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DA TEORIA À PRÁTICA: UMA NOVA ABORDAGEM SOBRE A EFICIÊNCIA DA TRANSAÇÃO EM CONFLITOS COLETIVOS FROM TEORY TO PRAXIS: A NEW APROACH ABOUT THE EFICIENCY OF THE MEDIATION IN COLLECTIVE CONFLICTS Thiago Nemi Bonametti [email protected] Bacharel em Direito pela UNESP. Pós-graduando em interesses difusos e coletivos pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Servidor do Ministério Público do Estado de São Paulo.

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DA TEORIA À PRÁTICA: UMA NOVA ABORDAGEM SOBRE A EFICIÊNCIA DA TRANSAÇÃO EM CONFLITOS COLETIVOS

FROM TEORY TO PRAXIS: A NEW APROACH ABOUT THE EFICIENCY OF THE MEDIATION IN COLLECTIVE CONFLICTS

Thiago Nemi Bonametti

[email protected]

Bacharel em Direito pela UNESP. Pós-graduando em interesses difusos e coletivos pela Escola Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo. Servidor do Ministério Público do Estado de São Paulo.

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RESUMO

O processo civil contemporâneo tem se desenvolvido a fim de abarcar as se-veras críticas que sofre em razão de seu extremo individualismo e rigor técni-co. Dois dos escopos mais enfatizados atualmente são a tutela de interesses coletivos, e a mediação e conciliação de conflitos. O trabalho alia essas duas perspectivas em defesa da solução pacífica de conflitos transindividuais. As crescentes problemáticas de acesso efetivo à justiça nesse tema fazem surgir o debate sobre métodos mais eficientes. Para esta análise, entretanto, é preciso es-pecificar os entraves teóricos e práticos de se aplicar instrumentos transacionais privados aos litígios metaindividuais, ramo que se enraíza profundamente pelo direito público. Encontrar os pontos de partida do operador jurídico, sugerir orientações de atuação, apresentar os limites na solução consensual de conflitos coletivos, e apontar onde a mediação pode ser mais eficiente são os objetos do presente estudo. Para tanto, são trazidos à baila os argumentos teóricos referen-tes ao tema e também pesquisas de campo de autoria própria, porque a temática não é muito bem fomentada por estatísticas concretas sobre o assunto.

PALAVRAS-CHAVE

Processo Civil, Eficiência, Interesses Coletivos, Mediação.

ABSTRACT

The modern civil procedure has developed according to the critics that have been made about its extreme individualism and hardness. Two of those are the procedure of class actions and the mediation of conflicts. This work sums these both points of view to defend the pacific solution of collective conflicts. The growing problematic around effective access to justice in this matter increase de debate about different and more efficient methods. But for this analysis is neces-sary to specify the problems in applying private instruments to public litigation. Finding the start point, suggest orientations, present the limits in consensual solutions, and indicate where the mediation can be more efficient are the aim of the present study. Therefore are brought to the debate the theory arguments and data from a self-made field research.

KEYWORDS

Civil Procedure, Efficiency, Collective Issues, Mediation

SUMÁRIO

Introdução. 1. Para além da efetividade: a tutela coletiva eficiente como direito fundamental. 2. O princípio da eficiência sob uma perspectiva interdisciplinar. 3. A judicialização prematura e ineficiente de conflitos coletivos. Conclusão: A solução de conflitos coletivos na Promotoria de Justiça de Serrana/SP.

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INTRODUÇÃO

A história do direito processual se divide em três fases distintas que didatica-mente explicam como essa ciência se transformou. O processo, concebido inicial-mente como sincrético porque andava atrelado ao direito material, criava confusão entre direito de ação e direito subjetivo, e por isso acabou sendo superado pela defe-sa de sua autonomia como ciência jurídica. Com a definição de sua independência passou a ser possível teorizar as bases conceituais da natureza jurídica da ação, suas condições e os pressupostos processuais.

Mas o atual momento da ciência processual busca frear esta autonomia, atre-lando o processo a uma finalidade principal, que é a efetividade do direito material que ele deve estar apto a proporcionar ao jurisdicionado. Eis o conceito de instru-mentalidade processual, pelo qual os juristas atuais buscam aperfeiçoar o processo no intuito de torná-lo mais adequado à tutela substancial que dele se vale para se concretizar.

Este panorama crítico foi muito bem explorado por juristas italianos, como Briant Garth e Mauro Cappelletti, famosos pelas três ondas renovatórias que propu-seram, mas também por estudiosos brasileiros, como Barbosa Moreira, Ada Pellegri-ni, Waldemar Mariz de Oliveira, dentre outros. Algumas orientações desta doutrina, como o acesso à justiça dos mais necessitados, a instituição de direitos da coleti-vidade, e a formação de meios diferentes e simplificados de solução de conflitos foram, de modo geral, acatadas aqui no Brasil com a edição de diversos diplomas normativos desde a Constituição Federal de 1988 a normas ordinárias a ela anterio-res e posteriores.

Entretanto, os meios “alternativos”, mais simples, baratos e rápidos de so-lução foram propostos ao processo que existia à época, essencialmente individual. Não foi especulada a possibilidade de métodos mais simples e práticos de solução do conflito coletivo porque sequer havia se consolidado a tutela desses interesses transindividuais, que era proposta incipiente naquele momento.

Só mais recentemente, depois de trinta anos deste turbilhão doutrinário revo-lucionário, é que surge a questão das técnicas extrajudiciais também no âmbito da tutela coletiva com o objetivo de prevenir e resolver esses litígios preliminarmente.

Atualmente é possível pensar em readequar a teoria que embasou a terceira onda renovatória dos italianos (busca por formas mais simples e diferentes de so-lução) à defesa de interesses difusos e coletivos, propondo os limites em que estes métodos e práticas podem ser utilizados, de quais maneiras e por quais razões. Essas questões que surgem com a transposição das técnicas “alternativas” do processo individual aos conflitos coletivos são nosso objeto de análise.

Mas dada a importância do debate, torna-se necessário identificar quando essas técnicas serão mais vantajosas que a busca pela sentença de mérito, e para isso é que devem ser feitas a conceituação teórica do princípio da eficiência e a análise, também teórica, dos casos em que a tutela coletiva atual não é, nesta pro-

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posta, eficiente. Mais ainda, a relevância do tema e sua relativa novidade impõem o estudo de casos concretos que possam nortear a atuação jurídica e mapear alguns problemas e suas potenciais soluções.

Algumas dessas questões poderão ser respondidas com uma pesquisa de situa-ções reais realizada em uma Promotoria de Justiça, com a evidência prática de alguns benefícios que a solução consensual possui quando comparada à coerção da sentença de mérito. É um fomento ímpar que, além de servir de base à estrutura argumentativa aqui presente, soma-se aos inúmeros estudos que sustentam empiricamente muitas das críticas que têm sido levantadas pelos processualistas nos últimos anos.

1. PARA ALÉM DA EFETIVIDADE: A TUTELA COLETIVA EFICIENTE COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Em termos de efetividade do processo, Briant Garth e Mauro Cappelletti são os expoentes das críticas que vem sendo feitas ao Processo Civil nas últimas déca-das. Sob três escopos eles consolidaram em “Acesso à Justiça” as principais carên-cias de efetividade do processo civil, propondo as famosas três “ondas renovatórias” que seriam necessárias ao efetivo acesso à justiça: 1. A assistência judiciária aos necessitados; 2. A tutela de interesses supraindividuais; e 3. A solução de conflitos por novos mecanismos, mais simplificados, como a conciliação e a arbitragem 1.

Existem exemplos de inovações brasileiras nestas três searas.2 Mas importa--nos que a atual carta constitucional trouxe inúmeros interesses coletivos e indicou os meios a serem adotados para a sua tutela, como já adiantara a Lei da Ação Civil Pública. Nossa atual Constituição Federal impôs a inafastabilidade do controle ju-risdicional para todo e qualquer direito, seja individual ou coletivo conforme dita o artigo 5o, inciso XXXV tornando direito fundamental o acesso à justiça para defesa de interesse coletivo (lesado ou sob ameaça). 3

1 CAPPELLETTI, Mauro. Acesso à Justiça. Tradução por Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988. p. 31-73.

2 O acesso aos mais necessitados vem representado pela Lei da Assistência Judiciária de 1951 e pela criação da Defensoria Pública pela Constituição Federal de 1988. Já os instrumentos de tutela coletiva (segunda onda) foram incorporados por diversas legislações, desde a Lei da Ação Popular e a Lei da Po-lítica Nacional do Meio Ambiente à LACP. Esta última de mais evidente importância, inovou o cenário jurídico nacional ao incluir medidas de relevante eficácia para a tutela coletiva, e influenciou o surgi-mento de outras leis (como o CDC e o ECA) e até mesmo as atuais previsões constitucionais. Finalmente, a terceira etapa de renovação surgiu precipuamente na Lei no 9099/90 que criou os juizados especiais cíveis e criminais e estabeleceu rito mais célere de tramitação e procedimentos judiciais simplificados. Mas também no Código Civil e de Processo Civil foram introduzidas normas destinadas à solução con-sensual de litígios, permitindo às partes se conciliarem e transigirem.

