ao encontro dos diretores com quem trabalha: "Se eles querem trabalhar comigo, eles venham aqui", decreta. O lendário diretor Stanley Kubrick chegou a convidar Morricone para trabalhar na trilha de Laranja mecânica (1971), mas o compositor finalizava a mixagem de um projeto com Leone. Kubrick não voltou a procurar Morricone. E este, mesmo após finalizar seu compromisso com Leone, não procurou Kubrick.Mesmo com sua ligação profissional com o cinema, Morricone nunca deixou de lado a paixão pela música clássica. Encontrava espaço para incluí-la até em seus projetos cinematográficos. Em Meu nome é ninguém (Il mio nome è nessuno, 1973), fez uma paródia de "A cavalgada das Valquírias", de Wagner. "Mesmo que eu tenha

consciência de que existe um enorme fosso entre o público que vai ao concerto e o que vai ao cinema, essas pequenas passagens são uma maneira de aproximar os dois mundos", explicaria à revista francesa L'Express, em 1999. Aliar sofisticação e apelo pop sempre foi um forte de Morricone. E isso desde o início, quando compôs "Se telefonando", um dos maiores hits da cantora italiana Mina, em 1966, naquele país. Ou mesmo quando flertou com ritmos brasileiros ao preparar os arranjos para o disco "Per un pugno di samba", disco de Chico Buarque, durante seu período de exílio na Itália.Morricone ainda compôs mais de uma centena de peças clássicas e até hoje rege orquestras - uma de suas regências mais recentes aconteceu no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em maio deste ano, quando tocou algumas de suas obras mais conhecidas: um pot-pourri de trilhas sonoras. E, diferentemente do que possa aparentar, a inegável associação do nome de Morricone ao cinema não o incomoda nem diminui sua importância como compositor. Como ele próprio diz, "a música e o cinema são duas das mais fortes interpretações do nosso tempo". Morricone, portanto, capturou o século XX mais do que ninguém. Aos 78 anos, recebeu, em 2007, seu primeiro Oscar (depois de cinco indicações em edições anteriores). O prêmio foi pelo conjunto de sua obra.

O maestro de Hollywood já compôs mais de 500 trilhas de filmes

Com Sergio Leone, Morricone formou uma parceria que trouxe inovações importantes para a história da música no cinema

A pedido de Leone, Morricone tocou no trompete a melodia que foi utilizada, posteriormente, no primeiro filme em que a dupla se uniu: Por um punhado de dólares

Mais um parceiro importante: Brian de Palma, com quem Morricone trabalhou para Os intocáveis

CinemaA arte do silêncio O cineasta italiano Michelangelo Antonioni foi capaz de captar em sua obra o universo das sensações, traduzindo-as em belas imagens

Por Beatriz Scavazzini

Longas cenas sem diálogos nem trilha sonora, complexas tomadas de câmera e uma inigualável riqueza de imagens. Esses são elementos de um típico filme de Michelangelo Antonioni, o mestre do cinema contemporâneo, que faleceu no dia 30 de julho deste ano. Para os admiradores, fica sua obra: uma coleção de mais de 40 filmes consagrados como clássicos. E todos centrados na busca de um entendimento maior da complexidade da alma humana. Nascido em Ferrara, em 1912, Antonioni viveu a maior parte do tempo em Roma, e foi ao lado de Enrica Fico, com quem se casou em 1986, que viveu os últimos anos de sua vida. Em busca de um equilíbrio entre o imaginário e o real, Antonioni fez de sua obra uma caixa de Pandora, onde os mais íntimos desejos do homem são revelados a todo instante, por meio da força de sua estética.

A consagraçãoRecém-formado em economia pela Universidade de Bologna, aos 28 anos o jovem mudou o curso de seus estudos e passou a freqüentar o Centro Sperimentale di Cinematografia, em Cinecittà, um dos maiores estúdios da Europa. Foi quando conheceu os mais importantes diretores da época: Fellini, Pasolini e Rosselini. Para este último, produziu o roteiro de Un pilota ritorna, em

1942. Os consagrados neo-realistas incentivaram o novo talento a trabalhar com a vertente que tinha como princípio enxergar a Itália com os olhos sangrentos do pós-guerra. "A exemplo de inúmeros cineastas surgidos nos anos 40, 50 e 60, Antonioni recebeu forte influência das idéias neo-realistas. Depois, como muitos de seus contemporâneos, entre os quais Federico Fellini e Luchino Visconti, amadureceu o próprio estilo e passou a se dedicar a temas que lhe interessavam", explica o crítico de cinema do jornal Folha de S.Paulo, Sérgio Rizzo. Assim que começou a gravar seus primeiros filmes, na década de 50, passou a enfatizar a importância de compreender o que era a realidade. O foco agora estava direcionado não mais para os personagens, mas para o que acontecia entre eles. As sensações, as emoções e as angústias do ser humano passaram a ser o cerne de seus filmes.

Em suas tramas, os personagens já não faziam parte de uma parcela marginalizada da sociedade que, aos poucos, tentava reconstruir a Itália. Antonioni desvendou a alma humana e fez dos seus filmes um meio para tratar da incomunicabilidade. Ainda hoje, esse tema é abordado com bastante freqüência. O cinema, o teatro e a pintura vez por outra trazem à tona os problemas da comunicação entre os amantes e seus desdobramentos.

A descoberta do novo mundoJá consagrado na Europa, Antonioni muda-se para os Estados Unidos, e lá, em 1966, roda seu maior sucesso, que consolidou seu nome internacionalmente, Blow-up - Depois daquele beijo, cuja narrativa é baseada no conto "As babas do diabo", do escritor belga, que passou na Argentina a maior parte de sua vida, Julio Cortázar. Por esse filme, o diretor foi indicado ao Oscar nas categorias de melhor direção e roteiro. Michelangelo Antonioni também recebeu premiações nos mais importantes festivais, entre os quais, o de Cannes (1955) e o de Veneza (1997). Além disso, em 1994, recebeu o Oscar pelo conjunto de sua obra. Passou a ser reconhecido como o mestre do estilo visual, mas, por apresentar o intimismo das situações, é tido por alguns críticos, até hoje, como o poeta do tédio.

