da rÁdio sociedade do rio de janeiro À tve brasil: … · ensino da matemÁtica na radiodifusÃo...

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UNIVESIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO LEANDRO SILVIO KATZER REZENDE MACIEL DA RÁDIO SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO À TVE BRASIL: O ENSINO DA MATEMÁTICA NA RADIODIFUSÃO EDUCATIVA São Paulo 2013

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UNIVESIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO LEANDRO SILVIO KATZER REZENDE MACIEL

DA RÁDIO SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO À TVE BRASIL: O ENSINO DA MATEMÁTICA NA RADIODIFUSÃO EDUCATIVA

São Paulo 2013

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LEANDRO SILVIO KATZER REZENDE MACIEL DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA

DA RÁDIO SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO À TVE BRASIL: O ENSINO DA MATEMÁTICA NA RADIODIFUSÃO EDUCATIVA

Tese de Doutorado em Educação Matemática apresentada à Universidade Bandeirante de São Paulo, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor, linha de pesquisa História da Matemática Escolar. Orientador: Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio

São Paulo 2013

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Dedico esta Tese à minha esposa, Izabel Krütli, pelo incentivo, apoio e compreensão ao longo desta jornada acadêmica.

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AGRADECIMENTOS

À minha esposa Izabel Krütli, pelo amor, carinho, apoio e incentivo. Por sua

sugestão, eu retornei à sala de aula. Sem você jamais estaria concluindo o

Doutorado em Educação Matemática.

Ao Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio, pela orientação, pela acolhida em seus

seminários, pelas valiosas sugestões e pela sabedoria.

Aos meus orientadores de graduação e de mestrado, Dr. Bruno Alves Dassie e

Dr. Wagner Rodrigues Valente, respectivamente, pelas sugestões e incentivos.

Ao Professor Manoel Jairo Bezerra, in memorian, e família.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, pela

concessão da bolsa de estudos, primordial para o desenvolvimento desta Tese.

A todos aqueles que acreditaram em mim ao longo desses anos, incentivando-

me e ajudando-me nas horas difíceis, permitindo que eu pudesse chegar onde

estou.

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“...a minha ambição maior, o meu louco desejo, é poder vibrar sempre, livre do mal, levando pelo infinito os pensamentos bons que um dia hão de transformar as gentes, livrando os escravos do trabalho e acorrentando as nações na mesma simpatia.”

Edgard Roquette-Pinto

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RESUMO

Esta Tese tem como objetivo analisar, de modo amplo, a radiodifusão educativa no

Brasil, com ênfase em Educação Matemática e sob o viés dos projetos do Governo

Federal do Brasil. Logo, o estudo remete a uma narrativa temática que diz respeito

aos primeiros anos da rádio em território nacional e estende-se a acontecimentos do

século XXI: desde a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, no ano de 1923, até a

extinção da Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto - ACERP, antiga

mantenedora da Rádio MEC e da TVE Brasil, em 2008. Por meio de entrevistas e

documentos, depositados na Biblioteca Nacional, na ACERP, ou ainda, de

propriedade do autor desta Tese, foram analisados livros didáticos como um

conjunto multimídia, sob a perspectiva de Alain Choppin. Logo, teve lugar o Projeto

Minerva, um programa de rádio, bem como os telecursos João da Silva, A Conquista

(ambos em formato de telenovela e com objetivo de formar jovens e adultos em nível

de 1° Grau - hoje Ensino Fundamental) e o projeto televisivo Qualificação

Profissional para o Magistério (visando à formação de professores das séries iniciais

do 1º Grau). Constatou-se, dentre outros aspectos, que a Matemática, até a década

de 1970, não teve destaque nos projetos de radiodifusão educativa promovidos

diretamente pelo Governo Federal e, ainda, que o conjunto multimídia livro didático e

telenovela são dissociáveis. Salvo um artigo de 1924 relacionado ao primeiro

movimento renovador da Matemática, os registros sobre aulas de Matemática estão

presentes somente a partir do Projeto Minerva. Há, também, entrevista com Dom

Eugênio de Araújo Sales, falecido em julho de 2012, que fornece outra visão sobre

projetos radioeducativos. Por fim, desenvolveu-se um ensaio semificcional que

envolveu hipóteses, entrevistas e documentos.

Palavras-chave: radiodifusão educativa; Educação Matemática; história; memória;

Rádio Sociedade do Rio de Janeiro; Rádio MEC; TVE Brasil.

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ABSTRACT

This thesis aims to analyze widely the educational broadcasting in Brazil, with

emphasis on Mathematics Education and under the bias of the projects of the

Federal Government of Brazil. Nevertheless, the study refers to a thematic narrative

that relates to the early years of radio in the country and it extends to the XXI century

events: from the Radio Society of Rio de Janeiro, in 1923, until the closure of

Roquette-Pinto Educational Communication Association - RPECA, former maintainer

of Radio MEC and TVE Brazil, in 2008. Through interviews and documents kept by

the National Library, RPECA or even owned by the author of this thesis, we analyzed

textbooks as a multimedia set, from the perspective of Alain Choppin. Therefore,

according to this perspective, Minerva Project was held, a radio program; the TV

courses João da Silva and The Conquest (both in soap opera format whose purpose

was to help young people and adults to finish the 1st Grade - Elementary School

today), and the Teachers’ Professional Qualification, a TV project designed to train

teachers who work with learners of the first years of 1stGrade. It was found, among

other things, that Mathematics, until the 1970s, had not featured in the broadcast

educational projects promoted directly by the Federal Government and also that the

whole multimedia textbook and soap operas are separable. Except an article of 1924

related to the first renewal movement of Mathematics – the records of these classes

are present only from Minerva Project. There is also an interview with Don Eugenio

de Araújo Sales, who died last July, which provides another insight to educative radio

projects. Finally, we developed an essay that involved semi-fictional assumptions,

interviews and documents.

Key Words: educational broadcasting; math education; history; memory; Rádio

Sociedade do Rio de Janeiro; Rádio MEC; TVE Brazil.

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RÉSUMÉ La cible de cette thèse cherche à analyser d´une façon plus ample la radiodiffusion

éducative au Brésil mettant l´accent sur l´Education relative aux Mathématiques

appliquées et selon le point de vue des projets du Gouvernement Fédéral du Brésil.

Dès lors, l´étude se rapporte à une dissertation thématique concernant les premières

années de la radio sur le territoire national et se déploie sur les évènements du siècle

XXI: dès la présence de la Radio Sociedade (Société) de Rio de Janeiro, en 1923,

jusqu´à l´extinction de l´Association de Communication Educative Roquette-Pinto -

ACERP, l´ancienne entité de soutien de la Radio MEC et de la TVE Brésil en 2008.

Au travers d´entrevues et documents, deposés à la Bibliothèque Nationale, à

l´ACERP, ou encore, appartenant à l´auteur de cette thèse, des livres didactiques ont

été analysés comme une chaîne interactive multimédia, sous la perspective d´Alain

Choppin. Ensuite, sous cette perspective, s´installe le Projet Minerva, un programme

radiophonique, ainsi que les cours de télévision João da Silva, A Conquista (La

conquête) (tous les deux suivant la conception de TV feuilleton et ayant pour objectif

la formation de jeunes adolescents et d´adultes jusqu´au niveau du 1er Degré -

aujourd´hui dénommé Cours primaire*) et le projet télévisé Qualification

Professionnelle pour le Magistère (visant la formation de professeurs des séries

initiales du 1er Degré*). On constate, entre-temps, que les mathématiques jusqu´à la

décennie de 1970, n´ont trouvé aucune évidence au sein des projets de la

radiodiffusion éducative promus directement par le Gouvernement Fédéral et

d´autant plus que l´ensemble multimidia livre didactique et TV feuilleton sont

dissociables. Faisant exception à l´article de 1924 concernant le premier mouvement

de renouvellement des mathématiques appliquées, les archives prouvent que les

classes de mathématiques se font présentes seulement à partir du Projet Minerva.

On pourra saisir aussi une entrevue avec Dom Eugênio de Araújo Sales, décédé en

juillet 2012, qui nous propose une autre vision des projets radio éducatifs.

Finalement, un essai semi romanesque a été projeté qui implique des hypothèses,

des entrevues et des documents.

Mots clefs: radiodiffusion éducative; éducation relative aux mathétiques, histoire,

mémoire, Radio Société de Rio de Janeiro, Radio MEC, TVE Brésil.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Gaiola, obra de arte apresentada na 29º Bienal de Artes de São Paulo .... 16

Figura 2: Catálogo on-line da Fundação Biblioteca Nacional, com a situação para

consulta da Electron. (BIBLIOTECA NACIONAL, 2012) ........................................... 21

Figura 3: Certificado de reservista de 1ª categoria. ................................................... 24

Figura 4: Minha esposa e eu. Maio de 2009. (MACIEL, maio 2009) ......................... 26

Figura 5: Defesa de Mestrado. Da direita para a esquerda: Prof. Dr. Ubiratan

D’Ambrosio, Prof. Dr. Bruno Alves Dassie, eu e o Prof. Dr. Wagner Rodrigues

Valente ...................................................................................................................... 35

Figura 6: Termo de doação dos documentos que pertenceram ao professor de

Matemática Manoel Jairo Bezerra. ............................................................................ 38

Figura 7: Sede da Rádio Sociedade (Radio, 1 jun. 1924, p. 25) ............................... 40

Figura 8: Fada Radio, um reclame de 1926 (Radio, abril 1926 , p. 55) ..................... 50

Figura 9: Página 21 da Revista Rádio (DA SILVA, 1924) ......................................... 56

Figura 10: CAPA da Revista Electron, n° 11-13 (RADIO SOCIEDADE DO RIO DE

JANEIRO, ago. 1926) ................................................................................................ 60

Figura 11: Contracapa do Livro de Roberto Peixoto, Universidade do Ar (1944) ...... 64

Figura 12: Reino da Alegria ....................................................................................... 68

Figura 13: Professores do Colégio do Ar .................................................................. 78

Figura 14: Aula do Projeto Minerva, conjuntos. (SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO

EDUCATIVA DO MEC, 1973a, p. 89) ....................................................................... 82

Figura 15: Aula sobre juros. ...................................................................................... 85

Figura 16: Equações do 2º Grau (SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO EDUCATIVA DO

MEC, 1973h, p. 116) ................................................................................................. 86

Figura 17: Volume dos Sólidos, conceitos (SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO

EDUCATIVA DO MEC, 1973j, p. 116) ....................................................................... 87

Figura 18: Avaliação do volume 1 do Telecurso Supletivo João da Silva, aluna Ledy

(FCBTVE, [ca. 1972]c) ............................................................................................ 109

Figura 19: Exercício 10, avaliação do segundo volume. Aluna Nilzete (FCBTVE, [ca.

1972]e) .................................................................................................................... 111

Figura 20: Avaliação do segundo volume, aluna Nilzete. (FCBTVE, [ca. 1972]e) .. 112

Figura 21: Página do livro didático A Conquista, volume 6 (KURY et al., 1979, p. 53)

................................................................................................................................ 119

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Figura 22: Construção da Central do Brasil............................................................. 134

Figura 23: Apostila do Curso Artigo 99 (AMADO (ORG.), [ca. 1969]) ..................... 135

Figura 24: Convite de Formatura de Manoel Jairo Bezerra ..................................... 140

Figura 25: Almoço na residência do Prof. Ubiratan D’Ambrósio, em 17 de outubro de

2009. Da esquerda para a direita: minha esposa, Izabel, eu, Prof. Ubiratan, Prof.ª

Maria José – esposa do Prof. Ubiratan, Prof. Guy Brousseau e Prof.ª Nadine –

esposa do Prof. Brousseau. .................................................................................... 147

Figura 26: Curso de Matemática para o 1º, 2º e 3º ano dos cursos clássico e

científico. ................................................................................................................. 162

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACERP - Associação de Comunicação Educativa Roquette-Pinto

AM – Amplitude Modulada

APMJ – Acervo Pessoal Manoel Jairo Bezerra

CEDO- Centre of Educational Development Overseas

CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas

CNAE – Comissão Nacional de Atividades Espaciais

CPII – Colégio Pedro II

DVD – Digital Video Disc

EAD – Educação à Distância

EBC - Empresa Brasil de Comunicação

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente

FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo

FCBTVE - Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa

FENAME - Fundação Nacional de Material Escolar

FM – Frequência Modulada

FRM - Fundação Roberto Marinho

FRP – Fundação Roquette-Pinto

FUNTEVÊ - Fundação Centro Brasileira de Televisão Educativa

GHEMAT - Grupo de Pesquisa de História da Educação Matemática

GEDOC – Gerência de Documentação e Pesquisa

INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

MEC - Ministério da Educação

MMM - Movimento da Matemática Moderna

MP – Medida Provisória

OC – Ondas Curtas

OM – Ondas Médias

QPM – Qualificação Profissional para o Magistério

Rádio MEC – Rádio Ministério da Educação

Radiobrás – Empresa Brasileira de Comunicação

SER – Serviço de Radiodifusão Educativa

SOARMEC – Sociedade dos Amigos e Ouvintes da Rádio MEC

TV – Televisão

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TV Globo – Emissora de Televisão Globo

TV Tupi - Emissora de Televisão Tupi

TVE Brasil - Emissora de Televisão Educativa do Governo Federal do Brasil

TV Escola - Emissora de Televisão Escolar do Ministério da Educação e Cultura

UHF – Ultra High Frequency

UNIBAN – Universidade Bandeirante de São Paulo

VHF – Very High Frequency

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Sumário

1. INTRODUÇÃO .................................................................................................... 15

2. A GESTAÇÃO DE UM FUTURO EDUCADOR E PESQUISADOR .................... 23

3. A PRODUÇÃO DE UMA MEMÓRIA ................................................................... 29

3.1. A CONSOLIDAÇÃO DA PESQUISA ............................................................ 36

4. ANTECEDENTES: O SURGIMENTO DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL ........... 40

4.1. OS PRIMEIROS ANOS: ECLÉTICO E REVELADOR.................................. 42

4.1.1 Deve ser livre a transmissão?................................................................ 46

4.2. A REVISTA RADIO EM 1926 E OS CURSOS A DISTÂNCIA ...................... 49

4.2.1 Os cursos a distância: apenas impressos? ........................................... 52

4.2.2 O ensino da geometria elementar .......................................................... 56

4.2.3 A radiodifusão educativa e a Matemática entre 1926 e a década de

1940...... .............................................................................................................. 60

5. A RÁDIO MEC: PÚBLICO, PROGRAMAS E O ENSINO DA MATEMÁTICA ..... 66

5.1. A RADIO OUVINTE JOSEFINA ................................................................... 66

5.1.1 Josefinas, Josefinos e seus filhos .......................................................... 68

5.2. O COLÉGIO DO AR ..................................................................................... 72

5.2.1 O Colégio do Ar e a disciplina de Matemática ....................................... 76

6. O ENSINO DA MATEMÁTICA VIA RÁDIO: O PROJETO MINERVA ................. 80

6.1. O MATERIAL DE ACOMPANHAMENTO DO PROJETO MINERVA ........... 81

6.1.1 A função ideológica e cultural ................................................................ 82

6.1.2 A função instrumental ............................................................................ 88

7. A TELEVISÃO EDUCATIVA DO GOVERNO FEDERAL DO BRASIL ................ 92

7.1. OS PROJETOS TELEDUCATIVOS: DO ENSINO DE 1º GRAU À

FORMAÇÃO DE PROFESSORES ........................................................................ 98

7.2. As telenovelas educativas: João da Silva e A Conquista ............................. 99

7.2.1 A tabuada dos nove ............................................................................. 104

7.2.2 Provas de Matemática ......................................................................... 108

7.2.3 O conjunto multimídia livro didático e telenovela educativa ................. 114

7.3. QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL PARA O MAGISTÉRIO ....................... 120

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7.3.1 Características ..................................................................................... 120

7.3.2 Conteúdo matemático e imagens em movimento ................................ 123

8. REALIDADE, INTERPRETAÇÃ E MEMÓRIA .................................................. 131

9. CONCLUSÕES ................................................................................................. 143

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 148

APÊNDICE A - A VIDA E A OBRA DE MANOEL JAIRO BEZERRA ...................... 161

APÊNDICE B - PARA OS AMADORES DE TRANSMISSÃO ................................. 165

APÊNDICE C - MODELOS PARA OBTER LICENÇA DE INSTALLAÇÃO DE UM

APPARELHO RECEPTOR RADIO-TELEPHONICO .............................................. 168

APÊNDICE D - O NOSSO ANIVERSÁRIO ............................................................. 170

APÊNDICE E - PARA QUEM NUNCA OUVIU RADIO ............................................ 173

APÊNDICE F - A T.S.F A SERVIÇO DA HYGIENE ................................................ 175

APÊNDICE G - PUBLIC ADDRESS ........................................................................ 182

APÊNDICE H - SECÇÃO OFFICIAL RADIO SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO . 185

APÊNDICE I - RELAÇÃO DOS PRIMEIROS SÓCIOS DA RÁDIO SOCIEDADE DO

RIO DE JANEIRO ................................................................................................... 192

APÊNDICE J – ENTREVISTA COM DOM EUGÊNIO DE ARAÚJO SALES ........... 200

APÊNDICE K – AULA DE MATEMÁTICA NA UNIVERSIDADE DO AR ................. 206

APÊNDICE L – REVISTA ELECTRON, NÚMERO 1 .............................................. 241

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1. INTRODUÇÃO

Esta Tese é resultado de pesquisas iniciadas há, aproximadamente, seis

anos. Começou de modo despretensioso, e, com a inserção na academia, culminou

em estudos científicos. Analisa, no período de 1923 a 2008, o ensino através do

rádio e da televisão, com ênfase no ensino da Matemática e nos projetos do

Governo Federal do Brasil – tendo como balizador a Associação de Comunicação

Educativa Roquette-Pinto, ACERP.

Em um primeiro momento, houve a intenção de ter como base documentos

localizados no Arquivo Nacional de Brasília. Contudo, devido ao encontro de outros

arquivos, tal intento foi alterado.

Face essas peculiaridades, os capítulos 2 e 3 contêm a memória deste

projeto de doutoramento - das motivações e obstáculos pessoais até a localização e

organização do rol documental analisado. Trata-se de um registro no qual é possível

observar como problemas e decisões pessoais e profissionais moldaram esta

pesquisa acadêmica. O capítulo 4 é sobre os primeiros tempos do rádio no Brasil,

com especial atenção à Radio Sociedade do Rio de Janeiro. Nos capítulos 5 e 6 há

a análise dos programas educativos da Rádio MEC, sucessora da Radio Sociedade.

O capítulo 7 é dedicado à televisão educativa e seus programas. E o capítulo 8 é um

ensaio que remete a compreensão da memória e história de vida do Seu Tatá: um

ator e espectador privilegiado dos primeiros tempos da TVE no Brasil.

A Tese foi desenvolvida em um lugar: a Educação Matemática. Seguiu uma

postura: evitar rótulos que, de algum modo, pudessem limitar ou aprisionar o

desenrolar do projeto, pelos seguintes motivos: 1) no âmbito pessoal, por ser o

símbolo de uma liberdade às duras penas conquistadas; 2) no âmbito acadêmico,

por ter como parâmetro a metáfora das gaiolas de Ubiratan D’Ambrosio – comentada

e exercitada durante as orientações e atividades dirigidas - e que pode ser

representada por obra do artista carioca Milton Machado.

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Figura 1: Gaiola, obra de arte apresentada na 29º Bienal de Artes de São Paulo.

(KRUTLI, 2010)

Afinal, como ter a certeza de que a gaiola é de cor preta, por dentro e por

fora? É óbvio que um pássaro só poderá conhecer a pintura externa de sua morada

caso a veja por fora. Antes disso, é uma prisão, um local cuja percepção de mundo

assemelha-se àquela observada pelos moradores da Caverna de Platão, em o Mito

da Caverna (CHAUI, 2009). E, sob este contexto, esta Tese, bem como o exercício

do doutoramento, é um passeio para locais nunca antes navegados.

Mas não se trata de um voo despretensioso e irresponsável: ignorar o caráter

acadêmico e científico inerentes a uma pesquisa acadêmica é, no mínimo, um

equívoco.

No que diz respeito à narrativa, de modo amplo, esta é verificável, por meio

da análise das referências e citações, e, ainda, orientada pelos estudos históricos

culturais. Tem base nos estudos de Chartier (2009) e analisa as fontes de pesquisa

sob a ótica de um pesquisador com origem profissional na área de rádio e de

televisão, formado em Matemática e Administração de Empresa.

Sobre as entrevistas realizadas para esta Tese, algumas foram gravadas em

um tempo presente, com o uso de procedimentos cujo objetivo foi o registro de

idéias. Esta postura está em conssonância com as intenções dos pesquisadores da

história oral José Carlos Sebe Bom Meihy e Fabíola Holanda (2007). Para eles “o

ponto de partinda das entrevistas em história oral implica em aceitar que os

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procedimentos são feitos no presente, com gravações, e envolvem expressões orais

emitidas com intenção de articular idéias orientadas a registrar ou explicar aspectos

de interesses planejados em projetos” (MEIHY e HOLANDA, 2007, p. 14).

É importante entender que as entrevista realizadas não foram estudos

isolados, distantes de um interesse específico. Seguiram algumas normas, com base

nas seguintes etapas:

1. planejamento da condução das gravações segundo indicações previamente feitas; 2. respeito aos procedimentos do gênero escolhido e adequado de história oral; 3. Tratamento da passagem do código oral para o escrito, no caso da elaboração de um texto final para a pesquisa ou escritura de um livro; 4. Conferência da gravação e validação; 5. autorização para o uso; 6. arquivamento e/ou eventual análise; 7. sempre que possível, publicação dos resultados em: catálogos, relatórios, textos de divulgação, sites, documentários em vídeo ou exames analíticos como dissertações ou teses.

Por exemplo, a entrevista com Dom Eugênio de Araújo Sales, foi pensada no

início da pesquisa. Para tanto, houve um planejamento: estabelecimento de um

canal de comunicação através do secretário do Arcebispo, exposição de motivos,

marcação de entrevista, visita à cidade do Rio de Janeiro, a entrevista propriamente

dita, a textualização, revisão pelas partes, autorização para uso e publicação.

Houve, ainda, uma particular atenção no que diz respeito aos programas de

rádio ou televisão. Para as imagens ou sons analisados, utilizou-se uma extensão de

conceitos de história oral. José Carlos Sebe Bom Meihy e Fabíola Holanda (2007)

enfatizam a necessidade do desenrolar das atividades em tempo presente. Por

exemplo, a participação de Manoel Jairo Bezerra no Programa Sem Censura (TVE

BRASIL, [198-?]) é uma entrevista. Mas em um tempo passado. Contudo, seu uso

estava previsto, bem como sua publicação e divulgação. O mesmo ocorre com a

aula do Telecurso Qualificação Profissional para o Magistério (1985).

Característico também foi o uso da transcrição, da textualização e da

transcriação. Para José Carlos Sebe Bom Meihy e Suzana L. Salgado Ribeiro (2011)

consistem, respectivamente, na passagem do oral para o escrito (incluindo possíveis

ruídos, vícios de linguagem e erros gramaticais), a edição (mantendo a lógica, mas

corrigindo erros – desde que não distorçam ou interfiram na compreensão geral da

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entrevista) e, ainda, a criação de um texto capaz de transmitir as intenções e o

momento da gravação em toda a sua plenitude.

Eis, então, sob este aspecto, que se desenvolve uma narrativa com “Seu

Tatá” em um dos capítulos finais, com base em minhas sensações e experiências a

cerca da televisão educativa.

De modo amplo a produção histórica, no que diz respeito à escola, presume-

se falha em sua essência: livros didáticos dizem respeito a uma cultura escolar, mas

não podem, efetivamente, serem considerados documentos que comprovam uma

determinada prática em sala de aula.

Como garantir que um professor desenvolveu uma ação pautada em um livro,

em particular de Matemática? Eis, portanto, que surge uma arqueologia das ideias:

tal qual um pesquisador que, por meio de fragmentos de um dinossauro, consegue

recriá-lo em sua plenitude – desde seus hábitos alimentares até as cores de sua

pele.

Neste sentido, a radiodifusão educativa tem lugar de destaque. A aula é

gravada, transmitida, veiculada. São os fragmentos de um quotidiano escolar “sem

paredes”.

As imagens em movimento, observadas sob este aspecto, tornam-se

relevantes para a História da Educação Matemática, pois podem conter registros

inobserváveis em livros didáticos. A partir desses “restos mortais” é viável tentar

compreender como eram as aulas de um tempo passado.

O contexto mais amplo pode ser compreendido por documentos tradicionais:

livros didáticos, provas, relatórios, apostilas, memorandos, revistas, etc.

Isto resulta na interpretação de um tempo quase imemorial, embasados em

rastros do passado no presente, com operações específicas, controladas e

reguladas.

No que diz respeito aos livros didáticos, optou-se pelo estudo relacionado ao

conjunto multimídia livro didático + radioaula/telenovela, observando-se as funções

deste suporte com base no trabalho de Alain Choppin (2004) sobre livros e edições

didáticas.

Antes é necessário entender que Choppin reconhece algumas dificuldades e

limites dos seus argumentos: a compreensão do que é livro didático; a escassez de

trabalhos abrangentes, em virtude de ser um campo de pesquisa recente e que se

desdobra na “recente inflação de publicações que se interessam pelos livros

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didáticos” (CHOPPIN, 2004, p.550); e, ainda, as dificuldades relacionadas à língua.

Mas, mesmo assim, ele ressalta a necessidade de se estudar os livros didáticos pela

sua importância para o mercado editorial.

Tal postura pode ser o reflexo de um campo ainda em construção e, por isto,

carente de bases teóricas. Sendo assim, é viável produzir trabalhos com base em

estudos incompletos ou em desenvolvimento? Há de se levantar a hipótese de que o

trabalho de Choppin talvez deva ser aprimorado para que exista uma adequada

aplicabilidade às situações brasileiras. O estudo que esteja amparado nas reflexões

deste autor deve indicar as limitações e, na medida do possível, definir as restrições

e avanços que dizem respeito à história dos livros e das edições didáticas.

Sobre as funções dos livros didáticos, considera-se que as caracterizações,

embora expostas de forma sistemática e didática, irão, em alguma medida, definir os

caminhos da análise dos livros didáticos. Choppin entende que há 4 funções

distintas e passíveis de análise. Seriam elas:

1. Função referencial, também chamada de curricular ou programática, desde que existam programas de ensino: o livro didático é então apenas a fiel tradução do programa ou, quando se exerce o livre jogo da concorrência, uma de suas possíveis interpretações. Mas, em todo o caso, ele constitui o suporte privilegiado dos conteúdos educativos, o depositário dos conhecimentos, técnicas ou habilidades que um grupo social acredita que seja necessário transmitir às novas gerações. 2. Função instrumental: o livro didático põe em prática métodos de aprendizagem, propõe exercícios ou atividades que, segundo o contexto, visam a facilitar a memorização dos conhecimentos, favorecer a aquisição de competências disciplinares ou transversais, a apropriação de habilidades, de métodos de análise ou de resolução de problemas, etc. 3. Função ideológica e cultural: é a função mais antiga. A partir do século XIX, com a constituição dos estados nacionais e com o desenvolvimento, nesse contexto, dos principais sistemas educativos, o livro didático se afirmou como um dos vetores essenciais da língua, da cultura e dos valores das classes dirigentes. Instrumento privilegiado de construção de identidade, geralmente ele é reconhecido, assim como a moeda e a bandeira, como um símbolo da soberania nacional e, nesse sentido, assume um importante papel político. Essa função, que tende a aculturar — e, em certos casos, a doutrinar — as jovens gerações, pode se exercer de maneira explícita, até mesmo sistemática e ostensiva, ou, ainda, de maneira dissimulada, sub-reptícia, implícita, mas não menos eficaz. 4. Função documental: acredita-se que o livro didático pode fornecer, sem que sua leitura seja dirigida, um conjunto de documentos, textuais ou icônicos, cuja observação ou confrontação podem vir a desenvolver o

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espírito crítico do aluno. Essa função surgiu muito recentemente na literatura escolar e não é universal: só é encontrada — afirmação que pode ser feita com muitas reservas — em ambientes pedagógicos que privilegiam a iniciativa pessoal da criança e visam a favorecer sua autonomia; supõe, também, um nível de formação elevado dos professores (CHOPPIN, 2004, p. 553).

Portanto, pretende-se compreender principalmente as funções instrumentais e

referenciais com a ressalva de que Choppin parece não ter pensado em como

aplicar seu estudo para análises do conjunto multimídia. Portanto, os conceitos

foram ampliados para as radioaulas e telenovelas.

Ou seja, há uma estrutura de interpretação plausível, onde, ao final, pretende-

se responder algumas questões.

A primeira delas diz respeito ao que é possível dizer sobre os primeiros anos

de radiodifusão educativa no Brasil, com ênfase no ensino da Matemática.

Tal intenção surgiu da necessidade de compreender o passado da ACERP,

mantenedora da extinta Televisão Educativa do Governo Federal do Brasil - TVE

Brasil.

Ocorre que a ACERP também era responsável pela gestão da Rádio

Ministério da Educação – Rádio MEC, Amplitude Modulada - AM - e Frequência

Modulada – FM -, emissoras de rádio educativo do Governo Federal do Brasil. E,

ainda, considerou-se que a televisão, como tecnologia, teve como uma de suas

bases o rádio.

Portanto, ao analisar a radiodifusão educativa, nada mais plausível e

adequado do que entender estes primeiros tempos, iniciados oficialmente na década

de 1920 com a criação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro - uma associação de

interessados em radiofonia - doada ao Governo Federal do Brasil na década de

1930 e rebatizada como Rádio MEC1.

O modo no qual o assunto é tratado justifica-se pela ausência de outras

pesquisas mais amplas, observada após revisão bibliográfica.

Observa-se, ainda, que esta primeira etapa de estudo teve como base os

seguintes documentos: o periódico Radio (impresso entre os anos de 1923 e 1924) e

o Boletim informativo da Rádio Ministério da Educação (da década de 1950).

Completam este rol de documentos as apostilas e os relatórios relacionados ao

1 Para maiores detalhes sobre os motivos de escolher tal especificidade de pesquisa, ler os capítulos

1 e 2 desta Tese.

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Projeto Minerva, um curso de suplência em nível de 1º Grau (hoje Ensino

Fundamental); todos disponíveis na ACERP ou na Sociedade de Amigos e Ouvintes

da Rádio MEC – SOARMEC2.

No ano de 1926, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro criou outro veículo de

comunicação: a revista Electron. Entretanto, em virtude da impossibilidade de

acesso a este periódico na Biblioteca Nacional, depositária do material, não houve

análise pertinente.

Figura 2: Catálogo on-line da Fundação Biblioteca Nacional, com a situação para

consulta da Electron. (BIBLIOTECA NACIONAL, 2012)

A última tentativa de consulta ao acervo foi realizada no dia 8 de julho de

2012. Observou-se, ainda, que essas revistas estão indisponíveis desde a

elaboração do projeto de doutoramento, ou seja, há pelo menos três anos3.

Milhares de outros documentos estão depositados na ACERP e na

SOARMEC. Entretanto, por impossibilidade de acesso, em particular dos áudios,

não foram incluídos nesta pesquisa.

Como todas essas questões estão delimitadas à disciplina de Matemática e,

ainda, aos projetos desenvolvidos pela ACERP e suas antecessoras, foram

analisados os programas televisivos Qualificação Profissional para o Magistério -

QPM, voltado para a formação de professores e produzido na década de 1980, e,

2 A Rádio MEC e a SOARMEC estão situadas na Praça da Republica, 141, bairro Centro, Rio de Janeiro-RJ. A

ACERP está localizada na Rua Gomes Freire, 474, bairro Centro, Rio de Janeiro-RJ 3 Há um tópico nesta Tese abordando a revista Electron. A base foi pesquisa preliminar realizada no ano de 2008

e que não pode ser concluída em virtude da indisponibilidade do material.

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ainda, os telecursos João da Silva e A Conquista. Estes dois últimos elaborados na

década de 1970, oferecidos a jovens e adultos do ensino supletivo das séries iniciais

e finais do 1º Grau, respectivamente.

Verificou-se também como foi a compreensão de alguns alunos do Telecurso

João da Silva sobre a Matemática ensinada, tendo como parâmetro provas enviadas

pelos alunos à Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa – FCBTVE.

Sobre s conteúdos de Matemática, em todas as suas nuances, optei pela

compreensão no que diz respeito às imagens ou ao áudio disponíveis, dentre eles

Geometria Euclidiana. No Telecurso João da Silva, observou-se atividade

relacionada à tabuada dos nove.

Em relação ao rádio, a base é o Projeto Minerva. Neste caso, o estudo contou

com limitações técnicas. Nem mesmo os roteiros foram localizados: apenas uma

aula via rádio, cedida pela SOARMEC.

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2. A GESTAÇÃO DE UM FUTURO EDUCADOR E PESQUISADOR

Considero que a minha paixão pela história da Educação Matemática seja o

resultado de um conjunto de fatores.

Meus caminhos, meu destino e todo o meu pensamento são consequências

de um passado. Afinal, desde a adolescência, a minha paixão pela Matemática era

notória. Tudo que viria depois (os sucessos e revezes pessoais) me levaria ao

caminho da Academia, do doutoramento.

Tanto amava esta disciplina que, no Segundo Grau (hoje Ensino Médio),

repeti duas vezes a primeira série. Somente não o fiz uma terceira vez em virtude de

um abandono escolar no final do ano letivo.

Primeiro veio esse imbróglio, no Colégio Andrews. Depois as sucessivas

reprovações, no Colégio Rio de Janeiro – ambos sediados na cidade carioca.

A minha última professora desta fase, Rosa Mazo Reis, ofertou um desafio,

resolvido com esta Tese: ela afirmou que dificilmente uma pessoa seria bem

sucedida caso não compreendesse minimamente a Matemática.

De início eu me revoltei. Achei que ela estaria me humilhando. Mas hoje

percebo tudo isso de outro modo. Ela, de fato, sugeriu um novo olhar para o mundo.

Um desafio aceito e cumprido.

As reprovações foram apenas resultados de um momento difícil em minha

vida. Em casa, pais insanos, uma mãe deprimida, e dificuldades econômicas tiveram

como consequência uma ação de despejo que envolveu, à época, meus dois irmãos

menores.

Todos nós, em maior ou menor grau, estávamos envoltos em uma bolha

prestes a explodir: não existia o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, nem a

Lei Maria da Penha.

Em virtude dos problemas familiares, às vezes, procurava refúgio na casa de

colegas. Saía do Colégio rumo à residência de alguém para fazer trabalhos

escolares.

Durante bom tempo, abominei a palavra Matemática. Elegi essa disciplina

como um dos vilões de um momento de incertezas.

Após a última reprova, tentei vaga em escola pública. Minha mãe não permitiu

acreditando que em breve a vida iria melhorar e poderia me matricular em uma

instituição particular.

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Tentei emprego. Não consegui, pois estava próximo do alistamento.

Aos 19 anos, em abril de 1990, fui convocado para servir no 1º Batalhão de

Polícia do Exército. Fiquei com medo, mas ao mesmo tempo aliviado. Sabia que

poderia ter, ao menos durante um ano, um porto seguro, pois a minha família estava

desmantelada.

Figura 3: Certificado de reservista de 1ª categoria.

No dia 13 de maio de 1990 fui definitivamente incorporado ao Serviço Militar.

Muitas coisas aconteceram nessa época. Conheci pessoas em situação pior do que

a minha: sem casa, sem família, sem trabalho. O exército era a única salvação para

eles – e também para mim. Aprendi um pouco do que é ser pobre e o que é miséria,

tanto economicamente quanto em termos de humanidade.

Convivi com pessoas de todos os tipos: pessoas simples e honestas,

malandros, praças, oficiais maus-caracteres e até traficantes - que estavam ali a

mando de sua facção para aprender a manusear armas de grosso calibre.

E todas essas situações me fizeram refletir: o que eu queria da minha vida?

Deixaria o medo da Matemática me dominar?

Em 1992, o Capitão Fernando Teixeira de Mello Amaro, comandante da

Companhia que servi no Exército, chamou-me para uma conversa. Sabedor dos

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problemas que eu tinha, ele sugeriu: tente ser independente, faça uma faculdade.

Foi a única pessoa em anos que me aconselhou.

Pensando um pouco no que ele falou, resolvi permanecer por mais alguns

meses no serviço militar e participei da ECO 924.

Aos 20 anos, pouco antes da baixa no Serviço Militar, retomei os estudos.

Aos 22 anos concluí o Ensino Médio. Marcantes foram as aulas com o professor de

Matemática: Mário. Militar da reserva, bom explicador, ajudou-me a diminuir o

trauma com essa Disciplina.

Tentei, à época, trabalhar, no teatro. De início, como contrarregra no Alaska,

em Copacabana. Depois como pseudoator na mesma peça: De Cabral a Itamar. Eu

era um dos ministros. Chegamos a pisar no palco do Teatro João Caetano, a

convite, durante duas semanas. Mas logo percebi que a vida de artista não era a

minha praia. Trabalho duro e muito mal remunerado o de iniciante.

Aos 23 anos fui aprovado no vestibular para o Curso de Administração de

Empresas da Universidade Candido Mendes, Faculdade de Ciências Políticas e

Econômicas do Rio de Janeiro, instituição com mais de 110 anos de história – e

considerada, nos anos de 1980 e 1990, uma das melhores universidades do Rio de

Janeiro. Bom aluno, não tive reprovações. Meu Coeficiente de Rendimento Escolar

foi B – equivalente à nota entre 7,0 e 9,0. Cheguei a tirar notas máximas em

algumas disciplinas, dentre elas Matemática II (Equivalente a Cálculo Diferencial e

Integral) e Estatística II. Muito diferente da adolescência. Nesta época, tinha alguma

estabilidade emocional – distante do ideal, mas bem melhor se comparado com o

passado recente.

Durante os 4 anos de nível superior, consegui melhor remuneração em

estágios. Ganhava relativamente bem e tinha o suficiente para me manter, com a

ajuda de alguns familiares. Formei-me em um período economicamente difícil no

Brasil, com poucas oportunidades de emprego se comparado com os dias de hoje.

Ao término, fiquei sem trabalho.

Foram quase 5 meses procurando serviço: de janeiro a maio de 1999. Um dia

me desesperei. Sexta-feira. O sentimento de fracasso era total. Na tarde de 21 de

maio de 1999, recebi um telefonema para fazer um teste para um emprego.

4 Evento internacional ocorrido no Rio de Janeiro. Dizia respeito aos problemas climáticos e de meio-

ambiente. Chefes de estado do mundo inteiro participaram, dentre eles Fidel Castro e George Bush.

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Pensei que era trote, pois a entrevista ocorreria no sábado. Fui ao endereço

indicado. Eu havia entregue o currículo há poucos dias, em um fim de tarde. Eram

centenas de candidatos. O processo seletivo durou o dia inteiro. Dinâmicas e mais

dinâmicas de grupo. No final só ficaram os aprovados e divulgaram o nome da

empresa, do ramo de telecomunicações. Em 25 de maio de 1999, minha carteira foi

assinada.

No ano de 2000, consegui um emprego melhor e conheci minha futura

esposa, Izabel.

Figura 4: Minha esposa e eu. Maio de 2009. (MACIEL, maio 2009)

Em 2001 fui promovido. Comecei efetivamente a exercer a profissão de

administrador, trabalhando na área de Recursos Humanos. No dia-a-dia da labuta,

usava uma Matemática elementar: regra de três, porcentagem. Nada complexo.

As coisas começaram a melhorar significativamente. Minha esposa e eu

fomos morar em um apartamento no Centro do Rio de Janeiro. Um minúsculo quarto

e sala, mas com uma bela vista para o Cristo Redentor.

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Passado esse momento de mudanças, comecei a me sentir frustrado com a

minha vida profissional. Ganhava o suficiente para sobreviver e não via perspectivas

de progressão.

Como eu gostava de escrever, resolvi participar de um concurso promovido

pela Rede Globo de Televisão sobre o Ano Novo. As cinco melhores frases

passariam o Réveillon de 2004/2005 no Corcovado, aos pés do Cristo Redentor. Eu

fui um dos contemplados. Uma virada de ano deslumbrante. À meia-noite, breve

garoa acompanhada de uma chuva de pétalas. Uma delas caiu no copo de

Champanhe da minha esposa. Antes de ir embora fui aos pés da imagem. Vi a

cidade maravilhosa iluminada. Ajoelhei, agradeci pelas bênçãos que eu havia

recebido e pedi que iluminasse meu futuro.

Menos de 30 dias depois, minha esposa sugeriu que eu cursasse a faculdade

de Matemática. Sem compromisso, resolvi ir à Universidade Estácio de Sá.

Consegui desconto de cinquenta por cento por ter diploma de nível superior. As

aulas começaram em fevereiro de 2005 eu fui sem qualquer expectativa.

Ao mesmo tempo comecei a procurar outro emprego. No dia 1º de dezembro

de 2005, fui trabalhar na ACERP: período de sacrifícios. Acordava às 6 da manhã,

para chegar às 9 horas no trabalho. O expediente acabava às 18 horas e às 19

horas já estava na faculdade. As aulas iam até às 22 horas e 40 minutos. Chegava

em casa por volta de meia-noite e meia. Ia me deitar por volta das 2 da madrugada –

antes jantava, tomava banho e estudava. Essa rotina durou 3 anos e 6 meses.

Tive que fazer escolhas. Uma delas diz respeito à minha alimentação: ou eu

almoçava em um local mais barato, a fim de pagar a faculdade e comprar livros, ou

desistia do curso. Decidi, então, me alimentar no Restaurante Popular situado na

Central do Brasil (estação final do trem suburbano carioca). O prato custava R$ 1,00.

Pensava eu que estava em situação ruim. Que engano! Eu tinha perspectiva,

enquanto muitos rezavam para ter o que comer à noite.

O final de semana era dedicado aos estudos. Raros eram os momentos de

lazer.

Em 2008 concluí o Curso de Matemática. Tive como professora de

Informática na Educação e de Trabalho Final aquela que me ofertou o desafio no

Ensino Médio: Rosa Mazo Reis. Um ciclo se completava e outro iniciava. O meu

orientador de Trabalho de Conclusão de Curso, Professor Dr. Bruno Alves Dassie,

sugeriu que eu participasse do processo seletivo para o Mestrado em Educação

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Matemática da Universidade Bandeirante – UNIBAN, situada na capital paulista. Fui

aprovado.

Tive que optar entre o trabalho e a vida no Rio de Janeiro e um futuro incerto

em São Paulo. Eu e minha esposa mudamos de estado e de rumo. Estabelecemos

nossa morada em Sorocaba, a 110 quilômetros da UNIBAN.

Consegui uma bolsa de estudos pela Fundação de Amparo à Pesquisa do

Estado de São Paulo: insuficiente para me manter. Mais uma vez, minha esposa

teve uma participação fundamental: ajudou-me, e muito. Ela quem me sustentou

neste momento inicial. A bolsa de Mestrado era de, aproximadamente, R$ 1.200,00.

A mensalidade do curso, em torno de R$ 800,00. Sobravam R$ 400,00 para

alimentação, moradia e despesas com transporte. Difícil.

Por este motivo, nas diversas vezes fui à São Paulo estudar tive que dormir

em hotéis baratos ou em albergues da juventude.

Em toda esta trajetória, marcante foi a passagem pela ACERP: ponto de

encontro entre o saber profissional e o saber acadêmico. Propiciou-me desenvolver

dos estudos em nível de Pós-Graduação. O registro de tal imbricar está no capítulo a

seguir.

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3. A PRODUÇÃO DE UMA MEMÓRIA

Em 2005 a ACERP era responsável pela gestão da emissora de Televisão

Educativa do Rio de Janeiro – TVE Brasil – e da Rádio MEC, além de prestar

serviços para o Ministério da Educação (Salto para o Futuro e TV Escola). Quando

fui contratado, tive como missão inicial implantar o Plano de Cargos e Salários.

Os primeiros dias nesta instituição foram monótonos. Fiquei instalado em uma

pequena sala, com a minha gestora: ela ficava ao fundo; eu em uma pequena mesa

na entrada do ambiente. Sempre que alguém desejasse passar para conversar ela,

era necessário que eu me levantasse e empurrasse a cadeira para debaixo da

mesa. A equipe era formada por mais quatro pessoas: dois analistas, um assistente

administrativo e um estagiário. Exceto nós dois, os demais estavam provisoriamente

alocados no segundo andar de um edifício na Rua da Relação – recém-adquirido e

em reformas para melhor adequar a parte administrativa da Organização.

