da sala de estar para a sala de...
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FUNDAO JOAQUIM NABUCO
DIRETORIA DE FORMAO E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
JOSEMAR MEDEIROS DA SILVA
DA SALA DE ESTAR PARA A SALA DE AULA: novelas como recurso didtico para os estudos de gnero no ensino mdio
Recife 2016
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JOSEMAR MEDEIROS DA SILVA
DA SALA DE ESTAR PARA A SALA DE AULA: novelas como recurso didtico para os estudos de gnero no ensino mdio
Trabalho de concluso de curso, apresentado Fundao Joaquim Nabuco, como parte das exigncias para a obteno do ttulo de Mestre em Cincias Sociais. Orientador: Prof. Dr. Alexandre Zarias Co-orientador: Prof. Dr. Robson da Costa de Souza
Recife 2016
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FOLHA DE APROVAO
S586d Silva, Josemar Medeiros da Da sala de estar para a sala de aula: novelas como recurso didtico para
os estudos de gnero no Ensino Mdio/Josemar Medeiros da Silva. Recife: O Autor, 2016.
Dissertao de Mestrado (Mestrado Profissional em Cincias Sociais para
o Ensino Mdio) Fundao Joaquim Nabuco, Recife 1.Educao, Ensino Mdio, Gnero. I. Zarias, Alexandre. II. Souza,
Robson da Costa de. III. Ttulo CDU 373.5
CDU 396(81)
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s mulheres que fizeram (fazem) parte da minha histria: minha vozinha Gercina (in memorian), minha me Laudice e minha tia Lindacy.
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Maria, Maria um dom, uma certa magia
Uma fora que nos alerta Uma mulher que merece
Viver e amar Como outra qualquer
Do planeta
Milton Nascimento
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AGRADECIMENTOS
Sempre a minha me, Laudice Maria, por me apoiar e estar ao meu lado em minhas
escolhas, por ser um exemplo da capacidade que o ser humano, sobretudo como mulher, lutar
em meio a complexas e exaustivas dificuldades dirias. E por seu belo e singelo modo de me
amar.
Ao meu professor orientador Alexandre Zarias pela confiana depositada em mim, e
por sua forma pedaggica em me tirar da zona de conforto, fazendo com que eu possa
enxergar melhor o conceito da palavra possibilidade. Aproveito o ensejo e externo votos de
gratido ao co-orientador Robson da Costa de Souza, que mesmo chegando nos ltimos meses
da minha saga dissertativa, contribuiu ricamente na finalizao deste trabalho de concluso de
curso.
Diretoria de Formao e Desenvolvimento Profissional da Fundao Joaquim
Nabuco e Fundao de Amparo Cincia e Tecnologia do Estado de Pernambuco
(FACEPE), pela concesso de bolsa de estudo que possibilitou o desenvolvimento desta
pesquisa.
professora Fabiana Lima, que me acolheu como amigo e me ajudou na definio do
campo de pesquisa deste trabalho. professora Patrcia Bandeira de Melo e ao professor
Wilson Fusco, pelo estmulo e dedicao de leitura no incio da pesquisa bibliogrfica. E
ainda, s professoras Isolda Belo da Fonte e Celma Fernanda Tavares de Almeida e Silva,
pelas contribuies significativas no momento do exame de qualificao.
Gostaria de agradecer aos colegas de ps-graduao pelo convvio agradvel ao longo
das disciplinas. Agradeo especialmente a Anderson Felipe, que esteve junto comigo nas
viagens para congressos.
Ao amigo Mestre e Doutorando em Histria, Jnatas Xavier de Souza, que me
incentivou inicialmente a tentar adentrar neste mundo to cheio de possibilidades que o
mestrado.
Agradeo tambm as professoras que me receberam com ateno e apreo nas escolas
em que me propus aplicar e avaliar a sequncia didtica objeto desta dissertao: Judimar
Teixeira, da EREM Padre Osmar Novaes; Carla Arajo, da EREM Professor Cndido Duarte
e Laura, da EREM Porto Digital.
A meus familiares, amigos e amigas que acreditaram em mim e incentivavam atravs
de demonstrao de carinho, orgulho e ateno. Nos momentos de descontrao, perguntavam
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como estava minha pesquisa, demonstrando interesse no assunto com indagaes e elogios.
Expresso minha gratido especial a Roberta Kelly, colega de trabalho que se tornou amiga e
confidente, que me ajudou na traduo do resumo deste trabalho.
A minha tia Lindacy Medeiros, que me deu amor e cuidou de mim, junto com minha
me. Obrigado tia Linda por congratular comigo as minhas conquistas, que se tornam nossa
conquista.
A minha av Gercina Ferreira Medeiros (in memoriam) que do seu jeito peculiar, nos
seus ltimos momentos, demonstrou orgulho em ter seu neto explorando o mundo do saber.
E por ltimo, mas no menos importante, a Deus, o Criador. Que toda honra e glria
seja dedicada a Ele, porque dEle, e para Ele so todas as coisas.
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RESUMO
Este trabalho de concluso de curso apresenta uma anlise da execuo de uma sequncia didtica com contedo voltado aos estudos de gnero no ensino mdio. Trabalhou-se com trechos de novelas com o objetivo de proporcionar um espao no qual possam ser discutidas as experincias vivenciadas pelo corpo discente e docente em seu cotidiano com temticas que tm, por base, os conceitos a respeito das questes de gnero, especificamente, na perspectiva da autonomia feminina nos campos poltico, econmico e fsico. Optou-se em delimitar esta avaliao num projeto de interveno em escolas de Pernambuco que possuam em sua prtica pedaggica a vivncia e constituio de Ncleos de Estudos de Gnero e Enfrentamento da Violncia Contra a Mulher. Metodologicamente, adotou-se a pesquisa qualitativa, tendo como ferramentas de obteno de dados a entrevista semi-estruturada. Esta experincia didtica justifica-se pela importncia de trabalhar temticas de gnero como instrumentos de reflexo em torno das relaes sociais, utilizando a sala de aula como espao de discusses e lutas por direitos como uma das formas de exerccio da cidadania. Os resultados apontam que as discusses acerca das relaes de gnero so vistas por alunas e alunos do ensino mdio como caminhos para pleitear uma sociedade mais justa e igualitria. No entanto, perceptvel a necessidade da formao, disponibilidade e interesse de professoras e professores e o apoio da escola para um trabalho voltado para a temtica. Palavras-chave: Ensino Mdio. Gnero. Novela. Sociologia.
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ABSTRACT
This dissertation presents an analysis of the execution of a didactic sequence with content focused on gender studies in high school. We worked with excerpts from novels with the aim of providing a space in which the experienced by the student body and teacher in their daily routine can be discussed with themes that are based on the concepts regarding gender issues, specifically in the female autonomy perspective, in the political, economic and physical fields. It was decided to delimit this evaluation of a project of intervention in schools of Pernambuco that have in their pedagogical practice the experience and constitution of Centers of Studies of Gender and Confrontation of Violence Against Women. Methodologically, we adopted the qualitative research, having as data collection tools semi-structured interviews and participant observation. It is justified by the importance of studying gender in height schools, since gender is one of the most common ways of naturalizing inequality. Thus, this study emerges as a tool for reflection on gender relations, using the classroom as a space for discussions and struggles for rights as one of the ways of exercising citizenship. The results show that the students discussions about gender relations in the classroom are ways to plead for a more just and egalitarian society. However, is perceptible the need for the training, availability and interest of the teachers and the support of the school for a work focused on the theme of gender. Keywords: Heigh School. Gender. Soap opera. Sociology.
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SUMRIO
1. INTRODUO 11
2. O QUE A PESQUISA? 15
3. ESTUDOS DE GNERO 21
3.1 A ESCOLA COMO ESPAO PARA AS QUESTES DE GNERO 28 3.2 A QUESTO DE GNERO NOS DOCUMENTOS OFICIAIS 31
4 DA TELEDRAMATURGIA PARA A SOCIOLOGIA: NOVELAS COMO RECURSO DIDTICO 37
4.1 SEQUNCIA DIDTICA UTILIZANDO A NOVELA COMO RECURSO METODOLGICO PARA OS ESTUDOS DE GNERO 42 4.2 AUTONOMIA FSICA 44 4.3 AUTONOMIA ECONMICA 48 4.4 AUTONOMIA POLTICA 52
5 DA TEORIA PRTICA: A PESQUISA DE CAMPO 57
5.1 METODOLOGIA ADOTADA PARA A PESQUISA DE CAMPO 57 5.2 CARACTERIZAO DAS ESCOLAS CAMPO DE PESQUISA 59 5.3 CONTEXTUALIZANDO A APLICAO DA SEQUNCIA DIDTICA 63 5.3.1 A PESQUISA DE CAMPO NA EREM PADRE OSMAR NOVAES 63 5.3.2 OS QUESTIONRIOS DA EREM PADRE OSMAR NOVAES 67 5.3.3 A PESQUISA DE CAMPO NA EREM PROFESSOR CNDIDO DUARTE 72 5.3.4 OS QUESTIONRIOS DA EREM PROFESSOR CNDIDO DUARTE 79 5.3.5 A PESQUISA DE CAMPO NA EREM PORTO DIGITAL 85 5.3.6 OS QUESTIONRIOS DA EREM PORTO DIGITAL 88 5.4 ANLISE DOS RESULTADOS 97
ANEXOS 113
APNDICE 127
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1. INTRODUO
Ao refletir sobre a escolha do tema gnero para a redao desta dissertao ficaram
mais claras algumas questes desse campo de estudos no que diz respeito a minha trajetria
afetiva, educacional e profissional como aluno e tambm como professor do ensino mdio.
Os livros didticos que me educaram, na dcada de 1980, apresentavam um modelo de
famlia nuclear, com pai, me e filhos, que no me representava, da mesma forma que a ideia
do pai provedor no fazia parte da minha vivncia familiar. Minha experincia de vida era
diferente do modelo familiar considerado natural nos materiais educacionais.
Meu crescimento partiu de um lar composto por me, tia e irmos: um mais velho e
outro mais novo. Minha me era a provedora e minha tia cuidava de mim e dos meus irmos.
Assim, o meu amor, admirao, proteo e respeito era partilhado entre as duas pessoas
adultas presentes em minha casa, ou seja, duas mulheres.
Apesar de ter contato com o meu pai, geralmente nos finais de semana, no o via como
meu protetor. Essa funo era ocupada por minha me. Tinha-o como mais um parente, assim
como temos tios, primos e avs.
