daniele c. dantas daniele martins monge · abraão david, em depoimento no livro de luiz carlos...
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Carybé e o carnaval: mediadores culturais entre Brasil e Argentina
Daniele C. Dantas*
Ana Rosa Cunha da Cruz
Daniele Martins Monge
Setembro
2017
*Daniele C. Dantas, Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT/UFRJ), doutoranda, [email protected] Ana Rosa Cunha da Cruz, Universidad Nacional de Rosario, mestranda, [email protected] Daniele Martins Monge, CERIR - Centro de Relaciones Internacionales de Rosario, mestre, [email protected]
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RESUMO
Protagonistas da poética futebolística latino-americana, Argentina e Brasil são países
fronteiriços que compartilham mais do que questões esportivas. Pátrias de ícones culturais
num ambiente repleto de símbolos artístico-culturais, os dois países vivenciam um espaço
de diálogo intercultural. Refletindo sobre meios de colaboração que aproximam e integram,
manifestações artísticas se apresentam como catalisador neste processo de transculturação
(ORTIZ; 1940). Na música, considerando o samba-enredo, os dois países dividem paixões
que envolvem outras expressões artísticas, interação, sociabilidade. Neste trabalho, propõe-
se refletir sobre o processo de consumo e fruição de uma manifestação cultural e as trocas
estabelecidas entre atores culturais de dois países. Em Buenos Aires, no bairro de Lanús,
uma escola de samba nasce inspirada no carnaval de Rio de Janeiro. Novas relações
sociais pessoais e institucionais, individuais e coletivas são construídas incrementando
dinâmicas de integração entre dois países, entre duas cidades, através da cultura. A
inspiração do carnaval de escolas de samba do Rio de Janeiro, para os fundadores da
Estação Primeiro de Lanús, é o objeto de estudo do presente trabalho. O objetivo principal é
apresentar a aproximação e construção de elos culturais, entre portenhos e cariocas, em
um processo de transculturação na composição e fundação da escola de Lanús,
colaborando para a construção do debate sobre identidades culturais. Identificar influências
e colaborações culturais entre os grupos socioculturais envolvidos nos “fazeres” do carnaval
de escola de samba; pontuar contribuições verificadas com a transculturação; e reconhecer
atores e redes estabelecidas na realização, circulação e fruição/consumo culturais são
objetivos específicos do trabalho. Como método, utilizou-se a revisão de literatura e o
estudo de caso, analisando relatos de experiência. No carnaval de 2017, a escola de Lanús
teve enredo homenageando Carybé. O artista plástico, Hector Julio Páride Bernabó nasceu
em Lanús, mudando para o Brasil, em 1949, e ganhando fama também como historiador e
jornalista, representando em suas obras a religião e arte da Bahia. Nessa metalinguagem, a
arte rompe uma fronteira e participa de um diálogo, através do qual se analisará a
integração entre expressões artísticas, formas de representação e fazeres, inspirações e
vínculos, a partir de matrizes culturais, atores e instituições presentes nos fazeres artísticos
que desenham o carnaval de escola de samba desenvolvido pela Estação Primeira de
Lanús, inspirado naquele feito por escolas de samba do Rio. Assim, busca-se, com a
experiência de Lanús, abordar a integração cultural e as oportunidades de fruição e
consumo cultural estabelecidas.
Palavras-chave: escolas de samba. Lanús. Rio de Janeiro
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RESUMEN
Protagonistas de la poética futbolística latinoamericana, Argentina y Brasil son países
fronterizos que comparten más que asuntos deportivos. Patrias de íconos culturales en un
ambiente repleto de símbolos artístico-culturais, ambos coexisten en un espacio de diálogo
intercultural. Reflexionando sobre medios de colaboración que aproximan e integran,
manifestaciones artísticas se presentan como catalizador en este proceso de
transculturación (ORTIZ; 1940). En la música, considerando al samba-enredo, ambos
países comparten pasiones que involucran otras expresiones artísticas, interacción,
sociabilidad. Este trabajo propone la reflexión sobre el proceso de consumo y apropiación
de una manifestación cultural y los intercambios establecidos entre actores culturales de
dos países. En Buenos Aires, en el barrio de Lanús, una escuela de samba nace inspirada
en el carnaval de Rio de Janeiro. Nuevas relaciones sociales personales e institucionales,
individuales y colectivas son construidas incrementando dinámicas de integración entre dos
países, entre dos ciudades, a través de la cultura. La inspiración del carnaval de escuelas
de samba de Rio de Janeiro para los fundadores de la Estación Primera de Lanús es el
objeto de estudio del presente trabajo. El objetivo principal es presentar la aproximación y
construcción de elos culturales entre porteños y cariocas en un proceso de transculturación
en la composición y fundación de la escuela de Lanús colaborando para la construcción del
debate sobre identidades culturales. Identificar influencias y colaboraciones culturales entre
los grupos socioculturales involucrados en los “haceres” del carnaval de escuela de samba;
puntualizar contribuciones verificadas con la transculturación; y reconocer actores y redes
establecidas en la realización, circulación y apropiación/consumo culturales son objetivos
específicos del trabajo. Como método serán utilizadas la revisión bibliográfica y el estudio
de caso, analizando relatos de experiencias. En el carnaval de 2017, la escuela de Lanús
tuvo como tema un homenaje a Carybé. El artista plástico, Hector Julio Páride Bernabó
nació en Lanús, se mudó a Brasil en 1949, y ganó fama también como historiador y
periodista, representando en sus obras la religión y arte de Bahia. En este metalenguaje, el
arte rompe una frontera y participa de un diálogo, a través del cual se analizará la
integración entre expresiones artísticas, formas de representación y haceres, inspiraciones
y vínculos, a partir de matrices culturales, actores e instituciones presentes en el quehacer
artístico que dibujan al carnaval de escuela de samba desarrollado por la Estación Primera
de Lanús inspirado en aquel hecho de escuelas de samba de Rio. Así, se busca con la
experiencia de Lanús abordar la integración cultural y las oportunidades de apropiación y
consumo cultural establecidas.