3 José Afonso da Silva e Alexandre Amaral Gavronski apontam a mudança da Constituição Federal de 1988 como importante para explicitar o acesso à justiça também de interesses coletivos. GAVRONSKI, Alexandre Amaral. Técnicas Extraprocessuais de Tutela Coletiva: a Efetividade da Tutela Coletiva fora do Processo Judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 94. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 431.

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No plano infraconstitucional a Lei da Ação Civil Pública regula a tutela cole-tiva apoiada nas modificações introduzidas pelo Código de Defesa do Consumidor e do Estatuto da Criança e do Adolescente, valendo-se subsidiariamente do Código de Processo Civil. Assim, portanto, há enorme gama de ações à disposição dos legi-timados à ação civil pública, e algumas outras medidas específicas ao Ministério Pú-blico, como o Inquérito Civil, para investigação de danos transindividuais, e outras aos entes públicos, como o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).

É possível diante deste microssistema legislativo, portanto, aplicar técnicas de solução consensual, como a transação do direito civil ou o Termo de Ajustamen-to de Conduta. A primeira, de índole nitidamente privada, aplica-se com reservas nos interesses coletivos, que carregam características importantes do direito privado. Assim, a transação, que pressupõe que ambas as partes cedam parte dos direitos que alegam ter, os legitimados coletivos não podem dispor do interesse material coletivo, mas tão somente negociar condições melhores de cumprimento integral para o infrator.

Já o TAC é uma forma de acordo prevista em lei que pode se dar tanto ex-traprocessualmente, via de regra, como durante o processo, mas que em ambas formaliza uma negociação em que o infrator ajusta os termos em que readequará sua conduta violadora de interesses coletivos. Assim que homologado pelo órgão superior do Ministério Público (se extraprocessual) ou pelo Judiciário (se em juízo) vale como título executivo, e facilita o cumprimento forçado da obrigação de repa-rar a lesão à sociedade.

Mesmo com grande amparo legal, todavia, a temática não é muito bem ex-plorada, e o grande potencial que a negociação e a mediação de conflitos coletivos possuem, tanto extrajudicialmente, por meio do TAC, como em juízo, não é nem de longe atingido. Na prática ainda prevalece a busca pela decisão de mérito, o que leva à judicialização muitas vezes desnecessária de conflitos coletivos.

É importante, pois, enfatizar este método de negociação, e analisar as situ-ações em que sua utilização trará mais benefícios do que a ação judicial. 4 A razão para isso é simples: a constituição assegura não apenas a proteção a interesses difu-sos e coletivos, mas também a utilização dos meios mais eficientes pelo legislador, pelo Judiciário, pelo Executivo e pelos operadores jurídicos nesta empreitada.5

4 Alexandre Gavronski parece coadunar deste posicionamento ao enfatizar que a revolução que deveria ser feita já foi consumada com a criação de mecanismos aptos à tutela de interesses transindividuais e de métodos diversificados de se atingir este fim. Diz o autor: “Sem desmerecer o trabalho daqueles que são, indiscutivelmente, os mais importantes referenciais do movimento de acesso à justiça, inclusive no Brasil, não se pode desconsiderar que desenvolveram seu pensamento há aproximadamente trinta anos, quando a tutela coletiva sequer existia em muitos países, pelo que se justificava o foco na sua estruturação. A revolução necessária, então, era a que foi feita.” GAVRONSKI, 2010, op. cit., p. 100.

5 O princípio da eficiência qualifica não as normas, mas as atividades. As condutas é que devem ser exer-cidas com racionalidade e observância dos custos e dos benefícios, objetivando sempre os melhores resultados com os menores gastos. SILVA, op. cit., p. 671.

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A mera garantia de proteção integral já abarcaria os meios necessários a esse fim, dentre eles a eficiência da solução. Todavia, a Emenda no 19 de 1998 teve de ser editada para exclamar literalmente a garantia de que as atividades públicas e administrativas sejam eficientes (artigo 37, caput, da Constituição Federal).

Justamente porque a mediação ou negociação em interesses coletivos podem possibilitar maior eficiência, rapidez, e menores custos é que o debate surge sob o manto destes princípios constitucionais da celeridade, eficiência, efetividade e acesso à justiça.

Mas o debate mais incipiente seja mesmo o da eficiência. Primeiro porque em nosso sentir ele abarca mais amplamente o problema. Segundo porque não há como falar em efetividade, celeridade, e instrumentalidade do processo civil sem analisar sua eficiência.

A eficiência surge para nós como um qualitativo à efetividade, que pode resgatar a prática forense do arcabouço meramente teórico que circunda a defesa da isolada efetividade. J.J Calmon de Passos6, em um devaneio arcaico (como ele próprio qualifica), faz a crítica:

Pior a efetividade que nem é valor, é apenas uma qualidade de algo que se deseja ver capaz de produzir efeitos, vale dizer, interferir na dura Natureza. Então a efetividade é moralmente neutra, cega e indiferente ao justo e ao injusto, ao lícito e ao ilícito, ao útil ou ao nocivo, etc. Daí parecer-me a efeti-vidade como certas mulheres que não escolhem parceiro nem procedimento, contanto que sejam adequadamente remuneradas.

Felizmente, renomados autores como Ada Pellegrini, Antonio Cintra e Cân-dido Dinamarco, com o brilhantismo peculiar, já identificaram o problema da falta de um elemento qualitativo nessa busca pela efetividade, ao afirmarem que a instru-mentalidade só pode se dar por meio de um caminho eficiente. 7

A efetividade só é alcançada pela trilha da eficiência porque efetivo é o que chega a um fim, não necessariamente da melhor forma nem ao melhor deles, ao passo que atingir este objetivo da maneira mais rápida, justa e menos custosa é mais do que ser efetivo, pois é também ser eficiente.

Mesmo partindo deste pressuposto, todavia, entendemos ser necessária uma outra abordagem a respeito do princípio da eficiência, para que seja possível iden-tificar suas origens e o que realmente deve ser o horizonte na busca por uma justiça mais eficiente.

6 PASSOS, J.J Calmon de. Considerações de um cético sobre as novas tendências do moderno processo civil brasileiro. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin (coord.); RODRIGUES, Marcelo Abelha (co-ord.). O novo processo civil coletivo. 2. ed. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2009. p. 388.

7 Segundo eles, tratar de instrumentalidade é “alertar para a necessária efetividade do processo, ou seja, para a necessidade de ter-se um sistema processual capaz de servir de eficiente caminho à ordem jurídica justa.” CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; DINAMARCO, Cândido Rangel; GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 41.

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2. O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA SOB UMA PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR

Sob o ponto de vista dogmático o princípio da eficiência tem sido objeto das doutrinas de direito administrativo, por ter sido previsto na parte destinada à Admi-nistração Pública da Constituição Federal, e também por obras de Direito Constitu-cional, já que foi positivado constitucionalmente.

Mas mesmo com a previsão expressa o tema não é abordado com pro-fundidade. Como bem elenca Carlos Alberto Salles, uns consideram o princípio da eficiência mera ramificação do princípio da boa administração, enquanto outros dizem inexistir qualquer relevância jurídica em sua conceituação. Há, inclusive, quem aponte um contrassenso entre o princípio da eficiência e o da legalidade. 8

Essa superficialidade das abordagens doutrinárias parece indicar que falta um ponto de vista para a total compreensão do princípio da eficiência: aspectos eco-nômicos que norteiam o que é e o que não é eficiente segundo valores privados. Esta é a ótica que queremos trazer para tentar explicar por que até hoje não conseguimos aplicar conceitos privados de economia às ações públicas.

No âmbito da economia o princípio da eficiência é traduzido sob duas pers-pectivas. A primeira é a do menor custo possível e a segunda é a do uso mais valio-so. Uma ação que concomitantemente seja de um gasto mínimo e gere o melhor benefício/uso formará o chamado ótimo de Pareto, há muito tempo teorizado pelos economistas.

Sob esta ótica “paretiana”, uma mudança econômica só poderá ser eficiente, intensificando o bem-estar social, se alguns indivíduos ficarem melhor do que antes sem que nenhum outro fique em situação pior. Neste caso o custo será zero e o benefício será máximo.

Esta é a conjuntura perfeita que traduz, do ponto de vista de mercado, a efi-ciência de determinada ação. O professor americano Daniel A. Farber explica, em três pontos de vista, porque parece ser eficiente dar algo de interesse a uma pessoa, melhorando sua situação, sem prejudicar as dos demais indivíduos.

Segundo ele, essa conceituação do princípio de Pareto é atrativa porque a so-ciedade é a soma de seus indivíduos, e favorecer um deles sem prejudicar os outros contribui para a melhora da sociedade inteira. Também parece interessante porque respeitar as preferências individuais acaba enaltecendo a autonomia de cada um, o que é aprovado pelo consenso social. Finalmente, essa conduta seria eficiente aos nossos olhos porque é natural que todos pensem que a sociedade deva se importar

8 Segundo o autor, pensam da forma descrita, respectivamente: Celso Antonio Bandeira de Mello, Mau-rício Ribeiro Lopes e Maria Sylvia Zanella di Pietro. SALLES, Carlos Alberto de. Entre a eficiência e a equidade: bases conceituais para um direito processual coletivo. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin (coord.); RODRIGUES, Marcelo Abelha (coord.). O novo processo civil coletivo. 2. ed. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2009. p. 61.

