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  • DADOS DE COPYRIGHT

    Sobre a obra:

    A presente obra disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com oobjetivo de oferecer contedo para uso parcial em pesquisas e estudos acadmicos, bem comoo simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura.

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    Sobre ns:

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    "Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e no mais lutando pordinheiro e poder, ento nossa sociedade poder enfim evoluir a um novo nvel."

    http://lelivros.clubhttp://lelivros.clubhttp://lelivros.clubhttp://lelivros.club/parceiros/

  • ROBERTJORDAN

    A GRANDECAADA

    LIVRO 2 DE A RODA DO TEMPO

    TRADUO DEFBIO FERNANDESE JULIA HENRIQUES

  • Copyright 1990 by Robert JordanPublicado mediante acordo com Sabel Weber Associated Inc.The Wheel of Time, The Dragon RebornTM e o smbolo da roda/cobraso marcas registradas pertencentes a Robert Jordan

    TTULO ORIGINALThe Great Hunt

    EDIOFlora Pinheiro

    REVISO DE TRADUORayssa Galvo

    REVISOShirley LimaMarcela de Oliveira

    REVISO TCNICARafael Meyer

    CAPAJlio Moreira

    IMAGEM DA RODA DO TEMPO Sam Weber

    COURO Duncan P. Walker/iStockphoto

    MAPAEllisa Mitchell

    ADAPTAO DO MAPA de casa

    ILUSTRAES INTERNASMatthew C. Nielsen

    REVISO DE EPUBRodrigo Rosa

    GERAO DE EPUBIntrnseca

    E-ISBN978-85-8057-516-3

    Edio digital: 2014

    Todos os direitos desta edio reservados

    EDITORA INTRNSECA LTDA.Rua Marqus de So Vicente, 99, 3 andar22451-041 GveaRio de Janeiro RJTel./Fax: (21) 3206-7400www.intrinseca.com.br

    http://www.intrinseca.com.br/site

  • http://www.facebook.com/EditoraIntrinsecahttp://twitter.com/intrinsecahttp://www.youtube.com/user/intrinsecaeditorahttp://www.intrinseca.com.br/site

  • Este livro dedicado a Lucinda Culpin, Al Dempsey, Tom Doherty, Susan England, DickGallen, Cathy Grooms, Marisa Grooms, Wilson e Janet Grooms, John Jarrold, aos JohnsonCity Boys (Mike Leslie, Kenneth Loveless, James D. Lund, Paul R. Robinson), Karl Lundgren,William McDougal, ao pessoal de Montana (Eldon Carter, Ray Grenfell, Ken Miller, RodMoore, Dick Schmidt, Ray Sessions, Ed Wildey, Mike Wildey e Sherman Williams), CharlieMoore, Louisa Cheves Popham Raoul, Ted e Sydney Rigney, Robert A. T. Scott, Bryan eSharon Webb, e Heather Wood.

    Eles me ajudaram quando Deus caminhou sobre as guas e o verdadeiro Olho do Mundopassou pela minha casa.

    Robert JordanCharleston, Carolina do Sul

    Fevereiro de 1990

  • SUMRIO

    CAPAFOLHA DE ROSTOCRDITOSMDIAS SOCIAISDEDICATRIAPRLOGO NA SOMBRAEPGRAFE

    MAPA 1 A CHAMA DE TAR VALON 2 AS BOAS-VINDAS 3 AMIGOS E INIMIGOS 4 A CONVOCAO 5 A SOMBRA EM SHIENAR 6 A PROFECIA DAS TREVAS 7 SANGUE CHAMA SANGUE 8 O DRAGO RENASCIDO 9 PARTIDAS10 A CAADA COMEA11 VISLUMBRES DO PADRO12 TECIDO NO PADRO13 DE PEDRA EM PEDRA14 IRMO DOS LOBOS15 FRATRICIDA16 NO ESPELHO DA ESCURIDO17 ESCOLHAS18 RUMO TORRE BRANCA19 SOB A ADAGA20 SAIDIN21 OS NOVE ANIS22 VIGIAS23 O TESTE24 NOVOS AMIGOS E VELHOS INIMIGOS25 CAIRHIEN26 DISCRDIA27 A SOMBRA NA NOITE28 UMA NOVA TRAMA NO PADRO29 SEANCHAN30 DAES DAEMAR31 NO RASTRO32 PALAVRAS PERIGOSAS33 UMA MENSAGEM DAS TREVAS

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  • 34 A RODA TECE35 POUSO TSOFU36 ENTRE OS ANCIES37 O QUE PODERIA SER38 TREINAMENTO39 A FUGA DA TORRE BRANCA40 DAMANE41 DIVERGNCIAS42 FALME43 UM PLANO44 CINCO AVANAM CAVALGANDO45 MESTRE ESPADACHIM46 SAIR DA SOMBRA47 O TMULO NO LIMITE PARA O MEU CHAMADO48 A PRIMEIRA REIVINDICAO49 O QUE DEVERIA SER50 DEPOIS

    GLOSSRIOSOBRE OAUTORCONHEA ASRIE

  • PRLOGO

    Na Sombra

    O homem que chamava a si mesmo de Bors, pelo menos naquele lugar, fez uma careta dedesprezo ante o murmrio que percorria o aposento de teto abobadado, um som semelhante aograsnar suave de gansos. A expresso desdenhosa, porm, estava oculta pela mscara de sedanegra que cobria seu rosto, idntica s que cobriam cem outros rostos naquela cmara. Haviauma centena de mscaras negras, e uma centena de pares de olhos tentando ver o que seescondia atrs delas.

    Sem olhar com ateno, era possvel pensar que o imenso salo pertencia a um palcio, comgrandes lareiras de mrmore e lustres dourados pendendo das cpulas do teto, tapeariascoloridas e um piso de mosaicos com padres intrincados. Mas apenas se a pessoa noolhasse com ateno. Para comear, as lareiras estavam frias: chamas danavam sobre troncosda grossura da perna de um homem, mas no emitiam calor. As paredes por trs das tapeariase o teto l no alto, bem acima dos lustres, eram de pedra nua, quase preta. No havia janelas,apenas duas portas, uma de cada lado do salo. Era como se algum tivesse tentado dar aimpresso de que o cmodo era a cmara de recepo de um palcio, mas no tivesse se dadoao trabalho de traar mais do que um esboo e adicionar poucos detalhes.

    O homem que chamava a si mesmo de Bors no sabia onde aquele aposento ficava, nemachava que qualquer um dos outros soubesse. No gostava de pensar no local onde ele poderiaficar; bastava saber que havia sido convocado. Tambm no gostava de pensar nisso, mas nemmesmo ele deixaria de comparecer a uma convocao daquelas.

    Ajeitou seu manto, grato pelo fato de as chamas no emitirem calor; caso contrrio, estariaquente demais para usar a pea de l preta que ia at o cho. Todas as suas roupas erampretas. As pesadas dobras do manto escondiam a corcunda falsa que usava para disfarar aaltura e impedir que os outros soubessem se era magro ou robusto. E no era o nico ali com ocorpo inteiro coberto de tecido.

    Ficou observando seus companheiros em silncio. A pacincia marcara grande parte de suavida. Se esperasse e observasse por tempo suficiente, algum sempre cometia um erro. Amaioria dos homens e mulheres ali talvez tivesse a mesma filosofia: eles observavam eescutavam em silncio aqueles que precisavam falar. Algumas pessoas no conseguiamesperar ou ficar em silncio, e acabavam revelando mais do que percebiam.

  • Serviais circulavam por entre os convidados. Eram jovens esbeltos, com cabelos dourados,e ofereciam vinho com uma mesura e um sorriso, sem dizer uma palavra. Tanto rapazes quantomoas vestiam calas apertadas e camisas brancas folgadas. Ambos os sexos se moviam comuma graciosidade perturbadora. Cada um parecia idntico aos demais, como reflexos de umespelho, os rapazes to belos quanto as garotas. Ele duvidava de sua capacidade dediferenciar uns dos outros, mesmo sendo bom em distinguir e memorizar fisionomias.

    Uma garota sorridente, toda vestida de branco, ofereceu-lhe uma bebida da bandeja cheia detaas de cristal que carregava. Ele pegou um copo, mas sem inteno de beber. Se recusasse aoferta, poderia parecer desconfiado ou pior, o que seria mortal naquele lugar, mas erapossvel colocar qualquer coisa em uma bebida. Decerto alguns de seus companheiros noreclamariam ao ver diminuir o nmero de rivais na busca por poder, quem quer que fossem osazarados.

    Ele se perguntava, distrado, se os serviais precisariam ser descartados aps aquelareunio. Serviais ouvem tudo. Quando a moa com a bandeja se endireitou aps uma mesura,os olhos dos dois se encontraram por cima daquele sorriso doce. Olhos inexpressivos. Olhosvazios. Os olhos de uma boneca. Olhos mais mortos que a prpria morte.

    Um calafrio percorreu seu corpo quando ela se afastou com graa e, antes de se dar conta doque fazia, ele chegou a levar a taa aos lbios. No foi o que havia sido feito garota que oapavorou, pelo contrrio: toda vez que julgava ter detectado uma fraqueza naqueles a quemagora servia, percebia que haviam se antecipado a seus pensamentos e se livrado da supostafraqueza com uma preciso implacvel, o que o deixava pasmo. Aquilo tambm o deixavapreocupado: sua primeira regra sempre fora procurar por fraquezas, pois toda fraqueza erauma brecha por onde era possvel penetrar, sondar e influenciar. Se seus mestres atuais, osmestres de agora, no tivessem fraquezas

    Franzindo a testa por trs da mscara, ele estudou seus companheiros. Ali, pelo menos,havia muitas fraquezas. O nervosismo traa at mesmo aqueles que tinham bom senso obastante para segurar a lngua. A rigidez com que um se portava, os movimentos bruscosdaquela outra ao ajeitar a saia.

    Um quarto dos convocados, estimou, no se dera ao trabalho de usar disfarce maior do queas mscaras negras, e suas roupas revelavam muito. Uma mulher de p diante de uma tapeariadourada e carmesim, conversando em voz baixa com uma figura impossvel de identificarse homem ou mulher vestia um manto cinza com capuz. Ela obviamente escolhera aquelelocal porque as cores da tapearia destacavam sua vestimenta. Chamar a ateno para si forauma escolha duplamente tola, pois seu vestido escarlate com corpete decotado, para revelarmais carne, e curto demais, para exibir as sandlias douradas, indicava que vinha de Illian eque era uma mulher rica, talvez at mesmo de sangue nobre.

    No muito longe da illianense, estava outra mulher, sozinha e em um silncio admirvel.Tinha um pescoo de cisne e lustrosos cabelos negros que caam em ondas at abaixo dacintura, e mantinha as costas para a parede de pedra, observando tudo. No demonstravanervosismo algum, e sim um sereno autocontrole. Uma postura exemplar, mas que era tradapela pele acobreada e pelo vestido bege de gola alta que deixava somente as mos mostra,embora se colasse ao corpo, apenas levemente opaco, de forma a insinuar tudo e no revelarnada. O traje a marcava como membro da nobreza de Arad Doman. E, a menos que o homem

  • que chamava a si mesmo de Bors estivesse completamente equivocado em suas suspeitas, ogrande bracelete dourado em seu pulso esquerdo trazia os smbolos de sua Casa. Sabia quedeviam ser da Casa dela, pois nenhum descendente do sangue domani abriria mo de seuimenso orgulho para usar os smbolos de outro. Uma atitude mais do que tola.

    Um homem vestindo um casaco de Shienar azul-celeste e com colarinho alto passou por elecom um olhar desconfiado, examinando-o da cabea aos ps pelos buracos dos olhos damscara. A postura do homem revelava que era um soldado: a posio de seus ombros, amaneira como seu olhar nunca se detinha em um ponto por muito tempo e o modo como suamo parecia pronta para sacar uma espada que no estava ali: tudo indicava isso. Oshienarano no perdeu muito tempo com aquele que chamava a si mesmo de Bors: ombroscados e costas curvadas no constituam ameaa.

