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55 3 SOM, TELENOVELA E RECEPTOR: HIPÓTESES O objetivo central desta pesquisa, como já anotamos, é um estudo da relação entre o som da telenovela e a audição desse som por parte do receptor. A telenovela insere-se dentro do vasto universo audiovisual como um produto específico da televisão. No Brasil, a audiência diária de um capítulo da telenovela das oito da Rede Globo pode superar os 60 milhões de telespectadores, o que significa que quase a metade da população do País está ligada ao aparelho de TV acompanhando um mesmo produto audiovisual. Dentro do universo televisivo, a telenovela estrutura o som de forma particular. Falas, sons, músicas e silêncios são combinados na trilha sonora que junto com a imagem apresentam uma história, uma narração. O receptor ouve essa trilha ao assistir para poder acompanhar a história; sem ela, talvez, a compreensão do que é contado seria impossível. Mas a questão central do trabalho é justamente detectar qual o lugar do som na telenovela e qual sua relação com o receptor. Perguntamo-nos, então, como se apresetam os elementos sonoros e como esses elementos são ouvidos, interpretados, reelaborados e usados pelo receptor. Apontar respostas para estes questionamentos serve-nos como ponto de orientação na pesquisa. 3.1 A Telenovela A telenovela, na forma que a conhecemos hoje, nasce, no Brasil, em julho de 1963, no Rio de Janeiro e em São Paulo, quando começa a ser transmitida a primeira novela diária da televisão brasileira, seu título 2-5499 ocupado. Antes desta, foram realizadas centenas de telenovelas que não eram, porém, apresentadas diariamente. A primeira telenovela, Sua vida me pertence, 1951 (TV

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3 SOM, TELENOVELA E RECEPTOR: HIPÓTESES

O objetivo central desta pesquisa, como já anotamos, é um estudo da relação

entre o som da telenovela e a audição desse som por parte do receptor. A

telenovela insere-se dentro do vasto universo audiovisual como um produto

específico da televisão. No Brasil, a audiência diária de um capítulo da telenovela

das oito da Rede Globo pode superar os 60 milhões de telespectadores, o que

significa que quase a metade da população do País está ligada ao aparelho de TV

acompanhando um mesmo produto audiovisual. Dentro do universo televisivo, a

telenovela estrutura o som de forma particular. Falas, sons, músicas e silêncios

são combinados na trilha sonora que junto com a imagem apresentam uma

história, uma narração. O receptor ouve essa trilha ao assistir para poder

acompanhar a história; sem ela, talvez, a compreensão do que é contado seria

impossível. Mas a questão central do trabalho é justamente detectar qual o lugar

do som na telenovela e qual sua relação com o receptor. Perguntamo-nos, então,

como se apresetam os elementos sonoros e como esses elementos são ouvidos,

interpretados, reelaborados e usados pelo receptor. Apontar respostas para estes

questionamentos serve-nos como ponto de orientação na pesquisa.

3.1 A Telenovela

A telenovela, na forma que a conhecemos hoje, nasce, no Brasil, em julho de

1963, no Rio de Janeiro e em São Paulo, quando começa a ser transmitida a

primeira novela diária da televisão brasileira, seu título 2-5499 ocupado. Antes

desta, foram realizadas centenas de telenovelas que não eram, porém,

apresentadas diariamente. A primeira telenovela, Sua vida me pertence, 1951 (TV

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Tupi de São Paulo), era apresentada ao vivo, com dois capítulos por semana e

teve uma duração de dois meses.

O estilo narrativo da telenovela foi uma herança do folhetim do século XIX,

no qual história de ficção era contada em capítulos diários, publicados na parte

inferior das páginas dos jornais. O jornalista francês Émile de Girardin teve esta

idéia na década de 1830, ao imaginar uma forma de aumentar a venda de seu

jornal, La Presse. A partir daí, o estilo de narração fragmentada foi passando de

um meio para outro até chegar à TV. O cinema teve seus "folhetins"

cinematográficos, mas foi no rádio, a partir de 1930, nos Estados Unidos, que o

estilo tomou dimensão na cultura de massas através das soap-operas,as quais

eram folhetins adaptados para o rádio. O gênero passou então para Cuba e

irradiou-se para toda a América Latina.

Quando a TV se inicia no Brasil nos anos 50, o folhetim começa também a

ser adaptado ao novo meio, passa aos teleteatros e às novelas com dois ou três

capítulos por semana, até atingirem hoje o chamado "padrão Globo de produção"

de telenovelas, o qual não só é sustentado por uma infra-estrutura técnica,

tecnológica e econômica, mas também por uma estrutura de realização depurada

através de anos, contando com uma equipe técnica e artística de alto desempenho

profissional. Na atualidade, uma telenovela tem uma duração média total de seis

meses no ar, com seis capítulos por semana, de segunda a sábado, contando com

aproximadamente 180 capítulos, cada um durando de 50 a 60 minutos, divididos,

por sua vez, em 4 ou 5 blocos de 10 a 15 minutos, separados por intervalos

comerciais.