O valor culturalmente imposto ao papel do pai estabelecido pela sociedade no se
enquadrava a minha realidade. Mesmo no entendendo o que fazia com que eu pensasse
assim, no me sentia menos protegido em ter minha me assumindo um papel que a sociedade
impunha ser do homem, do pai.
Outro ponto que recordo e que envolveu meu ambiente escolar eram as chamadas
reunies de pais e mestres. Para uma criana de at oito anos de idade, no clara a ideia do
que seja mestre. Mas, para mim, na poca, a ideia de reunio de pais seria uma reunio
apenas com os pais, os homens, e no seria necessria a participao da minha me.
E ainda tinha outra situao no meio familiar que ia de encontro aos ditames
normativos da sociedade que atribua o poder figura paterna e que considero contribuinte
para a formao da minha identidade social. Nos finais de semana ou em datas comemorativas
convidativas para serem comemoradas com os familiares, tais como os feriados dos meses de
dezembro, Dia das Mes, Dias dos Pais ou aniversrio de algum parente, minha me nos
levava para casa de nossa av. Assim ela dizia: amanh vamos para casa de me.
Mesmo minha av vivendo com meu av, eu tinha em mente que a casa era dela. E o
temperamento natural de minha av, apesar de fisicamente ser pequena e magrinha, fazia com
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que ela crescesse aos nossos olhos, pois ela possua uma autoridade que fazia com que todos e
todas (filhos e filhas, netos e netas) temessem contrari-la. At mesmo o meu av, quando
estvamos (eu, irmos, primos e primas) fazendo algo que poderia ter a reprovao dela,
dizia: se av de vocs v isso, vai dar certinho! Assim, vendo um casal vivendo na mesma
casa, eu ainda enxergava uma mulher com autoridade. Em contrapartida, via nas telenovelas,
ouvia nas conversas do cotidiano e nos discursos da escola e professados na igreja que essa
funo era atribuda ao homem da casa.
Foi nesse contexto que percebi, hoje como professor do ensino mdio, a reproduo de
tudo que vivi como aluno. A distino de papis sociais presentes, tanto nos professores e nas
professoras, como nos estudantes e nas estudantes. A autoridade de convocar o pai para expor
o aluno que est dando problema na escola. A conivncia de o aluno ser mais popular e a
presso da aluna ser mais contida. E, ainda, a negao em perceber a pluralidade de gnero.
Essas inquietudes, essa busca de incluir meu modelo de famlia, de ter sido e est
sendo provido e protegido por mulheres, esse estranhamento de atribuir ao homem o poder de
comando, faz-me acreditar que, inconsciente e ao mesmo tempo conscientemente, levou-me a
desenvolver este trabalho com prticas educativas em torno da temtica de gnero.
Senti-me no dever, na funo de professor, dar luz temtica de gnero por ainda
perceber nos discursos, tanto de colegas de trabalho, quanto pelos alunos e alunas, uma viso
da permanncia do modelo de famlia nuclear, na qual ainda so vistas como diferentes as
pessoas que no se enquadram no modelo de famlia padro.
O tratamento diferenciado dado ao aluno e aluna, a dificuldade dada aos clculos das
disciplinas de exatas, visto como obstculos para as alunas e o tabu dos alunos no se
identificarem com as disciplinas da rea de humanas so resqucios das questes de gnero
que permanecem presentes nos corredores da escola e nas salas de aula.
A sequncia didtica aplicada ao longo da pesquisa contribuiu na perspectiva de
explorar os estudos de gnero a partir de algumas prticas escolares, utilizando como recurso
a atividade pedaggica a partir das situaes de vida retratadas nas telenovelas, permitindo
uma reflexo em torno das questes de gnero.
A execuo desta proposta iniciou-se no ms de agosto de 2014, envolvendo,
principalmente, encontros presenciais com o orientador; levantamento bibliogrfico e
pesquisas de materiais audiovisuais, especificamente, as telenovelas.
Com relao ao aspecto metodolgico, optou-se relacionar reflexes de cunho terico
a partir de uma bibliografia especializada em estudo de gnero, Sociologia e mtodos de
utilizao de recursos audiovisuais para a construo do objeto de pesquisa, visando
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desenvolver uma sequncia didtica a ser trabalhada nas escolas que possuam Ncleos de
Estudos de gnero e Enfrentamento da Violncia contra a Mulher em trs Escolas de
Referncia em Ensino Mdio (EREMs) da regio metropolitana de Recife, capital de
Pernambuco.
Os ncleos de estudos de gnero e enfrentamento da violncia contra a mulher foram
criados pela Secretaria da Mulher de Pernambuco, em 2010, com objetivo de desenvolver e
capacitar agentes multiplicadores em torno da temtica de gnero. Os ncleos so espaos de
desenvolvimento de propostas e contedos pedaggicos em que os estudos de gnero so o
enfoque, contribuindo para a reduo das desigualdades sociais que existem entre homens e
mulheres nas mais diversas esferas.
O segundo captulo descreve a estrutura deste trabalho de concluso de curso. Intitulado
O que a pesquisa?, apresenta seu desenvolvimento, a escolha do tema e a organizao da
sequncia didtica, justificando o motivo de utilizar as aulas do ensino mdio como espao
privilegiado de produo do conhecimento. Ainda traz as fontes tericas que contriburam
para a composio da pesquisa.
O terceiro captulo Estudos de Gnero discorre sobre a base terica escolhida para a
composio deste trabalho de concluso de curso, da qual se destacam Joan Scott (1995), que
atribui ao conceito de gnero a condio de categoria analtica e, tambm, o estudo
desenvolvido pela Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe (CEPAL) que
aponta a autonomia fsica, econmica e social da mulher para a conquista de uma equidade de
gnero. Assim, possvel fazer um recorte sobre gnero em duas perspectivas, uma terica e
outra instrumental, respectivamente, permitindo instrumentalizar as questes levantadas por
Scott a partir dos dados apresentados pelo estudo da CEPAL.
Ainda, no mesmo captulo, h uma abordagem sobre a escola como espao para as
questes de gnero, destacando-se a importncia de discutir essa temtica dentro do mbito
escolar. Para tanto, o texto dialoga com as ideias de Guacira Louro (2010) cujos escritos
buscam apresentar a necessidade e a importncia da insero dos estudos de gnero dentro do
mbito escolar, tornando-se imprescindveis para essa pesquisa. Encerrando esse captulo, so
verificados documentos oficiais a fim de observar como as polticas pblicas tratam as
questes de gnero, especificamente, as polticas pblicas educacionais, e de como pode ser
trabalhado, no ensino mdio, os contedos pertinentes s relaes de gnero, tomando como
referencial terico os documentos oficiais.
O quarto captulo faz uma recontextualizao da teledramaturgia para a sociologia:
novelas como recurso didtico apresentando uma sequncia didtica em que se utiliza a
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telenovela como recurso metodolgico para os estudos de gnero com enfoque na autonomia
fsica, autonomia econmica e autonomia poltica, de modo a instituir o gnero como
categoria til relacionando-os aos smbolos, aos conceitos normativos, noo do poltico e
identidade subjetiva; distines essas desenvolvidas por Scott (1995). Para isso, apresenta
uma breve descrio do surgimento da telenovela no Brasil, buscando no se esgotar em
dados histricos, mas apenas situar o leitor e a leitora em relao justificativa da escolha da
telenovela como instrumento didtico.
E por ltimo, o quinto captulo apresenta os resultados da aplicao e da avaliao da
sequncia didtica desenvolvida nas trs escolas de ensino mdio visitadas. Em primeiro
lugar, contextualiza-se o espao escolar de cada uma delas para que, em seguida, sejam
analisados os resultados desta experincia a partir da perspectiva de alunas e alunos
participantes da atividade proposta.
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2. O QUE A PESQUISA?
Este trabalho de concluso de curso Da sala de estar para sala de aula: novelas como
recurso didtico para os estudos de gnero nas aulas do ensino mdio compreende uma
pesquisa composta pela proposio e anlise de uma sequncia didtica que adota uma
perspectiva sociolgica contribuindo para os estudos de gnero.
Para a definio da sequncia didtica buscou-se apoio em Zabala, que a define como
um conjunto de atividades ordenadas, estruturadas e articuladas para a realizao de certos
objetivos educacionais, que tem um princpio e um fim conhecidos tanto pelos professores
como pelos alunos (ZABALA, 1998, p.18).
Para o desenvolvimento deste estudo, buscou-se explorar os contedos e recursos
didtico-pedaggicos tendo como enfoque o estudo das relaes de gnero, Para tanto, tomou-
se como base as aes da Secretaria da Mulher de Pernambuco (SecMulher), em parceria com
a Secretaria da Educao (Seduc), a partir da experincia dos Ncleos de Estudos de Gnero e
Enfrentamento da Violncia Contra a Mulher presentes nas Escolas de Referncia em Ensino
Mdio (EREMs)1.
O Estado de Pernambuco destaca-se nacionalmente por promover a aliana entre a
Seduc e a SecMulher, e a relevncia deste estudo encontra-se no propsito que envolve esta
parceria. A SecMulher, ao criar os Ncleos de Estudos de Gnero e Enfrentamento da
Violncia Contra a Mulher nas EREMs, buscou tratar das questes de gnero de modo a
atingir as relaes sociais futuras, atuando no enfrentamento a qualquer tipo de preconceito e
a favor de uma sociedade estruturalmente mais justa "livre da opresso e explorao de
gnero, raa, etnia, classe social e orientao sexual". (PERNAMBUCO, 2008, p. 07).
Assim, a SecMulher compromete-se a atuar na sociedade na perspectiva de incluso
social, de humanizao das relaes de poder e de empoderamento socioeconmico das
mulheres, expandindo a sua interao com outras reas do governo. (PERNAMBUCO, 2008,
p. 07). Interao esta identificada, por exemplo, com a Seduc na implementao dos Ncleos
de Estudos de Gnero e Enfrentamento da Violncia Contra a Mulher.
A SecMulher, para desenvolver o trabalho com os Ncleos, toma por base conceitual a
definio das polticas de gnero em busca da autonomia e justia, dentre outros fatores,
garantir os direitos humanos, sociais, polticos e econmicos das mulheres (PERNAMBUCO, 1 Os EREMs so escolas que funcionam em tempo integral ou semi-integral com horrios ampliados, 45h ou 35h, respectivamente, e organizados de modo a favorecer as experincias educativas, culturais, esportivas e artsticas dos estudantes a partir de um planejamento estratgico embasado na Tecnologia Empresarial Aplicada Educao. Disponvel em: http://www.educacao.pe.gov.br/portal/?pag=1&men=70. Acesso em 10 de junho de 2016.
http://h
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2008). Utilizando como referncia esse foco, optou-se em incluir na construo deste trabalho
o levantamento desenvolvido pela CEPAL, pois este ajuda a operacionalizar certas categorias,
as quais podem contribuir na compreenso do escopo das aes da secretaria em diferentes
reas de ao.