Gozávamos de certo prestígio, pois constávamos no organograma como uma

Assessoria de Desenvolvimento de Recursos Humanos – subordinada à Diretoria

Administrativa e Financeira. Acima de nós, somente o diretor, a vice-presidente e a

presidente.

Como fui admitido no final de ano, poucas ações puderam ser realizadas.

Nesta época, estendendo-se até o Carnaval, as produções (espécies de gerências

responsáveis pela elaboração e gestão de programas televisivos) estavam em

recesso.

Uma das minhas primeiras atividades foi ficar a par do plano de carreiras em

vigor. Um trabalho relativamente simples: verificar planilhas, observar o

encadeamento funcional, salários, etc. Contudo entraves surgiram: o computador, se

é que poderia ser chamado assim, era obsoleto. Simplesmente perdia-se cerca de

uma hora para colocá-lo a funcionar. Qualquer que fosse o programa, o “drama” era

o mesmo: pelo menos de 15 a 20 minutos para abrir uma planilha eletrônica ou um

arquivo texto. Para salvar qualquer alteração, a mesma morosidade. Disseram que

eu tivera sorte. Antes todos ficavam alocados em um casarão velho e sujo.

Um dos meus colegas de trabalho, Iever Bento, me levou, nos meus primeiros

dias de trabalho, para conhecer as dependências da empresa. De início, somente o

prédio existente na Av. Gomes Freire e o da Rua da Relação, em obras. Como, para

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mim, trabalhar em uma emissora de televisão era novidade, gostei muito das visitas

que fiz aos estúdios e às gerências. Mas não tardou para que eu percebesse os

colossais problemas que existiam. Essa foi a minha primeira semana na ACERP.

Em seguida, dezenas de relatórios foram postos à minha mesa, bem como

um livro sobre o destino da televisão educativa. Foram, aproximadamente, duas

semanas estudando estes documentos antes de iniciar qualquer ação no que diz

respeito ao Plano de Cargos e Salários.

Outra tarefa nesses primeiros meses foi elaborar, com o uso da estatística e

da Matemática elementar, uma nova tabela salarial. A intenção: obter o menor custo

possível em sua implantação. O trabalho foi realizado e enviado à diretoria.

No primeiro semestre de 2006, finalmente trabalho de campo. A ideia inicial:

entrevistar todos os funcionários para conhecer melhor as suas funções e elaborar

descrições de cargo mais condizentes com a realidade da organização. O que havia

até então era um plano elaborado por uma empresa de consultoria, provavelmente

feito às pressas quando da migração das atividades da Fundação Roquette-Pinto -

FRP para a ACERP.

Em tempo: a ACERP era uma Organização Social. Não era uma empresa

pública ou privada, nem fundação. Foi criada no ano de 1998 (BRASIL.

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. SUBCHEFIA PARA ASSUNTOS

JURÍDICOS, 15 maio 1998) e absorveu as atividades da FRP, extinta 1998. Os

funcionários públicos desta fundação foram cedidos à ACERP. Por isso, trabalhavam

no mesmo espaço e com objetivos em comum empregados contratados pela

Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT – e pelo Regime de Servidores Públicos.

Nenhum empregado ou servidor era concursado. Os primeiros eram

contratados por meio de trâmites normais de uma empresa privada: testes de

conhecimentos gerais, exames de aptidão, psicotécnicos, dinâmicas de grupo e

entrevistas. Já os servidores entraram na FRP antes da constituinte de 1988, o que

lhes garantiu, legalmente, sem concurso de provas e/ou títulos, tornarem-se

servidores públicos.

Na prática a ACERP era uma empresa do governo federal do Brasil: diretores

e presidentes eram nomeados pelo Secretário de Comunicação Social da

Presidência da República. E com isso, ficava vulnerável às mudanças de governo e

seus escândalos.

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Encontrei muito descontentamento entre os servidores da extinta FRP. Ao

analisar a folha de pagamentos, observei o motivo: aproximadamente 10 anos sem

qualquer tipo de reajuste salarial. Por outro lado, muitos dos empregados eram

oriundos de cooperativas que prestaram serviços à FRP. Logo, durante alguns anos

não receberam férias, décimo terceiro salário e outros direitos trabalhistas.

Nos primeiros momentos de entrevistas, normalmente não estruturadas, eu

solicitava aos empregados ou servidores que falassem sobre como desenvolviam o

seu trabalho: uma estratégia que acarretou em depoimentos longos e que muitas

vezes revelavam as feridas de uma televisão educativa e de rádio educativo.

Alguns não conseguiam se expressar. Íamos in loco observar o trabalho - com

o consentimento dos empregados, gerentes e diretores.

Um dos problemas deste período diz respeito aos locais em que foram

realizadas as entrevistas. Escolhi ambientes livres nos quais a entrevista poderia ser

algo privado. Se necessário poderia ser interrompida sem causar constrangimentos

ao entrevistado. Ocorre que poucas eram as salas disponíveis. Inicialmente ficamos

em uma onde havia a Switcher5 de um dos estúdios de TV.

O local era frio, por causa do ar condicionado que ficava ligado

constantemente em virtude dos equipamentos ali existentes. Era nítida a falta de

manutenção: mesas velhas, cadeiras quebradas, ácaro em demasia... Ficava,

aproximadamente, 6 horas por dia nesse ambiente, alternadas entre manhã, tarde e

noite.

Os empregados da Gerência de Operações, os primeiros a serem

entrevistados, trabalhavam em três turnos. Eram operadores de câmera e seus

auxiliares, operadores de áudio, de imagem, dentre outros.

Alguns reclamaram de ratos que havia no interior dos estúdios e dos riscos de

incêndios face o cabeamento elétrico obsoleto. Diziam que aquele prédio, por estar

em uma região antiga da cidade e, embaixo, passar um córrego canalizado, seria

propício à infestação de roedores. Compreendiam o problema. Mas não

concordavam com a aparente falta de ações.

Em seguida, fiquei “alojado” nas Ilhas de Edições. Cheirando a mofo, com

carpetes e divisórias velhas, não era um local muito agradável. Mas o trabalho tinha

que ser feito. Entrevistei editores de imagem – responsáveis, em certa medida, pela

5 Switcher é um ambiente de trabalho onde ficam instalados os operadores de áudio, diretores de imagem e

operadores de vídeo, anexo aos estúdios de televisão, de modo a administrarem o que ocorria diante das câmeras.

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estrutura final dos programas televisivos. A maior reclamação eram os

equipamentos: com mais de vinte anos de uso e, ainda, constantes e insolucionáveis

problemas. Seu Dirceu, trabalhador antigo, com origem profissional na extinta TV

Tupi, e chefe do setor, me auxiliou bastante nesta fase.

Neste meio tempo, a reforma do prédio da Rua da Relação terminou. Fomos

todos para o 7º andar deste imóvel. A diferença na qualidade das acomodações era

absurda. Apelidaram o imóvel de Luxus, em alusão à novela Cobras e Lagartos,

veiculada no ano de 2006 na Rede Globo.

Na novela, Luxus era uma grande e rica loja. A parte pobre era representada

pela região do Saara – ruas de comércio popular do Rio de Janeiro.

A comparação fazia jus. A Rua da Relação foi inaugurada com móveis novos,

visual moderno, salas de reunião e um auditório, onde fazíamos treinamento e

seleção de empregados, além das habituais reuniões do Conselho Administrativo da

ACERP, composto por ministros de estado, pessoas influentes na sociedade e um

representante dos empregados, Yacyra Meira.

Nesta nova fase iniciei as entrevistas com os trabalhadores da área

administrativa: financeiro, jurídico e recursos humanos. A maior queixa veio do

jurídico. Diziam que não eram entendidos pelas produções. Segundo eles, era

necessário compreender a Lei de Direitos Autorais, os Termos de Autorização de

Uso de Imagem e, no caso de menores, os pedidos protocolizados na Vara da

Infância e Juventude.

Logo após, foram as produções. Queixavam-se do jurídico, moroso e que

causava obstáculos às gravações. A precariedade dos espaços também era uma

constante, principalmente na Gerência de Jornalismo. Novamente os ratos. As

pessoas desta gerência se aglomeravam em um espaço pequeno e mal conservado

no prédio da Av. Gomes Freire. Posteriormente alguns foram transferidos para a Rua

da Relação, enquanto outros aguardavam a reforma de seu local de trabalho.

E assim fui conhecendo toda a rotina de uma empresa de televisão, inclusive

da TV Escola (um canal do Ministério da Educação cujas atividades eram

terceirizadas e sob responsabilidade da ACERP). As descrições de Cargos e

Salários eram importantes, mas a essa altura eu comecei a entender e me interessar

mais pela cadeia de produção. Um dependia do outro.

Um dos locais considerados vitais é o Controle Mestre. O operador era

responsável pelas entradas de sinais, bem como pela sequência de programação e

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cronometragem dos tempos, medidos em horas, minutos e segundos. Ali percebi

que, quando a imagem na televisão fica “preta”, ou corta-se um comercial ao meio,

provavelmente ocorreu uma falha no Controle Mestre, seja técnica ou operacional.

Era um ambiente tenso. Quando os empregados chegavam, colocavam em um

mural como o seu estado de humor.

A dependência entre setores não era visível no organograma. Em grande

medida, era desconhecida de empregados e funcionários – que normalmente

definiam o seu trabalho e a sua equipe como as mais importantes da Organização.

E foram nessas idas e vindas que conheci um pouco da radiodifusão

educativa. Concomitantemente, meus conhecimentos de Matemática, já não tão

elementares, passariam por um processo de aprimoramento por meio da graduação,

onde tive como uma das professoras a Dra. Estela Kaufman.

Através dos “causos”, as primeiras histórias chegaram aos meus ouvidos:

nada mais do que memórias de uma instituição de passado glorioso e futuro incerto.

O que eu encontrei foi um misto de êxtase pelo ressurgimento, como uma

Fênix, da TVE Brasil e de ceticismo.

No final de 2006, comecei a pensar na minha monografia do curso superior

em Matemática: visitei o acervo da Gerência de Documentação e Pesquisa -

GEDOC. Localizei documentos e livros didáticos que diziam respeito à memória da

Educação Matemática. Muitos desses materiais, literalmente, retirei do lixo: estavam

prestes a serem descartados. Soube que um acervo com reportagens sobre Manoel

Jairo Bezerra perdeu-se devido a um ataque de ratos. Tentei acessá-lo, mas quando

a notícia chegou aos meus ouvidos os recortes de jornais já haviam sido

descartados.

O mais surpreendente não foi o resgate de livros didáticos, mas sim o andar

por todas as dependências da Organização. Localizei onde estão armazenados os

documentos da TVE Brasil e da Rádio MEC: 1) Prédio da Av. Gomes Freire 474 – há

imagens em movimentos e documentos escritos. 2) Casario na Rua dos Inválidos,

ao lado do edifício de número 105 (fundos do edifício da Gomes Freire) – centenas

de fitas quadruplex com imagens em movimento. 3) Rádio MEC, na Praça da

República – documentos, livros didáticos, periódicos, fitas de áudio. 4) Galpão na

Penha, milhares de fitas quadruplex, sem o devido acondicionamento e milhões de

documentos da ACERP. Este local é chamado, no jargão empresarial, de Arquivo

Morto.

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Como empregado, devido ao estado de conservação, somente tive acesso a

uma pequena parte dos documentos. Áudio e imagens em Movimento não estavam

disponíveis e aguardavam um projeto de revitalização e restauro do acervo como um

todo.

Após essas andanças e analisando os documentos que tive a autorização

para leitura, compreendi que o professor de Matemática Manoel Jairo Bezerra foi um

dos fundadores da TVE Brasil.

Também constatei que a Rádio MEC era a sucessora da primeira emissora de

rádio do Brasil, ao menos oficialmente – a PRA-1, ou Rádio Sociedade do Rio de

Janeiro.

Telenovelas educativas e radioaulas, que contavam com a disciplina

Matemática, foram gravadas nos estúdios da TVE Brasil e da Rádio MEC,

respectivamente. E os vestígios desse passado estavam se perdendo devido às

condições relatadas nos parágrafos acima.

Percebi que estava diante de um acervo que dizia respeito à memória da

radiodifusão educativa brasileira, que também contemplava a Educação Matemática.

Mostrei parte dos documentos ao Doutor Bruno Alves Dassie, meu professor,

na graduação em Matemática, disciplina História da Matemática. Ele me encorajou e

orientou na elaboração da monografia sobre TV educativa. Foi quando escrevi O

Curso Supletivo João da Silva e o ensino da Matemática: pioneirismo em

teleducação.

Contudo havia ainda uma questão protocolar. Uma disciplina final deveria ser

cursada. O nome? Trabalho final. A professora? A que me reprovou pela última vez

em Matemática, quando cursava o Segundo Grau: Rosa Maria Mazo Reis.

A nota que tirei? Dez. Sem saber, ela tornou-se, ao mesmo tempo, o símbolo

do meu fracasso e da minha redenção.

Alguns meses após, ingressava no Programa de Pós-graduação Strictco

Sensu em Educação Matemática da Universidade Bandeirante de São Paulo -

UNIBAN. Com os documentos localizados durante a graduação, submeti e obtive a

aprovação de dois projetos à FAPESP. Primeiro, em nível de mestrado, onde escrevi

uma dissertação sobre o Telecurso Supletivo “A Conquista” e o Movimento da

Matemática Moderna (MACIEL, 2009), com a orientação do Prof. Dr. Wagner

Rodrigues Valente. O segundo, em nível de doutorado, orientado pelo Prof. Dr.

Ubiratan D’Ambrosio e que diz respeito a esta Tese.

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Figura 5: Defesa de Mestrado. Da direita para a esquerda: Prof. Dr. Ubiratan

D’Ambrosio, Prof. Dr. Bruno Alves Dassie, eu e o Prof. Dr. Wagner Rodrigues

Valente.

(KRUTLI, 2009).

Portanto, o desejo de adentrar na Academia é resultado de diversos fatores: a

minha própria relação com o passado, que me levou à linha de pesquisa em história;

o desafio em aprender Matemática; a oportunidade em ingressar em um programa

de mestrado e doutorado de alto nível; o desejo de tentar compreender os

obstáculos epistemológicos relacionados ao ensino da Matemática – evidenciados

por minha experiência pessoal.

De fato, não me tornei professor para depois procurar capacitação

profissional. Fiz o caminho contrário. Mas cabe registrar que eu tive, antes de

participar do programa da UNIBAN, experiência como professor de caráter eventual

ou temporário. Entretanto a docência não foi o meu principal meio de sustento

durante boa parte de minha vida.

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3.1. A CONSOLIDAÇÃO DA PESQUISA

Como foram localizados e organizados os documentos que serviram como

base à produção desta Tese? Quais os procedimentos utilizados para compreender

o passado que me dispus a analisar?

A resposta é, em grande medida, um imbricar entre o passado, que envolve a

experiência profissional na ACERP, o organizar de arquivos pessoais e a localização

de mais documentos, bem como a realização de entrevistas.

O evento mais recente, em termos de pesquisa, diz respeito à revista Radio.

Por hipótese, são os vestígios mais antigos localizados sobre a ação da radiodifusão

educativa na sociedade e que envolve a história da Fundação Roquette Pinto. Não é

possível afirmar categoricamente que não há outros documentos correlatos: apenas,

durante esta pesquisa, não se localizaram outros materiais que pudessem compor o

rol documental em questão – seja em pesquisa de campo, seja por meio de

referências bibliográficas em livros ou teses consultados.

E, coincidência ou não, mais uma vez questões pessoais estão envoltas em

minhas pesquisas de campo.

Certo, até o momento, era minha decepção no que diz respeito à memória

dos primeiros tempos da radiodifusão. Sobre a década de 1920 e 1930, poucos

rastros do passado no presente. De fato, um obstáculo. Mas a vida prega peças.

Pois bem, essa história mudou no ano de 2011. Meu primeiro sobrinho estava

a caminho. Na semana de nove a treze de maio de 2011, minha esposa e eu

decidimos acompanhar o nascimento do bebê, no Rio de Janeiro. Ficamos até 25 de

maio, acompanhando os primeiros dias de vida do sobrinho. Mas eu não podia

perder o hábito e fui às pesquisas.

Na SOARMEC, localizei uma revista rara: Radio, de 1923 – produzida

inicialmente pela Rádio Sociedade do Rio de Janeiro a seus sócios. Eu tanto havia

estado lá e jamais vi este documento. Não possuíam todos os números – somente a

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partir dos treze. Se depender do ex-técnico da seleção brasileira Zagallo, um número

de sorte!6

Fui então à Biblioteca Nacional. Não encontrei nada em uma primeira busca.

Contudo, um detalhe, um erro de digitação no sistema de busca desta instituição me

fez chegar ao número 1 da revista Radio. De fato, número um em tudo. Primeira

revista da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, seu primeiro número. Posteriormente

voltei à cidade para analisar esses documentos.

Radio é relevante para a “pré-história” da radiodifusão educativa. Base de um

campo que até hoje inspira pesquisas, a Educação a Distância – EAD, e que

também é apresentada na modalidade teleaula (ANHANGUERA, 2012).

Como inovar se não conhecermos o passado? São com os erros e acertos de

antecessores que podemos estabelecer bases sólidas. E essa é uma das

contribuições desta Tese, no que diz respeito à radiodifusão educativa e seus

desdobramentos.

Sobre os outros documentos escritos utilizados, como já anunciado, localizei-

os, nos tempos de empregado da ACERP e dizem respeito à memória da Educação

Matemática na Rádio MEC, na SOARMEC e na TVE Brasil.

Há livros que foram literalmente retirados do lixo, cópias de roteiros e

documentos, cujos originais datilografados estão na Empresa Brasil de

Comunicação – EBC e, ainda, doação proveniente da família de Manoel Jairo

Bezerra, falecido em 11 de março de 2010.

O conjunto deste material foi denominado provisoriamente Acervo Pessoal

Manoel Jairo Bezerra - APMJ7 e é base dos capítulos relacionados ao Projeto

Minerva e à teleducação.

A doação dos documentos pertencentes ao professor Manoel Jairo Bezerra,

falecido em 11 de março de 20108, ocorreu no dia 27 de novembro de 2010, após

encontro com o professor Roberto Zaremba Bezerra, filho de Jairo, e família.

6 A título de curiosidade, uma reportagem da Agência Band comenta brevemente sobre esta espécie

de talismã do treinador: http://www.band.com.br/esporte/ronaldo/conteudo.asp?ID=100000433000 . Acesso em: 1 maio 2011 7 Em fase posterior ao desenvolvimento desta Tese, pretende-se digitalizar todos os documentos

deste acervo e integrá-los a um rol documental, baseado na Universidade Federal Fluminense, que contém livros didáticos de Manoel Jairo Bezerra doados pela família do falecido professor – formando assim um Centro de Memória. 8 Informação obtida através da família de Manoel Jairo Bezerra. Mais detalhes podem ser obtidos em

nota de falecimento elaborada pela Prof. Dra. Flavia Soares. Disponível em:

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Entre dezembro e fevereiro do mesmo ano, fiz uma catalogação provisória

desse material, com vistas a facilitar a elaboração desta Tese. O relatório foi enviado

por e-mail à família de Roberto Zaremba para que analisassem o conteúdo.

Figura 6: Termo de doação dos documentos que pertenceram ao professor de

Matemática Manoel Jairo Bezerra9.

http://www.sbemrj.com.br/uploads/O%20professor%20Jairo%20Bezerra%20-%20Fl%C3%A1via.pdf . Acesso em: 14/8/2011. 9 Digitalização de documento do Acervo Pessoal Manoel Jairo Bezerra

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A efetivação da doação ocorreu em 4 de março de 2011. Estes documentos

dizem respeito ao Ensino de Jovens e Adultos, aos primórdios da televisão educativa

e, consequentemente, a uma fase da constituição da rede de emissoras da televisão

brasileira.

No momento, servirão como base para a produção desta Tese sobre

radiodifusão educativa e o ensino da Matemática. Posteriormente, em virtude da

existência de manuscritos e roteiros originais, serão analisados de modo mais

amplo.

Portanto, com base nas fontes de pesquisa sobre radiodifusão educativa,

segue-se o capítulo sobre os primeiros tempos do rádio no Brasil.

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4. ANTECEDENTES: O SURGIMENTO DA RADIODIFUSÃO NO BRASIL

O Brasil não vê a radiophonia se desenvolver em seu território – declara o perspicaz commerciante – porquanto os nossos “broadcastings”, entregues à meia dúzia de tolos educadores, primam por preterir os “Fox-trots”, que o povo pôde aprecia, pelas conferencias, aulas, operas e musica clássica. Como desculpa de qualquer insuccesso commercial “indesculpável”, talvez não fosse de todo mal o interessante arrazoado. (...) Si as emprezas estrangeiras julgam que a irradiação de “jazz-band” facilitará a venda dos artigos por ellas manufacturadas, há uma solução muito fácil para o caso: a installação de novos “broadcastings” custeados por ellas e com ampla liberdade, portanto, de irradiar os melodiosos “fox-trots” nas 24 horas. E ficaremos todos contentados... (Radio, março 1926)

Não é preciso um estudo científico aprofundado para reconhecer a

importância do rádio e da televisão no Brasil – o broadcasting nacional: basta ligar

um receptor.

“Colocar no ar” uma emissora de rádio ou televisão, um trabalho de múltiplos

personagens, em sua maioria desconhecidos do grande público10.

Figura 7: Sede da Rádio Sociedade (Radio, 1 jun. 1924, p. 25)11

10

A relação dos primeiros associados consta no Apêndice I desta Tese. 11

Este prédio era denominado Pavilhão Tchecoslovaco, por ser uma construção encomendada pelo governo do país que emprestou o nome a este prédio. Foi erguido exclusivamente para representar tal nação na Exposição de Comemoração do Centenário da Independência do Brasil, em 1922.

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O pequeno prédio situado na Avenida das Nações, no Rio de Janeiro, não

existe mais. Mas, nele, parte dos primeiros passos de um dos meios de

comunicação mais populares do Brasil foi dado. Milanez (2007a) considera pioneiros

os que lá trabalharam sob a liderança de Edgard Roquette-Pinto.

De fato, todos têm seus méritos. Entretanto, a criação do broadcasting do

país é mais complexa do que um simples ato inaugural12.

A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, “fundada com fins exclusivamente

scientificos, technicos, artísticos e de pura educação popular” (RADIO SOCIEDADE

DO RIO DE JANEIRO, maio 1926, p. 2), pode não ter sido a pedra fundamental. Mas

são desta instituição os primeiros registros localizados: o periódico Radio13 -

publicado entre os anos de 1923 e 1926.

Dedicado à radiocultura, aos ouvintes e aos amadores da época, Radio

contribuiu para a difusão da radiodifusão no Brasil. Sua análise é relevante para a

produção da memória deste meio de comunicação.

Editado entre 15 de outubro de 1923 até 1º de abril de 1924, foi o órgão oficial

de divulgação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Após, passou a representar

também a Rádio Club de Pernambuco, considerada à época “a mais antiga das

sociedades de rádio do Brasil” (Radio, 15 abr. 1924, p. 5).

Paulatinamente outras emissoras também se valeram de Radio como um

impresso oficial, tais como Radio Sociedade da Bahia, Radio Club Cearense, dentre

outros.

O fundador do periódico foi Edgard Roquette-Pinto. Diretor responsável,

engenheiro Ruy L. Castro. Teve como redator-chefe o engenheiro Othon H.

Leonardo e redator-secretário o engenheiro Fausto Torrents. Redatores (todos

engenheiros): Ruben Van der Linden, Capitão A. Silva Lima, Jorge Leuzinger e

Alano L. da Silveira. Seu número avulso custava três mil réis.

12

Verificar o capítulo seguinte a este. 13

Disponível na Biblioteca Nacional. Localização: 1,370, 01,03; 1,370,01,04; 1,370,01,05; 1,370,01,06; 1,370,01,07; 1,370,01,08 (indisponível para consulta devido ao estado de conservação. 2011); 1,370,01,09. Manteve-se o título original, sem o acento agudo no a. Portanto, não há, aqui, nenhum erro de digitação ou de grafia.

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Como consta no periódico: “RADIO é no fundo uma revista de Educação.

Todos os seus artigos, todas as suas gravuras, podem ser reproduzidas, em

qualquer país, para fins educativos.” (Radio, maio/jun. 1926).

Também dizia respeito a uma vulgarização científica por meio de

conferências, conforme compreensão dos próprios atores do rádio educativo14, bem

como aos primeiros tempos do rádio, de implantação e idealismo em relação à

educação.

Contém informações diversas: cursos para montagem de aparelhos

transmissores15, transcrição de palestras irradiadas, notícias sobre associações,

programação e da radiodifusão no Brasil e no mundo. Para complementar,

propagandas, ou melhor, reclames.

Localizaram-se os exemplares de números 1 a 60. Sua periodicidade foi

regular. Até 1924: quinzenal. Após, mensal e bimensal16.

Pretende-se, portanto, responder, neste capítulo, de modo amplo, a seguinte

indagação: o que é possível dizer sobre os três primeiros anos da radiodifusão no

país, tendo como documento de pesquisa um periódico especializado em rádio

educativo e radiocultura?

Face à variedade de artigos publicados em Radio, em grande medida, os

assuntos abordados neste periódico não integrarão o corpo da Tese. Para, de algum

modo, suprir essa lacuna, alguns dos artigos localizados comporão os Apêndices.

Radio não somente forneceu informações sobre eventos irradiados, mas

também a posição dos seus idealizadores em relação à sociedade e aos

acontecimentos da época.

4.1. OS PRIMEIROS ANOS: ECLÉTICO E REVELADOR

Destacam-se, entre 1923 e 1924, notícias da radiodifusão no Brasil e no

mundo, discussões sobre a liberação e uso do rádio no Brasil, notas científicas

14

Cf. (Radio, maio/jun. 1926, p. 55) 15

Aparelhos transmissores de ondas de rádio. 16

Não foi observada a periodicidade no ano de 1925, em face da indisponibilidade de consulta.

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divulgadas durante as transmissões da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, bem

como as primeiras charges relacionadas à radiodifusão.

Rádio foi definida como a única revista brasileira de radiocultura, distribuída

no Distrito Federal e em 15 estados brasileiros: Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão,

Mato Grosso, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro,

Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, São Paulo e Santa Catarina (Radio, 1 out.

1924). Dispunha-se, ainda, como um meio de comunicação independente, não

submetida aos interesses de nenhuma sociedade radiodifusora:

A representação que as sociedades dão à RADIO não importa, absolutamente, em dependência alguma. É uma prova de confiança e consideração que nos dispensam, um encargo honroso, mas que está longe de ser um contracto pelo qual nos obrigássemos a determinados serviços a troco de uma remuneração qualquer. Nenhuma das sociedades de radio, de que somos órgão official, subvenciona esta revista. Não que haja má vontade dellas. Estamos certos de que, si precisássemos e si lhes pedíssemos, nenhuma nos recusaria a sua ajuda. Mas acontece, apenas, que nunca lhes pedimos... Ora, faltando o vinculo econômico, qualquer ideia de subordinação ou dependencia desapparece logo. (Radio, 1 nov. 1924, p. 4)

Essa postura é definida a partir de uma carta enviada à redação da Radio.

Oficialmente, uma resposta a uma correspondência (em princípio não publicada no

periódico17).

Mas há uma contradição nas informações da edição de 1º de novembro de

1924. Sendo o órgão oficial da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, Rádio Sociedade

da Bahia, do Rádio Club de Pernambuco, Rádio Club Cearense, Radio Club

Petropolitano e do Rádio Club Paranaense18, será que, efetivamente, não existia

submissão?

Talvez, financeira, não. Mas de ideias, provavelmente. A direção de Edgard

Roquette-Pinto é outro aspecto que corrobora para uma linha editorial que diz

respeito ao rádio como um instrumento para educação e cultura. Os Fox-Trots não

eram bem-vindos (Radio, março 1926).

17

Há a possibilidade de a carta ter sido divulgada nas edições impressas no ano de 1925. Como não foi possível analisar este rol documental, não há como afirmar categoricamente a publicação (ou não) do referido documento. 18

Nota-se que o número de Sociedades ou “Club’s” vinculados à revista Radio cresceu ao longo do 1º ano de publicação: de 1, em outubro de 1923, para 6, em dezembro de 1924.

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Portanto, é pertinente registrar que Radio é permeado por uma parcialidade

inerente ao contexto.

O óbvio ululante está presente, mas é prudente ratificar: como órgão oficial de

sociedades radiodifusoras, por mais que aceitassem e expusessem críticas, a

opinião divulgada, os textos impressos estão impregnados por este caráter de

oficialidade.

E esta oficialidade não é, sobremaneira, governamental, mas sim um vínculo

às ideias de seus idealizadores, bem como à estrutura organizacional em forma de

clubes e sociedades. Em suma, existia um grupo fundador da emissora de rádio,

geralmente responsável pela sua gestão operacional, técnica e administrativa.

Impera o amadorismo, característico do momento. Não estamos na belle

époque do rádio. É o momento do despertar da radiodifusão no Brasil. Vigorava a

dependência com os impressos e um modelo organizacional associativo.

Por exemplo, ao final de 1924, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro possuía

1.261 sócios e provavelmente inspirou outros radioamadores da época (Radio, 15

dez. 1924).

Seguindo o modelo já existente, no dia 30 de janeiro de 1924, cria-se a Rádio

Club Cearense – com sede provisória na Rua Barão do Rio Branco, nº 21. O grupo

fundador contou inicialmente com 200 sócios, dentre eles: Elesbão de Castro

Velloso, Antonio Eugenio Gadelha, Clovis Meton de Alencar, Humberto Monte,

Thomaz Pompeu Filho, Alfredo Euterpino Borges, Joaquim Antonio V. Albano, Mario

de Alencar Araripe e João Carvalho Góes (Radio, 1 nov. 1924).

São Paulo também teve suas associações. Uma delas é a Sociedade Rádio

Educadora Paulista, em julho de 1924, cujo conselho era formado pelo Dr. Edgard

de Souza (Presidente); Dr. F. Vergueiro Steidel (Vice-Presidente); Dr. Otavio F.

Sampaio (1º Secretário); Dr. Luiz A. Wanderley (2º Secretário); Dr. Luis F. Mesquita

(Tesoureiro); Demais membros – Dr. Gabriel Ribeiro dos Santos, Dr. José Carlos de

Macedo Soares, Dr. F. E. da Fonseca Telles, Dr. Leonardos Jones, Jor. Luiz do

Amaral Cezar, Dr. Georges Corbisier e, Dr. Luiz e Rezende Puech (Radio, 1 jul.

1924, p. 27)19.

19

São Paulo também possuía outras associações. Uma delas foi a Rádio Club de São Paulo cuja diretoria era composta por Alfredo Pujol, Henrique Faria de Moraes, Aristides de Macedo Filho, Carlos Frick, Joaquim de Campos Toledo, Alfredo Dias Carneiro e B. Servulo Sant’Anna (Radio, 1 jul. 1924, p. 42)

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E o que pensavam os responsáveis pelo Radio, nesse período? Não era

somente o caráter cultural e educativo que predominava. Um deles diz respeito à

certeza de que o Brasil era um país atrasado20. O outro está relacionado a um

idealismo republicano, salvador, que relacionava os tempos do Império a mentiras e

a despreocupação com o bem estar do povo.

Estávamos na 1ª república, em sua fase final. E, quase 30 anos depois da

queda de Dom Pedro II, intelectuais consideravam o Imperador e seus seguidores,

os responsáveis pelas mazelas do Brasil – em um texto que, aos olhos do leitor

despreocupado, parece ter sido escrito no Século XXI (ver Apêndice D).

E meio a este turbilhão de idéias, comemorava-se o 1º aniversário da Radio.

Em artigo publicado no mês de outubro de 1924 (Radio, 1 out. 1924), Edgard

Roquette-Pinto celebra mais do que o sucesso do periódico que fundou: exalta-se e

enamora-se com o primeiro ano de vida do rádio brasileiro21.

O compromisso com o educativo é ratificado, não somente por Edgard

Roquette-Pinto, mas também por Venancio Filho (1924) – ao escrever sobre A

escola de logo mais. Sobressaem: crítica ao modelo educacional vigente, a

valorização da criança, da escola e dos meios, que implicitamente diz respeito ao

rádio como instrumento educativo.

E, sob as indicações do diabo, creou-se a escola... E a escola de hoje, por cuja modificação o lúcido pedagógico suisso tanto insiste, no seu appello generoso aos Paes e autoridades, já é bem melhor que a de hontem. (...) Reconhecido os direitos inalienaveis da creança, que ninguém mais contesta, proclamada pela pedagogia montessoriana, a liberdade em que deve ser o mais possível a continuação da casa, nos primeiros tempos; e a vida a continuação da escola, nos tempos após. Claro que isto tudo constitue ideal longinquo. (...) Os meios de ensino vão também se modificando, dia a dia, lentamente é verdade, mas se modificam. Sob este aspecto, os três caractereres da educação contemporânea são: actividade, unidade e objetividade. Todas as aquisições devem se fazer de modo activo. Sejam as de ordem abstratas, as do dominio mathematico, em que as faculdades do espírito atuam, sejam os concretos em que com ellas, collaboram os sentidos, todos os conhecimentos devem vir pela acção, visto que a attenção é muito mais forte no estado activo que no receptivo. (...) Emquanto não

20

(Radio, 1 out. 1924) 21

Pouco antes de comemorar o seu primeiro aniversário, os responsáveis pela Radio divulgaram a transferência de sede da Radio Sociedade do Rio de Janeiro: da Avenida Rio Branco, 109 6º andar para o Pavilhão Tchecoslovaco na Avenida das Nações – ambas no Rio de Janeiro (Radio, 15 jul. 1924, p. 1).

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chega a hora próxima da televisão, o radiophone e o cinema de creanças nos permittirão facilmente ver e ouvir, em segundos, o mundo inteiro, dar-lhe a volta em menos de 80 segundos... (VENANCIO FILHO, 1924, p. 38-39) [grifo meu]

E a televisão demorou aproximadamente 45 anos para chegar ao Brasil.

A Matemática é citada. Sem ênfase, sem destaque. É apenas um dos

quesitos a permear textos sobre rádio e educação dos anos de 1920.

4.1.1 Deve ser livre a transmissão?

Este foi um tempo de irradiações limitadas. Houve palestras de divulgação

científica22. Mas não eram todos os dias. Provavelmente, quando ocorriam, não

passavam de duas ou 3 horas. Eram veiculados, em média, 10 a 14 programas

constituídos, em grande medida, de música clássica (Radio, 15 jul. 1924),

habitualmente antecedidas de notícias de interesse geral, ou da Rádio Sociedade, e

procedidas da Hora do Observatório Nacional23.

Como não há informações precisas sobre as palestras irradiadas, presume-

se que, ou no início do programa, ou no intervalo entre músicas clássicas, ocorriam

as transmissões de palestras ou conferências – posteriormente transformadas em

artigos para Radio.

Um exemplo é o caso do artigo A T.S.F. a serviço da hygiene (Radio, 15 jul.

1924). Com informações gerais sobre higiene pessoal, e as consequências de uma

má higienização, foi irradiada em estúdio situado no Largo do Machado, no Rio de

Janeiro em forma de conferência. Mas não há como precisar em que dia e em que

horário, pois não existem vestígios técnicos, pelo menos na grade de programação

de julho de 1924, sobre essa transmissão.

Portanto, sobre os artigos que foram divulgados tanto em Radio quanto na

Radio Sociedade, percebe-se que não há, nesse período, comparando com os

impressos de 1926, uma preocupação em catalogar ou divulgar se estes foram, ou

22

Todos os números de 1924 continham informações a respeito. Algumas com mais detalhes, outras como simples notas. 23

Sobre esta Hora do Observatório Nacional um artigo foi publicado com o objetivo de explicar os fins deste programa: acertar relógios; auxiliar na determinação de coordenadas geográficas e das coordenadas geográficas terrestres (Radio, 1 ago. 1924, p. 15-16)

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não, transmitidos via rádio. Entretanto, boa parte dos artigos contém evidências ou

indícios de que foram, de fato, transcrições de conferências irradiadas.

De fato, na década de 1920 a irradiação é um dos aspectos da radiodifusão

brasileira – na época radiofonia. No âmago, o mais relevante era a liberdade, ou

não, de produzir e de ouvir rádio.

E sob a égide de discussões sobre um marco regulatório que surgem a série

de artigos24, sob o título Deve ser livre a transmissão?, iniciada na edição de número

18 (Radio, 1 jul. 1924), que compõem as páginas de Radio, eram divulgadas cartas

de radioamadores, bem como opiniões de Dulcidio Pereira – responsável pela

enquete.

Carlos Frick defendeu a liberdade de pensamento, de transmitir programas e

de ouvi-los (Radio, 15 jul. 1924). Mas não nos moldes atuais.

Quando se discutia o rádio, outros meios, distintos do que efetivamente hoje

conhecemos como radiodifusão, também estavam em pauta.

Há de se observar que, neste final do primeiro quarto do século XX, não havia

uma separação explícita e definida no que diz respeito ao broadcasting, ao

radioamadorismo e a Telegrafia Sem Fio. A radiodifusão não estava estabelecida em

bases sólidas.

Paradoxos eram evidentes: não era exatamente o ligar de um receptor que

definia uma estação de rádio.

Existiam transmissões de músicas, de palestras... Contudo,

concomitantemente, pessoas de diversos estados do país e até no exterior

utilizavam as ondas do rádio para se comunicarem. Grosso modo, uma “nuvem” dos

meios de comunicação – depositária do sopro que hoje venta na internet (onde se

ouve, dentre outras audições, rádio). De fato, a radiodifusão era a Rede Social em

voga na época.

Ou seja, em quase nada se parecia o rádio do início dos anos de 1920 com o

rádio dos tempos atuais. Mas o germe estava inserido: transmissores, receptores,

voluntários que poderiam ser denominados de locutores e, obviamente, ouvintes.

24

Estes artigos também podem ser classificados como o que hoje denominamos de colunas de revistas ou jornal, cuja responsabilidade recai sob um jornalista.

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A conurbação era de tal modo que uma invenção, denominada raio

diabólico25, foi explicada levando-se em consideração os raios X, ultravioletas,

infravermelhos e as ondas hertzianas – base da radiofonia.

Seria tão potente que poderia ocasionar problemas no campo militar, pois

poderia controlar veículos e equipamentos bélicos. Será que o raio diabólico é o

responsável pela movimentação dos carrinhos de controle remoto do século XXI?26

Ou seja, as dúvidas técnicas e práticas permitem compreender que o rádio

dos anos de 1920 era distinto do existente no segundo milênio depois de Cristo. E,

explicitamente, uma discussão a cerca do assunto era tema desses primeiros

tempos:

Na nossa terra especialmente, onde tanta coisa ainda está por fazer, e onde a multiplicidade de problemas vitaes para a nação faz desviar muitas vezes a attenção dos governos de grave e não menos vital questão da Educação Nacional, por que não contar com o auxilio que pôde prestar a radiocultura? É preciso intelligentemente transformar cada amador de radiotelephonia em um collaborador na instrucção popular, verdadeiros núcleos em tornos dos quaes virão pouco a pouco se justapor novos elementos, que mais tarde se converterão em outros centros, e assim sucessivamente. Sejamos liberaes. Façamos como já muitos povos grandes o fazem: permittamos a recepção livremente, pedindo talvez um simples aviso, para attender ás necessidades da estatística. Convençamo-nos que o amador que installa o seu aparelho de recepção presta um serviço ao paiz. E porque taxar esse serviço?, taxa vexatória, injusta e impossivel de ser fiscalizada (Radio, 1 jul. 1924, p. 19)

Eis que se torna explícito, pelas mãos de um radioamador, o idealismo

radiophonico: este meio de comunicação como uma espécie de remédio para os

males do Brasil, um centro difusor de cultura e educação.

Em suas palavras iniciais, o anônimo remetente da carta que originou o

primeiro artigo de Deve ser livre a transmissão? parece revelar um entusiasmo

liberal e desmedido. Nos primeiros parágrafos, ele afirma, implicitamente, que deve,

sim, ser livre a transmissão. Mas a cautela, como um contraponto, surge nos últimos

parágrafos.

25

(Radio, 1 jul. 1924, p. 21-22) 26

Embora haja certa ironia nesta frase, de fato ela tem um caráter acadêmico: trata-se de uma pergunta de pesquisa formulada com base nas dúvidas existentes a cerca do raio diabólico e que deixarei aberta para quem desejar respondê-la.

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Ora, devem existir regras. Amadores seriam autorizados a trabalhar com

equipamentos que emitem ondas de, até, 100 metros. Para maior potência, somente

as associações, em forma de sociedades ou clubes. A estes últimos, eram

reservados os direitos de caráter midiático, sob o título de broadcasting.

O anônimo faz uma comparação, cujo cerne instaurou-se em outros artigos

de Deve ser livre a transmissão?: a luta entre o bem e o mal, sendo o rádio poderoso

instrumento para ambas as partes.

Outra questão: a cobrança, ou não, de taxas. Em agosto de 1924, era

obrigatório o pagamento destas para que o cidadão tivesse o direito de ouvir rádio

(Radio, 15 ago. 1924).

Dulcidio Pereira (1924) rechaça a cobrança, considerada por ele vexatória. Se

eram obrigatórias, existia uma fiscalização (que Dulcidio julgou ineficiente).

Consequentemente houve um controle mínimo em relação a quem pode, ou não,

produzir programas de rádio e utilizar a Telegrafia Sem Fio27. Era um debate, em

boa medida, sobre censura.

Tal discussão tem como mote as consequências da 1ª Guerra Mundial. Em a

radio e a fraternidade universal (SEIVA, 1924), mais uma vez a rádio foi definida

como uma arma: “A radio, como qualquer outro meio de comunicação, é uma arma

de dois gumes; é como o alphabethismo, por exemplo” (SEIVA, 1924, p. 47).

E, sob esta égide, há um discurso sobre a paz, os benefícios e malefícios do

que hoje conhecemos como radiodifusão. As opiniões não eram unânimes. Por

exemplo, Elba Dias, subdiretor da repartição geral de telégrafos, considerava mais

adequada a suspensão de licenças (Radio, 15 ago. 1924, p. 9).

4.2. A REVISTA RADIO EM 1926 E OS CURSOS A DISTÂNCIA

Provavelmente em 1926 há a descontinuidade do periódico Radio. No ano

anterior, as impressões foram quinzenais, enquanto neste ano, mensal (março e

27

Observa-se que a Telegrafia Sem Fio e o rádio utilizavam de mesmo equipamento de transmissão e, por este motivo, existia uma certa conurbação entre radiodifusão, radioamadorismo e telegrafia.

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abril) e bimensal (maio/junho). Os números 59 e 60 saíram em um único exemplar,

de 80 páginas.

De fato, não há sentido dos responsáveis pela Rádio Sociedade do Rio de

Janeiro apoiar um jornal se, em fevereiro de 1926, com a Electron28, retomam a

iniciativa de ter uma publicação única de divulgação desta emissora.

O último exemplar localizado29 (maio/jun. 1926) estampa em sua capa a figura

de Wotan, “O façanhudo deus da tetralogia wagneriana, qual nos apparece em

Walkyria, opera com que se inaugura (...) a temporada lyrica do municipal” (Radio,

maio/jun. 1926, p. 1) em cinco de junho de 1926.

É profícuo dizer que este era uma mídia para o povo. Pelo menos, no início

não. Estava restrita a um grupo seleto, interessado em artes, música, radiotelefonia

e ciência de um modo amplo. Rádio era um produto caro, acessível a poucos30.

A propaganda auxilia, em certa medida, a compreender este público. Não

eram os estivadores do cais do porto, nem trabalhadores braçais que estampavam

estes reclames.

Figura 8: Fada Radio, um reclame de 19261 (Radio, abril 1926 , p. 55)

28

(RADIO SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO, fev. 1926) 29

(EMPREZA BRASIL EDITORA, maio/jun. 1926) 30

Esta informação tem como base as propagandas da época, publicadas em Radio, bem como artigo publicado na edição de 15 de fevereiro de 1924 (Radio, 15 fev. 1924).

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51

.

São a Dama e o Cavalheiro os garotos-propaganda. Ambos de cor branca.

Ela atenta ao gesto do homem. Ele manipulando o rádio que ocupa lugar de

destaque na residência. Mais do que um objeto midiático, um adorno, um utensílio

de caráter decorativo e que parece ser representativo de classe social.

Modelos de luxo eram divulgados em seções do impresso: a Zenith fabricou

os “tipos” espanhol, chinês, oriental e italiano.

As baterias ficavam no interior do móvel. A frequência e o volume eram

regulados por botões denominados venirs.