    Aquele que chamava a si mesmo de Bors bufou com desdm quando o shienarano seguiu emfrente, com o punho direito cerrado e o olhar distante, j estudando outros pontos em busca deperigo. Ele podia ler todos, perceber suas classes sociais e seus pases. Distinguiamercadores e guerreiros, plebeus e nobres. Diferenciava pessoas de Kandor e Cairhien,Saldaea e Ghealdan. De cada nao e de quase todos os povos. Subitamente, franziu o narizcom nojo: havia at mesmo um latoeiro, usando calas verde-claras e um casaco amarelo tobrilhante que seus olhos chegavam a doer. Quando o Dia chegar, ficaremos muito bem semessa gente.

    A maioria dos disfarados no estava em melhor situao, a despeito de seus mantos ecapuzes. Sob um manto escuro, ele podia ver as botas enfeitadas em prata de um Gro-lordede Tear. Teve outro vislumbre de esporas douradas em forma de cabea de leo, usadasapenas por altos oficiais da guarda da rainha andoriana. Um sujeito magro magro atmesmo em seu manto negro que se arrastava pelo cho e em seu capuz cinza preso por umalfinete de prata sem adornos observava das profundezas de seu capuz. Ele podia serqualquer um, de qualquer lugar a no ser pela estrela de seis pontas tatuada na pele entre opolegar e o indicador da mo esquerda. Era um homem do Povo do Mar, e uma rpidaolhadela em sua mo revelaria as marcas de seu cl e de sua linhagem. O homem que chamavaa si mesmo de Bors nem se deu ao trabalho.

    Seus olhos se estreitaram de sbito, fixando-se em uma mulher completamente envolta emnegro, a no ser pelos dedos. Na mo direita, ela usava um anel de ouro em forma de serpenteque engolia a prpria cauda. Era uma Aes Sedai, ou pelo menos uma mulher treinada em TarValon pelas Aes Sedai: ningum mais usaria aquele anel. De qualquer maneira, no faziadiferena para ele. Desviou o olhar antes que ela notasse que a observava. Quaseimediatamente, avistou outra mulher envolta em preto da cabea aos ps com um anel daGrande Serpente. Nenhuma das bruxas deu sinal de que conhecia a outra. Elas se sentavam naTorre Branca como aranhas em uma teia, puxando os cordis que faziam reis e rainhasdanarem, intrometendo-se em todos os assuntos. Malditas sejam todas, at a morte eterna!Ele percebeu que rangia os dentes. Se era preciso que os nmeros diminussem, o que deveriaacontecer antes do Dia, haveria alguns que fariam ainda menos falta que os Latoeiros.

    Um carrilho soou, uma nica nota arrepiante que vinha de todos os lugares ao mesmotempo, silenciando todos os outros sons, como se cortados por uma faca.

  • As portas altas do outro lado do aposento se abriram, e dois Trollocs entraram, usando cotade malha negra at os joelhos, decorada com ponteiras. Todos recuaram, at mesmo o homemque chamava a si mesmo de Bors.

    Com a cabea e os ombros mais altos que o mais alto dos homens no recinto, os dois eramuma mistura repugnante de homem e animal, com rostos humanos retorcidos e alterados. Umdeles tinha um bico grande e pontudo onde deveriam estar a boca e o nariz, e sua cabea eracoberta de penas em vez de cabelos. O outro caminhava sobre cascos, e tinha o rosto repuxadopara a frente, formando um focinho peludo, e chifres de bode despontavam acima das orelhas.

    Ignorando os humanos, os Trollocs se voltaram para a porta e fizeram uma mesura servil. Aspenas do primeiro se eriaram, formando uma crista rgida.

    Um Myrddraal passou pela porta entre os dois, que caram de joelhos. A criatura estavavestida em um tom de preto que fazia a malha dos Trollocs e as mscaras dos humanosparecerem claras, e seus trajes pendiam imveis, sem sofrerem uma ondulao sequerenquanto ele se movia com a graa de uma vbora.

    O homem que chamava a si mesmo de Bors sentiu-se mostrar os dentes, um movimento queera parte rosnado e ele tinha vergonha de admitir at para si mesmo parte careta demedo. O Myrddraal estava com o rosto descoberto: sua face plida e pastosa era de homem,mas faltavam-lhe os olhos, o que o fazia parecer um verme em um tmulo.

    O rosto branco e liso se virou, parecendo analis-los um a um, ao que parecia. Um tremorvisvel percorreu o ambiente sob o escrutnio daquele olhar sem olhos. Lbios finos e plidosse contorceram no que poderia ter sido um sorriso quando, um a um, os mascarados tentaramse misturar multido, encolhendo-se para evitar aquele rosto. O olhar do Myrddraal fez comque formassem um semicrculo voltado para a porta.

    O homem que chamava a si mesmo de Bors engoliu em seco. Seu dia chegar, Meio-homem. Quando o Grande Senhor das Trevas voltar, escolher seus novos Senhores doMedo, e voc se curvar diante deles. Voc se curvar diante dos homens. Diante de mim!Por que no fala? Pare de olhar para mim e fale!

    Seu Mestre est chegando. A voz do Myrddraal soava spera, como a pele seca deuma cobra se desfazendo. Deitem-se de barriga no cho, vermes! Rastejem, para que seuesplendor no os cegue nem queime!

    O dio tomou conta do homem que chamava a si mesmo de Bors, tanto pelo tom de vozquanto pelas palavras, mas o ar acima do Meio-homem tremeluziu, e o real significado do quedizia foi compreendido. No pode ser! No pode! Os Trollocs j estavam deitados debarriga no cho, contorcendo-se como se quisessem se enterrar.

    Sem esperar para conferir se mais algum se movia, o homem que chamava a si mesmo deBors se jogou no cho, grunhindo ao bater na pedra e se ferir. Palavras saam de sua bocacomo um amuleto contra o perigo eram, sim, um amuleto, embora um escudo frgil contra oque ele temia e ele ouviu uma centena de outras vozes, arfantes de medo, falando asmesmas palavras para o cho.

    O Grande Senhor das Trevas meu Mestre, e eu o servirei de todo o corao, at osltimos resqucios de minha alma. No fundo de sua mente, uma voz tagarelava, cheia demedo. O Tenebroso e todos os Abandonados esto presos Estremecendo, ele a forou a se

  • calar. Abandonara aquela voz havia muito tempo. Meu Mestre o Mestre da morte. Semnada pedir, eu sirvo, esperando o dia de sua chegada, mas sirvo na certeza e na esperana davida eterna. Presos em Shayol Ghul, presos pelo Criador, no momento da criao.No, eu sirvo a um mestre diferente agora . certo que os fiis sero exaltados na terra,exaltados acima dos descrentes, exaltados acima dos tronos. Por ora, sirvo humildemente,aguardando o Dia de seu Retorno. A mo do Criador abriga a todos, e a Luz nos protegeda Sombra. No, no! Um mestre diferente. Logo chegar o Dia do Retorno. Logo chegaro Grande Senhor das Trevas para nos guiar e governar o mundo para todo o sempre.

    O homem que chamava a si mesmo de Bors terminou de enunciar o credo, ofegante como setivesse corrido dez milhas. O rudo de respirao irregular ao redor indicava que no era onico.

    Levantem-se. Todos vocs, levantem-se.A voz melflua o pegou de surpresa. claro que nenhum de seus companheiros, todos

    deitados com a barriga no cho e os rostos mascarados colados no piso de cermica, teriaousado falar, mas aquela no era a voz que ele esperaria de Com extrema cautela, levantoua cabea apenas o suficiente para espiar com um dos olhos.

    A figura de um homem flutuava no espao acima do Myrddraal, com a barra do mantovermelho-sangue pairando a uma braa da cabea do Meio-homem. A figura tambm usavauma mscara vermelha. Ser que o Grande Senhor das Trevas apareceria a eles como umhomem? E mascarado, alm de tudo? No entanto, o Myrddraal, com uma expresso de puroterror, tremia e quase se encolhia, sombra da figura. O homem que chamava a si mesmo deBors se agarrou a uma resposta que sua mente era capaz de conter sem arrebentar: talvez fosseum dos Abandonados.

    O pensamento foi apenas um pouco menos doloroso. Mesmo assim, o fato de um dosAbandonados estar livre indicava que o Dia do Retorno do Tenebroso devia estar prximo.Os Abandonados, treze dos mais poderosos detentores do Poder nico, em uma Era repleta dedetentores poderosos, foram presos em Shayol Ghul junto com o Tenebroso, isolados domundo dos homens pelo Drago e pelos Cem Companheiros. A energia ricocheteada pelo atode isolamento maculara a metade masculina da Fonte Verdadeira, e todos os Aes Sedaihomens, detentores amaldioados do Poder, enlouqueceram e destruram o mundo,despedaaram-no como um vaso de cermica jogado sobre um leito de rochas, encerrando aEra das Lendas antes de morrerem, apodrecendo ainda vivos. Fora uma morte adequada paraum Aes Sedai, em sua opinio. Boa demais para eles. S lamentou que as mulheres tivessemsido poupadas.

    Lenta e dolorosamente, ele forou o pnico para o fundo da mente, confinou-o e o conteve l,embora o sentimento lutasse para escapar. Era o melhor que podia fazer. Nenhum dos queestavam deitados de barriga no cho havia se levantado, e apenas alguns haviam ousadolevantar a cabea.

    Levantem-se. Dessa vez a voz da figura de mscara vermelha soou mais agressiva. Elefez um gesto com ambas as mos. De p!

    O homem que chamava a si mesmo de Bors se levantou depressa, desajeitado, mas hesitouna metade do movimento. As mos que gesticularam estavam horrivelmente queimadas, comfissuras negras por toda a sua extenso, e a carne crua entre elas era to vermelha quanto os

  • mantos da figura. Ser que o Tenebroso apareceria desse jeito? Ou mesmo um dosAbandonados? Os buracos dos olhos daquela mscara vermelho-sangue varreram lentamenteo espao, e ele se endireitou mais do que depressa quando passaram por ele. Sentira o calorde uma fornalha aberta naquele olhar.

    Os outros obedeceram ordem com a mesma falta de jeito e pavor. Quando todos estavamde p, a figura flutuante falou novamente:

    Sou conhecido por muitos nomes, mas o que vocs devem usar para se referir a mim Baalzamon.

    O homem que chamava a si mesmo de Bors cerrou os dentes para impedi-los de baterem.Baalzamon. Na lngua dos Trollocs, a palavra significava Corao das Trevas, e at mesmoos descrentes sabiam que aquele era o nome que os Trollocs davam para o Grande Senhor dasTrevas. Aquele Cujo Nome No Deve Ser Pronunciado. Aquele no era o verdadeiro nome,Shaitan, mas ainda assim era proibido. Entre os que estavam ali reunidos e outros de suaespcie, macular qualquer um desses ttulos com uma lngua humana era blasfmia. O arpassou por suas narinas com um assovio, e ele pde ouvir que os outros ao redor tambmofegavam por trs das mscaras. Os serviais haviam partido, assim como os Trollocs,embora ele no os tivesse visto sair.

    O lugar onde vocs esto fica sombra de Shayol Ghul.Mais de um dos presentes no salo gemeu ao ouvir essas palavras, e o homem que chamava

    a si mesmo de Bors no tinha certeza de que no fora um deles. Um tom do que quase poderiaser chamado de escrnio transpareceu na voz de Baalzamon quando ele abriu bem os braos econtinuou:

    No temam, pois o Dia em que seu Mestre dominar o mundo est quase chegando. O Diado Retorno est prximo. Minha presena aqui, para ser visto por vocs, os poucos escolhidosdentre seus irmos e irms, no prova disso? Em breve, a Roda do Tempo ser quebrada.Em breve, a Grande Serpente morrer, e, com o poder dessa morte, a morte do prprioTempo, seu Mestre recriar o mundo sua imagem e semelhana, nesta Era e em todas as queviro. E aqueles que me servem, fiis e diligentes, vo se sentar aos meus ps, acima dasestrelas no cu, e governaro o mundo dos homens para sempre. Foi isso que prometi, e assim que ser, pela eternidade. Vocs vivero e reinaro para sempre.