A seguir, apresento um quadro que sintetiza as polticas de gnero para as mulheres
promovidos pela SecMulher:
Quadro 1 Polticas Pblicas de Gnero da SecMulher
Fonte: Desenvolvido pelo autor, 2016. Tomou-se como base o Anurio da Secretaria da Mulher de Pernambuco do ano de 2010.
A criao dos Ncleos de Estudos de Gnero e Enfrentamento da Violncia Contra a
Mulher visou aes de formao e pesquisa em gnero e educao. O envolvimento da
comunidade escolar estadual (professores e professoras, gestores e gestoras, a rea de apoio,
junto com os estudantes e as estudantes) foi imprescindvel para a execuo de aes
educativas voltadas para uma tomada de conscincia e valorizao da mulher
(PERNAMBUCO, 2010).
Conforme Rmulo Guedes Silva (2015b), a implementao destes Ncleos de Estudos
de Gnero revela Pernambuco como um estado inovador nas aes e articulaes que
favorecem a reflexo do jovem estudante sobre as desigualdades de gnero e a violncia
contra mulher (SILVA, 2015b, p. 68).
Destaca ainda que,
Polticas Pblicas de Gnero para as Mulheres
So aquelas aes que tm como sujeitos as mulheres e, assim, esto voltadas efetivamente para o empoderamento das mesmas, promovendo a igualdade social, poltica e econmica entre os sexos. A aplicao desses conceitos ordena que as polticas para as mulheres devem:
Reparar as desvantagens que esse segmento da populao ainda vivencia, devido aos longos anos de violao de seus direitos polticos, econmicos e sociais.
Proteger esse segmento da populao da violncia domstica e sexista
Atender de forma adequada s especificidades fsicas e biolgicas da populao feminina, como a gravidez, parto, aborto etc.
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a pertinncia e a funo estratgica dos Ncleos de Estudos de Gnero e Enfrentamento da Violncia contra as Mulheres reside exatamente em relacionar um contexto geral de discriminao e violncia contra a mulher com as polticas pblicas de educao. (SILVA, 2015b, p. 37)
nessa perspectiva e funo estratgica que est a relevncia deste trabalho, pelo fato
de a escola no ser apenas um espao de reproduo das prticas sociais, mas tambm ser um
espao de aprendizado e de construo social do indivduo. A partir dela, preciso pensar em
uma transformao histrica, social, cultural e poltica da qual os jovens so protagonistas. As
estratgias obtidas por meio da parceria entre a escola e a SecMulher proporcionam um
trabalho mais bem estruturado e contnuo, ampliando o poder de repercusso dessas aes na
comunidade escolar (SILVA, 2015b).
Para tanto, so necessrias novas formas de anlise de como so atribudos certos papis
a mulheres e homens a fim de que, mediante esta distino, no sejam reproduzidas as
desigualdades existentes em nossa sociedade.
Para adentrar nesse campo de pesquisa utilizou-se como material de apoio as
telenovelas. Por meio da seleo de determinadas cenas, foram exploradas com estudantes do
ensino mdio as formas mais comuns de desigualdade e preconceito de gnero. Essa opo
decorre do fato de a telenovela ser um canal de mediao entre as experincias individuais e
coletivas do presente e do passado, e tambm por fazer parte da cultura da maioria da
juventude brasileira.
A opo em trabalhar com novelas como recurso didtico deu-se em concordncia
com as ideias de Fischer ao relatar que,
quando assistimos TV, pode-se afirmar que esses olhares dos outros tambm nos olham, mobilizam-nos, justamente porque possvel enxergar ali muito do que somos (ou do que no somos), do que negamos ou a rejeitar ou simplesmente a apreciar (FISCHER, 2003, p.12).
Assim, acredita-se que esse olhar para a novela, reportado para a criticidade e
embasado por um conhecimento cientfico, uma ferramenta em favor de uma educao
voltada autonomia do estudante e da estudante, pois a escola tem grande responsabilidade
no processo de formao de futuros cidados e cidads, ao desnaturalizar e desconstruir as
diferenas de gnero, questionando as desigualdades da decorrentes (CARRARA;
HEILBORN, 2009, p. 59).
A autora Rosa Maria Bueno Fischer (2007) considera urgente incluir os materiais
miditicos, e suas relaes com o social e o cultural, nos debates sobre didtica e prticas de
ensino (FISCHER, 2007, p. 292). Entendendo como fundamental para o processo de
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aprendizagem relacionar os materiais miditicos com a proposta pedaggica, este trabalho
opta em utilizar a telenovela para auxiliar nos debates na sala de aula em torno dos estudos de
gnero.
Fischer (2007) relata que, ao estudar os recursos miditicos, que ela chama de
dispositivo pedaggico de mdia, se est lidando com objetos, com tecnologias e, ainda,
com saberes histricos envolvidos em relaes de poder e carregados de subjetividades
(FISCHER, 2007, p. 294). Para ela, a utilizao das imagens refletidas na TV, dentro da sala
de aula, no contexto atual, indispensvel. Isso porque h todo um trabalho de simbolizao,
no lugar daquele que imagina, planeja, produz e veicula (...), novelas, (...), assim como h um
trabalho permanente de simbolizao, no lugar daquele que se apropria do que v
(FISCHER, 2007, p. 296).
Assim, com vistas a conjugar tecnologia, ensino e recurso miditico com e como
recurso didtico, optou-se como marco terico dialogar com Joan Scott (1995), Guacira Lopes
Louro (2010) e Maria Immacolata Vassallo de Lopes (2011).
Alm disso, realizaram-se estudos no campo da metodologia da pesquisa, a fim de
definir o melhor recurso para a pesquisa de campo. Para tanto, foram utilizados os estudos dos
autores e das autoras seguintes: Uwe Flick (2013); Arilda Godoy (1995) e Martin W. Bauer e
George Gaskell (2002).
Com o intuito de apreender a utilizao de cenas de telenovelas como experincias
didticas em sala de aula, este estudo opta por relacion-las com as reflexes em torno do
ensino de Sociologia. Para tanto, utilizou-se como referncias: as Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Ensino Mdio (DCNs, 2013), os Parmetros Curriculares Nacionais
(PCNEMs, 2000), as Orientaes Curriculares Nacionais (OCNs, 2006), especificamente as
Cincias Humanas e suas tecnologias, limitando-se ao componente de Sociologia e, ainda, os
Parmetros para a Educao Bsica do Estado de Pernambuco, especificamente, os
Parmetros Curriculares de Filosofia e Sociologia (2013), dos quais se limitou a anlise ao
campo especfico da Sociologia.
A proposta deste estudo partir de uma perspectiva sociolgica de modo a alcanar os
demais componentes curriculares das trs sries do ensino mdio a partir da utilizao de
temas transversais, tornando-se vivel trabalhar com os Ncleos de Estudo de Gnero e
Enfrentamento da Violncia contra a Mulher presentes nas escolas selecionadas, haja vista
que as trs sries do ensino mdio esto contempladas nestes Ncleos.
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A relevncia em trazer os estudos de gnero para a disciplina de Sociologia deve-se s
expectativas de aprendizagem (EA) presentes nos Parmetros Curriculares de Filosofia e
Sociologia (2013)2, pois identificado como EA, neste campo, o desenvolvimento de atitude
crtico-reflexiva, possibilitando ao aluno e aluna analisar criticamente o processo de
naturalizao e o estranhamento da realidade da sociedade, percebendo-se como agentes
sociais e dinamizadores dos processos sociais, ou seja, como responsveis e incentivadores
pelos desdobramentos ocorrentes na sociedade. Assim como compreender os processos de
interao social, sobretudo, nas relaes de gnero e sua relao com outras categorias, como
as de classe e raa, por exemplo, de modo que possibilite identificar seus impactos polticos,
econmicos e sociais, respeitando as diferenas e promovendo estratgias de incluso (2013).
Acredita-se que este estudo ir, em primeiro lugar, colaborar com a promoo de
polticas pblicas que vem sendo realizada pela SecMulher em parceria com a Seduc, com a
participao de outras instituies de ensino e pesquisa sediadas no estado. Em segundo lugar,
espera-se cooperar, de acordo com o conjunto legal que rege a educao bsica no pas, com o
ensino na preparao de jovens a partir do conhecimento investigativo e crtico prprio da
Sociologia, de modo que possam reproduzi-los.
Desse modo, almeja-se contribuir nas abordagens s questes de gnero na escola,
tomando-se como referncia os contedos e recursos didtico-pedaggicos pertinentes s
aulas de Sociologia do Ensino Mdio. O foco so as desigualdades de gnero, retratadas em
cenas de telenovelas, sistematizadas como recurso-didtico de ensino concernente ao estudo
das relaes de gnero. Assim, pleiteiou-se buscar respostas para as indagaes a seguir:
Como aulas de Sociologia no ensino mdio podem contribuir para o estudo das
relaes de gnero?
possvel utilizar a telenovela como recurso metodolgico no estudo sobre as
questes de gnero?
Os estudantes e as estudantes conseguem fazer ligaes entre o contedo estudado
com a telenovela?
Considera-se importante estimular os jovens do ensino mdio a perceber as
singularidades da sociedade na qual esto inseridos e compreender, por meio da telenovela, as
singularidades que envolvem as relaes sociais, em especfico as que envolvem questes de
gnero e suas desigualdades. A proposta de refletir o estudo de gnero a partir de trechos de 2 No anexo encontra-se o quadro com as expectativas de aprendizagem (EA) dos contedos da disciplina de Sociologia pertinentes ao primeiro bimestre.
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telenovelas e a opo por trabalhar com novelas brasileiras deu-se pela riqueza de produo
que o pas apresenta e, ainda, por sua ampla disseminao em todas as classes sociais.
Metodologicamente, foi adotada a pesquisa qualitativa, especificamente, a utilizao de
questionrio semiestruturado aplicado em dois momentos: um antes da apresentao da
sequncia didtica e outro aps. E ainda, utilizou-se gravador para registrar os udios nos
encontros.
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3 ESTUDOS DE GNERO
A principal referncia terica para definio de gnero, no desenvolvimento deste
estudo, foi Joan Scott (1995), que apresenta o conceito como categoria til de anlise. Ainda,
optou-se em utilizar, tambm, o Guia de Produo de Estatsticas de Gnero desenvolvido
pela Comisso Econmica para Amrica Latina e o Caribe (CEPAL, 2007), que agrupa em
certas categorias os diferentes tipos de desigualdades existentes entre homens e mulheres.