Antes de descobrir sua vocação para

o cinema, Antonioni estudou Economia.

Aos 28 anos, formado, começou

a freqüentar o Centro Sperimentale

di Cinematografia, em Cinecittà

Antonioni nas filmagens do

curta-metragem Roma, em 1990

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O conjunto da obraL´avventura foi seu primeiro filme a alçar vôo e conquistar o mundo pela ousadia e pelo ineditismo de seus temas. Foi nele que se lançou a musa Monica Vitti. Logo na seqüência, em 1961, Antonioni rodou La Notte, que contou com a atuação de Marcello Mastroianni (um dos galãs da época), e L' eclisse (1962). Juntos, formaram a "Trilogia da incomunicabilidade humana". Já no ano de 1964, é a vez de surgirem as cores na obra de Antonioni. O primeiro filme que fugiu da plástica em preto-e-branco foi Dilemas da vida (Il deserto rosso). Outro grande sucesso do diretor é Zabriskie Point, lançado em 1970. Em seguida foi a vez de surpreender o público com o longa Profissão: repórter (Professione: reporter, 1975), que tem poucas pausas, muitas falas e movimentos de câmera que representam um experimentalismo técnico muito copiado posteriormente. Dez anos depois, em 1985, Antonioni sofreu um derrame que o deixou com restrições nos movimentos e na fala. A partir de então, seus filmes são ainda mais um reflexo dos conflitos humanos com os silenciosos questionamentos sobre o mundo circundante. A última produção dele foi Eros, gravado em 2005. Antonioni deixa uma vasta gama de filmes que nos dão a possibilidade de tentar compreender nossa existência. Mas, mais do que isso, o diretor contribuiu para que o cinema moderno retomasse aspectos anteriormente focados pelas tradicionais expressões teatrais, como o teatro grego e suas tragédias e, atualmente, pelo cinema mudo. Sobre quem ocupará o posto de mestre contemporâneo no cinema, Rizzo diz: “Um pouco de Antonioni se enxerga, por exemplo, no alemão Wim Wenders, no chinês Jia Zhang-ke, no brasileiro Karim Aïnouz. Encontramos neles o esforço de traduzir em imagens o chamado 'mundo interior', de tratar das dificuldades de comunicação entre as pessoas e de explorar angústias existenciais da sociedade contemporânea, sobretudo aquelas relacionadas à identidade”.

As filmagens de A aventura, de 1960, o primeiro filme do diretor que obteve grande sucesso(acima e à esquerda)

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"No vazio, nos espaços silenciosos do mundo, ele encontrou metáforas que iluminam os lugares silenciosos de nossos corações e descobriu neles uma estranha e terrível beleza."Jack Nicholson - ator

"Antonioni mostraria o vazio das ruas, as almas cheias de tédio - pior do que o medo." Carlos Heitor Cony - cronista

"Antonioni nos faz tomar consciência de algo inteiramente estranho e incômodo, algo nunca antes visto no cinema."Martin Scorsese - diretor

"Ele é um alquimista da intimidade, o arquiteto do tempo e do espaço no cinema contemporâneo."Gilles Jacob - presidente do Festival de Cannes

Blow-up – Depois daquele beijo, de 1966, filme rodado nos Estados Unidos que consolidou o nome de Antonioni no mundo (abaixo)

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odos os dias ele acorda às sete horas da Tmanhã e sai para caminhar. São quatro quilômetros pelas ruas próximas de casa, segurando um pacote de biscoito para cães, que perde uma unidade cada vez que ele encontra um animal latindo atrás de um portão. "Um dia ainda alguém vai achar que os estou envenenando", ri Guido Totoli, que, mesmo assim, continua distribuindo os agrados. O ceramista, escultor e pintor italiano mora em São Paulo desde o Natal de 1958, como gosta de dizer. Guido teve cinco cachorros, todos enterrados no quintal de casa, como gente. "Tem túmulo, enfeite, cruz", avisa. A paixão pelos animais até impede que ele tenha outro companheiro canino. "A dor da perda não compensa os anos de alegria. Eles viram filhos pra gente".Não só os cães despertam compaixão no artista que transforma cerâmica em gatos, frutas, flores, pássaros, rostos, deuses, santos (peças com preços que variam de dez a quinze mil reais). Guido não come carne vermelha nem de aves, e lamenta não conseguir abandonar também a de peixe. "Eu posso te dizer, todos os lugares em que o pessoal mata bicho, não dá nada certo. É com a morte que você está mexendo, com um sentimento tenebroso, uma coisa pavorosa", lamenta.Aos 70 anos, Guido trabalha o dia todo. Inquieto,

está sempre atento às notícias de todos os jornais, criando, produzindo, sujando as roupas e a casa onde mora (na zona oeste de São Paulo) com tinta colorida ou com a argila que usa para fazer suas peças de arte. "Artistas enxergam outras coisas, é um gênio difícil, viu? O Guido não se preocupa com dinheiro, compra roupa o tempo todo porque trabalha sem avental...", conta Pietrina, hoje com 68 anos, o amor de Guido desde que os dois tinham 13. "Ele é tão agitado, que, quando um cliente leva a peça errada, é ele que sai correndo atrás, na rua, para consertar o engano", diz a esposa. Em 1956, ela chegava ao Brasil com o irmão Donato, um alfaiate que emigrou de um povoado próximo de Salerno, no sul da Itália, em busca de trabalho. Guido e Pietrina trocaram cartas até 1958, quando ele também desembarcou por aqui. "A chegada ao porto de Santos foi terrível, porque fazia um calor de derreter tudo, e eu vestia um paletó pesado de inverno", lembra Guido, aos risos. A adaptação não foi difícil, apesar das diferenças do clima, graças ao acolhimento que recebeu dos que encontrou no caminho. "Quase toda semana tinha uma festa de aniversário, comecei a gostar. Depois tive um período, de quatro ou cinco meses, em que tive um pouco de recaída, estava querendo voltar pra Itália. Mas passou. Hoje, não fico um ano sem