Palabras clave: escuelas de samba. Lanús. Rio de Janeiro
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Introdução
A apresentação do presente trabalho representou o desafio de falar sobre
uma experiência instigante e inspiradora, que envolve relações sociais e culturais
entre atores culturais de dois vizinhos sul-americanos. Brasil e Argentina são países
fronteiriços, nos quais a histórica disputa futebolística é uma das marcas presentes
em suas relações. Contudo, é possível mostrar outros caminhos nessa relação, com
novos diálogos e intercâmbios entre os dois territórios, através de uma escola de
samba na Argentina, narrando uma experiência de integração cultural a partir de
uma nova alegoria.
Antes de contar esta história, é preciso situar fatos históricos, relacionados ao
carnaval, vividos em Argentina e Brasil recentemente. Mas também apresentar
aspectos teóricos que fundamentam a percepção das relações construídas, do
intercâmbio estabelecido e dos ambientes de consumo e fruição cultural criados.
A partir da leitura de um texto sobre mudanças culturais e consumos
culturais, Wortman (2009) ajuda a entender a transformação no consumo dos bens
culturais na Argentina ao afirmar que
consumir cultura é uma prática social e toda prática social tem uma historicidade, está inscrita dentro de um certo cenário social, cultural e também político no nosso país. Desde o meu ponto de vista, refletir, analisar e conhecer os consumos culturais requer uma diversidade de questionamentos tanto em relação à produção dos bens culturais como das formas de consumo (Wortman, 2009: 100)1.
Complementar ao que a autora declara, McCracken (2003) sublinha o lugar
representativo das relações entre cultura e consumo no mundo moderno,
destacando a intensidade da relação de reciprocidade e trocas desses elementos
em nosso cotidiano (McCRACKEN, 2003). E, em um contexto já marcado por traços
da pós-modernidade, Canclini (1999) apresenta argumentos que apóiam a
percepção de aproximações, uma vez que
vivemos um tempo de fraturas e heterogeneidade, de segmentações dentro de cada nação e de comunicações fluidas com as ordens transnacionais da informação, da moda e do saber. Em meio a esta heterogeneidade encontramos códigos que nos unificam, ou que ao menos permitem que nos entendamos. Mas esses códigos compartilhados são cada vez menos os da etnia, da classe ou da nação em que nascemos. Essas velhas unidades, à medida que subsistem, parecem se reformular como pactos móveis de leitura dos bens e das mensagens (CANCLINI, 199: 85-86).
1 Texto traduzido pelas autoras.
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É nesta ambiência que o carnaval de escolas de samba une Argentina e
Brasil. É a partir de contextos com aproximações e diferenças que o samba carioca2
e a ginga portenha são meios de identificação do teor social e de sociabilidades de
diversas práticas de consumo cultural, da dimensão que elas têm no cotidiano e do
modo que criam identidades, aproximações e repactuações a partir de expressões
humanas ricas em inventividade e valores simbólicos.
1. Carnaval de escolas de samba e os contextos deste fazer artístico
Para entender a influência do samba na Argentina, é necessário
compreender o contexto e as influências políticas no âmbito da cultura. No país,
durante o primeiro ano da ditadura militar (1976-1983), o carnaval foi proibido.
Através do decreto nº 21.329/76, as segundas e terças de carnaval deixavam de ser
feriado no país (PÉREZ, 2010). Conforme as idéias do general argentino, Jorge
Rafael Videla (1976-81), o evento poderia ser usado pelos grupos extremistas de
esquerda, que fantasiados nos blocos de rua pudessem cometer qualquer tipo de
atentado. Mas, em 14 de setembro de 2010, a presidente argentina, Cristina
Fernandez de Kirchner, anunciou a volta do feriado de carnaval às ruas de todo o
país com o discurso: “Queremos que a alegria volte, como a que existiu nas ruas
durante os festejos do Bicentenário. Essa é a verdadeira alegria, a que não gera
violência, que se compartilha e respeita o outro. Essa é a alegria de todos os
argentinos” (LA GACETA, 2010).