Segundo Joan Scott (1995), o gnero, desde sua origem, um conceito poltico que diz
respeito s relaes de poder e que tanto sexo e gnero so conceitos histricos, portanto,
mutveis no tempo e no espao.
Scott define gnero como um elemento constitutivo de relaes sociais baseado nas
diferenas percebidas entre os sexos, e [...] uma forma primeira de significar as relaes de
poder (SCOTT, 1995, p. 21). Para tanto, indispensvel confrontar a ideia da supremacia
masculina sobre a feminina buscando respostas de como o gnero funciona no contexto atual.
Assim, Scott considera o gnero como um saber sobre as diferenas sexuais.
Desse modo, assumindo uma posio de anlise da construo e consolidao de
poder e atribuindo ao gnero a funo de categoria analtica, Scott afirma que:
O gnero se torna (...) uma maneira de indicar as construes sociais a criao inteiramente social das ideias sobre os papis prprios aos homens e s mulheres. uma maneira de se referir s origens exclusivamente sociais das identidades subjetivas dos homens e mulheres. O gnero , segundo essa definio, uma categoria social imposta sobre um corpo sexuado (SCOTT, 1995, p.07).
A autora ainda diz que:
Gnero a organizao social da diferena sexual percebida. O que no significa que gnero reflita ou implemente diferenas fsicas fixas e naturais entre homens e mulheres, mas sim que gnero o saber que estabelece significados para as diferenas corporais. Esses significados variam de acordo com as culturas, os grupos sociais e no tempo, j que nada no corpo () determina univocamente como a diviso social ser estabelecida. (Scott,
1994, p. 13)
Assim, para compreender esses construtos sociais que atribuem significados para as
diferenas de um corpo sexuado, Joan Scott relaciona o gnero a quatro elementos: aos
smbolos, aos conceitos normativos, noo do poltico e identidade subjetiva.
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Imagem 1 Quatro Elementos Relacionados ao Gnero
Fonte: Desenvolvido pelo autor, a partir do estudo de SCOTT (1995), 2015.
Os smbolos referem-se s atribuies culturais em que a mulher comparada a uma
imagem e semelhana do modelo de outra mulher; Maria, a santa, por exemplo. A expresso
normativa de gnero, em que interpretada toda a carga simblica que esta imagem carrega,
limitando as possibilidades que as mulheres3 possuem, diz respeito pureza, castidade,
virgindade, etc. Esta expresso normativa diz respeito s regras imputadas s mulheres para
que apresentem ou representem certas caractersticas, ou seja, daquilo que certo ou errado
seguir.
No entanto, preciso levar em considerao a noo do poltico, outro elemento
relacionado ao gnero, para que as mulheres percebam as atribuies dos papis sociais
tradicionalmente imputados a elas, possibilitando interpretar o poder que as instituies tm
sobre os sujeitos sociais (individuais e coletivos), para que, assim, conquistem os espaos que
lhes foram negados ao longo da histria.
Para completar os quatro elementos relacionados ao gnero, h a identidade subjetiva,
campo das afetividades individuais no qual se expressam as imposies simblicas, polticas e
normativas relacionadas com os papis de homens e mulheres construdos socialmente.
Para a construo da sequncia didtica, gnero e suas expresses foram associados
aos indicadores de desigualdade apresentados pela Comisso Econmica para a Amrica
3 Como no existe uma essncia de mulher, optou-se pela utilizao sistemtica da expresso na forma como aparece nesta dissertao propositalmente entre aspas.
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Latina e o Caribe (CEPAL)4, como o uso do tempo e o trabalho no remunerado, a violncia
contra a mulher e sua participao poltica (CEPAL, 2010, p. 8), que contribuem para
operacionalizar as dimenses de gnero apresentadas por Scott. Com isso, pretendeu-se
compreender as dimenses sociais que expressam as desigualdades de gnero, objetivando a
promoo da equidade de gnero e a autonomia da mulher. Para a CEPAL, a disparidade
poltica e cultural ocorrente nas relaes de gnero dificulta a criao e execuo de leis que
promovam a insero da mulher no campo econmico e poltico (CEPAL, 2011, p. 06). Parte-
se do pressuposto que a superao desse obstculo d-se com a oferta de educao de modo
igualitrio, com emprego remunerado e com participao poltica, dentre outros fatores.
O estudo desenvolvido pela CEPAL tem como objetivo alcanar a igualdade de gnero
e eliminar a discriminao contra mulheres e meninas em todo o mundo. Trata-se de um
roteiro para o avano da igualdade e do empoderamento das mulheres nos pases. No entanto,
a CEPAL admite que os dados levantados ainda so insuficientes para gerar informao em
reas chave como a participao das mulheres em todos os nveis do processo de tomada de
decises, a pobreza e o gnero, o trabalho feminino remunerado e no remunerado, o uso do
tempo e a violncia de gnero (CEPAL, 2010, p. 07).
O levantamento estatstico desenvolvido pela CEPAL contribui para uma anlise mais
rigorosa da realidade social pertinente aos estudos de gnero. Nele so identificadas as
mudanas significativas na instituio familiar no que tange ao papel da mulher que, aos
poucos, est superando sua situao de subordinao. Entre essas mudanas revela-se a opo
do segundo casamento com filhos de casamentos anteriores (MILOSAVLJEVIC, 2007, p.
25). Nessa perspectiva, possvel vislumbrar mudanas futuras nas relaes de poder,
partindo do pressuposto que as relaes so plurais e dinmicas. certo que ainda apresenta
diferena nas posies do homem e da mulher, mas essa dinamicidade percebida favorece a
igualdade de gnero.
A CEPAL considera que a educao fundamental para uma perspectiva de igualdade
de gnero. Considera que o acesso das crianas escola contribui para o desenvolvimento
crtico-reflexivo dos meninos e meninas no que tange s questes sociais, tais como a
pobreza, a discriminao racial, a situao da mulher no mercado de trabalho com rendimento
financeiro inferior ao do homem, assim como as influncias culturais presentes na diviso
4 A CEPAL foi criada em 25 de fevereiro de 1948, pelo Conselho Econmico e Social das Naes Unidas (ECOSOC), e tem sua sede em Santiago, Chile, sendo uma das cinco comisses econmicas regionais das Naes Unidas (CEPAL, 2010, p. 5).
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sexual do trabalho e, ainda, a atribuio feminina do papel reprodutivo da mulher e do papel
provedor do homem (MILOSAVLJEVIC, 2007, p. 26).
O enfoque que o levantamento da CEPAL apresenta em relao pobreza pode ser
considerado uma de suas principais contribuies para este estudo. O ncleo familiar e a
relao de dependncia existente (sobretudo, da mulher), a diferena de rendimento mdio, o
trabalho no remunerado, em que as mulheres so as maiores protagonistas, so indicadores
que fortalecem a necessidade de fortalecimento da independncia econmica das mulheres
(MILOSAVLJEVIC, 2007, p. 27).
Para a sequncia didtica construda para uso em sala de aula, optou-se por tomar
como enfoque a autonomia fsica, econmica e poltica como instrumentos para a busca de
uma paridade social de gnero, seguindo o Guia de Produo de Estatsticas de Gnero
desenvolvido pela CEPAL (2007), que apresenta como proposta fundamental para o exerccio
da igualdade de gnero a oferta de emprego sem distino de gnero; as garantias estatais dos
direitos humanos; a igualdade no meio pblico e privado e a redistribuio trabalho
remunerado e no remunerado.
Para a CEPAL, faz-se necessrio a criao de polticas e planos que compensem as
desigualdades existentes. A comisso atribui a pobreza como proveniente das questes de
gnero, haja vista que h desigualdades presentes na distribuio salarial entre homens e
mulheres, por exemplo.
Assim, aponta as trs autonomias fundamentais para o desenvolvimento das
mulheres:
Autonomia econmica, que envolve o controle sobre bens e recursos materiais e
intelectuais, bem como a capacidade de decidir sobre o seu rendimento.
Autonomia fsica e integridade, um pr-requisito para o exerccio dos seus direitos
sexuais e reprodutivos.
Autonomia poltica, que tem a ver com a igual representao em espaos de
tomada de deciso, especialmente no governo e parlamentos.
O quadro5 a seguir est embasado no levantamento desenvolvido pela CEPAL e
apresentando uma sntese das pesquisas realizadas pela comisso apontando alguns
indicadores e conceitos das autonomias.
5 Para a composio deste quadro tomou-se como fonte referencial a homepage do Observatrio da igualdade de gnero que apresenta os indicadores levantados pela CEPAL. Site: http://www.cepal.org/oig/default.asp?idioma=PR. Acesso em 07/01/2016.
http://h
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Quadro 3 Conceito e Indicadores das Autonomias segundo a CEPAL
AUTONOMIA FSICA
AUTONOMIA POLTICA
AUTONOMIA ECONMICA
O QUE ?
A autonomia fsica expressa-se em duas
dimenses que mostram dois problemas sociais relevantes na regio: os
direitos reprodutivos das mulheres e a
violncia de gnero.
A autonomia poltica trata da tomada de decises e refere-se presena das mulheres na tomada de
decises em distintos nveis de poderes do Estado e s
medidas para promover sua participao plena e em igualdade de condies.
A autonomia econmica entendida como a capacidade das mulheres de gerar renda e recursos prprios, a partir do
acesso ao trabalho remunerado em igualdade de condies com os homens. Considera o uso do
tempo e a contribuio das mulheres economia.
ALGUNS INDICADORES
Morte de mulheres provocada por seu
companheiro ou ex-companheiro
Maternidade em adolescentes
Demanda insatisfeita de planejamento familiar Mortalidade materna
Porcentagem de mulheres nos gabinetes ministeriais nos Poderes executivo, legislativo, judicirio e
poder local.
Renda: porcentagens de homens e mulheres que no recebem renda e no estudam, sobre o
total da populao feminina ou masculina acima de 15 anos Tempo total de trabalho:
nmero total de horas destinadas ao trabalho remunerado e ao
trabalho domstico no remunerado.
FONTE: Desenvolvido pelo autor, baseado no levantamento estatstico da CEPAL (2007), 2016.
Alm de Joan Scott e o Guia da Cepal terem servido como referncias para a
construo da sequncia didtica a partir de trechos de telenovelas, foi realizado um estudo
prvio em relao ao tema gnero. Sabe-se que os estudos sobre o tema no so recentes. Na
dcada de 1940, Simone de Beauvoir destacou-se com O Segundo Sexo (1949), tornando-se
uma referncia para estudiosos e estudiosas de gnero e de sexualidade.