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em promover o bem-estar de seus cidadãos, e se isso não prejudicará ninguém, não há razão para deixar de fazê-lo.9

Sob esta luz fica mais fácil identificar que, seja no âmbito administrativo, seja no jurídico-normativo, deve-se buscar a medida que seja concomitantemente menos custosa e mais benéfica. Mas menos custosa para quem? E mais benéfica para qual grupo? Quais critérios definem essas vantagens e esse custo?

As respostas não são simples porque a conceituação econômica do princípio da eficiência não pode ser o único norte interpretativo deste preceito constitucional. Embora esta faceta de interpretação deva existir a fim de fugir daquela conceituação vazia dada por alguns doutrinadores, e também para evitar ser letra morta em nossa carta constitucional, não se pode deixar de lado o aspecto subjetivo.

A interpretação jurídica pautada na eficiência não deve ser usada só para definir elementos que possibilitem a escolha da medida economicamente mais van-tajosa de solução dos problemas, mas também para buscar a resolução justa do conflito.

É que esta análise do direito do ponto de vista do mercado exclui substan-cialmente a subjetividade inerente às relações sociais e políticas. Ou seja, o fundo social e político deste debate é inadvertidamente relevado e reduzido de tal maneira que as conclusões ficam prejudicadas. O autor americano exemplifica de maneira intrigante: a regra de Pareto se manteria estável e válida mesmo em comunidades extremamente desiguais economicamente, desde que a melhora das condições fi-nanceiras dos miseráveis não afetasse as posses dos ricos luxuosos. 10 11

Isso ocorre porque o aspecto unicamente econômico de eficiência é neutro às realidades sociais e aos aspectos políticos da sociedade. É dizer, ele não valora o que é e o que não é desejável aos membros de uma comunidade. Além disso, a própria vontade ou interesse dos indivíduos, que é o parâmetro para definir o que a sociedade deseja, é de grande subjetividade e está sujeita a influências sociais, midiáticas, e regionais.

Outro problema é que essas conclusões simplesmente econômicas, embora não observem isso, dependem da posição inicial das partes envolvidas, ou seja, dependem do que cada parte entende como seu de direito. Afinal, a relação custo/

9 FARBER, Daniel A. The problematics of the pareto principle. Bepress Legal Series, 2005, paper  698. p. 1. traduzido do original.

10 No original: “A state can be Pareto optimal with some people in extreme misery and others rolling in luxury, so long as the miserable cannot be made better off without cutting into de luxury of the rich.” FARBER, op. cit., p. 5, traduzido do original.

11 Carlos Alberto Salles também alerta que esse tipo de raciocínio é capaz de produzir situações extre-mamente injustas, embora eficientes do ponto de vista econômico. Isso, pois pelo ponto de vista estri-tamente de mercado os recursos econômicos deveriam sempre ser destinados àqueles que estivessem mais aptos a gerarem um resultado economicamente mais valioso com eles, o que levaria, por exemplo, a permitir que uma floresta fosse explorada por madeireiras, em vez de protegida por ambientalistas, já que elas seriam capazes de produzir mais riqueza (em valor econômico) com esse recurso natural. SALLES, op. cit., p. 65.

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benefício de determinada transação particular vai ser definida pelo que cada parte vê de vantajoso, e pelo valor que atribui ao direito de que abrirá mão. Essa “distri-buição” inicial do direito é ignorada pelo conceito integralmente econômico de eficiência.

Em nossa tradição ocidental, a Justiça é tida como distributiva e corretiva, porque a sociedade distribui seus valores (dinheiro, propriedade, recursos naturais, etc.) de acordo com suas regras de convivência, e depois institui um meio de corrigir ou reparar qualquer situação que desvirtue esse padrão.

Esta distribuição, portanto, definirá para qual lado penderá a negociação, ou seja, qual das partes terá o poder de fazer valer o seu direito em uma negociação, “cobrando” um montante impossível, ou possível, de ser pago pelo interessado em adquirir aquele direito. A mesma situação, portanto, poderia ter duas soluções igual-mente eficientes, dependendo de quem fosse, inicialmente, o direito em negociação.

Um exemplo de Salles é de novo das madeireiras. Se o direito for de explo-ração do recurso, o montante que os ambientalistas poderiam pagar para manter as árvores intactas seria muito menor do que aquele que as madeireiras aceitariam para parar suas atividades. Explorar seria eficaz economicamente, pois preservar seria mais caro às madeireiras do que o benefício dos ambientalistas.

De outro lado, se o direito fosse de preservação, os ambientalistas exigiriam um valor muito alto ao que as madeireiras gostariam ou poderiam pagar para ex-plorar, e isso seria igualmente eficiente, pois a vantagem dos ambientalistas seria muito maior do que os gastos das madeireiras. Seria ineficiente, neste segundo caso, mandar cortar as árvores, porque o preço pago seria muito alto. 12

É aí que está o problema. A interpretação da eficiência com base apenas no princípio de Pareto leva à exclusão dessa distribuição, pois a partir do momento em que ele é aplicado isoladamente, automaticamente se prega um certo liberalismo, a fim de que as partes fiquem livres dos custos da intervenção estatal e possam atingir livremente a solução mais eficaz (menos custosa e sem levar nenhuma delas a um estado inferior ao atual).

Todavia, nunca essas transações poderiam deixar de afetar outros indivíduos, e ignorar essa circunstância, permitindo a negociação livre entre as partes, impli-caria dizer que todos os direitos individuais seriam ilimitados, pois nem mesmo a afronta a outro interesse poderia barrar aquela negociação “eficiente”. Mas num sistema assim, com direitos infinitos, não haveria mais nenhum a ser distribuído ou adquirido e, obviamente, não haveria como se retornar ao estado inicial por meio de uma justiça corretiva.

Eis mais uma falha da aplicação normativo-jurídica do ótimo de Pareto. Ele não analisa a situação por inteiro, é neutro aos interesses sociais e políticos, e por isso leva a conclusões erradas, embora sempre economicamente eficientes.13

12 SALLES, op. cit., p. 76. 13 Nessa linha, diz Ronald Coase: “A system in which the rights of individuals were unlimited would be

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Apontando esta falha, Marc Galanter pondera que, mesmo que seja possível mostrar que um meio de solução é mais barato e rápido do que outro, essa demons-tração será incompleta, porque é necessário perguntar se o que está se obtendo pelo menor custo é igualmente desejável. 14 Em suma, Galanter traz à balança o elemento qualitativo.

O debate a respeito da qualidade destes métodos é inevitável, e é por isso que Ronald Coase defende que o ótimo de Pareto seja analisado sob uma nova perspectiva, com uma mudança de ângulo que permita enxergar a influência de de-terminadas “soluções” em outras relações que não somente aquela que se pretende resolver.

Isso significa dizer que embora seja desejável que se tenha apenas ações em que mais se ganhe do que se perca, elas não podem ser tiradas do contexto social em que se encontram, pois inevitavelmente atingirão outras relações sociais e esse “custo social” deve também ser considerado para definir a eficiência da ação.15

Em suma, o que se deve ter em mente é que o princípio da eficiência, para ser corretamente aplicado ao direito, deve sim ser compreendido em seu conceito econômico, afinal sua origem é das ciências mercantis, mas sem deixar de lado a equidade, ou a justiça social. Só assim é que ele pode ser estendido para além dos levianos conceitos da Doutrina Administrativa sem levar a soluções injustas e social-mente incoerentes.

Foi neste sentido que Burton Weisbrod resumiu a melhor maneira de encarar o princípio da eficiência ao dizer que “eficiência se refere ao tamanho do ‘bolo’ re-sultante da sociedade, ao passo que equidade envolve julgamentos sobre as porções relativas de ‘bolo’ que vão para as diversas pessoas, e o processo pelo qual cada porção é decidida.” 16

Assim, serão mais desejáveis as ações que aproximarem o conceito de equi-dade do de eficiência, na medida em que efetivarão a distribuição de recursos de forma equitativa, por meio de uma justiça processual, com os menores custos e maiores vantagens econômicas. E isso só poderá ser feito após a determinação do objetivo social que se quer atingir, pois qualquer decisão alheia (neutra) a ele poderá levar a medidas injustas, embora economicamente eficientes.

Em suma, quando analisado desde suas origens e aplicado ao mundo jurídi-co, o princípio da eficiência pressupõe indagações sobre quem é o titular do direito negociado; quais os meios para sua concretização; e quais os prejuízos e os benefí-cios desta realização para ambas as partes. A resposta final, entretanto, deverá passar pelo filtro da equidade, para que o resultado seja efetivamente justo. Esse raciocínio

one in which there were no rights to acquire.” COASE, Ronald H. The problem of social cost. Journal of Law and Economics, out. 1960. p. 22.

14 GALANTER, Marc. Compared to what? Assessing the quality of dispute processing. Denver University Law Review 66(3):xi-xiv (1989). p. 12.

15 COASE, op. cit., p. 21-23.16 WEISBROD. Burton A., apud SALLES, op. cit., p. 79.

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é o ponto de partida do legitimado pela lei em interesses difusos e coletivos e não será sempre uma tarefa fácil.