    Um murmrio de expectativa percorreu a multido, e algumas pessoas at chegaram a dar umpasso frente, na direo da figura vermelha flutuante, com os olhos erguidos em xtase. Atmesmo o homem que chamava a si mesmo de Bors sentiu a atrao daquela promessa, apromessa pela qual ele vendera sua alma uma centena de vezes.

    O Dia do Retorno est prximo continuou Baalzamon. Mas ainda h muito o quefazer. Muito o que fazer.

    O ar esquerda de Baalzamon tremeluziu e se adensou, e a figura de um rapaz foi projetadaali, um pouco abaixo do Grande Senhor das Trevas. O homem que chamava a si mesmo deBors no conseguiu perceber se aquilo era ou no um ser vivo. Era um campons, a julgar porsuas roupas, com um ar levemente matreiro nos olhos castanhos e um sorriso sutil nos lbios,como se estivesse se lembrando de uma pea que pregara ou estivesse na expectativa dela. Apele da figura parecia quente, mas seu peito no se movia com a respirao e seus olhos no

  • piscavam.O ar direita de Baalzamon bruxuleou como se houvesse uma lufada de ar quente, e uma

    segunda figura vestida com roupas de campons surgiu, um pouco abaixo de Baalzamon. Eraum jovem de cabelos encaracolados, musculoso como um ferreiro. E um detalhe estranho:trazia um machado de batalha pendurado em sua cintura, uma enorme meia-lua de ao com umcabo grosso. O homem que chamava a si mesmo de Bors se inclinou para a frente de sbito, aoreparar em algo ainda mais estranho. O jovem tinha olhos amarelos.

    Pela terceira vez, o ar assumiu a forma de um rapaz, dessa vez logo abaixo dos olhos deBaalzamon, quase a seus ps. Um sujeito alto, com olhos que mudavam de cor com a luz, oraacinzentados, ora quase azuis, e cabelos de um tom vermelho-escuro. Outro aldeo oufazendeiro. O homem que chamava a si mesmo de Bors perdeu o flego: havia mais uma coisafora do comum, embora ele se perguntasse por que deveria esperar que qualquer coisa alifosse normal. Uma espada de duas mos pendia do cinturo da figura, uma espada com umagara de bronze na bainha e outra gravada no longo cabo. Um campons com uma espada coma marca da gara? Impossvel! O que isso significa? E um rapaz com olhos amarelos. Elereparou que o Myrddraal encarava as figuras, tremendo, e, a menos que estivessecompletamente enganado, o tremor no era mais de medo, e sim de dio.

    Um silncio sepulcral havia cado sobre o ambiente, um silncio que Baalzamon deixou seprolongar antes de prosseguir:

    H, agora, algum que caminha pelo mundo, algum que foi e que ser, mas que ainda no, o Drago.

    Um murmrio assustado percorreu a multido. O Drago Renascido! Devemos mat-lo, Grande Senhor? Isso veio do homem de

    Shienar, cuja mo ansiosa buscava a espada que deveria estar pendurada no cinturo. Talvez respondeu Baalzamon, simplesmente. Talvez no. Talvez ele possa servir

    a meus propsitos. Mais cedo ou mais tarde, o que acontecer, nesta Era ou em outra.O homem que chamava a si mesmo de Bors pestanejou. Nesta Era ou em outra? Eu achava

    que o Dia do Retorno estava prximo. O que me importa o que acontecer em outra Era seeu envelhecer e morrer durante esta? Mas Baalzamon j voltara a falar.

    Uma dobra comea a se formar no Padro, um de muitos pontos em que aquele que ser oDrago poder ser trazido para o meu lado. Precisa ser! Melhor que me sirva vivo do quemorto, mas, vivo ou morto, ele deve me servir e assim far! Vocs precisam conhecer estestrs, pois cada um um fio no padro que eu pretendo tecer, e caber a vocs cuidarem paraque eles sejam dispostos de acordo com as minhas ordens. Estudem-nos bem, para seremcapazes de reconhec-los.

    Subitamente, o salo ficou em silncio. O homem que chamava a si mesmo de Bors semexeu, desconfortvel, e viu outras pessoas fazerem o mesmo. Todos, menos a mulher deIllian, percebeu. Com as mos abertas sobre o seio, como se para ocultar o bustoarredondado, e os olhos arregalados, tanto assustada quanto em xtase, ela assentia, ansiosa,como se para algum bem na sua frente. s vezes, ela parecia responder algo, mas o homemque chamava a si mesmo de Bors no ouvia uma palavra. De repente, ela arqueou as costas ecomeou a tremer, erguendo-se na ponta dos ps. Ele no entendia como ela no caa, a menosque algo invisvel a estivesse segurando. Ento, do mesmo modo repentino, ela voltou a ficar

  • de p e assentiu outra vez, fazendo uma mesura trmula. No instante em que ela se endireitou,uma das mulheres com anel da Grande Serpente sobressaltou-se e passou a balanar a cabeade modo afirmativo.

    Ento cada um ouve suas prprias instrues, e ningum ouve as do outro. O homem quechamava a si mesmo de Bors gemeu de frustrao. Se soubesse as ordens recebidas por umas pessoa ali, poderia usar a informao em proveito prprio, mas desse jeito Impaciente,ele esperou pela sua vez, distraindo-se o suficiente para permanecer ereto.

    Um a um, os membros da reunio receberam suas ordens, todos em silncio, mas fornecendopistas que seriam interessantssimas caso ele conseguisse decifr-las. O homem dos AthaanMiere, o Povo do Mar, enrijeceu-se, relutante, ao assentir. O shienarano mantinha uma posturaque deixava transparecer sua confuso, apesar dos gestos de anuncia. A segunda mulher deTar Valon sobressaltou-se, como se levasse um choque, e depois a figura envolta em cinza,cujo sexo ele no conseguia determinar, balanou a cabea antes de cair de joelhos e assentirvigorosamente. Alguns tiveram as mesmas convulses que a mulher de Illian, como se fosse ador que os levantasse e os fizesse ficar nas pontas dos ps.

    Bors.O homem que chamava a si mesmo de Bors sobressaltou-se quando uma mscara vermelha

    preencheu seu campo de viso. Ele ainda podia ver o aposento, ainda via a forma flutuante deBaalzamon e as trs figuras sua frente, mas, ao mesmo tempo, tudo o que podia enxergar eraa mscara vermelha. Zonzo, ele sentiu como se estivessem partindo seu crnio ao meio eespremendo seus olhos para fora da cabea. Por um momento, achou que podia ver chamaspor entre os buracos dos olhos da mscara vermelha.

    Voc fiel Bors?O vestgio de sarcasmo da voz ao pronunciar o nome fez com que um calafrio percorresse

    suas costas. Sou fiel, Grande Senhor. No posso esconder isso do senhor. Eu sou fiel! Juro! No, no pode.A certeza na voz de Baalzamon fez sua boca ficar seca, mas ele se obrigou a falar. Ordene, Grande Senhor, e eu obedecerei. Em primeiro lugar, voc dever retornar a Tarabon e continuar com suas boas obras. Na

    verdade, ordeno que redobre seus esforos.Ele encarou Baalzamon, atnito, mas as chamas voltaram a explodir por trs da mscara, e

    ele fez uma mesura para ter uma desculpa para desviar os olhos. Como ordenar, Grande Senhor, assim ser. Em segundo lugar, voc ficar alerta para o caso de os trs rapazes aparecerem e

    mandar seus seguidores fazerem o mesmo. Esteja avisado: eles so perigosos.O homem que chamava a si mesmo de Bors olhou de relance para as figuras que flutuavam

    frente de Baalzamon. Como poderei fazer isso? Posso v-los, mas no consigo enxergarnada a no ser o rosto dele. Sua cabea parecia prestes a explodir. O suor deixava suas mosescorregadias sob as luvas finas, e sua camisa grudava nas costas.

    Perigosos, Grande Senhor? Camponeses? Ser um deles o? Uma espada perigosa para o homem que est na outra ponta, mas no para o que segura

  • o cabo. A no ser que o homem com a espada seja tolo, descuidado ou despreparado: nessecaso, o risco duas vezes maior para ele do que para qualquer outro. J basta que eu tenha lhedito para conhec-los. J basta que voc me obedea.

    Como ordenar, Grande Senhor, assim ser. Por ltimo, em relao queles que desembarcaram na Ponta de Toman e os domaneses:

    voc no falar sobre isso com ningum. Quando retornar a TarabonO homem que chamava a si mesmo de Bors percebeu, enquanto ouvia, que estava

    boquiaberto. As instrues no faziam sentido. Se soubesse as ordens que alguns dos outrosreceberam, talvez eu pudesse encaixar as peas.

    De repente, sentiu como se sua cabea tivesse sido agarrada por uma mo gigante queesmagava suas tmporas e o levantava, e o mundo explodiu em mil fragmentos de estrela, cadaclaro de luz se tornando uma imagem que atravessou sua mente ou saiu voando,desaparecendo ao longe antes que ele pudesse absorv-lo. Um cu impossvel, com nuvenslistradas, vermelhas, amarelas e pretas, passando depressa, como se carregadas pelo ventomais forte que o mundo j vira. Uma mulher ou seria uma menina? vestida de brancoadentrou a escurido e desapareceu to logo surgiu. Um corvo o olhou nos olhos,reconhecendo-o, e sumiu. Um homem de armadura e um elmo brutos, pintados de dourado e naforma de um inseto monstruoso e venenoso, ergueu uma espada e investiu contra algo fora deseu campo de viso. Uma trombeta curva e dourada surgiu velozmente, de muito longe. Elatocava uma nota dissonante enquanto disparava em sua direo, atraindo sua alma com fora.No ltimo instante, ela se acendeu em um anel de luz dourado que passou por ele e o cegou,gelando seu corpo com um frio alm da morte. Um lobo saltou das sombras de sua visoperdida e rasgou sua garganta. Ele no conseguiu gritar. A torrente continuou, afogando-o,soterrando-o. Ele mal conseguia se lembrar de quem era ou do que era. Dos cus, chovia fogo,e a lua e as estrelas caram. Corria sangue nos rios, e os mortos caminhavam. A terra se abriue rocha derretida comeou a jorrar

    O homem que chamava a si mesmo de Bors viu que estava quase agachado em meio multido, e a maioria dos olhos se voltava para ele, em silncio. Para onde quer que olhasse,para cima, para baixo ou em qualquer direo, o rosto mascarado de Baalzamon invadia seucampo de viso. As imagens que haviam inundado sua mente estavam se desvanecendo, e eletinha certeza de que muitas j haviam desaparecido de sua memria. Hesitante, ele seendireitou, com Baalzamon sempre frente.

    Grande Senhor, o qu? Algumas ordens so importantes demais para que sejam conhecidas, mesmo por aquele

    que as executa.O homem que chamava a si mesmo de Bors quase dobrou seu corpo em profunda reverncia. Como ordenar, Grande Senhor murmurou, rouco. Assim ser.Quando se endireitou, estava sozinho no silncio mais uma vez. Outra pessoa, o Gro-lorde

    de Tairen, assentia e fazia mesuras para algum que ningum mais via. O homem que chamavaa si mesmo de Bors levou uma das mos trmulas testa, tentando reter um pensamento queinvadira sua mente, embora no estivesse inteiramente certo de que queria se lembrar. Oltimo fragmento se desvaneceu, e, de sbito, ele se perguntou o que tentava recordar. Sei quehavia algo, mas o qu? Havia algo! No havia? Esfregou as mos, fazendo uma careta ao

  • sentir o suor sob as luvas, e voltou sua ateno para as trs imagens suspensas diante da figuraflutuante de Baalzamon.