O acabamento trabalhado e ornamentado, bem como as considerações sobre

estes aparelhos ratificam a hipótese de que, nos anos de 1920, o rádio era para

poucos. Como consta no periódico: “É realmente esmerado o acabamento desses

apparelhos de luxo e a sua beleza está à prova dos olhos do leitor” (Radio, março

1926, p. 61).

Outras engenhocas eram divulgadas: todas na Seção Industrial31, destinada a

divulgação sem fins, comerciais de inventos e equipamentos. Uma delas foi a

radilamp, um abat-jour com rádio embutido.

Propagandas eram destinadas a radioamadores, ouvintes, bem como a donos

de estabelecimentos.

A Companhia Nacional de Comunicações Sem Fio vendia amplificadores de

gramofones e diafragmas eletromagnéticos. Diz o reclame que os aparelhos

permitirão aos donos de clubes de dança, bares ou cafés, “deliciar” amigos e

frequentadores com as orquestras de todo o mundo (Radio, maio/jun. 1926)32.

A Auto-Ideal, revendedora de aparelhos radiofônicos e peças avulsas tinha

como “slogan” ser a primeira e maior loja do gênero na capital paulistana – situada

na Avenida São João, número 24 (Radio, maio/jun. 1926, p. 79).

Provavelmente era por meio dos reclames que o impresso se sustentava, ou

seja, obtinha recursos financeiros para a sua elaboração, impressão e veiculação.

Uma dicotomia: o broadcasting deveria ser exclusivamente educativo, mas seus

meios de divulgação estavam livres deste intento.

Esta era apenas uma das faces do dado, composto pelos seguintes lados:

música lírica, cursos para radioamadores, palestras ou programas irradiados,

31

Os rádios de luxo apresentados na Rádio também compõe a Seção Industrial. 32

A propaganda encontra-se na página 80 da referida edição do periódico.

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propaganda, ciências e divulgação de experimentos, bem como atividades de

diversas instituições de radiodifusão.

Era o início. Em 1926, os radioamadores começavam a moldar um formato de

programação similar ao encontrado ao final do século XX: o aparelho de rádio como

principal mecanismo de transmissão de emissoras – que por sua vez eram

responsáveis por transmitir um conteúdo eclético com músicas, cultura e cursos.

4.2.1 Os cursos à distância: apenas impressos?

Através de Radio constatou-se a existência de diversos cursos, para os mais

variados fins.

No de radiofonia ensinavam-se conceitos básicos para amadores. Era o

tempo das galenas33.

A antena apropriada, uma das preocupações. Existiam modelos variados: em

forma de leque, guarda-chuva ou de único fio.

A válvula seria a palavra-chave da época face o número de vezes que

aparece no periódico. Esses cursos impressos em Radio eram destinados as que

desejavam irradiar sons através de ondas.

A preservação ambiental era outro tema em voga. Alberto J. de Sampaio34,

publicou nos impressos de números 57 a 60 artigos em que discute o florestamento,

o reflorestamento e a preservação de matas. É o rádio a serviço da silvicultura:

A humanidade teria desaparecido já, pois sem a árvore, disse Plinio, a vida humana seria impossível. Poderia haver perigo de completa extinção das matas, si toda a gente fôsse imprevidente, e si o lema do empirismo – “quem vier depois que se arranje”, pudesse ganhar os foros da cidade, em meio da actual civilisação. A floresta vem impressionando o homem lúcido, desde os brilhantes primordios dessa civilisação que nos orgulha, a frase lapidar de Cicero: “Subsidium belli, Ornamentum paci”, valendo como um eterno preito de veneração à floresta que Dante chamou “divina”, e que

33

Galena: nome dado aos aparelhos receptores de ondas de rádio no início do século XX (Radio, maio/jun. 1926, p. 33). 34

Alberto J de Sampaio foi professor de botânica do Museu Nacional e membro da Academia Brasileira de Ciências (Radio, março 1926).

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Sêneca disse, faz pensar em Deus. (EMPREZA BRASIL EDITORA, abril 1926, p. 37) [grifos e aspas do autor]

Ele compreendeu que o homem não está acima da natureza e de que suas

ações teriam consequências. O efeito estufa resultante da emissão exagerada de

gases carbônicos e a ocupação irregular de encostas desmatadas são alguns dos

problemas que ele não previu, mas pressentiu. Nas páginas da Radio, alertou os

intelectuais e especialistas da época. Foi conhecido como professor de botânica,

mas suas ideias hoje parecem estar mais adequadas aos pensamentos de

ecologistas.

Entre os artigos, há outro que permite entender a função da mulher na

sociedade. Em O trabalho ao som do rádio (Radio, março 1926), defende-se o uso

do aparelho de rádio durante o labor, bem como pelas mulheres durante os afazeres

domésticos: “Hoje em dia julgo deliciosamente leves os serviços de casa, quando o

alto-fallante está em acção” (FREDERICK, 1926)35. O que diriam hoje os

responsáveis de grupos defensores dos direitos das mulheres caso tal frase fosse

publicada em algum jornal do século XXI?

Mas teriam sido irradiados os artigos presentes em Radio? Ou seja, seriam

estes transcrições ou textualizações de eventos transmitidos por radiodifusoras?

Em O ouro, escrito por F. Labouriau36 (1926a), encontram-se indícios. O

modo no qual está escrito, iniciando com “Vamos hoje palestrar”, permite presumir

que ao menos parte do material impresso, de fato, foi objeto de transmissões via

rádio utilizando as instalações da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.

O mesmo autor escreve outro artigo, Duas lendas antigas, (LABOURIAU,

1926b) no qual consta, logo após o título, que foram “ditas nos estúdios da Rádio

Sociedade”:

Ouvintes longínquos que não vejo, mas a quem me é dado transmitir por essa maravilha da sciencia moderna, que é a radio, as vibrações que traduzem o meu pensamento; ouvintes longínquos a quem, atravez da distancia, alcança a minha voz: eu voz envio a expressão da minha sympatia! (...) Dir-vos-hei hoje duas lendas relativas à

35

A autora do artigo, Christine Frederick, consta na revista, que foi uma jornalista americana. O artigo publicado foi escrito especialmente para a revista Radio. 36

Consta que foi professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro e membro da Academia Brasileira de Ciências.

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siderurgia. Uma dellas nos é transmitida pelo Padre Xavier de La Santé, que em 1717 compôz em latim um poema: “Ferrum”. (LABOURIAU, 1926b)

Portanto, presume-se a existência de ouvintes anônimos ao pé do rádio,

escutando, meio a chiados37, a palestras de Labouriou – que pode ser classificada

como uma aula de Literatura Estrangeira e Filosofia.

O som, de difícil audição, é um retoque sombrio e imaginativo das aulas, em

particular a que versa sobre uma lenda sobre o surgimento da Metalurgia,

relacionada à deusa da Estrela Polar e seu amor ao irmão Sidério (LABOURIAU,

1926b).

É possível aventar a emoção e a comoção de Labouriou. Certamente

emocionado por ter sua voz “espalhada” pelos rincões do Brasil e, quiçá, do Mundo.

E a Matemática? Pouco se pode dizer sobre ela. Apenas breves comentários

ou artigos no qual esta é aplicada. Em Histórico da Radioatividade, Othon H.

Leonardos38 (LEONARDOS, 1926), cita Henri Poincaré como um matemático e

filósofo francês – mas comenta da hipótese de Poincaré a respeito da emissão de

Raios-X e suas relações com a produção de fosforescência.

É outro Labouriou39, Paulo, quem irradia uma aula de Matemática: transmite

pela Rádio Sociedade do Rio de Janeiro uma palestra sobre a história da evolução

do relógio (LABOURIOU, 1926c). Indaga sobre a necessidade de cálculos para o

desenvolvimento deste instrumento, comenta sobre os diversos tipos de relógios (de

sol, a ampulheta, Relógio de Algibeira, Ovo de Nuremberg).

Nesse sentido, considera-se a transmissão de Paulo Labouriou como uma

aula da disciplina de Matemática no que diz respeito às medidas do tempo.

De modo aplicado, há, ainda, a fórmula que estabelece a relação entre carga

de um elétron e sua massa40 em um artigo do Comandante Adalberto Menezes de

Oliveira41 sobre as teorias da Física (1926, p. 27).

37

Os problemas em relação à qualidade das transmissões e das recepções também são objetos de estudo dos responsáveis pela Revista Radio. Em um deles, discute-se sobre “baixa-perda” (Radio, março 1926, p. 37-40) 38

Consta que foi Docente-Livre da Escola Politécnica do Rio de Janeiro 39

Sobre Paulo Labouriou não existem, na revista Radio, informações biográficas.

40

41 Consta que foi Lente da Escola Naval e membro da Academia Brasileira de Ciências.

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Destacam-se, ainda, artigos relacionados aos acontecimentos das

transmissões radiofônicas no ano de 1926 – no Brasil e no mundo. Nas edições da

Radio de 1926 (números 57 a 60), existem conteúdos impressos sobre os seguintes

assuntos, dentre outros: Comemoração do 3º aniversário da Rádio Sociedade, Rádio

Educadora Paulista, Rádio Club Cearense, o broadcasting na Pensilvânia – Estados

Unidos da América, a radiofonia na Inglaterra e uma interceptação de rádio da Nova

Zelândia.

Ademais, outros artigos permitem olhares distintos em relação aos primeiros

anos de rádio no Brasil: Os primórdios da televisão (Radio, março 1926), sobre os

primeiros experimentos em televisão; Rádio na expedição Rice, diz respeito ao uso

do rádio em expedição no Alto Amazonas; Uma página de História em foco, sobre o

faraó egípcio Tutankhamon; A Convenção Nacional de Radio-Amadores, com

estatutos e informações sobre a criação, em 6 de março de 1926, da Associação de

Rádio Amadores; O Radio e a Censura; O exame dos amadores paulistas de radio-

transmissão; um relatório do Banco do Brasil, anunciando, dentre outros assuntos, a

inauguração de sua nova sede; um projeto de criação de uma associação nacional

de radiocultura; a estrela irradiante Senhorita Lourdes Milone Vaz, vencedora de

Concurso de pianistas, em 1923, provavelmente produzido pelo Instituto Nacional de

Música e que trabalhou na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro; e, a eleição da

diretoria de 1926-1929 da Academia Brasileira de Ciências, cuja seção de

Matemática era composta por: Alix Corrêa Lemos, Allyrio Hugueney de Mattos,

Feliciano Mendes de Moraes, Henrique Morize, Ignacio Azevedo do Amaral,

Joaquim I. de Almeida Lisbôa, José Pantoja Leite, Licinio Cardoso, Manuel Amoroso

Costa, Mario Rodrigues de Souza, Mauricio Joppert da Silva, Otacilio Novaes da

Silva, Roberto Marinho de Azevedo, Alberto Santos Dumont, Candido Marianno da

Silva Rondon, Sebastião Sodré da Gama, Theodoro Augusto Ramos, Coriolano

Martins, Tobias Moscoso e José Frazão Milanez (Radio, maio/jun. 1926).

E a promoção, pela Associação Brasileira de Educação, de cursos de “alta

cultura”, dentre eles “Idéias Fundamentais da Mathematica, em 10 lições” (Radio,

maio/jun. 1926, p. 63).

E ensino da Matemática?

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4.2.2 O ensino da geometria elementar

Figura 9: Página 21 da Revista Rádio (DA SILVA, 1924)

São nos primeiros tempos de Radio que se encontrou um artigo dedicado

essencialmente à Matemática: O ensino da geometria elementar, de Heitor Lyra da

Silva (1924). Provavelmente é a transcrição de uma reunião:

A Liga dos Professores Primários deu-me a honra de convidar-me há tempos para fazer um pequeno curso, destinado não a ensinar Geometria elementar a quem tão bem a conhece, mas antes a mostrar como me parece que se deveria ensina-la na Escola Primaria. Circunstâncias várias, às quaes não é estranha a escassez de tempo, meu e do presumível auditório, fizeram adiar essas lições que hoje já não poderiam ser realizadas em fim de anno e que

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perderam grande parte da sua opportunidade pela feliz iniciativa da Directoria de Instrucção, instituindo um curso de férias. Para não fugir de todo compromisso assumido, concordei em condensar em uma aula unica o que de mais importante teria a dizer. O que ides ouvir é pois antes uma aula do que uma conferência, e peço que assim o consideres (DA SILVA, 1924, p. 21).

Ou melhor: atendendo ao pedido do professor, antes de tudo é uma aula. E

presumidamente transmitida pela Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, pois há

evidências para tal afirmativa. Primeiro: o fato de ter sido transcrita e divulgada no

periódico Radio já é uma indicativo. Afinal, qual seria o interesse desse meio

impresso, oficial da Radio Sociedade, dispender de um assunto que, em princípio,

não é de interesse de seus associados? Segundo: segue os padrões de outros

artigos do mesmo periódico que foram irradiados, conforme observado no tópico

anterior. Em particular, trata-se, como outros irradiados, de uma palestra – chamada,

à época, habitualmente de aula.

Esta iniciou-se com uma explicação elementar sobre método dedutivo e

indutivo: “induzir (...) é observar, experimentar. (...) Deduzir é (...), partindo de uma

lei já conhecida, estabelecer uma conclusão que nella se enquadra como

consequência” (DA SILVA, 1924, p. 21).

O tom do discurso pode fornecer a impressão de que, efetivamente, houve

uma aula tradicional, com o ensino da Geometria para o ensino primário. Contudo

Heitor Lyra da Silva muda o rumo de sua lição e desenvolve um pensamento que diz

respeito à defesa do primeiro movimento renovador da Matemática no Brasil, com

ênfase em práticas pedagógicas:

Mas, em pedagogia, como tantas outras cousas, nós perdemos a noção das origens, perdemos o contacto com as realidades e vaidosas conquistas intellectuaes, já alcançadas, imaginamos poder proceder por methodos de puro raciocinio, sem perceber que assim estancaríamos nas novas gerações a fonte fecunda de onde tinha emanado tudo o que em materia de domínio sobre a natureza faz o justo orgulho da humanidade de hoje. Por esse caminho errado enveredam principalmente quase todos os povos de educação latina, emquanto que o bom senso robusto dos de outras raças soube evitar taes desvios, mantendo o ensino elementar sempre mais proximo da natureza e da vida. (DA SILVA, 1924, p. 21)

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Parece que sua fala é dirigida a um público específico e que algum embate

intelectual ocorria neste período. Certo é que esses assuntos estavam sendo

discutidos nas décadas de 1920 e 1930. E polêmicas ocorreram, ao menos no

Colégio Pedro II e envolvendo os Almeida Lisboa e Euclides Roxo (CARVALHO,

2004).

Portanto, esse artigo publicado em Radio também permite outro olhar: no

lugar do Colégio, as escolas primárias e a pedagogia. Ao invés do Pedro II como

centro das atenções, A Escola Nacional de Belas Artes como, por hipótese, cerne da

política educacional relacionada ao ensino da Geometria.

Ou seja, houve lugar para outros debates fora dos muros do CPII. As

conversas diziam respeito às ideias modernizadoras de Felix Klein, Laisant, Borel,

Hadamard, Bouasse e Moureux42.

E mais, segundo Heitor Lyra da Silva (1924), a Escola Normal do Rio de

Janeiro, representada pelo professor Corregio de Castro, e a Universidade do

Paraná, com o professor Lysimacho da Costa, também se inserem neste contexto.

Portanto, o movimento renovador também dizia respeito a discussões amplas

e que ocorreram em várias instituições de ensino, nos mais diversos níveis.

Provável que esse período de renovação do ensino brasileiro tenha sido

motivado também pela Exposição de Comemoração do Primeiro Centenário da

Independência do Brasil, em que o mundo trouxe ao Brasil as novidades

tecnológicas e educacionais da época – tal como o modelo de ensino dos Estados

Unidos da América, país este que se preocupou em encomendar um livro sobre o

assunto exclusivamente para divulgação durante este evento (ESTADOS UNIDOS

DA AMÉRICA, 1922). A Exposição parece ter sido uma grande feira de negócios,

onde as nações divulgavam suas invenções e pesquisas, muitas delas

provavelmente relacionadas a um propósito financeiro – tal como a venda de

transmissores de telegrafia para o governo brasileiro.

Em boa medida, O Ensino da Geometria Elementar diz respeito sobre como

deveria ser o ensino desta disciplina de modo amplo, por meio de um discurso

técnico, envolvendo o que ele chamou de tendência lógica e analítica e tendência

intuitiva. Explica, ainda, que a aritmética, a álgebra e a Geometria formam um único

42

Pessoas citadas por Heitor Lyra em seu artigo O Ensino da Geometria (Radio, jan. 1924).

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corpo, ou seja, a Matemática tal qual conhecemos hoje. A criança tem lugar de

destaque:

No estudo da Arithmetica deveríamos banir o emprego de numeros de muitos algarismos que não tem significação concreta e nada dizem portanto ao espirito da creança. Deveriamos fazer o ensino das fracções com o emprego de taboinhas ou melhor de cartões facilmente divisíveis. As proporções deveriam ser ensinadas juntamente com as figuras semelhantes e com as escalas, em Geometria – o mesmo (DA SILVA, 1924, p. 23)

O caráter pedagógico da discussão pode ser evidenciado através das

preocupações com o excessivo emprego de números extensos. E a Geometria

serviria de suporte para o desenvolvimento de atividades que digam respeito à

lógica e à abstração. Nessa proposta a atividade docente iniciaria um nível

elementar, intuitivo e se desenvolveria até a demonstração de teorias, com o uso de

material concreto e de estudos experimentais (DA SILVA, 1924, p. 23).

E sob esse contexto, Heitor Lyra propõe um programa de ensino com os

seguintes pontos: estudo concreto de áreas e volumes, semelhança de figuras,

simetria, traçado e construção de curvas, superfícies, polígonos, gráficos,

perspectiva e agrimensura (DA SILVA, 1924). Algumas figuras impressas no artigo

exemplificam como deveriam ser aulas envolvendo este conteúdo, tais como:

crianças em uma praça e jovens medindo a altura de um edifício43.

Segundo Heitor, tal programa não seria uma novidade e estaria relacionado a

ideias que já eram discutidas por Rui Barbosa, no final do século XIX.

Ou seja, essa aula, transcrita em artigo, abre possibilidades para outros

estudos. Qual teria sido a influência de Heitor Lyra da Silva e da Escola Nacional de

Belas Artes no ensino primário? Será que o programa de ensino proposto por este

professor teve lugar em instituições de ensino? Qual a opinião dos profissionais que

discutiam o movimento renovador no Paraná e nos Institutos de Educação? Qual a

relação entre as ideias de Rui Barbosa e de Heitor Lyra da Silva?

Tais perguntas fogem dos objetivos desta Tese. Para respondê-las seriam

necessárias outras pesquisas. Logo, a análise de O ensino da geometria elementar,

43

As figuras, bem o corpo do artigo de Heitor Lyra da Silva (DA SILVA, 1924) não estão presentes nesta Tese, em virtude da precariedade do documento localizado e das imagens, pouco nítidas, obtidas deste documento.

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de modo amplo, ocorrerá a posteriori e terá como parâmetro os estudos já realizados

sobre o primeiro movimento renovador da Matemática.

Portanto, este tópico é mais um registro que diz respeito à existência de um

artigo que pode desencadear novos estudos sobre a Matemática escolar nas

primeiras décadas do século XX.

4.2.3 A radiodifusão educativa e a Matemática entre 1926 e a década de 1940.

Figura 10: CAPA da Revista Electron, n° 11-13 (RADIO SOCIEDADE DO RIO DE

JANEIRO, ago. 1926)

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Em 1926 surge Electron, uma revista produzida pela Radio Sociedade do Rio

de Janeiro que, em seu primeiro número, datado de 1º de fevereiro de 1926

(Apêndice L), contém um artigo que pode se definido como uma diretriz a ser

seguida pelos interessados em radiodifusão:

Vivo na lasca de carvão, negro e humilde, escravo do homem a cumprir os seus desejos: vivo na scentelha do céu, que ensinou o fogo à humanidade e rompe a treva das nuvens para clarear o mundo na hora triste e majestosa das tempestades: vivo na lágrima e na gota de leite, num pensamento e num sorriso. Sou tão pequinininho que quasi não existo; e são tão grande que faço girar os mundos. Agito-me sem descanso, para que o Universo não morra e para que os violinos e cigarras encham a Terra de harmonias. Quando um ser morre cabe-me transmitir a outros seres a semente de vida que nelle existir. De seio fecundo das raças faço brotar a força dos homens e a beleza das mulheres. Agito-me sem descanso, para servir a Creação, na luz, no calor, no som e nas ondas eternas. Fazem-me ás vezes matar; mas meu desejo é a vida integral de todas as belezas. Os homens, desvairados, servem-se de mim para emprezas tristes de guerra e maldade: cumpro revoltado este mister odioso. Mas a minha ambição maior, o meu louco desejo, é poder vibrar sempre, livre do mal, levando pelo infinito os pensamentos bons que um dia hão de transformar as gentes, livrando os escravos de trabalho e acordando as nações na mesma sympathia. Sou tão pequeno... ninguém me vê!” Roquette-Pinto (RADIO SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO, fev. 1926, p.1).

Este foi um discurso que deveria ter sido divulgado pela Radio Sociedade do

Rio de Janeiro, mas que por motivos técnicos foi apresentado somente na primeira

página da Revista Electron. Provavelmente representa o ideário de rádio criado por

Edgard Roquette-Pinto. Diz respeito também à propaganda, não desejada e

possivelmente aceita como medida de sobrevivência. Tem o rádio como um meio

democrático, capaz de levar aos rincões a educação - como oportunidade para

melhoria de vida, um instrumento para alcançar a dignidade e a paz.

Presume-se que tal postura reflete também um momento difícil da

humanidade: o período entre as duas guerras mundiais do Século XX –

acompanhada mais adiante de uma grande depressão econômica.

E o rádio poderia ser o instrumento para as boas novas, poderoso. Neste

sentido, este artigo inicial refletiria uma luta entre o bem e o mal. Roquette-Pinto

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demonstra ainda um amadurecimento em relação aos seus interesses. Longe das

reportagens que cobriam as festividades de inauguração ou aniversário, a postura é

mais serena e focada no compromisso com o educativo e com a paz.

Há de se imaginar as dificuldades para transmissões: não havia programa 24

horas por dia. Muitas das transmissões chegavam, no máximo a 9 horas diárias e

não funcionando aos domingos.

As radioaluas educativas estavam mais relacionadas com a área de ciências

humanas. Matemática tinha pouco, ou nenhum lugar. A hipótese era de que esta

disciplina não tinha relevância para a sociedade da época. Possivelmente o Brasil

era meramente comprador de tecnologias e desconhecedor dos processos

industriais: um ambiente propício para as humanidades, com destaque para a arte e

as línguas estrangeiras.

Mas um concurso pode ser relacionado com esta disciplina, provavelmente

como indício de um despertar em relação à importância da Matemática no futuro da

nação:

Concurso para creanças até 12 annos, instituído pela Radio Sociedade e patrocinado pela Casa Moreira Maia, Largo da Carioca ns. 16 e 18. Problema: Na dispensa de uma casa havia um pedaço de queijo Dois ratos, um grande e um pequeno, o cobiçavam. Sabiam ambos que o não comeriam antes das 16 horas, momento exacto em que a dona de casa entraria na dispensa para dar o queijo à cosinheira. Sabia muito bem o rato pequeno que não lhe caberia a guloseima se encontrasse na dispensa com o rato grande que, mais forte, o expulsaria. Às 14 horas e 19 minutos os dois ratos começaram a roer paredes da dispensa. O pequeno roia uma parede de 15 centímetros de espessura e vencia um centímetro em seis minutos e trinta segundos; o grande roia uma parede de vinte centímetros e vencia um centímetro em cinco minutos. O grande, para comer o queijo todo, precisava de 4 minutos; o pequeno, necessitava de 6 minutos para ingerir a guloseima. Pergunta: quem comeu o queijo? Resposta até 20 de Setembro. O premio, um bello brinquedo, offerecido pela casa Maia Moreira & Cia., Largo da Carioca, 16 e 18, será entregue á creança de idade até 12 annos, que revelar melhor raciocínio. (RADIO SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO, set. 1926, p. 16)

Este desafio pode ser considerado um problema relacionado à Progressão

Aritmética. Uma das alternativas é transformar minutos em segundos. Desta forma, o

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rato pequeno rói 1 centímetro em 390 segundos; o rato grande em 300 segundos.

Como há uma parede a ser transposta, de 15 centímetros e 20 centímetros,

respectivamente, pode-se constatar que: 1) rato pequeno. Progressão Aritmética

com 15 termos, cujo primeiro é 390 segundos e a razão também é 390. 2) rato

grande. Progressão Aritmética com 20 termos, cujo primeiro é 300 segundos (ou 5

minutos) e a razão também é 300. Usando a fórmula da PA - -

44, chega-se ao último termo: rato pequeno - 5.850 segundos ou 1 hora, 37 minutos

e 30 segundos; rato grande – 6.000 segundos ou 1 hora e 40 minutos. Considerando

que o rato pequeno precisava de 6 minutos para comer o queijo, o tempo total gasto

por este roedor foi de 1 hora 43 minutos e 30 segundos. Já o rato grande, ingeria a

guloseima em 4 minutos, o que acarretou em um tempo total de 1 hora e 44 minutos.

Ou seja, com uma diferença de apenas 30 segundos, o rato pequeno venceu a

disputa. Logo, a criança que dissesse que foi o rato pequeno quem venceu a

disputa, ganharia o concurso.

Considerando que a revista Electron também divulgava acontecimentos da

Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, presume-se que o desafio dos ratos foi

transmitido via rádio - e a resposta também. Eis aí um exercício de Matemática que

pode ter entretido centenas de crianças.

Ainda há, por exemplo, uma palestra sobre História da evolução dos relógios

que, em certa medida, também está relacionada com a Matemática, pois diz respeito

à medida do tempo:

Resumo – antes de falar sobre o relógio de algibeira, é interessante resumir a história da relojoaria. Nas epochas mais remotas, o homem calculava o tempo apenas pelo número de dias; passou depois a basear seus calculos sobre os meses lunares, systema de que se valeu a humanidade durante muito tempo. (RADIO SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO, 16 maio 1926, p. 12).

A palestra foi proferida por Paulo Henrique Labouriau e versa, de modo

amplo, sobre os diversos tipos de relógios inventados pelo homem. Presume-se ter

sido irradiada, pois recebe o nome de palestra todo evento publicado pela Electron e

organizado pela Radio Sociedade do Rio de Janeiro.

44

Esta fórmula pode ser verificada no livro de Gelson Iezzi e Samuel Hazzan (2004).

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Há, na Electron, diversas transcrições de palestras, como o estudo de línguas

estrangeiras. Mas parece que a vida deste meio de comunicação foi curta. Ao todo,

foram encontradas 20 publicações – todas relativas ao ano de 1926.

Após este período, há o registro de outra atividade do Governo Federal na

área de educação somente em 1944: um livro de Roberto Peixoto, sobre o programa

Universidade do Ar, produzido pela Rádio Nacional, e com interesse específico em

Matemática (PEIXOTO, 1944) – Apêndice K.

Provavelmente este foi um programa mais amplo. Deve ter envolvido outras

disciplinas. Mas é um indício de que a Matemática começa a ter algum lugar de

destaque na radiodifusão educativa.

Figura 11: Contracapa do Livro de Roberto Peixoto, Universidade do Ar (1944).

Este livro provavelmente foi uma coletânea sobre as aulas proferidas por

Roberto Peixoto, no que diz respeito à Matemática, entre os meses de janeiro a

março de 1944.

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É importante observar que a palavra aula está em um contexto diferente da

sala de aula e, neste caso, diz respeito a palestras proferidas sobre o ensino da

Matemática na escola secundária.

Cabe ressaltar que o estudo de programas produzidos pela Radio Nacional

não é objetivo desta Tese. Contudo, em virtude do deparar com este material, bem

como o fato da Radio Nacional ser uma emissora vinculada ao Governo Federal,

achou-se conveniente ao menos citar a sua existência.

Á época, sob a linha sucessória da Radio Sociedade do Rio de Janeiro está a

Rádio MEC – tema do próximo capítulo.

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5. A RÁDIO MEC: PÚBLICO, PROGRAMAS E O ENSINO DA MATEMÁTICA

A Rádio MEC é a sucessora da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Ganhou

este nome em 1936, após doação ao Governo Federal (MILANEZ, 2007a). Demorou

aproximadamente 14 anos para publicar um impresso oficial já com a nova

denominação. Isso ocorreu nos anos de 1950, com o Boletim Informativo da Rádio

Ministério da Educação.

A periodicidade do Boletim é irregular. Ora veiculado bimensalmente, ora

mensalmente. O primeiro exemplar localizado, número 5 de dezembro de 1950, é

referente ao Ano I dessa publicação (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, dez.

1950).

Os responsáveis pelo impresso levaram ao público mais do que um resumo

das atividades da Rádio MEC. Trataram de assuntos radioeducativos. Divulgaram a

importância científica do rádio, bem como escreveram breves históricos desse meio

de comunicação.

Uma das preocupações era com o Ensino Rural, através do programa Terra

Brasileira que teve como público-alvo moradores de áreas não urbanas.

5.1. A RADIO OUVINTE JOSEFINA

Por meio de uma charge a Rádio MEC divulga intenções que dizem respeito

ao público do programa Terra Brasileira: Josefina da Fazenda, uma personagem que

não pedia auxílio e por isso cometia erros em seu trabalho.

Ela era o chamariz para que ouvintes rurais entrassem em contato com a

Rádio, por meio dos Correios. As cartas deveriam ser enviadas à Praça da

República, 141-A, no Rio de Janeiro - RJ (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,

out./nov. 1952).

Josefina pode ser considerada a personificação do ideário de radiodifusão

educativa no ano de 1952. A pessoa pobre, sem instrução, longe dos bancos

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escolares. Seu único meio para ter acesso ao conhecimento era através do rádio.

Era para ela que o rádio deveria ser feito.

Mas seria Josefina leitora do Boletim Informativo? Se o programa que ela

ouviu foi elaborado pelo Serviço de Informação Agrícola do Ministério da Agricultura,

se ela morou no meio rural, será que seria alfabetizada a ponto de ler esse

periódico? Será que à época existiria um serviço de correios eficiente para enviar a

qualquer rincão do país um jornal? Será que ela tinha rádio ou assistia em algum

posto de recepção?

Sem dúvidas, ela não era leitora assídua do Boletim Informativo. É provável,

ainda, que algumas Josefinas não tivessem sequer aparelhos de rádio.

Isso significa que o Boletim Informativo existiu para que se divulgasse à

sociedade letrada, em particular, os formadores de opinião, as atividades da Rádio

Ministério da Educação.

Ou seja, tal instituição possuía de fato dois meios de comunicação: o rádio

para o povo, e, em certa medida45, para a Josefina, mulher do campo, mulher de

casa; o jornal, denominado Boletim Informativo, destinado aos que, de fato,

sustentavam politicamente e economicamente o serviço de radiodifusão educativa

do Governo Federal do Brasil.

45

O cidadão urbano também fazia parte do público-alvo da Rádio Ministério da Educação. A esses, letrados, destinavam-se as aulas de inglês e italiano, dentre outras.

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5.1.1 Josefinas, Josefinos e seus filhos

Figura 12: Reino da Alegria46

(RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, ago./set. 1952, p. 15)

Ao olhar a fotografia acima, que diz respeito a um encontro referente ao

programa infantil Reino da Alegria, produzido pela Rádio MEC, talvez se tenha uma

noção sobre quem foram os radiovintes desta emissora na década de 1950.

A nota explicativa da foto, constante no Boletim Informativo, elucida algumas

questões desse momento: estavam presentes os radiouvintes e os radioatores. Ou

seja, a imagem foi captada em um momento que foi preparado intencionalmente

para reunir as duas faces de uma única moeda. E as crianças estavam assistindo a

um programa de rádio destinado a elas.

Foi um evento de peridiocidade anual, realizado em anos anteriores, haja

posto que “o ‘Reino da Alegria’ ofereceu aos seus ouvintes, todos os anos, uma

46

Transcrição da nota da fotografia: O “Reino da Alegria”, programa infantil das emissoras do Ministério da

Educação, oferece a seus ouvintes, todos os anos, uma transmissão dedicada às tradições juninas. O flagrante

acima foi tomado êste ano, no momento em que radiouvintes e radioatores confraternizavam alegremente. O

“Reino da Alegria” é transmitido todas as 2.as, 4.as e sextas-feiras, às 17,30 horas.

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transmissão dedicada às tradições juninas” (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,

ago./set. 1952, p. 15) [aspas do autor].

Os adultos vestidos com roupas típicas eram provavelmente os radioatores.

Pode-se observar agachado, ao centro, um deles. De vestes típicas, mas simples,

interpreta o homem “caipira”. Mais ao alto, uma mulher de chapéu ao lado de um

homem. Pelo figurino, provavelmente o noivo e a noiva do “Arraiá”. Ela tem um ar

jovial, uma senhorita. Ele parece ter, literalmente, fisgado a noiva pelo olhar.

Outros adultos estão presentes. Um homem com chapéu de palha no canto

superior esquerdo: possivelmente um cantor, pois não está de roupa típica e o fato

de apoiar o braço no pedestal do microfone sugere algum conhecimento técnico. A

postura é de alguém que deseja demonstrar qual é o seu espaço no programa. Uma

mulher de vestido florido e braços à frente do corpo encontra-se no canto superior

esquerdo, sem chapéu, sorridente.

Mais à direita, duas mulheres (lado esquerdo da mulher de chapéu). Podem

ser artistas do rádio ou, ainda, exercerem alguma atividade de apoio. Não parecem

ser mães que acompanharam os filhos durante o programa radiofônico. Notem que

há crianças afrodescendentes e nenhuma mulher afrodescendente. E o número de

crianças é maior do que o de mulheres e homens.

Há meninos e meninas que destoam do caráter junino. Principalmente as

meninas que estão na fileira à esquerda, tendo à frente uma afrodescendente.

Parecem mais terem saído de casa com as melhores roupas que dispunham do que,

efetivamente, vestirem trajes juninos.

Provavelmente há a convivência de classes sociais distintas. Talvez a mais

arrumada fosse uma radioatriz mirim ou filha de algum profissional da Rádio.

As crianças são, de fato, ao menos em boa medida, ouvintes de rádio. E seus

pais também.

Talvez se pergunte como se chegou a tal afirmação. Primeiro: para estarem

no programa, os menores tiveram a anuência de seus progenitores. Difícil a hipótese

de alguma criança ter participado do programa e, ainda posado para foto, sem

autorização de seus responsáveis. Quem os levou e os buscou?

Segundo, para estarem no “Reino da Alegria”, certamente ouviam o

programa. E para uma criança ouvir rádio, houve a concordância de adultos. Ou será

que teriam, todas, condições de ligar um receptor sem autorização? Ou, ainda, que

estariam realmente dispostas todas irem a um programa infantil que não gostam?

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Não parecem envergonhadas, aborrecidas. Pelo contrário, há espontaneidade na

foto. Observe a criança do lado inferior direito, olhando e sorrindo para a

afrodescendente.

Houve pose para foto, mas em um momento no qual parece haver alguma

distração: o homem do braço no pedestal não está olhando para frente. A menina

que acabamos de falar também não. O possível noivo não estava em pose solene. A

menina mais alta do lado esquerdo olha para o centro.

Em uma sociedade na qual a mulher cuida dos filhos e do lar e o homem sai

para “sustentar” a família, ou seja, ganhar dinheiro para pagar as contas e comprar

alimentos, sem dúvidas ao menos algumas das mães dessas crianças eram também

radiouvintes. Como o programa era transmitido, segundas, quartas e sextas-feiras às

17 horas e 30 minutos (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, ago./set. 1952, p. 15),

o progenitor estaria ainda no trabalho – ou retornando.

Corrobora para essa hipótese a estrutura da grade de programação da

emissora Rádio MEC (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, out./nov. 1952, p. 6).

Os programas educativos eram entre 7h30m e 8h30m e entre 18h e 19h30m. Nestes

horários, quem trabalhava poderia, ao menos em parte, assistir às aulas de História,

Inglês-americano, Geografia, dentre outras disciplinas.

Logo, a mãe, mulher, dona de casa, ocupava posição importante no que diz

respeito à audiência do rádio na época. E isso pode ser percebido através dos

programas e concursos existentes.

Elas tinham lugar no Rádio e no Boletim. Este foi o espaço no qual saíram do

anonimato e iniciaram uma mudança nos costumes da época. No “palco”, podiam

ser pianistas, trabalhar em programas como Música para Juventude47 e ser

destaque não só no Brasil, mas também no mundo – como Maria Isabel Mourão

(RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, março 1952).

Nos concursos realizados, as mulheres ocuparam lugar de destaque. Por

exemplo, Valderez Silva Ramos, gaúcha, foi vencedora de um desses eventos. Além

de obter o 1º lugar no Concurso de Recitalistas, recebeu convite para trabalhar no

Música para Juventude de 1953 (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, março

1952).

47

O programa Música para Juventude provavelmente foi apresentado ao vivo do Cine Teatro Rex (março 1952, p. 1). Hoje esse local, no Centro do Rio de Janeiro, é um cinema pornográfico.

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Mas e os homens? Provavelmente ouviam rádio em seu trabalho. Música

popular e erudita, radiojornal e um curso de divulgação científica eram irradiados

entre 8h30m e 18h.

A divulgação científica merece destaque. O primeiro registro deste tipo de

programa data de março de 1952 (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, março

1952), com transmissões previstas para as 8h30m, de segunda a sexta-feira.

No Boletim Informativo há uma coluna com o mesmo nome do programa

(RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, março 1952). Os temas abordados eram

veiculados neste periódico, bem como na Rádio:

O Curso de Divulgação Científica, orientado pelo professor Aloysio de Melo Leitão, tem por finalidade levar aos ouvintes, através de palestras realizadas pelos conhecedores dos diversos setores, ou por pessoas de justo renome nas especialidades focalizadas, conhecimentos gerais sobre ciências biológicas, geológicas, sociais e ciências físicas e químicas. Como temos feito anteriormente, damos a seguir a palestra sôbre o “Sangue”, pronunciada ao microfone do S.R.E. nesta série, pelo professor Roberto Pimentel de Melo. O Curso de Divulgação Científica vai ao ar, diariamente, às 8,30 horas (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, jul. 1952, p. 11) [Aspas do autor]

E a coluna existente no Boletim Informativo diz respeito ao programa

radiofônico: trata-se de uma transcrição, ou textualização, de palestras já irradiadas.

Houve cursos sobre Defesa Passiva dos Animais (RÁDIO MINISTÉRIO DA

EDUCAÇÃO, março 1952), Soros Antiofídicos e Terapêutica dos Ofidismos (RÁDIO

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, abril 1952), Vitamina “A” (RÁDIO MINISTÉRIO DA

EDUCAÇÃO, maio/jun. 1952), O Sangue (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, jul.

1952), Dependência ou Morte (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, ago./set.

1952) e, Vidro (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, out./nov. 1952).

Portanto, este era, provavelmente, o típico programa da Rádio MEC voltado

ao público masculino. Ele era que deveria salvar pessoas em situações adversas

(picada de cobra) ou trabalhar em ambientes com temperaturas extremas (a

produção de vidro).

Mas um silêncio, ou melhor, a ausência de uma disciplina chamou a atenção.

Onde está a Matemática em uma emissora de rádio educativo? Sequer é

mencionada no Curso de Divulgação Científica. Entretanto está implícita nas

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palestras ministradas: em relação a soro antiofídico, “para a injeção sub-cutânea de

sôro usa-se seringa e 10 ou 20 centímetros cúbicos, com agulha grossa” (RÁDIO

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, abril 1952, p. 10); ou, na produção de vidro –

“submete-se a mistura da areia com outros componentes, à ação de temperaturas

elevadas, de 1100º a 1500º C (...) e faz com que o produto resultante se apresente

líquido...” (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, out./nov. 1952, p. 10).

Talvez, pelas características do programa em questão, a Matemática fosse

apresentada deste modo: implícito e aplicado. A maneira que foi apresentada sugere

uma organização, em certa medida, próxima aos conteúdos ministrados em uma

escola. Mas será que este nível de organização efetivamente existiu?

5.2. O COLÉGIO DO AR

A Partida do Cruzado: Passa um dia, passa outro dia,/ Nunca volta nosso Anselmo,/ Porque era muito esperto: / Foi embora pra guerra, e pôs o elmo... 48

Colégio do Ar, sem dúvidas, teve lugar de destaque na programação da Rádio

MEC. O programa foi, de fato, um colégio49. Transmitido para todo o Brasil e para o

mundo, na década de 1950, em Ondas Médias – OM e Ondas Curtas - OC,

respectivamente. Um colégio das ondas do ar. Sem diplomas ou emissão de

certificados oficiais. Em vez de salas de aula, estúdios radiofônicos. Não havia

cadeiras escolares, mas sim aparelhos de rádio.

Para complementar, aos que tinham acesso, parte do curso era impresso no

Boletim Informativo (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, jun./jul. 1951). Ia a esta

escola quem tinha rádio, ou, ainda, o caronista do rádio de algum amigo.

O curso foi transmitido inicialmente entre as 7 e 8 horas da manhã, de

segunda a sexta-feira – e também aos sábados. Posteriormente seu horário de

transmissão foi ampliado. De manhã, das 7h30m às 8h30m; de tarde, das 18h às

48

Título original: La Partenza Del Crociato. Consta no Boletim Informativo que esta é uma poesia italiana escrita por um menino quando de suas aulas no curso ginasial. (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, ago./set. 1951, p. 11) 49

Não foram localizados documentos que, objetivamente, definam o que foi o Colégio do Ar. Portanto, as informações constantes neste tópico são interpretações das notas, colunas e matérias disponíveis no Boletim Informativo da Rádio Ministério da Educação.

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18h30m, de segunda a sexta-feira. Aos sábados das 7h30m às 8h30m e das 18h às

19h05m. Não havia aulas aos domingos (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, abril

1952). Também não havia programação prevista para a Rádio MEC. Provavelmente

domingo era dia de descanso.

No final de 1952, aulas de Inglês. Trechos de peças na língua anglo-saxã

foram veiculados: La folle de Chaillot,

(...) assim se expressou o cronista “Spectador”: “Escrita por Giraudoux no seu estilo suíço, durante a ocupação de Paris, o drama reveste-se, nesses perturbados anos de após-guerra, de nova atualidade”. (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, out./nov. 1952, p. 12) [aspas do autor]

Escrita por Jean Giraudoux, a interpretação radiofônica desta peça fez parte

das aulas transmitidas; sua crônica escrita por um ouvinte nos faz presumir que

existia comunicação entre alunos-ouvintes e professores. Uma interação de acordo

com o seu tempo, utilizando as tecnologias necessárias e disponíveis na época. Em

suma: os serviços postais.

Mas também ocorriam encontros, tal qual um curso semipresencial. Um deles

foi no dia 26 de agosto de 1952, no Auditório do Ministério da Educação. Assistiram

a um filme: I bambini ci guardano50. A programação integrava a disciplina de Língua

Italiana (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, out./nov. 1952), coordenada pela

professora Matilde Matarazzo Garjiulo. O Curso foi ministrado inicialmente por ela e,

a partir de junho de 1952, face viagem de estudos à Itália (onde foi aprender filosofia

na Universidade de Peruggia), pela professora Sofia Baldaconi51.

Um evento deste porte, em um mundo analógico, certamente precisou ser

organizado, agendado e divulgado previamente52.

O que comentavam alunos-ouvintes e docentes antes, durante e após os

encontros? Tiravam suas dúvidas. E também discutiam sobre os filmes. O resto é

50

Tradução para o português: A Culpa dos pais 51

Provavelmente ambas nasceram em Florença, na Itália. (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, ago./set. 1952) 52

A primeira seção de Cinema ocorreu no final de julho de 1952. Além de alunos e professores de inglês (britânico e americano), professores da Cultura Inglesa e do Instituto Brasil-Estados Unidos estiveram presentes. Todos assistiram a Hamlet, um filme documentário de Lawrence Oliver. (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, ago./set. 1952, p. 12)

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pura especulação. Mas não é difícil imaginar um café, um agradecimento, uma

palestra de abertura.

Daí, concluímos que características elementares de ensino a distância

estavam presentes no Colégio do Ar: O espaço físico distinto das escolas

tradicionais, a ausência física de um professor no quotidiano do aluno, interação e,

certamente, discussões. Em alguns casos o sistema era semipresencial, como o

Curso de Língua Italiana.