Ao escrever que no se nasce mulher, mas torna-se, Beauvoir quis referir-se ao fato de
que o gnero, alm de ser uma construo social, necessita que esta construo seja aceita,
sem cogitao de dvidas, tornando-se uma verdade absoluta (ou quase). Judith Butler, a esse
respeito, identificou em seus estudos sobre O Segundo Sexo que:
Beauvoir diz claramente que a gente se torna mulher, mas sempre sob uma compulso cultural a faz-lo. E tal compulso claramente no vem do sexo. No h nada em sua explicao que garanta que o ser que se torna mulher seja necessariamente fmea. (BUTLER, 2003, p. 27)
Deste modo, Beauvoir traz tona uma problematizao que j existia, mas que no era
questionada, justificando sua obra como um pilar que sustentou e deu incio aos estudos de
gnero. Donna Haraway (2004) destaca que, apesar de haver diferenas nas significaes de
gnero, todas as definies so originrias de Simone de Beauvoir.
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Segundo Piscitelli (2002, p. 1), as discusses em torno de gnero disseminaram-se a
partir da dcada 1980, apresentando uma nova tica temtica na tentativa de desmembrar a
viso biolgica vinculada cultural para a definio do conceito. A esse respeito, Linda
Nicholson identificou que:
a maioria das feministas do final dos anos 60 e inicio dos 70 aceitaram a premissa da existncia de fenmenos biolgicos reais a diferenciar mulheres de homens, usadas de maneira similar em todas as sociedades para gerar uma distino entre masculino e feminino. A nova ideia foi simplesmente a de que muitas das diferenas associadas a mulheres e homens no eram desse tipo, nem efeitos dessa premissa. (NICHOLSON, 1999, p. 04)
Em outras palavras e, ainda, tomando como referncia os estudos de Linda Nicholson,
ao falar da relao dos aspectos biolgicos e culturais na definio de gnero, diz que o
biolgico serve como base sobre a qual os significados culturais so constitudos. Assim, no
momento mesmo em que a influncia do biolgico est sendo minada, esta tambm
invocada. (NICHOLSON, 1999, p. 04).
Gnero era visto antes por muitos como sinnimo de mulheres, alm disso, era
considerado aparentemente neutro, desprovido de propsito ideolgico imediato (TORRO
FILHO, 2005, p. 130). Buscando uma linha cronolgica sobre os estudos de gnero, Cristina
Bruschini e Cli Regina Pinto (2001) declararam que
a dcada de 80 foi a dos movimentos sociais e do florescimento de novas identidades. Se, por um lado, aumentava o nmero de sujeitos que se fechavam em si mesmos, elegendo cada um a sua luta como a verdadeira, por outro, a existncia concomitante desses agentes provocou uma reflexo sobre os limites do fechamento de cada um. O estudo de gnero nas diversas Cincias Sociais refletiu, com muita preciso, esse novo momento. A discusso estava colocada e o objeto mulher, como categoria de anlise, foi posto em xeque. (BRUSCHINI; CLI, 2001, p. 08)
A este respeito, Scott relata que
a maneira como esta nova histria iria simultaneamente incluir e apresentar a experincia das mulheres dependeria da maneira como o gnero poderia ser desenvolvido como uma categoria de anlise. Aqui as analogias com a classe e a raa eram explcitas; com efeito, as(os) pesquisadoras(es) de estudos sobre a mulher que tinham uma viso poltica mais global, recorriam regularmente a essas trs categorias para escrever uma nova histria (SCOTT, 1995, p. 04)
neste novo objeto mulher que este trabalho de concluso de curso pretende
adentrar, considerando os estudos de gnero como referncia a fim de perceber que as
questes de gnero no esto ligadas apenas ao conhecimento ou informao, mas incide em
um posicionamento poltico e em valores diante de uma multiplicidade de relaes sociais.
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Durante a pesquisa bibliogrfica, para o aporte terico, foi possvel identificar alguns
autores e autoras que se dedicaram a temtica de gnero, como os desenvolvidos por Heleieth
Saffioti (1969), Eva Blay (1969), Nelson Rosamilha (1965), Aparecida Joly Gouveia e Robert
Havighrust (1969) Jos Pastore (1971), Carmen Barroso e Llio L. de Oliveira (1971)6. No
entanto, a escolha terica em Joan Scott deu-se pela metodologia escolhida para o
desenvolvimento deste trabalho que utiliza gnero como categoria til de anlise.
Apresentar a definio de gnero aos estudantes do ensino mdio faz parte da proposta
desta dissertao, de modo que os possibilite apropriarem-se dos avanos que essa rea de
estudos alcanou e est alcanando. No entanto, importante enfatizar que no inteno
desta experincia esgotar as possibilidades da definio de gnero em sala de aula, haja vista
que
as posturas das autoras que discutem atualmente o conceito de gnero so extremamente variadas. Elas oscilam entre realizar uma crtica a vrias das ideias associadas distino sexo/gnero, procurando sadas sem abandonar, porm, princpios associados noo de gnero, ou, ao contrrio, procurar categorias alternativas uma vez que pensam o gnero como par inseparvel numa distino binria.(PISCITELLI, 2002, p. 12).
Em sntese, diante desse cenrio terico, a alternativa apresentada por este estudo foi
concatenar os estudos de gnero de Joan Scott com o Guia operacionalizado pela CEPAL
utilizando uma sequncia didtica com cenas da telenovela Babilnia (2015) como
instrumento didtico para a educao do ensino mdio, especificamente, nas EREMs que
possuem Ncleos de Estudo de Gnero e Enfrentamento da Violncia contra a Mulher.
A proposta que os alunos e as alunas identificassem nas personagens selecionadas os
elementos relacionados ao gnero apresentados por Scott (1995) e as autonomias expostas
pelo Guia da CEPAL (2007), apropriando-se de diferentes dimenses relacionadas aos modos
pelos quais so construdas as relaes sociais entre mulheres e homens nos mbitos da
autonomia poltica, econmica e fsica.
6 Extrado do Caderno de Pesquisa n 80, uma edio comemorativa em aluso aos 20 anos da revista. O artigo faz uma sntese das publicaes realizadas at 1992, perodo em que foi publicado esse estudo, intitulado por Mulheres na Escola, de Fulvia Rosemberg e Tina Amado. Cad. Pesq. So Paulo, n.80, p.62-74, fev. 1992.
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Imagem 2 Relao de Gnero em Scott operacionalizado com Guia da CEPAL
Fonte: Desenvolvido pelo autor, concatenando os estudos de SCOTT (1995) e dados da CEPAL (2007), 2016.
3.1 A escola como espao para as questes de gnero
Este trabalho parte da premissa de que a escola deve constituir-se num espao de
construo de viso de mundo, de modo a desenvolver um olhar interpretativo.
Assim, acredita-se que escola um espao de promoo e valorizao das
diversidades de gnero, pois a escola delimita espaos. Servindo-se de smbolos e cdigos,
ela afirma o que cada um pode (ou no pode) fazer, ela separa e institui. Informa o lugar (...)
dos meninos e meninas (LOURO, 2014, p. 62).
Desse modo, tomou-se a escola como campo de pesquisa. Pretende-se apresentar a
escola alm de uma instituio de formao de pessoas, padronizador de comportamentos e
disciplinador. Objetiva-se extrapolar o carter da escola como ambiente para acmulo de
conhecimento e restrito disciplina. Pretende-se atribuir e valorizar a escola como um espao
propcio interpretao da realidade, alm de um espao de organizao de contedos e de
formao de comportamentos.
Para tanto, buscou-se apoio nos estudos desenvolvidos por Guacira Lopes Louro
(2010, 2014), contribuindo para a delimitao do ambiente escolar como campo de pesquisa,
pois a pedagogia feminista, da qual Louro (2010, 2014) faz parte, surge como um novo
modelo pedaggico cujo objetivo a subverso do posicionamento desigual e subordinado
das mulheres no espao escolar permitindo, assim, um trabalho de conscientizao, de
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29
libertao, de modo a enquadrar uma pedagogia emancipatria, permitindo a transformao
dos sujeitos envolvidos e, em consequncia, a transformao da sociedade (LOURO, 2014).
Assim, a escola precisa estar sempre preparada para apresentar no uma verdade
absoluta, mas sim uma reflexo que possibilite aos alunos e s alunas compreenderem as
implicaes ticas e polticas de diferentes posies (BARRETO et al, 2009, p.14).
Neutralizar a escola diante das adversidades sociais e que refletem no mbito escolar
contribuir para a disseminao da desigualdade social presente at hoje.
preciso desenvolver uma nova compreenso dos sujeitos e da sociedade, na qual as
mulheres so percebidas como sujeitos sociais e polticos e ainda como sujeitos do
conhecimento (LOURO, 2014, p. 153). Portanto, a escola torna-se uma ferramenta essencial
para combater posturas discriminatrias, pois a prpria comunidade escolar multifacetada,
cada indivduo carrega uma carga histrico-social que o diferencia dos demais.
importante assumir que a escola no apenas transmite conhecimentos, nem mesmo
apenas os produz, mas que ela tambm fabrica sujeitos, produz identidades (LOURO, 2014,
p. 89) e dentro dessas identidades encontram-se as de gnero, campo de estudo deste trabalho.