3. A JUDICIALIZAÇÃO PREMATURA E INEFICIENTE DE CONFLITOS COLETIVOS

O conceito interdisciplinar de eficiência pode ajudar a esboçar quando pa-rece ser mais vantajosa a judicialização de conflitos coletivos e em quais casos esse acionamento judicial prematuro não atinge esta finalidade. Mas para isso é preciso definir em quais situações a intervenção do juiz pode ser mais desejável, e o que deve ser feito antes de a ação judicial se tornar uma alternativa plausível, já que nem sempre ela será a melhor. 17

Mesmo sem ser sempre a melhor alternativa, todavia, não é possível nem desejável defender a ausência de acionamento do Judiciário, pois vários são os casos em que a imposição da força por um terceiro imparcial e “justo” será necessária. Em verdade, a própria existência de um sistema judiciário bem aparelhado e funcional, que torne certa a imposição da decisão, acaba fortalecendo outros métodos de so-lução de conflito que o evitem.

A projeção hipotética de uma lide temerária e demorada pode em alguns casos desencorajar a resolução extraprocessual, pois o infrator veria certa vantagem em esperar cinco, dez, ou vinte anos para ter de resolver o problema ao qual é apre-sentado hoje. 18 Por isso é preciso ter em mente que o incentivo a outros métodos de solução do conflito deve ser paralelo à melhora do Poder Judiciário, que deve ser forte, rápido e certeiro.

Mas cabe-nos, por enquanto, apontar essas mazelas da judicialização dos conflitos coletivos. O problema estrutural e inicial é a falta de iniciativa do Poder Judiciário. Como consequência natural da busca por um terceiro justo e imparcial, o juiz fica inerte aos fatos sociais e depende da atuação externa.

Por isso que em juízo o magistrado acaba tendo um posicionamento de mera reação às atividades das partes. Isso implica tanto a não antecipação dos problemas (o que deverá ser feito pelo legitimado ao TAC), como a precariedade de solução de conflitos que as partes não perceberam, não conseguiram perceber, ou decidiram

17 Segundo Marc Galanter, essa conclusão resulta de um princípio fundamental da administração judicial: na maioria dos casos o resultado de um julgamento não é mais qualitativamente justo do que a livre ne-gociação em que se dá um pouco e se ganha outro tanto. Adaptado do original: “One of the fundamen-tal principles of judicial administration is that, in most cases, the absolute result of a trial is not as high a quality of justice as is the freely negotiated, give a little, take a little settlement.” GALANTER, Marc. A settlement judge, no a trial judge: Judicial mediation in the United States. Journal of Law & Society, v. 12, number 1, spring 1985. p. 2.

18 CALMON, Petrônio. Fundamentos da mediação e da conciliação. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 48-49.

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ignorar.19 Essas circunstâncias judiciais têm particular relevo em matéria de direitos coletivos, pois podem gerar uma lacuna na satisfação desses interesses, caso haja má atuação do legitimado à ação civil pública.

Entretanto, essa característica do Judiciário não é o maior dos problemas da judicialização dos conflitos coletivos, pois pode ser contornada por uma boa atua-ção do ente legitimado ativo. A verdadeira celeuma, que há muito foi evidenciada, é sem dúvida a questão do tempo do processo.

O debate sobre as formas alternativas de solução dos conflitos surgiu preci-puamente sob esta bandeira, que indicava a extrema morosidade do sistema judicial, que aqui no Brasil já se tornou um estigma da Justiça. Todos os brasileiros conhecem a fama que nosso Judiciário carrega por ser incapaz de ofertar um provimento juris-dicional em tempo razoável, embora esta seja uma garantia constitucional.

Pesquisas detalhadas e completas identificam esta demora judicial 20, e al-guns casos teratológicos chegam até mesmo a ser motivo de matérias jornalísticas21, o que intensifica o senso comum de descrença em nossa Justiça. Em muitos desses casos a demora é tanta que eventual solução judicial passa a encontrar óbice na utilidade prática de seu mandamento.

E se no processo individual a demora processual tem efeitos notadamente prejudiciais, este prejuízo é sempre maior em sede de interesses transindividuais, que são mais complexos e envolvem número muitas vezes indeterminado de pessoas. 22

19 O raciocínio é uma adaptação das reflexões de Sarat e Grossman sobre as instituições de judicialização: “Furthermore, they are almost totally ‘reactive.’ Unlike nonadjudicative bodies, which also search out or try to anticipate problems before they arise, adjudicative institutions rely on private individuals or groups or other government agencies to bring problems to their attention. They rely on the initiative of private parties do set the agenda of issues on which public officials act. They can take no part in defining, interpreting, and managing conflict until they are ‘mobilized’. As a result, adjudicative institutions are not well suited to resolving problems that private parties do not or cannot perceive, or wish to ignore.” GROSSMAN, Joel B.; SARAT, Austin. Courts and conflict resolution: problems in the mobilization of adjudication. The American Political Science Review, v. 69, no 4 (Dec., 1975), p. 1200.

20 Em sua recente tese de doutorado, Alexandre Gavronski cita dados da coordenadoria Jurídica da Procu-radoria da República em São Paulo acerca das ações civis públicas tramitando na Justiça Federal de São Paulo. Aponta que segundo as informações coletadas, das 105 ações propostas desde 2001, apenas 15 foram sentenciadas, sendo 11 sem resolução de mérito. GAVRONSKI, 2010, op. cit., p. 238

21 O periódico “Estadão” publicou recentemente matéria dando conta de que o processo mais antigo do Supremo Tribunal Federal iniciou-se quando o atual Ministro José Antonio Dias Toffoli sequer havia nascido, e encontra-se sem solução judicial há mais de 50 anos, sem que se possa, atualmente, ser ofertado um provimento jurisdicional útil. A ação objetivava anular a doação de imenso terreno a seis empresas, mas já houve inúmeras transferências de propriedade e existem cidades inteiras em alguns desses lotes. Editorial Estadão. 11 de set. 2011. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,a-acao-mais-antiga-do-supremo,770962,0.htm>. Acesso em: 15 de set. 2011.

22 São exemplos disso as questões ambientais. Nelas, que representam grande monta dos casos de interes-ses transindividuais, a rapidez é simplesmente essencial porque as mudanças ambientais estão sujeitas a consolidação ou agravamento pelo transcurso do tempo.

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Contribuem para esta latente demora judicial alguns fatores decorrentes da interpretação reativa, inerte, e burocrática (ranço do processo liberal clássico) 23das garantias constitucionais inerentes ao direito de ação e de defesa, como os princí-pios do contraditório e da ampla defesa dentro do que se convencionou chamar de devido processo legal (due process of Law).

Isso porque as ideias liberais que levaram à autonomia do Direito Processual ainda mantém o processo que se pretendia àquela época: um procedimento amplo capaz de garantir ao mesmo tempo a plenitude de defesa ao litigante e a segurança para o magistrado decidir. Toda essa profundidade (a cognição exauriente)24, que só poderia ser atingida com intensa instrução processual, serviria para autorizar a decisão perfeita, estreme de qualquer dúvida.

Mas este juízo infalível é inatingível. É o famoso “mito da verdade”, porque é mera ilusão entender que existe uma verdade científica por trás dos embates fáticos levados ao Judiciário. “A verdade do processo é uma verdade hermenêutica que não pode prescindir do real” 25, e por isso a verdade que temos é aquela dos fenômenos daquele momento, segundo a visão de quem for avaliá-la e com relação a quem isso for ser feito.26

A nossa verdade, jurídica, se sujeita às condições de temporalidade e com-preensão, e é, em sua natureza, duvidosa, porque admite pressuposições. É, queira--se ou não, um juízo de maior probabilidade. A verdade no âmbito jurídico foge da teoria e surge na prática, em algum parâmetro, argumentação, ou situação que deixe o juiz confortável para decidir. 27

23 Explicando o processo pautado nessas ideias liberais, diz Carlos Alberto Alvaro de Oliveira: “Todo o processo prosseguia circunscrito apenas às exigências de defesa dos direitos dos litigantes, a que para-lelamente devem corresponder a passividade e a neutralidade do juiz, dando azo a lentidão e abuso. Na ausência de uma intervenção direta e portanto de controle do juiz sobre o desenvolvimento do proces-so, as partes e seus defensores tornam-se seus árbitros praticamente absolutos. A fixação abstrata pela lei de prazos de preclusão, insuficientemente delimitados, faz ainda com que não só o objeto material do processo seja determinado pelas partes, mas também o seu desenvolvimento interno, a tornar-se este coisa exclusiva das partes.” OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 41-42.

24 Segundo Kazuo Watanabe, quando a cognição for classificada de acordo com sua profundidade, ela poderá ser exauriente (completa) ou sumária (incompleta). Será exauriente, portanto profunda, sempre que não houver limitação à perquirição do juiz sobre o objeto cognoscível. WATANABE, Kazuo. Da cognição no processo civil. 3. ed. São Paulo: Perfil, 2005. p. 127-129.

25 HOMMERDING, Adalberto Narciso; MOTTA, Francisco José Borges. O tempo do processo e o mito da verdade: uma reflexão hermenêutica sobre a tutela preventiva dos direitos coletivos. In: FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin (coord.); RODRIGUES, Marcelo Abelha (coord.). O novo processo civil coletivo. 2. ed. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2009. p. 126.