Outra disciplina do Colégio do Ar foi o Português Falado. O nome é

autoexplicativo. Pelo rádio, ensinava-se a pronúncia correta de palavras. Ideal para

todos os níveis de ensino. Desde o analfabeto até o homem culto poderia melhorar

sua pronúncia. Os que sabiam ler podiam realizar provas de leitura: Célia Martins,

carioca; Adéia Neves, baiana; Bruno Garjiulo53, de São Paulo e Valdir Finotti, do

interior de São Paulo. “O prof. José Oiticica, depois de ouvir-lhes a leitura feita ao

microfone procurava mostrar-lhes a diferença entre as pronúncias regionais e a

pronúncia falada no Brasil.” (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, out./nov. 1952,

p. 12).

Será que esses discentes vieram para a capital federal somente para

participar dessas sessões de leitura? Não há como responder. Mas há como afirmar

a existência de uma dinâmica de encontros culturais na qual um professor soube

tirar proveito das diferenças para ensinar a Língua Portuguesa culta. E, ainda,

demonstrar que existem diversos modos de falar.

O professor José Oiticica fez da diferença uma característica única: o Brasil

de múltiplas linguagens. Um país, uma nação, uma língua. Mas distintas maneiras

de se comunicar.

Mas quais seriam os objetivos do Curso de Português Falado? A pronúncia

do r, do x e do e, bem como o tratamento da inflexão54.

Ampliando o escopo, certamente há de se observar que outras disciplinas

eram ministradas. Consequentemente, conteúdos distintos eram oferecidos aos

alunos-ouvintes. Como organizar todo este curso? De que maneira ouvintes e

professores tinham acesso a tais informações?

53

Bruno Gargiulo é filho da professora de Italiano Matilde Matarazzo Gargiulo, que ministrou aulas no Colégio do Ar. (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, ago./set. 1952, p. 12) 54

Neste período a inflexão, conforme divulgado no Boletim Informativo, dizia respeito a unidade da frase, bem como sua entonação. (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, jul. 1952, p. 4)

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Sob esse aspecto, é provável que existisse uma tensão institucional, pois na

edição do Boletim Informativo de julho de 1952 há a seguinte matéria:

IMPRESSÃO DE SÚMULAS DAS AULAS MINISTRADAS. Nova fase do programa – Fala a diretora Neusa Feital. Acompanhada do diretor do Serviço de Radiodifusão Educativa e da Prof.ª Neusa Feital, diretora do Colégio do Ar da Rádio Ministério da Educação, foi recebida em audiência pelo Ministro Simões Filho uma numerosa comissão de professores e alunos do mencionado curso. Falando pela comissão e especialmente em nome dos alunos, o diretor do S.R.E. começou por agradecer as repetidas provas de atenção e de interesse dadas pelo ministro ao Colégio do Ar. Os grandes e produtivos esforços desenvolvidos em 1951 pela direção e pelo corpo docente do Colégio teriam certamente perecido neste ano se o ministro não tivesse ajudado financeiramente essa grande obra de instrução e educação. Tocou a seguir o diretor da S.R.E. no ponto essencial da audiência: - a distribuição das súmulas impressas das 15 disciplinas do Colégio aos seus milhares de alunos inscritos, os quais se espalham por todo o Brasil. Essas súmulas – declarou o Sr. Carlos Rizzini – são indispensáveis ao andamento e ao sucesso das aulas; constituem o roteiro das disciplinas e o único laço entre o aluno e o professor. (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, jul. 1952, p. 4)

O que teria levado um grupo de alunos e professores se reunirem? Qual a

importância desse acontecimento a ponto de ser divulgado no Boletim Informativo?

A primeira, evidente, é de ordem financeira: ...teria perecido o Colégio do Ar. A

exaltação dos esforços do ministro em auxiliar monetariamente esse programa pode,

de fato, ocultar outro lado da moeda.

Ao tecer elogios, estaria o diretor do Serviço de Radiodifusão Educativa - SRE

- enfatizando a necessidade urgente de verbas. As súmulas provavelmente foram a

desculpa. Deste modo, ao obter verba para um serviço impresso e levar ao público

tal providência, estaria o ministro comprometido. Afinal, pela lógica do discurso, foi

ele quem salvou o Colégio do Ar do perecimento e, ainda, apoiou uma iniciativa de

melhorar o SRE.

O outro é o caráter didático. De fato, eram muitas as disciplinas e

provavelmente alguma dificuldade havia em gerenciar a relação aluno-professor. Daí

surgiu a súmula, como uma espécie de materialização de um contrato didático.

Mas antes houve uma preparação para esse novo protocolo: as disciplinas

foram agrupadas em quatro grandes grupos: “1) de línguas; 2) de ciências sociais; 3)

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de ciências naturais e Matemática; 4) de artes” (RÁDIO MINISTÉRIO DA

EDUCAÇÃO, jul. 1952, p. 4).

Cabe ressaltar que, embora o compromisso para a criação da súmula tenha

sido público, não foram encontradas evidências de que esta tenha efetivamente sido

impressa.

5.2.1 O Colégio do Ar e a disciplina de Matemática

O caso das súmulas foi uma das raras vezes na qual a palavra Matemática foi

anunciada. Há poucas informações sobre o ensino desta disciplina, em um silêncio

que chega a perturbar.

No Boletim Informativo encontram-se aulas de línguas estrangeiras, de

história geral, história do Brasil, ciências geológicas, física, química, ciências

biológicas, literatura do Brasil e, ainda, o Curso de divulgação científica.

Essas aulas faziam parte da grade de disciplinas do Colégio do Ar,

ressaltando que a nomenclatura disciplina não era utilizada. Em seu lugar, cadeiras

e, no quotidiano do programa, eram chamadas de cursos. Logo, disciplina, cadeira e

curso são sinônimos e possuem as mesmas características: remontam a um

conjunto de conteúdos escolares que eram ministrados nas radioaulas.

Sobre esses cursos, diversos informes e programas foram divulgados no

Boletim Informativo. Em literatura geral, foram ministradas aulas de literatura Oriental

antiga, grega e latina. (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, ago./set. 1951).

O de inglês americano possuiu o seguinte plano de ensino: I - Education; II -

How americans make living; III - The Structure of American Society; IV – Art music

and literature in the United States today; V – Religion (RÁDIO MINISTÉRIO DA

EDUCAÇÃO, ago./set. 1951), com radiouvintes de diversos estados do Brasil -

Olinda-PE, Pelotas-RS e Uberlândia-MG (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,

jun./jul. 1951).

O Curso de italiano visava suprir uma demanda peculiar: imigrantes recém-

chegados, além de estudantes brasileiros (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO,

ago./set. 1951). Isso denota que o público do Colégio do Ar era híbrido, composto

também por pessoas de diversas nacionalidades. Provavelmente, no que diz

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respeito aos italianos, o curso seria um dos instrumentos para fixação destes

estrangeiros em território brasileiro.

A gravação da poesia La Partenza del Crociato, pelos professores Marcela

Mortara e Maurizio Quadrio55, para que estudantes corrigissem sua dicção, imbrica

em uma interação entre docentes e discentes. Provavelmente alunos que remeteram

cartas ao programa receberam cópia da gravação.

Mas os rastros, do passado no presente, no que diz respeito à disciplina de

Matemática? Estes são escassos.

É somente por meio de notas que se pode compreender a existência do

Curso: “SÁBADO...Matemática – Professor J.C. Melo e Souza. 7 horas.”56 (RÁDIO

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, ago./set. 1951, p. 10); e,

RÁDIO E TV NA EDUCAÇÃO. CARLOS RIZZINI. A inauguração do Colégio do Ar representa apenas um detalhe do programa de educação popular do ministro Simões Filho. O público tem conhecimento de outras providencias suas, de não menor importância, executadas nestes poucos meses de gestão. O que caracteriza o ensino pelo microfone são a gratuidade e a comodidade. Os alunos aprendem em casa e nada pagam. (...) Em São Paulo, há anos funcionava a “Universidade do Ar”, mantida pelo SESI com numerosos cursos, lecionado pelo corpo de professores dessa instituição. (...) O nosso Colégio, isto é, o Colégio da Rádio Ministério da Educação é sustentado pela insignificante Verba de Programações e o corpo docente constituído de mestres abnegados, verdadeiros sacerdotes. Basta dizer que para preparar e ler uma aula de vinte minutos, o que exige duas horas pelo menos de redação, recebem o ridículo pró-labore de cem cruzeiros. (...) Nosso Colégio abrange agora doze disciplinas. Antes compreendida somente cursos de línguas e História do Brasil. As novas disciplinas são: literatura, Matemática, História Geral, geografia e ciências, regidas, respectivamente, pelos professores J.B. de Melo e Souza, Antônio Traverso, Emanuel Leontin’us, Valter Cardim e J.C. de Melo e Souza. Êsses novos mestres, como se vê, são de primeira plana (RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, jun./jul. 1951, p. 1-2) [grifo meu]

55

Marcela, professora do Colégio do Ar. Maurizio, convidado de Marcela: professor de dicção lírica no Centro

Cultural Brasil-Itália e Vice-presidente da Seção Italiana da UNESCO. Informações Boletim Informativo

(ago./set. 1951, p. 11). Consta, ainda, que a gravação seria enviada pelos correios para estudantes que enviaram

trabalhos para o Curso de Italiano no mês de maio. 56

Provavelmente fez-se referência ao professor de Matemática José Carlos de Melo e Souza

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A gratuidade é um aspecto a ser observado: em 1951, existiam intenções

relacionadas à universalização do ensino público e gratuito, tendo como recurso o

rádio.

No que diz respeito aos professores, a ordem anunciada no Boletim

Informativo provavelmente é equivocada, pois Antonio Traverso, em tese, seria

professor de Matemática. Mas no Colégio Pedro II, foi professor de História da

Civilização, com admissão em 1939 (BRASIL, 1951).

Outro aspecto é o desinteresse pela Matemática no Colégio do Ar, observado

pela inexistência de aulas impressas, ou suas sínteses, no Boletim Informativo.

Outro exemplo é uma seção de fotos, publicada em dezembro de 1950.

Figura 13: Professores do Colégio do Ar

(RÁDIO MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, dez. 1950, p. 5)

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Em poses formais, sendo que dois deles posam com um microfone à frente

(significando um vínculo mais estreito com o rádio do que os demais), mostram seus

rostos para os leitores do Boletim Informativo. E o professor de Matemática? Não

estava presente.

Novamente a hipótese era de que a sociedade brasileira não estava

preocupada com o ensino da Matemática, provavelmente relacionada com o

desenvolvimento industrial e tecnológico nacional.

Essa obscuridade somente desapareceu na década de 1970 com o

surgimento programas de rádio e de televisão mais amplos. Coincidentemente este

foi um momento maior de vigor na economia do país se comparado com as décadas

anteriores, com o avanço do consumo e da indústria.

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6. O ENSINO DA MATEMÁTICA VIA RÁDIO: O PROJETO MINERVA

No decorrer das pesquisas de campo foram encontrados diversos indicativos

de que o ensino da Matemática estava presente desde os primeiros anos da

radiodifusão no Brasil.

Entretanto, em relação aos projetos da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro e

da Rádio MEC, é somente com o Projeto Minerva que esta disciplina tem,

efetivamente, o seu lugar.

Elaborado nos anos de 1970 pela Rádio Ministério da Educação – Rádio MEC

(Milanez, 2007), Minerva traz em seu bojo uma referência à deusa da sabedoria.

É provável que a veiculação desse programa tenha ocorrido até o início da

década de 1980, conforme informações obtidas em visita técnica realizada a esta

emissora no ano de 2007.

Suas atividades consistiram em cursos, via rádio, em nível supletivo de 1º

Grau (Milanez, 2007). Teve como público-alvo pessoas com idade igual ou superior

a 17 anos e que não tivessem concluído o Curso Ginasial (SERVIÇO DE

RADIODIFUSÃO EDUCATIVA DO MEC, 1973a).

Os fascículos produzidos no ano de 1973, para o 1º Grau, diziam respeito às

seguintes disciplinas: Matemática, Língua Portuguesa, Estudos Sociais, Ciências,

Informação Ocupacional, Educação Física, Educação Artística e Educação Moral e

Cívica (Brasil, 1973). Ainda houve uma programação informativa cultural: música

popular, música erudita, história da música, literatura, dentre outros (Brasil, [197-?]).

Havia radiopostos – onde os alunos assistiam às aulas e eram orientados por

monitores. Aqueles que não podiam ir aos radiopostos se inscreviam nestes, ouviam

e estudavam em suas residências. Partes dos cursos foram elaboradas em parcerias

com outras instituições de radiodifusão educativa, como a Fundação Educacional

Padre Landell de Moura – FEPLAM e Fundação Padre Anchieta (Brasil, [197-]).

As radioaulas foram transmitidas para todos os estados brasileiros e podiam

habilitar-se ao Supletivo jovens com idade igual ou superior a 17 anos e adultos que

não tivessem concluído o antigo Curso Ginasial (Brasil, 1973). Tinham como material

de acompanhamento apostilas – treze ao todo. Nestas, os alunos acompanhavam

os conteúdos ministrados.

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6.1. O MATERIAL DE ACOMPANHAMENTO DO PROJETO MINERVA

Este tópico tem como parâmetro para análise o trabalho de Alain Choppin

sobre história dos livros didáticos e das edições didáticas (2004).

Como o próprio autor afirma, esta proposta possui seus limites face questões

relacionadas ao léxico, bem como por se tratar de um novo campo de pesquisa.

A ausência de levantamentos que dizem respeito a produções didáticas é

outro problema evidenciado.

Se isso ocorre em relação aos livros didáticos destinados às escolas

regulares, ou seja, aquelas de caráter presencial, o que se pode dizer então sobre o

ensino a distância?

No Brasil, até o presente momento, não se localizaram, após revisão

bibliográfica e no âmbito da Educação Matemática, estudos do gênero.

Portanto, esta pesquisa também trata de uma primeira organização de tal

acervo no que diz respeito a projetos do Governo Federal do Brasil.

É óbvio que esta proposta tem suas restrições, pois ampliar o escopo da

pesquisa a desvirtuaria de seus objetivos.

Choppin afirma que há quatro funções essenciais nos livros didáticos: 1) a

referencial, onde “o livro didático é então apenas a fiel tradução do programa”

(Choppin, 2004) e traduz as intenções de uma determinada sociedade em relação

aos interesses inerentes à disciplina escolar Matemática; 2) a instrumental,

relacionada às práticas pedagógicas; 3) a ideológica e cultura, em certa medida

responsável pela manutenção e transmissão de valores culturais; 4) a documental,

“cuja observação ou confrontação podem vir a desenvolver o espírito crítico do

aluno” (2004).

Como existe um conjunto multimídia em jogo (livro didático x radioaulas), tais

funções podem ser analisadas de um modo mais amplo.

É possível que, em certa medida, a função instrumental possa ser

representada pelos programas exibidos no rádio ou na televisão.

Caberia, então, ao livro didático, a função referencial, bem como a ideológica

e cultural. No caso do Projeto Minerva, este será o limiar do estudo, em face de

dificuldades encontradas para ouvir os áudios sob a guarda da Rádio MEC.

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6.1.1 A função ideológica e cultural

Uma das características do tempo no qual os fascículos do Projeto Minerva

foram escritos é a associação de conteúdos didáticos com o Movimento da

Matemática Moderna – MMM que, segundo Flavia Soares (2001), dentre outros

aspectos, enfatiza a linguagem dos conjuntos, o estudo de funções, bem como

propõe uma nova abordagem para o ensino da Geometria.

Produzido em 1973, pelo Serviço de Radiodifusão Educativa do MEC, esta

edição didática, de autoria corporativa, não foge à regra no que diz respeito às

tendências e à cultura escolar da época.

A começar pela linguagem dos conjuntos, primeira aula prevista para este

radiocurso.

Figura 14: Aula do Projeto Minerva, conjuntos. (SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO EDUCATIVA DO MEC, 1973a, p. 89)

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Mais do que o início de um curso à distância, presume-se que esta aula

também marca uma posição em relação à cultura escolar da época.

Ao iniciar com conjuntos (SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO EDUCATIVA DO

MEC, 1973a), o autor, diretamente, envia um recado à comunidade educacional da

época. Em suma, compreende-se que sua intenção foi de afirmar que está em

consonância com as tendências educacionais de seu tempo.

Entretanto, seria esse o conteúdo mais apropriado para um material de

acompanhamento em um curso cujo público-alvo eram pessoas que estavam

afastadas do sistema educacional?

A simploriedade presente nos primeiros exemplos pode representar uma

tentativa de aproximação entre o leigo (aluno) e o letrado (professores, educadores

ou matemáticos). Mas seria o suficiente?

A apostila do Projeto Minerva parece muito mais um documento no qual o

autor procura posicionar-se em relação à cultura da época.

Para que o aluno iniciasse seus estudos relacionados às operações básicas

foram necessárias 12 aulas “preparatórias”, assim denominadas e organizadas: 1)

conjuntos; 2) conjuntos: equipotentes finitos – finito e universo; 3) conjuntos: unitário

– vazio – subconjuntos; 4) conjuntos: relação de inclusão. União de conjuntos; 5)

conjuntos: interseção. Diferença; 6) conjunto: complementação; 7) conjunto:

operações – revisão. Conjuntos equipotentes; 8) número natural; 9) número natural

– propriedades; 10) sistema de numeração (I); 11) sistema de numeração (II); 12)

sistema de numeração (III).57

Tal postura provavelmente é uma afirmativa ideológica, focada na cultura

escolar predominante à época, com a necessidade de ratificar que conteúdo de

Matemática deste radiocurso estaria sob o manto do Movimento da Matemática

Moderna. E esse talvez seja é um dos motivos pelo qual o Projeto Minerva foi

apelidado pelos funcionários da Rádio MEC de ME Enerva58.

Como, neste tempo, visava-se aproximar o saber científico do saber escolar,

que outros conteúdos ministrados no radiocurso poderiam afirmar ou ratificar esta

intencionalidade?

57

Títulos conforme constam nos livros didáticos do Projeto Minerva. 58

Este “bullying” radioeducativo foi observado e constatado quando o autor desta Tese era empregado da ACERP, mantenedora da Rádio MEC até o ano de 2007

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As ideias relacionadas a elemento neutro, propriedade associativa e

comutativa auxiliam na resposta.

No fascículo três, apresenta-se o conteúdo relacionado à multiplicação e suas

características, definidas deste modo:

Resumindo, vimos hoje as propriedades da multiplicação: fechamento – o produto de 2 números naturais é um número natural. comutativa – se a e b são dois números naturais então a.b=b.a. associativa – numa multiplicação de mais de dois fatores o produto é o mesmo independente do modo como forem associados esses fatores. elemento neutro – o número 1 é o elemento neutro da multiplicação. elemento absorvente – o zero como fator anula o produto (SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO EDUCATIVA DO MEC, 1973c) [grifos do autor]

Trata-se de uma espécie de simplificação, ou vulgarização, da ciência

Matemática, tendo em vista que nas leis de composição internas da álgebra

elementar deve-se comprovar, de modo amplo, a validade, ou não, das propriedades

(DOMINGUES e IEZZI, 1982)59.

Essas escolhas foram alvo de críticas por educadores da época – como, por

exemplo, as publicadas no livro O Fracasso da Matemática Moderna (KLINE, 1976),

cuja capa estampa as seguintes palavras: “Todo mundo foi envolvido por ela... As

crianças começaram a falar em conjuntos... A linguagem do mestre se complicou... E

os alunos não aprenderam a somar!” (KLINE, 1976).

E o Projeto Minerva parece que seguiu esta tendência:

Exemplo nº 1. A costureira Maria precisa comprar botões para pregar nas camisas que está fazendo: 3 camisas com 6 botões verdes cada uma e 5 camisas com 6 botões brancos cada uma. Quantos botões Maria precisa comprar? Vejamos: Maria está fazendo 3+5=8 camisas. Cada camisa gasta 6 botões. Logo Maria precisa de 6x8=48 botões. Isto é: 6 x (3 + 5) = 6 x 8 = 48 (SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO EDUCATIVA DO MEC, 1973c, p. 108)

59

Não aprofundar-se-ão conceitos matemáticos. As operações enunciadas são apenas exemplos. Sabe-se que um estudo matemático requer maior rigor – análise refutada nesta Tese face própria intencionalidade da pesquisa, de caráter histórico e relacionado à educação matemática.

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Em que acrescentou ao aluno a última frase da citação acima? Houve uma

tentativa de utilização da propriedade distributiva. De fato, a pergunta era: quantos

botões Maria precisa comprar? Mas, do modo no qual o problema foi finalizado, seria

mais adequado dizer: quais as operações Matemáticas possíveis para a resolução

do exercício?

Tal questão aproxima-se, certo modo, às ideias relacionadas ao

desenvolvimento do raciocínio lógico.

E, após, o fascículo cinco, a tendência em ministrar conteúdos relacionados

ao Movimento da Matemática Moderna, de certa maneira, dissipa-se. Tal tendência

pode ser verificada no ensino de noções sobre razão e proporção, equações de 2º

grau, bem como em Geometria.

Como exemplo, o capítulo que diz respeito à razão e proporção. Neste há

noções elementares sobre juros. Talvez como uma tentativa de trazer ao radiocurso

questões relacionadas ao quotidiano do aluno.

Figura 15: Aula sobre juros.

(SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO EDUCATIVA DO MEC, 1973h, p. 100)

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O autor apresenta noções elementares, tendo como ferramenta o conceito de

razão e proporção (SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO EDUCATIVA DO MEC, 1973h).

Poderia ele ter fomentado este estudo de outro modo, explicando que o conteúdo

ministrado diz respeito a juros simples e, ainda, empregando outra técnica de cálculo

no exercício dois: Juros é igual a Capital vezes a Taxa de Juros vezes Tempo

(J=Cin).

Mas preferiu manter o foco em razão e proporção. Consequentemente não se

aprofundou em juros simples.

Esse é um dos exemplos nos quais parece que o caráter relacionado à

aproximação do saber científico do saber escolar não está em destaque. Poderia,

por exemplo, calcular o montante da aplicação (capital mais juros) com o uso de

técnica relacionada à progressão aritmética.

No que diz respeito às equações de 2º grau, inicia-se o estudo com equações

incompletas, define-se o que são termos e coeficientes de uma equação para, na

terceira aula, apresentar equações completas e a sua resolução por meio da

Fórmula de Báskara.

Figura 16: Equações do 2º Grau (SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO

EDUCATIVA DO MEC, 1973h, p. 116)

:

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A metodologia adotada para o ensino deste conteúdo distancia-se da aplicada

no início do radiocurso. Verifica-se uma predominância na resolução de exercícios.

Ou seja, há o predomínio da técnica e um distanciamento dos preceitos relacionados

ao Movimento da Matemática Moderna.

Mas é com a Geometria que esta distância parece ser mais evidente.

Figura 17: Volume dos Sólidos, conceitos (SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO

EDUCATIVA DO MEC, 1973j, p. 116)

A resolução de exercícios ocupa lugar no ensino da Geometria, mas os

conceitos têm destaque. Talvez se questione: Mas esta não é a Geometria a ser

ensinada? Sim, entretanto outras estratégias são possíveis.

No Projeto Minerva ensinou-se a Geometria Euclidiana. Não estavam

presentes outras geometrias, como a Fractal e a hiperbólica. Poder-se-ia trabalhar

com o plano cartesiano ou vetores. Mas essas alternativas não foram cogitadas.

Portanto, os conteúdos presentes nos fascículos do Projeto Minerva permitem

constatar: 1) Uma preocupação com uma determinada cultura escolar da época: o

Movimento da Matemática Moderna; 2) A ideologia aparentemente predominante diz

respeito à aproximação do saber escolar do saber científico; 3) Um processo de

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transição entre culturas, tendo em vista que são encontradas metodologias

relacionadas à linguagem de conjuntos, raciocínio lógico e, desconexos em boa

medida destes dois primeiros conteúdos, a resolução de problemas e suas técnicas;

4) O compreender da função ideológica deve ser embasada na análise do corpo de

todo o livro didático: os primeiros capítulos foram provavelmente direcionados à

comunidade docente e os finais dizem respeito às ideias do autor sobre como deve

ser, para ele e sua equipe, o ensino da Matemática pelo rádio.

6.1.2 A função instrumental

Uma das lacunas da pesquisa está relacionada à dificuldade de acesso à

memória oral do Projeto Minerva, tendo em vista que o acesso ao acervo de áudio

da Rádio MEC não foi permitido.

Houve diversas tentativas, entre os anos de 2010 e 2011. Em todas elas, o

acesso sob a prerrogativa de que o material estaria em processo de digitalização.

Entre 2007 e 2008, antes do início das pesquisas em nível de Pós-

Graduação, também houve tentativas. Esbarrava-se na precariedade de

preservação do acervo e, ainda, na inexistência de equipamentos adequados à

audição de fitas.

O resultado final não foi o esperado para a produção desta Tese: conseguiu-

se cópia de três programas do Projeto Minerva, sem data precisa de sua gravação.

Portanto, de modo a minimizar essa lacuna, decidi transcrever parte de uma

aula de Matemática cujo áudio foi fornecido pela Rádio MEC no ano de 2007. Assim

é possível compreender a função instrumental (CHOPPIN, 2004), ou seja, as

práticas e métodos de ensino.

(Vinheta de abertura) Acerte o teorema e resolva o seu problema encontre a

resolução da expressão, da operação. Provar por a mais b é sempre a melhor tática!

Acerte na Matemática...

Matemática aula número 59. 1ª parte do 20º fascículo.

(Locutora) Retas e circunferência. Abra o fascículo na página 311. Já

estudamos separadamente a reta, a circunferência e as equações que as definem.

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Agora vamos reunir todos esses conhecimentos para relacionar retas e

circunferências.

(Locutor) Pegue um lápis e trace no caderno uma circunferência. Não há

necessidade de compasso. Trace a sua circunferência à mão livre e depois marque

um ponto qualquer.

(Locutora) Terminou? Então repare. Ou você colocou o ponto na linha que é a

circunferência ou colocou o ponto fora dela.

(Locutor) Se o ponto está na linha, dizemos que ele pertence à circunferência.

Caso contrário, dizemos que ele não pertence à circunferência.

(Locutora) Neste último caso, o ponto pode ser interno ou externo. Conforme

figuras do item um da página 311. Observe-as com atenção.

(Locutor) Agora repare. Se o ponto P pertence à circunferência, a sua

distância ao centro é igual a R. Se o ponto P é um ponto interno, essa distância é

menor que R. Se o ponto P é um ponto externo, a distância é maior que R.

(Locutora) Como podemos verificar se um ponto pertence ou não a uma

circunferência?

(Locutor) Basta verificar se as coordenadas do ponto satisfazem a equação

da circunferência. Se satisfazem, o ponto pertence à circunferência. Se não

satisfazem, o ponto não pertence à circunferência. Veja o exemplo 1 do item 4 da

página 312.

(Locutora) Exemplo 1. Determinar a posição do ponto (3,2) em relação à

circunferência de equação .

(Locutor) Veja bem, x é igual à 3 e y é igual à 2. Substituindo os valores de x

e y na equação temos...

(Locutora) .

(Locutor) Ora, quatro é diferente de zero. Logo, o ponto não pertence à

circunferência. Suas coordenadas não satisfazem a equação.

(Locutora) Agora que sabemos que o ponto não pertence à circunferência,

vamos verificar se ele é interno ou externo.

(Locutor) Lembre-se de que para que o ponto seja interno, é preciso que a

distância entre ele e o centro seja menor que o raio. Para que o ponto seja externo,

esta distância será necessariamente maior que o raio.

(Locutora) Assim, o problema se resume em determinar a distância entre o

ponto e o centro da circunferência.

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(Locutor) Repare a equação também pode ser escrita assim:

.

(Locutora) Ora, na aula anterior vimos que toda equação da forma

é a equação da circunferência de centro na origem. . Isto é, no

ponto (0,0) e raio R. Logo, a equação é a equação da

circunferência que tem como centro a origem (0,0) e raio 3.

(Locutor) Assim podemos calcular a distância entre o centro (0,0) e o ponto

dado (3,2). Veja no fascículo na página 312.

(Rádio MEC, [197-?]a)

Esta textualização foi realizada de modo conservador. Em verdade, trata-se

quase de uma transcrição face às características dos programas gravados. Optei

apenas em suprimir informações que dizem respeito à trilha sonora, bem como

escrever as equações em uma linguagem Matemática. Logo, não se utilizou a

simbologia e para dar uma maior fluidez no texto.

No que diz respeito às características desta radioaula, relacionada à função

instrumental, a primeira constatação é a forma na qual o conteúdo é apresentado. O

rigor geométrico cede lugar ao desenho livre, sem uso de régua e compasso, para

que a aprendizagem via rádio seja facilitada. Ou seja, há uma predominância da

didática e que diz respeito à função instrumental de Choppin (CHOPPIN, 2004).

Provavelmente para os autores do livro didático interessava que o aluno

soubesse que o desenho feito era uma representação de uma circunferência.

Presume-se o uso desta metodologia em virtude de eventuais dificuldades que os

estudantes poderiam ter, sejam estas de ordem financeira ou somente momentânea

em face da inexistência de instrumentos didáticos disponíveis – no radioposto ou no

local que está ouvindo as radioaulas.

Outro aspecto é a sequencia da aula, que se inicia com uma circunferência e

se desenvolve para a apresentação da equação da circunferência. Observa-se que

não há comentários sobre a sua forma reduzida ou geral e, ainda, de que a forma

em que a equação foi descrita é possível somente porque tem como centro a origem

(0,0).

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Ou seja, o modo simples de a radioaula ser apresentada foi intencional: fazer

com que o público, alunos ouvintes, compreendesse minimamente o conteúdo

ministrado.

Não se trata de um erro matemático ou de uma falha didática, mas sim uma

espécie de vulgarização da Matemática Escolar presencial, de modo a adequar a

função instrumental, ou seja, as metodologias e práticas de ensino, à radiodifusão

educativa – uma escola sem paredes.

Subentende-se, ainda, que alguns conteúdos apresentados, como “se o ponto

P pertence à circunferência a sua distância ao centro é igual a R” (Brasil, [197-?]),

procederam a uma aula sobre noções elementares no que diz respeito à

circunferência e ao raio.

Outros estudos são necessários para se compreender de modo mais amplo o

Projeto Minerva. Trata-se de um estudo inacabado em essência, com a observância

do escopo desta pesquisa: fornecer um panorama amplo sobre o ensino da

Matemática na radiodifusão brasileira, em particular na Rádio MEC e TVE Brasil,

mantidas pela ACERP (e antecessoras).

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7. A TELEVISÃO EDUCATIVA DO GOVERNO FEDERAL DO BRASIL

A Educação deixou de ser entendida como subproduto da riqueza e do progresso para ser reconhecida como o agente efetivo do processo de valorização nacional. Sob o imperativo do seu próprio impulso desenvolvimentista, o Brasil tomou consciência da observação, já consagrada na sociologia contemporânea, de que o progresso das Nações depende do progresso dos povos, ou seja, da capacidade produtiva dos seus recursos humanos, os quais, por sua vez, dependem fundamentalmente de formação e aperfeiçoamento educacional (FCBTVE, [ca. 1972]b)

A história da televisão educativa no Brasil, no que diz respeito às ações do

Governo Federal do Brasil, é marcada por uma trajetória conturbada.

Em 2008, por meio de Medida Provisória - MP convertida na Lei 11.652

(BRASIL, 7 abr. 2008), assume a administração dos canais TVE Brasil e Rádio MEC

a Empresa Brasil de Comunicação – EBC – , em uma espécie de fusão política entre

a ACERP e a Empresa Brasileira de Comunicação - Radiobrás60.

No ano de 2007, a ACERP, em um de seus últimos atos como gestora de

canais educativos, publicou duas obras que contribuem para a preservação da

memória do rádio educativo brasileiro. Ambas são coletâneas de artigos e

depoimentos.

A primeira delas Radio MEC: herança de um sonho (MILANEZ, 2007a)

ressalta a origem da radiodifusão educativa, bem como o vínculo entre a Rádio MEC

e a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.

Na segunda, TVE: cenas de uma história, Milanez (2007b) ratifica a relação

entre rádio, televisão e um de seus pioneiros: utiliza uma foto de Edgard Roquette-

Pinto na página inicial do primeiro capítulo; ilustra, ainda, os tempos áureos da

televisão educativa do Governo Federal.

O desfecho, em 2008, para a empreitada federal em televisão educativa nada

mais foi do que uma consequência de problemas que vinham se arrastando há

décadas.

No ano de 1998, foi extinta a Fundação Roquette-Pinto (BRASIL, 1998), que

deu lugar à ACERP. Assinou-se, em 15 de maio de 1998, a Medida Provisória

60

Estas informações podem ser verificadas em (MILANEZ, 2007b) e na Lei 11.652, de 7 de abril de 2008 (BRASIL, 2008).

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símbolo deste período: Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan, Paulo Paiva,

José Israel Vargas, Luis Carlos Bresser Pereira e Clóvis de Barros Carvalho.

A gestão da TVE Brasil e da Rádio MEC é transferida da FRP para a ACERP

(BRASIL, 1998), como parte de parte de um projeto maior: a reforma do Estado, em

crise.

Os motivos que levaram a optar por um novo modelo de gestão perpassam

por crise na administração da FRP (FRADKIN, 2003).

Ou seja, tecnicamente, a marca TVE Brasil sobreviveu até o ano de 2007

(Entre Traço e Zero, 2007). Contudo, o caráter didático não estava mais presente,

tanto que o livro escrito por Beth Carmona (2003), sobre a TVE Brasil, não fala em

crises e soluções sobre teleducação e sim sobre TV Pública, um termo mais amplo.

Suas atividades, iniciadas legalmente em 3 de janeiro de 1967 (ESTADOS UNIDOS

DO BRASIL, 1967), tinham como propósito a produção e veiculação de programas

educativos (MACIEL, 2008).

A alternância de poder na FRP foi constante. Aliás, esta fundação nem

sempre teve este nome: de seu surgimento até o ano de 1981, chamava-se

Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa – FCBTVE – ; entre 1981 e 1990, foi

denominada Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa – FUNTEVÊ – ; nos anos

de 1990 a 1997, Fundação Roquette-Pinto; a partir de 1998, foi substituída pela

ACERP (MILANEZ, 2007b). Em 2007, como já dito, surgiu a Empresa Brasil de

Comunicação – EBC.

O que isso significa? A cada mudança de poder no país, houve tentativas de

recriar o que já existe. No período final de governos militares (1964-1985)61,

marcada pela intenção do Presidente General João Batista Figueiredo da abertura

política (Democracia - reafirma Figueiredo, 1979), há a primeira mudança jurídica: de

FCBTVE para FUNTEVÊ. No período de Governo do Presidente Fernando Collor,

1990 a 199262, para FRP. Na gestão de Fernando Henrique Cardoso, 1995 – 2002,

surge a ACERP. Seu sucessor, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2007, cria a EBC.

61

No dia 2 de abril de 1964, o Jornal Folha de São Paulo anunciou a vacância da Presidência e a Resistência de João Goulart (Congresso declara presidência vaga, 1964). No dia 25 de abril, por uma diferença de 22 votos, a emenda para eleições diretas não é aprovada no Congresso (A nação frustrada!, 1984). Contudo, em 8 de maio de 1985, outra emenda é aprovada, reestabelecendo eleições diretas para presidente e prefeito de capitais (Congresso aprova as diretas, 1985). 62

Informações sobre os períodos de governo de presidentes do Brasil disponível em http://www.presidencia.gov.br/info_historicas. Acesso em 6 de abril de 2011.

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Essas consecutivas modificações criaram uma insegurança jurídica e temores

a mudanças63 que contribuíram para a desmotivação de funcionários e cooperados,

bem como para a gradual perda de identidade e de entusiasmo com as atividades

da TVE Brasil.

A incapacidade de Gilson Amado, primeiro presidente da FCBTVE (MILANEZ,

2007b), em preparar uma liderança para sucedê-lo na presidência da FCBTVE,

cargo que ocupou durante treze anos, também foi outro motivo para o

esfacelamento do projeto de televisão educativa do Governo Federal do Brasil.

Foram, oficialmente, 14 presidentes entre os anos de 1979 e 1998 (MILANEZ,

2007b). Ou seja, aproximadamente, um presidente a cada um ano e quatro meses.

Com tais problemas, aliados à morte de Gilson Amado, inesperada e por

asfixia quando da ingestão de alimento em 26 de novembro de 1979 (FÁVERO e

BRITTO, 1999) no restaurante Monte Carlo64, bairro de Copacabana, Rio de Janeiro,

o fim da marca TVE Brasil era previsível.

Ou seja, um ambiente conturbado, sem lideranças capazes de defender os

interesses de empregados e da própria instituição - face o pouco tempo que

administraram a instituição - são a marca da decadência da Fundação Roquette-

Pinto e dos anseios do Brasil em ter uma emissora de televisão educativa com

qualidade.

Parte dos problemas da TVE Brasil pode ser explicada pela produção e

veiculação do Telecurso Supletivo “A Conquista”.

Após a morte de Gilson Amado, quem provisoriamente conseguiu manter-se

na administração da FCBTVE foi o economista Ronaldo de Azevedo Nordi - como

Diretor-Executivo. Contudo, a duração de seu mandato foi curta: permaneceu por, no

máximo, dois anos (MILANEZ, 2007b).

O motivo de seu afastamento da emissora foi a manutenção do Telecurso

Supletivo A Conquista na programação da TVE Brasil, afetado por uma transferência

de verbas, destinadas inicialmente à FCBTVE, para a Fundação Roberto Marinho -

FRM. Ou seja, tanto a criação da FRM quanto a execução do A Conquista foram

cercada de polêmicas.

63

Constatação do autor desta Tese enquanto empregado da ACERP entre os anos de 2005 e 2008, quando do desenvolvimento das atividades inerentes ao cargo de Analista de Desenvolvimento de Recursos Humanos. No ano de 1998, parte da mão-de-obra da FRP era constituída por cooperativados liderados, dentre outras pessoas, por Dirceu Timotheo Camargo. 64

Funcionários da extinta FRP informaram que a causa mortis foi asfixia. Corrobora para esta interpretação nota de falecimento no Jornal do Brasil (Falecimentos, 1979).

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Um dos documentos que permitem realizar essa afirmativa é a edição de 11

de abril de 1983, do Jornal do Brasil (TVE relança aulas com novo nome para evitar

desperdício, 1981). Outro é um livro oficial da TVE Brasil, escrito por Liana Milanez

(2007b).

O problema, eclodido na década de 1980, iniciou-se, ao menos, em 1977.

Nesta época, Manoel Jairo Bezerra (1977) demonstrou insatisfação e

descontentamento com o não prosseguimento das gravações do Telecurso

Supletivo A Conquista. Afastou-se oficialmente deste projeto por discordar dos

problemas internos da FCBTVE e, sob os quais, provavelmente não teve gerência

(BEZERRA, 1979).

O falecimento inesperado de Gilson Amado (Falecimentos, 1979) foi mais um

motivador para que um problema de interesse público se tornasse pessoal e vice-

versa: estava em jogo o ideário de Televisão Educativa.

Daí em diante, A Conquista foi o pano de fundo para que uma causa

educativa não se extinguisse.

Face esses desgastes, os profissionais que acompanharam Gilson Amado em

seus anos de FCBTVE, em particular Ronaldo de Azevedo Nordi – Diretor Executivo

entre 1968 e 1977 e de 1980 a 1981 – não conseguiram manter o educativo como

principal compromisso.

Os interesses políticos prevaleceram.

A reportagem de 11 de abril de 1983, do Jornal do Brasil, ilustra os problemas

ocorridos e a decadência da TVE Brasil:

Para evitar que sejam totalmente desperdiçados Cr$ 28 milhões gastos pelo Ministério da Educação e Cultura entre 1975 e 1980, a TVE- Canal 2 do Rio está relançando, com novo nome o Projeto Conquista (...) para dar lugar ao Telecurso 1º Grau das Fundações Roberto Marinho e Universidade de Brasília (...) A desativação prematura (...) gerou no período um conflito entre a TVE, a Funtevê (Fundação Centro-Brasileiro de Televisão Educativa), o MEC e as Fundações Roberto Marinho e Universidade de Brasília e a Secretaria de Planejamento da Presidência da República (Seplan). Foi um dos motivos da queda do diretor-executivo da TVE em março de 1980 economista Ronaldo Nordi que se recusou a tirar o programa do ar (...) Com a posterior assinatura entre MEC e FRM começou uma batalha subterrânea entre TV Globo e TVE revela, hoje, o economista Ronaldo Nordi, que não queria tirar o Projeto Conquista do ar. Nordi deliberadamente passou a desconhecer ordens para veicular o Telecurso 1º Grau em horários estabelecidos

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pela Fundação Roberto Marinho (TVE relança aulas com novo nome para evitar desperdício, 1983)

Nessa matéria, o professor Leonardo Neto previu que a TVE Brasil tornar-se-

ia um elefante branco. Errou apenas nos motivos: a questão era muito menos

burocrática e mais de gestão político-administrativa. O cancelamento ou atraso de

verbas foi outro agravante. Ou seja, a política emperrou a televisão educativa

brasileira.

A partir daí a dissolução da TVE Brasil e sua mantenedora era uma questão

de tempo.

Entretanto, olhar somente para as polêmicas pode fornecer uma posição

equivocada sobre a FCBTVE. Sem dúvidas, as mudanças e turbulências ao longo do

tempo são reflexos de um panorama político, no mínimo, conturbado e que poderiam

sugerir uma ausência de intenções quando do surgimento desta Fundação.

Mas a criação da FCBTVE não foi um ato desmedido, impensado ou

impulsivo. Criada através da Lei 5.198, de 3 de janeiro de 1967 (BRASIL, 3 jan.

1967), pelo então Presidente Marechal Humberto de Alencar de Castello Branco,

poucos meses antes do término de seu mandato, em 15 de março de 1967 (BRASIL,

[2012?]), este Centro Educativo instalou-se provisoriamente, no ano de 1968, em

uma sala situada na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, número 928; contava

com um circuito interno de televisão visando à preparação de professores para

produções teleducativas (FCBTVE, 23 maio 1975).

A sede definitiva, na Avenida Gomes Freire, número 474, foi inaugurada em

17 de fevereiro de 1972 (FCBTVE, 23 maio 1975), com um discurso de seu

Presidente, Gilson Amado:

Este é o Telecentro, da Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa, a matriz nacional de produção do MEC no campo da TVE. Com equipamentos modernos e sofisticados, sem paralelo na América Latina, com o apoio de uma doação do Governo Alemão através da Fundação Konrad Adenauer no valor de 2,5 milhões de dólares, foi implantado nesta matriz de produção um Centro capaz de representar uma posição de vanguarda na teledidática em todo o mundo, hoje. O Telecentro, como vocês podem ver, está completamente construído: três estúdios, sendo o principal com 480 metros quadrados; dotado de um teto metálico de iluminação que é a mais recente inovação da tecnologia alemã para estúdios. Daqui, deste Telecentro, partirá o primeiro Projeto Piloto de Teledidática: um

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curso completo, com currículo aprovado pelo Conselho Federal de Educação, através da televisão, em 100 capítulos. É o Curso Supletivo João da Silva! (AMADO, 17 fev. 1972).

Estiveram presentes nessa cerimônia o Embaixador da Alemanha no Brasil,

bem como o Senador Jarbas Passarinho – Ministro da Educação e Cultura65.

A participação da Fundação Konrad Adenauer foi fundamental para a

construção desta sede. Entretanto, coube à FCBTVE a construção do edifício, com

área superior a 6.000 metros quadrados.

Esta etapa inicial demandou planejamento e organização. A escolha do

imóvel foi realizada por uma equipe de técnicos que decidiram pela aquisição do

antigo Teatro República.

O treinamento de profissionais envolveu parcerias com a Grã-Bretanha,

representada pelo Centre of Educational Development Overseas – CEDO – , e com

a Comissão Nacional de Atividades Espaciais – CNAE –, extinto em 1971 e

substituído pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE (INPE, [2012?]).

A intenção era produzir programas de alto nível e adequado à realidade

brasileira:

A essa época, já a FCBTVE se preocupava em produzir o seu projeto-piloto no campo da teledidática, iniciativa que exigia pesquisas e estudos de laboratório completamente originais, de vez que não existia em qualquer dos países desenvolvidos, como os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, o Japão e a Itália, modelos ou paradigmas para projetos de cursos pela Televisão, com características didáticas (FCBTVE, 23 maio 1975).

E a busca pela inovação estava relacionada à demanda educacional da

época, própria do Brasil e que englobava uma solução para a inclusão de jovens e

adultos fora do sistema e que não tinham concluído as séries iniciais do 1º Grau –

motivação para o desenvolvimento do primeiro telecurso produzido pela FCTVE, a

Telenovela Educativa João da Silva (FCBTVE, [ca. 1972]b).

Ou seja, programas amplos de capacitação de Recursos Humanos, como o

Curso de Introdução à Produção de TV Educativa (FCBTVE, 1970) ministrado por

65

As informações sobre os primeiros anos da FCBTVE constam no relatório Síntese da Organização e Atividades (FCBTVE, 23 maio 1975).