PerfilO poeta da

argila

e das cores

O poeta da

argila

e das cores

No ateliê que se mistura à bela casa em que vive, o artista Guido Totoli não pára de criar, está sempre atento às notícias do dia e mantém um casamento de quase 50 anos

Por Marcella Chartier Fotos: Júlio Santos

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passar uns 40 dias por lá, já é suficiente", diz o artista. Os tempos de festeiro, porém, ficaram para trás. Guido gosta de ficar em casa, trabalhando ao som de música napolitana ou de Maria Bethânia. Aos fins de semana, tem mais tempo e estímulo para criar peças livres das diversas encomendas que recebe diariamente em seu ateliê. "O serviço aqui é assim: 'Me faz dez máscaras, me faz dez pratos', tudo aqui é seriado e, só de pensar nisso, eu fico com o cabelo arrepiado", conta, com os trejeitos exaltados que trouxe de sua terra. O serviço encomendado é, em grande parte, de peças decorativas, como o próprio artista define. Mas ele também pinta e esculpe obras de arte. "De vez em quando, no meio de tudo, surge cada coisa... não porque eu queira, simplesmente acontece", afirma. No tempo livre, além de descansar para permitir que a inspiração chegue, Guido gosta de ler. Na última viagem à Itália, uma parada num sebo lhe rendeu algumas aquisições. Entre elas, Pinóquio, o clássico infantil, que releu. O talento de Guido manifestou-se cedo. "A mãe dele me contou que, aos 4 anos, ele pintava com tijolo. Esfarelava e transformava em tinta", conta Pietrina. Ainda criança, Guido fazia desenhos na aula de arte, para toda a classe. "Aprendi até a costurar quando criança, cozinhava, pregava botões... éramos seis irmãos, todos homens. Então aprendi tudo", lembra.

Da publicidade à arteO ateliê e a casa de Guido se misturam. As peças que ele produz se espalham pelos cômodos. O artista vive no mesmo lugar desde 1961. Antes de se casar, morava numa pensão na Praça Roosevelt, centro da cidade. "Quando me mudei para cá, não tinha nem asfalto na rua. Era vermelha e do outro lado tinha um pantanal cheio de sapos à noite, fazendo aquela música dos sapos, sabe? Eu dormia com aquela música, gostava. Depois o progresso começou a chegar aqui", lembra. Nos primeiros meses que passou no Brasil, quando ainda morava na pensão no centro de São Paulo, Guido pintava quadros e os vendia a um intermediário que, por sua vez, lucrava na venda a outras pessoas. O dinheiro era pouco, e o artista resolveu produzir peças publicitárias. Era muito trabalho, e Pietrina o ajudava. "Teve uma firma paulista de vinhos que encomendou 4 mil cinzeiros com o emblema deles. Fiz um por um, com as minhas mãos. Eu preparava a massa de noite, e de manhã Pietrina enchia as formas", conta. A arte ficou para os poucos momentos livres que sobravam. Guido presenteava amigos com essas peças, e um dia teve uma surpresa que o fez mudar de rumo. "Um dia, fui a um leilão de arte e vi uma peça minha sendo leiloada. Pensei: 'Como? Se eu dei de graça, como estão

A produção de Guido é constante. No segundo andar da parte de trás da casa, um longo corredor tem peças de todos os tipos, a maioria encomendas prestes a serem entregues

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vendendo essa peça?' Então surgiu a idéia de fazer a mesma coisa, pegar minhas peças e começar a vender. Aí é que foi se formando uma espécie de ateliê", recorda.Nessa época, Guido conheceu outros artistas italianos que viviam no Brasil, e garante que aprendeu muito com eles. Ottone Zorlini, Massimo Rossi, Fulvio Pennacchi. Mas Guido também desenvolveu, com o tempo, seu estilo de trabalho. Ao contrário de Pennacchi, por exemplo, que chegava a demorar semanas para terminar um quadro porque não previa o que acrescentaria às obras, Guido não se arrisca a tanto. E termina cada peça que começa. "Todo artista, quando anda na rua, já está pintando. Eu não vejo a paisagem como ela é, mas a cor do branco das casas, as árvores verdes, fico pintando o tempo todo", explica.

Ossos do ofícioA fama não trouxe apenas o prazer de viver fazendo o que mais gosta, mas também tarefas menos agradáveis. Procurado por personalidades da televisão, da política, empresários e pela alta sociedade em geral, Guido precisa, às vezes, de muita paciência para atender aos pedidos. "Estou fazendo uma peça enorme que será usada para servir comida. Ô negócio trabalhoso. Mas não cobro nada, fiz pro meu cliente", conta.Mas o problema, para Guido, é quando as encomendas não o agradam mesmo. "As piores encomendas que existem são as de xícaras e pires. Ninguém dá valor àquilo. Você leva um tempão para fazer e não passa de um pires ou de uma xícara. É muito cômico isso", reclama, sorrindo.Em alguns casos, a satisfação de produzir peças encomendadas depende das condições que o cliente define. Imagens de santos, por exemplo, são campeãs de pedidos. Principalmente as de Santo Antônio e de São Francisco. "Quando a pessoa pede e não me diz como fazer, me agrada. Mas quando me traz um modelo para que eu copie, fico louco", lamenta.Mesmo tendo muito material para isso, Guido não gosta de fazer exposições. Só realizou uma no Museu de Arte de São Paulo (Masp) - que tem duas obras do artista em seu acervo permanente: a tela "Paisagem campestre", e a escultura "Anjo com menino Jesus", ambas de 1983 - e uma em Salerno, organizada por uma sobrinha. "Não me sinto preparado, acho que nunca estarei. Artista que se acomoda está perdido", opina.No meio de tanto trabalho, a inspiração ainda influi nos resultados. "Uma coisa te garanto: quando estou feliz, não consigo nada. A mente fica tão ofuscada que você não consegue criar. Existem momentos difíceis na vida que nos fazem ficar mais acanhados. Aí que vem um sentimento ruim que nos faz refletir. A felicidade não é própria para a criação".