26 Petrônio Calmon também trata do tema ao falar do “mito da justiça”. CALMON, op. cit., p. 40. 27 “Não há, portanto, como negar que o juiz se sente mais à vontade para julgar quando consegue obter

a confissão do réu no processo penal ou de qualquer uma das partes no processo civil, mesmo que essa confissão, que servirá de fundamento para o julgado (e alívio para o juiz), não tenha a mínima relação com a verdade. Todo juiz, assim, procura a verdade ou tenta ao menos objetivá-la a partir de uma situação que possa lhe dar certa tranquilidade para decidir. Quando o juiz dá a liminar, ele tem certeza de que deve concedê-la. Quando o juiz sentencia, ele tem certeza de que está julgando confor-

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Daí que muitos dos atos processuais intrínsecos a esta decisão de mérito verdadeiramente perfeita são desnecessários, porque serviriam para munir o juiz de uma suposta verdade absoluta que na realidade não existe dentro do processo.

O problema é que tal como no processo individual, os reflexos destas con-ceituações liberais do processo atingiram as lides coletivas. No processo coletivo, entretanto, o reflexo dessa gama de atos formais, sucessivos, e praticamente intermi-náveis na velocidade da tramitação é muito maior.

Isso ocorre porque em sede de ação civil pública os interesses são dispersos pela sociedade e o direito postulado representa diversas pessoas, interessadas na resolução dessas lides, o que por si só já é um fator de complexidade que dificulta o trâmite judicial. Por este motivo o litisconsórcio e a assistência litisconsorcial foram limitados nas ações civis públicas, impedindo que todos os interessados em uma determinada lide coletiva pudessem nela intervir, pois isso causaria um tumulto imensurável nestes processos que reúnem grande monta de beneficiados.

A legitimação extraordinária da LACP supre essa “representatividade” de cada um, determinando a substituição dos interessados por um dos entes legitima-dos. Mas embora o cidadão não esteja legitimado à ação civil pública, as figuras do litisconsórcio e da assistência não foram completamente banidas da tutela judicial coletiva, persistindo alguns exemplos de situações que podem causar certa turbação processual 28, restando ao juiz, nos casos de litisconsórcio facultativo, fazer limita-ção em prol da celeridade processual.29

Essas possibilidades de intervenção acabam por permitir a ação de terceiros completamente descomprometidos com o resultado da lide, que terão possibilidade de se manifestar contra todas as decisões desfavoráveis, indicarem provas, e partici-parem da produção daquelas requeridas pelos outros integrantes da lide. Isso ocorre porque o controle judicial dessa intervenção é muito difícil na prática, pois o Judi-ciário tende a aceitar a participação do interessado por temer cercear seus direitos.

Mas a complexidade das ações coletivas não para aqui. Além de gerarem di-versos interessados, as ações civis públicas geralmente envolvem matérias dos mais

me a verdade estabelecida pela situação, isto é, ele supõe que desvelou, que descobriu o ser do ente. Também por isso se pode dizer que não há como falar numa verdade formal, objeto do processo civil, e numa verdade material, objeto do processo penal. Ou seja, não há uma verdade formal ou uma verdade material: a verdade é finita, temporal e contingente.” HOMMERDING; MOTTA, op, cit., p. 130.

28 No caso dos interesses individuais homogêneos, que possuem natureza nitidamente individual, pode haver assistência litisconsorcial, conforme dita o artigo 94 do CDC. Há, também, a possibilidade de intervenção do indivíduo naqueles casos em que o direito for tutelável por Ação Popular, que é de le-gitimidade do cidadão e portanto ele está apto a intervir em ação civil pública correlata. GAVRONSKI, 2010, op. cit., p. 247. Outra possibilidade é a assistência simples daqueles que foram lesados pela conduta do réu em ação civil pública, na forma do litisconsórcio facultativo previsto no artigo 50 do CPC.

29 Diz o parágrafo único do artigo 46: “O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão.”

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diversos ramos do conhecimento, e isso implica a participação de diversos peritos em cada área, com a elaboração de pareceres e perícias em cada assunto.

Em juízo, todo esse procedimento é muito formal e truncado, porque segue o sistema legal (do CPC) que prevê uma série de atos no intuito de garantir a ampla defesa e o contraditório. A cada manifestação existe a contradita dos especialistas da outra parte e, se houver mais de uma perícia, o procedimento deverá ser adotado para cada uma delas.

Além disso, uma vez formado o litígio em juízo, cada parte tentará conven-cer o juiz que possui a razão, e os pareceres dos assistentes serão conflitantes em um nível técnico fora do conhecimento do magistrado. Por isso, todo esse embate formal acabará por dificultar ainda mais a identificação e resolução objetiva do litígio coletivo.

Portanto, a complexidade dos temas tratados em ação civil pública pode ocasionar tanto a demora na prestação jurisdicional, como também levar a uma decisão incompatível com o que era necessário à correta tutela do direito postulado.

E ainda que a decisão judicial seja certeira, ela por si só já se encontra limita-da pela lei e pelos pedidos iniciais. Assim, ainda que o juiz seja obrigado a decidir e a suprir eventual lacuna legal, sua margem será sempre muito menor do que aquela conferida às próprias partes. 30 Vinculado ao pedido inicial, o juiz nada poderá fazer se o réu for diligente em garantir que nada seja acrescentado a ele, vedando assim a solução de novos entraves ou problemas que surgirem, sob pena da decisão surgir fora dos limites estabelecidos.

A reparação consensual, entretanto, não encontra essas vedações porque pressupõe a concordância daquele que é apontado como infrator. Por isso, aberta a negociação entre o legitimado à ação civil pública e o candidato a réu, não haverá limite às medidas de reparação ou proteção ao direito em questão. 31

Pode ficar avençada, por exemplo, a construção de um posto de saúde aos trabalhadores de determinada indústria que lesou a qualidade do ar atmosférico de uma região, além é claro da reparação ambiental que seria pedida em qualquer ação judicial.

Aquela primeira medida seria um bônus da tutela extraprocessual porque seria impossível de ser postulada em juízo, ou muito dificilmente seria concedida ali, ao passo que dependendo dos termos da negociação e das vantagens que a em-

30 Como bem aponta Alexandre Gavronski, nosso próprio sistema jurídico veda a imposição de obriga-ção de fazer ou deixar de fazer senão em virtude de lei, e por mais que se amplie o conceito de lei, o alcance da imposição da força pelo juiz será restringido por esta garantia. GAVRONSKI, 2010, op. cit., p. 257.

31 Diz Daniel Fink: “A discussão das condições de modo, tempo e lugar do cumprimento dessas obriga-ções pelos interessados cria horizontes muito mais generosos em termos de alternativas que a compo-sição judicial do conflito.” FINK, Daniel Roberto. Alternativa à ação civil pública ambiental (reflexões sobre as vantagens do termo de ajustamento de conduta). In: MILARÉ, Édis (coord.). Ação civil pública: lei 7.347/1985 – 15 anos. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 135.

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presa poderá ter (visibilidade, popularidade, etc.), é plenamente possível que surja consensualmente.

Esse mesmo raciocínio se aplica aos atuais casos envolvendo o controle judicial das políticas públicas. Essa é uma discussão travada incessantemente no Judiciário, com parte defendendo a possibilidade de controle pelo Judiciário das políticas do Execu-tivo, impondo a este outro poder determinadas ações, e outra parcela pregando que tal medida padece de inconstitucionalidade por ser verdadeira invasão da isonomia entre os três poderes federativos.

Embora a tendência de nossas cortes seja a de permitir esse controle judi-cial de uma forma mitigada, na via consensual, novamente, toda essa problemática some. A negociação direta entre o legitimado e o administrador público sobre a necessidade de adoção de determinadas políticas públicas (criação de mais vagas em creches, repasse gratuito de medicamentos, criação de mais leitos em hospitais, etc.) pressupõe novamente o consenso, e por isso não há que se falar em invasão da autonomia de qualquer dos poderes.

E uma vez apresentado o problema e evidenciada a possibilidade de ação judicial cobrando aquela medida administrativa, a negociação tende a tomar rumo satisfatório na efetivação desses direitos sociais, porque o administrador público tem naturalmente o dever de tomar tais providências, e obviamente não se negará a promover tais ações desde que devidamente alertado sobre a gravidade dos fatos, e respeitadas as condições de tempo e finanças da administração.

Enfim, todas essas questões sumarizam, mesmo que de uma maneira super-ficial, as principais problemáticas da judicialização do conflito coletivo, ainda mais diante do resquício conservador que ainda norteia nosso processo civil.

A conclusão a que pretendíamos chegar é uma síntese de tudo o que foi dito. O que está por trás de todos esses problemas é o ideal liberal de concepção do processo, e por isso trazemos novamente mais uma ponderação contundente de Alexandre Amaral Gavronski: “Qualquer análise minuciosa sobre o rito ordinário revela que ele é, de fato, concebido para potencializar o dissenso, ao invés do con-senso, concentrando no juiz, por meio do confronto das divergências que lhe forem apresentadas, a solução do caso.” 32

Frisamos mais uma vez: todo esse embate formal, rigoroso, e extenso em juízo, com incidentes, perícias, e novos debates, atrasa a prestação jurisdicional e distancia o real problema e suas soluções dos olhos do juiz. Nas palavras de Austin Sarat e Joel Grossman: “Na verdade, uma estratégia comum da judicialização é prolongar e expandir uma disputa em vez de encerrá-la. Frequentemente, a judicia-lização é conclusiva para as partes, mas não para o problema em si.”33

Assim, embora o aparato judicial deva existir, não há dúvidas de que ele merece melhoras, como parte da doutrina vem pregando incessantemente. Mas tam-

32 GAVRONSKI, 2010, op. cit., p. 265.33 GROSSMAN; SARAT, op. cit., p. 1213, traduzido do original.

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bém não foge à razão que métodos extraprocessuais sejam estudados, incentivados e aplicados como auxílio à solução dos conflitos coletivos.