    O jovem musculoso de cabelos encaracolados, o fazendeiro com a espada e o rapaz comolhar matreiro. Em sua mente, o homem que chamava a si mesmo de Bors os batizara deFerreiro, Espadachim e Trapaceiro. Onde se encaixam no quebra-cabeas? Eles deviam serimportantes, ou no seriam o principal assunto da reunio. Mas apenas as ordens que receberaj eram suficientes para causar a morte de todos, e precisava considerar que alguns dosoutros, pelo menos, tinham ordens to letais quanto as dele para os trs. Qual a importnciadeles? Os olhos azuis podiam indicar a nobreza de Andor coisa improvvel com aquelasroupas e havia gente nas Terras da Fronteira com olhos claros, assim como algumaspessoas de Tairen, isso para no mencionar uns poucos de Ghealdan. E, claro No, issono ajudaria em nada. Mas olhos amarelos? Quem so eles? O que so eles?

    Sobressaltou-se ao sentir algum tocar seu brao, e, quando olhou ao redor, deparou-se comum dos serviais de branco, um rapaz de p ao seu lado. Os outros tambm haviam voltado,em nmero ainda maior do que antes, um para cada mascarado. Ele piscou. Baalzamon haviapartido. O Myrddraal tambm, e no lugar da porta que ele usara antes havia apenas umaparede de pedra. Sentiu-se observado.

    Se for de seu agrado, Lorde Bors, vou lev-lo a seu quarto.Evitando aqueles olhos mortos, ele examinou rapidamente as trs figuras mais uma vez,

    depois seguiu o servial. Incomodado, perguntou-se como o jovem soubera que nome usar. Sdepois que as estranhas portas esculpidas se fecharam atrs dele e os dois j tinham dadocerca de dez passos, ele percebeu que estava sozinho no corredor com o servial. Suassobrancelhas se moveram em um gesto de desconfiana por trs da mscara, mas, antes quepudesse abrir a boca, o servial falou:

    Os outros tambm esto sendo levados aos seus quartos, milorde. Se puder meacompanhar, milorde O tempo curto, e nosso Mestre est impaciente.

    O homem que chamava a si mesmo de Bors rangeu os dentes, tanto com a falta de informaoquanto com a sugesto de que ele e o servial eram iguais, mas seguiu em silncio. Apenas umtolo reclamava com um servial, e, pior, ao se lembrar dos olhos do sujeito, no tinha certezade que isso adiantaria. E como ele sabia o que eu ia perguntar? O servial sorriu.

    O homem que chamava a si mesmo de Bors no se sentiu nem um pouco vontade at estarde volta ao quarto onde havia aguardado ao chegar, e mesmo assim no melhorou muito. Nemmesmo encontrar seus alforjes intocados foi de muito consolo.

    O servial permaneceu parado no corredor. O senhor pode se trocar e usar suas prprias roupas se desejar, milorde. Aqui, ningum o

    ver partir ou chegar ao seu destino, mas pode ser melhor chegar adequadamente vestido.Algum vir em breve para lhe mostrar o caminho.

    Intocada por qualquer mo visvel, a porta se fechou.O homem que chamava a si mesmo de Bors estremeceu sem querer. Mais do que depressa,

    desfez os selos e as fivelas dos alforjes e retirou seu manto. No fundo da mente, uma vozinhase perguntou se o poder prometido e at mesmo a imortalidade valiam outro encontrodaqueles, mas ele imediatamente riu para abaf-la. Para ter tanto poder assim, eu louvaria o

  • Grande Senhor das Trevas sob a Cpula da Verdade. Lembrando-se das ordens queBaalzamon lhe dera, tocou o sol dourado e flamejante costurado no peito do manto branco e ocajado do pastor vermelho por trs do sol, smbolo de seu posto no mundo dos homens, equase riu. Havia trabalho, um grande trabalho, a ser feito, tanto em Tarabon quanto na Planciede Almoth.

  • E h de chegar o dia em que as obras dos homens sero destrudas, e a Sombra cair sobre oPadro da Era, e a mo do Tenebroso desabar mais uma vez sobre o mundo dos homens. Asmulheres vertero lgrimas, e os homens tremero quando as naes da Terra foremdespedaadas como trapos. Ningum se opor ou lutar.

    Mas algum vir para enfrentar a Sombra, nascido outra vez, como nasceu antes e nascernovamente, vezes sem-fim. O Drago Renascer, e seu retorno ser acompanhado de choro eranger de dentes. Ele cobrir o povo em cinzas e aniagem e causar uma nova Ruptura doMundo, destruindo todas as correntes que o prendem. Como a aurora libertadora, ele noscegar e nos queimar, mas o Drago Renascido enfrentar a Sombra na ltima Batalha, e seusangue nos trar a Luz. Deixai que as lgrimas escorram, povo do mundo. Chorai por vossasalvao.

    (De O Ciclo de Karaethon,As Profecias do Drago.

    Traduzido por Ellaine Mariseidin Alshinn,Bibliotecria-chefe da Corte de Arafel,

    no Ano da Graa de 231da Nova Era, a Terceira Era)

  • CAPTULO 1

    A Chama de Tar Valon

    A Roda do Tempo gira, e Eras vm e vo, deixando memrias que se transformam em lendas,depois se desvanecem em mitos e j esto esquecidas h muito tempo quando a Era torna aaparecer. Em uma delas, chamada por alguns de Terceira Era, uma Era ainda por vir e hmuito passada, um vento surgiu nas Montanhas de Dhoom. O vento no era o incio, pois noexistem nem incios nem fins no girar da Roda do Tempo. Mas era um incio.

    Nascido entre picos negros e afiados como facas, onde a morte rondava as passagens altas,embora protegido de coisas ainda mais perigosas, o vento soprava para o sul, passando peloemaranhado que era a floresta da Grande Praga, uma floresta maculada e corrompida pelotoque do Tenebroso. O cheiro doce e nauseante dessa corrupo j havia desaparecido quandoo vento atravessou aquela linha invisvel que os homens chamam de fronteira de Shienar, ondependiam flores da primavera, formando grandes cachos nas rvores. O vero j devia terchegado quela altura, mas a primavera se atrasara, e a terra se esforava para recuperar otempo perdido. Um verde-claro novo nascia em cada arbusto, e brotos vermelhosdespontavam de cada galho de rvore. O vento agitava os campos das fazendas quelembravam lagos esverdeados, massas slidas de colheitas cujo crescimento era quasevisvel.

    O cheiro de morte praticamente havia desaparecido muito antes de o vento atingir a cidadede muralhas de pedra de Fal Dara nas colinas, contornando uma torre da fortaleza bem nocentro da cidade, no topo da qual dois homens pareciam danar. Fal Dara, alta e com grossasmuralhas, ao mesmo tempo fortaleza e cidade, jamais ocupada, jamais trada. O vento gemiapor entre telhados de madeira, passando por altas chamins de pedra e torres ainda mais altas,soando como um cntico fnebre.

    Nu da cintura para cima, Rand alThor estremeceu com a carcia fria do vento e flexionou osdedos que envolviam o longo cabo da espada de treinamento. O sol quente deixara seu peitomolhado de suor, e seus cabelos vermelho-escuros estavam colados cabea, formando umtapete de cachos. Um leve odor trazido pela brisa fez seu nariz se franzir, mas ele no oassociou imagem de um velho tmulo recm-aberto que surgiu em sua mente em um lampejo.Mal se deu conta do cheiro ou da imagem, lutando para manter a mente vazia, mas o outrohomem que estava com ele no alto da torre no parava de perturbar o vazio. Com dez passos

  • de extenso, o ptio no alto da torre era cercado por uma muralha com ameias que ia at aaltura do peito. Era grande o bastante para uma pessoa, a no ser que compartilhasse o espaocom um Guardio.

    Embora fosse bem jovem, Rand era mais alto que a maioria dos homens, mas Lan era toalto quanto ele e bem mais musculoso, ainda que no tivesse ombros to largos. Uma estreitafaixa de couro tranado impedia que os cabelos compridos do Guardio cassem em seu rostoanguloso, que parecia feito de pedra. Um rosto sem rugas, como se para negar os fiosgrisalhos nas tmporas. Apesar do calor e do esforo fsico, apenas uma fina camada de suorreluzia nos braos e no peito do homem. Rand estudava os olhos azuis frios de Lan, em buscade algum indcio das intenes do Guardio. Parecia que o homem nunca piscava, e a espadade treinamento movia-se com firmeza e tranquilidade em suas mos enquanto ele passava, comgraa, de uma postura a outra.

    Com um feixe de ripas finas amarradas em vez de uma lmina, a espada de treinamentoemitia um rudo alto sempre que se chocava com alguma coisa e deixava marcas vermelhas napele. Rand sabia disso muito bem: trs finas linhas vermelhas ardiam em suas costelas, maisuma queimava seu ombro, e foi preciso muito esforo para no ganhar outra. Lan no tinhauma marca sequer.

    Conforme aprendera, Rand formou uma nica chama em sua mente e se concentrou nela,tentando aliment-la com toda a sua emoo e paixo, a fim de criar um vazio dentro de si,deixando at mesmo o pensamento de lado. O vazio veio. Como acontecia com frequncia nosltimos tempos, no era um vazio perfeito: quando no permanecia a chama, restava ainda umasensao de luz que agitava aquela quietude. Era o suficiente, mas por pouco. A fria paz dovazio o envolveu, e ele se tornou um com a espada de treinamento, com as pedras lisas sobsuas botas e at mesmo com Lan. Tudo era um, e ele se movia sem pensar, entrando no ritmodo Guardio, em sintonia com cada passo e cada movimento.

    O vento ficou mais forte outra vez, trazendo o soar dos sinos da cidade. Algum ainda estcomemorando a chegada tardia da primavera. O pensamento mundano veio flutuando pelovazio em ondas de luz, perturbando a quietude, e, como se o Guardio pudesse ler a mente deRand, a espada de treinamento girou nas mos de Lan.

    Por um longo minuto, o rpido claque-claque-claque dos feixes de ripas se chocandopreencheu o topo da torre. Rand no tentou atingir o outro homem; ele mal conseguia evitarque os golpes do Guardio o atingissem. Aparando os golpes de Lan no ltimo instantepossvel, ele foi forado a recuar. A expresso do homem no se alterou nem por ummomento, e a espada de treinamento parecia viva em suas mos. O golpe lateral do Guardiomudou, em pleno movimento, para uma estocada. Pego de surpresa, Rand recuou, j fazendouma careta ante a perspectiva do golpe que ele sabia que no conseguiria evitar.

    O vento uivou ao atravessar a torre e o capturou. Foi como se o ar tivesse se solidificadode repente, aprisionando-o em um casulo, empurrando-o para a frente. O tempo e o movimentodesaceleraram. Horrorizado, ele viu a espada de treinamento de Lan vir em direo a seupeito. O impacto no foi nem um pouco lento ou suave, e suas costelas rangeram como setivessem sido atingidas por um martelo. Ele soltou um grunhido, mas o vento no deixou quedesviasse. Pelo contrrio, empurrou-o ainda mais para a frente. As ripas da espada detreinamento de Lan se vergaram to lentamente, pensou Rand e se estilhaaram. Pontas

  • afiadas deslizaram em direo ao seu corao, a madeira quebrada rasgando seu peito. Seucorpo foi tomado pela dor, e parecia que sua pele inteira fora rasgada. Ele se sentiu queimar,como se o sol tivesse explodido para frit-lo como bacon em uma frigideira.

    Com um grito, ele se jogou para trs, cambaleando at bater na parede de pedra. Sua motrmula tocou os cortes no peito, e ele levantou os dedos ensanguentados diante dos olhoscinzentos, sem conseguir acreditar.

    E que defesa idiota foi essa, pastor? perguntou Lan, com uma voz rouca. Voc sabeque no deve tentar uma coisa dessas. Ou deveria saber, a menos que tenha esquecido tudo oque tentei ensinar. Voc est muito? Ele parou de falar quando Rand levantou a cabea eo encarou.

    O vento. A boca de Rand estava seca. Ele ele me empurrou! Ele ele estavaslido como uma parede!

    O Guardio o estudou em silncio, depois lhe estendeu a mo. Rand a segurou e se deixouser levantado.