Todo o espaço da casa está, também,

dominado pela arte de Guido. Acima, o quintal,

espaço onde é maior a mistura de trabalho e

lazer. Abaixo, a sala de jantar da casa, com a cerâmica colorida de

Guido na parede

Guido veio para o Brasil viver com Pietrina,

quem namorava desde os seus 13 anos

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Apesar do trabalho da equipe de seis pessoas

que passam o dia no ateliê de Guido, todas as etapas de produção das peças - desde a preparação da massa, a modelagem, a queimação e a esmaltação final - têm as mãos do artista. A argila é comprada pronta, sólida ou líquida, branca ou vermelha. Adicionando a ela óxido de ferro, as cores se alteram. Ainda assim, a maior parte das peças é pintada depois de formalmente definidas. Guido usa cores puras, não gosta de misturá-las com o branco.Depois de pronta e seca a pintura, a peça vai para o forno. "É a primeira queima, chamada biscoito", ensina o artista. Feita em seguida a esmaltação, a peça volta para o forno novamente. "Pennacchi era famoso por colocar suas peças no forno dezenas de vezes. Ele era detalhista, as dourava... e o brilho é dado pelo esmalte, depois da queima".Algumas peças de Guido têm fissuras que as deixam parecer cobertas por uma teia. Para dar esse efeito, ele joga água sobre elas quando as

A receita de Guido

retira do forno e ainda estão numa temperatura de 300 graus. O esmalte trinca e um pigmento entra nos pequenos vãos que se formam.

Algumas das figuras mais encomendadas pelos clientes de Guido são os deuses e santos

As cores puras que o artista usa para dar

vida às suas peças

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Espaço Aberto

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Ao vencedor, as pipocas

Fonte inesgotável de sabedoria, o milho que estoura na panela pipoca em mim reflexões das mais inquietantes e profundas. Acreditar que todo aquele corpo branco coube um dia num grãozinho amarelo ajuda a entender a própria origem do universo. Basta lembrar a teoria do Big Bang para constatar que não exagero. Pipocas são a representação do cosmo.Feito lagarta que se metamorfoseia em borboleta, o poético rito de passagem do milho, que violentamente rompe a casca protetora e se liberta, é de uma simbologia incomparável. Como flores que desabrocham, pipocas são a expressão da Liberdade.Temos de reconhecer, no entanto, que nem todo milho quer ser pipoca. Há aqueles que nascem milhos, crescem milhos e morrem milhos - os piruás. Talvez por falta de coragem, escolhem mostrar somente seu lado invulnerável, indestrutível, inflexível. Exibem a carcaça reluzente, seu lado de fora, uniforme e impermeável. Hermeticamente metidos em suas duras e lustrosas cascas, jamais conhecerão a alegre delícia da pipoca.Triste realidade a desses grãos que não se permitem assimétricos - pipocas que não serão. E talvez nós mesmos nos reconheçamos por vezes piruás.Não raro nos trancamos em milhos que fogem do fogo. É o medo de estourar a casca protetora e nos mostrarmos frágeis e sensíveis, qual pipocas que de tão leves e delicadas são levadas pelo vento como pequenas nuvens.Escondemos nosso lado de dentro, nos negamos a mostrar o avesso. Mas por que ser milho queimado, quando se pode virar uma linda pipoca? Por que ser piruá, quando se pode despir a casca tão apertada?Acontece que essas questões não se põem assim claras diante de nós. Ao contrário dos milhos, não viramos pipocas de uma vez, num estouro. Nesse ponto nossos grãos amigos têm sorte. Anestesiados com o calor e ensurdecidos pelo barulho das explosões, ainda que abafado pela tampa da panela, talvez sofram menos que nós. Nosso estouro é contínuo e silencioso. Por vezes doído, já que, mesmo não pulando como as pipocas, não estamos livres de nos machucarmos. Mas sempre vale à pena tornar-se pipoca. Elas têm mais gosto pela vida!Pipocas são incríveis. Têm ainda muito a nos ensinar. Sua simplicidade contrasta com a complexidade de seus significados. Pequenos milagres ensacados com sal! Não à toa combinam tanto com a magia do cinema, não à toa desfilam em carrinhos pelas ruas, não à toa são tão cheirosas e deliciosas. Se as galinhas soubessem fazer pipoca, não mais chocariam seus ovos...

Marilia Kotait é ex-aluna do Colégio Dante Alighieri (turma de 2006).

Hoje, está no 2º semestre do curso de Direito na USP.

Ensaio fotográficoPor Érico Padrão

Ruas com jeito de cidade do

interior, animais de estimação soltos pelas vilas tranqüilas, mais de cem pizzarias e um forte sotaque italiano ecoando em todo canto. A Mooca, bairro da zona leste de São Paulo, tem 63 mil habitantes e é um dos maiores redutos de imigrantes italianos e de seus descendentes na cidade. É forte a influência da cultura italiana, exaltada com orgulho pelos mooquenses.

Edifício do antigo Cotonifício Crespi

Mas a origem do nome do bairro tem duas versões: Mooca significa "fazer casa" em tupi-guarani, e a palavra pode ter sido usada pelos índios dessa tribo (que já viviam no território quando chegaram os portugueses) ao verem os primeiros habitantes estrangeiros construindo suas casas. Alguns historiadores acreditam que o nome do bairro vem de Moka, uma palavra asiática que se relaciona a tipos de café (a maior parte dos imigrantes italianos chegou no Brasil para trabalhar nas fazendas de café do interior paulista).

Além da tradição cultural, a Mooca tem uma história de industrialização que se destaca. Algumas das principais fábricas da cidade fundadas a partir do final do século XIX se localizavam no bairro, como o Cotonifício Crespi, as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo, a São Paulo Alpargatas e a Companhia Antarctica.O Cotonifício Crespi (página 45), fundado pelo italiano Rodolfo Crespi, funcionou por 67 anos no mesmo edifício, que, hoje, depois de restaurado, é um hipermercado. E foram funcionários do Cotonifício que constituíram o Clube Atlético Juventus (página 44), em abril de 1924.