Esse tipo de estudo deve ser empregado na busca de uma evolução propria-mente dita, naquele sentido de renovação (ondas renovatórias do processo) que propuseram Bryant Garth e Mauro Cappelletti, porque a sociedade precisa aprender a resolver de forma mais eficiente os conflitos que são inerentes a ela.

A resolução consensual é uma evolução porque deixa de ser disputa de in-teresses para ser a composição deles. É, em nosso ver, um dos primeiros passos para a hegemonia da regra ética que possibilite a resolução pacífica dos conflitos. Sem querer apresentar uma reflexão com intuitos fantasiosos ou demagógicos, acredita-mos que o raciocínio de Carnelluti34 a respeito dessa evolução social é extremamen-te esclarecedor:

Sempre houve direito, porque a humanidade vem de baixo, mas não existirá sempre, porque ela caminha para o alto. À medida que a regra ética vai ad-quirindo a sua força, o direito perde a pouco e pouco a sua razão de ser. Para obter este fortalecimento, nós temos, por outro lado, meios, e disto precisamos especialmente cuidar. Não nos deve desanimar a extrema lentidão dos resul-tados. Trabalhamos para os séculos futuros. Séculos longínquos, mas séculos certos. A imperfeição inelutável do direito é a prova irrecusável da sua cadu-cidade. A humanidade, não obstante as suas origens se perderem nos tempos, é ainda criança, e o direito tem a seu respeito precisamente a função de um aparelho ortopédico.

Um desses “meios de que precisamos cuidar” é a busca do consenso, da autocomposição. O processo evolutivo do direito é catalisado pelo incentivo a essas técnicas. Buscar a solução extrajudicial significa a superação das intenções egoísti-cas de cada parte, e inevitavelmente homenageia a regra ética de solução do confli-to. É, sem dúvida, “rumar para o alto”. 35

E o principal papel nesta função pacificadora é dos legitimados ativos ao termo de ajustamento de conduta e à ação civil pública. Como não seria crível

34 CARNELUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. Tradução por A. Rodrigues Queiró e Artur Anselmo de Castro São Paulo: Livraria Acadêmica, 1942. p. 92-93

35 Embora sejam atrativas as reflexões de Carnelutti, que também servem para embasar filosoficamente a busca pela evolução da sociedade pelo consenso, devemos analisá-la com parcimônia. A finalidade deste trabalho era a de apresentar uma faceta prática e sob essa perspectiva não podemos deixar a reflexão filosófica isolada. Temos por obrigação dizer que o próprio conceito de moral é problemático e que mesmo que houvesse consenso sobre ele ainda não seria possível medir o progresso moral da hu-manidade por qualquer indicador que seja. Não há comprovação de que estejamos em evolução para a hegemonia da regra ética. O que existe são apenas as reflexões histórico-filosóficas de Carnelutti, Kant, Norberto Bobbio, dentre outros. O que nos é permitido é acreditar nisso e agir, e por isso deixamos a reflexão final de Bobbio sobre essa evolução: “Com relação às grandes aspirações dos homens de boa vontade, já estamos demasiadamente atrasados. Busquemos não aumentar esse atraso com nossa in-credulidade, com nossa indolência, com nosso ceticismo. Não temos muito tempo a perder.” BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 64.

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imaginar que o infrator pudesse de livre e espontânea vontade assumir seu erro e res-taurar ou indenizar o dano causado à coletividade, a atuação destes entes torna-se crucial. Como seria um destes legitimados que “ativaria” o Poder Judiciário no caso de eventual ação civil pública, nada mais coerente que ele mesmo antecipe essa atividade, na tentativa de resolver a questão extrajudicialmente, mais rapidamente e com maior eficácia.

Como dissemos anteriormente, o Judiciário é por natureza reativo e, por-tanto, fica limitado à boa atuação do autor da ação tanto durante o processo como antes dele. Daí que o legitimado deverá agir com zelo e presteza tanto extrapro-cessualmente como em juízo, porque são duas fases que devem ser muito bem escalonadas. A tutela extraprocessual visa à negociação e composição do conflito amigavelmente, mas inevitavelmente ela se utiliza do temor de eventual ação civil pública.

A primeira conduta, portanto, deve ser a de tentar evitar a judicialização e seus os problemas dela oriundos, pois não há razão para levar o problema ao Judi-ciário quando esse ideal puder ser alcançado, em menor tempo e a baixo custo na via consensual. 36

Mas ainda é possível elencar algumas vantagens específicas. O que se vê na prática é que a negociação anterior possui uma enorme capacidade de pôr fim à questão e de resolver o problema na medida do possível. Às vezes nem é necessária a formulação de um TAC, pois em alguns casos o mero início das investigações já é suficiente para a obtenção da reparação ou indenização desejada. É isso o que Alexandre Gavronski 37 atesta com a autoridade de membro do Ministério Público atuante na área:

Frequentemente só a instauração de um inquérito civil ou procedimento ad-ministrativo pelo Ministério Público basta para que o infrator, objetivando evi-tar a condição de réu ou outros transtornos que a atividade ministerial possa lhe causar, corrija espontaneamente sua conduta tornando desnecessária até mesmo a negociação que redundaria em um compromisso de ajustamento de conduta. Este, por sua vez, mais vantajoso por viabilizar a execução judicial das obrigações assumidas e das multas por seu descumprimento, ainda pos-sibilita um debate mais aprofundado sobre as formas de solucionar situações que costumam envolver inúmeras variantes relacionadas a áreas do conhe-cimento estranhas ao direito, bem como interessados outros que não só o

36 Diz Rodolfo Mancuso: “O processo deve operar como instrumento para a pacificação dos litígios com justiça: se esse ideal pode ser alcançado, em menor tempo, a baixo custo, na via consensual, por que prender-se ao fetiche da decisão de mérito, cuja efetividade prática sujeita-se aos percalços da fase jurissatisfativa?” MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural e dos consumidores – Lei 7.347/1985 e legislação complementar. 11. ed. rev. atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 269.

37 GAVRONSKI, Alexandre Amaral. Das origens ao futuro da lei de ação civil pública: o desafio de garantir acesso à justiça com efetividade. In: MILARÉ, Édis (coord.). A ação civil pública após vinte anos: efeti-vidade e desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 32.

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infrator, incluindo membros da sociedade atingidos por sua atividade e que, na via judicial, teriam muito restringida sua possibilidade de intervir no equa-cionamento da situação lesiva.

Afora isso, a resolução pacífica pressupõe a participação efetiva de cada uma das partes. O apontado infrator terá concordado com as medidas impostas, e inevitavelmente antes de assumi-las terá sopesado a possibilidade de cumpri-las. Por isso é muito mais garantido que o avençado no compromisso de ajustamento seja efetivamente cumprido, eis que ambas as partes se sentirão realizadas.38 39

Outra questão importante que torna a solução preventiva mais vantajosa é a da imagem da empresa indicada como infratora. Geralmente o autor do dano é uma sociedade empresária que obviamente tem interesse em manter uma boa ima-gem aos seus consumidores. A existência de uma investigação apontando-a como causadora de danos à coletividade em nada a ajuda, e isso, além de ser um fator incentivador da composição extrajudicial, não deixa de ser um ponto positivo desta medida, já que porá fim às especulações e manifestações exageradas comumente vistas nas coberturas jornalísticas.

Mais um ponto a favor da formulação do TAC é a diminuição dos custos. O acionamento do Judiciário implica gastos com os profissionais do direito e auxilia-res, além dos eventuais peritos. Assim, ainda que alguns destes gastos sejam supor-tados pelo réu, os demais custos para o Judiciário são divididos para a sociedade, e evitá-los sempre que possível beneficiará a todos.

O TAC ainda evita gastos de tempo porque com sua elaboração e homo-logação já se obtém um título executivo sem a necessidade de se ver processada uma ação judicial com citação, resposta, instrução, eventuais impugnações, até se obter uma sentença que ainda assim poderá ser objeto de recurso. Deste modo, ainda que a negociação extrajudicial dure meses, a perda de tempo será conside-ravelmente menor, além de a solução ser melhor na maioria das vezes, como já comentamos.

Deixadas claras as benesses que podem surgir com a investigação pruden-te, a negociação intensa, e a final composição dos conflitos coletivos, bem como elencadas algumas mazelas que podem surgir com a judicialização prematura do conflito, resta comprovar a eficiência da solução extrajudicial, até para indicar em que situações uma ou outra medida mostra-se mais adequada. 40

38 No dizer de Daniel Fink, não haverá trauma nesta solução, pois ela não será contra a sua vontade, mas pela sua vontade. FINK, op. cit., p. 132.

39 Diz Galanter: “participation in settlements induces a feeling of accomplishment and control.” GALAN-TER, 1985, op. cit., p. 13.