Como diz o cantor argentino Charly Garcia, “la alegría no es solo brasileña”, e
para “abrir alas” para as reflexões sobre o tema proposto, é que será contato o
enredo da experiência de um grupo de argentinos apaixonados pelo samba, que,
2 [...] Edison Carneiro, em 1961, listava como formas de samba “atuais e passadas”, entre outras, o caxambu, o
coco, o jongo, o lundu, o partido-alto, o samba de roda e o tambor-de-crioula.
Mário de Andrade, em sua pesquisa sobre o coco nordestino, informava que, em seu tempo, principalmente no
Ceará e em Alagoas os termos ‘coco’ e ‘samba’ muitas vezes se confundiam, para designar a mesma expressão
musical. [...]
Inegável, então, a bem-documentada origem africana do samba, a qual, em algum momento, alguém se dispôs a
negar, atribuindo ao gênero origem indígena. Indiscutível, também, sua origem entre os povos bantos do antigo
Congo, que compreendia regiões da atual Angola.
Resta dizer, apenas, que várias dessas formas rurais de samba chegaram ao Rio de Janeiro, principalmente
durante as migrações ocorridas nos cerca de 50 anos que se passaram entre a proibição do tráfico atlântico e a
abolição da escravatura. E, aqui chegadas, amalgamaram-se, tanto ao gosto, por exemplo, de migrantes bantos
do Vale do Paraíba quanto de sudaneses e também bantos vindos da antiga Bahia e do seu Recôncavo, tomando
no meio urbano, com o passar dos anos, novas e ainda mais variadas formas.
O samba é, pois, fruto de ricas tradições africanas e afro-brasileiras. E sua proteção, como bem imaterial do
patrimônio cultural nacional, além de ser um imperativo constitucional, é um dever de consciência (IPHAN, s/d,
p. 14-15).
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através da vivência junto a fazedores do carnaval de escolas de samba do Rio de
Janeiro, se traduziu em samba portenho e deu vida á escola de Lanús.
Em mais de trinta anos de Sambódromo no Rio de Janeiro, tem-se muitas
histórias a contar. Algumas que identificam a percepção institucional de
aproximação entre artistas do carnaval e representantes da esquerda, como vivido
na Argentina, que levaram ao monitoramento e detenções de pessoas envolvidas
com o fazer carnavalesco no Rio de Janeiro.
Contudo, é possível destacar também a importância estratégica que uma das
mais emblemáticas expressões culturais do país ganhou mesmo diante de
controvérsias discursivas e práticas. O presidente de honra da Beija-Flor, Anísio
Abraão David, em depoimento no livro de Luiz Carlos Prestes Filho (2015), sinaliza
que estamos à vésperas de completar 100 anos da oficialização do reconhecimento
do carnaval no Rio de Janeiro pela Prefeitura, que data de 1935, passando pela
inauguração do Sambódromo3, em 1984, e chegando a inauguração da Cidade do
Samba, em 2006, lugar onde as escolas de samba passaram a ter um espaço com
estrutura adequada para a produção deste símbolo do carnaval da cidade
(PRESTES FILHO, 2015).
Relações complexas no contexto político e de financiamento às expressões
artístico-culturais são verificadas em diferentes momentos da história do Brasil e
contextos variados. Contudo, o carnaval carioca de escolas de samba se constituiu
relevante tanto no Brasil quanto no exterior e se mantém pela institucionalidade
construída como evento com data marcada anualmente, mas também como
fenômeno artístico-cultural e social nos microambientes das escolas de samba, de
suas comunidades e das relações que estabelecem com múltiplos agentes de nível
transnacional.
2. Conceitos e argumentos para a leitura do novo enredo de argentinos e brasileiros
Refletir sobre expressões artístico-culturais em nível transnacional pode
induzir a fundamentar o discurso na busca por manutenção de identidades e
conservação de valores locais. Contudo, a perspectiva do objeto de análise do
presente trabalho orienta seguir por outros meios, àqueles que propõem trocas e
enriquecimentos simbólicos em função da diversidade, da colaboração e do
3 Conhecido na época de sua inauguração como Avenida dos Desfiles (PRESTES FILHO, 2015).
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reconhecimento de identificações coletivas e do poder da experiência quase
antropológica do respeito mútuo e ampliação de oportunidades sócio-culturais.
Neste sentido, a distinção apresentada por Bourdieu (2001) no contexto dos
sistemas simbólicos apóia o pensamento sobre a experiência de transculturação
pelo carnaval de escola de samba carioca e portenho. Segundo Bourdieu (2001)
Os “sistemas simbólicos” distinguem-se fundamentalmente conforme sejam produzidos e, ao mesmo tempo, apropriados pelo conjunto do grupo ou, pelo contrário, produzidos por um corpo de especialistas e, mais precisamente, por um campo de produção e de circulação relativamente autônomo. [...] As ideologias devem a sua estrutura e as funções mais específicas às condições sociais da sua circulação, quer dizer, às funções que elas cumprem, em primeiro lugar, para os especialistas em concorrência pelo monopólio da competência considerada (religiosa, artística, etc.) e, em segundo lugar e por acréscimo, para os não-especialistas (BOURDIEU, 2001: 13).