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Durante seis meses um grupo de 40 ou mais personagens vivem histórias de

amor, ódio, poder, glória, riqueza, pobreza, encontros e desencontros. A história

tem um grupo de cinco a dez personagens pricipais que comandam as tramas

básicas. As outras personagens ao mesmo tempo que participam das tramas

básicas ganham pequenas tramas que enriquecem a história e oferecem para o

autor um sem número de possibilidades para encurtar ou esticar a narração. O

roteirista Aguinaldo Silva (autor das duas telenovela que vamos trabalhar adiante)

desvenda a técnica geral de criação dessas histórias: "Então sempre acontece

aquele momento em que você, o autor, descobre que a novela acabou. E esse

momento é justamente o capítulo 80. Então, a saída, o segredo, é fazer duas

novelas. Existe a hitória que acaba no capítulo 80 e, a partir desse capítulo,

começa outra novela. Se não for assim, do 80 ao 130 você vai ter de ficar

repetindo e enchendo lingüiça. Então veja como a coisa funciona: no capítulo 80 a

novela acaba, você descobre todos os segredos, os personagens mudam todos de

posição, quem é amigo vira inimigo e quem é inimigo vira amigo. E aí começa

tudo de novo" (Silva, 1992: 25).

As telenovelas ocupam um lugar privilegiado no horário nobre da televisão

brasileira (das 18 às 22 horas). Na atualidade, junho de 1994, em São Paulo

podem ser assistidas seis telenovelas diferentes nesse horário: no SBT, Éramos

Seis, às 19h45 com reapresentação às 21h45; na Globo, Tropicaliente às 18h00, A

Viagem às 18h50 e Fera Ferida às 20h30; na Record, A Revanche (telenovela

venezuelana) às 20h30, e na Manchete, 74.5 - Uma Onda no Ar às 21h30. O

intruso quase que exclusivo deste horário na programação destas emissoras são os

telejornais noturnos. O que indica, por um lado, uma imposição televisiva do

formato telenovela por parte das emissoras e, por outro lado, uma preferência de

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audiência por parte dos receptores. É um caminho de mão dupla que, como já

observamos, não se restringe ao poder autoritario do meio, nem a uma

"passividade alienada" do receptor, há um jogo de circularidade comunicacional

entre emissor-receptor que permeia o fenômeno televisivo da telenovela.

O interesse específico deste trabalho é o som dessas telenovelas: como ele se

apresenta diariamente no aparelho de TV; como se configura pelas falas, sons,

músicas e silêncios; quais as relações do som com a imagem e com a história. Já

anteriormente, em nosso trabalho de mestrado, observamos como, em termos

gerais no contexto televisivo, a telenovela apresentava uma grande quantidade de

ocorrências de falas e músicas, quando os sons e/ou efeitos sonoros eram

utilizados, bem como o pouco uso do silêncio. Tomando como base esse trabalho,

aliada com nossa própria experiência empírica de receptor, consideramos

fundamental a verificação do possível desequilíbrio dos elementos sonoros da

telenovela.

3.2 O receptor

Ao falar de 60 milhões de telespectadores diários, uma hipótese geral aponta

o possível sucesso irrefutável da telenovela, ou seja, ela satisfaz de maneira fácil e

concreta a um dos prazeres mais antigos do homem: o prazer de ouvir, ver, ler

narrativas, o prazer de conhecer histórias reais ou irreais da vida alheia. Este

prazer dota de sentido os milhões de romances escritos, os milhares de filmes

realizados e grande parte das informações jornalísticas. O narrador, como afirma

Walter Benjamin, dilui-se em múltiplos formatos no mundo hoje. A telenovela

configura-se, assim, como uma forma depurada do universo audiovisual da arte de

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narrar, da arte do "você sabe o que aconteceu com...". A telenovela oferece a

possibilidade de acompanhar diariamente uma longa história ou, em uma

terminologia mais popular, diríamos que se trata de acompanhar um grande

"causo" ou uma divertida "fofoca". A telenovela é uma grande narração na qual o

receptor não tem nenhum compromisso aparente. São histórias que parecem não

afetar de forma direta a vida de quem as assiste.