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Jarbas Passarinho, Jairo Bezerra, Geraldo Casé, Jacy Campos, Orestes Polverelli,

dentre outros, aliados à criação de programas televisivos nacionais, alguns deles em

parceria com a emissora de televisão Globo – TV Globo, (por exemplo, Pluft, o

fantasminha) (FCBTVE, 23 maio 1975), demonstram uma intenção de desenvolver

projetos inovadores com critérios técnicos balizados na ação de organizações

televisivas com mais experiência do que as existentes, até então, no Brasil.

Entretanto esse caminho, ao longo do tempo, foi abandonado. A ingerência e

disputas internas tornaram da FCBTVE uma instituição falida.

Nesse sentido, a crise envolvendo a Fundação Roberto Marinho foi apenas

consequência de um projeto malogrado. Sem concorrentes à altura, os responsáveis

pela derrocada desta Fundação foram os próprios gestores – incapazes de gerir

politicamente uma organização que nasceu em berço esplêndido e faleceu na

obscuridade.

7.1. OS PROJETOS TELEDUCATIVOS: DO ENSINO DE 1º GRAU À FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Serão analisados três projetos teleducativos: Qualificação Profissional para o

Magistério de 1ª a 4ª série do 1ª Grau - QPM, o Telecurso Supletivo João da Silva e

o A Conquista.

O primeiro diz respeito ao imbricar de dois eventos, pois o QPM (FUNTEVÊ,

1987a) não só propiciou a participação de outros educadores no desenvolvimento de

projetos de TV Educativa em Educação Matemática66, mas também sua veiculação

ocorreu através do canal TVE-Escola67 - este meio de comunicação consistiu na

utilização pedagógica do canal 32, modalidade Ultra High Frequency - UHF, do

estado do Rio de Janeiro com a transmissão de programas educativos para escolas

municipais da capital desta unidade federativa68.

66

Detalhes no tópico seguinte. 67

Informações referentes à grade de programação de 1985. O QPM foi veiculado em 3 horários distintos: 10h45m às 11h45m; 14h30m às 41h50m; e, 18h5m às 18h25m. 68

Em certa medida, TV Escola (canal educativo do Ministério da Educação cujo interesse é oferecer meios audiovisuais como “subsídio” escolar) é fruto do trabalho desenvolvido na TVE-Escola. Possuíam formatos semelhantes. Uma breve análise comparativa pode ser realizada por meio de informações obtidas em: http://tvescola.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=category&id=94&Itemid=97 (Acesso

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Até a década de 1970, Manoel Jairo Bezerra liderava a coordenação, gestão

e idealização de projetos teleducativos, bem como na elaboração de livros didáticos

de Matemática no que diz respeito à radiodifusão educativa (MACIEL, 2009).

Na década de 1980, este panorama mudou. Ou seja, outro profissional, a

Prof.ª Dr.ª Mônica Mandarino teve oportunidade de ministrar aulas na TVE Brasil e,

ainda, utilizando um canal de televisão educativo, recém-criado, centrado na

transmissão de teleaulas.

Portanto, em certa medida, ambos podem ser definidos como únicos em um

contexto: QPM e TVE-Escola.

Os demais são telenovelas educativas que, de fato, adotaram o gênero

literário novela, mas não abandonaram a aula tradicional. Inserida entre atos

cênicos, as aulas parecem perdidas em um contexto distante do ambiente escolar.

7.2. As telenovelas educativas: João da Silva e A Conquista

O Telecurso Supletivo João da Silva foi concebido no início da década de

1970 sob a égide da educação formal como base do desenvolvimento brasileiro.

Pretendia, portanto, resgatar milhares de brasileiros, jovens e adultos, alfabetizados

excluídos do sistema educacional. (FCBTVE, [ca. 1972]b). Eram os “João da Silva”,

com acesso à televisão, mas sem chances de ir a uma escola.

De modo amplo, este telecurso ofereceu, através da telenovela educativa com

100 capítulos e material de acompanhamento organizado em cinco volumes, o

ensino das séries iniciais do 1º Grau – de 1ª à 4ª série. Foi organizado te tal modo a

agregar o maior número possível de alunos69. Sua recepção poderia ser organizada

(alunos assistiam aulas em telepostos, devidamente matriculados), controlada

(alunos assistiam o curso em sua residência, mas estavam regularmente

matriculados) e livre (sem quaisquer tipos de controle). (MACIEL, 2008; MACIEL,

2009).

em: 6 jun. 2011); com documentos da TVE-Escola (FUNTEVÊ, 1987a) e (FUNDAÇÃO CENTRO BRASILEIRO DE TELEVISÃO EDUCATIVA, 1985). 69

As informações sobre o Telecurso Supletivo João da Silva podem ser verificadas em relatório específico (FCBTVE, [ca. 1972]b)

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Face esta última modalidade de recepção, embora o público-alvo fosse jovens

e adultos alfabetizados não concluintes das séries iniciais do 1º Grau, de fato,

qualquer pessoa que estivesse no território nacional poderia ser considerada um

aluno em potencial. Os objetivos é que iriam se alterar, como no caso de Gloria

Maria Bazon de Andrade - professora do Colégio Metropolitano, escola onde

conheceu Manoel Jairo Bezerra, ex-diretor desta instituição. Ao mesmo tempo em

que ela cursava o ensino do 1º Grau em escola regular, assistia, sem o interesse de

adquirir diploma, as aulas de Matemática do João da Silva:

(...) eu assistia às aulas de Matemática do professor Manoel Jairo Bezerra pela televisão e os telecursos 1º grau e 2º grau. Enfim, eu assistia a todos os programas televisivos que tinham conteúdo de Matemática. Eram interessantes! A pessoa, o Jairo, estava longe, na televisão. Mas ele me fazia gostar: era um modo formal, mas humilde, simples e didático de passar o conteúdo. Era uma aula “tradicional”: ele ali elegante, de terno. Muito bom, muito bom mesmo! Ele falava com clareza e isso me motivava, me estimulava a gostar daquilo. Qualquer um entendia! Ele fazia você gostar da Disciplina! Para acompanhar as aulas pela TV havia os livros do Ministério da Educação – MEC. Meu pai comprava todos (ANDRADE, 26 nov. 2010).

Talvez, em virtude dessa amplitude, foi apontado, dentre vários, como um

modelo alternativo para solucionar os problemas educacionais no Brasil. Para a

FCBTVE, outras ações eram possíveis, mas com obstáculos indesejáveis para o

momento:

a) Instalação de novas unidades de ensino supletivo com apoio na rede escolar regular. Esta solução implicaria em mobilizar novos locais, provê-los de material adequado e de professores devidamente qualificados. É pois, solução a longo prazo. b) Ampliar a rede de radiopostos já existentes e estabelecer um sistema de reforço com material visual. Esta solução, de compreensível complexidade, também a longo prazo, é difícil de ser implementada; c) Utilizar a televisão para transmissão de um curso convencional no nível em causa não atenderia à faixa da população já possuidora do comprovante correspondente ao antigo curso primário, uma vez que se limitaria aos ensinamentos fornecidos no currículo tradicional; d) Finalmente, como já assinalado, utilizar a TV através de projetos com capacidade de audiência específica, mediante uma nova estratégia de ensino, capaz de fundir, na produção, diversas faixas de interesse da coletividade o interesse gerado pela teatralização, ao estilo de

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novela, das vivências dos personagens, facilitando a transmissão de conhecimentos; a didática apoiada em currículo aprovado pelo Conselho Federal de Educação, à base do qual podem os que acompanharem o Curso realizarem exame e obterem o seu comprovante, uma área de interesse comunitário, que pode sensibilizar todas as classes sociais com características de serviço de utilidade pública; contribuições valorizadoras da educação em todos os seus aspectos, válidas para promoção social da coletividade sem acesso a fontes mais diretas de aprendizado (FCBTVE, 1972).

E, desse modo, ao ser apontado como o melhor modelo para a solução de

problemas educacionais, o projeto de telenovela ganhou corpo e transformou-se em

realidade.

Nítido foi o caráter inovador para a época; comprovado por meio dos

relatórios existentes, bem como pela recipiência do Prêmio Especial do Japão no

ano de 1973 (MACIEL, 2009).

Contudo, as análises destas alternativas educacionais são deveras frágeis. A

opção em utilizar instalações de uma escola tradicional pode até ser refutada pela

ausência de profissionais qualificados – com formação relativamente longa.

Mas é inadequada a opção por não utilizar um meio já consagrado: o rádio.

Por que motivo seria complexo? Certo que esta estrutura envolve locais para ouvir

as aulas (os radiopostos) e seus monitores para auxiliar no processo de ensino e

aprendizagem, expandi-lo geraria uma demanda de recursos técnicos (ao menos

mais aparelhos de rádio) e de treinamento (formação de novos monitores).

E o que ocorreram com as telenovelas educativas? Foram organizadas em

formas de telepostos, contando também com a chamada recepção organizada onde

havia um televisor, alunos devidamente matriculados e, ainda, monitores

responsáveis por estes locais (MACIEL, 2008).

Logo, houve um custo. E provavelmente muito maior já que envolveu a

construção de um centro de produção televisivo. Ou seja, é equivocado o adjetivo

complexo atribuído à expansão do ensino supletivo via rádio.

Parece que os responsáveis pelo projeto, dentre eles Gilson Amado e Manoel

Jairo Bezerra (PAIVA E SOUZA, [2002?]), estavam dispostos a inovar. Mas, por

motivos não esclarecidos, apresentaram um estudo pouco aprofundado.

A postura de desejarem criar um novo modelo alternativo ao ensino supletivo

resultou na criação de um projeto amplo, que previu a criação de 670 telepostos e

460 centros controladores (FCBTVE, 1972).

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O mesmo se pode dizer do A Conquista, produzido e veiculado na segunda

metade da década de 1970, com 148 capítulos70 e material de acompanhamento

distribuídos em seis volumes (FCBTVE, 1979; MACIEL, 2009): trata-se de uma

continuação do João da Silva. Ofereceu a jovens e adultos o ensino das séries finais

do 1º Grau – 5ª a 8ª e com formato de recepção (centros controladores), veiculação

(telenovela educativa), e justificativas idênticas ao seu antecessor.

Alvo de maiores críticas, a opinião sobre curso, em caráter de terminalidade

do 1º Grau, reflete o descontentamento de setores da sociedade no que diz respeito

ao modelo adotado e aos custos envolvidos. Problemas internos da FCBTVE

contribuíram para a execução de um projeto aquém das expectativas.

Em abril de 1977, Manoel Jairo Bezerra declinou da Coordenação

Pedagógica do A Conquista. Falhas de ordem técnica são evidentes:

Os visuais são, na sua maioria, de ótima qualidade e superiores, em geral, aos do João da Silva. Realmente existem vários que poderiam ser melhores, caso tivéssemos contado com maiores recursos financeiros e técnicos, não fosse tão caro o aproveitamento de filmes de empresas particulares e se não tivessem sido gravados num caminhão alugado da TV Gazeta (sem recursos eletrônicos) (BEZERRA, 1979)

Tal carência de recursos pode ser justificada por problemas financeiros. A

opção por equipamentos de menor qualidade pareceu justificar críticas mais amplas:

algumas delas, indiretamente, dirigidas ao próprio Manoel Jairo Bezerra sobre a

qualidade dos livros didáticos (BEZERRA, 1979).

Em relação aos conteúdos destes telecursos, pode-se afirmar que estes

estavam estruturados em níveis.

João da Silva teve como intenção, de acordo com a FCBTVE (1972),

“conduzir os alunos a compreender a importância da Matemática na vida prática

(...)”, utilizando as seguintes situações-problemas71: leitura e escrita de números e

quantias; significado de palavras relacionadas com a Matemática; resolução de

problemas com números inteiros envolvendo soma, subtração, multiplicação e

70

Há evidências de que 200 capítulos do Telecurso A Conquista tenham sido gravados, embora em alguns documentos da FCBTVE haja a informação de que 148 deles estavam previstos. 71

Termo definido pelos autores do relatório em questão (FCBTVE, 1972, p. 14). As situações-problemas descritas também constam no mesmo relatório.

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divisão; cálculo mental; medidas e escalas; números decimais; porcentagem e juros;

Geometria Euclidiana – área, perímetro e noções de volume.

No caso das quatro operações básicas, o único requisito é ser alfabetizado.

Avança ao trabalhar com cálculo mental. Exige quando do desenvolvimento de

atividades relacionadas à porcentagem e juros. E, em certa medida, para este grau

de escolaridade, atinge um nível mínimo de complexidade ao trabalhar com

perímetro, área e volume. Com os exercícios envolvendo números cruzados (uma

espécie de palavras cruzadas em Matemática), há uma tentativa de contextualização

e de desenvolvimento do raciocínio.

A proposta do A Conquista foi um pouco mais elaborada. Disposto em 148

capítulos, ofereceu os seguintes conteúdos: linguagem dos conjuntos, envolvendo

noções de lógica, conjuntos, relações e funções; números naturais e racionais;

operações com multiplicação e divisão; operações algébricas; equações e sistemas

em nível de 1º e 2º graus; Geometria Euclidiana – conceitos elementares, área e

volume (FCBTVE, 1979).

Com um programa mais longo se comparado ao antecessor, os destaques

são a linguagem dos conjuntos, característico do Movimento da Matemática

Moderna (SOARES, 2001), bem como a Geometria - correspondente a 31% de todo

conteúdo ministrado.

Ao mesmo tempo em que marcava uma posição que diz respeito à função

referencial, depositário de um conhecimento julgado relevante para a sociedade

(CHOPPIN, 2004), tendo a Matemática Moderna como um movimento renovador do

ensino, aproximando o saber científico do saber escolar (VALENTE, 2008), houve

um anacronismo: a Geometria, conteúdo em princípio desvalorizada pelos

educadores da época e caracterizada pela frase “Abaixo Euclides!” (DA SILVA,

2008), teve também lugar de destaque.

No que diz respeito ao alcance, ambos os cursos foram transmitidos para

todas as Unidades Federativas do Brasil (MACIEL, 2008; MACIEL, 2009).

No João da Silva, a evasão correspondeu a 29,2 % dos alunos matriculados

até o ano de 1977: 18.334 inscritos e 5.361 desistentes, decorrentes de problemas

inerentes ao processo teleducativo da época como a interrupção de transmissões

por falta de energia elétrica e atraso no recebimento de fitas de vídeo para as

emissoras retransmissoras (FCBTVE, 1977).

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Não foram localizadas informações a respeito da evasão e do número de

matriculados no A Conquista. Provavelmente relatórios a respeito sequer chegaram

a ser elaborados em virtude dos problemas inerentes à continuidade deste telecurso.

7.2.1 A tabuada dos nove

Tarefa complexa é o tentar compreender como foram as aulas de Matemática,

na televisão, do Telecurso Supletivo João da Silva. Quaisquer que sejam as técnicas

para esta análise, haverá lacuna, diante da inexistência de imagens em movimento

possíveis de serem analisadas72.

Uma alternativa foi localizar imagem em movimento com aulas do professor

Manoel Jairo Bezerra (TVE BRASIL, [c.a. 1980]) e confrontá-las com os seguintes

documentos: roteiro do capítulo 16 do Telecurso João da Silva (FCBTVE, [ca

1972]a) e capítulo 16 do material didático (KURY et al., [ca1972]b). Tema: a

multiplicação por nove.

No que diz respeito a este conteúdo, o livro didático formaliza a aula do

telecurso. Mais técnico, não traz exemplos e parece agregar pouco se comparado

com a aula pela televisão:

Da esquerda para a direita a partir do dedo mínimo da mão esquerda, os dedos são numerados de 1 a 10. Assim, três é o médio da mão esquerda, cinco é o polegar da mão esquerda e oito é o médio da mão direita. Se você quer multiplicar 9 por um número, de 1 a 10, basta levantar o dedo correspondente a esse número. O número de dedos abaixados, à esquerda do dedo levantado, indica o algarismo das dezenas do produto e o número de dedos abaixados, à direita do dedo levantado, indica o algarismo das unidades do produto. Experimente multiplicar por nove todos os números de 1 a 10, isto é, verifique se essa curiosidade dá certo para toda a “tabuada” de multiplicar por 9. (KURY, SILVA, et al., [ca. 1972])

Esse conteúdo possui características similares ao que Choppin (CHOPPIN,

2004) denominou de função referencial. O autor parece não se preocupar com a

72

Esta afirmativa poderá modificar-se: tudo dependerá da recuperação das mídias que contém as imagens do Telecurso Supletivo João da Silva.

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didática e sim com o registro do conteúdo programático e, consequentemente, com

as intenções da sociedade em relação ao que, em tese, deveria ser uma das

habilidades que o estudante deveria assimilar.

Mas e o roteiro? Quais as semelhanças e diferenças, se comparados com o

livro didático.

Em relação ao conteúdo ministrado, não há dúvidas: o roteiro do capítulo 16

também diz respeito à tabuada. Em linhas gerais, há o endosso do conjunto

multimídia. Ambos usam como elemento motivador uma atividade envolvendo a

multiplicação, por nove, dos números naturais de zero a nove. As mãos são os

balizares desta aula. E elas são a evidência de outra característica: a prática

pedagógica, chamada por Choppin (CHOPPIN, 2004) de função instrumental.

A informação, no roteiro, de que haverá uma aula que diga respeito à tabuada

dos nove é, em certa medida, lúdica. Um linguajar menos formal caracteriza a

chamada para esse conteúdo: “Preste atenção a esta curiosidade Matemática que

ensinaram para multiplicar por 9... Ponha as mãos em cima da mesa... Assim.”

(FCBTVE, [ca 1972]a, p. 14).

O modo peculiar dessa prática só pode ser evidenciado em virtude do meio

no qual a aula foi ministrada: a televisão. O roteiro, ou as imagens em movimento

são as provas da existência de um determinado modo de ensinar. São os registros

de uma sala de aula virtual.

Isaura: A partir do dedo mínimo da mão esquerda você tem um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove e dez. (...) Certo! é o um, o médio da mão esquerda é o... Exato! É o três. O polegar da mão direita veja bem – é o... Perfeito, é seis. E o médio da mão direita é o oito. Rosinha: Parece legal, dona Isaura (FCBTVE, [ca 1972]a, p. 14).

Nas orientações do roteiro, há a informação de que houve um close, ou seja,

a gravação de uma imagem, de modo destacado, dos dedos citados e,

concomitantemente, um trabalho gráfico para que os números citados também

estivessem aparecendo visualmente.

Logo, existiu um trabalho envolvendo alguns sentidos do ser humano: o tato

(mão), a visão (imagem) e a audição (fala).

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Mas seria o telecurso um espelho da sala de aula presencial? De modo direto

e incisivo não é possível responder a esta pergunta. Contudo, através de outros

registros, é possível presumir algo.

Na década de 1980, Manoel Jairo Bezerra concedeu uma entrevista ao

programa televisivo Sem Censura (TVE BRASIL, [198-?]). Dentre outros assuntos,

ministrou uma aula sobre a tabuada dos nove.

Diversas semelhanças podem ser verificadas. Observe na tabela a seguir:

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Roteiro da telenovela (FUNDAÇÃO

CENTRO BRASILEIRO DE TELEVISÃO

EDUCATIVA, [ca. 1972a], p. 14-16)

Entrevista ao programa Sem Censura

(TVE BRASIL, [198-?])

Preste atenção a esta curiosidade

Matemática que me ensinaram para

multiplicar por 9.... (...) Não pense que

vou fazer mágica ou que a mesa vai

levantar sozinha...

Põe a mão por obséquio, a mesa não

vai levantar. Não é nenhuma coisa de

magia. Coloquem a mão em cima da

mesa.

A partir do dedo mínimo da mão

esquerda você tem um, dois, três,

quatro, cinco, seis, sete, oito, nove e

dez.

Por favor, a partir do dedo mínimo da

mão esquerda numerem: um, dois, três,

quatro, cinco... continua no polegar da

mão direita... seis, sete, oito, nove, dez...

Gostou? Se está pensando em mostrar

ou “pegar” outras pessoas, é melhor

experimentar de 9 x 1 até 9 x 10 para

ver se dá certo sempre, pois eu não tive

tempo de ver se dá certo para toda a

tabuada de nove.

A Tia falará aos alunos que aprendeu

uma curiosidade muito interessante: e

fará umas três multiplicações destas,

que eu acredito que todos tenham

aprendido. Ela comentará que não teve

tempo e não sabe se a mágica dá certo

para todos os casos.

Tabela 1: Comparativo teleaula x programa Sem Censura

Quando se escreve uma aula, a tendência é que existam correções e

pequenas alterações, em virtude das normas gramaticais inerentes à Língua

Portuguesa. Mesmo assim, as semelhanças são evidentes.

Logo, presume-se que a aula do telecurso, observada através do roteiro, é,

em grande medida, uma apropriação da aula tradicional ministrada por Manoel Jairo

Bezerra.

Não são apenas coincidências. Os roteiros do João da Silva também foram

escritos por este professor de Matemática (MACIEL, 2009).

Ou seja, a prática teleducativa é o reflexo de uma prática docente,

pedagógica, cujos vestígios são raros em virtude das características do sistema

escolar: aulas expositivas, sem equipamentos que gravem a ação ensinar.

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7.2.2 Provas de Matemática

Um dos desafios desta Tese foi o de tentar analisar minimamente como os

alunos do telecurso entenderam a Matemática ensinada nesse programa.

Para que esse intento fosse atingido, houve a necessidade de se localizar

algum registro que pudesse fornecer ao menos indícios relacionados a esta

compreensão discente. A busca, feita de modo amplo, foi concluída após a

organização do Acervo Pessoal Manoel Jairo Bezerra - APMJ. Os indícios

encontrados dizem respeito às avaliações dos quatro primeiros volumes do livro

didático, correspondentes, presumidamente73, a 79 capítulos desta telenovela. São

ao todo oito exemplares, sete deles identificados com nomes dos estudantes.

Sobre o primeiro volume, há duas avaliações. Uma delas anônima. E outra da

aluna Ledy, residente no bairro do Catumbi, cidade do Rio de Janeiro.

Há, antes do início da avaliação propriamente dita, dois exemplos sobre como

deve ser respondida a prova, toda ela com questões de múltipla escolha. O modo

como estão organizados pressupõe a existência de uma aula, pela televisão,

exemplificando os procedimentos a serem adotados.

O conteúdo de Matemática foi avaliado pelas questões de número 1 a 10.

Sobre as três primeiras, é possível verificar somente sua correção, ou não, pois não

há o desenvolvimento das mesmas. Os alunos somente anotaram o resultado.

A aluna Ledy acertou todas.

1) Lê-se o número 200.010 assim: (...) Duzentos mil e dez. 2) Escreve-se o número quinhentos mil e trinta assim: (...) 500.030. 3) Escreve-se três mil e quinhentos cruzeiros assim: (...) Cr$ 3.500,00. 4) Uma pessoa nasceu em 1921 e viveu 28 anos, morreu em: (...) 1949. 5) Se você ganhou Cr$ 354,00 e gastou Cr$ 124,00, ficou com: Cr$ 230,00. 6) Se você somar 23.089 com 82.970 o resultado é: (...) 106.059. 7) A diferença entre 300 e 128 é: (...) 172. 8) Se você multiplicar 4 por 1.252 o resultado é: 5.008. 9) O resultado da divisão de 2.625 por 5 é: (...) 525. 10) 6% de Cr$ 2.500,00 é igual a: (...) 150,00 (FCBTVE, [ca. 1972]c)

73

Após comparação entre livro didático e roteiros, observou-se que a numeração dos capítulos do material de apoio acompanha a numeração dos capítulos da telenovela educativa. Entretanto, em virtude do desaparecimento das imagens em movimento do João da Silva, não é possível afirmar, categoricamente, que esta regra foi seguida do início ao fim do desenvolvimento do projeto.

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A intenção foi verificar se o aluno conseguia resolver exercícios envolvendo

as quatro operações, bem como compreender a leitura e escrita de números. A

interpretação de problemas também pode ser observada como uma das

competências necessárias à obtenção do certificado de conclusão do Telecurso: por

exemplo, em vez de enunciar a operação, o aluno deveria compreender que

diferença também diz respeito à subtração.

O padrão de resolução seguiu o existente no material de acompanhamento.

Entretanto os conteúdos cobrados são mais simples dos que foram ministrados. Por

exemplo, não houve perguntas teóricas relacionadas a dividendo, divisor e quociente

– conteúdo este registrado no capítulo 16 do livro de acompanhamento (KURY,

SILVA, et al., [ca1972]b).

Figura 18: Avaliação do volume 1 do Telecurso Supletivo João da Silva, aluna Ledy

(FCBTVE, [ca. 1972]c)

No que diz respeito à questão 10, outras alternativas para resolução poderiam

ser utilizadas. Uma delas é envolvendo números não inteiros: dividir 6 por 100 e, em

seguida, multiplicar Cr$ 2.500,00 pelo resultado obtido: 0,06.

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Mas a aluna resolveu multiplicar R$ 2.500,00 por 6 e, em seguida dividir o

resultado por 100. Tal opção pode significar um obstáculo na compreensão do que

são números decimais e números racionais.

O estudante anônimo seguiu padrões semelhantes de resolução, com a

ressalva que executou as operações de modo mais detalhado. Contudo não

respondeu as questões nove e 10.

Ao final, na última atividade, ambos responderam quais eram as expectativas

em relação ao desenvolvimento do curso: “Vai me dar maiores conhecimentos e o

certificado do primário, que me ajudará muito” (FCBTVE, [ca. 1972]d); “fará me

reencontrar nos estudos” (FCBTVE, [ca. 1972]c).

A avaliação seguinte, referente aos conteúdos ministrados no segundo

volume do material de acompanhamento, centrou-se na resolução de problemas

apoiado-se boa parte em problemas práticos; ainda, na Geometria e unidade de

medida do tempo:

1) O número de faces de um paralelepípedo é: (...) 6. 2) As faces de um cubo são: (...) Quadrados. 3) A única das representações abaixo que está certa é: (...) Nove horas = 9 h. 4) Uma caixa d’água de 3 m³ de volume pode conter quantos litros d’água? (...) 3.000 l. 5) Uma dúzia de lenços, a Cr$ 15,00 cada um, custa: (...) Cr$ 180,00. 6) Uma TV em cores foi paga em 15 prestações de Cr$ 400,00 cada uma. O preço foi: (...) Cr$ 6.000,00. 7) Um operário fez um trabalho em 17 dias por R$ 425,00. Ganhou por dia: (...) Cr$ 25,00. 8) Você paga por três meses de aluguel de seu apartamento Cr$ 960,00. O que você pagaria por cinco meses de aluguel é: (...) Cr$ 1.600,00. 9) Você ganha Cr$ 350,00 mensais e tem direito ao 13º salário. Você ganha por ano: (...) Cr$ 4.550,00. 10) A única das igualdades abaixo que está certa é: (...) 8÷4×2=4 (FCBTVE, [ca. 1972]d)

Sobre este conteúdo, constam no Acervo Pessoal Manoel Jairo Bezerra as

avaliações de Nilzete – acertou sete questões (FCBTVE, [ca. 1972]e), Sebastião –

acertou todas as questões (FCBTVE, [ca. 1972]d) e Neusa – acertou sete questões

(FCBTVE, [ca. 1972]e).

Nestes, obstáculos são observáveis. Nilzete não conseguiu responder os

problemas 1, 4 e 10. Sobre o primeiro, presume-se que ela não compreendeu o que

são faces de um paralelepípedo. No quarto, não é possível compreender o seu

raciocínio, pois não existem rastros e, ainda, as dificuldades podem estar

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relacionadas à multiplicação, ao conceito de volume, ou a ambos. No 10, a aluna

chegou a um resultado incorreto.

Figura 19: Exercício 10, avaliação do segundo volume. Aluna Nilzete (FCBTVE, [ca.

1972]e)

Como pode ser verificado na figura acima, há uma falha na impressão da

avaliação. Onde está escrito “errada”, lê-se “certa”. Talvez essa falha tenha

influenciado na marcação de respostas erradas. Contudo, é mais plausível a

hipótese de que ela não soube compreender adequadamente como se resolve um

problema com operações elementares seguidas, sejam estas idênticas ou não.

Ela soube dividir 8 por 4 e chegar à resposta 2. Após, dividiu o quociente por

2. Acertou novamente. Mas, mesmo assim, assinalou a letra B como a alternativa

correta.

Isso significa que, ou a aluna desenvolveu o problema em folha à parte e

registrou na avaliação apenas a que considerou adequada, ou simplesmente

escolheu aleatoriamente um dos problemas para resolver, sem nenhum critério

lógico, e, como conseguiu resolver, marcou esta alternativa como se fosse a

resposta certa da questão.

Sebastião (FCBTVE, [ca. 1972]d) demonstrou preocupação com a retidão dos

resultados. Na questão 6, verificou se 400 vezes 15 teria o mesmo resultado que 15

vezes 400. Nesse caso, através da comutatividade, é possível garantir que as

respostas serão iguais.

Na questão 9, ele primeiro multiplicou 350 por treze para, em seguida,

verificar o resultado através da operação de divisão.

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No último problema, é provável que tenha realizado o cálculo mentalmente:

não há resolução escrita, mas somente a indicação do resultado – no caso, letra A.

A Nilzete (FCBTVE, [ca. 1972]e) deixou registrado suas dificuldades.

Figura 20: Avaliação do segundo volume, aluna Nilzete. (FCBTVE, [ca. 1972]e)

Observe que os problemas 6 e 9 foram resolvidos seguindo a mesma lógica:

arma-se a operação para obter-se o resultado. Contudo, ao somar, no resultado

parcial, a primeira parcela com a segunda, encontrou dificuldades.

No exercício 7, ao rasurar parcialmente um resultado iniciado de modo

incorreto, verifica-se outro obstáculo. O que teria feito, ao dividir 425 por 17, para se

chegar a uma resposta igual a 255? 425 menos 255 é igual a 170, que por sua vez é

17 vezes 10. Ou seja, em um primeiro momento, a aluna provavelmente tentou

resolver o problema utilizando múltiplos de 10 e não conseguiu avançar utilizando

esta estratégia.

As provas do 3º volume dizem respeito aos alunos Carlos e Alcidene. Ambos

de Rio Bonito, interior do Estado do Rio de Janeiro. Unidades de medida, volume,

perímetro, área e porcentagem são alguns dos temas abordados:

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11) Um hectare (há) vale: (...) 10.000 m². 12) Num reservatório de 2 m³ cabem quantos litros d’água? (...) 2.000 13) O perímetro de um quadrado que tem 10 cm de lado é: (...) 40 cm. 14) A área de um terreno que tem 12 m de frente e 30 m de fundos é: (...) 360 m². 15) O volume de um cubo de 5 cm de aresta é: (...) 125 cm³. 16) 3% de 600 é: (...) 18. 17) Comprei 3 kg de arroz a Cr$ 1,70 o quilograma e dei uma nota de Cr$ 10,00 para pagar. Recebi de troco: (...) Cr$ 4,90. 18) Como se representa nove horas e meia? (...) 9 h 30 min. 19) A planta de uma casa foi feita na escala de 1/100. Então cada centímetro na planta vale no terreno:(...) 1 m. (FCBTVE, [ca. 1972]f)

Sobre a avaliação relacionada ao 3º volume pouco há de ser compreendido,

pois são questões de múltipla escolha e os alunos não deixaram registros sobre os

caminhos percorridos para a resolução dos problemas.

Alcidene (FCBTVE, [ca. 1972]g) acertou somente a questão 13. Enquanto

Carlos acertou quatro.

No que diz respeito à escala, a resposta estava no material de

acompanhamento, páginas 93 e 94 (KURY, SILVA, et al., [ca. 1972]h). Portanto,

tanto para Carlos quanto para Alcidene, a resolução incorreta da questão 19

provavelmente foi a incompreensão do que seria escala.

Sobre a questão 14, também resolveram de modo incorreto. Em vez de

multiplicarem 12 metros por 30 metros, somaram os valores.

Alcidene, na questão 17, marcou como resposta o valor gasto (3 quilos de

arroz, a Cr$ 1,70 o quilo) em vez do troco recebido.

A questão 16, embora haja a sua resolução, não foi considerada como sendo

elaborada pelo aluno Carlos: a letra é diferente se comparada com a escrita de seu

nome. Isso significa que é um registro posterior, ou à parte, não realizado pelo aluno.

A avaliação do volume quatro diz respeito ao aluno Antônio e também não

possui registros relacionados ao desenvolvimento dos problemas – todos de múltipla

escolha. Contém apenas as respostas.

1) As três unidades fundamentais do Sistema Legal de Medidas do Brasil mais comumente empregadas são: (...) metro, quilograma e segundo. 2) O perímetro de um retângulo de 6 cm de comprimento e 2 cm de largura é igual a: (...) 16 cm. 3) A área de um quarto tem a forma de um quadrado de 3m de lado é: (...) 9 m². 4) O volume de um cubo de 1 m de aresta é: (...) 1 m³. 5) Qual a vantagem do cheque cruzado? (...) É mais garantido em caso de perda ou roubo.

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6) Qual a única destas frases que está certa? (...) Pode-se vender uma duplicata. 7) Qual o desconto de 8% para o INPS, de quem ganha R$ 800,00 mensais? (...) R$ 64,00. 8) Se o dólar vale Cr$ 6,25, quanto vale uma nota de 20 dólares? (...) Cr$ 125,00. 9) Um pacote de 10 kg de açúcar custa Cr$ 11,50. Qual o preço do quilograma? (...) Cr$ 1,15. 10) Quanto é 8% do maior salário mínimo do Brasil, que em 1973 era Cr$ 312,00? Cr$ 24,96 (FCBTVE, [ca. 1972]i)

De todas as questões, Antônio acertou quatro e não respondeu a primeira

delas. No que diz respeito ao cálculo do volume, em vez de multiplicar as arestas por

três, ou elevá-las ao cubo, somou-as. Com isso, sua resposta, para o quarto

problema foi igual a três metros cúbicos.

No oitavo problema, sobre a conversão, em cruzeiros, de uma nota de 20

dólares, há duas alternativas para a compreensão dos resultados incorretos: ou

somou ou multiplicou o valor de uma nota por dois, obtendo como resposta Cr$

12,50.

Por hipótese, como a coleção do Telecurso João da Silva é composta por

cinco volumes, presume-se que houve uma avaliação do 5º volume. Contudo este

não foi identificado. Logo, há uma lacuna em relação à compreensão dessas provas.

De fato, para uma análise aprofundada, o ideal era que houvesse maior

quantidade de avaliações respondidas – e com a resolução completa de cada

questão e não apenas os resultados.

Entretanto, ao menos foi possível ter uma noção sobre como os alunos

entenderam a Matemática ensinada no Telecurso Supletivo João da Silva.

7.2.3 O conjunto multimídia livro didático e telenovela educativa

Embora Choppin afirme a existência de um conjunto multimídia no que diz

respeito a livros didáticos produzidos concomitantemente com outros suportes

(CHOPPIN, 2004), ele pouco se aprofunda no assunto. De fato, tal afirmativa não é

mais do que uma nota no seu estudo sobre livros didáticos.

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Portanto é plausível questionar: livro didático e teleaulas, produzidos

concomitantemente para um mesmo projeto educacional formam efetivamente um

conjunto multimídia? Será que eles são realmente indissociáveis?

Mas como responder essas perguntas? O livro didático existe. São ao todo

seis volumes com 128 capítulos. Entretanto telenovelas educativas, possíveis de

serem vistas, são raras. Boa parte das fitas com imagens em movimento não estão

em um formato compatível com os equipamentos amadores ou profissionais do

século XXI, ao menos até o mês de junho de 2012 – quando foram encerradas as

pesquisas de campo com vistas à produção desta Tese.

A única, com aula de Matemática, em formato de Digital Video Disc - DVD -,

diz respeito ao capítulo 112 do Telecurso Supletivo A Conquista (A CONQUISTA,

[ca. 1976]). Foi convertida do formato betamax em 2008.

O estudo poderia ser feito com o uso dos roteiros. Entretanto, o programa

pronto, acabado, é distinto do material bruto, sem edição, que por sua vez também é

diferente das intenções do autor – registradas no roteiro. Por isso a opção por

imagens em movimento.

O conteúdo deste material diz respeito à Geometria Euclidiana, propriedades

dos quadriláteros e a análise foi realizada por meio da comparação entre a

telenovela número 112 (A CONQUISTA, [ca. 1976]) e o livro didático, capítulo 112,

volume 6 (KURY et al., 1979).

O programa televisivo teve como roteirista Lourival Marques. Elenco

composto pelos seguintes atores: Adalberto Silva, Alan Cobbet, Alby Ramos, Alda

Cotrin, Almeidinha, Álvaro Emílio, Anilza Leoni, Bernardo Maurício, Beth Erthal,

Breno Bonin, Camilo Bevilaqua, Carmem Sucassas, Cláudia Costa, Cláudio

Azeredo, Dalmo Peres, Domicio Costa, Dirceu Rabelo, Eduardo Evaristo, Eliene

Narduchi, Fernando Palitot, Francisco Falcão, Haydée Fernandes, Irma Alvarez,

Jackson de Souza, Joyce de Oliveira, Léo Aguiar, Luis Carlos Pulchério, Manoel

Vieira, Marcelo Baraúna, Márcia Brazini, Márcio Augusto, Maria Alves, Maria

Pompeu, Mario Jorge, Miguel Rosemberg, Mônica Torres, Nena Ainhoren, Newton

Couto, Newton Zimmerer, Olga Renha, Paulo Assis, Pericles Quintas, Raquel

Mazza, Regina Lucia, Renato Pedrosa, Renato Restier, Ribeiro Fortes, Ricardo

Rossato, Roque Bittencourt, Ruben Puppin, Sérgio de Oliveira, Soili Ech, Solange

França, Tetê Priztzl, Thimoteo da Costa e Zaira Zambelli. Ator convidado: Colé.

Participação especial: Fernando Villar, Wolf Maia e Vera Setta. Direção de elenco:

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Lourdes Mayer. Coordenação da Avaliação Instrucional: Vera Beraldo de Oliveira.

Planejamento Sistêmico do Projeto e Coordenação do Planejamento Instrucional:

Lígia de Oliveira Auricchio. Coordenação de Planejamento: Maria Cândida A. Lima.

Coordenação Pedagógica: Jairo Bezerra. Assistente de Direção: Rossini D’Alencar.

Assistente de Produção: José Cunha, Lúcio P. de Almeida, Aloisio Santana.

Continuidade: Alair Nazareth. Assessoria: Eldo Peracchi Filho. Produção Executiva:

Irapuan Portugal. Assessoria de Produção: Lúcia Pampolha. Coordenação do

Projeto: Jorge Miguel Ordacgi. Supervisão Geral de Produção: Gonzaga

Vasconcelos. Produção e Direção: Jacy Campos. Realização: Departamento de

Ensino Supletivo do Ministério da Educação e Cultura, Programa Nacional de

Teleducação, TVE Brasil, Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa.

Conteúdo: Pronomes Oblíquos Reflexivos, Aparelho Respiratório e Propriedades dos

Quadriláteros (A CONQUISTA, [ca. 1976]).

O livro didático, volume 6, foi elaborado por profissionais de diversas áreas.

No que diz respeito aos conteúdos - Língua Portuguesa: Adriano da Gama Cury e

Marco Toledo Neder; Matemática: Manoel Jairo Bezerra e Amaury Reis; Ciências

Físicas e Biológicas: Roberto de Souza Paulo e Roberto da Costa Salvador; História:

Renato Azevedo; Geografia: Marcos Mucciolo; Educação Moral e Cívica,

Organização Social e Informação Ocupacional: Neusa Barreto de Oliveira Silva;

Revisor de Texto: Domício Proença Filho; Coordenadora do Planejamento

Instrucional e Estruturadora do livro de acompanhamento: Ligia de Oliveira

Auricchio; publicação: Fundação Nacional de Material Escolar - FENAME, sendo

Presidente da República Federativa do Brasil João Baptista de Oliveira Figueiredo;

Coordenador-Geral do Projeto Conquista: Jorge Miguel Odaci; capa: Aloisio Vieira

Vilanova; ilustração: Aloisio Vieira Vilanova e Benedito Cesar dos Santos Nunes;

paginação e diagramação: José Roberto Lisbôa.

Ou seja, o projeto, como um todo, envolveu dezenas de profissionais.

Provavelmente centenas, levando em consideração os profissionais que trabalharam

nos bastidores das gravações, tais como iluminador, operador de câmera, operador

de áudio, pesquisador, dentre outros. Contudo, não é a quantidade de pessoas

envolvidas o relevante para análise. Um dos aspectos que podem caracterizar a

existência de um conjunto multimídia é a participação de profissionais em atividades

aparentemente distintas: produção do livro didático e telenovela. Neste sentido,

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destacam-se: Lígia de Oliveira Auricchio, Vera Conceição Beraldo de Oliveira e

Manoel Jairo Bezerra.

Ao ver o programa televisivo, o espectador, em princípio, caso assista

somente os minutos iniciais, terá a impressão de que se trata meramente de uma

novela – gênero literário consagrado na televisão brasileira. Contudo, trata-se do

aspecto lúdico de um programa educacional, o Projeto A Conquista, que é

intercalado por teleaulas.

O livro didático, por sua vez, não faz referência alguma às aulas pela

televisão. Em um primeiro momento, a única relação visível é o tema: “quadriláteros

– propriedades” (KURY et al., 1979, p. 52).

Após uma cena ambientada em um bar - em diálogo entre os personagens

Ana, Paulo (alunos) e Gil (professora), aos 30 minutos e 27 segundos, a imagem de

um retângulo, evidenciando os seus ângulos retos e, com a voz, em off, de Gil e

Paulo - há o início de uma sequência de gráficos e explicações referentes à aula 112

(A CONQUISTA, [ca. 1976]).

Não existe figura idêntica no livro, que por sua vez aborda as propriedades do

retângulo após o conteúdo sobre paralelogramo.

Ocorre que os autores da teleaula aproveitaram uma discussão sobre as

propriedades do retângulo para iniciar explicações que dizem respeito às

propriedades dos quadriláteros, iniciando pelo paralelogramo:

[PAULO] É, mas eu não podia também dizer que retângulo é um quadrilátero

que tem lados iguais dois a dois?

[GIL] Não, porque isso não definiria o retângulo. Você que já conhece o

retângulo, acha que está certo porque imagina a figura como ela é. Mas uma pessoa

que nunca tivesse visto um retângulo poderia imaginar uma figura assim... (A

CONQUISTA, [ca. 1976])

A figura em questão é a de um paralelogramo, com lados paralelos iguais a

cinco centímetros e oito centímetros, respectivamente.

O livro didático não faz referência alguma a este paralelogramo existente na

teleaula.

Pode-se afirmar que a definição de Paulo em relação ao retângulo é uma

propriedade, conforme definido na teleaula (A CONQUISTA, [ca. 1976]). Em um

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primeiro instante, esta foi apresentada de modo menos formal. Em seguida, na

teleaula, houve a formalização – adequando o linguajar popular à linguagem

Matemática.

Eis então a primeira semelhança entre a fala dos atores com o livro didático:

“Em todo o paralelogramo os lados opostos são congruentes” (KURY et al., 1979).

Mas este é o único aspecto comum entre os dois. A teleaula é informal,

preocupa-se mais com a didática, ou, de acordo com Choppin (2004), tal estratégia

diz respeito à função referencial.

No livro didático, mais uma vez, não há indícios de que este foi produzido

para servir como material de acompanhamento de uma telenovela educativa.

Em seguida, são discutidas outras propriedades dos quadriláteros, tendo

sempre como imagem um quadrilátero e, em off, a voz de um dos atores:

[Gil] Vamos começar com as propriedades dos paralelogramos. A primeira

propriedade você já sabe: todo paralelogramo tem os lados opostos congruentes.

[Paulo] Bem, eu não a chamava de propriedade, mas isso eu já sabia!

[Gil] A segunda propriedade diz respeito aos ângulos: todo paralelogramo tem

os lados opostos congruentes.

[Paulo] Ah! Quer dizer que os ângulos e têm a mesma medida?

[Gil] Sim. Se o ângulo mede 100 graus, o ângulo oposto também mede

100 graus.

[Paulo] E o ângulo , quanto mede?

[Gil] Você pode descobrir. Qual é a soma dos quatro ângulos?

[Paulo] Bem, em qualquer quadrilátero a soma dos ângulos é 360 graus.

[Gil] Quanto sobra para ?

[Paulo] 360 graus menos 200 de e , sobram... 160 graus.

[Gil] Lembre-se de que tem a mesma medida.