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Gastronomia

Por Silvia PercussiFotos: Tadeu Brunelli

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A cozinha lombarda é uma das mais famosas do

mundo. Quando pensamos nos pratos típicos da Itália, a pizza e o macarrão ao sugo são sempre os primeiros que imaginamos. Mas há também a famosa costoletta alla milanese, chamada na América do Sul de "milanesa" (ou bife à milanesa).Na região da Lombardia, a tradição gastronômica foi muito influenciada pelas características geográficas do território e pelas particularidades das influências históricas. Durante um longo período, as cidades da região ficaram divididas, porque estavam submetidas ao domínio de diferentes potências. Não foi sem motivo, portanto, que desenvolveram hábitos diversos. Milão e Mantova foram austríacas de 1706 a 1866, enquanto Bérgamo e Bréscia foram vênetas até 1796. É por isso que hoje é praticamente impossível falar de uma cozinha regional lombarda única, porque cada província amadureceu sua individualidade de hábitos e costumes. Os pratos milaneses têm, portanto, pouco a ver com os pratos bergamascos, por exemplo. Com sua natureza particularmente rica e variada, ornamentada pela presença de rios e lagos, a Lombardia oferece uma grande variedade de produtos: carnes, verduras, peixes de rio e de lago, diferentes tipos de arroz e de queijo. Uma das poucas unanimidades, porém, é o uso da manteiga como ingrediente base de toda a cozinha tradicional dessa região.Um elemento de união na cozinha na Lombardia é o risoto, preparado de muitas maneiras: com verduras, com lingüiças, com peixes de água doce, e até mesmo com rãs. Aliás, a lenda sobre o nascimento do famoso risoto milanese com açafrão merece ser recordada.Conta-se que, no final do séc. XV, um jovem aprendiz de vitrais fora chamado na capital para trabalhar nas restaurações dos vitrais do Duomo. O jovem tinha um insólito hábito de colocar um punhado de açafrão em todas as cores preparadas para tingir os vidros. Os colegas brincavam com ele dizendo que acabaria colocando açafrão na própria comida. Quando a obra terminou, atrás do Duomo foram festejadas as bodas de casamento da filha do mestre dos vitrais com o jovem aprendiz, que, provavelmente já um pouco embriagado com o vinho, decidiu cumprir a profecia de seus amigos e espalhou um

pouco de açafrão sobre o arroz servido à mesa. Nasceu naquele momento, segundo a tradição, o "risoto alla milanese", que se difundiu rapidamente em toda a cidade e no restante da região. O sabor desse prato depende, sobretudo, da perfeita união do arroz com um refogado inicial de alho e cebola.Se quisermos mesmo achar um denominador comum entre as regiões lombardas, podemos encontrá-lo na presença do leite e seus derivados: muito famosa e tradicional é a produção lombarda artesanal, de onde provêm deliciosos queijos como o stracchino, cresecenza, robiola, taleggio, os caprinos doce e salgado, mascarpone, gorgonzola, nata e o grana padano - mais gordo do que o parmigiano reggiano e caracterizado pela deliciosa gota formada com a maturação.Na gastronomia lombarda podemos destacar, então, as cozinhas de Bérgamo e de Bréscia, que foram evidentemente influenciadas pelos costumes gastronômicos da República de Veneza, da qual fizeram parte durante um longo período. Bérgamo é a pátria da polenta taragna, feita com uma mistura de milho e grão sarraceno e preparada lentamente com um bastão, o tarello. Excelentes também são a "polenta com passarinhos" e a massa recheada com peras, amarettos e lingüiça, chamada casonsei. Bréscia permanece ligada gastronomicamente ao Lago de Garda, oferecendo outra variedade de produtos e alimentos, como peixe frito acompanhado de polenta. Em Como e Varese, os pratos sofrem influência direta dos lagos de Como e Maggiore. Na cidade de Pavia temos as tradições gastronômicas com influências piemontesas, emilianas e milanesas. A cozinha da região da Valtellina apresenta uma influência dos produtos dos lagos, mas também oferece pratos camponeses como aves, caça e embutidos devido à sua proximidade com a Suíça. Internacionalmente conhecidos são o torrone e a famosa mostarda de Cremona. Já em Mantova, temos uma cozinha popular e aristocrática, em que as grandes estrelas são o arroz e o trigo, o ravioli di zucca e as carnes de caça. Ninguém se esquece do amarelo ouro do risoto alla milanese, aquele obtido por meio do uso do açafrão.O quadro gastronômico da Lombardia é, portanto, um mosaico de cozinhas das suas províncias, que conservam características próprias.

Um mosaico de cozinhas

Modo de preparo:Misture a farinha com os ovos e o sal, acrescentando devagar água até obter o ponto da massa, e deixe descansar por meia hora.Prepare o recheio aquecendo uma noz de manteiga para fazer a lingüiça sem pele e as peras descascadas e raladas. Acrescente então a carne assada e moída e as raspas do limão. Coloque tudo em uma vasilha e misture com o queijo, o ovo, os biscoitos moídos, as passas trituradas, uma pitada de noz-moscada e de canela, sal e pimenta. Corte a massa em discos de 8 cm de diâmetro para rechear.Em uma frigideira, coloque o bacon e deixe derreter a gordura. Junte a manteiga e deixe corar, e coloque as folhas de sálvia até que fiquem crocantes.Cozinhe a massa em abundante água com sal, escorra e leve à frigideira com o molho. Sirva com parmesão ralado.