    Coisas estranhas podem acontecer to perto da Praga disse Lan, por fim. No entanto,apesar de toda a neutralidade das palavras, ele parecia preocupado, o que j era estranho porsi s. Os Guardies, guerreiros quase lendrios que serviam s Aes Sedai, raramentedemonstravam emoes, e Lan demonstrava menos ainda, at mesmo para um Guardio. Elejogou a espada estilhaada de lado e se recostou na parede onde estavam as verdadeirasespadas, fora do caminho do treinamento.

    Mas no coisas assim protestou Rand. Ele foi para o lado do outro homem,agachando-se e recostando-se na pedra. Nessa posio, o muro ficava mais alto do que suacabea, o que o protegeria um pouco do vento. Se que aquilo poderia ser chamado assim.Nunca sentira um vento to slido. Paz! Talvez isso no acontea nem mesmo dentro daPraga.

    Com algum como voc Lan deu de ombros, como se aquilo explicasse tudo. Quando voc vai partir, pastor? Faz um ms que disse que ia embora, e achei que j teria feitoisso h duas semanas.

    Rand o encarou, surpreso. Ele est agindo como se nada tivesse acontecido! Franzindo atesta, deixou a espada de treinamento de lado e levou a sua prpria at os joelhos, passandoos dedos ao longo do cabo comprido envolto em couro, no qual uma gara de bronze foragravada. Havia outra gara de bronze na bainha, e mais uma na lmina, agora embainhada.Ainda achava um pouco estranho ter uma espada, qualquer que fosse, quanto mais uma com amarca de um mestre espadachim. Ele era um fazendeiro de Dois Rios, mas estava bem longeagora. Talvez ficasse longe para sempre. Era um pastor, como seu pai. Eu era um pastor. Oque sou agora? E fora seu pai quem lhe dera uma espada com a marca da gara. Tam meupai, no importa o que digam. Ele desejou que seus pensamentos no soassem como seestivesse tentando convencer a si mesmo.

    Mais uma vez, Lan pareceu ler sua mente. Nas Terras da Fronteira, pastor, se um homem cria uma criana, essa criana dele, e

    ningum tem o direito de dizer o contrrio.Rand fez cara feia e ignorou as palavras do Guardio. Aquele assunto dizia respeito somente

  • a ele. Quero aprender a usar isto. Preciso aprender. Carregar uma espada com a marca da

    gara j lhe causara problemas. Nem todos sabiam o que significava ou mesmo a notavam,mas uma espada daquelas, ainda mais nas mos de um rapaz que mal tinha idade para serchamado de homem, atraa o tipo errado de ateno. Nas ocasies em que no pude fugir,consegui blefar. Nas outras, tive sorte. Mas o que vai acontecer quando eu no puder fugir oublefar, e minha sorte acabar?

    Voc pode vend-la respondeu Lan, com cuidado. Essa lmina rara mesmo entreespadas com a marca da gara. Voc conseguiria um bom preo por ela.

    No! Essa ideia j lhe ocorrera mais de uma vez, mas ele a rejeitou pela mesma razode sempre, e nesse caso ainda mais rpido por vir de outra pessoa. Enquanto ela for minha,terei o direito de chamar Tam de pai. Foi ele quem a deu a mim, e ela me garante essedireito. Achei que qualquer espada com a marca da gara fosse rara.

    Lan o olhou de soslaio. Ento Tam no lhe contou? Ele devia saber. Talvez no tenha acreditado. Muitos no

    acreditam. O homem pegou sua prpria espada, quase gmea da de Rand, a no ser pelaausncia da gara, e a desembainhou. A lmina, levemente curva e com apenas um gume,reluziu prateada na luz do sol.

    Era a espada dos reis de Malkier. Lan no tocava nesse assunto, nem gostava que outrosfalassem a respeito, mas alLan Mandragoran era o Lorde das Sete Torres, o Lorde dos Lagose o Rei no coroado de Malkier. As Sete Torres estavam em runas agora, e os Mil Lagoseram um antro de coisas impuras. Malkier fora engolida pela Grande Praga, e somente um dossenhores malkieris ainda estava vivo.

    Uns diziam que Lan tornara-se Guardio, vinculando-se a uma Aes Sedai, para buscar amorte na Praga e se juntar aos outros de seu sangue. De fato, Rand vira Lan se pr em perigosem parecer levar em conta a prpria segurana, mas sabia que o homem se preocupava com avida e a segurana de Moiraine, a Aes Sedai qual estava vinculado, muito mais do queconsigo. Ele no achava que Lan fosse realmente procurar a morte enquanto Moiraine vivesse.

    Examinando sua espada, Lan falou: Durante a Guerra da Sombra, o prprio Poder nico foi usado como arma, e armas eram

    criadas com o Poder nico. Algumas armas usavam o Poder nico, eram coisas capazes dedestruir uma cidade inteira com um s golpe, arrasando a terra por lguas. bom que todastenham sido perdidas na Ruptura, bom que ningum lembre como produzi-las. Mas tambmhavia armas mais simples, para aqueles que enfrentavam as espadas dos Myrddraal e decoisas piores que os Senhores do Medo criavam.

    Com o Poder nico, Aes Sedai extraam da terra ferro e outros metais, para derret-los eforj-los. Tudo isso com o Poder. Criaram espadas e tambm outras armas. Muitas quesobreviveram Ruptura do Mundo foram destrudas por homens que temiam e odiavam otrabalho de Aes Sedai, enquanto outras desapareceram com os anos. Restaram poucas, epoucos homens entendem o que elas so. Existem lendas a respeito delas, contos exageradosde espadas que pareciam ter poder prprio. Voc j ouviu as histrias dos menestris, mas arealidade j basta. Falam de lminas que no se estilhaam ou quebram e que nunca perdem ofio. Eu j vi homens as afiarem. Fingem que afiam, na verdade, porque no conseguiam

  • acreditar que uma espada no precise ser afiada depois de ser usada. Mas esto apenasdesgastando suas pedras de amolar.

    Essas armas foram feitas pelas Aes Sedai, e nunca haver outras iguais. Quando tudoacabou, a guerra e a Era terminaram juntas, deixando o mundo destrudo, com mais mortos aserem enterrados do que gente viva. Os que estavam vivos fugiam, tentando encontrar algumlugar seguro, qualquer que fosse. A cada segundo, uma mulher chorava porque nunca maisveria seu marido ou seus filhos. Quando tudo acabou, as Aes Sedai sobreviventes juraramnunca mais criar uma arma para que um homem matasse outro. Todas as Aes Sedai fizeramesse juramento, e cada uma dessas mulheres tem mantido a promessa. Todas, at mesmo asVermelhas, que no se importam muito com o que acontece com os homens.

    Uma dessas, uma arma simples, de soldado, se tornou algo mais. O Guardio voltou aembainhar sua espada com uma expresso cansada, parecendo quase triste, se que se poderiaatribuir algum tipo de emoo quele homem. Havia, no entanto, as que foram feitas parasenhores generais, com lminas to duras que nenhum ferreiro poderia marc-las, mas queostentavam uma marca de gara. Essas espadas se tornaram muito procuradas.

    De repente, as mos de Rand se afastaram da espada apoiada em seus joelhos. Elaescorregou para a frente, e ele a agarrou instintivamente antes que ela casse no piso de pedra.

    Voc quer dizer que Aes Sedai fizeram isto? Pensei que estivesse falando da sua espada. Nem todas as armas com a marca da gara so obra das Aes Sedai. Poucos homens

    dominam a espada com habilidade suficiente para serem chamados de mestres espadachins ereceberem, como recompensa, uma lmina com a marca da gara. Mesmo assim, no restaramespadas de Aes Sedai o suficiente para que pouco mais de um bando deles carregassem uma.A maioria vem de mestres ferreiros, feitas do melhor ao que os homens podem criar, masainda assim forjadas pelas mos de um homem. Mas essa a, pastor Essa deve carregarhistrias de trs mil anos ou mais.

    No vou conseguir escapar delas, no mesmo? resmungou Rand. O rapaz equilibroua espada sua frente, sobre a ponta da bainha: ela no lhe parecia diferente do que era antesde ele descobrir aquilo. Outra obra das Aes Sedai.

    Mas foi Tam quem me deu. Meu pai a deu mim. Ele se recusava a pensar em como umpastor de Dois Rios conseguira uma espada com a marca da gara. Esses pensamentoslevavam a lugares perigosos, profundezas que ele no queria explorar.

    Voc realmente quer escapar, pastor? Vou perguntar outra vez. Por que ainda no foiembora, ento? Por causa da espada? Em cinco anos, eu poderia torn-lo digno dela, fazer devoc um mestre espadachim. Voc tem punhos rpidos, um bom equilbrio e no comete omesmo erro duas vezes. Mas eu no disponho de cinco anos para lhe ensinar, e voc no temcinco anos para aprender. No tem sequer um ano, e sabe bem disso. Com o conhecimento quetem agora, no vai furar o prprio p. Voc se comporta como se a espada pertencesse suacintura, pastor, e a maioria dos valentes nas aldeias vai perceber isso. Mas voc j agiadessa forma praticamente desde o dia em que comeou a carreg-la. Ento por que ainda estaqui?

    Mat e Perrin ainda esto aqui resmungou Rand. Eu no quero ir embora antes deles.Eu nunca Talvez no os veja outra vez por Por anos, quem sabe? Ele encostou a

  • cabea na parede. Sangue e cinzas! Pelo menos eles s acham que eu sou louco por novoltar para casa com eles. Nynaeve quase sempre me olha como se eu fosse uma criana deseis anos com um joelho esfolado e ela fosse cuidar de tudo. No resto do tempo, parece estarobservando um estranho. Um estranho que pode se ofender se ela o encarar por tempo demais.Ela uma Sabedoria, e acho que nunca teve medo de nada, mas Ele sacudiu a cabea. E Egwene. Que me queime! Ela sabe por que tenho que ir, mas toda vez que toco no assuntoela me olha de um jeito que faz meu estmago embrulhar, e eu Ele fechou os olhos,pressionando o cabo da espada na testa, como se pudesse expulsar seus pensamentos. Euqueria Eu queria

    Voc queria que tudo pudesse ser como era antes, pastor? Ou queria que a garota partissecom voc em vez de ir para Tar Valon? Voc acha que ela vai desistir de se tornar uma AesSedai para passar o resto da vida andando por a? E com voc? Talvez, se pedisse a ela dojeito certo, ela at fosse. O amor uma coisa estranha. De repente, Lan parecia cansado. Estranha como nenhuma outra.

    No. Era exatamente o que ele desejava, que ela quisesse ir com ele. Abriu os olhos,corrigiu a postura e continuou, com a voz firme. No, eu no deixaria que ela fosse comigo,se ela pedisse. Ele no faria isso com ela. Mas, Luz, no seria bom, ainda que s por uminstante, se ela dissesse que queria? Ela fica teimosa como uma mula quando acha queestou tentando lhe dizer o que fazer, mas ainda posso proteg-la disso. Rand desejou queEgwene ainda estivesse em sua casa no Campo de Emond, mas toda a esperana se fora no diaem que Moiraine chegara a Dois Rios. Mesmo que isso signifique que ela vai se tornar umaAes Sedai!

    Pelo canto do olho, o rapaz teve um vislumbre da sobrancelha erguida de Lan e enrubesceu. Ento s por isso? Voc quer passar o mximo de tempo possvel com seus amigos

    antes que eles partam? por isso que est perdendo seu tempo? Voc sabe o que est atrs devoc.

    Rand se levantou, zangado. Est certo, por causa de Moiraine. Eu sequer estaria aqui se no fosse por ela, mas ela

    nem fala mais comigo. Voc estaria morto se no fosse por ela, pastor respondeu Lan, em um tom neutro, mas

    Rand continuou: Ela me contou contou coisas horrveis a meu respeito Seus dedos apertaram a

    espada com tanta fora que ficaram brancos. Contou que vou ficar louco e morrer! E derepente nem sequer me dirige duas palavras. Ela age como se eu no tivesse mudado desde odia em que me encontrou, e isso tambm parece errado.

    Quer que ela o trate como o que voc ? No! No foi isso o que eu quis dizer. Que me queime, ultimamente j nem sei mais o que

    quero dizer. No isso o que eu quero, mas tenho medo da alternativa. Agora ela foi paraalgum lugar, desapareceu

    Eu lhe disse que ela precisa ficar sozinha de vez em quando. No cabe a voc, nem aningum, questionar as aes dela.