40 Gavronski enfatiza essa circunstância e apresenta seu trabalho com o objetivo de auxiliar os entes le-gitimados a sair desse impasse. Diz o autor: “Somente o confronto das limitações das duas vias diante do caso concreto indicará qual a opção mais adequada a ser adotada em prol da efetividade da tutela coletiva naquela específica situação. Essa é uma responsabilidade do legitimado coletivo para cuja desincumbência pretendemos colaborar.” GAVRONSKI, 2010, op. cit., p. 235.

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CONCLUSÃO: A SOLUÇÃO DE CONFLITOS COLETIVOS NA PROMOTORIA DE JUSTIÇA DE SERRANA/SP

No período de 2009 a 2011 acompanhamos os procedimentos instaurados pelo Mistério Público de São Paulo, na comarca de Serrana, e com a devida autori-zação do Excelentíssimo Promotor de Justiça Dr. Paulo César de Souza Assef, colhe-mos os dados que embasam nossa argumentação. 41

Até o dia 30 de setembro de 2011 constavam 58 procedimentos administra-tivos naquela Promotoria de Justiça. Os casos mais comuns eram os de Improbidade Administrativa que totalizaram 64% (37 dos 58 procedimentos).

Acreditamos que essa hegemonia absoluta dos procedimentos instaurados para apurar atos de improbidade tenha sido ocasionada pela existência do Tribu-nal de Contas, que tem como atribuição justamente apreciar a contabilidade dos administradores. Esse órgão externo, portanto, mostrou-se um diferencial nesse ramo de interesses, embora as apurações fossem demoradas e nem sempre ade-quadas em suas conclusões. Também pensamos ter ajudado esse alto índice o fato dos conflitos políticos sempre levarem a representações de um partido contra os desafetos da oposição, intensificando a “patrulha” por irregularidades que nem sempre eram constatadas.

Em segundo lugar vinham os procedimentos instaurados para apurar lesões ao meio ambiente, que totalizaram praticamente 19% do total (11 dos 58 proce-dimentos). Em terceira posição se encontravam os procedimentos para apuração de lesões referentes à habitação e urbanismo da cidade, com 8% do total (5 de 58 procedimentos), seguidos daqueles relacionados aos direitos do consumidor que somaram 7% (4 de 58 procedimentos). Finalmente, em último lugar neste quadro quantitativo ficou o único procedimento instaurado para defesa das fundações no município (2%).

Mas nem todos esses 58 foram inteiramente apreciados. Os procedimentos em questões ambientais, por exemplo, lideraram o montante daqueles que sequer foram analisados pela Promotoria de Serrana. Nove dos onze procedimentos am-bientais foram remetidos de pronto à Promotoria Regional do Meio Ambiente, criada para sistematizar a atuação ministerial estadual nesta seara.

Analisando mais amplamente esta circunstância vemos que do total de 58 procedimentos, doze não tiveram seu mérito analisado de pronto. Além dos nove que foram enviados à Promotoria Regional do Meio Ambiente, outro ambiental foi enviado ao Ministério Público Federal em razão da competência. Dos outros dois que não foram apreciados, um foi em razão de suspeição do Promotor de Justiça e outro trazia conteúdo já analisado em outro procedimento.

41 A pesquisa foi apresentada junto à Universidade Estadual Paulista como parte da tese final de conclusão de curso, que obteve aprovação com nota máxima. BONAMETTI, Thiago Nemi. A eficácia da transação na solução de conflitos coletivos. Dissertação para obtenção do grau de bacharel em direito pela Uni-versidade Estadual Paulista, Franca, 2011.

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Já alguns outros procedimentos ainda seriam analisados, pois eram recentes e se encontravam em fase de apuração. Esses seis casos em andamento também não possuíam análise de mérito e por isso também não os utilizaremos nas análises qualitativas. Desconsideraremos também três procedimentos que foram arquivados porque eventual ação judicial encontrava-se prescrita e que, em razão disso, embora a demora não tenha sido ocasionada pelas investigações do Parquet42, sequer foi analisada a ocorrência ou não de lesão.

A quantificação dos procedimentos por tema feita no início não fica comprometida pelo fato de nem todos os procedimentos ali computados terem sido analisados efetivamente, já que apenas somamos a quantidade de recla-mações por segmento de interesse coletivo, e não a quantidade de problemas efetivamente constatados e regularizados. Para análises mais profundas é que deveremos tomar cuidado com esses dados totais. As ponderações feitas a se-guir seriam influenciadas por esses procedimentos não analisados ou ainda não finalizados.

Cientes disso e para possibilitar uma análise mais realista é que focaremos nos procedimentos que foram definitivamente investigados por aquela Promotoria de Justiça e que concomitantemente já foram encerrados, seja por terem sido arqui-vados, seja por terem acompanhado uma ação civil pública. Só assim poderemos saber efetivamente quantos problemas foram constatados, quantos foram resolvidos, e como se deu essa solução.

Como tínhamos 58 procedimentos cadastrados e retiramos 12 que de pronto não foram analisados, além de seis que estão em andamento, e de três que foram arquivados, pois eventual ação correspondente estava prescrita, ficamos com 37 procedimentos. Esses procedimentos efetivamente tiveram seu mérito apreciado sem serem vítimas da prescrição e já foram finalizados, e por isso integram os que foram efetivamente computados para as análises pormenorizadas.

Dentro desse universo de 37 procedimentos a autoridade ministerial não en-controu violação a interesses coletivos em 18 deles. Evidenciou-se lesão a interesses coletivos, entretanto, em 19 destes procedimentos analisados.

Dos que apresentavam problemas coletivos inicialmente já podemos desta-car que em seis a irregularidade foi sanada sem qualquer providencia maior, seja TAC ou Ação Civil Pública. Nesses casos, o próprio infrator aceitou reparar a situ-ação que causara após ser comunicado do problema e das razões que embasavam a apuração.

Vejamos como exemplo os procedimentos relativos a danos ao erário pela administração pública. Após a análise jurídica de alguns desses casos constatou-se que realmente havia dano. Mas nem foi necessário formular TAC em grande parte

42 Dos três procedimentos que foram arquivados por prescrição, um chegou após lenta investigação do Tribunal de Contas do Estado e outro resultou de ofício da Justiça do Trabalho remetido somente após o julgamento de longa ação trabalhista decorrente dos fatos.

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deles, porque a autoridade pública recompôs o dano espontaneamente. Foi o que aconteceu no procedimento 003/03 em que restou comprovado que a Câmara Mu-nicipal aprovou lei violando a Constituição Federal ao conceder revisão dos subsí-dios dos parlamentares municipais.

Tão logo noticiado o fato ao Ministério Público, foi pedida a suspensão dos pagamentos durante a apuração, o que foi acatado e então, em análise mais aprofundada, chegou-se à conclusão que os valores pagos eram inconstitucionais, pois se tratavam de reajuste salarial e não mera revisão inflacionária. Informado o fato à câmara, os valores indevidamente recebidos foram integralmente resti-tuídos, no total de R$ 7.168,80. Em seguida, uma vez que a matéria era de alta complexidade e podia levar a interpretações erradas, bem como que os valores foram devolvidos ao erário, foi o feito arquivado por não se evidenciar má-fé na aprovação legislativa.

Alguns poderiam dizer que nesses casos envolvendo improbidade adminis-trativa não poderia ter havido negociação nem solução extrajudicial por expressa vedação legal. É verdade que a Lei no 8.429 impede, em seu artigo 17, par. 1o, qual-quer tipo de transação nas ações disciplinadas ali. Todavia, devemos entender que essa vedação intenta atingir tão somente as punições previstas ao agente a quem se imputa a improbidade.

As penalidades previstas na legislação realmente não podem ser objeto de disponibilidade transacional porque se estaria inutilizando a via judicial e deixando--se de aplicar a penalidade. Quanto à recomposição do erário, entretanto, não há razão para a criação de qualquer impasse na solução extrajudicial, pois esse pedido seria feito mesmo na ação civil, e seria até um contrassenso impedir o infrator de recompor seu dano espontaneamente.

Não seria possível, de outro lado, barganhar a recomposição do dano sob a promessa de deixar de propor a ação de improbidade, o que efetivamente não foi fei-to. O que ocorreu foi a não constatação de má-fé ou dolo dos agentes públicos, e por isso a hipótese de improbidade foi descartada nesses casos. Se tivessem sido observa-dos atos de improbidade, outra alternativa o Promotor de Justiça não teria tido senão propor a competente ação para os fins de aplicar a penalidade ao administrador.

Por esse exemplo e pelos outros casos em que a reparação espontânea ocor-reu é que podemos dizer que a grande monta de arquivamentos sem qualquer pro-vidência não reflete uma comarca sem conflitos coletivos. Reflete, em verdade, o poder que apenas a instauração do inquérito civil pode ter na solução desses pro-blemas. Com uma investigação bem apurada e uma boa comunicação negocial com o apontado infrator, a mera constatação formal da irregularidade pode levar à reparação consensual.

E além desses seis casos resolvidos sem qualquer providência formal, temos três casos resolvidos integralmente por TAC. Assim, o panorama que temos é que dos 19 procedimentos em que foi constatada irregularidade, nove foram resolvidos de forma consensual (6 espontaneamente e 3 por meio de TAC).