Ingredientes:

400 g de farinha100 g de sêmola de grano duro 2 ovos Água e sal

Para o molho:

100 g de manteiga sem sal100 g de bacon picadoFolhas de sálvia frescaParmesão ralado

Para o recheio:

125 g de farinha de rosca1 ovo200 g de parmesão ralado150 g de lingüiça toscana moída100 g de carne bovina assada e moída 5 g de biscoitos amaretti 10 g de uvas passas15 g de manteiga sem sal Noz-moscada e canela2 perasRaspas de meio limão sicilianoSal e pimenta

Casonsei alla bergamasca

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Costoletta alla milanese

Ingredientes:4 costeletas de vitela com o osso100 g de manteiga2 ovos Farinha de rosca para os bifes1 limãoSal

Modo de preparo:Tire a pele e bata nas costeletas com o martelo de carne. Não salgue ainda, para que não se altere a maciez da carne. Em um prato fundo, derrame os ovos e bata-os bem. Depois, afunde neles as costeletas, uma por vez, e passe-as na farinha de rosca.Numa frigideira grande, derreta a manteiga e, no fogo alto, cubra a panela formando uma camada de costeletas. Cozinhe por sete ou oito minutos, de cada lado, até que elas fiquem macias e levemente douradas. Depois coloque em um prato, salgue e acrescente como guarnição fatias de limão.

Creme de mascarpone

Ingredientes:300 g de mascarpone100 g de açúcar3 gemas 2 claras em neve 4 colheres de rum

Modo de preparo:Bata bem as três gemas de ovo com o açúcar. Acrescente o mascarpone, misture delicadamente e adicione quatro colheres de rum. Acrescente, enfim, duas claras em neve. Derrame em taças e sirva com algum doce, como o panetone tostado.

A chef Silvia Percussi, autora do livro Funghi - cozinhando com cogumelos (editora Keila & Rosenfeld), é responsável pelo cardápio do restaurante Vinheria Percussi desde 1988. Rua Cônego Eugênio Leite, 523, Jardim América. De terça a domingo. Fone: 3088-4920/3064-4094

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1º Quadrimestre: de março a junho

2º Quadrimestre: de agosto a novembro

Valor do quadrimestre: em 4 parcelas mensais

Isenção de matrícula

Máximo de alunos por sala: 12

Qualificação: Certificado de Conclusão

TurismoTurismo

Natureza e monumentos no norte italianoAs nuances da Lombardia, a região mais industrializada da Itália

Imagens: Ente Nazionale Italiano per il Turismo (Enit)Por Edoardo Coen

Um ponto de encontro elegante em Milão:

uma rua coberta projetada pelo arquiteto

Giuseppe Mengoni

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Depois de 12 horas de uma viagem tranqüila, o avião aterrissou pontualmente no aeroporto de Malpensa, em Milão, a capital da região da Lombardia, meta da nossa viagem. O nome Lombardia origina-se do termo medieval Longobardia, que designava a parte da península italiana localizada entre as regiões do Piemonte e do Vêneto, delimitada ao norte pela cordilheira dos Alpes, e ao sul pelo rio Pó. Por ser há muito reconhecida como a região mais industrializada da Itália, os aspectos turísticos e culturais da Lombardia permaneceram por muito tempo em segundo plano, apesar do valor das obras de arte lá depositadas por séculos pelos povos e civilizações que se sucederam em seu território. No entanto, essa visão irrealista de uma das regiões mais desenvolvidas e ricas da Itália está sendo abandonada.Percorrê-la como turista, desde os Alpes até o fim da planície do rio Pó, não é tarefa fácil. Principalmente pelo espaço de que dispomos aqui. Escolhemos, por isso, uma via: visitar a cidade de Milão, que, como todas as cidades italianas, tem as marcas de sua história milenar bem cravadas na sua formação monumental; em seguida, realizar um romântico passeio pelo Lago de Como, com os pequenos povoados arraigados em suas encostas e as magníficas residências da nobreza coroando lugares que, por seu panorama, são procurados desde a época romana pelos que amam a natureza em sua expressão mais pura.

Considerada a melhorobra gótica do mundo,o Duomo de Milão é uma majestosa construção de mármore branco

MilãoConhecida como Mediolanum desde a época romana, era inicialmente um posto avançado para as legiões que deviam proteger o arco alpino das penetrações dos povos da Europa central. Milão é hoje a segunda cidade mais populosa da Itália e a de maior importância econômica. Da época romana, restam poucos dos suntuosos monumentos que enriqueciam a antiga Mediolanum, como as seis grandiosas colunas coríntias que se encontram no adro da igreja de São Lourenço.O nome de Milão é associado principalmente ao Duomo, à Madonnina (protetora da cidade) e ao panetone consumido nas festas natalinas.O Duomo, na homônima praça no centro da cidade, surge como uma imponente explosão de mármore branco, com seus 135 pináculos. No centro, ao alto, está a estátua da Madonnina, revestida por 3.900 lâminas de ouro. Definido como a melhor obra gótica do mundo e dedicado à Santa Maria Nascente, o Duomo foi construído por vontade de Gian Galeazzo Visconti em 1386, no lugar onde se localizava a Basílica de Santa Maria Maggiore. Com uma superfície de 11.700 m², é uma das maiores basílicas do mundo, superada apenas pela de São Pedro, no Vaticano, e pelo domo de Sevilha, na Espanha. O seu interior, com cinco naves e uma grande quantidade de estátuas, é imerso numa mística penumbra, produzida pelos

A Basílica de Santo Ambrogio foi

construída no século IV pelo próprio santo que a batiza

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raios de luz filtrados pelos grandes vitrais. Por meio de um elevador panorâmico, pode-se subir aos terraços do telhado e aproveitar um passeio entre os pináculos, admirando a cidade, a planície do Pó e os montes distantes.No centro da praça, admiramos o monumento a Victor Emanuel II, o primeiro rei da Itália: uma estátua eqüestre em bronze. Em sua base, está representado o ingresso em Milão do rei e de Napoleão III, depois da batalha de Magenta, na II Guerra de Independência (1859), que permitiu ao Piemonte anexar a Lombardia e proclamar em 1861 o Reino da Itália.