Porém, o prazer de assistir uma telenovela abrange no seu âmbito todo o

universo vivido de cada receptor. Como já anotamos, os mitos, o passado, as

leituras diferenciadas a partir da vida cotidiana do receptor perpassam cada

narração. "É indubitável que o estudo da recepção, no sentido em que estamos

discutindo, quer resgatar é a vida, a iniciativa , a criatividadde dos sujeitos; quer

resgatar a complexidade da vida cotidiana como espaço de produção de sentido;

quer resgatar o caráter lúdico de relação com os meios; quer romper com aquele

racionalismo que pensa a relação com os meios somente em termos de

conhecimento ou de desconhecimento, termos ideológicos; quer resgatar além do

caráter lúdico, o caráter libidinal, desejoso, da relação com os meios" (Martín-

Barbero, 1991). Nesta perspectiva de análise, o receptor de telenovela dota de

significado a história que assiste a partir de sua apropriação e reelaboração nos

usos e nas mediações.

O som da telenovela, contudo, é um elemento participante deste processo.

Na prática cotidiana de assistir telenovela, o receptor é um ser que ouve (e vê). E

essa audição confunde-se dentro da própria cotidianidade já que a telenovela faz

parte das atividades diárias do receptor. O som da telenovela deve conviver com o

som do espaço onde está o aparelho de TV, configurando-se como um som a mais

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na paisagem sonora. Assim, cabe perguntar até que ponto esse som participa das

práticas de recepção. E, já que ele desempenha um papel fundamental nos

audiovisuais, então o que o som da telenovela oferece ao receptor e o que o

receptor oferece ao som, qual sua mediação? "Las mediaciones son pues ese

'lugar' desde donde es posible comprender la interacción entre el espacio de la

producción y el de la recepción: lo que se produce en la televisión no responde

únicamente a requerimientos del sistema industrial y a estratagemas comerciales

sino también a existencias que vienen de la trama cultural y los modos de ver"

(Martín-Barbero, 1992: 20).

No âmbito da vida cotidiana do receptor, o som da telenovela deve

representar um papel importante tanto ao interior da história contada quanto à

própria vida do receptor. Devemos indagar então as práticas de assistência, seus

usos cotidianos, para poder entender a audição de uma telenovela, tendo como

parâmetro as relações entre a audição focalizada e a audição periférica, já que se o

som da televisão pertence a uma paisagem maior, devem existir algumas trocas de

focalização do ouvido no ato de assistir, sem deixar de lado a própria

complexidade interna da trilha sonora que obriga a um novo exercício de

focalização. Neste ponto torna-se importante ressaltar uma regra popular entre os

realizadores de trilhas sonoras: os sons e as músicas não devem ser ouvidos. O

que significa que sua presença num audiovisual deve ser tão discreta que somente

a audição periférica deve percebê-la. Ao traduzir isto para o ato de assistir, o som

da telenovela joga entre o nebuloso espaço entre a razão e a emoção, entre aquilo

que é ouvido atentamente (focalizado) e aquilo que é ouvido distraidamente

(periférico).

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3.3 As hipóteses

Da mesma forma que é importante localizar uma fonte sonora, faz-se

necessário também conferir uma resposta provisória aos questionamentos acima

sugeridos. Encontrar um lugar para o som na telenovela e no âmbito da recepção,

nos leva a propor uma hipótese geral que orienta a pesquisa:

O som da telenovela mais se apresenta como mediação básica na

explicação do processo de recepção à telenovela, quanto mais ele

se coloca como articulador de sentidos para o receptor.

Sem o intuito de confirmar ou negar quantitativamente esta afirmação,

devemos propor, também, algumas respostas de caráter específico para as

inquietações acima aventadas, tais como: qual o papel dos elementos sonoros da

telenovela e qual são suas relações de desequilíbrio; como e o que o receptor

ouve na telenovela e o que ele coloca de sua vida para ouvir e dotar de sentido o

que é ali assistido. Isto nos leva a propor as seguintes hipóteses específicas:

- Os sons da telenovela não oferecem dificuldade ao receptor na

identificação e reconhecimento da fonte sonora.

- No som da telenovela privilegiam-se as ocorrências das falas e das

músicas em detrimento da utilização de sons e/ou efeitos sonoros.

- O receptor vivencia um ouvir-desatento com relação ao som da telenovela

(um ouvir-distraído, um ouvir-irrefletido, um ouvir-descuidado, um ouvir-

periférico), mas não um ouvir-rejeição ou ouvir-ignorância do som.

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- O que o receptor ouve na telenovela é sempre apropriado e reelaborado

nos usos cotidianos, portanto, passa pelo crivo da cultura onde se inserem

os receptores.