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E essa conta não considera dois procedimentos que ainda estão em anda-mento conjunto (apensados) e que foram resolvidos por TAC ainda em cumprimento dentro do prazo. E desconsidera também um TAC que foi quase que inteiramente cumprido, com exceção de uma licença que não foi concedida pelo órgão compe-tente, o que forçou o infrator a ajuizar ação para obtê-la. E, finalmente, está fora da conta um outro compromisso de ajustamento que foi apenas parcialmente cumprido e foi ajuizada ação civil pública requerendo esta parcela faltante.

Todos esses casos totalizam quatro Termos de Ajustamento que foram cum-pridos parcialmente e por não ter havido reparação integral foram desconsiderados. Feita a ressalva, relembramos que o panorama real é que nove dos dezenove pro-cedimentos em que se constatou dano coletivo foram resolvidos consensualmente sem processo (47,3%).

O que temos até o momento então são dezenove conflitos coletivos, dos quais nove já foram resolvidos e existem dois TACs ainda em prazo de cum-primento. Sobram então oito procedimentos carentes de solução. Estes oito re-presentam os casos que foram judicializados, e deles, só dois foram resolvidos definitivamente.

Em defesa do consenso é importante ressaltar que esses dois casos solucio-nados em juízo também foram beneficiados indiretamente pela negociação bila-teral. Um deles se tratava de execução de TAC cumprido parcialmente e houve o pagamento devido em juízo. Já o outro foi resolvido por transação em juízo.

Nesses dois casos judicializados, portanto, a negociação também foi impor-tante. Um, pois, foi a formulação extrajudicial do TAC que possibilitou a execução direta da obrigação, e o outro porque foi a mediação em juízo que garantiu a resolu-ção do problema. Daí ser seguro dizer que onze procedimentos foram beneficiados pelo consenso.

A importância da negociação fica ainda mais evidente se observarmos os casos judicializados. Eles totalizaram oito, sendo seis ações de conhecimento e duas execuções de TAC. Como já dissemos, uma ação de conhecimento foi resolvida por transação, e uma execução de TAC foi adimplida sem julgamento (casos que consi-deramos como benefício indireto das negociações extrajudiciais).

Sobram então seis casos judicializados (cinco de conhecimento e uma exe-cução de TAC). Com foco apenas nesses seis casos (dentre os oito judicializados), a análise da efetividade é horrenda: não há sequer um resultado com decisão efetiva. Uma execução de TAC ainda não obteve êxito e as outras cinco ações de conheci-mento ainda estão em andamento. Duas dessas ações, embora tenham sido julgadas em primeira instância, a decisão não transitou em julgado. Então, todas essas ações que iniciaram a tramitação entre 2003 e 2006 ainda não possuem qualquer tipo de sentença definitiva.

Diante destas informações fica fácil comparar os dois métodos de solução. Dos 19 casos em que foi constatada lesão coletiva, seis foram resolvidos espontaneamente, só com a comunicação e negociação com o infrator. Outros três foram resolvidos

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integralmente por TAC, e dois estão em cumprimento de TAC, ainda dentro do pra-zo. Com isso, relembramos novamente que nove foram resolvidos consensualmente sem qualquer processo, e adicionamos dois que provavelmente comporão este nú-mero (TACs em andamento).

A taxa de solução extrajudicial, incluindo os dois procedimentos que pro-vavelmente serão integralmente cumpridos, é de 57,9% (11 em 19). Mas mesmo se quisermos ser realistas (ou pessimistas), e tirarmos esses dois procedimentos com TAC em cumprimento, a taxa de solução é de 47,3% (9 em 19), como já havíamos dito.

O único benefício que vimos na judicialização, portanto, foi naqueles dois casos citados, um em que houve transação judicial, e outro em que houve o paga-mento do título executivo. E ainda assim a negociação extrajudicial (TAC) e judi-cial (transação) foi importante para a solução. De resto, a tutela judicial se mostrou ineficaz, ao menos num período de oito anos de espera (desde 2003). É que nesse período, como já falamos, das cinco ações de conhecimento só duas foram julgadas, e como não há sentença com trânsito em julgado não se pode considerar qualquer benefício aos interesses coletivos ali tutelados.

Em virtude da pequena monta de procedimentos judicializados se torna te-merosa qualquer análise da duração desses processos, mesmo porque em nenhum deles houve sentença definitiva impondo a obrigação ao apontado infrator ou jul-gando improcedentes os pedidos iniciais. Não é possível, portanto, fazer uma média do tempo que esses processos demoraram, pois eles ainda serão decididos.

Já a análise do tempo que demorou a se alcançar a solução consensual é mais viável. Comecemos pelos casos resolvidos espontaneamente pelo infrator. A média de tempo para que se alcançasse a solução consensual informal, ou seja, sem a formulação de TAC, foi de aproximadamente seis meses. De outro lado, transcor-reu em média 25 meses para que se alcançasse a solução por meio de TAC.

Mas devemos fazer a ressalva de que o tempo médio por TAC levou em con-sideração apenas três procedimentos que foram cumpridos integralmente por este método sem necessidade de intervenção judicial, e que um deles era extremamente extenso e previa a instalação de diversos prédios e contratação de funcionários es-pecializados para o controle da potabilidade da água do município.

De qualquer maneira, desses dados temporais podemos evidenciar que quando surge a solução espontânea ela é muito rápida (cerca de 180 dias), o que já era de se esperar, uma vez que há a colaboração quase que imediata do apon-tado como causador do dano. Mas mesmo a solução por meio de compromisso (TAC) pode ser tida como rápida (cerca de 25 meses) se levarmos em consideração as grandes complicações que quase sempre envolvem os conflitos coletivos e a necessidade de ser discriminado detalhadamente tudo quanto for necessário à solução do problema.

Compilando toda a análise podemos finalmente concluir que a negociação com o infrator é de suma importância à efetividade dos interesses coletivos. Afinal,

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foi graças à atuação mediadora do membro do Ministério Público naquela comarca que praticamente metade das irregularidades foi sanada, ou mais, se fizermos aquela conta promissora em vista de procedimentos com TAC em andamento e a transação judicial que foi também obtida.

Mas a par dessa atuação eminentemente ativa em busca da solução bilateral e rápida, cuja eficiência comprovou nossa argumentação teórica, aquela Promotoria de Justiça mostrou alguns casos práticos que indicam um padrão interessante de atuação.

Parte do sucesso das apurações partiu do foco daquela Promotoria em pro-blemas relevantes e significantes, buscando sempre saber se na prática havia lesão a interesse coletivo. Isso melhorou a defesa dos direitos coletivos porque restringia o espectro de atuação e permitia a análise em concreto da existência de lesão.

Em alguns casos até se via alguma irregularidade no início das investigações, mas com uma percepção mais sensível à realidade logo se via que não ocorrera prejuízo e, portanto, o feito era arquivado. Esse critério razoável foi muito aplicado nas questões em que se investigava improbidade administrativa, porque no mais das vezes se evidenciava boa-fé do administrador e aniquilava qualquer interesse em reparação ou indenização.

O procedimento no 007-05 exemplificou isso. Ali restou evidenciado gasto irregular de R$ 4.000,00 pela Prefeitura de Serrana-SP com recursos do FUNDEF (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). Todavia, na mesma investigação se constatou que a Prefeitura deixou de utilizar os recursos do FUNDEF para despesas que poderiam ser retiradas dali, segundo a legislação, economizando cerca de R$ 100.000,00. Por isso, não houve prejuízo qualquer naquele caso. Ao contrário: a administração municipal gerou eco-nomia de aproximadamente R$ 96.000,00 àquele fundo.

A título ilustrativo é que trazemos também o ocorrido no procedimento no 002-04. Ele exemplifica bem a questão da análise que cada ente legitimado deve fa-zer antes de ingressar em juízo. Nesse procedimento em específico foi reconhecida a existência de lesão a interesses individuais homogêneos, mas que não refletiam interesse público que legitimasse a atuação Ministerial e, por isso, não houve atua-ção, sem prejuízo de ações individuais. A autoridade se autoimpôs um filtro a fim de evitar adentrar questões mais individuais do que coletivas e, assim, agir fora de suas atribuições constitucionais.43

43 O procedimento foi instaurado para apurar possível lesão aos sócios da empresa “Universal Ecologycal Park – Lazer e Turismo Ltda.”, porque houve alteração no dispositivo do estatuto social que isentava os sócios de qualquer contribuição a título de manutenção e conservação patrimonial. Passou a ser cobrada quantia para este fim, então, porque a empresa passava por dificuldades financeiras. Todavia, embora reconhecida a violação ao direito adquirido dos sócios que integraram a sociedade antes da modificação, o feito foi arquivado por não se evidenciar interesse público na defesa desses interesses, que são de natureza individual de alguns poucos sócios.

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Passados estes exemplos que corroboram nossa argumentação teórica, e após termos analisado o funcionamento prático de um dos legitimados à tutela coletiva, podemos definitivamente atestar que a mediação de conflitos coletivos é promissora e permite a solução rápida e sem mácula ao interesse material.

Por isso que, sem pregar a extinção do processo judicial, devemos incen-tivar a composição de conflitos coletivos e defender uma proatividade nesse sen-tido. Isso implica a orientação dos profissionais atuantes na área, seja em qual ente legitimado for, e o convencimento de que a resolução consensual pelo ente legitimado pode ser muito mais eficiente do que a batalha praticamente infindável no Judiciário.

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Submetido: 03/12/2012

Aceite: 21/01/2013