A Galleria e La ScalaPara alguns minutos de pausa, nada melhor que entrar num edifício na mesma praça: a Galleria Vittorio Emanuele, uma das mais prestigiosas

"ruas cobertas" da Itália. Construída pelo arquiteto Giuseppe Mengoni, tem elegantes lojas e muitos cafés, tornando-se o ponto de encontro dos milaneses e de turistas - quando o ritmo frenético de todos os dias permite momentos de trégua para bebericar o tradicional camparino. Dando prosseguimento ao nosso caminho, percorremos a Galleria para chegar à Piazza della Scala, não sem antes reproduzir o costume dos milaneses que, para esconjurar o azar, esfregam os saltos dos sapatos nos "atributos masculinos" de um touro representado num mosaico do pavimento. Mais um pouco e estamos em frente ao Teatro della Scala, um templo mundial da lírica, de sóbria construção. Edificado pelo arquiteto Giuseppe Piermarini, na área da igreja de Santa Maria della Scala, o teatro é o mais famoso edifício milanês e foi o palco de estréias de óperas de compositores como Verdi, Rossini, Bellini, Donizetti, Mascagni e Puccini.Destruído pelos bombardeios aéreos no decorrer da Segunda Guerra Mundial, foi reconstruído por Arturo Toscanini. Sua reinauguração ocorreu em 1946, com a representação da Gazza ladra, de Rossini. Ainda hoje, o início da temporada lírica de La Scala, no dia 7 de dezembro de cada ano (dia de Santo Ambrogio, patrono da cidade), representa uma ocasião única e especial para os amantes da música lírica, assim como para a alta sociedade de Milão. A Basílica de Santo Ambrogio, aliás, também merece uma visita. Foi construída pelo próprio santo no século IV sobre a área de um antigo cemitério chamada hortus Philippi. Além de seu valor histórico, a basílica nos dá uma idéia de como era a forma das primitivas igrejas cristãs.

Castello Sforzesco e Cenacolo di LeonardoSeguindo pela rua Dante, que agora é um calçadão, encontraremos o Castello Sforzesco, em seu grandioso e pitoresco complexo. Construído por vontade do duque Francesco Sforza em 1450, possui uma planta quadrangular com quatro poderosas torres nos ângulos. A porta principal é valorizada por uma torre construída em 1901 no lugar da outra quatrocentista, que ruíra em 1521, atribuída ao famoso arquiteto Filarete. O seu interior é dividido por três grandes pátios: o primeiro, mais amplo, é utilizado para desfiles e cerimônias militares; o Cortile da Rocchetta, num maravilhoso estilo renascentista; e a Corte Ducale, no centro de um núcleo de edifícios que eram usados como residência oficial dos duques de Milão. Hoje o castelo, aberto ao público, tem em seu interior uma pinacoteca, o Museo della Scoltura (que expõe a Pietà Rondonini, de Michelangelo), o Museo Egízio e a Biblioteca Trivulziana.Não podemos esquecer uma visita à igreja de Santa Maria delle Grazie. No refeitório do

A praça que abriga o Duomo

A temporada lírica do Teatro della Scala

marca o calendário da cidade

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convento anexo à igreja, o gênio de Leonardo da Vinci concebeu um dos mais sublimes monumentos da pintura de todos os tempos: A última ceia (1495-98), que milagrosamente foi salva dos bombardeios aéreos no último conflito mundial, dos efeitos do tempo e da umidade, além de ter tido seu esplendor recuperado por uma recente restauração. Em frente à parede dessa pintura, encontra-se a Crucificação (1495), de Giovanni Donato Montarfano.Para terminar em glória nossa breve visita a Milão, nada melhor que conhecer os tesouros guardados num palácio do século XVI, onde estão estabelecidas a Academia de Belas Artes, a Biblioteca Nacional e a Pinacoteca de Brera. Esta última expõe uma das coleções mais importantes da Itália, do século XIV até os nossos dias, incluindo uma extraordinária coletânea de pinturas religiosas vênetas e lombardas.

O Lago de ComoChegou o momento de deixarmos Milão para conhecer o Lago de Como, amostra de uma natureza pura. Podem-se ouvir, em cada vilarejo, histórias da vida cotidiana e das atividades que, através dos tempos, representaram a faina de seus moradores, como a pesca, o cultivo da oliveira, a criação do bicho da seda, a extração da pedra, em resumo, a economia agrícola e pastoril - o pulsar de comunidades ciosas de suas antigas tradições, mas voltadas para o presente. Tudo isso num verdadeiro paraíso engastado nos Alpes.Iniciamos o nosso passeio partindo de Como, percorrendo o lado oriental de um dos dois ramos do lago pela estrada litorânea que leva até Bellagio. Depois de alguns quilômetros com paradas nos terraços panorâmicos do caminho,

Foi no convento da Santa Maria delle Grazie que Leonardo da Vinci concebeu A última ceia (1495-98)

chegamos em Torno para uma breve parada, onde visitamos a igreja de San Giovanni, com o seu rico portal do século XVI, localizada numa pequena praça com vista para o lago.Vale a pena percorrer umas poucas centenas de metros para encontrar uma das mais célebres vivendas do lugar, a Pliniana, construída em 1573 pelo conde Giovanni Anguissola. Essa vivenda é famosa por ter hospedado Napoleão, Sthendal, Byron, Fogazzaro, Foscolo, Rossini e muitas personalidades da belle époque.Prosseguindo a viagem, chegamos em Faggeto Riva. Depois alcançamos Palanzo, de onde se pode admirar uma vista estupenda, e onde é conservada uma antiga prensa do século XVI, que ainda funciona perfeitamente.