A perspectiva que considera a apropriação coletiva tanto desde a produção à
circulação em uma estrutura e dinâmicas construídas no processo de circulação não
monopolizada, imprime outros aspectos e configurações nos diferentes sistemas
simbólicos. O coletivo, criado e compartilhado em grupo, ganha outras cores na
construção de cenários em que as trocas culturais entre grupos distintos, mas com
identificações, tem caráter comunitário, na acepção de Mattelart (2005) que ilustra
ao bem ao dizer que
No fim do século XIX, a sociologia nascente enfrenta teoricamente a questão da diversidade delimitando a transição da “comunidade” (Gemeinschaft) para a “sociedade” (Gesellschaft). A primeira privilegia as relações afetivas e existenciais, bem como os grupos primários; a segunda dá destaque aos vínculos contratuais assumidos em um sistema de relações impessoal, anônimo e competitivo. O mundo complexo das formas de organização racional, inscritas na divisão do trabalho e na diferenciação de funções, obriga as modalidades anteriores de sociabilidade a uma redefinição. Ambivalente, a sociedade industrial significa certamente pluralismo, autonomia e liberdade, mas também a normatização das atividades e a multiplicação das fontes de fragmentação (MATTELART, 2005: 25-26).
Práticas e intercâmbios culturais, considerada a acepção de “comunidade”
coexistem em alguns contextos e, dado o caráter afetivo e existencial das relações
estabelecidas, tendem a figurar em um cenário complexo e rico formas de
organização e manutenção que enaltecem os traços culturais de ambos os grupos
envolvidos. Diferente de “uma acepção estreita da noção de cultura [que] se
naturaliza, imbricada nas medições técnicas e mercadológicas, vinculada à
temporalidade informacional (MATTELART, 2005: 37), reconhece-se outra
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perspectiva na qual “não há cultura sem mediação, não há identidade sem tradução”
(idem, 97). Neste cenário, “cada sociedade retranscreve os signos transnacionais,
adapta-os, os reconstrói, reinterpreta-os, reterritorializa-os, ‘ressemantiza-os’”
(MATTELART, 2005: 97-98) e se amplia, enriquece, dinamiza, enaltecendo a
diversidade pelos intercâmbios sócio-culturais.
Ilustrativo compreender, de acordo Rositi (1980), a cultura de massa, aqui
representada pelo carnaval, não subtraída aos meios de comunicação massivos.
Mas servindo como um “princípio de compreensão”, como um novo modelo de
comportamento (ROSITI, 1980). Portanto, isso significa que o que acontece nos
meios de comunicação não deve ser compreendido por fora dessa relação com as
mediações sociais, mas sim através dos mediadores dessa cultura (BARBERO,
1983: 59). Ao ter, na Argentina, mediadores culturais que difundem e transformam
as artes brasileiras em outro território, é possível estabelecer um vínculo entre
espectadores e artistas que, no seu conjunto, são importantes integradores destas
culturas.
Pelos argumentos de Jesús-Martín Barbero (1983), nota-se que a cultura de
massa, transmitida a milhões de pessoas, é capaz de desmitificar o discurso que
busca apresentar a cultura massiva como um “processo de vulgarização, de
decadência da cultura culta” (BARBERO, 1983: 60). Neste contexto, interessa
desmistificar os debates proporcionados pela Escola de Frankfurt com sua crítica à
reprodutibilidade da obra de arte, alegando a perda da sua "aura" ao ser
reproduzida e mostrar uma transformação no consumo dos bens culturais na
Argentina, como conta Ana Wortman (2009) ao afirmar que “consumir cultura é uma
prática social e toda prática social tem uma historicidade, está inscrita dentro de um
certo cenário social, cultural e também político no nosso país” (WORTMAN, 2009:
100).
A afirmação de Wortman (2009) encontra diálogo e complementaridade em
Debord (1997) quando ele considera que “a cultura é a esfera geral do
conhecimento e das representações do vivido, na sociedade histórica dividida em
classes; o que equivale a dizer que ela é o poder de generalização que existe à
parte” (DEBORD, 1997: 119). E segundo Canclini (1999) “sobrevive melhor como
uma comunidade hermenêutica de consumidores, cujos hábitos tradicionais fazem
com que se relacione de um modo peculiar com os objetos e a informação circulante
nas redes internacionais” (CANCLINI, 1999: 86).
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A partir dos autores, é possível crer que trocas simbólicas, no contexto do
consumo cultural, podem ser experimentadas com preservação de valores, além de
enriquecimentos mútuos nos processos históricos de grupos em interação.
Dessa forma, como afirma Segato (1991), os bens culturais - estilos de vida,
gêneros musicais, estilos de comunicação associados - transnacionalizam e deixam
a paisagem global imersa pela proliferação e recolocação, em outros lugares, do
que até pouco tempo era estritamente regional (SEGATO, 1991: 105).