[Paulo] Ah... sim. Então cada um mede 80 graus. (A CONQUISTA, [ca. 1976])

No livro didático não há detalhamentos: o lúdico inexiste.

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Figura 21: Página do livro didático A Conquista, volume 6 (KURY et al., 1979, p. 53)

Como é possível verificar na figura acima, apenas constam as propriedades

de congruência, sem qualquer relação, ou citação, com a teleaula.

Isso significa que, em essência, observando o caráter de complementaridade,

o livro didático possui como principal característica ser o portador de um conteúdo

mais formal, ou seja, assume prioritariamente a função referencial (CHOPPIN,

2004).

Tal postura permite observar uma dicotomia: se o livro didático está

relacionado com a função referencial e a teleaula com a função instrumental,

reforçada pelos efeitos visuais, formam, ambos, um conjunto multimídia. Entretanto,

em virtude destes meios possuírem propostas distintas, acabam distanciando-se um

do outro – o que significa que este conjunto multimídia não é indissociável.

É provável que ambos os suportes tivessem sobrevivido se tivessem sido

oferecidos ao público de modo separado, pois a complementaridade torna-se

evidente somente quando há uma análise conjunta destes suportes.

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O desenrolar do capítulo 112 ratifica tal dicotomia. Diz respeito às

propriedades das diagonais em um quadrilátero e, em particular, no retângulo,

losango, quadrado e trapézio. Os autores ainda afirmam, nos dois suportes, que “se

os ângulos adjacentes a um lado de um quadrilátero são suplementares, este

quadrilátero é um trapézio” (KURY et al., 1979, p. 56).

Contudo, a sequência dos conteúdos ministrados, após os primeiros minutos

de teleaula de Matemática, é a mesma no livro didático e no programa educativo:

propriedades do losango, quadrado e trapézio.

Mas tais evidências provavelmente estão relacionadas somente à autoria dos

conteúdos de Matemática. Como Manoel Jairo Bezerra - professor desta disciplina

escolar - participou da produção dos dois suportes, consequentemente a sequência,

bem como as definições, seguiu o mesmo padrão – possivelmente consideradas por

ele as mais adequadas.

7.3. QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL PARA O MAGISTÉRIO

Embora seja um projeto relativamente recente – década de 1980, localizaram-

se poucos documentos a respeito do programa teleducativo Qualificação Profissional

para o Magistério de 1ª a 4ª série do 1º Grau. As buscas concentraram-se na

ACERP e no Acervo Manoel Jairo Bezerra e os vestígios localizados são suficientes

para compreendê-lo.

O título, por si só, já é esclarecedor: trata-se de um projeto que visou a

qualificação profissional de professores que ministravam aulas em turmas de 1ª a 4ª

série do 1º Grau – atualmente, 2º ao 5º ano do Ensino Fundamental.

Os conteúdos de Matemática do livro didático foram desenvolvidos pelas

professoras Maria José Araújo Montes e Mônica Cerbella Freire Mandarino

(FUNTEVÊ, 1987a).

7.3.1 Características

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121

Por meio do confronto de documentos, é crível afirmar que Qualificação

Profissional atendeu a um grupo variado de pessoas. Além de docentes das redes

de ensino público e particular, tanto na esfera municipal quanto na estadual, o

programa foi assistido por: discentes dos cursos de magistério – formação de

professores de 1ª a 4ª série; docentes; e, ouvintes de rádio, bem como

telespectadores sem vínculos formais com instituições de ensino.

Isso significa que, embora Choppin (2004) afirme que existe uma

interdependência entre livros produzidos em conjunto com outros suportes (no caso

imagens em movimento), há evidências de que tal relação nem sempre ocorra: o

livro didático pode ser utilizado sem que haja o uso das teleaulas.

De acordo com a Professora Mônica Mandarino (13 jul 2011), o livro didático

do QPM foi utilizado por muitos anos pelo

Instituto de Educação do Rio de Janeiro (responsável pela formação de professores

de 1ª a 4ª série, na época chamados de normalistas). Ou seja, teve vida

independente – embora a concepção inicial deste projeto não previsse tal utilização.

Observou-se, ainda, que um amplo grupo de profissionais e demais

interessados assistiram ao QPM. Este escopo amplo deve-se ao cumprimento de

exigências legais, dispostas, sobretudo na Portaria Interministerial do Ministério da

Educação e Cultura e das Comunicações nº 568, de 21 de outubro de 1980

(BRASIL, 1980).

De fato, face às exigências legais, toda pessoa residente no Brasil poderia,

caso assim desejasse, assistir ao programa QPM, tanto pelo rádio quanto pela

televisão. Os responsáveis pelo poder executivo do Governo Federal do Brasil

(BRASIL, 1980) determinavam, ao menos até 1987, que diariamente programas

educativos deveriam ser irradiados por emissoras: de segunda a sexta, 30 minutos;

sábados e domingos, 75 minutos:

O tempo obrigatório e gratuito que as emissoras comerciais, com exclusão das que operam em frequência modulada, conforme disposto na Portaria MEC/MC nº 952, de 27.8.74, deverão destinar à transmissão de programas educacionais será de 5 (cinco) horas semanais, assim distribuídas: 30 (trinta) minutos diários, de segunda a sexta-feira, e 75 (setenta e cinco) minutos, aos sábados e domingos. (BRASIL, 1980).

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Desse modo, subentende-se que as emissoras comerciais não seriam

obrigadas a desenvolver programas teleducativos, mas teriam que veicular os

produzidos por instituições específicas – tais como FRP e FRM.

Salvo as emissoras FM, todas as demais, inclusive as de Very High

Frequency - VHF e UHF -, seriam obrigadas a cumprir a portaria. O que ainda

incluiria emissoras de rádio com frequências de Ondas Curtas, cujo alcance é

internacional74.

Isso significa que, mesmo com um público definido, QPM poderia ser

assistido ou ouvido por pessoas de outros países e em locais não previstos. A esse

fenômeno, a FUNTEVÊ (1980) chamou de recepção isolada – cuja “audiência” era

medida pela quantidade de cartas recebidas: 1.069 em três anos.

Outra forma de recepção, “organizada”, era realizada por meio de convênios

com instituições. Participaram, dentre outras: secretarias de educação dos estados

da Bahia, do Espírito Santo, de Goiás, do Maranhão e do Mato Grosso do Sul; e,

Televisão Educativa do Estado do Espírito Santo. Sobre estes não foram localizados

documentos mais específicos. De fato, ao assistir uma teleaula, qualquer ouvinte de

rádio ou telespectador tornava-se um aluno: determinado conteúdo era ministrado e,

no caso do QPM, com um cenário e uma linguagem que simulava o ambiente

escolar (QUALIFICAÇÃO Profissional para o Magistério, 1985).

Esse curso ofereceu as seguintes disciplinas: Fundamentos da Educação,

Didática, Comunicação e Expressão em Língua Portuguesa, Educação Artística

(Música e Artes Plásticas), Ciências Físicas e Biológicas, Educação para a Saúde,

Matemática, Integração Social, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 1º Grau,

Multimeios de Aprendizagem, Educação Física e Estágio Supervisionado

(FUNTEVÊ, 1987a).

Foram 30 as aulas de Matemática75: O ensino da Matemática pela

redescoberta; Trabalhando concretamente; Matemática: linguagem econômica e

concisa; Explorando o mundo; Os números como propriedades dos conjuntos;

Sistema de numeração; Preparando para a adição e subtração I; Preparando para a

adição e subtração II; O algoritmo da multiplicação: processo longo e abreviado; O

74

Para verificar o significado e a abrangência de emissoras de rádio por meio de Ondas Curtas, basta uma pesquisa simples no site de buscas na internet Google com a palavra-chave “rádio ondas curtas”. 75

O título das aulas foram extraídos do sumário do volume 6 do conjunto de livros didáticos que compõe a série bibliográfica do programa Qualificação Profissional para o Magistério.

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algoritmo da divisão: subtrações sucessivas; O que são problemas; Resolvendo

problemas; Introduzindo frações; Equivalência de frações; Adição e subtração de

frações; Multiplicação de frações; Divisão de frações; Números decimais; Adição e

subtração de números decimais; Multiplicação e divisão de números decimais; A

Geometria presente no mundo físico, sólidos geométricos e figuras planas; Unidades

de medida: comprimento; Unidade de medida: área; Unidade de medida: massa;

Unidade de medida: tempo (FUNDAÇÃO CENTRO BRASILEIRO DE TELEVISÃO

EDUCATIVA, 1986). O modo como eram ministradas será objeto de estudo no

tópico a seguir.

7.3.2 Conteúdo matemático e imagens em movimento

A análise dos conteúdos do QPM parte do confronto entre imagens em

movimento e livro didático.

Ao desvelar as intenções, inexoravelmente descortinam-se as intenções e o

objeto de estudo: como se localizou um único vídeo, material bruto76, o estudo é

embasado nas imagens em movimento existentes neste material.

Nesse sentido, haveria distinções entre os conteúdos apresentados nos dois

suportes – impresso e imagético?

A resposta, em princípio, soa como um óbvio ululante. Entretanto, há diversas

possibilidades a serem analisadas. Choppin (2004) considera ainda incipiente

estudos relacionados a livros didáticos – e consequentemente carecem de uma

adequada sistematização.

Mesmo assim, observa-se uma finalidade díspar da habitual: livro didático

como integrante de um conjunto multimídia. Nesse caso, um suporte é dependente

de outro (CHOPPIN, 2004). No estudo em questão, as imagens em movimento

(teleaulas) e os livros didáticos.

76

Jargão televisivo: diz respeito a imagens de gravações de programas não editadas. Ou seja, com erros, repetições e claquetes.

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Portanto, procura-se compreender como é essa “dependência” midiática no

QPM.

Como as imagens localizadas dizem respeito ao ensino de unidades de

medida, inexoravelmente, a análise observará este caráter, em particular o

Decímetro Quadrado - tema da aula 28 do livro didático do QPM (FUNDAÇÃO

CENTRO BRASILEIRO DE TELEVISÃO EDUCATIVA, 1986).

A aula que antecede o ensino deste conteúdo diz respeito às unidades de

comprimento e concebe decímetro através de uma determinada medida padrão: o

metro.

Sendo assim, os autores do livro didático do QPM estabelecem uma relação

entre metro e decímetro por meio da notação de número decimal: 1 decímetro é

igual a 0,1 metro77.

Tendo, portanto, o decímetro como a décima parte do metro, na aula 28 do

livro didático, há a orientação de que o conteúdo área deve ser trabalhado a partir da

unidade de comprimento decímetro, por meio de material concreto.

No QPM, ensina-se como professores devem introduzir o conceito de área

aos seus alunos através de uma única alternativa: o metro como unidade

fundamental e o decímetro como submúltiplo78.

Demais unidades de comprimento são abordadas, mas de modo

complementar: “sem dar muita ênfase, apresente às crianças o dam² e o hm², e só

ressalte a utilidade do km² nas medidas de grandes áreas...” (FUNDAÇÃO CENTRO

BRASILEIRO DE TELEVISÃO EDUCATIVA, 1986, p. 188).

No que diz respeito à aula 28, pode-se afirmar que a intenção dos autores é

estabelecer uma metodologia de ensino que, de fato, é imposta por não existirem

alternativas pedagógicas ao desenvolvimento das atividades propostas.

Há, efetivamente, uma relação complementar entre livro didático e imagens

em movimento.

Sugere-se, no livro, o desenvolvimento de uma atividade que envolve o

preenchimento das superfícies de mesas e de cadeiras utilizando cartões – cada um

medindo 1 dm².

77

Aula 27 do QPM (FUNDAÇÃO CENTRO BRASILEIRO DE TELEVISÃO EDUCATIVA, 1986, p. 181-185) 78

As definições de metro como unidade fundamental e decímetro como submúltiplo são de Edwaldo Bianchini (1986).

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No material bruto, transcrito em parte a seguir, pode-se observar, em certa

medida, este caráter de complementaridade e, ainda, como deve ser organizada a

ação do professor em sala de aula:

Claquete: Capítulo 28, 1985, Qualificação Profissional, Cena cinco,

Matemática.

Cenário: Quadro negro no fundo. Ao lado, imagem de um boi. Paredes

brancas. Mesa: recortes de cartolinas agrupadas (uma em cima da outra). Livro

didático. Ambos em cima do mobiliário. Ao fundo uma janela, com as portas abertas.

No canto, à direita, uma cadeira.

Atores: Professora Ana e sete alunos – 4 meninos e três meninas. Em off:

diretor do programa.

Figurino: Professora – calça jeans e camisa quadriculada (branco, preto,

amarelo, cinza). Alunos: Todos com camisas brancas – bolso do lado esquerdo do

peito. Meninas: saias azuis. Meninos: calças azuis.

Ana, cabelos ondulados ruivos, até os ombros.

Alunos, todos com pele clara e cabelos castanhos escuros.

Gravando.

Ana ajeita com a mão direita os cabelos.

[Ana] Bom gente, agora é o seguinte. Nós vamos medir as mesmas

superfícies só que com uns cartõezinhos menores

Ela pega um dos cartões e mostra aos alunos. Os cartões são brancos.

[Alunos] Pra que Ana?

[Ana] Vocês vão descobrir. Podem me ajudar?

[Alunos] Podemos.

[Ana] Vamos colocar o mapa aqui em cima de novo. Coloca assim, dá mais

espaço, tá.

O mapa, que parece ser da região centro-oeste do Brasil, está grafado em

cima de uma peça de madeira. É colocado sobre a mesa.

Alunos auxiliam a professora a colocar o mapa em cima da mesa.

[Ana] Então toma.

Ana distribui cartões aos alunos.

[Ana] Vamos lá. Medindo.

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Ana e os alunos começam a colocar os cartões sobre o mapa, preenchendo

todo o campo visual do mapa.

[Alunos] Dois... Três... Cinco...

Close em mão de aluno. Ele está colocando os cartões sobre o mapa, um ao

lado do outro.

[Aluno] Dá mais um pouquinho Ana Paula?

Professora fornece mais cartões para alunos. Abertura da imagem, focando,

ora alunos e professora, ora somente alunos. Câmera em close: cartelas distribuídas

uniformemente em uma carteira escolar, preenchendo toda a superfície do

mobiliário.

[Ana] Quem será que vai acabar primeiro?

[Aluno] Eu.

Ana sorri.

[Ana] Aqui ou lá.

Faz referência ao preenchimento, com as cartelas, das carteiras escolares e

do mapa. Close no mapa.

[Aluno] Aqui!

Close em aluna e professora.

[Aluna] Quero mais um pouquinho.

[Ana] Toma.

Abertura de imagem. Mostra boa parte da sala, com alunos preenchendo

carteiras escolares e o mapa com as cartelas.

[Ana] Aqui!

Close nas atividades de alunos e professora. Preenchem com as cartelas o

mapa.

[Aluno] Arruma um espaço para mim!

Mudança de quadro. Câmera mostra 3 alunos preenchendo 3 carteiras

escolares com as cartelas. Um realiza a tarefa sozinho. Cartelas de aluna acabam.

Aluno repassa parte dos que tem em mãos para concluir o exercício.

[Alunos] Acabou! Espera só um pouquinho!

Aluno corre do espaço em que estão as carteiras para o que está o mapa.

[Alunos] Ganhamos! Êêê!

Professora sorri. Alunos sorriem. Aluna bate palmas. Ampliação do campo

visual. Parte da sala é vista: mapa e carteiras escolares. O mapa está

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completamente preenchido com as cartelas. Ou seja, o desenho do centro-oeste

brasileiro não aparece mais. No lugar, cartelas brancas.

[Ana] Ainda está faltando lá?

[Aluno] Ficou!

[Aluno] Que peninha...

[Ana] Toma.

Alunos e professora trabalham. Ana entrega cartelas ao aluno, que corre em

direção às carteiras escolares para concluir a tarefa. É auxiliada por aluna, que vai

ao seu encontro para pegar mais cartelas. Ana sai. Estava trabalhando sobre o

mapa e vai em direção às carteiras escolares.

Mudança de campo visual. Somente as carteiras escolares são vistas. Ana

auxilia dois alunos e uma aluna a concluírem a atividade. Ela move algumas cartelas

que estão na mesa para que a tarefa seja concluída com êxito.

[Ana] Espera aí! Pronto, assim.

[Ana] Ai gente!

Mudança de campo visual. Câmera acompanha Ana, que sai do local onde

estão as carteiras e se dirige ao mapa, disposto sobre uma mesa. Duas alunas e

três alunos estão ao redor do mapa, já preenchido.

[Alunos] Rápido! Vocês são moles!

[Ana] Essa turma aqui, ó, fera!

Ana faz gesto com uma das mãos, passando dedos sobre o rosto na altura da

boca em um indicativo de que os alunos sabem executar a tarefa com êxito.

Aluno pega mais cartelas e repassa para aluna. Ana pega mais cartelas e se

dirige, ao mesmo tempo que duas alunas e um aluno, para as carteiras escolares.

[Aluno] Pensa em não ganhar.

Mudança de campo visual. Somente o local em que estão as carteiras

escolares é visualizado. Trabalham ainda para concluir a tarefa: professora, duas

alunas e um aluno. Terminam a atividade.

[Diretor – em off] Ok! Vamos contando quanto na largura e quanto no

comprimento. Vamos lá!

Mudança de campo visual. Avista-se somente a região na qual está o mapa.

Alunos, apontando as cartelas com os dedos, contam.

[Alunos] Dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez...

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Ana auxilia. Distancia-se e passa as duas mãos nos seus cabelos, ajeitando-

o.

[Alunos] Onze, doze, treze...

Mudança de campo visual. Close em mãos de alunos, que contam o número

de cartelas dispostas nas carteiras escolares.

[Alunos] Quatorze, quinze...

Alunos contam ao mesmo tempo.

[Alunos] um... nove...dez!

Ampliação do campo visual. Parte da sala pode ser observada. Todos os

alunos em atividades, contando. Ana parece perdida. Levanta as mãos. Braços

rentes ao corpo e antebraço sendo movimentado. Ela olha para a direita, onde se

encontra o mapa. Em seguida para a esquerda, onde estão dispostas as carteiras.

[Ana] Pronto!

Mudança de campo visual. Close em um aluno e uma aluna que estão

defronte de três carteiras escolares. Outra mudança de campo visual. Câmera

focaliza professora, de costas para o quadro negro.

[Ana] Me digam uma coisa. Quanto mede esta superfície?

[Alunos] 72 cartões.

[Ana] 72 cartões?

Enquanto aluna fala, há mudança do campo visual. Tomada perpendicular.

Professora pega um giz e começa a escrever no quadro.

[Aluna] Porque tem 18 cartões no comprimento e 4 na largura. 18 vezes 4,

setenta e dois!

Close na ação da professora, que escreve no quadro negro. Neste há as

seguintes frases: “superfície das mesas = 18”; “superfície do mapa = 20”. Ana

escreve: “mesas => 18 x 4 = 72”

[Ana] 18 vezes 4, setenta e dois.

Câmera volta a focalizar a turma e a professora, em uma visão perpendicular

da sala.

[Ana] E a superfície do mapa?

[Aluna] Deu 80, porque tem 8 na largura e 10 no comprimento!

Close na professora, que escreve no quadro: “mapa => 8 x 10 = 80”.

[Ana] Mapa. Então 8 vezes 10, oitenta. Então espera aí? Não estou

entendendo. A superfície das mesas mede 18 cartões ou 72?

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[Aluno] Ora, mede 18 cartões pequenos...

Pausa. Diretor chama atenção de ator mirim, que errou sua fala.

[Aluno] Ora, mede 18 cartões grandes e 72 cartões pequenos.

Pausa. Diretor novamente atenta para erro na fala: deve falar “ou”.

[Aluno] Ora, mede 18 cartões grandes ou 72 cartões pequenos.

[Ana] Mas se, por exemplo, eu fosse falar para alguém que não conhecesse

os nossos cartões, quanto mediria esta mesa? Como essa pessoa ia saber a medida

exata da mesa?

[Aluna] Era só mostrar os cartões para ela.

Diretor interrompe a gravação. Diz que Ana errou a fala. Pede para repetir a

sequência.

[Ana] Mas se, por exemplo, uma pessoa quisesse saber das carteiras, dessas

três mesinhas. Como ela ia ficar sabendo a medida exata, já que ela não conhece os

nossos cartões?

[Alunos] É só mostrar os cartões para ela?

[Ana] Grandes ou pequenos?

[Alunos] Aí...

(...)

Ana coloca uma cartolina sobre a mesa (mapa). Mede seus lados e constata,

sendo observada por alunos: “cada lado mede um metro”. Conclui que, portanto, a

superfície toda mede 1 metro quadrado.

[Aluno] Ana, porque se chama metro quadrado?

[Aluno] Acho que eu sei. Porque ele tem 1 metro quadrado em cada lado. Aí

ele forma um quadrado.

[Ana] Quer dizer, o metro vocês já conheciam. Agora estou apresentando

para vocês o senhor metro quadrado!

[Alunos] Muito prazer, senhor metro quadrado!

[Ana] Ih, acho que está chegando um outro personagem...

Ana pega um dos cartões que usou no início para desenvolver as atividades

(cobrir a superfície das carteiras e do mapa) e mostra aos alunos.

[Ana] Olha aqui. Quem será?

[Alunos] Poxa, ele é bem menor!

[Ana] Esse aqui é o decímetro quadrado.

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Todos os alunos pegam um cartão – por determinação do diretor do

programa.

A cena é cortada.

A imagem dos alunos com as professoras é substituída pela de uma

apresentadora. Esta, por sua vez, comenta sobre a atuação da professora e dos

alunos. Ao fundo, um cenário que parece imitar uma biblioteca.

[Apresentadora] Como você vê, Ana deixou que as crianças bem com os

cartões, as medidas arbitrárias, para só depois apresentar a medida padrão – no

caso, o metro quadrado. Agora eles reconhecem o decímetro quadrado, também de

uma maneira bem concreta para que todos compreendam em que consiste medir

uma superfície.

(...)

(QUALIFICAÇÃO Profissional para o Magistério, 1985)

Em suma, a mensagem apresentada através das imagens enfatiza o trabalho

com objetos concretos e a apresentação de um conteúdo matemático através de um

método indutivo, auxiliado por um material de acompanhamento: o livro didático, cujo

conteúdo nada mais é do que uma comanda para o desenvolvimento das atividades

escolares do QPM.

Não há considerações ou determinações no que diz respeito a uma possível

compreensão de unidades de medida através de um método algébrico. Esta poderia

ser uma alternativa pedagógica e metodológica, mas não foi o foco da Qualificação

Profissional para o Magistério.

O concreto, aliado ao lúdico “muito prazer senhor metro quadrado”, é o modo

como as professoras ou professores deveriam ensinar aos seus alunos o significado

de metro quadrado e de decímetro quadrado.

Outras unidades de medida poderiam ser ensinadas do mesmo modo. É

óbvio que seria difícil conceituar, utilizando material concreto, o quilômetro quadrado

em uma sala de aula. Mas, para unidades menores, por exemplo, poderíamos ter

“muito prazer senhor centímetro quadrado”.

Portanto, de fato, a aula 28 do QPM foi diz respeito a uma postura cultural

escolar, que não forneceu alternativas a outras metodologias de ensino e, neste

sentido, soa como uma imposição. Para o Estado, este seria o modus operandi

ideal.

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O desenrolar do curso pela TV, simulando uma sala de aula, não deixa

dúvidas de que esse é o exemplo a ser seguido.

Mas não há como saber se professoras primárias utilizaram a mesma

metodologia de ensino. Choque entre a cultura escolar predominante e a imposta

pode ter distorcido o ideário educativo do Governo. Docentes talvez tenham

negligenciado as práticas pedagógicas sugeridas.

De fato, essa é uma lacuna. Não foram encontrados vestígios sobre como

professores apreenderam a aula 28. Mas, mesmo que houvesse, devido ao alcance

da rede televisiva veiculadora do QPM, seriam vestígios mínimos que não passariam

de uma observação local.

Em um país continental, afirmar que essas práticas pedagógicas foram

efetivamente implementadas (ou não, e de que modo) parece ser algo utópico.

Mas, ao menos, pode-se afirmar que, no âmbito do Governo Federal, esta era

a cultura escolar proposta à classe discente - realizada de tal modo que é nítida a

imperícia dos atores no que diz respeito à Matemática Escolar. Não dominam

conteúdos. Repetem frases do script. Tentam simular uma situação que parece

forçada. O tom grave e enérgico do Diretor do Programa reforça esse caráter

tecnocrático.

No que diz respeito à função referencial, esta é observável no conjunto

multimídia (CHOPPIN, 2004) de modo indissociável. Não há uma clara distinção

entre livro e imagem em movimento com relação ao papel de cada um no que diz

respeito ao caráter funcional – ambos contêm elementos característicos das

habilidades que deveriam ser transmitidas às novas gerações.

Entretanto, a prática metodológica é mais evidente na teleaula. A simulação

de uma classe presencial, a postura da apresentadora (como uma professora das

séries iniciais do 1º Grau), permite verificar que a função instrumental é mais

adequadamente representada pelas imagens em movimento.

8. REALIDADE, INTERPRETAÇÃ E MEMÓRIA

Pobre dos escritores que não se deram conta disso: escrever é transmitir vida, emoção, o que conheço e sei, minha experiência e forma de vida.

Jorge Amado

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Durante alguns anos encontrei-me, quase que diariamente, com um senhor:

Seu Tatá. De origem nordestina, ex-secretário de Gilson Amado, primeiro presidente

da TVE Brasil, mulato. Aparentava ter noventa anos de idade e sua voz era

cadenciada. Após a aposentadoria, resolveu vender doces e balas na entrada de

serviço da empresa que labutou por décadas.

Em 2005, eu e ele trabalhávamos na ACERP. Conversamos bastante durante

o tempo que fiquei nesta organização. Um dia tentei entrevistá-lo formalmente, mas

sem sucesso. Ao ligar o gravador, a voz dele embargou e o máximo que conseguiu

dizer foi que trabalhou na Central do Brasil e com Gilson Amado. Entretanto em

nossos bate-papos informais contou-me sobre suas experiências profissionais,

relacionadas ao surgimento da TVE Brasil.

E é sobre esta relação, estabelecida nos corredores de uma emissora de

televisão, que se construiu esta última narrativa: um estudo calcado na em técnicas

de entrevista, mas com interpretações nem sempre verificáveis.

À época, o prédio da ACERP parecia advindo de um filme de terror:

maltrapilho e com uma pequena entrada pelos fundos: uma porta comum, situada na

Rua dos Inválidos – entre a Rua da Relação e a Rua do Rezende. Não media mais

do que dois metros de altura e meio de largura. Passageiros das ruas abandonadas

deste Centro velho do Rio de Janeiro jamais notariam o que havia no interior ao abri-

la – salvo moradores das residências próximas (alguns cortiços), bem como

funcionários do Colégio Estadual Souza Aguiar (ao lado) e do Instituto Médico Legal

(quase defronte). O local exalava odor de almas partidas. De fato, a tal porta parecia,

mesmo tão frágil, segurar um prédio decadente e sem alguma história a contar.

Seu Tatá ficava ao lado dessa entrada, próximo à portaria, ao lado de um

elevador fantasmagórico. Sempre ouvindo pagode e apoiando sua bombonière em

um balcão desativado.

Um dia resolvi espichar o bate-papo de almoço que eu sempre tinha com ele.

Afinal eu era um cliente assíduo. Meu produto preferido: pé-de-moleque.

- Seu Tatá é nome ou apelido?

Com um sorriso estampado e sotaque nordestino, respondeu:

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- É assim que me chamam. Isso desde quando a sede da televisão ficava na

Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Quem me deu esse apelido foi o Dr.

Gilson e seu amigo Manoel Jairo Bezerra, professor de Matemática.

Fiquei curioso.

- Mas como assim? O senhor vende balas! O que essas pessoas têm a ver

com sua vida e com esta empresa que trabalhamos?

Seu Tatá, do alto de sabedoria, perguntou:

- Menino, tem um tempo?

Afirmei que sim.

E assim começamos uma longa conversa.

Disse ele que era retirante. Saiu candango em pau de arara do sertão

nordestino. Pelas estradas secas e fumacentas, pulou na boleia do caminhão.

Comeu muita poeira até chegar a uma capital nordestina: Salvador.

Lá, com as roupas do corpo, não lhe restou outra alternativa a não ser pedir.

Um conto de réis aqui, outro conto de réis ali. Jovem, sadio, mas desamparado e

triste.

Queria outra vida. O sertão já havia lhe dado muito desgosto. Perdeu amigos

e parentes, passou sede, fome. Fez de comida a palma, que em tempos de bonança

dava aos bodes e cabras.

Com o pires na mão, sentado no chão, o desgosto pela vida desapareceu.

Pensando na bela capital brasileira, comentada por muitos, sorriu. Um prato de

comida lhe deram. Duas moedas tilintaram: bateram uma na outra e soaram como

melodia.

Após dois dias, conseguiu. Juntou os contos necessários para passagem ao

Rio de Janeiro. Demorou. Passou por estradas ruins, esburacadas. A viagem foi

longa, sofrida. Não havia condução, capaz de pagar, que levasse direto.

Parava em bares moribundos. Comia o resto dos pratos. Bebia, quando

saltava nas torneiras de banheiros fétidos, a água que lhe restaurava a vida.

De cidade em cidade foi pingando. Aqui e acolá. Até chegar. Rio de Janeiro.

Outubro. 1941. A guerra eclodida.

Parou no Cais do Porto. Conseguiu aconchego no Morro da Favela. Nos

primeiros dias, carregou sacos mais pesados que o próprio corpo.

Morava em casa de pau, retirada de uma obra perto da Favela.

Um dia, resolveu visitar a tal edificação.

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Figura 22: Construção da Central do Brasil79

Ficou encantado com a maria-fumaça. Perguntou ao Mestre de Obras: tem

emprego? Ao Seu Tatá coube carregar cimento e enterrar os dormentes na

construção do Edifício Central do Brasil, destino dos trens suburbanos cariocas.

Melhorou de vida. Foi morar em barraco nos casebres próximos à Fábrica de

Chapéus Mangueira. Lá conheceu sua esposa.

Mas quis o destino que a obra terminasse em 1943. E Seu Tatá ficou sem

trabalho. Não por muito tempo.

Ouvia muito fox-trot na Rádio Mayrink Veiga. Achava que ali tinha futuro.

Foi então nesta emissora. Defronte à portaria, deparou-se com um homem de

meia idade. Mais ou menos 15 anos mais velho: Gilson Amado.

O jovem, sem titubear, com a experiência do trabalho fardo e da barriga

cantante, perguntou ao senhor se haveria lugar para ele naquela Casa.

Gilson pediu para voltar no dia seguinte às 9 da manhã e que o procurasse na

portaria. E foi o que se fez.

No tempo marcado, chegou e falou à recepcionista para chamar o Doutor

Gilson.

Para a surpresa de Seu Tatá, foi recebido. Pediram para entrar. O Doutor

falou que havia um emprego simples, na limpeza.

79

Foto provavelmente da década de 1940. Disponível em: http://www.flickr.com/photos/carioca_da_gema/47177574/. Acesso em: 8/8/2011.

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A partir daí separar-se-ia do homem que tirou a sua barriga da fome somente

no ano de 1979, ano da morte do Doutor.

Batia ponto todos os dias na Rádio. De segunda a sábado.

Por mais de dez anos, sua rotina era simples. De casa para o trabalho, do

trabalho para casa. Na chegada parava no botequim da viela, na entrada da

comunidade que morava. Tomava sua cerveja, mas só aos sábados. E sempre

acompanhado de sua fiel companheira.

Depois de tanto tempo, sentia-se cansado. Pensava em mudar de emprego. A

rotina estava deixando o retirante cansado. Sempre era a mesma coisa: varrer o

chão, passar pano úmido e, às vezes, servir um cafezinho.

Foi numa dessas que o destino bateu à porta outra vez. Quando entrava na

sala do Doutor Gilson, foi apresentado a um professor de Matemática: Manoel Jairo

Bezerra. Gilson contou que estavam planejando algo novo. Precisavam de um

homem responsável, fiel e que conhecessem bem.

Seu Tatá caiu como luva. Mas para isso, deveria concluir o primário. E assim

o fez, tendo aula com seus mestres de trabalho.

Não deixou a Rádio Mayrink. Foi promovido. Passou a mensageiro.

Encaminhava correspondências confidenciais, algumas para militares das mais altas

patentes das forças armadas. Também ia aos correios e pagava contas.

Foi nesse vai e vem que conheceu o grande projeto: ensinar pela televisão.

Gilson Amado pediu que fosse à TV Continental, coirmã da Rádio Mayrink Veiga. No

envelope estava escrito: ARTIGO 99 CURSO PELA TELEVISÃO.

Figura 23: Apostila do Curso Artigo 99 (AMADO (ORG.), [ca. 1969])

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Pouco tempo depois, viu seu chefe, ao lado de Manoel Jairo Bezerra, dando

aulas pela TV!

Ao comentar sobre esse episódio, Seu Tatá emocionou-se. E lembrou-se do

velho professor de Matemática.

Perguntei o motivo. Ele disse:

- Lembrei-me do dia que estava no Estúdio um. Foi a última vez que vi o

Professor Jairo.

- Eu estava vendendo minhas balas e vi o Mestre entrando no Prédio da TVE.

Ele se lembrou de mim! E convidou para ver a entrevista que iria dar ao Programa

Sem Censura. Minha memória já não está muito boa não. Só lembro que foi perto de

um ano importante. Falavam muito da tal da Constituição que não era dos Generais.

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- Então fui. Peguei uma cadeira. E sentei. Não deu 10 minutos e o programa

começou.

- Ele falou de sua vida. Disse que foi professor por mais de 50 anos e que

escreveu mais de 50 livros! Afirmou que foi um dos fundadores da TVE Brasil – esta

empresa que você trabalha agora. Falou dos problemas de ensinar Matemática e

deu uma aula pela TV neste dia (TVE BRASIL, [198-?]), depois de um desafio feito

pela apresentadora. Foi mais ou menos assim80:

[Apresentadora] - E como é que se faz para tornar a Matemática mais

interessante?

[Manoel Jairo Bezerra] - Querem fazer comigo? Todos estão duvidando?

Coloquem as mãos em cima da mesa. Por exemplo: como é que eu ensino a

tabuada que eu apanhei de palmatória?

[Convidado] - O senhor não vai bater não, né! [Risadas]

[Manoel Jairo Bezerra] - Não tem mais palmatória! Coloquem as duas mãos

em cima da mesa, por favor.

[Convidado] - Eu queria que o senhor desse uma aula pública para os

professores com o método que o senhor utiliza para motivar seus alunos a ter aula.

[Manoel Jairo Bezerra] - Estou ensinando para o menino a tabuada. Eu sou

professor já um pouco graduado. Lamento que eu não me recorde de alunos meus

dizerem que não gostavam de Matemática comigo. Vamos preparar a mãozinha!

- Põe a mão por obséquio, a mesa não vai levantar. Não é nenhuma coisa de

magia [risos dos participantes]. Coloquem a mão em cima da mesa. Por favor, a

partir do dedo mínimo da mão esquerda numerem: um, dois, três, quatro, cinco...

Continua no polegar da mão direita... seis, sete, oito, nove, dez. Só para ver se todo

mundo percebeu. O dedo médio da mão esquerda que número é? Três. E o médio

da mão direita? Oito. Pois bem, darei um exemplo para a tabuada mais difícil que há.

Lembrem-se vocês: qual é a tabuada que atrapalhava mais? Era a dos nove. Nove

vezes três, nove vezes cinco, nove vezes oito! A gente esquecia! Nove vezes oito,

nove vezes sete. Aí nos atrapalhávamos! Pois bem, vamos lidar com essa, a mais

difícil.

80

Entrevista concedida por Manoel Jairo Bezerra ao Programa Sem Censura (TVE BRASIL, [198-?]).

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- Façam o obséquio de levantar o terceiro dedo da mão esquerda. Isso seria

multiplicar nove por três: vejam quantos dedos estão abaixados à esquerda do que

você levantou: dois. É a dezena: dois, é a dezena. E à direita: sete. Vinte e sete, não

é? Por favor, façam sozinhos o nove vezes cinco. Levantem o quinto dedo. O que

fica à esquerda? Quatro. E à direita? Quarenta e cinco. E o menino achava

formidável. Eu mostrei a brincadeira. Mas como estão duvidando e disseram por que

não se ensina aos outros professores, o que se deve fazer é o seguinte: a

professora que está me ouvindo nessa hora, chegue para sua turma e diga: olha a

Tia viu uma curiosidade muito interessante! Se quiser fazer propaganda minha pode

fazer! O Professor Jairo Bezerra ensinou uma curiosidade muito interessante e os

meus 50 livros terão maior saída ainda! (...) A Tia falará aos alunos que aprendeu

uma curiosidade muito interessante: e fará umas três multiplicações destas, que eu

acredito que todos tenham aprendido. Ela comentará que não teve tempo e não

sabe se a mágica dá certo para todos os casos. Porém, antes os meninos dirão:

vamos pegar papai, vamos pegar mamãe, o vizinho da esquina, o companheiro lá da

calçada... A professora completará: olha vocês não peguem ninguém enquanto não

verificarem, porque a tia não pôde verificar ainda. Façam o seguinte: peguem a

tabuada e verifiquem se dá certo para todos. Se der, podem ensinar a cada um. O

que se fez aí? Sem forçar, como antigamente, a estudar tabuada - que ninguém

estudava, nem a cantada, nem a de cor e salteado, só faltavam matar o menino... O

pai chegava de noite, a mãe: olha a dona fulana mandou dizer que ele precisa

estudar Matemática, tabuada. E o pai: quanto é cinco vezes sete e cinco vezes oito

e nove vezes cinco e seis vezes quatro! [fala rápida]. O menino tinha que correr!

Talvez tivesse aluno que sonhasse imaginando a inquisição. Só faltava botar

holofote em cima do garotinho e fazer as perguntas! Então ele ficava apavorado!

Hoje ele verá se a brincadeira, se a mágica do professor está certa! E veja, caso

verifique se todas estão certas, ele estudou a tabuada de 1 até 10!

[Convidado] - Professor Jairo, o Brasil inteiro está vendo essa sua aula e eu

queria que o senhor repetisse, porque todo mundo vai aprender com muita facilidade

a tabuada.

[Manoel Jairo Bezerra] - Não tem muita... Eu já tenho mais de 4.000

professoras primárias que foram minhas alunas.

- Para a Raiz Quadrada, permita-me fazer uma homenagem ao meu Mestre,

Gilson Amado. Ele me emprestou a sua casa, no alto da Serra, para eu escrever um

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livro. Era a única de madeira da região. Eu fui para lá com a minha senhora e um

professor para me ajudar. Quando chegou o Carnaval, o Gilson apareceu e

perguntou: o que você está fazendo? Ele disse: ô Jairo, a Matemática não é minha

matéria. Aliás. Raiz Quadrada não há quem aprenda aquilo! E eu disse: olha Dr.

Gilson... E eu comecei a explicar e aprendeu. Ele me disse: no primeiro programa

que eu me encontrar com você, irá ensinar Raiz Quadrada para todo mundo. Era

uma doidice, porque aquilo era uma coisa simples. Mas ele não esqueceu! Um belo

dia, na TV Continental, Gilson Amado falou: Jairo, ensina aquele processo de Raiz

Quadrada que você me ensinou no Carnaval! E fomos nós ensinar.

Quando o programa acabou, todos sorriram e abraçaram o Professor.

Após comentar, com detalhes, essa entrevista, Seu Tatá começou a falar um

pouco mais sobre a história de Manoel Jairo Bezerra. Disse que o professor, ainda

novo, recém-chegado ao Rio de Janeiro, passou por dificuldades financeiras81 e foi

ajudado pelo seu chefe lá pelos anos de 1930.

Jairo gostava de Matemática, mas, em princípio, preocupava-se mais com o

sustento do dia seguinte. Chegara a pouco de Natal. Queria ser piloto de avião.

Sempre sonhava com um reclame que havia recebido pelos correios prometendo um

curso a distância e trabalho militar como um “Senta a Pua!”.

Mas a propaganda era enganosa.

Jairo hospedara-se na residência de uma tia, na Rua do Russel – bairro da

Glória, Rio de Janeiro. Ela estava sem dinheiro. O marido de sua tia perdeu a vida

em um acidente automobilístico. A situação era crítica a tal ponto que Jairo foi pedir

dinheiro nas vias da cidade.

Foi quando, em uma tarde de garoa, ao descer as escadas do prédio que

morava, deparou-se com Gilson Amado. Seu Tatá contou que, neste momento, o

futuro professor foi reconhecido pelo Doutor, que dias antes havia lhe dado um

trocado na Avenida Rio Branco.

“Daí em diante, foi como pai e filho”, contou Seu Tatá. Nessa época, mais

especificamente em 1939, foi criada a primeira faculdade que formava professores

de Matemática no Rio de Janeiro. Gilson não titubeou: Jairo, faça a Faculdade

Nacional.

81

Informação existente em entrevista de Bigode e Valente (2003) e publicada na Revista da Sociedade Brasileira de Educação Matemática.

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Seu Tatá ficou em silêncio por alguns instantes. Pensou, coçou os cabelos

brancos e disse:

- Tenho uma coisa que talvez seja de seu grado. Um papel, que se joga fora,

mas que se deve guardar para a vida inteira. Eu mesmo já fiz isso várias vezes, mas

pensei e voltei atrás. Tá velho, mas é bonito.

- Peraí meu filho. Vou trazer um presente e já volto!

A esta altura, pensei: Seu Tatá está cantinfleando...

Ele pegou o elevador e desapareceu por cerca de 30 minutos. Ao voltar, disse

que tinha ido ao local que ele “guarda documentos e coisas pessoais”. Supus que

seria um armário. Colocou a mão no bolso.

Tirou um envelope.

Mostrou:

Figura 24: Convite de Formatura de Manoel Jairo Bezerra82

Fiquei surpreso. Não era nada comum. A guarda de tal documento não é

assim tão habitual.

82

Documento disponível com o autor desta Tese. Acervo Pessoal Manoel Jairo Bezerra. Localização Provisória: 8.2. De fato, este documento nunca esteve sob a guarda da TVE. Foi doado ao autor desta Tese por Roberto Zaremba Bezerra, filho de Manoel Jairo Bezerra.

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E assim ele, com sua simplicidade, ofereceu-me o material de presente.

Parece-me que ele tinha muito mais a falar. E continuou:

- Veja como tudo isso é interessante. A vida pessoal minha, do professor Jairo

e do Doutor Gilson se misturam com a nossa vida profissional. Essa história de ser

fundador da TVE surgiu, nada menos, a partir das experiências na TV Continental.

Com o Artigo 99. E possivelmente nada disso seria possível se Jairo não tivesse

feito Matemática. Tem um senhor, chamado Fernando Pamplona, que um dia

comentou que o professor Jairo tinha todas as ideias sobre TV Educativa

(PAMPLONA, 2008) e que Gilson as colocava em prática.

E acrescentou,

- Não é só isso. Tem um homem, muito famoso... Acho que foi amigo do

professor. Ele rezava missa aqui todos os domingos. Eu venho só para assistir. Mas

também passa na tevê.

Seu Tatá estava falando de Dom Eugênio de Araújo Salles – Arcebispo

Emérito do Rio de Janeiro. Ele não sabia ao certo explicar. Só compreendia que os

dois se abraçavam, riam muito, depois ficavam calados e, às vezes, em uma sala

reservada conversavam. De repente, passou uma senhora, de cabelos grisalhos.

Seu Tatá gritou:

- Dona Franci! Sabe me dizer o que eram aquelas risadas entre o Professor

Jairo e o Padre?

- Sei sim, eles foram muito amigos. Conheceram-se na época do colégio,

quando meninos.

- Entendi.

- As conversas, algumas delas, eram confissões. Mas não eram apenas

colegas. Ambos foram amigos de infância.

Seu Tatá disse que o Padre ainda trabalhava. Seu escritório era ali perto.

Sutilmente me dispensou:

- Menino, porque não vai conhecer esse senhor que rezava missa? Eu te dou

o endereço!

Eu agradeci e compreendi que era hora de partir. Agachei para não bater na

porta dos fundos da TVE. Afinal, um esbarrão e o prédio parecia quase ruir. Na rua

ao lado, peguei um ônibus e fui ao bairro de Ipanema, no lugar onde o Padre, quer

dizer o Arcebispo, fazia expediente.

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Saltei na Rua Prudente de Morais, altura da Rua Joana Angélica. Andei uma

quadra até a Visconde de Pirajá. Na esquina, uma Igreja Católica. Ao lado, um

prédio. Era o endereço dado por Seu Tatá.

Conversei com o porteiro. Expliquei a história. Ele interfonou. Comentou:

- Está com sorte. Suba ao 5º andar.