Ainda:
as escolas podem ser um exemplo da reiterao da norma central, pois de acordo com Guacira Louro (2000), elas norteiam seus currculos e prticas a partir de um padro nico: haveria apenas um modo adequado, legtimo, normal de masculinidade e de feminilidade e uma nica forma sadia e normal de sexualidade, a heterossexualidade; afastar-se deste padro significa buscar o desvio, sair do centro, tornar-se excntrico. (LOURO, 2010, p. 89)
A partir do momento em que se assume este poder que a escola detm possvel
desviar o carter excntrico atribudo aos estudos de gnero e sexualidade e desenvolver uma
educao em que a reproduo de uma sociedade dicotmica e naturalizada por uma fora
masculina possa ser substituda por uma sociedade em que as identidades de gnero sejam
respeitadas, conscientes de que h diferenas, mas essas diferenas no so sinnimos de
desigualdade, pois:
O conceito de gnero enfatiza essa pluralidade e conflitualidade dos processos pelos quais a cultura constri e distingue corpos e sujeitos femininos e masculinos, torna-se necessrio admitir que isso se expressa pela articulao de gnero com outras marcas sociais, tais como classe,
raa/etnia, sexualidade, gerao, religio, nacionalidade. (LOURO, 2010, p. 17)
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30
E nessas marcas sociais que se pretende utilizar o estudo de gnero como categoria
til de anlise, de modo a desconstruir este pensamento dicotmico fabricado pela sociedade e
reproduzido pela escola que:
Joan Scott observa que constante nas anlises e na compreenso das sociedades um pensamento dicotmico e polarizado sobre os gneros; usualmente se concebem homem e mulher como polos opostos que se relacionam dentro de uma lgica invarivel de dominao-submisso. Para ela seria impossvel implodir essa lgica. (LOURO, 2014, p. 35)
na busca dessa imploso, que se optou em atuar dentro do mbito escolar no
propsito de inserir os estudos de gnero, acreditando que o conhecimento constitudo dentro
da escola resvala na sociedade como um todo. At porque:
essa eterna oposio binria usualmente nos faz equiparar, pela mesma lgica, outros pares de conceitos, como produo-reproduo, pblico-privado, razo-sentimento etc. tais pares correspondem, possvel imediatamente perceber, ao masculino e ao feminino, e evidenciam a prioridade do primeiro elemento, do qual o outro se deriva, conforme supe o pensamento dicotmico. (LOURO, 2014, p. 36)
Foi apoiando-se no conceito de gnero institudo que se buscou disseminar as posturas
discriminatrias presentes no cotidiano influenciado por este pensamento dicotmico.
luz dessas questes de gnero, produziu-se uma sequncia didtica desenvolvida
com alunos e alunas do ensino mdio, a partir de trechos de telenovelas, com a perspectiva
sociolgica de despertar a criticidade desses estudantes.
A proposta foi partir do senso comum para um conhecimento cientfico, ou seja, do
conhecido para o refletido; do concreto ao abstrato; do particular ao geral. Para possuir um
conceito, a pessoa deve ser capaz de atribuir-lhe um signo e de dar-lhe um sentido, da a
importncia das experincias chamadas concretas (ANASTASIOU, 2005, p.10). Deste
modo, pretendeu-se provocar a reflexo para as questes de gnero presentes nas telenovelas
e que passam despercebidas; e, que se tornam ou se confirmam como hbitos naturais, de
modo que haja uma ruptura na construo de pensamento no que tange s questes de gnero,
segundo a qual:
no senso comum, as diferenas de gnero so interpretadas como se fossem naturais, determinadas pelos corpos. Ao contrrio, as cincias sociais postulam que essas diferenas so socialmente construdas. Isto significa dizer que no h um padro universal para comportamentos sexual ou de gnero que seja considerado normal, certo, superior ou, a priori, o melhor. (BARRETO et al, 2009, p.41)
A famlia, como primeira instituio social da criana e a escola como instituio
social que possui como fora motriz a educao so as maiores contribuintes na constituio
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31
no modo de ser menino e de ser menina. Assim, o aprendizado das regras sociais, conforme
estimulado, pode contribuir para a discriminao social ou cooperar para a equidade social.
O que vai definir esse impasse o que a famlia e a escola vo escolher para instruir o
filho e/ou filha, ou seja, quais os valores que vo ser apresentados para o menino e para
menina, se houver diferenciao no tratamento entre os sexos masculino e feminino, optou-se
por uma educao mais tradicional, marcada pela supremacia do poder masculino, por outro
lado, pode-se delinear por uma linha mais humanizada, igualitria, mais cidad, no sentido de
respeitar as individualidades dos filhos e das filhas, sem a imposio dos papis sociais e
funes que devem ser atribudas a partir do sexo feminino ou masculino.
O que se encontra no ambiente escolar a reproduo da sociedade, atribuies de
smbolos femininos e masculinos. Assim, os adolescentes e as adolescentes so conduzidos a
cumprir papis previamente determinados pela sociedade. As consequncias na distino de
tratamentos entre homens e mulheres contribuem para definio de papis sociais a partir do
sexo, tanto no mbito pblico, como no privado. importante destacar que:
O processo de socializao na infncia e na adolescncia fundamental para a construo da identidade de gnero. E a escola tem grande responsabilidade no processo de formao de futuros cidados e cidads, ao desnaturalizar e desconstruir as diferenas de gnero, questionando as desigualdades da decorrentes. (BARRETO et al, 2009, p.59)
no trabalho de conscientizao que a escola contribui para a formao de uma
sociedade em que a equidade seja base organizacional a partir de um olhar interpretativo das
questes de gnero.
3.2 A questo de gnero nos documentos oficiais
A consulta aos documentos oficiais para o desenvolvimento deste trabalho de
concluso de curso foi essencial, pois serviu para compreender a situao na qual se encontra
o estudo das relaes de gnero segundo a legislao educacional vigente. sabido que:
a interseco das relaes de gnero e educao ganhou maior visibilidade nas pesquisas educacionais somente em meados dos anos de 1990, com grandes avanos na sistematizao de reivindicaes que visam superao, no mbito do Estado e das polticas pblicas, de uma srie de medidas contra a discriminao da mulher. (VIANNA; UNBEHAUN, 2004, p. 78)
Assim, com o propsito de apreender como as polticas pblicas tratam o estudo de
gnero, optou-se consultar a Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB, 1996), os
Parmetros para a Educao Bsica de Pernambuco (2013), as Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN, 2013), as Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio (OCN, 2006), os
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32
Parmetros Curriculares para o Ensino Mdio (PCNEM, 2000) e o Plano Nacional de
Educao (PNE, 2014); limitando a anlise ao mbito do ensino mdio.
A pretenso dessa consulta aos documentos oficiais foi compreender o estudo j
desenvolvido por VIANNA; UNBEHAUN (2004)7 na perspectiva de verificar se houve
avanos no estudo de gnero, especificamente, nas polticas pblicas adotadas nas escolas do
estado de Pernambuco, haja vista que, supe-se que a criao dos Ncleos de Estudo de
Gnero e Enfrentamento da Violncia contra a Mulher como um avano positivo nas polticas
pblicas educacionais.
Dessa forma, tal anlise buscou seguir a lgica aplicada por VIANNA; UNBEHAUN
(2004) que compreendeu dois movimentos analticos:
um deles, voltado para o exame dos referidos documentos na perspectiva dos direitos e da construo da cidadania, no necessariamente da referncia explcita expresso gnero; o outro, dirigido ideia abstrata de cidadania contida nos documentos, mas tomando a normatizao neles prevista como expresso no s da permanncia de costumes e formas de controle de um determinado momento histrico, mas tambm de propsitos que procuram dar novos significados prtica social. (VIANNA; UNBEHAUN, 2004, p.81)
A relevncia dessa consulta aos documentos oficiais, dentre outros fatores, permitiu a
seleo da disciplina de Sociologia como a rea das Cincias Humanas que poderia ser
trabalhada a sequncia didtica com enfoque nos estudos de gnero. Isso porque o contedo
programtico da disciplina permite um trabalho contnuo em torno das relaes sociais que,
neste caso, incluem-se as de gnero. Alm disso, permitiu uma aproximao dos caminhos j
percorridos pelos estudiosos e estudiosas que defendem a insero do estudo de gnero na
escola.
A Lei n 9.394, referente Lei de Diretrizes e Bases (LDB) da Educao Nacional, de
20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996) conforme j constatado por VIANNA;
UNBEHAUN (2004) no abarca nenhuma orientao que atenda ao estudo das relaes de
gnero.
Os Parmetros para a Educao Bsica do Estado de Pernambuco, ao apresentarem os
ncleos conceituais e temticos especficos cultura, identidade e diversidade, indicam como
7 Claudia Pereira Vianna e Sandra Unbehaun publicaram um artigo, em 2004, cuja proposta foi identificar o contexto nacional que colaborou para a introduo do gnero nas legislaes e reformas federais concernentes educao e verificar quais os avanos e desafios destas polticas pblicas educacionais com vistas ao campo que elas vm definindo, o da ampliao dos direitos, tendo a educao escolar como uma importante dimenso da construo da cidadania. Publicado pelo Cadernos de Pesquisa. v.34. n121, p.77-104, jan/abr 2004.
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33
Expectativa de Aprendizagem 3 (EA3) os processos de interao social, abordando, dentre
outros, as relaes de gnero.
Os Parmetros Curriculares para o Ensino Mdio (BRASIL, 2000, p. 63) explicitam,
no tpico fundamentos estticos, polticos e ticos do novo ensino mdio brasileiro, a
necessidade do reconhecimento e da valorizao da diversidade brasileira como forma de
perceber e expressar a realidade das relaes de gnero.
No entanto, percebe-se uma mudana significativa na abordagem no estudo das
relaes de gnero nas Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013), que introduzem a
importncia de educar para os direitos humanos fomentando processos que contribuam para
a construo da cidadania, do conhecimento dos direitos fundamentais, do respeito
pluralidade e diversidade (...) gnero, (...) combatendo e eliminando toda forma de
discriminao (BRASIL, p.165, 2013).
Assim, buscou-se cumprir o que a Cpula do Milnio estabeleceu, em 2000, em que
189 pases, incluindo o Brasil, firmaram compromisso a serem atingidos at 2015, tendo
como um dos objetivos a qualidade de vida. Com isso, a ONU atribuiu os anos entre 2005 e
2014 como a Dcada da Educao, apresentando, entre outras metas, a equidade social e de
gnero (SILVA, 2015a).
Ainda, no I Plano Nacional de Educao (2001 2010), no que tange as habilidades e
qualidades esperadas dos docentes, identificou-se na VIII posio a incluso das questes de
gnero (BRASIL, 2013). Complementando que a proposta educativa da unidade escolar, o
papel socioeducativo, artstico, cultural, ambiental, as questes de gnero, (...) que compem
as aes educativas, a organizao e a gesto curricular (BRASIL, p. 177, 2013) devem fazer
parte do Projeto Poltico-Pedaggico (PPP), cooperando, assim, na busca da igualdade e
enfrentamento de todas as formas de preconceito, discriminao e qualquer forma de
violncia.
Ainda, analisaram-se as Orientaes Curriculares para o Ensino Mdio8 (BRASIL,
2006), identificando que gnero est inserido como sugesto temtica a ser trabalhada pela
8 As OCNs abordam os pressupostos metodolgicos especficos a conceito, tema e teorias para o ensino de Sociologia: trabalhar com conceitos consiste em desenvolver o domnio de uma linguagem especfica, pois os conceitos so elementos do discurso cientfico que se referem realidade concreta (OCN, 2006, p.117). Mas
enfatiza a necessidade de contextualizar para que o corpo discente perceba o sentido do que se est aprendendo, de modo que no corra o risco do conhecimento ficar inerte, desconexo realidade; j os temas so recursos possveis para articular conceitos e teorias realidade social, tomando como princpio casos concretos, ressaltando que o objetivo de trabalhar com tema fazer a ponte com o conceito. Se no houver um planejamento e domnio do contedo corre-se o risco de prender-se ao senso comum, em um emaranhado de informaes infundadas; e, ao tratar de teoria, o documento orienta a necessidade de contextualizar o momento, histrico e espacial, em que foi escrita e quem a escreveu, explorando sua trajetria social e histrica. De modo
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disciplina de Sociologia, propiciando a identificao dos papis sociais atribudos ao homem e
mulher pelos estudantes e pelas estudantes.