Neste contexto, importa o panorama de fortalecimento das trocas culturais,
em matéria de integração, do ponto de vista das políticas públicas existentes em
Argentina e Brasil. A participação dos cidadãos nessa integração pode ser
entendida como um processo amplo e complexo entre culturas que se entrelaçam
numa interpretação social de maneira dinâmica. E para isso,
[...] os bens [culturais] são algo mais além de um mero sinal diacrítico da cultura. Fazem mais do que apenas exibi-la. Eles são, de fato, muito semelhantes a um anúncio. Buscam não somente descrever, mas também persuadir. Quando a cultura transparece nos objetos, busca-se fazer aparentar inevitável, surgindo como os únicos termos nos quais qualquer um pode constituir seu mundo. A cultura usa os objetos para convencer (McCRACKEN, 2003: 166).
Objetos como suportes de tradições, valores simbólicos, práticas culturais
intercambiáveis, a experiência com o carnaval entre portenhos e cariocas tem uma
função de representar as identidades destes dois mundos através de expressões
artístico-culturais, além de favorecer a aproximação de culturas regionais tão
representativas em relação a aspectos simbólicos e identitários de Argentina e
Brasil. Contudo, consumo cultural também considera dinâmicas econômico-
financeiras em um momento em que a representação da cultura nas economias
nacionais ganha destaque.
Atualmente o Ministério da Cultura da Argentina realiza uma série de
medições que derivam na Conta Satélite de Cultura (CSC). Com esta ferramenta o
ministério conta com a possibilidade de medir as implicâncias das atividades
culturais e seu impacto na economia nacional. O objetivo se direciona ao
reconhecimento da importância do setor ao desenvolvimento do país e à análise
macroeconômica da atividade cultural no seu conjunto, como o PIB cultural, o
emprego e comércio exterior cultural, o gasto do governo em cultura, etc.
Segundo o Convênio Andrés Bello (2015), organismo internacional que
padroniza a medição econômica da cultura na América Latina, estas Contas
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Satélites Nacionais possibilitam a formulação de sistemas de medição da cultura
para poder obter informação e acesso a um olhar global do setor, que garanta a
tomada de decisões e a implementação de políticas. Contar com cifras claras que
reflitam o que acontece no cenário cultural das cidades e regiões é fundamental
para diagnosticar, levantar, aplicar, decidir, operar e avaliar o cotidiano do acontecer
cultural. Torna-se uma forma de conhecer a potencialidade das atividades culturais
como elemento gerador de valor e consequentemente, de emprego e inclusão
social.
A ferramenta usada pelo Ministério da Cultura da Argentina para contar com
informação estatística sobre a cultura é denominado Sistema de Información
Cultural de la Argentina (SInCA). Desde 2009, o SInCA vem ordenando os números
do consumo cultural no país, dividindo os dados coletados em quatro subsetores:
editorial, audiovisual, design, e artes cênicas e patrimônio. As cifras acompanham a
retração da economia nacional, com queda no consumo cultural nos últimos anos.
Cai o poder aquisitivo do argentino médio em geral, o que faz com que diminua a
demanda cultural (MINISTRO DE CULTURA DE LA NACIÓN, 2017).
No Brasil, enumeram-se esforços de consolidação de sua Conta Satélite e da
consolidação de um sistema de informação cultural sem ainda lograr sucesso.
Convênios pactuados, acordos de cooperação e pesquisas acadêmicas foram
desenvolvidos na última década resultando em relatórios que ajudam a ler, de forma
ainda parcial, a representação objetiva do aspecto econômico da cultura no país.
De Masi (2001) esclarece que esta mudança de cenário se apresenta no
contexto de uma sociedade pós-industrial na qual o eixo da centralidade econômica
passa por mudanças:
Na sociedade industrial [...], o eixo central da economia consistia na produção de bens materiais: objetos como geladeiras, automóveis e assim por diante. Portanto, produtividade consistia em produzir o maior número de objetos desse tipo no menor espaço temporal possível. Hoje, na sociedade pós-industrial, o baricentro da economia deslocou-se para a produção de bens imateriais, isto é, de idéias. Portanto, a produtividade agora consiste em obter a máxima quantidade de idéias no menor tempo possível (DE MASI, 2001: 13).
Desde os primeiros anos do século XXI, este cenário de aumento da
representação das economias imateriais, pautadas em bens e serviços artístico-
culturais, tenta ganhar centralidade e se tornar realidade pautada em políticas e
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ações estratégicas. Registro que ajuda a analisar o cenário em configuração no
começo do século XXI é descrito por Lessa (2002) ao declarar que
Quando pensamos em economia da cultura, sabemos que estamos lidando com coisas colossais, em territórios gigantescos, como o audiovisual, o editorial, o musical. Mas sabemos muito pouco das cadeias, das inter-relações e das grandezas envolvidas. Como o volume de emprego, por exemplo. Tive a oportunidade de tentar estimar os empregos gerados pelo espetáculo do carnaval no Rio de Janeiro. Eu e meu colega chegamos ao equivalente a cerca de 17 mil empregos/ano, de baixa qualificação (na verdade, não ocorrem durante o ano todo. Mas, se fossem distribuídos ao longo de 12 meses, dariam o equivalente a 17 mil pessoas/ano) (LESSA, 2002, p. 149).