Um Padre me atendeu. Levou-me a uma sala. E lá estava Dom Eugênio

Salles.

Dom Eugênio comentou que atuou na criação das Escolas Radiofônicas do

Rio Grande do Norte, no final da década de 1940.

Ele concedeu a entrevista para falar, sobre as Escolas Radiofônicas de Natal,

bem como de seu amigo de colégio - o radialista e Professor de Matemática Manoel

Jairo Bezerra (BIGODE e VALENTE, 2003).

De fato, trouxe a público outro olhar, no que diz respeito às inovações

radiofônicas no Brasil, ao ratificar a existência do ensino a distância há pelo menos

meio século, utilizando a tecnologia rádio, sob uma perspectiva não governamental e

como uma ação humanitária de origem religiosa.

Este sacerdote revelou, além dos aspectos relacionados à radiodifusão,

alguns detalhes sobre sua vida profissional e pessoal. É o imbricar dessas

experiências que o levaram ao trabalho com as Escolas Radiofônicas de Natal

Sobre Manoel Jairo Bezerra, nada consegui. Creio que questões éticas

impediram prosseguir o diálogo. Pediu para procurar um amigo em comum:

Humberto, dentista. Obtive, poucos dias depois, a informação de que ele já era

falecido. Mas é improvável que amigos de colégio e de vida não tenham conversado

sobre suas atividades. Contudo supõe-se que o entrelaçar entre amizades e vidas

profissionais resultaram na criação da TVE Brasil.

Portanto, será que a TV Educativa, como é hoje, existiria se Gilson Amado e

Jairo Bezerra não tivessem se conhecido? Será que Jairo tornar-se-ia radialista caso

não tivesse toda esta experiência com Gilson Amado e com Dom Eugênio Salles?

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9. CONCLUSÕES

Técnica irrepreensível sem emoção deixa a desejar em qualquer profissão. É preciso deixar rolar, entregar-se, ser flexível e até imperfeito. Rir de si mesmo e de tudo. O cisne branco, com sua rigidez, parecia incapaz de relaxar e se divertir. O cisne negro era passional, imprevisível, com a centelha da loucura, e por isso tão sedutor. (AQUINO, 2011)

Esta Tese, em boa medida, foi resultado de uma postura alternativa. Não era

escola regular nem as pesquisas do momento que foram levadas em consideração.

Obviamente, sem desmerecê-las, o desejo foi sair do lugar comum. Em vez de

estudos sobre movimentos renovadores da Matemática, bem como sobre o ensino

desta disciplina nas academias militares, optei pela história do ensino da Matemática

na radiodifusão educativa – visitando os primeiros momentos deste meio de

comunicação no Brasil.

Trata-se de uma área ainda com amplas oportunidades de pesquisa, pois, no

que diz respeito aos programas do gênero em nível de Governo Federal do Brasil,

nem mesmo as gestoras dos canais públicos nacionais de radiodifusão possuem

estudos relacionados aos seus tempos memoráveis com um nível mínimo de

detalhamento sobre o ensino da Matemática.

Logo, foi possível um resultado abrangente. Mas não definitivo. Primeiro: ao

desenvolver de novos estudos, provavelmente outros rastros do passado no

presente surgirão e poderão fornecer novas interpretações. Segundo: analisar um

período tão longo, da década de 1920 até 2008, não é algo tão trivial. É

provavelmente trabalho para uma vida inteira. Portanto, o assunto não está

esgotado.

Em relação aos rastros da Matemática em projetos de radiodifusão educativa,

nas duas primeiras décadas de radiodifusão educativa (sob a perspectiva da Radio

Sociedade do Rio de Janeiro e sua sucessora Rádio MEC) os documentos

localizados foram poucos: a aula sobre o ensino da Geometria de Heitor Lyra da

Silva (1924), mais voltada para as práticas de ensino e o primeiro movimento

renovador da Matemática; o desafio proposto em 1926 em um Concurso para

Crianças (RADIO SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO, 1926b, p. 16), relacionado à

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Progressão Aritmética; e a aula sobre a história do relógio (ou medidas do tempo).

Outras iniciativas também merecem destaque, tal como as Escolas Radiofônicas do

Rio Grande do Norte (SALLES, 2010) e Universidade do Ar (PEIXOTO, 1944). A

partir da década de 1970 houve a produção de uma maior quantidade de programas

com aulas de Matemática, tanto no rádio quanto na televisão, dentre eles: Projeto

Minerva (SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO EDUCATIVA DO MEC, 1973a), o

Telecurso Supletivo João da Silva (FCBTVE, [ca 1972]a) e o Telecurso Supletivo A

Conquista (KURY et al, 1979) e o Programa Qualificação Profissional para o

Magistério (1985). O Minerva e os telecursos foram voltados para jovens e adultos

que não concluíram seus estudos, em nível de 1º Grau tinham conteúdos amplos em

Matemática – desde as operações básicas até o ensino da Geometria. O programa

Qualificação Profissional para o Magistério, produzido na década de 1980

(FUNTEVÊ, 1984), teve como interesse a qualificação e formação de professores

das séries iniciais do 1º Grau.

Mas o desenrolar da televisão educativa não ficou restrita à TVE Brasil.

Outras emissoras também participaram desta empreitada, como a TV Cultura de

São Paulo e, ainda, a TV Tupi com o projeto Universidade de Cultura Popular.

A partir da década de 1980, há evidências de um desmantelamento da rede

de radiodifusão educativa - com o Governo Federal desistindo dos projetos em nível

de suplência e transferindo sua produção para a Fundação Roberto Marinho.

Este estudo amplo fez com que eu me deparasse com milhares de

documentos, dentre elas fitas de áudio e imagens com mais de 30 anos. Isto

significa a possibilidade da realização outras produções científicas, na qual destaco

a análise de imagens em movimento e, ainda, uma futura biografia sobre o Professor

Manoel Jairo Bezerra. Afinal Jairo foi autor de meia centena de livros didáticos e

esteve à frente de projetos teleducativos em um momento politicamente conturbado:

a década de 1970.

Sobre a narrativa, houve a tentativa de atribuir uma linearidade para a escrita

para que a leitura ficasse menos parecida como um filme do cineasta Jean-Luc

Godard. Mas tal postura, adotada após as sugestões durante a etapa de

Qualificação, limitou as possibilidades de análise, pois nada é simplório no terreno

da radiodifusão, a começar pela invenção dos transmissores de rádio. No Brasil o

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145

Padre Landell de Moura83 tem lugar de destaque. Como analisar o surgimento da

tecnologia rádio não foi interesse de pesquisa, optei por não adentrar nesta seara.

O desembarcar do rádio na Exposição do Centenário evidencia uma

tendência em oficializar o rádio no Brasil, com interesses relacionados a criar heróis

e mitos. Dentre eles Edgard Roquette-Pinto: homem importante na sociedade. Mas

será que efetivamente foi tão importante quanto anunciam os meios de comunicação

oficiais? Afinal a experiência radioeducativa é anterior ao pioneirismo da Rádio

Sociedade do Rio de Janeiro.

De certo modo é complexo entender o que era rádio nos anos de 1920. Ele

não surgiu tal qual conhecemos hoje. De fato era uma Rede Social. As postagens

ocorriam durante as transmissões e poderiam vir de qualquer parte do mundo. Nesta

época estava-se muito mais próximo do radioamadorismo do que, efetivamente, do

rádio do final do Século XX.

Importante também foi a existência de programa similar ao Colégio do Ar,

produzido pela Rádio MEC na década de 1950: o Universidade do Ar da Rádio

Nacional, de 1944. Seria um inspirado no outro?

No que diz respeito à Rádio Sociedade do Rio de Janeiro e a Rádio MEC, os

documentos localizados a cerca dos primeiros 40 anos de radiodifusão educativa

pouco têm a dizer sobre a Matemática ensinada. Isto abriu outras possibilidades,

Encontrou-se: uma Matemática aplicada a outras ciências, divulgada em um

ambiente, à época, elitizado e, ainda, conurbado com o radioamadorismo.

Mas os programas produzidos a partir da década de 1970 (Projeto Minerva,

Telecurso Supletivo João da Silva, Telecurso Supletivo A Conquista e Qualificação

Profissional para o Magistério) permitiram um olhar mais apurado a cerca da

Matemática.

Os aspectos funcionais ficaram evidenciados. A primazia da função

referencial coube ao livro didático. A função instrumental é mais observável nas

teleaulas.

E o conjunto multimídia? Se os vídeos forem analisados em conjunto, verifica-

se que fazem parte de um único projeto. Portanto, em princípio, Choppin (2004)

estaria correto ao afirmar que eles não têm existência independente.

83

Maiores detalhes sobre este inventor brasileiro podem ser obtidas através do site

http://www.memoriallandelldemoura.com.br, sob a responsabilidade de Ivan Dorneles Rodrigues. Acessado em

20 out. 2013.

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Entretanto, através da análise do Telecurso Supletivo A Conquista, do

Programa Qualificação Profissional Para o Magistério e observando a entrevista de

Mônica Mandarino, verificou-se que o livro didático pode ter existência

independente. Tanto é verdade esta afirmativa que o livro didático do QPM foi

utilizado, separadamente, para a formação de professoras das séries iniciais do 1º

Grau no Instituto de Educação do Rio de Janeiro – referência na área.

Logo, o estudo de Alain Chopin sobre a história dos livros e das edições

didáticas (2004) tem suas restrições quanto à aplicabilidade teórico-metodológica.

Retomando o campo da radiodifusão, embora não existam elementos

suficientes para determinar o alcance do telecurso nas escolas supletivas,

constatou-se que os livros didático dos telecursos tiveram, em alguma medida, uma

função próxima ao que hoje chamamos de Parâmetro Curricular. Afinal, foi um

balizador dos conteúdos que deveriam ser ministrados, com afirmativas, em linhas

amplas, sobre o que deveria ser ensinado e como deveria ser ensinado. Reforça

essa postura o fato de os telecursos terem sido produzidos no âmbito do Governo

Federal, o que amplia o seu alcance e a sua influência sobre as demais esferas do

poder.

Sobre as pesquisas de campo, estas ganharam contornos não esperados.

Por um lado, fracassadas ao tentar mais imagens e mais áudio para estudos

comparativos. Por outro, um sucesso ao encontrar novas fontes de pesquisa - em

particular na Biblioteca Nacional.

Também não poderia deixar de registrar o quão incrível foi ser orientado pelo

Professor Doutor Ubiratan D’Ambrosio. De humildade incrível, memória fantástica e

trabalho esplêndido, sua contribuição foi mais ampla que a orientação: mostrou

novos caminhos, como a Etnomatemática. Especial, ainda, foi o encontro com o

Professor. Doutor Guy Brousseau.

São momentos que ficarão para sempre em minha memória.

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Figura 25: Almoço na residência do Prof. Ubiratan D’Ambrósio, em 17 de outubro de

2009. Da esquerda para a direita: minha esposa, Izabel, eu, Prof. Ubiratan, Prof.ª

Maria José – esposa do Prof. Ubiratan, Prof. Guy Brousseau e Prof.ª Nadine –

esposa do Prof. Brousseau.

Estas experiências me permitirão alçar outros voos. Alguns distantes da

teleducação e dos estudos históricos.

Ao meu Mestre, Ubiratan D’Ambrosio, meu muito obrigado!

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APÊNDICE A - A VIDA E A OBRA DE MANOEL JAIRO BEZERRA

Manoel Jairo Bezerra nasceu em 1920, passou sua infância no Rio Grande do

Norte. Aos 10 anos de idade, tudo indicava que ele seguiria os passos do pai e se

tornaria comerciante, mas a falência do Banco Rural de Macau, onde guardava suas

economias, o fez mudar de rumo. Cursou o ginásio no Colégio Santo Antônio, em

Natal, aonde chegou a pensar em se tornar padre. Teve como colega de turma o ex-

arcebispo do Rio de Janeiro Dom Eugênio de Araújo Salles, que na época pensava

em ser agrônomo.

Em 1936, aos 15 anos de idade, mudou-se para a cidade do Rio de Janeiro e

passou por dificuldades financeiras em seus primeiros anos nesta cidade. No ano de

1937 conheceu um advogado, que o ajudou a entrar no Curso Complementar para

Engenharia da Escola Politécnica.

O início de sua trajetória acadêmica foi no Colégio Metropolitano, localizado

no Rio de Janeiro, onde trabalhava na secretaria da escola e começou a substituir

professores, bem como a dar aulas particulares para os alunos deste Colégio (na

década de 1950, tornou-se diretor desta instituição.). Em 1939, ingressa na

Faculdade Nacional de Filosofia e conclui o bacharelado de Matemática no ano de

1943. Em 1948, decidiu criar um curso preparatório – o Curso Pré-Normal Jairo

Bezerra. Ele também trabalhou no Colégio Pedro II, Instituto de Educação do Estado

da Guanabara, na Escola de Comando e Estado-Maior da Aeronáutica, no Curso de

Técnica de Ensino do Exército, Colégio Naval, Colégio Pedro II, no Curso

Universidade de Cultura Popular, na Rádio MEC e na Fundação Centro Brasileiro de

Televisão Educativa.

Jairo produziu obras destinadas a Cursos Preparatórios, às séries iniciais e

finais do 1º e 2º graus. Seu livro mais conhecido é o Curso de Matemática para o

primeiro, segundo e terceiro anos dos cursos Clássico e Científico, editado pela

Companhia Editora Nacional que vendeu mais de um milhão de cópias.

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Figura 26: Curso de Matemática para o 1º, 2º e 3º ano dos cursos clássico e

científico.

Exemplar nº 2.912, 1960. Obra sem nº de edição.

Autor de 51 livros publicados, foram diversas as obras que ele escreveu,

dentre elas: Aritmética (1977), Cadernos do MEC Aritmética (1966) e Cadernos MEC

Geometria (1965). Porém, a obra que provavelmente mais se orgulhava era Didática

Especial da Matemática, premiada em 1956 pela Campanha de Aperfeiçoamento e

Difusão do Ensino Secundário – CADES84.

A partir da década de 1960, Manoel Jairo Bezerra participa do Movimento da

Matemática Moderna85 - MMM - e começa a escrever livros relacionados a esta

temática: Recreações e Material Didático de Matemática, destinado ao antigo ensino

84

Disponível em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me002967.pdf. Acesso em: 7 abril 2011. 85

De acordo com Soares (2001, p. 75), as primeiras experimentações da Matemática Moderna no Brasil foram

temas dos primeiros congressos nacionais de ensino de matemática, ocorridos nos anos de 1955 e 1957 e com a

presença de Manoel Jairo Bezerra. Segundo Guimarães (2001, p. 31), o MMM “visava acabar ou reduzir, o

defasamento que existia entre a Matemática dos programas das escolas secundárias e aquela que se estudava na

universidade”

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primário e publicado em 1962; Moderno Curso de Matemática, publicado em 1968, e

Iniciando a Matemática Moderna, de 1969. Sua percepção sobre o MMM era de que

esta renovação educacional teve como objetivo facilitar o ensino e a aprendizagem

da disciplina de Matemática86.

Mas será que Jairo Bezerra teve uma atuação voltada exclusivamente para a

prática docente? Na década de 1950, começa a trabalhar na Rádio MEC, situada no

Rio de Janeiro:

“Comecei a trabalhar na Rádio MEC em 1956. Naquele ano, o professor

Aristóteles de Paula Barros, diretor do Colégio do Ar, do Serviço de Radiodifusão

Educativa, convidou-me para dar aulas de Matemática pelo rádio. Aí, começou uma

das melhores experiências educativas da minha vida. Inicialmente, apresentei um

Curso de Matemática, incluindo a História da Matemática que, como escreveu o

professor Paula Barros, em 10 de julho de 1962, era de elevada audiência, de

excelente motivação e de conteúdo altamente significativo. Ministrei, também, um

Curso de Orientação para professores do Ensino Médio, sob os auspícios da

Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (CADES). E,

finalmente, apresentei pelo rádio aulas de Matemática para o Curso de Artigo 99,

que acredito tenha sido o de maior sucesso, pela grande correspondência recebida

e pelos resultados obtidos nos exames do Artigo 99” (MILANEZ, 2007, p. 148-150).

Mas sua participação não fica restrita a essa experiência. Franci Silveira

Borges87 (2008) afirma que Jairo Bezerra foi um pioneiro da Televisão Educativa. Os

trabalhos deste professor são amplos e se iniciam na década de 1960 com o

Universidade de Cultura Popular – um programa transmitido pela TV Continental e

pela TV Tupi.

Em 1967, Jairo Bezerra, ao lado dos educadores Gilson Amado e Alfredina de

Paiva e Souza, cria a Fundação Centro Brasileiro de Televisão Educativa – um

centro produtor de programas didáticos que viria posteriormente conseguir a outorga

da Televisão Educativa do Governo Federal do Brasil (TVE Brasil).

No início da década de 1970, ele idealiza o Telecurso Supletivo João da Silva

– considerado uma das primeiras telenovelas didáticas do país e laureada com o

Prêmio Especial do Japão (uma espécie de Oscar da Televisão Educativa). João da

86

PROGRAMA SEM CENSURA entrevista com o professor Manoel Jairo Bezerra. Rio de Janeiro: FCBTVE,

[198-?]. 1. videocassete. Documento gentilmente cedido por Alzira Napoleão, sobrinha de Manoel Jairo Bezerra 87

Ex-secretária de Gilson Amado – primeiro presidente da TVE Brasil

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Silva era um projeto de inclusão educacional, com livro didático para

acompanhamento, cujo objetivo foi oferecer certificado de conclusão das séries

iniciais do 1º grau para adultos que não tinham condições de frequentar a rede oficial

de ensino.

Em 1978, Jairo Bezerra coordena o Telecurso Supletivo A Conquista e

também redige o material didático para este projeto – também uma telenovela

educativa, mas com o objetivo de preparar adultos para os cursos supletivos do 1º

Grau.

Nos anos de 1980, ele Coordena o projeto de reativação do canal 32 do Rio

de Janeiro – provavelmente um embrião do que hoje é conhecido como TV Escola.

Embora recipiente de diversos títulos ao longo da vida, dentre eles a de

Chevalier des Arts et des Lettres, a obra de Manoel Jairo Bezerra tem sido objeto de

poucos estudos. Em entrevista realizada no mês de novembro de 2009, eu e

Roberto Zaremba Bezerra, filho de Jairo, comentamos sobre esse assunto: há que

se estudar a vida deste Chevalier devido à sua importância para o mercado editorial

brasileiro, sua influência como professor e formador de professores, bem como sua

participação em projetos de teleducação em uma época de poucos recursos

tecnológicos.

Que esta breve biografia enseje outras pesquisas para que o Brasil e o

Mundo tomem conhecimento da importância de Manoel Jairo Bezerra na sociedade.

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APÊNDICE B - PARA OS AMADORES DE TRANSMISSÃO

POR

J.L.

Ao escrevermos o títulos acima tivemos a sensação de estarmos fallando no

meio de uma praça publica, deserta. Com effeito, no nosso paiz, não há, talvez, meia

dúzia de amadores que se dedique á transmissão. Alguns têm ensaiado a

construcção de uma estação transmissora, dando preferência á telephonia sobre a

telegraphia pela difficuldade da leitura do código Morse ao ouvido, considerando

esta como totalmente desprovida de interesse. Aos futuros amadores de

transmissão, diremos que com meios simples, conquanto cuidadosamente

escolhidos a telegraphia é capaz de realisar prodígios.

A regulação rigorosa de uma estação radio-telegraphica é uma questão

delicada para ser assegurado um rendimento Maximo. Esta regulação póde ser feita

com uma alimentação de placa em corrente alternativa mais ou menos retificada e

filtrada ou mesmo em alternativo bruto. Uma vez a regulação perfeitamente

estabelecida póde-se pensar em fazerradiophonia. Para isso é rigorosamente

continua. Esta não póde se4r fornecida por pilhas nem acumuladores, por

difficuldades praticas. O gerador de corrente continua de alta tensão é um

accessorio caro, frágil e a corrente gerada, na maioria dos casos precisa ser filtrada.

Como ultimo recurso está a rectificação do alternativo.

Á primeira vista, esta rectificação é facilmente realisavel. Transformam-se os

120 volts da rêde em 1000 ou 1500 volts, rectfica-se, filtra-se e só resta fallar deante

do microphone engatado no meio de algum circuito oscillante. Na pratica, a cousa é

bem mais complicada!

Logo que se adopta este processo vê-se que o alcance da estação fica

reduzido em forte porcentagem a medida que se vae aperfeiçoando a rectificação e

a filtragem de alta tensão.

O problema da telephonia é extremamente mais complicado que o da

telegraphia. Para a tepehponia vários problemas se apresentam: rectificação,

filtragem, modulação, todos de solução difficillima. Para a telegraphia basta que o

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posto transmissor convencionalmente manipulado poderá estabelecer uma

communicação. Para telephonar, um barulho qualquer não serve: é preciso dispor de

uma onda supporte tão senoidal quanto possível, que se “modulará” á freqüência da

voz ou musica.

Um principiante transmissor que diz que vae fazer telephonia, está

começando por onde devia acabar, e os seus resultados serão desastrosos si a sua

tenacidade não o fizer desanimar desde o principio.

Assim pois, a transmissão de amador, ainda não nasceu no nosso paiz

porque alguns, não ousando atacar directamente a telephonia, desprezam a

telegraphia, mais modesta, mais simples, despida para elles do mais leve attractivo.

Outros, encarando mais, algumas particularidades de detalhe, do que as

linhas geraes do problema de transmissão, renunciam indefinidamente á montagem

de um transmissor, deante dos obstáculos, por emquanto intransponiveis, creados

pelo governo na concessão de uma licença de irradiação.

Estes obstáculos existem realmente e, não sendo, concedida licença especial,

qualquer estação transmissora será considerada clandestina e como tal sujeita a

apprehensão, além de outros inconvenientes desagradaveis.

Mas tal situação não póde continuar por muito tempo. Tal situação não

continuará por muito tempo. Nosso paiz não póde ficar indifferente ao surto de

progresso que neste, como em muitos outros ramos, se está operando no mundo, O

Brasil será arrastado pelo progresso e para o progresso, independente da sua

vontade de gigante adormecido.

Não ha talvez, dois annos, um simples fio de cobre esticado em cima de um

telhado constituiia para o respectivo morador uma seria ameaça, não só de incêndio

por uma faísca atmospherica, como de prisão e do processo em tribunal de guerra.

Os fiscaes se rivalisavam com as melhores galenas em detectas a

existewncia de uma antena pudicamente escondida atraz de um telhado. Não

poucas vezes um pacato funccionario era mettido no xadrez por ter no seu quintal

um arame de estender roupa.

Passou o tempo. Veio a Exposição e com Ella duas estações

radiotelephonicas: a do corcovado e a da Praia Vermelha. Era novidade: davam-se

audições publicas e por isso, até certo ponto, as autoridades fechavam os olhos

para quem preferisse ouvir em casa os seus concertos. As antenas eram toleradas

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assim como quem tolera a circulação dos automóveis contra a mão, num dia de

festa.

Terminada a Exposição os ratos se recolheriam a seus esconderijos á

approximação do gato. E aí daquelle que deixasse o rabo de fora.

E o progresso venceu. A campanha contra as antenas terminou com a

officialização da excelente estação da Praia Vermelha.

No Brasil as antenas deixaram officialmente de ser surdas. Quando deixarão

de ser mudas? Será preciso esperar o próximo centenário?

(Radio, 15 abr. 1924, p. 35-36)

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APÊNDICE C - MODELOS PARA OBTER LICENÇA DE INSTALLAÇÃO DE UM APPARELHO RECEPTOR RADIO-TELEPHONICO

São estes os termos dos diversos requerimentos que devem,de ser feitos por

todo amador, que queira installar em sua casa, um apparelho receptor

radiotelephonico:

“Exmo. Sr. Ministro da Viação,

F... (nome, nacionalidade, profissão, residência), desejando installar em sua

casa um apparelho receptor de radiotelephonia, vem por meio deste pedir a V. Ex. a

necessária licença.

Junta documentos que provam sua idoneidade e

E. Deferimento,

Rio de Janeiro,... de... de...

(Assignatura)

(Estampilha de 1$000)

Documento de idoneidade – A Radio Sociedade fornece aos seus socios o

attestado de idoneidade exigida.

* * *

“Snr. Director dos Telegraphos.

O abaixo assignado pede a V. Ex. fazer chegar ás mãos do Sr. Ministro,

devidamente informado o requerimento incluso em que solicita licença para

estabelecer um apparelho receptor de radiotelephonia em sua residência.

Junta schema de installação.

E. Deferimento.

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(Data, assignatura e estampilha de 1$000).

* * *

“O abaixo assignado compromette-se a guardar absoluto sigilo de toda a

correspondencia radiotelegraphica que porventura interceptada pelo seu posto de

residencia á rua.... n...

(assignatura sobre estampilha de $600).

Schema da installação radiotelephonica a ser installada na residência de

(nome do requerente) á rua.... n...

(assignatura sobre estampilha de $600).

Certificado de idoneidade.

Folha em branco com estampilha de $600

(Radio, 15 jan. 1924, p. 45)

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APÊNDICE D - O NOSSO ANIVERSÁRIO

O tempo afinal só vale como uma das condições indispensáveis ás nossas

realizações. Por isso mesmo, um dia, um mez, um século, nada exprimem se dentro

desses retalhos das idades um pensamento humano não se concretiza. Quem vive

dormindo soffre o tempo; quem age desperto domina o tempo. Nos, hoje, marcamos

o primeiro anniversario desta revista, nascida de grandes ideaes, trabalhada sempre

com dedicação e honestidade.

Que foi esse anno inteiro? Marca-se aqui um tempo ou avalia-se neste

numero um esforço sincero pelo progresso da cultura de nossa terra?

A questão ficaria sem resposta para nós, não fôra o favor publico,

documentado na aceitação que “Radio” encontrou em todo o Brasil e o prestigio que

no estrangeiro conquistou.

A verdade é que a dedicação posta ao serviço do nosso progranna foi bem

comprehendida.

A opinião culta acompanha o caminho que temos seguido e presta-nos seu

apoio porque reconhece os superiores motivos da acção que aqui desenvolvemos.

Por todos os Estados do Brasil temos hoje amigos, leitores, correspondentes;

encontramos sympathias.

O Commercio e a Industria sentiram bem que lhes cabiam uma funcção

sympathica ajudando a uma iniciativa que, realizada em bem da elevação moral do

paiz, nem por isso deixava de abrir um campo novo e vastíssimo ao

desenvolvimento econômico de todos os que têm interesses pecuniários ligados á

fabricação e á venda de apparelhos indispensáveis á radiocultura.

A maneira por que fomos recebidos no estrangeiro é também para nós, agora

que temos um anno inteiro de intercambio com os collegas de fora, um justo motivo

de alegria. Apenas apparecia neste canto de Mundo – em que verdade os

estrangeiros só conhecem porque tem o Pão de Assucar, o Corcovado e o Carnaval

– “Radio” se ufana de ter podido entrar em permuta com as mais autorizadadas

publicações de T.S.F. do mundo inteiro.

De coração agradecemos a todos os que não regatearam a esta publicação o

seu apoio; nosso reconhecimento vai particularmente ao Commercio, á Industria,

aos leitores, aos colegas.

* * *

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É preciso ter se viajado um pouco para ver como o Brasil está atrazado de

facto, não é só em T.S.F. como em tudo mais.

O verdadeiro patriotismo deve consistir na verdade. A verdade é essa. No

tempo da Monarchia o rei punha no índex quem não repetisse que o “Brasil era o

paiz mais rico do mundo...” Nós republicanos, homens da nossa época, promptos a

dar á Pátria o que Ella de nós exigir, devemos denunciar aquella mentira e abrir os

olhos do nosso povo, dedicado, soffredor, forte, mas enganado a cada passo porque

não sabe nada. A verdade é que o Brasil hoje é um dos paizes mais pobres do

mundo. A verdade é, que, viajando, pelo estrangeiro, fora dos salões em que o bom

tom não permite expansões verazes, o que se ouve de pessoas sinceras e amigos

do Brasil, conhecedores do nosso meio e do mundo, entristece aos bons brasileiros

que reconhecem a justiça do conceito que se faz de nós. Mas o Brasil tem forças e

riquezas capazes de o transformarem em dez annos numa das maoires pátrias da

Terra. Falta-lhe apenas cultura. Ella ha de fazer o povo precaver-se melhor contra a

doença que gera a preguiça, porque o homem são nunca é preguiçoso em qualquer

clima que viva; Ella ha-de impedir que o povo seja explorado pelos egoístas e

exaltados que não comprehendem e não querem comprehender que a violência e a

guerra não resolvem as situações humanas, como se viu ainda agora, de 1914 a

1918: Ella ha-de fazer reagior os bons brasileiros contra os apetites de alguns

desalmados que não exitam explorar o paiz de uma maneira vilipendiosa. Só a

cultura fará reagir o povo contra a doença, contra a pobreza, contra a desordem.

Hoje, mais do que nunca sentimos a grandeza do papel que nos cabe como

força humilde mas sincera no preparo da transformação geral que é preciso seja

feita na educação dos brasileiros.

A Radio Sociedade do Rio de Janeiro, a Sociedade Radio Educadora

Paulista, a Radio Club de Recife, a Radio Sociedade da Bahia, o Radio Club de S.

Paulo, o Radio Club de Curytiba e o Radio Club do Ceará, a Radio Sociedade Rio

Grandense, o Radio Club do Brasil, que se acaba de fundar ao nosso lado, e todos

os outros centros de cultura que se formarem no paiz, dispostos a se entregarem a

nossa obra, elevada e pura, sabendo resistir de todo ponto ás tentações do

mercantilismo grosseiro, todos os que se gruparem para propagar no Brasil a

radiophonia como processo de informação popular, para diffundir a sciencia, a

literatura, a musica, todos os que se agruparem para impedir que a radiotelephonia

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seja empregada no Brasil como uma nova arma para explorar o povo, hão de contar

sempre com o nosso apoio decidido, enérgico e franco.

A confiança no que julgamos ser o caminho para o bem da Patria; o estimulo

da opinião dos que têm autoridade moral para julgar; o amparo das forças legitimas

do paiz, a começar pela autoridade do Governo a quem tanto já deve a Radio

Sociedade; a segurança de que os homens são como o tempo – eis as fontes do

nosso vivier.

Por si mesmos um camponez e um rei nada valem; mas pelas idéas e

realizações de que são capazes um chefe ou um operário passam na cadeia dos

homens como elos fondamentaes e indispensáveis. Os homens são como o tempo

que vae agindo mesmo quando parece que apenas se escoa.

ROQUETTE PINTO

(Radio, 1 out. 1924, p. 7-8)

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APÊNDICE E - PARA QUEM NUNCA OUVIU RADIO

POR

ANNIBAL BOMFIM88

O maior obstáculo ao desenvolvimento da radiomania, entre nós, é a crença

em que a maioria dos leigos está, de que uma installação, das mais simples, para

radio-recepção, ou exige muito trabalho e conhecimento para ser construida pelo

proprio amador. Creio que o leigo, ao ler a descripção de algum dos muitos

processos para improvisar um receptor, pensa, com seus botões: “é muito facil para

você, que já era mechanico ou eletricista...” Esta convicção ainda mais se fortalece

quando assiste a uma conversa entre amadores já num estado mais adiantado da

moléstia, é só ouve elogios a circuitos mais ou menos complicados: regenerativos,

autodyne, autoplex, etc... acompanhados de uma expressão de supremo desprezo

pelo pobre detector de galena, barato e seguro...

Tinha razão quem creou a expressão”radiomania” e na defino como uma

fórma especial de loucura inoffensiva. Esqueceu, porém, de salientar o quanto é

agradavel sentir-se os symptomas da evolução desta moléstia.... Para sentil-os

todos, é necessario começar pelo principio: ouvir primeiro com uma installação das

mais simples de galena; melhorar depois a audição na própria galena, e só então

passar para a valvula com todas as suas possibilidades – alto-falante, regenerativo e

audição a grandes distancias...

Já não tem razão de ser a crença de que uma installação receptora completa,

seja uma coisa cara, porque qualquer das casas que hoje negociam em artigos de

radio tem diversos typos de pequenas estações receptoras, já construidas aqui,

especialmente adaptadas á recepção das irradiações da estação da Praia Vermelha,

e cujo custo, completo, varia entre cem e duzentos mil réis. Para as pessoas

desprovidas de habilidade ou de interesse para trabalhos de construcção mechanica

é mais aconselhável a aquisição de um receptor de construção industrial porque

88

O artigo contém foto do minúsculo receptor radiotelefônico: produzido em uma caixa de fósforos de segurança

da marca FIATLUX.

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quando se agravar a moléstia, ser-lhe-á muito mais fácil vender o primitivo

apparelho.

Qualquer pessôa poderá gozar as delicias da radio audição, sem maior

esforço ou estudo, com muito pequena despeza, si seguir estas pequenas

indicações:

Ha diariamente três irradiações feitas pela estação radiotelegraphica da Praia

Vermelha, ás 2, 4 e 6 horas da tarde. Aconselho aos candidatos que vão ás casas

fornecedoras de apparelhos a taes horas e exijam uma pequena experiência e

explicação do funcionamento do apparelho escolhido.

Aconselho especialmente aos candidatos que não tentem fazer elles próprios

a montagem de uma antenna, a menos que não tenham certeza absoluta como tal

serviço deve ser feito, porque ha muitos detalhes, insignifdicantes em apparencia,

que podem tornar uma antenna completamente imprestavel. A ligação de terra

também é de grande importância e muitos dos livros e artigos que tratam do

assumpto indicam como boa tomada de terra uma bica de agua, sem insistir no facto

de qua a bica precisa ter água e deve estar ligada a um encanamento subterraneo,

Espero que estas rapidas noções ajudem alguns dos nossos leitores a

perderem o medo e tentarem a radio-recepção, porque tenho certeza de que em

radio tentar é gostar.

(Radio, 15 fev. 1924, p. 40)

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APÊNDICE F - A T.S.F A SERVIÇO DA HYGIENE

“Da necessida do exame medico antes do casamento”

PELO

DR. THEOPHILO DE ALMEIDA

Conferencia feita pelo serviço da Secção de Propaganda e Educação do D.N.S.P.,

irradiada em 10 de abril de 1924 pela Estação da Praia Vermelha

Quando, em Julho, do anno passado o professor Eduardo Rabello realizou na

Faculdade de Medicina de Paris, sob os auspicios da Sociedade Franceza de

Prophylaxia Sanitaria e Moral, a sua notavel conferencia sobre a organização dos

serviços de Lepra e Doenças Venereas em nosso paiz, dando noticia dos primeiros

fructos desss importantes serviços de Saude Publica sob a sua direcção, o velho

professor Jeanselme, gloria da medicina franceza, de celebridade mundial, que

presidia a sessão, felicitou calorosamente o ilustre conferencista pela obra grandiosa

em que está empenhando o Brasil, secundando assim os applausos do selecto e

numeroso auditório ali presente, composto dos mais illustres representantes da

medicina de todos os paizes que, naquelle momento, compareceram ás festas

commemorativas do Centenario de Pasteur.

Não poude o professor Janselme occultar a sua surpresa, ao verificar, pela

minuciosa exposição do professor Rabello, que assumptos de tamanha importancia

medico-social, por sua natureza julgados até hoje dos mais delicados deante dos

melindres di velho preconceito, eram aqui entre nós tratado com certa liberdade e

com uma publicidade ainda não permitida no seio dos povos de maior progresso

social e da mais avançada civilização.

Surpreendeu, com effeito, ao professor Jeanselme que se pudesse no Brasil

fazer a campanha das doenças ditas vergonhosas por meio de instrucções e

conselhos, cartazes e conferencias publicas e até pela imprensa diaria, quer dos

Estados, quer da própria capital do paiz.

Finalmente, para melhor frizar a boa impressão causada pela nova

organização sanitária e a sua admiração pelos progressos do nosso povo neste

particular, concluiu o professor Jeanselme, textualmente, “fazendo votos para que a

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França em futuro proximo seja dotada de instituições prophpylaticas tão bem

organizadas quanto as nossas.”

Esta citação quer apenas salientar mais uma vez o dom natural, a

predisposição innata, já asignalada por outros illustres observadores estrangeiros,

que é uma virtude da nossa raça e que devemos cultivar e desenvolver, qualidade

esta que ainda constitue ideal inattingivel para maior parte dos povos cultos, sinão

para todos elles.

Dia virá, e para nós não está longe, em que não mais serão considerados

assumptos secretos aquelles, sejam quaes forem, de que dependa a saude do

individuo, o bem estar presente ou futuro da família, o interesse, enfim, da

collectividade e das patrias.

Então, não mais se fallará em “doenças vergonhosas”, não existirá este falso

pudor, injustificavel preconceito filho da hypocrisia humana e, neste caso, a peior,

das mais prejudiciaes de todas as hypocrisias...

A radiotelephonia, miraculosa descoberta da sciencia em que ora ensaiamos,

entre os pioneiros, este curso popular a serviço da Secção de Educação e

Propaganda, graças a iniciativa do Departamento Nacional de Saude Publica, muito

poderá fazer para apressar essa evolução tão anciosamente esperada pelos

hygienistas de todos os paizes cultos.

Este maravilhoso invento, permittindo, desta sorte, levar directamente ao

próprio seio das familias, ao mais intimo recolhimento dos lares, a instrucção

sanitaria, a boa nova da Hygiene, a bem da conservação e da melhoria da saude do

povo, - a radiotelephonia facilitará a diffusão dos preceitos medicos e propylaticos,

sem constrangimentos, tanto para quem os transmite, como para aquelles que os

escutam; sem maior trabalho, confortavelmente para todos, ella resolverá alguns dos

mais delicados problemas de medicina social, qual o combate a esses velhos e

injustificaveis preconceitos com relação a certas molestias tidas ainda hoje como

vergonhosas ou deprimentes.

Este engenhoso processo de propaganda sanitaria, melhor do que qualquer

outro, está apto para fixar na opinião publica a concicção salutar de que em face

dos modernos progressos scientificos, as doenças ditas vergonhosas, a syphilis, por

exemplo, tambem chamada lues ou avaria, não mais póde, nem deve guardar o seu

primitivo caracter de doença vexatoria ou humilhante, labéo este que já a

acompanha através de cinco longos séculos de injustificavel recato.

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A sciencia lhe desvendou os mysterios, desde a causa especifica do mal – o

micróbio, o treponema, até ao tratamento efficaz, que, quando não cura

radicalmente, sempre attenuará e evitará as suas desastrosas consequencias.

Doença insidiosa e minaz, a syphilis soffre no momenot em todos os paizes

cultos uma lucta systematica, que visa, não só a preservação da saude individual,

como a defesa da prole e do próprio patrimônio das raças.

Confiada entre nós a este modelar organização sanitaria, a que vimos

alludindo, amparada como complemento necessário, por outra generosa instituição

que a moderna orientação da campanha antivenérea vem exigindo, entretanto, um

trabalho de preparação, de educação prévia, afim de afastar e destruir desde logo,

qualquer impecilho ou obstaculo que possa impedir que se tenha, á vista, o inimigo,

e que não permitte, por conseguinte, o seu combate directo.

Além da natural ignorância, há que remover, desde o principio, essa velha e

perigosa trincheira do preconceito, da hypocrisia, do falso pudor, que tanto vem

prejudicando o bom exito desta campanha.

Preconceito prejudicial e injustificavel!

Poder-se-á, por acaso, considerar vergonhosa uma doença de que é victima a

creança innocente, a qual ao nascer já traz no sangue a herança funesta e

immerecida, o que, aliás, se verifica vi de regra como um fructo prematuro, que só

por excepção chega a um termo feliz; ou que, attingindo a maturação ainda mais

raramente consegue nascer, com a primeira amamentação, recebendo no seio da

ama infectada, em vez do alimento que é vida, o soffrimento – que muita vez

antecede ou conduz á morte?

E aquella pobre criancinha, victima do descuido ou da ignorância alheia, que,

com um beijo de carinho, beijo inconsciente ou criminoso, recebeu no rosto ou no

lábio a infecção rebelde ou fatal, qual a sua culpa?

Será, talvez, vexatoria a desdita da moça, confiante ou inexperiente, que no

circulo da sua própria família, no convivio amistoso das suas companheiras, foi

tambem victima do mesmo osculo carinhoso de irmãos ou parentes, ou através do

beijo de amizde, esse beijo snob fementido, antihygienico, condemnavel, que a cada

passo presenciamos no meio social, entre senhoras e moças, requinte indispensavel

da civilização, mas optimo vehiculo para a transmissão de tantos males

contagiosos?

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E aquella outra que logo após o casamento já soffre as consequencias da

ignorância ou do criminoso descuido de seu marido, será também culpada?

E essa heroina de caridade e martyr do seu santificado heroismo, mãe

sublime até na sua ignorancia e na sua incosnciencia, que pela amamentação

contrahe o morbo contagioso, transmitte-o ás vezes inconscientemente ao seu

proprio filho, e tudo faz e a todos riscos se sujeita para salvar da morte – pela fome e

pela doença hereditária o misrero recemnascido, a quem falta o leite materno ou

cuja mãe já não exise, ella, a primeira victima e victimadora do mesmo mal?

Clama contra esse preconceito impróprio e damnoso de doença vergonhosa,

toda a longa, interminável série da chamada syphilis, dos innocentes, syphilis

immerecida, lues insontium, ahi comrehendidas as infecções luéticas adquiridas por

meio de objectos e instrumentos de uso diario ou communs a varias pessoas, os

casos de syphilis dita “profissional”, de que são victimas os medicos, as parteiras,

dentistas, manicuras e barbeiros, e tantos outros profissionaes e artífices, que no

exercicio de sua honesta profissão adquirem e transmitem a affecção contagiante,

seja ella ignorada ou dolosamente occulta?

Por que se haveria de considerar uma nodoa humilhante a syphilis hereditaria

e toda a sua dolorosa consequencia, que atravessa até segunda e terceira geração,

responsavel pela maioria dos abortos, por enorme cifra na morti-natalidade, por essa

verdadeira hecatombe que as estatiticas registram para a primeira infancia, além da

multidão de defeituosos e incapazes de toda sorte, no physico e no moral,

degenerados metaes de todos os typos clínicos, infortúnio dos lares, ruina muita vez

de toda uma familia, ameaça, quiçá, do proprio futuro da raça?

Nem, tampouco, merecerá esse estigma ignominioso a moça ingênua e

ignorante, victima da seducção, e duplamente victima; nem o jovem adolescente,

que como opina o Dr. Ravault, no ardor da mocidade, inadivertido dos perigos, mal

conduzido na sua inexperiencia, não soube ou não poude evitar o inimigo imprevisto

e traiçoeiro.

“Como defender-se contra uma afecção accerca da qual não se estava

previnido?” – exclama ainda ha pouco o professor Rux, o notavel discípulo e o

continuador da obra gloriosa de Pasteur.

E continúa, indo mais longe, o mesmo sabio Director do Instituto Pasteur de

Paris: “Um preconceito que se procura destruir considera vergonhosas certas

doenças que muitas vezes deveriam ser chamadas – doenças dos innocentes, tão

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grande é o numero de mulheres e de crianças que, sem as merecer, são por ellas

accommettidas.”

Em face dos progressos da sciencia medica, diante do apparelhamento

moderno e efficaz de que já dispomos no Brasil para combate e prophylaxia de taes

males, desde a instrucção até ao tratamento gratuito – vergonhoso será d’ora avante

occultar esses males; vergonhoso será não evital-os; vergonhoso não tratal-os

convenientemente, quando hoje em dia a therapeutica especifica já previne com

segurança as suas más consequencias e já provê até mesmo a cura radical de taes

doenças.

Porém, muito mais do que vergonha, será um crime construir uma familia

sobre uma base tão perigosa, tão prejudicial e de tão desastroso futuro!

De tudo que vimos dizendo, de todo esse quadro que acabamos de pintar

com côres e traços que estão, aliás, muito aquém da realidade verificavel, e já

sobejamente comprovada pelos dados estatisticos e pela observação, se conclue,

necessariamente, que só a syphilis, os seus perigos e os seus estragos, sobretudo

os perigos da lues ignorada, dessa syphilis dos innocentes de qua fallamos ha

pouco com longa e farta exemplificação, - a syphilis, só por si, justificaria plenamente

a exigencia do exame medico systematico antes do casamento.

O attestado de saude prenupcial, tanto para o noivo, quanto para a noiva, já

deveria, portanto figurar na moderna legislação civil como condição indispensavel

para a realização do matrimonio.

Esse attestado, baseado não sómente em exames clínicos, como tambem

nas provas de laboratório, sob a direcção do medico da familia ou do especialista de

confiança da mesma, evitará dissabores e desillusões futuras e muito fará para a

felicidade e para a paz do novo lar.