O Projeto de Lei n 8.035/2010 que instrumentaliza o Plano Nacional de Educao
2011 2020 apresenta pesquisas voltadas s desigualdades sociais, citando dentre elas a de
gnero, destacando a necessidade de haver um esforo entre os entes federativos e os sistemas
de ensino e partir para uma educao voltada para a igualdade social (BRASIL, 2014, p.34).
No entanto, o Plano Nacional de Educao (PNE) aprovado e com vigncia entre os
anos 2014 2024 (BRASIL, 2014) representa um regresso no que tange temtica das
relaes de gnero, pois, durante seu processo de discusso, alterou-se a expresso a nfase
na promoo da igualdade racial, regional, de gnero e de orientao sexual, que foi
substituda por cidadania e na erradicao de todas as formas de discriminao. (BRASIL,
2014, p. 22) O plano apresenta metas9 que buscam a valorizao da diversidade e a reduo
da desigualdade, mas no especifica qual diversidade est mencionando e nem de qual
desigualdade trata o documento.
Em relao mulher, destaca a necessidade de estimular a participao das mulheres
nos cursos de ps-graduao, sobretudo, os cursos das reas de exatas. Essa estratgia
encontra-se na meta 14 que busca elevar gradualmente o nmero de matrculas na ps-
graduao stricto sensu, de modo a atingir a titulao anual de sessenta mil mestres e vinte e
cinco mil doutores. (BRASIL, 2014, p. 77).
Desse modo, percebe-se que h uma tentativa de ocultar o debate acerca do estudo de
gnero nos documentos oficiais, necessitando consultar as entrelinhas conforme identificado
por VIANNA; UNBEHAUN (2004) em momento anterior:
A compreenso das relaes de gnero pela escola corre o risco de permanecer velada, uma vez que as polticas pblicas no as mencionam e, quando o fazem, no exploram em todos os temas e itens curriculares os antagonismos de gnero presentes na organizao do ensino e no cotidiano escolar. (VIANNA; UNBEHAUN, 2004, p. 101)
que se compreenda que as teorias no tm apenas uma explicao e que o enredo terico foi constitudo pelas influncias intelectuais e sociais de quem a escreveu. 9 Trata-se das metas 4 e 8. A meta 4 fala em universalizar, para a populao de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficincia, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotao, o acesso educao bsica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou servios especializados, pblicos ou conveniados. J a meta 8 busca elevar a escolaridade mdia da populao de 18
(dezoito) a 29 (vinte e nove) anos, de modo a alcanar, no mnimo, 12 (doze) anos de estudo no ltimo ano de vigncia deste plano, para as populaes do campo, da regio de menor escolaridade no Pas e dos 25% (vinte e cinco por cento) mais pobres, e igualar a escolaridade mdia entre negros e no negros declarados Fundao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IBGE. (BRASIL, 2014)
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A esse respeito, Guacira Louro, ao discorrer sobre os termos das polticas curriculares
em relao educao sexual, relata que observamos, mais uma vez, uma longa histria de
polmicas, de lutas, de avanos e recuos onde diversos grupos se mobilizaram e se mobilizam
para fazer valer suas verdades. (LOURO, 2014, p. 132).
Do mesmo modo, pode-se atribuir esse retrocesso da temtica de gnero no PNE
(2014) como um recuo e mobilizao para fazer valer uma verdade. Verdade esta seletiva e
contraditria, pois generaliza na valorizao da diversidade e da reduo da desigualdade,
mas combate, por exemplo, o estudo da ideologia de gnero na escola.
Imbudos pelo etnocentrismo10, quem defende a excluso do estudo de gnero nas
escolas apoia-se em discursos religiosos e carregados de tradicionalismo em busca da
preservao da heteronormatividade11 nas relaes sociais.
A esse respeito, cite-se, dentre tantos outros, um discurso12 do senador Magno Malta
(PR-ES) que, em relao ao veto do Projeto de Lei - PL 12213, declarou ser contra a este
projeto, pois obrigava a aceitabilidade da diversidade de gnero. Atribui o respeito como base
para a boa convivncia social e ao mesmo tempo declara a luta que houve contra o estudo da
diversidade de gnero na escola, a qual necessitou do apoio da frente evanglica e catlica e
da frente da famlia no combate a essa guerra (termo usado pelo poltico). Ainda discorre
sobre a dificuldade que teve no combate minoria que apoia a diversidade de gnero, pois as
questes de gnero foram includas em outros movimentos (de negros, de ndios, de idosos e
de portadores de necessidades especiais) falando da contradio desta incluso, j que no se
escolhe ser negro ou ndio, mas se opta em ser gay.
A contradio no discurso desse poltico est evidente no momento em que se fala do
respeito e ao mesmo tempo em luta, guerra e combate ao diferente, s pessoas que no se
enquadram ao modelo padro da heteronormatividade, pondo como opo pessoa que
10 Etnocentrismo uma viso do mundo na qual o nosso prprio grupo tomado como centro de tudo e todos os outros so pensados e sentidos atravs dos nossos valores, nossos modelos, nossas definies do que a existncia. No plano intelectual, pode ser visto como a dificuldade de pensarmos a diferena. (ROCHA, 1988, p. 05). 11 O termo heteronormatividade compreendido e problematizado como um padro de sexualidade que regula o modo como as sociedades ocidentais esto organizadas. Trata-se, portanto, de um significado que exerce o poder de ratificar, na cultura, a compreenso de que a norma e o normal so as relaes existentes entre pessoas de sexos diferentes. (PETRY; MEYER, 2011, p. 196). 12 O discurso na ntegra (331) encontra-se disponvel em https://www.youtube.com/watch?v=a-aJ5ty5k40. Acesso em 08/01/2016. 13 O Projeto de Lei da Cmara n. 122/06 visa criminalizar a discriminao motivada unicamente na orientao sexual ou na identidade de gnero da pessoa discriminada. Aprovado, alteraria a Lei de Racismo para incluir tais discriminaes no conceito legal de racismo que abrange, atualmente, a discriminao por cor de pele, etnia, origem nacional ou religio. Disponvel em http://www.plc122.com.br/entenda-plc122/#axzz3wgxLbn3l. Acesso: 08/01/2016.
http://hhttp://www.plc122.com.br/entenda-plc122/#/h
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assumiu sua identidade de gnero a margem da sociedade, assim como o projeto de lei foi
destinado ao lixo, destino este que o poltico designou ao PL 122.
Guacira Louro destaca que:
no h por que temer debates ou tenses tericas; eles podem significar novas e produtivas alianas, podem resultar em outros modos de anlise e de interveno social, talvez capazes de alterar, de forma mais efetiva, as complexas relaes sociais de poder. (LOURO, 2014, p. 163).
Contradizendo o que o poltico falou, Guacira Louro aponta a aliana como meio de
intervir nas complexas relaes sociais de poder. Pode-se considerar que o Estado de
Pernambuco fez essa aliana produtiva ao criar os Ncleos de Estudo de Gnero e
Enfrentamento da Violncia contra a Mulher, resultando em um novo olhar, tendo como
premissa questionar a desigualdades sociais de gnero e refletir sobre os seus significados
como espao de lutas e discusses por direitos e cidadania.
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4 DA TELEDRAMATURGIA PARA A SOCIOLOGIA: novelas como recurso didtico
Para a instrumentalizao da teledramaturgia como recurso didtico, tomou-se como
apoio Boaventura de Sousa Santos que discorre a respeito da necessidade de romper o senso
comum, o conhecimento popular para um conhecimento epistemolgico, cientfico, de modo
a desenvolver a criticidade e reflexividade do ou da estudante. Isto porque o senso comum
um pensamento conservador, fixista e para transpor esse status Santos identifica trs fases
fundamentais: a ruptura, a construo e a constatao (SANTOS, 1989).
Quando se fala em ruptura, a princpio, pretende-se desconstruir o discurso de que a
telenovela um recurso miditico, alienante. A pretenso aqui no discorrer sobre a funo
da telenovela como produto massificado, o que se busca apresentar a telenovela como objeto
utilizvel a favor do desenvolvimento da criticidade do estudante e da estudante. A partir de
um olhar sociolgico, reflexivo, materiais desse tipo podem transformar o objeto
problematizador em um material didtico-pedaggico a favor de uma educao mais
igualitria, de modo que os participantes e as participantes tornem-se protagonistas e crticos
conscientes das desigualdades sociais s quais estamos sujeitos.
Para romper o que parece ser natural preciso construir uma hiptese a partir do
conhecimento epistemolgico adquirido e constatar, atravs da observao e da prtica, com
embasamento no conhecimento cientfico, se a nova viso condiz com o real, sendo passvel
de uma transformao social.
A ruptura que aqui se fala desmistificar a naturalizao do senso comum, um senso
que burgus e que, por uma dupla implicao, se converte em senso mdio e em senso
universal (SANTOS, 1989, p.39). nesse ponto que se encontra a relevncia de se trabalhar
com a disciplina de Sociologia, haja vista que seu currculo, como cincia, abarca espao para
a formao do cidado crtico (PERNAMBUCO, 2013, p.43). No entanto, para o
desenvolvimento desse pensar sociolgico faz-se necessrio apropriar-se das bases terico-
conceituais inerentes Sociologia, ressaltando que
esse no , pois, um processo natural e um tipo de pensamento que se desenvolve com base em temas abertos e sem intencionalidades claramente definidas. Assim, desenvolver esse tipo de pensamento implica a mediao didtica de conceitos e teorias prprios da Sociologia, porque no cerne dessa cincia que se encontram os instrumentos terico-metodolgicos para isso. (PERNAMBUCO, 2013, p.43)
nesse contexto que se identifica a relevncia de atribuir Sociologia como disciplina
responsvel para a composio desse trabalho de concluso de curso, pois ela:
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possibilita a problematizao dos fenmenos sociais, em aspectos que suscitam indagaes importantes para se compreenderem a existncia e a manuteno das coletividades humanas, o modo como acontece a interao entre o indivduo e essas coletividades (PERNAMBUCO, 2013, p.44)
a partir dessa compreenso da existncia e da manuteno das coletividades que se
trabalhou com os estudantes e as estudantes, de modo que se apropriassem dos conhecimentos
de seus direitos e deveres como cidados e cidads e mais: que desenvolvessem suas atitudes
crticas-reflexivas.