Em tempos de crises, especialmente no que se refere aos investimentos em
políticas públicas na área da cultura, argentinos e brasileiros buscam no samba uma
alternativa para cumprir com o desafio de difundir, integrar e dialogar com culturas
fronteiriças. Nesse contexto, o papel do mediador também pode ser entendido como
aquele que resolve questões, constrói pontes e diálogos entre possíveis momentos
e zonas de conflitos.
Para representar essa forma de comunicar, estabelecer e manter diálogo, o
conceito de transculturação, apresentado pelo antropólogo cubano Fernando Ortiz
(1940), retrata a capacidade criativa e de constante “transmutação” das culturas
latino-americanas representa o que se identifica na relação entre portenhos e o
carnaval e o samba cariocas (ORTIZ, 1940). O carnaval carioca, mundialmente
conhecido pelos desfiles das escolas de samba no sambódromo da Marquês de
Sapucaí, além de representar uma fonte econômica para a cidade, também constitui
essa capacidade de dialogar com outros indivíduos e comunicar histórias contadas
e transmitidas pelos sambas-enredo.
Sobre a capacidade de ser criativo em momentos de crise, Rama (1982)
apud SZURMUK e IRWIN (2009) afirma que:
[...] o conceito [de transculturación] se elabora sobre uma dupla comprovação: por um lado registra que a cultura presente da comunidade latino-americana (que é um produto altamente transculturado e em permanente evolução) está composta de valores idiossincráticos. É justamente essa capacidade para elaborar com originalidade, mesmo em circunstâncias históricas difíceis, que demonstra que pertence a uma sociedade viva e criadora [...] (RAMA, 1982: 35, apud SZURMUK e IRWIN, 2009: 47-48)4.
4 Texto traduzido pelas autoras.
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É dessa maneira que o processo de transculturação do carnaval carioca na
Argentina alimenta uma alternativa às atuais crises presentes no contexto cultural
da América Latina.
Segundo a Secretaria Especial de Turismo da cidade do Rio de Janeiro
(Riotur), no ano de 2017, o carnaval do Rio atraiu em torno de 1,1 milhão de
turistas, sendo que os postos de atendimento ao turista no Sambódromo receberam
617 visitantes durante os quatro dias de desfiles (REDAÇÃO SRZD, 2017). Por
conta da concessão de direitos de transmitir o carnaval exclusivamente a algumas
empresas de televisão, é que desde 1984, ano de construção da Passarela do
Samba, os desfiles já estavam estabelecidos na programação televisiva (SOUZA,
2004:19). E é assim que, direta ou indiretamente, as escolas de samba difundem,
para milhões de pessoas, o carnaval carioca e as culturas brasileiras através do
público televisivo de quase todo o mundo. Neste sentido,
refletir sobre a economia da cultura não significa assumir uma visão utilitária do processo cultural ou considerá-lo uma atividade econômica como outra qualquer. A cultura é mais do que isso - embora seja importante, para valorizá-la do ponto de vista social e administrativo, tratá-la também como uma atividade produtora de riqueza (PEREGRINO, RYFF, 2002: 11).
Pensar aspectos relativos a intercâmbios e, através de institucionalidades
mais formalmente constituídas, é importante refletir sobre o imaginário da identidade
latino-americana para os latino-americanos. Durand (2013) fala sobre as
complexidades, a partir de um olhar sobre o Brasil em relação a si mesmo e aos
demais países, ao abordar a importância de abordar questão identitária de artistas e
intelectuais no continente, reconhecendo limitações internas ao lidar com a própria
diversidade e dimensão geográfica:
Na América Latina, a esses objetivos [gerenciais e econômicos no contexto cultural] acrescenta-se outro de igual relevância: como reforçar em seus intelectuais e artistas a referência histórica e cultural do continente? Ou cedendo ao vocabulário em voga, o que fazer para reassegurar sua identidade comum de latino-americanos? No caso do Brasil, que é um país de grandes dimensões e aguda diversidade regional, intelectuais e artistas, confinados que estão, por origem de classe e estilo de trabalho, em ambientes muito restritos, costumam conhecer muito pouco da realidade de seu próprio país (DURAND, 2013: 69).
Ponderando o que Durand (2001) declara, Saravia (2015) aponta a cultura
com lugar central e motriz, possibilitando reconhecer a contribuição de processos
endógenos e autônomos, como a experiência de Lanús, em um ambiente
institucionalmente pouco estruturado:
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A cultura foi um motor decisivo. Acordos como os do Convênio Andrés Bello ou do Mercosur Cultural produziram atividades conjuntas que foram mais eficazes que os próprios instrumentos de integração econômica. Por sua vez, estes promoveram modificações na legislação que afetam os bens culturais e geram um intercâmbio cada vez mais intenso e enriquecedor (SARAVIA, 2015: 9).
Complementarmente, Nepomuceno (2015) reitera a importância e premência,
dada nas últimas décadas, por ações de aproximação, integração, intercâmbio do
Brasil com outros países latino-americanos de forma ampliada e perene:
Sob muitos e variados aspectos, é isso o que vem sendo buscado com maior ou menor intensidade, de acordo com cada país, nas últimas duas ou três décadas. E é assim que nos encontramos neste século novo: de volta ao ponto em que assumir nossa existência deve, necessariamente, merecer um olhar mais amplo, mais lúcido, para além de nossas fronteiras nacionais (NEPOMUCENO, 2015: 20).