    Sem contar a ningum para onde ia nem quando vai voltar. Sequer falou se voltaria.Ela deve ser capaz de me contar alguma coisa que me ajude, Lan. Qualquer coisa. Ela tem que

  • contar. Se voltar algum dia. Ela j voltou, pastor. Voltou ontem noite. Mas acho que ela j lhe contou tudo o que

    podia. D-se por satisfeito, voc aprendeu o que podia com ela. Lan sacudiu a cabea econtinuou, um pouco brusco: Mas voc certamente no est aprendendo nada enquanto ficaaqui parado. Est na hora de trabalharmos um pouco seu equilbrio. Vamos treinar omovimento de Cortar a Seda, comeando pela Gara Atravessando os Juncos. Lembre-se deque essa forma da Gara apenas para praticar o equilbrio: us-la em uma luta deixar suaguarda aberta. Voc pode atacar a partir dela, se esperar o outro homem se mover primeiro,mas jamais conseguir evitar o golpe dele.

    Ela precisa poder me dizer alguma coisa, Lan. Aquele vento Aquilo no foi natural,no interessa se estamos perto da Praga ou no.

    Gara Atravessando os Juncos, pastor. E ateno aos pulsos.Um leve soar de trombetas veio do sul, uma fanfarra animada que aumentava cada vez mais,

    acompanhada pelo dum-dum-DUM-dum dos tambores. Rand e Lan se entreolharam por ummomento e, atrados pela comoo, foram at a muralha da cidade olhar para o sul.

    A cidade ficava sobre colinas altas, e o capim ao redor das muralhas fora cortado at aaltura dos tornozelos por uma milha, em todas as direes, e a fortaleza ficava na colina maisalta de todas. Do alto da torre, Rand conseguia, por entre chamins e telhados, ver a floresta.Os homens que tocavam tambores foram os primeiros a aparecer por entre as rvores, umadezena deles, levantando seus instrumentos enquanto marchavam e girando as baquetas. Emseguida, apareceram os trombeteiros, erguendo as cornetas longas e reluzentes, aindaconduzindo a fanfarra. quela distncia, Rand no conseguia distinguir a imensa bandeiraquadrada que ondulava ao vento atrs deles. Mas Lan soltou um grunhido: o Guardio tinhaolhos de guia-das-neves.

    Rand olhou de relance para ele, mas o Guardio no disse nada, mantendo os olhos fixos nacoluna que emergia da floresta. Homens a cavalo, usando armaduras, saam por entre asrvores, e as mulheres que os acompanhavam tambm estavam montadas. Um palanquim comas cortinas baixadas vinha atrs deles, carregado por dois cavalos, um na frente e um atrs,seguido de mais homens montados. Depois vinham fileiras de homens a p, com lanaserguidas acima da cabea como se fossem cerdas ou espinhos compridos, e arqueiros com osarcos cruzados sobre os peitos, todos marchando ao som dos tambores. As trombetas voltarama soar. Como uma serpente musical, a coluna ziguezagueava em direo a Fal Dara.

    O vento balanava a bandeira, mais alta que um homem, deixando-a reta para um lado.Como era enorme, agora estava perto o bastante para que Rand a visse com clareza.Estampava um redemoinho de cores que no significava nada para ele, mas no centro haviauma forma semelhante a uma lgrima completamente branca. A respirao ficou presa em suagarganta: era a Chama de Tar Valon.

    Ingtar est com eles. Lan soou distante. Est finalmente voltando da caada. Ficoulonge por tempo demais. Ser que teve alguma sorte?

    Aes Sedai sussurrou Rand, quando finalmente conseguiu. Todas aquelas mulheres lfora Moiraine tambm era uma Aes Sedai, mas ele viajara em sua companhia e, apesar deno confiar de todo nela, pelo menos a conhecia. Ou achava que conhecia. Mas ela era apenas

  • uma. Tantas Aes Sedai juntas, aparecendo daquele jeito, era outra coisa. Ele pigarreou paralimpar a garganta, mas, ainda assim, a voz saiu rouca. Por que tantas, Lan? Por que vieram?E com tambores, trombetas e uma bandeira para anunci-las?

    As Aes Sedai eram respeitadas em Shienar, pelo menos pela maioria: o restante as temiarespeitosamente. Mas Rand estivera em lugares em que no era assim, onde s havia o medoe, com frequncia, o dio. Onde ele tinha crescido, pelo menos alguns homens falavam dasbruxas de Tar Valon como se falassem do Tenebroso. Tentou contar as mulheres, mas elasno se mantinham em fileiras ou em qualquer ordem aparente. Conduziam seus cavalos porentre o grupamento para conversar umas com as outras ou com quem quer que estivesse nopalanquim. Ele ficou arrepiado. Viajara com Moiraine, conhecera outra Aes Sedai e haviapassado a pensar em si mesmo como um homem do mundo. Ningum jamais saa de Dois Rios,ou quase ningum, mas ele o fizera. Ele vira coisas que ningum em Dois Rios jamais tinhavisto e tambm fizera coisas com as quais seus conterrneos apenas sonhavam, se quesonhavam. Ele vira uma rainha e conhecera a Filha-herdeira de Andor, enfrentara umMyrddraal e viajara pelos Caminhos, e nada o havia preparado para aquele momento.

    Por que tantas? sussurrou outra vez. O Trono de Amyrlin veio em pessoa. Lan olhou para Rand com uma expresso to

    dura e indecifrvel quanto uma rocha. Suas lies acabaram, pastor. Ento ele fez umapausa, e Rand quase pensou ter visto uma expresso de pena em seu rosto, o que, claro, eraimpossvel. Teria sido melhor para voc se j tivesse ido embora na semana passada. Com isso, o Guardio pegou sua camisa e seguiu escada abaixo para dentro da torre.

    Rand tentou umedecer a boca. Olhou para a coluna que se aproximava de Fal Dara como seela realmente fosse uma serpente, uma vbora mortfera. Os tambores e as trombetas soavambem alto em seus ouvidos. O Trono de Amyrlin, que comandava as Aes Sedai. Ela veio porminha causa. Ele no conseguia pensar em outra razo.

    Elas sabiam coisas, tinham informaes que poderiam ajud-lo, ele tinha certeza, mas no seatreveria a pedir nada a qualquer uma delas. Temia que tivessem vindo para amans-lo. Etambm temia que no tivessem, admitiu, relutante. Luz, no sei o que me assusta mais.

    Eu no queria canalizar o Poder sussurrou. Foi um acidente! Luz, no quero nadacom isso. Juro que nunca mais vou tocar nele! Juro!

    Sobressaltou-se ao perceber que o grupo de Aes Sedai adentrava os portes da cidade. Ovento soprava feroz, quase transformando seu suor em gotas de gelo e fazendo as trombetassoarem como gargalhadas zombeteiras. Achou que sentia no ar o cheiro forte de uma tumbaaberta. Ser a minha tumba, se eu continuar parado aqui.

    Pegou a camisa, desceu a escada atrapalhado e comeou a correr.

  • CAPTULO 2

    As Boas-Vindas

    Os sales da fortaleza de Fal Dara, com suas paredes de pedra ostentando poucas tapeariassimples e elegantes e biombos decorados, fervilhavam com as notcias da iminente chegada doTrono de Amyrlin. Serviais de preto e dourado se apressavam em realizar suas tarefas,correndo para preparar quartos ou levar ordens at a cozinha, lamentando-se que, sem avisoprvio, no conseguiriam preparar tudo a tempo para algum to importante. Guerreiros deolhos escuros e cabeas raspadas, a no ser por um rabo de cavalo preso com um cordo decouro, no corriam, mas seus passos eram apressados e seus rostos transmitiam umaempolgao normalmente reservada batalha. Quando Rand passava, alguns comentavam:

    Ah, a est voc, Rand alThor. Que a paz favorea sua espada! Est indo se lavar? Voccertamente quer estar com a melhor aparncia possvel quando for apresentado ao Trono deAmyrlin. Ela vai querer ver voc e seus dois amigos e tambm as outras duas mulheres, podeter certeza.

    Ele correu at as grandes escadas amplas o bastante para passarem vinte pessoas quedavam na ala dos homens.

    A prpria Amyrlin veio, e sem dar aviso, como um mascate. Deve ser por causa deMoiraine Sedai e vocs do sul, no ? Por que mais seria?

    As grandes portas com trancas de ferro da ala dos homens estavam abertas e parcialmenteobstrudas por homens de rabo de cavalo que conversavam baixinho sobre a chegada deAmyrlin.

    Ei, rapaz do sul! Amyrlin chegou. Veio para ver voc e seus amigos, suponho. Paz, masque honra para voc! Ela raramente sai de Tar Valon e nunca veio s Terras de Fronteira, peloque me lembro.

    Ele se desvencilhou deles com algumas palavras. Precisava se lavar e encontrar uma camisalimpa. No tinha tempo para conversar. Eles aceitavam a explicao e o deixavam passar.Nenhum deles sabia coisa alguma a seu respeito, a no ser que ele e seus amigos viajavam nacompanhia de uma Aes Sedai e que dois dos integrantes do grupo eram mulheres queseguiriam para Tar Valon para se tornar Aes Sedai, mas aquelas palavras o afetavam como seeles soubessem de tudo. Ela veio me ver.

    Ele passou correndo pela ala dos homens, entrou em disparada no quarto que dividia com

  • Mat e Perrin e parou bruscamente, com o queixo cado de espanto. O quarto estava repletode mulheres vestidas de preto e dourado, todas concentradas em suas tarefas. O aposento noera grande, e as janelas, apenas um par de frestas altas e estreitas para atirar flechas quedavam em um dos ptios internos, no ajudavam a faz-lo parecer maior. Trs camasdispostas sobre plataformas de azulejos pretos e brancos, cada qual com um ba aos ps, trscadeiras simples, uma pia perto da porta e um armrio alto e largo faziam o quarto parecerapertado. As oito mulheres ali dentro pareciam peixes em uma cesta.

    Elas mal o olharam, apenas tiraram suas roupas, as de Mat e as de Perrin do armrio, e assubstituram por novas. Colocavam sobre os bas qualquer coisa que encontrassem nos bolsose empilhavam as roupas velhas sem nenhum cuidado, como se fossem trapos.

    O que vocs esto fazendo? exigiu saber Rand quando recuperou o flego. Essasroupas so minhas!

    Uma das mulheres pegou seu nico casaco, cheirou-o e enfiou um dedo em um buraco damanga, depois o deixou cair na pilha que estava no cho.

    Outra mulher, de cabelos pretos e ostentando um grande molho de chaves pendurado nacintura, olhou para ele. Era Elansu, shatayan da fortaleza. Ele pensava na mulher de rostoanguloso como uma espcie de governanta, embora a casa da qual cuidasse fosse, na verdade,uma fortaleza, e ela tivesse dezenas de serviais sob seu comando.

    Moiraine Sedai disse que todas as roupas de vocs esto gastas, ento a Lady Amalisamandou fazer novas. Fique fora do nosso caminho acrescentou com firmeza e vamosacabar mais rpido.

    Havia poucos homens que a shatayan no conseguia obrigar a obedec-la diziam que oprprio Lorde Agelmar se dobrava sob seu comando , e ela claramente no esperavaencontrar resistncia em um rapaz com idade para ser seu filho.

    Rand engoliu em seco o que estava prestes a falar. No tinha tempo para discutir. O Tronode Amyrlin poderia mandar cham-lo a qualquer momento.

    Honrada seja a Lady Amalisa por seu presente conseguiu responder Rand modashienarana e honrada seja a senhora, Elansu Shatayan. Por favor, transmita meusagradecimentos Lady Amalisa. E diga a ela que meu corao e alma esto a seu servio. O povo de Shienar amava formalidades, e aquilo devia ser o bastante para as duas mulheres. Mas agora, se a senhora me permitir, quero trocar de roupa.