O nome do Castello Sforzesco vem de quem o idealizou: o duque Francesco Sforza, em 1450

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As comunidades ao redor do lago

aproveitaram, ao longo dos tempos, os

benefícios oferecidos pela natureza,

como os peixes e a terra fértil, para o cultivo

de oliveiras

Voltando para a estrada principal, atravessamos a parte alta de Faggeto Riva, onde uma estrada secundária leva até as margens do lago. Em poucos quilômetros, surge Pognana Lario, e mais em frente Careno, um interessante vilarejo cuja economia era baseada no trabalho dos cavadores de pedra e no dos seus esculpidores. A igreja de San Martino, de estilo românico, merece uma visita. Poucos quilômetros mais e, encravada na íngreme encosta de um monte, nos aparece Nesso. Nesse lugar se podem admirar uma cachoeira, imponente depois das chuvas, e o abismo no qual se precipita, conhecido como orrido de Nesso, que é visível também de baixo num passeio de barco.Mas a estrada continua sempre costeando o lago, até que se chega a Lazzeno, um burgo que acompanha a estrada por 7 quilômetros. De lá, um barco pode nos levar para a Grotta delle Carpe, chamada também a Grotta Azzurra del Lario.Enfim surge Bellagio, talvez a mais célebre localidade turística do lago. Descoberta pelos turistas alemães no século passado (Shelley a considerava como "o lugar mais bonito do mundo"), tornou-se, na belle époque, um renomado centro de veraneio internacional. A zona, pela sua encantadora beleza, foi escolhida para construção de vivendas suntuosas, entre as quais Villa Sorbelloni, Villa Melzi (um dos mais belos exemplos do neoclássico na Lombardia) e a Villa Giulia, no mesmo estilo. Os parques da região são verdadeiros jardins

botânicos, com várias espécies de plantas exóticas das regiões mediterrâneas e alpinas. Uma breve caminhada nos leva para Punta Spartivento, de onde se pode prosseguir até o interior do promontório, em que se descortina um fabuloso panorama oferecido pelos dois ramos do lago e pela região de Valvassina.Tudo isso mais a magnificência das artes, a amenidade do clima, os passeios inesquecíveis e a cordialidade dos moradores deram a Bellagio a fama de que desfruta mundialmente.Termina aqui a nossa viagem por lugares que, sem exagero, podemos definir como paradisíacos, onde a natureza não se encontra escravizada, violentada pela mão do homem que se diz civilizado, e por isso tenta dobrá-la aos seus desejos. São lugares que são o palco de um espetáculo em que a natureza, na sua essência mais pura, interpreta o papel principal de soberano, e o homem apenas o de um coadjuvante interessado.

Lombardia

Bérgamo

Bréscia

Como

Cremona

Lecco

Lodi

Mantova

Milão

Pavia

Sondrio

Varese

Salão principal com tema decorativo,Parabéns personalizado com saída do foguete,Queda de balões premiada,Camarim com desfile de fantasias,Gincana com adultos,Momento discoteca,Recreação com as crianças,Salão do karaokê,Touro mecânico,Roda giganteBig JumpEscalada ( 5m de altura)Looping Mountain,CarrosselTombo legalSuper brinquedão com cama elásticaPiscina de bolinhasKid Rid

Buffet Star ShineAv. Dom Pedro I, 413/415Vila MonumentoTel: 6168-9141www.buffetstarshine.com.br

BerçárioLanchoneteSalão com ar condicionadoEstacionamento com manobristaE muito mais !!!!

Salão de jogos com :Super kart

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900 m² de muito lazer !!!!

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Artigo

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uiv

o

Por Silvana Leporace

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Todos sabemos que a família é a estrutura básica

na formação do indivíduo. A chegada de uma criança faz nascer uma nova família, diferente de qualquer experiência já vivida. Mesmo antes de a criança nascer, nós já imaginamos como iremos educá-la e tratá-la, sempre pensando em acertar e fazer o melhor possível.As certezas que outras gerações tinham e aplicaram na criação de seus filhos, hoje já não temos mais, de modo que nunca se observou tanta inse-gurança nas relações fami l iares como na atualidade.O número excessivo de informação atinge a todos e abala a segurança que encontramos nas con-dutas mais tradicionais. O que sabemos é que a experiência passada nem sempre irá nortear a orientação para viver no século XXI. Sendo assim, é hora de refletir e fazer uma revisão geral daquilo em que acreditamos e que esperamos passar para os nossos filhos.Muitas vezes não nos damos conta da impor-tância vital que nossas atitudes têm na formação da criança, pois ela observa o mundo ao seu redor, interioriza experiências e tudo o que ocorre é uma aprendizagem para ela. Descuidamos em várias ocasiões da coerência nas nossas atitudes. Algumas vezes exageramos no rigor e outras somos muito condescendentes. Precisamos buscar sempre no bom senso a medida certa.

O adulto precisa ser capaz de dizer e fazer a coisa certa na hora certa. Uma situação que chama bastante a atenção é a falta de firmeza para manter um posicionamento em uma situação. Muitas vezes, na hora em que per-demos a calma, fazemos proibições e promessas exageradas, tais como: Você não irá a nenhuma festa até o final do ano, ficará sem usar o computador durante um mês, etc. Depois que o

conflito passa, os pais esquecem o que prome-teram e não têm coragem de cumprir o que foi combinado. Com isso, se enfraquecem.Precisamos passar para a criança e para o ado-lescente a medida da justiça ante uma situa-ção, ter argumentos con-vincentes e, realmente, tomar atitudes. Eles necessitam de clareza em relação às expectativas dos pais. Prometa o que você realmente acha que tem condições de cumprir, não se sinta tão culpado por tomar uma atitude, seja coerente consigo mesmo e com aquilo em que acredita. Tenho a certeza de que seu filho irá agradecer, pois ele só

se sentirá seguro quando sentir que seus pais são suficientemente seguros e se interessam por ele!

Silvana Leporace é coordenadora do Serviço de Orientação Educacional do Colégio Dante Alighieri

A medida certa

Precisamos passar para a criança e para o adolescente a medida da justiça ante uma

situação, ter argumentos

convincentes e, realmente, tomar

atitudes. Eles necessitam de clareza

em relação às expectativas dos pais

Memória

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As quadras externas do Colégio

Dante Alighieri, numa comemoração

da década de 1930. Na foto menor,

a apresentação de dança que foi

parte do encerramento da X

Olimpíada Interna, em 2007.

Colégio Dante Alighieri

www.colegiodante.com.br / (11) 3179-4400

Educação Infantil (Maternal e Jardim) Ensino Fundamental Ensino Médio�

O início de muitas conquistas

O que você vê por trás destes números?

Nós vemos o futuro.