E reforça a demanda apresentando questões importantes para a reflexão
sobre a tímida (ou inexistente) relação com os países vizinhos:
Como se fôssemos estranhos ao universo que García Márquez descreveu como “essa pátria imensa de homens alucinados e mulheres históricas”. Como se não pertencêssemos a um mundo que é nosso e do qual fazemos parte de maneira irremediável. Aliás, valeria a pena pensar um pouco nas razões e nos motivos que há séculos adubam esse nosso alheamento. Da mesma forma que desconhecemos a nossa própria história, desconhecemos a dos nossos vizinhos e, como consequência, nossa história compartilhada. É verdade que desde seu começo as relações entre o Brasil e os demais países latino-americanos foram pontuadas pelas diferenças, tanto as reais como as criadas justamente para impedir que nos reconhecêssemos ao conhecer os vizinhos. Destacar divergências é sempre uma forma eficaz de ocultar convergências (idem: 21).
Evocando o passado histórico da região, Nepomuceno (idem) volta a
destacar aspectos que suscitam reflexões sobre as forças que o tempo registrou e
para a qual se pode desenhar outras configurações. O autor apresenta argumentos,
em vista de mobilizar a construção de um caminho diferente, dado que
Poderia então parecer natural que o sentimento de latinidad, de um passado compartilhado e de um sentimento de certa identidade comum, guardadas as peculiaridades que asseguram a identidade individual de cada um desses países, sempre tenha sido muito mais sólido entre as antigas colônias espanholas. Afinal, a colônia portuguesa era uma só e fez nascer o país chamado Brasil. Não se pode esquecer, em todo caso, que, depois da independência de todos os países latino-americanos, outros - e elevados - interesses se dedicaram a impedir que nos reconhecêssemos como nações de interesses e destinos compartilhados (idem: 22)
Neste contexto, a experiência de Lanús com o carnaval de escolas de samba
carioca, em terras portenhas, tem significativa representatividade e suscita reflexões
importantes sobre o passado, presente e futuro das culturas latino-americanas.
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2. Estação Primeira de Lanús, uma estação do samba na Argentina: transculturação
e novos enredos
Na última estação de trem, localizada no bairro de Lanús, subúrbio da
província de Buenos Aires, se escutou um ritmo bem diferente do que se esperava
do país mundialmente conhecido pelo tango. Com músicas cantadas em português,
os argentinos Leandro Barsotti, "Peta", e Nicolas Doallo, “Nico”, inspirados na
Estação Primeira de Mangueira, no dia 4 de abril de 2008, inauguraram a própria
escola de samba, a Estação Primeira de Lanús.
Fazendo uma analogia à famosa escola de samba carioca, Peta conta o
porquê do nome dessa agremiação: “Nossa admiração pela escola de samba
Estação Primeira de Mangueira, sua história e sua tradição, e a semelhança de ser
a primeira estação de trem onde se toca samba, fecharam a ideia para definir o
nome Estação Primeira de Lanús” 5.
Com influências do grupo Olodum, antes mesmo da criação da escola de
samba, Peta e Nico tenham integrado outros grupos musicais na Argentina, como
“No problem” e “Tudo bem”, que foram referência da música axé nas boates
portenhas. Porém, em função de desencontros artísticos, os dois músicos
resolveram seguir novos caminhos. Peta já tocava na estação de trem com dois
amigos e Nico se juntou depois para fazer parte, do que ele recordou ser “um
grande delírio. [...] Como estavam tocando, era impossível que alguém se
aproximasse!” 6. Nico relata que, ao final do ensaio aberto, os músicos distribuiam
flyers para divulgar a bateria de samba que já tinha o próprio escudo: os arcos do
Sambódromo carioca saindo da chaminé do trem de Lanús e as cores verde e
branco representando a escola. Ele diz que identificava um grande potencial nesse
grupo e que foi assim que os dois se uniram em prol de um sonho: formar uma
escola de samba como a que Peta viu pela primeira vez ao vivo no Brasil, em 2005,
em um desfile do Salgueiro, na orla de Copacabana. Nico e Peta viajaram outras
vezes ao Brasil e chegaram a tocar em escolas de samba, como Viradouro e União
da Ilha, deixando de lado as visitas às praias cariocas.
Já depois de dois anos do nascimento da Estação Primeira de Lanús, o grupo
comprou novos instrumentos e começou a formar novos ritmistas argentinos,
oferecendo oficinas de percussão com o objetivo de ensinar as músicas cantadas
5 Entrevista realizada em 01 de setembro de 2017, na cidade de Buenos Aires, Argentina. 6 Entrevista realizada em 01 de setembro de 2017, na cidade de Buenos Aires, Argentina.
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no carnaval carioca e difundir a tradição e a cultura que estão presentes nas escolas
de samba cariocas.