    Muito bem respondeu Elansu, bastante vontade. Moiraine Sedai nos pediu parabuscarmos todas as roupas velhas. Cada pea, at mesmo as roupas de baixo. Vriasmulheres olharam para ele disfaradamente. Nenhuma fez meno de se dirigir porta.

    Ele mordeu a bochecha para evitar soltar um riso histrico. Muita coisa em Shienar eradiferente do que estava acostumado, e havia algumas com as quais nunca se acostumaria, aindaque vivesse ali para sempre. Ele se habituara a tomar banho de manh bem cedo, quando asgrandes banheiras de azulejos estavam vazias, depois que descobriu que uma mulher poderiaentrar na gua com ele sem problemas, a qualquer outra hora do dia. E podia ser tanto umservial da cozinha quanto a Lady Amalisa, irm do Lorde Agelmar: nos banhos em Shienarno existia hierarquia. Elas tambm esperavam que ele lavasse suas costas em troca do mesmofavor, perguntando por que seu rosto estava to vermelho, ser que vinha se expondo muito aosol? Em pouco tempo, haviam identificado a verdadeira causa de seus rubores, e todas as

  • mulheres na fortaleza pareciam fascinadas com eles.Em uma hora eu posso morrer ou algo ainda pior, e essas mulheres esto esperando me

    ver corar! Ele pigarreou. Se puderem esperar do lado de fora, entregarei o restante das roupas a vocs. Pela minha

    honra.Uma das mulheres deu um risinho, e at mesmo os cantos dos lbios de Elansu se repuxaram,

    mas a shatayan assentiu e mandou as outras recolherem as roupas. Ento parou ao alcanar aporta, acrescentando:

    As botas tambm. Moiraine Sedai disse para pegar tudo.Ele abriu a boca para responder, ento voltou a fech-la. Sabia com certeza que pelo menos

    suas botas ainda estavam boas, pois haviam sido feitas por Alwyn alVan, o sapateiro deCampo de Emond, alm de estarem amaciadas e bem confortveis. Mas, se abrir mo de suasbotas fosse fazer com que a shatayan o deixasse em paz, ele as daria, e daria tudo o mais queela quisesse. Ele no tinha tempo.

    Sim, sim, claro. Pela minha honra.E empurrou a porta, forando-a a sair.Quando ficou sozinho, jogou-se na cama para tirar as botas. Elas ainda estavam boas, talvez

    um pouco gastas, com o couro rachado aqui e ali, mas ainda serviam e tinham a forma de seusps. Ento se despiu depressa, empilhando tudo sobre as botas, e se lavou na bacia com amesma velocidade. A gua estava fria, mas sempre estava fria na ala dos homens.

    O armrio tinha trs grandes portas entalhadas do modo simples dos shienaranos, sugerindo,mais do que retratando, uma srie de cachoeiras e lagos escavados na pedra. Ele abriu a portacentral e examinou, por um momento, o que havia sido colocado no lugar dos poucos trajesque trouxera consigo. Havia uma dzia de casacos de colarinho alto da mais fina l, de corteto bom quanto qualquer um que tivesse visto em um mercador ou em um lorde, e a maioriaexibia bordados dignos de roupas para serem usadas em um festival. Uma dezena deles! Haviatambm trs camisas para cada casaco, tanto de linho quanto de seda, com mangas largas ecolarinhos apertados. E dois mantos. Dois, e ele se virara muito bem com um s a vida inteira.Um dos mantos era simples, de l verde-escura grossa. O outro era azul-escuro e tinha umcolarinho duro bordado com garas douradas e no alto do peito esquerdo, onde um senhorusaria seu smbolo

    Sua mo foi para o manto por conta prpria. Como se no estivessem certos do quesentiriam, os dedos roaram o bordado de uma serpente enroscada quase em crculo. Mas erauma serpente com quatro pernas e uma juba dourada de leo, com escamas vermelhas edouradas e, em cada pata, cinco garras douradas. Afastou a mo do bordado com violncia,como se a tivesse queimado. Que a Luz me ajude! Foi Amalisa quem mandou fazer isto oufoi Moiraine? Quantas pessoas o viram? Quantas sabem o que isto, o que significa? Semesmo uma s pessoa souber j demais. Que me queime, ela est tentando me matar! Amaldita Moiraine sequer fala comigo, mas me deu belas roupas para morrer!

    Algumas batidas porta o fizeram pular quase at o teto de susto. J acabou? Era a voz de Elansu. Me d todas as peas. Talvez seja melhor euA porta rangeu como se ela estivesse tentando abrir a maaneta.

  • Rand sobressaltou-se, percebendo que ainda estava nu. Acabei! gritou. Paz! No entre! Recolheu tudo o que estava vestindo mais do

    que depressa, inclusive as botas. Vou lhe entregar!Escondido atrs da porta, ele a abriu apenas o suficiente para enfiar a trouxa de roupas nos

    braos da shatayan. Isso tudo.Ela tentou espiar pelo buraco. Tem certeza? Moiraine Sedai disse para pegar tudo. Talvez seja melhor eu dar uma

    olhadinha tudo grunhiu. Juro pela minha honra!Ele empurrou a porta com o ombro, fechando-a na cara dela, e ouviu risadas do outro lado.Resmungando baixinho, ele se vestiu depressa. Sabia que elas no deixariam de encontrar

    desculpas para entrar fora, de algum jeito. As calas cinza eram mais justas do que as queestava acostumado a usar, mas ainda eram confortveis; e a camisa de mangas bufantes erabranca o bastante para deixar satisfeita qualquer dona de casa no Campo de Emond em dia delavar roupa. As botas, que iam at a altura do joelho, serviram como se ele as usasse h maisde um ano. Torceu para que fosse apenas o trabalho de um bom sapateiro, e no outra obra dasAes Sedai.

    Todas aquelas roupas dariam um embrulho do seu tamanho, mas ele se reacostumara aoconforto de usar camisas limpas e de no vestir as mesmas calas todos os dias, at o suor e asujeira as deixarem mais duras que suas botas, e ainda assim continuar usando-as. Pegou seusalforjes do ba e enfiou o que pde dentro deles, depois abriu o manto bonito em cima dacama, com relutncia, e empilhou mais algumas camisas e calas sobre ele. Dobrado daquelejeito, com o perigoso smbolo para dentro, e amarrado com uma corda de forma que pudesseser jogado no ombro, ele no parecia muito diferente das trouxas que vira alguns jovenscarregando na estrada.

    Um soar de trombetas adentrou pelas seteiras, vindo tanto das que conduziam a fanfarra dolado de fora das muralhas quanto das que as respondiam, nas torres da fortaleza.

    Vou tirar esse bordado assim que puder resmungou. J vira mulheres retirandobordados quando erravam a costura ou mudavam de ideia, e no parecia ser assim tocomplicado.

    O resto das roupas a maioria do que ganhara, na verdade , Rand enfiou de volta noarmrio. No havia necessidade de deixar evidncias de sua fuga para serem encontradas pelaprimeira pessoa que enfiasse a cabea quarto adentro depois que ele partisse.

    Ainda franzindo a testa, ele se ajoelhou ao lado da cama. As plataformas azulejadas sobre asquais as camas repousavam eram fornalhas onde a pequena fogueira era abafada para durar anoite toda, mantendo a cama aquecida durante a pior noite do inverno de Shienar. As noiteseram ainda mais frias do que ele estava acostumado naquela poca do ano, mas, por ora, oscobertores bastavam. Abrindo a porta da caixa de lenha, ele retirou uma sacola que nopoderia deixar para trs. Ficou feliz por no ter ocorrido a Elansu que algum poderia guardarroupas ali dentro.

    Colocando o embrulho sobre a cama, desatou uma ponta e abriu-a um pouco. Era o manto deum menestrel virado do avesso de forma a ocultar as centenas de retalhos que o cobriam,

  • retalhos de todos os tamanhos e cores imaginveis. O manto em si j era bem chamativo, poisos retalhos eram o smbolo de um menestrel. Foram o smbolo de um menestrel.

    Dentro do manto havia duas caixas de couro. A maior continha uma harpa, que ele nuncatocara. A harpa no era para as mos desajeitadas de um garoto de fazenda. A outra,comprida e fina, continha a flauta folheada a ouro e prata que usara mais de uma vez paraganhar jantar e hospedagem desde que sara de casa. Thom Merrilin lhe ensinara a tocaraquela flauta antes de morrer. Rand nunca conseguia toc-la sem se lembrar de Thom, comolhos de um azul intenso e longos bigodes brancos, enfiando o manto embrulhado em suasmos e gritando para que ele corresse. Depois o prprio Thom havia corrido para enfrentar oMyrddraal que viera mat-los, com as facas surgindo magicamente em suas mos, como se eleestivesse fazendo uma apresentao.

    Com um arrepio, ele refez o embrulho. Isso tudo acabou. Ao pensar no vento no alto da torre, acrescentou: Coisas

    estranhas acontecem assim to perto da Praga. Ele no tinha muita certeza de queacreditava nisso, no do mesmo jeito que Lan. De qualquer modo, j estava mais que na horade ir embora de Fal Dara, independentemente da chegada do Trono de Amyrlin.

    Ele vestiu o casaco que deixara separado. Era de um verde bem escuro e o fazia lembrar-sedas florestas em casa, na fazenda de Tam na Floresta do Oeste, onde havia crescido, e nomanguezal onde aprendera a nadar. Depois afivelou a espada com a marca da gara na cinturae pendurou a aljava abarrotada de flechas do outro lado. Seu arco, sem corda, estavaencostado em um canto, junto com os de Mat e Perrin. O basto de madeira era dois palmosmais alto que ele. Ele o fizera sozinho, depois de chegar a Fal Dara, e, alm dele, apenas Lane Perrin tinham fora suficiente para us-lo. Depois de enfiar os cobertores enrolados e onovo manto nas dobras dos outros embrulhos, tirou-os do ombro esquerdo, jogou-os sobre ascordas e pegou o arco. Deixe o brao da espada livre, pensou. Tente faz-los pensar que perigoso. Talvez algum acredite.

    Ao abrir devagar a porta, deparou com o corredor quase vazio. Um servial de libr passoucorrendo, sem nem sequer olhar para Rand. Assim que os passos apressados do homemdeixaram de ser ouvidos, Rand se esgueirou para o corredor.

    Tentou caminhar com naturalidade, despreocupado, mas sabia que os alforjes no ombro e astrouxas nas costas faziam com que parecesse ser exatamente o que era: um homem partindo emuma jornada, sem inteno de retornar. As trombetas tornaram a soar, mais fracas ali dentro dafortaleza.

    Ele tinha um cavalo, um garanho baio, no estbulo norte, que se chamava Estbulo doSenhor. Era prximo de um dos portes menores da fortificao, usado por Lorde Agelmarquando ele saa para cavalgar. Mas nem o senhor de Fal Dara nem ningum de sua famliacavalgariam hoje, e o estbulo deveria estar vazio, a no ser pelos cavalarios. Havia duasmaneiras de chegar ao Estbulo do Lorde a partir do quarto de Rand. Uma delas o faria dar avolta por toda a fortaleza, passando por trs do jardim particular de Lorde Agelmar para entosair do outro lado e passar direto por dentro da forja, que agora, por certo, estaria igualmentevazia, at o ptio do estbulo. Seria tempo suficiente para que algumas ordens fossem dadasse algum iniciasse uma busca por ele, antes mesmo de Rand chegar ao seu cavalo. O outrocaminho era bem mais curto: passava primeiro pelo ptio externo, onde o Trono de Amyrlin

  • estava chegando naquele instante, com mais de uma dezena de Aes Sedai.Ficou com a pele toda arrepiada s de pensar: ele j vira mais Aes Sedai do que o suficiente

    para uma vida inteira. S uma j era demais. Assim diziam todas as histrias, e elecomprovara com a experincia. Mas no ficou surpreso por seus ps o levarem at o ptioexterno: ele jamais veria a lendria Tar Valon, no podia correr esse risco, nem agora nemnunca, mas podia ver o Trono de Amyrlin de longe, antes de partir. Seria o mesmo que veruma rainha. No deve ser muito perigoso dar s uma espiada de longe. Vou continuarandando e terei ido embora antes mesmo que ela saiba que estive aqui.