A ideia foi tornar cenas de telenovelas numa representao das relaes sociais, de
modo que possibilitasse uma anlise sociolgica dos estudantes e das estudantes mediante as
narrativas expressas nos textos imagticos, tornando a vida das personagens uma escrita da
vida social sob o olhar do corpo discente.
A telenovela como recurso didtico nas aulas de Sociologia, com enfoque nos estudos
de gnero, busca o reconhecimento das diferenas de gnero presentes nas relaes sociais,
sobretudo, pretende-se que a mulher tenha seu reconhecimento de igualdade. Igualdade no
sentido de oportunidades, direitos, de autonomia fsica, econmica e poltica.
Tomar a telenovela como recurso didtico para desenvolver essa postura crtica no se
deu por acaso, pois desde a criao da telenovela brasileira desencadearam-se discusses em
torno da sua pertinncia.
Para Ortiz (2001), as telenovelas, desde seu surgimento no pas, foram alvo de crticas.
Houve esta recusa devido s fotonovelas fazerem sucesso no Brasil e a populao j se
identificava com os personagens apresentados nas imagens. Assim, as telenovelas foram
entendidas como um retrocesso da nacionalidade brasileira, haja vista que sua produo era
internacional.
Esse embate se deu porque os empresrios que idealizaram a televiso brasileira so
criticados como alienados, por estarem fora da realidade brasileira, j que na poca
predominavam textos estrangeiros, pois havia dificuldade de retratar a realidade nacional.
Entretanto, no inicio de 1960, houve inovaes dramatrgicas a partir dos trabalhos de
Oduvaldo Viana Filho, Osman Lins, Plnio Marcos, Vinicius de Morais e adaptaes de
Antonio Callado e Jorge Amado (ORTIZ, 2001).
Assim, para que as telenovelas no Brasil tomassem uma identidade prpria, precisou
haver um processo de nacionalizao, como exemplo, cita-se a TV Excelsior, em 1963, que
iniciou uma srie de programaes que valorizam o escritor e a realidade nacional (ORTIZ,
2001, p. 177) para que, deste modo, fosse possvel conquistar o pblico brasileiro. Para isso,
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foram necessrios a seleo dos textos e a traduo para a realidade brasileira, buscando um
heri local para representar a nacionalidade brasileira.
Durante o perodo de reformulao da telenovela brasileira, iniciado nos primeiros
anos de 1960, Ortiz (2001) destaca uma entrevista de Daniel Filho na qual dizia que as
telenovelas deixaram de falar de toureiro e passaram a falar de jogador de futebol. Pois,
segundo Daniel Filho, a televiso deve ser um espelho que mostre a verdade em que voc
vive. Ento a televiso a sua realidade (p.178). Assim, Ortiz (2001) atribuiu fala de
Daniel Filho um trao paradigmtico. Ela marca uma reorientao das novelas de televiso
consagrando um estilo realista que contrasta com padro do melodrama.14(ORTIZ, 2001,
p.178). O autor ainda enfatiza que as telenovelas de estilo realista se adequavam melhor
demanda do povo e, principalmente, ao mercado. Todo este aparato era para ser o mais
fidedigno possvel realidade do pas.
Mas em que medida esse estilo realista se afasta ou se aproxima de uma perspectiva
crtica? Cada representao descarta ou retm vrias qualidades que nos permitem reconhecer
o objeto na tela, ou seja, h vrias interpretaes, o realismo pode ser que no seja to real.
nesse ponto que se encontra a relevncia deste trabalho cientfico. Desenvolver um novo
olhar, um novo saber, pois:
A nova configurao do saber , assim, a garantia do desejo e o desejo da garantia de que o desenvolvimento tecnolgico contribua para o aprofundamento da competncia cognitiva e comunicativa e, assim, se transforme num saber prtico e nos ajude a dar sentido e autenticidade nossa existncia. (SANTOS, 1989, p.46)
a partir da aplicao e execuo de uma sequncia didtica com eixo temtico em
torno dos estudos de gnero e utilizando como recurso metodolgico as telenovelas15 que se
pretende dispor de uma educao compreendida como:
um dos processos mais eficientes na constituio das identidades de gnero e sexual. Em qualquer sociedade, os inmeros artefatos educativos existentes tm como principal funo com/formar os sujeitos, moldando-os de acordo com as normas sociais. Grande parte desses artefatos educativos est inserida na rea cultural como, por exemplo, televiso, cinema, revistas, livros ou histrias em quadrinhos. (LOURO et al, 2010, p. 149)
na utilizao desses artefatos, especificamente, as telenovelas, que se busca entender
a reproduo social em que se inserem as relaes de gnero, pois assistir telenovela um
14 A relevncia em trabalhar com melodrama d-se pelo fato deste proporcionar uma base para as operaes simblicas que articulam (narrativa, memrias, sonhos, desejos, prazeres) das pessoas que se deixam envolver-se. (LOPES, 2011) 15 Neste caso, tomam-se as telenovelas como o desenvolvimento tecnolgico mencionado por Santos.
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momento valorizado de reunio familiar desde a infncia, e sua circulao em outros
ambientes como a escola ou grupo de amigos complementa a recepo no espao privado.
(LOPES, BORELLI, RESENDE, 2002).
Guacira Louro alerta que:
uma novela de televiso, uma propaganda, um desenho animado podem ser vistos como produtores e veiculadores de representaes que sugerem determinados comportamentos e identidades sociais, e que, de algum modo, acabam por regular nossas vidas. (LOURO et al, 2010, p. 160)
O que se desenvolveu com alunas e alunos do ensino mdio foi um trabalho com essas
representaes, utilizando-se a telenovela como campo de estudo para as questes de gnero,
pois do mesmo modo que podemos entrar nos mundos ficcionais possvel, segundo
Jenkins, extrair elementos desses universos imaginados e incorpor-los ao nosso dia a dia
(LOPES et al, 2011, p. 39).
Para tanto, para constituir a telenovela como recurso didtico faz-se necessrio
decompor as imagens refletidas nas cenas, assim como Francis Vanoye e Anne Lt-Goliot
(2002) definiram na desconstruo de filmes com a finalidade de se chegar a uma
interpretao. Assim, necessrio:
despedaar, descosturar, desunir, extrair, separar, destacar e denominar materiais que no se percebem isoladamente a olho nu, pois se tomado
pela totalidade. Parte-se, portanto, do texto flmico para desconstru-lo e obter um conjunto de elementos distintos do prprio filme (VANOYE; GOLIOT-LT, 2002, p.15).
A partir dessa desconstruo possvel obter um olhar das partes em relao ao todo.
essa postura que faz a diferena no momento de assistir a uma cena no intuito de anlise e
interpretao. preciso ter cautela para que no se desvie do objeto analisado que, neste caso,
trata-se das telenovelas. As cenas apresentadas devem ser o ponto de partida e o ponto de
chegada da anlise (VANOYE; GOLIOT-LT, 2002, p. 15).
Assim, para que a telenovela brasileira16
se transforme em um contedo para o
estudo das relaes de gnero, no ensino mdio, preciso compreender o significado dos
papis sociais atribudos s personagens para encontrar esse novo equilbrio. Para tanto, h
dois modos apresentados por Renato Ortiz que podem ser levados em considerao: o
realismo reflexo e o realismo reflexivo (ORTIZ, 2001).
16 Maria Immacolata Vassalo de Lopes ao usar a expresso telenovela brasileira referiu-se ao padro de teledramaturgia alcanado e popularizado pela Rede Globo, principal produtora desse tipo de fico seriada no Brasil e uma das mais bem-sucedidas no mercado internacional de televiso, o que justifica aqui o foco em sua produo. (LOPES, 2011, p. 32).
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O realismo reflexo no d margem para o distanciamento "de olhar fora da caixa", em
geral, a massa se identifica e compra a ideia. J o realismo reflexivo permite interpretar um
conhecimento reflexivo sobre a realidade projetada, ou seja, contrape-se com a imagem
vendida ou que se tenta vender. este olhar reflexivo que se pretende desenvolver nos e nas
estudantes do ensino mdio luz das questes de gnero a partir da sequncia didtica.
A relevncia de trabalhar com a telenovela na sala de aula a facilidade com que esta
conquista o pblico. Os telespectadores se identificam com as imagens reproduzidas na tela.
No se est afirmando que os enredos das telenovelas representam a realidade, mas que a
linguagem que esta transmite cristalizada pelo pblico que a acompanha. Exemplo disto so
os bordes dos personagens que passam a fazer parte do convvio social.
Desse modo, pretende-se que essa reproduo do fictcio para o real, da telenovela
para o cotidiano, favorea para a erradicao da desigualdade de gnero presente nas relaes
sociais. Essa perspectiva pode ser alcanada por meio do conhecimento emprico
desenvolvido na sala de aula a partir das discusses em torno da histria de vida das
personagens e do conhecimento cientfico adquirido.
Isso porque a proximidade existente entre a telenovela com a ideia do real contribui
para no processo de identificao das representaes sociais, facilitando o processo de
aprendizagem com vistas constituio de cidados e cidads conscientes do seu papel social,
pois quando a telenovela vista com olhar crtico na escola, esta funciona como construtora
de um novo conhecimento.
A tarefa do professor ou professora propiciar um ambiente que facilite a troca de
experincias na construo desse novo conhecimento. Utilizar a telenovela como recurso
didtico pode permitir que alunos e alunas visualizem essas experincias a partir de uma
realidade artificializada, de modo a desenvolver seu pensamento reflexivo por meio da
observao crtica das cenas construdas.
Fischer (2011) destaca a necessidade de refinar o olhar ao vivenciar a experincia de
um filme, para ela, necessrio extrapolar:
interpretaes fceis, da exclusiva leitura das entrelinhas, de uma decifrao do que no teria sido dito (mas que possivelmente se queria dizer).
Estamos buscando uma maior generosidade com as imagens, uma disponibilidade e uma entrega a tudo o que aquela pea audiovisual nos est oferecendo, sem buscar nela apenas uma lio de vida, ou a suposta
descoberta de uma verdade escondida, de algo que o diretor quis dizer
verdadeiramente, e assim por diante. (FISCHER, 2011, p. 4)
Do mesmo modo, essa foi a inteno deste estudo. Pretendeu-se que os estudantes e as
estudantes aguacem esse olhar ao assistir s cenas pr-selecionadas da telenovela.
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nessa busca da realidade re