Em 2012, com o intuito de se aprofundar nos ensinamentos das “tradições do
samba”, Barsotti foi morar na cidade de Niterói, no estado de Rio de Janeiro, para
viver de perto os ensinamentos de um amigo, Gabriel Policarpo, que foi por um
tempo primeiro repique da Viradouro. De volta a Buenos Aires, o músico argentino
voltou a se reunir com seus amigos e seguiu os ensinamentos de seu amigo músico
brasileiro.
Foi então que, em 2016, essas experiências surtiram fruto na composição de
um samba-enredo em homenagem ao artista plástico argentino, também nascido
em Lanús, Hector Julio Páride Bernabó, o Carybé, que transformou sua paixão
pelas culturas baianas em obras de arte mundialmente conhecidas. Escrito pela ala
de compositores da Estação Primeira de Lanús, o samba-enredo conta, em forma
de poesia, as paixões de argentinos pelas manifestações culturais brasileiras. Tanto
Carybé quanto a escola de samba, ambos de Lanús, criam um espaço de diálogo
entre nações vizinhas através da arte, deixando de lado a conhecida peleja
futebolística entre argentinos e brasileiros.
E essa experiência traduz fielmente o que Debord (1997) apresenta em uma
crítica a um momento e proposta de recomposição da linguagem da comunicação
que se perdeu, de um ambiente que necessita de mudanças, ao afirmar que
a linguagem da comunicação está perdida - eis o que expressa positivamente o movimento de decomposição moderna de toda arte, seu aniquilamento formal. O que esse movimento expressa negativamente é o fato de uma linguagem comum ter de ser reencontrada, mas não na conclusão unilateral que, para a arte da sociedade histórica, sempre chagava tarde demais, falando com outros do que foi vivido sem diálogo real, e admitindo essa deficiência da vida. Essa linguagem precisa ser reencontrada na práxis, que reúne em si a atividade direta e sua linguagem. Trata-se de possuir efetivamente a comunidade do diálogo e o jogo com o tempo que foram representados pela obra poético-artística (DEBORD, 1997: 120).
Lanús deixou de ser o local de ensaios dos músicos argentinos, mas o bairro
continuou dando nome à escola de samba. A Estação Primeira de Lanús passou a
tocar num antigo galpão situado no bairro de Barracas, na capital de Buenos Aires.
Esse espaço se transformou no centro cultural Chau Che Clú, que depois de uma
reforma importante, abriu as portas para umas das manifestações culturais
brasileiras mais conhecidas: o samba. É neste endereço que os integrantes da
agremiação, todas às sextas-feiras, com seus passistas - homens e mulheres -,
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mestre-sala, porta-bandeira, ritmistas e todos os seus instrumentos (tamborins,
repiques, chocalhos, caixas, surdos, cuícas, violão e cavaco) convidam argentinos e
brasileiros a fazer parte de um show binacional.
“Hoje é a vez dele, grande artista nascido na “baixada lanunense”, filho de
Xangô que apaixonado pela Bahia, semeou a cultura brasileira pelo mundo inteiro,
unindo nossos povos e nossos corações. Vai, no sacrifício!” É assim que Matias
Giordani “puxa” o enredo “Carybé de Lanús e de Bahia! Traços de um ilustre em
verde e branco…”, convidando a todos a participar da homenagem feita a Carybé7.
Este artista que viveu sua paixão pelas culturas brasileiras na Bahia e as retratou
em suas obras de arte, que ilustraram livros de Jorge Amado.
Dessa forma, esses dois mediadores, Carybé com sua arte e o samba-
enredo, dialogam representando uma metalinguagem da integração entre dois
países vizinhos.
Considerações
Buscou-se, neste trabalho, ressaltar a importância desses dois mediadores
que cumprem um papel importante, usando a música como principal ferramenta, no
diálogo intercultural de dois países latino-americanos. Ao destacar conceitos que
auxiliam na compreensão das dinâmicas culturais, da construção de práticas e
sedimentação de trocas simbólicas, pode-se contextualizar também a experiência
do carnaval de escolas de samba entre portenhos e cariocas no contexto das
políticas culturais na América Latina.
Nota-se que, como experiência que já atravessou uma década, o registro e
disseminação da experiência contribuem para análise e reflexões sobre lições
aprendidas que podem ser compartilhadas e potencializadas em espaços de diálogo
acadêmicos e formais, assim como em ambientes de prática e vivência artísticos e
sociais. 7 A geografia de Lanús é plana, fato que não existe uma “baixada” no local. O termo é uma alegoria
utilizada pelo cantor que busca homenagear a influência musical da Baixada Fluminense. Esta é uma
região localizada no Estado do Rio de Janeiro e engloba as cidades de Nilópolis, Duque de Caxias,
Nova Iguaçu, São João do Meriti, Magé, Belford Roxo, Mesquita, Japeri, Guapimirim, Queimados,
Itaguaí e Seropédica. Por estar localizada numa região plana, entre a Serra do Mar e o litoral do
estado, a região ganhou essa dominação de “baixada”. Beija-Flor e Grande Rio são algumas das
escolas-escolas de samba conhecidas nesse local, além de serem escolas expressivas no carnaval
carioca, motivo pelo qual a expressão “baixada lanunense” é usada pelos músicos argentinos que
criaram uma escola de samba em Lanús.
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