    Ele abriu uma porta pesada com correias de ferro que dava para o ptio externo e adentrou osilncio l fora. As pessoas se aglomeravam ao longo da passarela da guarda, no alto de cadamuralha, formando uma verdadeira floresta de gente: soldados de rabo de cavalo, criados delibr e serviais ainda com os ps sujos de lama estavam colados uns nos outros, e crianas sesentavam nos ombros dos pais para ver por cima da multido ou se espremiam para espiar porentre cinturas e tornozelos. Cada sacada para arqueiros estava mais lotada que um barril demas, e rostos apareciam at nas seteiras nas paredes, que serviam para atirar flechas. Umamultido cercava o ptio, formando uma segunda muralha, e todos observavam e aguardavamem silncio.

    Ele abriu caminho pela multido ao longo da muralha, diante das barracas dos ferreiros edos flecheiros que davam a volta ao longo do ptio Fal Dara era uma fortaleza, no umpalcio, apesar do tamanho e de seu esplendor austero, e tudo nela era destinado defesa murmurando desculpas s pessoas em quem esbarrava. Algumas olhavam ao redor, franzindo atesta, e poucas notavam seus alforjes e sacolas, mas ningum quebrava o silncio. A maioriasequer tentava ver quem havia esbarrado nelas.

    Ele conseguia enxergar por cima das cabeas da multido com facilidade, o suficiente parasaber o que estava se passando no ptio. Do lado de dentro, logo em frente ao portoprincipal, um grupo de catorze homens se enfileirava ao lado de seus cavalos. No havia doisdeles com armaduras ou espadas iguais, e nenhum se parecia com Lan, mas Rand no tinhadvidas de que eram Guardies. Havia rostos redondos, quadrados, compridos e finos, mastodos tinham o mesmo olhar, como se vissem coisas que os outros homens no viam, ouvissemcoisas que os outros homens no ouviam. Parados na posio descansar, eles pareciam toletais quanto uma matilha de lobos. S havia uma coisa em comum entre eles: todos vestiam omanto de cores mutveis que Rand vira pela primeira vez nas costas de Lan, o manto quequase sempre parecia camuflar-se no que quer que estivesse atrs dele. Tantos homens usandoaqueles mantos no era algo fcil de se olhar nem era bom para o estmago.

    A alguns passos na frente dos Guardies, uma fileira de mulheres estava de p, perto de seuscavalos, com os capuzes dos mantos abaixados. Agora ele conseguia cont-las: eram catorze.Catorze Aes Sedai. Tinham que ser. Eram altas e baixas, magras e gordas, morenas e louras,com cabelos curtos e compridos, soltos e caindo s costas ou presos em tranas, e suas roupaseram to diferentes entre si quanto as dos Guardies, com cortes e cores to variados quantoas mulheres que as vestiam. No entanto, elas tambm tinham algo em comum, uma semelhanaque s era bvia quando ficavam paradas daquele jeito, uma ao lado da outra. Pareciam noter idade definida. quela distncia, Rand diria que todas eram jovens, mas sabia que, se

  • chegasse mais perto, elas seriam como Moiraine. Tinham uma aparncia que ao mesmo tempoera e no era jovem, a pele lisa e sem rugas, mas rostos maduros demais para serem novas, eolhos que j tinham visto demais.

    Mais de perto? Idiota! J estou perto demais! Que me queime, eu deveria ter ido emborah muito tempo. Continuou abrindo passagem para chegar aonde queria, outra porta comcorreias de ferro que ficava do lado oposto do ptio, mas no conseguia parar de olhar.

    As Aes Sedai ignoravam calmamente a multido curiosa e se mantinham atentas aopalanquim com cortinas fechadas, que agora estava no centro do ptio. Os cavalos que ocarregavam estavam imveis, como se cavalarios estivessem segurando-os pelos arreios,embora houvesse apenas uma mulher alta ao lado do palanquim, com seu rosto de Aes Sedai, eela no estivesse prestando ateno aos cavalos. A mulher segurava diante de si um cajado doseu tamanho, com uma chama dourada na ponta mais alta do que ela.

    Lorde Agelmar observava o palanquim do outro lado do ptio, muito srio, empertigado ecom o rosto inescrutvel. Seu casaco azul-marinho de colarinho alto exibia as trs raposasvermelhas correndo, smbolo da Casa Jagad, junto do falco negro de Shienar. Ao seu lado,estava Ronan, enrugado pela idade, mas ainda alto. O shambayan carregava um cajado comtrs raposas esculpidas em avatine vermelho no topo. Ronan ocupava a mesma posio deElansu na hierarquia da fortaleza. Eram shambayan e shatayan, mas Elansu deixava poucopara ele fazer, a no ser a parte cerimonial e suas tarefas como secretrio do Lorde Agelmar.Os rabos de cavalo dos dois homens eram brancos como a neve.

    Todos estavam parados como esttuas de pedra, os Guardies, as Aes Sedai, o Lorde de FalDara e o shambayan. A multido que observava parecia prender a respirao. Mesmo semquerer, Rand diminuiu o passo.

    De repente, Ronan bateu seu cajado trs vezes nas pedras grandes do calamento, fazendoum som bem alto que pedia silncio.

    Quem vem l? Quem vem l? Quem vem l?A mulher ao lado do palanquim bateu seu cajado trs vezes em resposta. A Vigia dos Selos. A Chama de Tar Valon. O Trono de Amyrlin. Por que fazemos a vigia? perguntou Ronan. Pela esperana da humanidade respondeu a mulher alta. Contra o que montamos guarda? Contra a sombra ao meio-dia. Por quanto tempo deveremos montar guarda? De sol a sol, enquanto a Roda do Tempo girar.Agelmar se curvou em uma mesura, com o rabo de cavalo branco se mexendo ao sabor da

    brisa. Fal Dara oferece po, sal e boas-vindas. Bem-vindo o Trono de Amyrlin a Fal Dara,

    pois aqui se mantm a vigia, aqui se respeita o Pacto. Sejam bem-vindas.A mulher alta abriu a cortina do palanquim, e o Trono de Amyrlin saiu. De cabelos escuros e

    sem idade definida, como todas as Aes Sedai, ela olhou de relance para as pessoas reunidasenquanto se erguia. Rand se encolheu quando o olhar dela passou por ele; foi como se algo otivesse tocado. Mas os olhos dela passaram direto e pararam no Lorde Agelmar. Um criado delibr se ajoelhou ao lado dela oferecendo uma bandeja com toalhas dobradas, ainda soltando

  • vapor. Com gestos formais, ela enxugou as mos e limpou o rosto com um pano mido. Agradeo as boas-vindas, meu filho. Que a Luz ilumine a Casa Jagad! Que a Luz ilumine

    Fal Dara e todo o seu povo!Agelmar fez uma nova mesura. A senhora nos honra, Me. Para Rand, no foi estranho ouvi-la chamar Lorde Agelmar

    de filho e ele cham-la de Me, ainda que as bochechas lisas dela diante do rosto enrugadodele dessem a impresso de que o homem era seu pai, ou at mesmo seu av. Mas a mulhertinha uma presena altura da dele. A Casa Jagad sua. Fal Dara sua.

    De todos os lados, irromperam vivas, que se chocaram nas muralhas da fortaleza comoondas quebrando na praia.

    Tremendo, Rand correu na direo da porta em busca de segurana, deixando de se importarpor esbarrar em outras pessoas. s sua maldita imaginao. Ela sequer sabe quem voc .No ainda. Sangue e cinzas, se soubesse Ele no queria pensar no que aconteceria se elasoubesse quem era ele, o que era ele. No que aconteceria quando ela finalmente descobrisse.Ele se perguntou se aquela mulher tinha alguma coisa a ver com o vento no alto da torre: AesSedai podiam fazer coisas como aquela. Quando passou pela porta, que bateu atrs dele,emudecendo o rugido de boas-vindas que ainda sacudia o ptio, o rapaz suspirou aliviado.

    Os sales ali estavam to vazios quanto os outros, e ele os atravessou quase correndo.Cruzou um ptio menor, com uma fonte no centro, ento passou por mais um corredor e saiu noptio do estbulo, que tinha piso de ardsia. Era o Estbulo do Lorde, construdo dentro damuralha, alto e comprido e com enormes janelas que davam para o interior da fortaleza, ondeos cavalos eram mantidos em dois andares. A forja do outro lado do ptio estava silenciosa,pois o ferreiro e seus ajudantes tinham sado dali para as Boas-Vindas.

    Temma, o cavalario-chefe com rosto muito bronzeado, recebeu-o em frente s grandesportas com uma grande mesura, tocando primeiro a testa e depois o corao.

    Meu esprito e corao esto a seu servio, milorde. Em que posso servi-lo? Temmano usava o rabo de cavalo dos guerreiros; seus cabelos grisalhos eram cortados em forma decuia.

    Rand suspirou. Pela centsima vez, Temma, eu no sou um senhor. Como milorde desejar! A mesura do cavalario foi ainda maior.Seu nome que causara aquela confuso, devido a uma similaridade. Rand alThor e alLan

    Mandragoran. No nome de Lan, de acordo com o costume de Malkier, o prefixo rgio alindicava que ele era Rei, embora o Guardio nunca o utilizasse. Para Rand, al era apenasuma parte de seu nome, embora ele tivesse ouvido que um dia, muito tempo atrs, antes queDois Rios se chamasse Dois Rios, o prefixo significava filho de. Alguns dos serviais dafortaleza de Fal Dara, entretanto, haviam entendido que ele tambm era um rei, ou pelo menosum prncipe. Todos os seus protestos haviam apenas reduzido seu posto para lorde. Pelomenos, era o que ele pensava, pois nunca vira tantas mesuras e cerimnias, mesmo com LordeAgelmar.

    Preciso que o Vermelho seja encilhado, Temma. A essa altura, j sabia que noadiantaria se oferecer para fazer isso. Temma jamais permitiria que Rand sujasse as mos.

  • Pensei em passar alguns dias viajando pela regio ao redor da cidade.Assim que montasse o garanho baio, chegaria beira do Rio Erinin em alguns dias, ou

    mesmo ao outro lado da fronteira, em Arafel. Ento elas nunca vo me achar.O cavalario fez uma reverncia to profunda que quase dobrou ao meio, e permaneceu

    curvado. Perdoe-me, milorde. A resposta veio em um sussurro rouco. Perdoe-me, mas

    Temma no pode obedecer.Corando de vergonha, Rand olhou ao redor, ansioso. Como no havia ningum vista, ele

    agarrou o homem pelo ombro e o puxou at que ele ficasse de p. Ele poderia no ser capazde impedir Temma e alguns outros de agirem daquele jeito, mas podia tentar impedir queoutras pessoas vissem. Por que no, Temma? Temma, olhe para mim, por favor. Por queno?

    So as ordens, milorde respondeu o homem, ainda sussurrando. Ele continuavaolhando para o cho. No por medo, mas por vergonha de no poder atender ao pedido deRand. Os shienaranos reagiam vergonha do mesmo jeito que outras pessoas reagiam a umaacusao de roubo. Nenhum cavalo pode deixar o estbulo at que retirem a ordem. Elavale para todos os estbulos da fortaleza, milorde.

    Rand chegou a abrir a boca para dizer ao homem que estava tudo bem, mas, em vez disso,umedeceu os lbios.

    Nenhum cavalo de nenhum estbulo? Sim, milorde. A ordem veio h pouco tempo, h alguns momentos. A voz de Temma

    ganhou fora. Todos os portes tambm foram fechados, milorde. Ningum pode entrar nemsair sem permisso, nem mesmo a patrulha da cidade. Foi o que disseram.

    Rand engoliu em seco, o que no diminuiu a sensao de dedos se fechando ao redor de suagarganta.

    A ordem veio de Lorde Agelmar, Temma? claro, milorde. De quem mais? O Lorde Agelmar no deu a ordem pessoalmente a

    Temma, claro, nem mesmo ao homem que falou com Temma. Mas, milorde, quem mais dariatal ord