Demais, é mister que se diga desde já que a infecção syphilitica não impete,

regra geral, a effectivação do casamento, apenas poderá adial-o por algum tempo,

retardando-o a criterio do medico ou de acordo com o parecer do especialista,

únicos juízes nesse importante assumpto, aliás juizes benévolos, mais

condescendentes do que severos...

Não ha, portanto, que temer o resultado do exame pré-nupcial, pois poucos,

raríssimos, são os casos de impedimento definitivo ou irremediavel.

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Mas, convém que tambem se saiba desde já que não é só a syphilis, a lues,

seja de que origem for, e as outras doenças venéreas, que constituem

contraindicação, causa ou motivo para a interdição do casamento.

Outras doenças infecto-contagiosaso existem, e entre estas a lepra e a

tuberculose, que, embora não sejam transmissiveis pela herança, já pela sua

natureza infecciosa são incompativeis com a almejada felicidade do lar.

Ha ainda que ter em conta as lesões cardíacas que, de accôrdo com o criterio

do clinico, não impedem o casamento, mas em geral contraindicam a concepção e a

gravidez.

Si um dos candidatos já foi epiléptico ou demente ou si ha na familia vestigios

desses males, a permissão será dada com especiaes reservas, mas raramente será

negada.

Ainda ha que citar os defeitos physicos, incluídos os vícios de conformação

que em casos especiaes terão de merecer a attenção do medico da familia ou do

especialista que tiver de attestar a saude dos nubentes.

O novo Codigo Civil Brasileiro, dando um passo feliz para a realização do

ideal desejado, já prevê sobre a questão da idade, cujo minimo foi elevado, muito

judiciosamente, a 16 annos para a moça e 18 annos para o rapaz; já o nosso Codigo

prohibe, tambem, o casamento entre parentes até o terceiro grão civil e para os

incapazes, loucos e dementes.

Emquanto não constitue uma obrigação legal o atestado negativo para todos

os demais casos de impedimento que acabamos de apontar, cumpre a iniciativa

particular apural-os toda vez que a opportunidade o exigir, pois o exame medico

antenupcial representa, como se vê, uma necessidade imprescindivel e uma garantia

de um valor inestimável.

Um tal attestado, apresentado espontaneamente, quando negatigo, para

todos os citados impedimentos é, sem duvida, na hora actual, a mais honesta

demonstração de affecto, a mais sincera promessa de amor, o mais precioso, o mais

digno, o mais nobre presente de noivado.

E assim se cumprirá o preceito biblico do livro do Genesis, no versiculo vinte

e oito, que diz haver Deuas creado o homem á sua imagem, homem e mulher, e

depois os abençoou com estas palavras:

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“Crescei e multiplicai-vos e enchei a terra, e sujeitae-a, e dominae sobre os

peixes do mar, e sobre as aves do CEO, e sobre todos animaes que se movem

sobre a terra”

A idéia de dominio, que o verbo divino ahi infundiu nesse mandamento e com

que se fez do homem o verdadeiro rei da creação, está a indicar, só por si, que o

Creador não ordenou a multiplicação dos fracos, dos incapazes, dos infelizes, enfim,

mas: “Crescei e multiplicai-vos” – fortes, sadios e felizes, porquanto só assim o

homem poderia encher e dominar, pela inteligencia e pela força, toda a terra creada

e toda a creação.

(Radio, 1 jun. 1924, p. 29-32)

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APÊNDICE G - PUBLIC ADDRESS

Do Sr. Jeronymo Borges (Araraquara), recebemos cópia das seguintes

communicações, feitas por elle ao director do Studio do largo do Machado, da

Repartição geral dos Telegraphos:

“Araraquara, 4 de Junho de 1924.

Ilmo Sr. Dr. Elba Dias, M.D. director do Studio do largo do Machado, da

Repartição Geral dos Telegraphos – Rio de Janeiro.

Tenho o prazer de communicar a V.S. que ouvi aqui, com bastante nitidez, as

irradiações do Instituto Nacional de Musica, realizadas nos dias 30 e 31 de maio

ultimo.

Como pediram que se comparasse as duas irradiações, communco-lhe que, a

meu ver, a de 31 esteve um pouco melhor modulada.

Creio que não ha erro nesta informação, pois na noite de 31 havia um pouco

mais de estaticos e portanto a audição devia estar peior, o que não aconceteu.

As experiencias que a Praia Vermelha fez nos dias 2 e 3 do corrente,

dirigindo-se a Bello Horizonte, foram tambem aqui apanhadas: dessas duas

irradiações não perdemos nenhuma palavra, as quaes foram recebidas em alto-

fallante duante todo o tempo de irradiação por meio de um aparelho Radiostandard

(uma alta frequencia, uma detectora e duas de baixa frequencia). Como aconteceu

com a Praia Vermelha, não ouvimos Bello Horizonte no dia 2. No dia 3, a Praia

Vermelha communicou que estava ouvindo bem Bello Horizonte. Aqui aconteceu a

mesma cousa: ouvimos a estação da capital de Minas com 2/3 de intensidade da

Praia Vermelha, tambem sem perder palavra (salvo um momeno em que apareceu o

fading) por meio do alto-fallante.

Sempre que houver novidade, communical-a-ei, pedindo a V.S. que me

desculpe os momentos que lhe roubo com taes informações

Attenciosas saudações – Jeronymo Borges”

______

“Araraquara, 4 de Junho de 1924.

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Ilmo Sr. Director da estação radiotelephonica da Repartição Geral dos

Telegraphos – Bello Horizonte.

Ouvi hontem as irradiações experimentaes dessa estação, com apparelho

Radiostandard (uma alta frequencia, uma detectora e duas de baixa frequencia). A

audição foi appanhada em alto-fallante, sem perda de nenhuma palavra, salvo num

momento em que appareceu o fading. Ouvi a conversa, em inglez, dirigida ao Dr.

Jones, de S. Paulo. Ouvi chamar Arpoador, Praia Vermelha e Dr. Cezario. Como a

Praia Vermelha também estava funccionando, pude fazer a comparação: a

irradiação dahi chegava aqui com 2/3 da intensidade daquella estação do Rio.

A Praia Vermelha, no dia 2, não conseguiu ouvir Bello Horizonte, conforme

ella informou para ahi, radiotelephonicamente. Aqui aconteceu a mesma cousa.

Acima fallei que não perdi nenhuma palavra da irradiação de hontem, salvo

no momento do fading. Não é verdade: perdi algumas, mas isso aconteceu por

causa do numeroso auditorio que aqui assistiu a essas experiencias e que, com os

seus apartes, fazia com que uma ou outra palavra não fosse ouvida; isso, porém,

como é claro, não era devido á má irradiação dahi.

A interferencia de que hontem se queixou a Praia Vermelha (experiencias da

Radio Sociedade e de uma estação de S. Paulo) aqui não appareceu.

Pôde-se, pois, affirmar, que a irradiação hontem ahi feita esteve bastante

satisfatoria. Presto estas informações attendendo ao pedido de hontem feito.

De V.S. – Jeronymo Borges”

Do Sr. Livio Moreira (Curityba), recebemos tambem a seguinte

informação sobre os resultados obtidos por S.S., com um apparelho super-

hetorodyno de sua construcção durante a segunda quinzena de maio proximo

passado:

“Curityba, 1 de Junho de 1924.

Ensaios de intercomunicação Pan-Americana

Dia 19 – Foi impossivel qualquer recepção devido a violento temporal que

cahiu sobre esta cidade.

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Dia 20 – Continuou máo tempo. Fortes descargas. Ás 23,30 apparece CB 8,

que transmite seguintes telegrammas muito repetidos: Master Reinartz. Argentine

amateurs extend greeting to their nothern brothers – Sig. Braggio. Please forward to

nearest associated press office – La Nación from Buenos Aires sends greetings to

Associated Press – Revista Telegrafica from Buenos Aires sends greeting to

ARRL.23,50: Estação FB, Uruguay, que transmitte: Acknoledge receipt to

telegraphique address Radiozabal Montevideo. 0,10: Estação fraca UB: Percebo

palavras Lacombe Radio Sociedade. Percebem-se innumeras emissões. Impossivel

identificar devido descargas.

Dia 21 – 23 horas. Mesmas estações véspera. 1h,15. Apparece CAF:

assignado Falky. Ás 2,10 percebo 1XZ, que dizia “America test to GO 1 KM ou 1

XZ”. Abandonei o phone fatigado.

Dia 22 – Mesmas estações dia anterior e mais TEZ 249. Depois das 2 horas

percebo chamados de 1XAM e 1BIE, mas não consigo identificar procedencias.

Abandono phone 2,30.

Dia 23 – 23,30. Apparece FZT (?), não consigo ler mais nada. Signaes

péssimos. Em seguida 8’VO, que assigna Alpha. 2h,30 abandono phone.

Dia 24 – 23,35 Surge estação 492, L45, IG, ambas chamando ABRL.

Abandono os phones ás 2 horas

(Radio, 15 jun. 1924, p. 40-42)

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APÊNDICE H - SECÇÃO OFFICIAL RADIO SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO

Principaes topicos do relatorio apresentado na data comemorativa do 3º anniversario

desta instituição pelo seu presidente prof. Henrique Morize

Meus senhores,

A Radio Sociedade do Rio de Janeiro começa a viver o seu 4º anno de

existencia. Quando resolvemos unir esforços para crear este grande centro de

cultura intellectual e moral, digno da nossa Terra e dos nossos grandes ideaes

patrioticos, convidamos com o amparo da opinião publica e com a bôa vontade dos

responsaveis pelos destinos da Republica; esperavamos realizar algo de util ao

nosso Povo.

Cada anno que se passa vae, felizmente, confirmando o bem fundado das

nossas previsões, e sanccionao o desdobrar da nossa actividade. O governo da

Republica têm prestigiado a Radio Sociedade com toda sympathia; a opinião publica

vae cada vez mais cercando de respeito e de estima a nossa grande construcção. O

povo do Brasil comprehendeu que a Radio Sociedade foi feita para elle; que ella

quer e precisa viver como nasceu; servindo sempre desinteressadamente ao futuro

da Patria! Hoje é o dia de affirmar a todos, em nome de Directoria da Radio

Sociedade, os nossos agradecimentos profundos. A realidade victoriosa que ahi

está, é filha da confiança collectiva num grande e puro ideal. No anno que se

passou, repitamos mais uma vez, meus amigos, com modestia mas tambem com

firmeza, a Radio Sociedade cumpriu com denodo o seu destino.

----

No dia 3 de maio, no momento em que o Congresso Nacional tomava

conhecimento da mensagem de S. Ex. o sr. presidente da Republica, dr. Arthur

Bernardes, a Radio Sociedade do Rio de Janeiro tinha opportunidade de prestar ao

paiz o grande serviço de tornar conhecido o importante documento por todo o

territorio nacional.

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Tambem, da Mesa que presidiu a Convenção Nacional reunida no edificio do

Senado Federal, sob a presidencia do sr. vice-presidente da Republica, dr. Estacio

Coimbra, mereceu a Radio Sociedade a distincção de dar aos brasileiros, de

primeira mão, á meia-noite, no dia 12 de setembro, a noticia dos resultados que

tanto interessavam a opinião publica.,

Do sr. dr. Washington Luiz, hoje, presidente eleito da Republica, recebemos

tambem permissão especial para transmitir o seu discurso pronunciado na noite de

28 de desembro nesta capital, que todo o paiz anciava conhecer.

Em nosso archivo existem cartas de longinquas cidades agradecendo a

transmissão da mensagem do sr. dr. Arthur Bernardes, e do discurso do sr. dr.

Washington Luis.

Pudemos divulgar no Brasil, no mesmo dia em que era pronunciado nos

Estados Unidos, o discurso do presidente Coolidge, graças á gentileza de S. Ex. o

embaixador E. Morgan, que tem frequentemente honrado as nossas transmissões e

que compareceu pessoalmente para irradiar a formosa allocução do presidente dos

Estados Unidos no “thakns Civing Day” em 25 de novembro.

Honraram-nos tambem, utilizando-se do nosso microphone para se

congratular com seus patricios residentes no Brasil, nas datas nacionaes das suas

respectivas patrias, SS Evs. os srs. Alexandre Contry, embaixador da França; E.

Morgani, embaixador dos Estados Unidos; Max Grille, ministro da Colombia; Victor M

Mantua, C. von Repard, ministro da Hollanda; J. Ranes, ministro da Suecia; Manuel

Sianchi, encarregado de Negocios do Chile; Vlastimil Kybal, ministro da

Tchecoslovaquia; G. C. Montagna, embaixador da Italia.

----

No anno passado a Radio Sociedade teve a honra de receber entre asaltas

autoridades da Republica a visita de S. Ex. o sr. dr. Fernando de Mello Vianna, vice-

presidente eleito da Republica, presidente do Estado de Minas, que applaudindo o

nosso programma, requintou, na sua gentileza, deixando-nos um valioso donativo.

Do sr. dr. Francisco Sá, Ministro da Viação, e presidente honorario da Radio

Sociedade, recebemos decisivo auxilio que nos permittiu transmitir as operas lyricas

cantadas nesta cidade.

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Ao sr. prefeito do Districto Federal, dr. Alaor Prata, devemos igualmente

apresentar os nossos agradecimentos pelas facilidades que nos tem concedido.

Os srs. Drs. Miguel Calmon, ministro da Agricultura, e Annibal Freire, ministro

da Fazenda, tem dispensado igualmente á Radio Sociedade provas de honrosa

sympathia.

É com grande prazer que recordamos aqui as provas de inequivoca

sympathia que nos tem dado o sr. Paulo Gomide, dedicado director Geral dos

Telegraphos.

Tambem o sr. prof. dr. Rocha Vaz, director do Departamento Nacional do

Ensino, apreciando devidamente os esforços da Radio Sociedade pela instreucção

publica deu a esta instituição uma significativa prova de apreço, e não devemos

esquecer que de S. Ex. sr. Bispo de Botucatú recebemos um telegramma

abençoando nossos esforços.

----

Nos livros de visitantes illustres da Radio Sociedade, deixaram seus nomes

no anno passado, o sr. general Candido Marianno da Silva Rondon, director

honorario desta Instituição, e mais os nossos distinctos amigos, além dos srs.

Embaixadores e ministros já citados, srs. Prof. Albert Einstein; senador Sampaio

Correia; Godofredo Vianna, governador do Maranhão; J. Magalhães de Almeida,

governador eleito do Maranhão; ministro Felix Pacheco; escriptora Lina Hirsch; prof.

Paul Janet, do Instituto Franco-Brasileiro de Alta Cultura; o Orfeão Academico de

Lisbôa; srta. Bidu Sayão; Enrique Legrand, presidente do Radio Club do Uruguay;

Salvador Conceição, secretario das Finanças do Estado do Rio; prof. Schenomi e sr.

Caron, membros da Delegação Paraguaya ao Congresso de Estradas de Buenos

Aires.

Falando das visitas da Radio Sociedade, não é possivel deixar de relembrar

as palavras do illustre prof. Albert Einstein, proferidas em nosso “studio”, em 7 de

maio:

“Após minha visita a esta Radio Sociedade, não posso deixar de mais uma

vez admirar os esplendidos resultados a que chegou a Sciencia aliada á Technica,

permittindo aos que vivem isolados os melhores frutos da civilização...

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É verdade que o livro tambem poderia fazer e o tem feito; mas não com a

simplicidade e a segurança de uma exposição cuidada e ouvida de viva voz. O livro

tem de ser escolhido pelo leitor, o que por vezes traz difficuldades.

Na cultura levada pela Radiotelephonia, desde que sejam pessoas

autorizadas as que se encarreguem das divulgações, quem ouve, recebe além de

uma escolha judiciosa, opiniões pessoaes e commentarios que aplainam os

caminhos e facilitam a comprehensão: esta é a grande obra da Radio Sociedade”

----

Com grande alegria cabe-me lembrar que o programma fundamental desta

instituição quer dizer, applicar o Radio na instrucção e educação publicas, vae

encontrando éco em todo o paiz. Os amigos que costumam seguir as nossas

irradiações têm acompanhado com sympathia o grande appello fraterno que

fazemos a todos os nossos irmãos.

----

Entre as notaveis transmissões realizadas no anno passado não devemos

esquecer a de “Il Neo”, ainda inédita e que o illustre maestro Henrique Oswald

permittiu fosse divulgada pela Radio Sociedade.

A notavel artista srta. Bidu Sayão devemos como prova de especial sympathia

o recital com que honrou o “studio” da Radio Sociedade, que tambem recebeu a

visita do Orfeon Academico de Lisbôa. Devemos hoje uma palavra de

agradecimento ás duas notaveis artistas D. Heloisa Mastrangioli e Marietta Bezerra

que desde os primeiros dias da vida desta sociedade prestigiam os nossos

programmas.

Todos os que fazem justiça á directoria da Radio Sociedade Reconhecem que

os programmas musicaes transmittidos de seu “studio” procuram obedecer a uma

finalidade educativa. É certo que muitas vezes há quem reclame a falta relativa da

chamada “musica leve”, que, tambem muitas vezes merece mal o tempo empregado

por um artista em executal-a. Foi em parte para transigir com esses nossos amigos

que, depois de repetidas solicitações, nos vimos forçados a consentir na sua

transmissão, contra a Sociedade. Reservamos, como todos sabem, essa

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transmissão para os Spplementos Musicaes dos nossos jornaes do Meio Dia, da

Tarde, e na da Noite. “Jornal falado” abrangendo como um verdadeiro diario,

paginas literarias, agronomica, sportiva, feminina, domestica, infantil, foi uma das

iniciativas mais appreciadas que se desenvolveram no anno que hoje finda.

Está entregue o “Jornal do Meio Dia”, á dedicação do sr. Amador Cysneiros.

Como presidente da nossa Commissão de Broadcasting, continúa o prof. dr.

Dulcidio Pereira. Dirige a organização dos nossos programmas o prof. dr. Mario

Saraiva. Como director artistico da Radio Sociedade, temos um artista de talento,

professor do Instituto Nacional de Musica, que é o maestro Luciano Gallet.

----

Tenho real prazer em lembrar aos socios da Radio Sociedade, que no correr

do anno passado conseguimos desenvolver a parte propriamente instructiva das

nossas irradiações como convinha. Assim, podemos inaugurar os cursos de francez,

intregue á srta. Maria Velloso; portuguez, ao sr. Odilon Portinho; Historia do Brasil,

aos srs. João Ribeiro e Marcos Baptista dos Santos; Hygiene, ao dr. Sebastião

Barroso; e sivicultura ao sr. Alberto José de Sampaio; todos illustres professores que

se vieram juntar aos não menos competentes profs. Luiz Eugenio de Moraes Costa,

de inglez; Mario Saraiva e Custodio José da Silva, de Chimica; Mello Leitão, de

Historia Natural; e Francisco Venancio Filho, de Physica, prestando-nos seu apoio

valioso.

Na lista dos nossos oradores que aqui se fizeram ouvir, lembramos os srs.

prof. Fernando Magalhães, prof. Alberto José de Sampaio, D. Maria Eugenia Celso,

D. Rosalina Cuelho Lisbôa, prof. Ignacio do Amaral, prof. Faustino Espozel, sr.

Othon Leonardos, dr. Alberto Costa, prof. Adalberto Menezes de Oliveira, D. Lina

Hirsch, Vicente Licinio Cardoso, Navarro de Andrade, srta. Bertha Lutz, Alfredo Ellis

Filho, Alvaro Moreyra, prof. Fernandes Figueira, prof. Henrique, sra. Laurita Pessôa

Raja Gabaglia, Liga Brasileira de Hygiene Mental, Alano Leon da Silveira, prof. F.

Labouriou, prof. Mauricio .

O “Quarto de Hora Infantil” teve dias notaveis quando o illustre prof. João

Kepke fez executar algumas peças do seu interessante Theatro Infantil. A srta. Maria

Elisa dos Santos Reis tem sido uma das mais dedicadas amigas da Radio

Sociedade no quarto de hora dedicado ás crianças.

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O archivo da Radio Sociedade acha-se hoje inteiramente organizado e

contém mais de dez mil documentos, alguns do maior valor para a historia do Radio

no Brasil. Sua consulta é facilmente accessivel a qualquer dos nossos presados

consorcios.

A Bibliotheca da Radio Sociedade conta hoje cerca de 800 volumes, todos

catalogados em fichas proprias, e a Sala de Leitura mantém sempre as mais

interessantes publicações periodicas de T.S.F. e de sciencia em geral.

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Reunidos em commição alguns dos seus membros srs. Carlos Lacombe, J.

Jonotskoff, Victoriano Borges, projectaram uma possante estação de onda curta com

a qual o Observatorio Nacional fará transmissões de signaes horarios.

Esse transmissor, cuja planta foi desenhada pelo engenheiro Lacombe,

dispondo de 1 kw, em onbda curta, é de esperar um grande alcance , mesmo

quando utilisado em telephonia.

No Laboratorio da Radio Sociedade, para instrucção dos moços que seguem

os nossos cursos de radiotelephonia, principalmente dos Escoteiros, acham-se

funccionando um transmissor radiotelegraphico cujo prefixo foi marcado pela

Repartição Geral dos Telegraphos, provisoriamentente SQIX, e um pequeno

transmissor radiotelephonico de 10 watts, posto á disposição da Radio Sociedade

por um dedicado consocio que modestamente não deseja apparecer. A estação

SQIX é dirigida pelo nosso consocio Alberto Regis Conteville.

O sr. Jonotiskoff, nosso bom amigo, precisou deixar as suas funcções de

Consultor Technico, chamado a um alto cargo na Companhia Radiotelegrapica

Brasileira, em Sepetiba; actualmente attende ás consultas dos nossos consocios, o

Engenheiro Victoriano Augusto Borges, que é também encarregado do Curso de

T.S.F. e instructor dos Escoteiros.

No dia 6 de março ultimo, na séde da Radio Sociedade, realizou a sua sessão

inaugural, a Associação Brasileira dos Radio Amadores, cuja presidencia foi

entregue ao nosso bom companheiro de Directoria, Democrito Seabra. É uma

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instituição independente, puramente technica, á qual devemos agradecer a delicada

homenagem que resolveu prestar desde logo á Radio Sociedade, deliberando que

em sua séde fossem desde logo collocados os retratos dos srs Henrique Morize,

Tacito de Moraes Rêgo e Roquette Pinto.

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De um modo geral, a directoria da Radio Sociedade tem deixado á iniciativa

de seus amigos e consocios, a propaganda no sentido de angariar novos

companheiros. Felizmente a pratica tem demonstrado que a nossa conducta foi bem

inspirada, e a renda das mensalidades dos nossos socios que no anno anterior

havia sido de cerca de quarenta contos, foi no anno passado cerca de setenta.

Todo esse progresso deve ser levado á conta do enthusiasmo com que os

nossos socios se encarregam da propaganda da Radio Sociedade e da boa vontade

que encontraram entre os nossos amigos que, recebendo as nossas transmissões,

ainda não se tinham lembrado de que ellas nos custam uma somma respeitavel e

que só podemos manter os nossos serviços com a boa ordem que nelles se verifica

graças, não só á rigorosa economia, mas tambem á desinteressada dedicação de

muitos amigos.

Para que todos possam avaliar o movimento que tem hoje a secretaria da

Radio Sociedade, basta lembrar que, sem contar cópias, programmas, circulares,

etc., passaram por esse departamento durante o anno findo, cerca de 1.200

documentos de importancia.

(Radio, maio/jun. 1926, p. 62-64)

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APÊNDICE I - RELAÇÃO DOS PRIMEIROS SÓCIOS DA RÁDIO SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO

1. Edgard Roquette-Pinto.

2. Henrique Morize.

3. Francisco Lafayette.

4. Euzebio de Oliveira.

5. Henrique B. R. Aragão.

6. Th. Lee.

7. Arthur Moses.

8. Dulcidio Pereira.

9. Francisco Venancio Filho.

10. Armando Fragoso Costa.

11. Eugenio Hime.

12. Mario de Paula Brito.

13. Othon Leonardos.

14. Jorge Leutzinger.

15. Carlos Good Lacombe.

16. Mario de Souza.

17. Edgard Sussekind de Mendonça.

18. Antonio C. da Silva Lima.

19. José Carneiro Felippe.

20. Francisco Serra Negra.

21. H. Henrique Lima.

22. Camilo Alberto Boulte.

23. Edgar Raja Gabaglia.

24. José Del Vecchio.

25. Bento do Amarante.

26. Thompson Motta.

27. José Joaquim Cosme Pinto.

28. Fernando A. Raja Gabaglia.

29. Luiz Bicalho.

30. Francisco Rodrigues de Souza.

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31. Annibal Bomfim.

32. Alvaro Ozorio de Almeida.

33. Ignacio M. Azevedo Amaral.

34. Laurinda Santos Lobo.

35. Jack Maurice.

36. Mauro Montagna.

37. Antonio da S. Couto.

38. Salvador Carvalho Froes.

39. Julieta Santos Maia.

40. M. B. Astrada (Benemerito).

41. Mario de Paula Freitas.

42. Domingos Correa Junior.

43. Antenor Costa.

44. Arthur Costa.

45. Sebastião Lopes dos Santos.

46. Arnaldo Werneck Campelo.

47. Elvam Guimarães.

48. Jacomo Rosario Staffa.

49. Coriolano Martins.

50. Ruy Castro.

51. Democrito Lartigau Seabra.

52. Oscar Moreira Pinto.

53. Oscar de Carvalho Azevedo.

54. Alvaro de Souza Freire.

55. J. Vianna.

56. Horace S. Knott.

57. Alfredo Fiuza Guimarães.

58. Manoel de Abreu Farias.

59. Mario Macedo.

60. Virgilio de Souza Coelho Duarte.

61. Antonio Cavalcanti.

62. Luiz Basilio Peixoto.

63. Juvenal Greenhalgh Ferreira Lima.

64. Alvaro Alberto.

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194

65. Carlos Guinle.

66. Willy Eieckhoff

67. Donal C. Burrowes.

68. Alfredo de Castro Almeida.

69. John W. Armstrong.

70. Theotonio Silva.

71. Hiron Jacques.

72. José Rodrigues Ferreira.

73. Luiz Corção.

74. J. Janotskoff.

75. Paulo Mario da Cunha Rodrigues.

76. Alberto Betim Paes Leme.

77. Luiz Betim Paes Leme

78. Angelo Moreira da Costa Lima.

79. Benjamin de Oliveira.

80. Livio Gomes Moreira.

81. Alfredo Laranja.

82. João do Valle.

83. Elba Pinheiro Dias.

84. Manoel Soares Pinto Junior.

85. Joaquim Sampaio Ferraz.

86. Agenor Porto.

87. Abel Guimarães Porto.

88. Costa Santos.

89. Democrito Linhares.

90. Paulo Cezar de Andrade.

91. Alberto Roesch.

92. Mauricio Joppert.

93. Miguel Ozorio de Almeida.

94. Domingos Costa.

95. Juliano Moreira.

96. Afranio Peixoto.

97. Balthazar Gonçalves.

98. Carlos Sussekind de Mendonça.

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195

99. Alcino Chavantes.

100. Lauro Travassos.

101. Barrozo Neto.

102. Alfredo Paulo.

103. Allyrio de Mattos.

104. José Rodrigues Barbosa.

105. Luiz Carlos da Fonseca.

106. Balduino Feio.

107. Alfredo de Andrade.

108. José Agostinho dos Reis.

109. Almerio de Moura.

110. Arthur Neiva.

111. Mauro Roquette Pinto.

112. Renato Carneiro.

113. Candido de Mello Leitão.

114. Luiz Edgar Sanceau.

115. Luiz Cardoso de Cerqueira.

116. Miguel Arrojado Lisboa.

117. Alfredo Moraes Coutinho.

118. Manoel Mendes Campos.

119. Carlos da Silva Loureiro.

120. Octavio da Silva Jorge.

121. Luiz Carlos de Araujo Pereira.

122. Julio Cezar Diogo.

123. Francisco Manna.

124. Raymond de Broux.

125. Flavio Queiroz do Nascimento.

126. Castello Branco.

127. Fernando Barreto Pinto.

128. José Euzebio.

129. Nelson Senna.

130. Lafayette Cortes.

131. Lindolpho Xavier.

132. Ernesto Otero.

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196

133. Guilherme de Moura.

134. Pacheco Leão.

135. Mestre & Blatge.

136. Tacito Moraes Rego.

137. João Abreu.

138. Octavio Guinle.

139. Arnaldo Guinle.

140. Guilherme Guinle.

141. Eduardo Guinle.

142. Adalberto Farias dos Santos.

143. Oswaldo de Almeida Costa.

144. Freitas Machado.

145. Humberto de Lima.

146. Aleixo de Vasconcellos.

147. C. M. Delgado de Carvalho.

148. Raul Caracas.

149. Arsenio Puttemanns.

150. Mario Fonseca.

151. Sergio de Carvalho.

152. Eugenio Rangel.

153. Ernesto Lopes da Fonseca Costa.

154. Adriano Le Tellier.

155. João B. Pecegueiro do Amaral.

156. José Saboya.

157. Sebastião Sampaio.

158. Alipio de Miranda Ribeiro.

159. Paulo P. Castro.

160. Barbedo & Irmão.

161. Mario de Andrade Ramos.

162. Justino Costa.

163. Henrique Toledo Dodsworth.

164. Elesbão Velloso.

165. André Mitjans.

166. Humberto Bruno.

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197

167. José Cardoso de Almeida Sobrinho.

168. José Moura Muniz.

169. Alberto José Sampaio.

170. Olavo Egydio Junior.

171. Umberto Mattarazzo.

172. Eloy Catão.

173. Waldemir Bernardes.

174. João Pereira do Couto Ferraz.

175. Claudiano Pinno (falecido).

176. Leopoldo de Freitas Noronha.

177. A. W. Burren.

178. José Augusto.

179. Henrique Fialho.

180. Leonardo Y. Jones.

181. Alexandre Luddolf.

182. Hugo Guchard.

183. Gastão Cruls.

184. Agenor Augusto de Miranda.

185. Marcelo Taylor de Mendonça.

186. Francisco Santos.

187. Antonio Carlos Cardoso.

188. Manoel Amoroso Costa.

189. Albert Cathiard.

190. Amaro da Silveira.

191. Paulo Azeredo.

192. Henrique Lage.

193. André Betim Paes Leme.

194. Jacques Richer.

195. José Nascimento Brito.

196. Elpidio Paes Vettori.

197. Antonio Leite Garcia.

198. Carlos Saint Martin.

199. Jader de Andrade.

200. José de Oliveira Barbosa.

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201. Humberto Antunes.

202. Napoleão Gomes.

203. Luiz Corrêa de Brito.

204. Couto Fernandes.

205. Penalva Santos.

206. John H. Rogers.

207. Octavio da Costa Macedo.

208. Bertha Lutz,

209. Paulo Parreiras Horta.

210. Tobias Moscoso.

211. Arthur Duarte.

212. Barros Barreto.

213. Mario Moura Brazil do Amaral.

214. Cezar Rabello.

215. Paulo da Costa Azevedo.

216. Plinio Cavalcanti.

217. Augusto Linhares.

218. Euvaldo Lodi.

219. Luiz de Freitas Guimarães.

220. Adolpho Murtinho.

221. Antonio Aranha Meira de Vasconcellos.

222. Francisco de Sá Lessa.

223. Armando Aguenaga.

224. Joaquim Cavalcanti.

225. Conrado Borlido Maia de Niemeyer.

226. Sylvio Leal.

227. João de Oliveira.

228. Francisco Ribeiro Moreira.

229. Henrique de Brito Pereira.

230. Affonso Vizeu.

231. João Elyzio.

232. Coelho e Souza.

233. Samuel de Oliveira.

234. José Domingos Machado.

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235. Arthur Ozorio da Cunha Cabrera.

236. Geraldo Vianna.

237. Bento Miranda.

(RADIO SOCIEDADE DO RIO DE JANEIRO, 1 nov. 1923, p. 1-2;7)

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APÊNDICE J – ENTREVISTA COM DOM EUGÊNIO DE ARAÚJO SALES

Dom Eugênio de Araújo Sales foi Arcebispo Emérito do Rio de Janeiro e

desenvolveu diversos trabalhos sociais, dentre eles a das Escolas Radiofônicas de

Natal – um projeto de radiodifusão educativa desenvolvido nos anos de 1940 no

estado do Rio Grande do Norte e voltado para o meio rural. (MACIEL e ASSIS,

2011).

Nasceu em 8 de outubro de 1920 (O GLOBO, 2012) e faleceu no dia 9 de

julho de 2012 (GOIS, 2012). De acordo com a Conferência Nacional dos Bispos do

Brasil, foi ordenado Padre no ano de 1943 e iniciou seus trabalhos na Diocese de

Natal, no Rio Grande do Norte (CONFÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL,

10 jul. 2012).

A inserção deste sacerdote nesta Tese diz respeito à entrevista realizada no

em julho de 2010, às 14 horas, no Gabinete do Arcebispo Emérito, em prédio anexo

à Igreja Nossa Senhora da Paz, bairro de Ipanema, cidade do Rio de Janeiro.

Nota: A transcrição ou textualização da entrevista gravada é responsabilidade

do pesquisador Leandro Silvio Katzer Rezende Maciel89

“Quando jovem, durante o Ginásio, estudei com o professor de Matemática

Manoel Jairo Bezerra e Humberto Macedo. Éramos da mesma escola e terminamos

o curso juntos. Os dois foram para o Rio de Janeiro. Continuamos amigos, mas meu

contato maior foi com o Humberto, já falecido.

No mesmo período tive aulas de Catecismo com os Irmãos Maristas. O

mesmo ocorreu com Jairo e Humberto. Foi aí que eu manifestei tendência para o

Sacerdócio. Eu creio que aí nasceu o desejo de me tornar Padre.

Ao concluir o Ginásio perdi o contato com o Jairo durante alguns anos. Na

época eu pensei em me tornar agrônomo, mas segui para o Sacerdócio. Cheguei a

solicitar o Exame para Faculdade de Agronomia de Recife. Entretanto, resolvi me

tornar Padre. Ou seja, foi nessa época que eu decidi ir para o Seminário.

Eu somente retomei a amizade com o Jairo quando vim para o Rio de

Janeiro. Aqui soube que ele era matemático e escreveu muitos livros. Na verdade

89

Esta nota é obrigatória, conforme termo de cessão de direitos sobre depoimento oral assinado por Dom Eugênio Sales.

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nunca fui à casa de Jairo. Falávamos-nos por telefone e não me lembro se

conversamos a respeito das Escolas Radiofônicas ou de Matemática. Contudo, a

família de Jairo morava próxima à casa dos meus pais. Porém, não sei se houve

visitas. Sem dúvidas, quem tinha mais contato com ele era Humberto.

Quando o Jairo já estava muito doente, há alguns meses atrás, ele queria me

visitar. Nos falamos por telefone. Acho que ele veio uma vez aqui, mas não tenho

certeza.

Talvez possam pensar que eu tenha influenciado a vida profissional de Jairo,

em virtude do meu trabalho com as Escolas Radiofônicas. Não me recordo se

falamos sobre tal assunto. Portanto, não sei se isso ocorreu.

Bom, retomando a minha trajetória: após concluir o Ginásio eu fui para o

Seminário em Natal, no Rio Grande do Norte. Fiquei por lá durante um ano. Em

seguida fui para o Estado do Ceará. Todos os seminaristas de Natal completaram a

Formação em Fortaleza. Nas férias, eu ia para Natal.

Ao ser ordenado, comecei a trabalhar com o meio Rural e a me preocupar

com a pobreza. De início fui para a cidade de Nova Cruz, no Rio Grande do Norte,

por onde permaneci cerca de sete meses. Nesta época ainda não trabalhava com as

Escolas Radiofônicas.

Depois fui para Natal. Comecei a trabalhar com a Juventude Masculina

Católica e com os presidiários. Fiz ainda um grande trabalho com Jovens.

Nesse meu retorno para o Rio Grande do Norte comecei a me interessar

muito pelo assunto de agricultura. Eu passava as férias todas no sertão. Daí veio o

meu contato maior com o meio rural. O desejo que eu tinha com a agronomia antes

do Sacerdócio me incentivou a trabalhar com este meio. Então eu comecei a pensar

em cursos, a trabalhar com Leigos.

Recordo-me em ter ido a um Congresso Latino-Americano aqui no Rio de

Janeiro, na Universidade Rural. Tratamos sobre a problemática no meio rural na

América Latina. Não foi um Congresso da Igreja, mas ela teve representantes. Eu

aproveitei bastante.

Eu também fiz um trabalho com presidiários. Não havia Padres disponíveis e

eu me ofereci para ir à penitenciária. Trabalhei com alfabetização. Ou seja, tudo que

estava relacionado à pobreza eu estava muito ligado. Sobre a problemática do meio

rural, eu procurava meios sobre como poder modificar essa realidade.

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Recordo-me que, na época, eu fui à casa de um General do Exército e a

esposa dele me mostrou uma revista americana que falava de um Padre e seu

trabalho com as Escolas Radiofônicas na Colômbia. Eu achei uma boa ideia: Como

multiplicar as professoras, que eram poucas?

O trabalho colombiano consistia na transmissão via Rádio para o meio Rural.

Então eu comecei a pensar em como fazer essas Escolas Radiofônicas (no Brasil).

Eu estudava para saber como funcionava na Colômbia. Eu queria algo que pudesse

convencer a fragilidade desse Curso de Alfabetização. Não havia professora, mas

uma se transformava em vinte, trinta escolas ou mais.

Foi quando solicitei um canal de Rádio. Eu consegui, o que é muito difícil. O

próximo passo foi encomendar a aparelhagem em São Paulo, onde fui

pessoalmente. No começo, trabalhamos com a construção das torres de

transmissão. Havia poucos recursos conseguidos, por exemplo, através de doações.

Enfim, eu ia construindo aos poucos e comprando a prazo. Uma vez atrasei o

pagamento: não tinha dinheiro. Escreveram uma carta me cobrando. O dinheiro era

pouco, mas saldei a dívida.

Em seguida, surgiu a Emissora de Educação Rural. Ao mesmo tempo eu

também trabalhava na Escola de Serviço Social como professor. Ensinava Religião e

várias alunas começaram a se interessar pelo trabalho das Escolas Radiofônicas. Ao

mesmo tempo eu também trabalhei com as áreas pobres da capital do Rio Grande

do Norte e com a Juventude Masculina do Meio Rural por meio da Ação Católica.

Não me lembro ao certo quando isso ocorreu, mas me recordo que foi no período do

Presidente Juscelino Kubitschek.

Ou seja, na Diocese de Natal desenvolvi o trabalho das Escolas Radiofônicas,

que era vinculado ao Serviço de Assistência Rural – SAR – e funcionava no prédio

sede desse serviço.

Em seguida, solicitamos rádios de pilha. Eu não me lembro quando, mas

foram cerca trezentos aparelhos. Ou seja, trezentas escolas.

Essas Escolas Radiofônicas eram nas fazendas, nos vilarejos. Não

queríamos substituir a escola normal: era outro serviço, basicamente alfabetização e

preparo para a vida. Eu tinha também uma equipe de Assistentes Sociais de nível

alto, que trabalhava nas comunidades... Havia toda uma gama de trabalhos.

Os responsáveis pelas Escolas Radiofônicas foram indicados pelas

paróquias. Chamavam as pessoas que tinham mais condições de fazer esse

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trabalho. Eram voluntários capazes e que trabalhavam em locais sem infraestrutura.

E isso funcionou!

Para a inauguração da Rádio eu convidei o Presidente da Republica,

Juscelino, e quem o representou foi o Chefe da Casa Civil. Os padres, os párocos

assumiram a direção em suas paróquias. Ou seja, foi inaugurado com solenidade e

foi muito bom.

Entretanto, a inauguração não podia ter ocorrido: faltava uma última questão

protocolar. Logo, solicitaram que suspendessem as atividades. Mas se eu fechasse

seria um fracasso! Eu cheguei a escrever a Dom Hélder Câmara, relatando o que

estava acontecendo. Felizmente não houve a suspensão.

Recebi muitos escritos sobre as Escolas Radiofônicas. E nelas havia a

informação de que muitos alunos assistiam às aulas sentados no chão, com o rádio

em cima de uma tábua. Havia uma mesinha, um tamborete, um candeeiro. Para isso

não havia dificuldades: com a ideia e a boa vontade das professoras.

Recordo-me de uma moça, uma professora ligada à Igreja, que servia como

ponto de contato. Ela escrevia, em Natal, para essas pessoas como representante

da Escola Radiofônica.

Com o apoio do Governo, o projeto se multiplicou para outras Dioceses e se

espalhou para todo o Brasil.

As transmissões eram em Ondas Curtas. Uma professora, que se interessou

muito por isso, ministrava as aulas pelo rádio e se dirigia aos alunos como se

estivesse presente. Também transmitimos músicas, cultura geral. Mas tinha um

horário específico destinado às Escolas Radiofônicas. Havia acadêmicos e todo um

voluntariado - em grande parte no interior. As aulas eram ao vivo. As monitoras

forneciam todo o material: lápis, caneta... Elas também comunicavam os fatos,

corrigiam os problemas. Havia uma articulação. Os padres também se reuniam em

Natal. Foi um trabalho grande.

Aliás, não tenho a certeza se o nome correto era monitora. Não me lembro

bem, pode ser que sim.

Em um dado momento, consegui comprar um lote de rádios à pilha. Só

funcionava o canal da Escola Radiofônica. Bastava ligar o aparelho de rádio. Isso

era para que não utilizassem para outras funções.

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Posso afirmar que existia todo um aparato necessário: exames e provas, que

eram enviados para a sede - na Diocese de Natal. Ou seja, era uma Escola, que não

era Escola, mas tinha a função da Escola.

Soube posteriormente que um aluno da Escola Radiofônica se tornou Médico.

Ele aprendeu a ler e escrever através da Escola Radiofônica. Houve vários casos

assim.

O que desenvolvemos foi uma rádio comum, mas sem os recursos das outras

emissoras.

Todo o domingo eu celebrava a missa na Catedral da Diocese de Natal para

que grande parte das emissoras a irradiasse.

Tivemos também aulas de aritmética básica, mas sem condições de passar

para um nível mais alto. Sobre os alunos, ninguém perguntava se era católico ou

não era católico.

Após isso tudo, eu fui para a Bahia. O trabalho das Escolas Radiofônicas

ficou a cargo de outro bispo. Permaneci pouco neste estado. Em seguida, vim para o

Rio de Janeiro. Daí em diante, não lidei mais com as Escolas Radiofônicas.

Depois que eu fui transferido para a Bahia, nunca mais voltei para Natal. Mas

uma pessoa do Vaticano veio ao Brasil para conhecer o trabalho. Eu fui com ele ao

interior do Rio Grande do Norte em um avião pequeno. Eu me lembro que era um

dia de sol forte. Mas não conseguimos pousar. Tinha muito areal.

Como consequência de todo esse trabalho, surgiram os Educandários

Gratuitos.

O estudante fazia o primário e depois os Ginásios Gratuitos. Foram fundados

vários em cidades do interior. Nesses locais, havia sempre um Promotor, uma

pessoa que ajudasse. O Padre angariava o pessoal de Nível Superior para formar

esses Ginásios, bem como voluntários para cuidarem da parte burocrática.

Dessa forma, as pessoas podiam sair das Escolas Radiofônicas e

continuarem seus estudos nos Educandários e Ginásios. Eu mesmo fundei vários

desses Ginásios, embora não aparecesse. Ao longo deste amplo trabalho, também

criamos maternidades. Em uma delas, em Itaipu, foram mais de mil partos.

Ou seja, as Escolas Radiofônicas se desdobraram em muitas outras

atividades. E muita gente não acreditava no trabalho!

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A ideia principal era a alfabetização de pessoas carentes do meio rural. A

partir daí surgiu a intenção de se implantar as Escolas Radiofônicas. O foco era

provocar uma transformação e a educação tinha um papel importante nisso.

No Rio de Janeiro eu continuei trabalhando nisso de forma ampla, com

pessoas do Poder Decisório. Tive várias reuniões no Sumaré e com total liberdade

de expressão. Cada um falava o que queria e eu anotava. Foi muito bom.

Como última mensagem digo: não sejam pessimistas. Não sejam também

otimistas em demasia, mas sim dentro das possibilidades. Eu não fiz nada de novo.

O importante é o desejo de ajudar e ter coragem. Deve haver a riqueza da Boa

Vontade, mas sem ser por motivos mesquinhos, miúdos. Completarei 90 anos de

idade!”

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APÊNDICE K – AULA DE MATEMÁTICA NA UNIVERSIDADE DO AR

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APÊNDICE L – REVISTA ELECTRON, NÚMERO 1