- Para o receptor, o som da telenovela guarda uma profunda relação com os

sons vividos, a cada ocorrência sonora um efeito acumulativo projeta o

passado para o presente e para o futuro no possível desenrolar da história

na telenovela e na vida do receptor.

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4 O SOM, O CAMINHO DA PESQUISA

Dois caminhos foram trilhados na realização da pesquisa: um, referente à

análise do som na telenovela e, outro, ao estudo da relação do som da telenovela

com o receptor. Aparentemente os dois caminhos foram trabalhados de forma

independente, mas sempre buscou-se uma inter-relação entre os dois com o intuito

atingir os objetivos. Na análise do som da telenovela foi utilizado como pano de

fundo os capítulos correspondentes a três semanas de emissão de Pedra sobre

Pedra e uma semana de Fera Ferida, telenovelas das "oito" apresentadas pela

Rede Globo de Televisão; no estudo detalhado trabalhou-se com dois capítulos,

um de cada telenovela, e com os fragmentos das telenovelas utilizados nas

entrevistas com os receptores. O estudo da relação som/receptor foi elaborado

através de entrevistas individuais com 16 (dezesseis) pessoas, as quais

denominamos de receptores.

4.1 As telenovelas em questão

Optou-se por trabalhar com telenovelas do horário das 20h30 da Rede

Globo, denominadas popularmente como "novelas das oito", por ser esta a faixa e

a rede de televisão que registra os mais altos índices de audiência da televisão

brasileira. Segundo o DataIbope, Pedra sobre Pedra começou com uma audiência

de 50%, na grande São Paulo, em sua primeira semana (de 06 a 11 de janeiro de

1992), terminando com 63,3% na última semana (de 27 a 31 de julho de 1992)

(Folha de S.Paulo, 31/07/92: 4-1); por sua vez, Fera Ferida mantém o primeiro

lugar de audiência, tendo registrado índices de 57%, nas duas primeiras semanas

de maio de 1994 (Tv Folha, 12/06/94: 4; 19/06/94: 4).

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A escolha destas duas telenovelas seguiu critérios aleatórios. No final de

1991, optou-se pela análise de uma telenovela completa, portanto, determinamos

que a próxima a ir ao ar seria a escolhida. No dia 06 de janeiro de 1992 teve início

Pedra sobre Pedra (a qual passaremos a chamar de PP), de Aguinaldo Silva, que

tendo uma duração de 179 capítulos, terminou no dia 31 de julho do mesmo ano.

A história desenvolve-se na Chapada Diamantina, sertão do Estado da Bahia, na

pequena cidade imaginária de Resplendor. A trama gira entorno dos encontros e

desencontros de amor e ódio de Murilo Pontes e Pilar Batista, patriarcas de duas

famílias rivais e donas da região (v. Anexo: resumo e ficha técnica).

Para a análise do som, determinou-se gravar os capítulos correspondentes às

semanas inicial e final e aos de uma semana intermediária, visando com isto

englobar a apresentação, manutenção e desfecho das principais tramas da história.

Escolheu-se, ainda, o primeiro capítulo para um estudo mais detalhado, já que

normalmente é nesse capítulo que são apresentadas as principais tramas e

personagens. A primeira semana foi ao ar de 06 a 11 de janeiro (capítulos de 01 a

06), a semana intermediária foi de 11 a 16 de maio (cap. de 109 a 114), e a

semana final, de 27 a 31 de julho (cap. de 176 a 179).

Fera Ferida (a qual passaremos a denominar FF), segunda telenovela

utilizada no trabalho, foi escolhida de forma circunstancial atendendo às

demandas apresentadas pela banca do Exame Geral de Qualificação, defendido

em dezembro de 1993. Devido à distância temporal de um ano e meio do término

de Pedra sobre Pedra, nos foi sugerida a utilização da telenovela que estava no ar

naquele momento para atualizar e estabelecer uma comparação na análise. Na

época, como veremos adiante, já tínhamos realizado oito entrevistas utilizando o

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material de Pedra sobre Pedra e a proposta era realizar mais oito entrevistas para

completar a pesquisa. Assim, a banca considerou importante que, durante as

novas entrevistas, utilizássemos também material colhido da telenovela que

estivesse no ar, combinando material atual e do passado. Considerando estas

sugestões, começamos a trabalhar com Fera Ferida que já havia iniciado sua

emissão no mês de novembro de 1993.

Pela mesma circustancialidade, ambas as telenovelas apresentam o mesmo

autor, Aguinaldo Silva. Fera Ferida conta a história de uma vingança, em que,

após quinze anos, Feliciano Júnior, utilizando a identidade falsa de Raimundo

Flamel, volta à pequena Tubiacanga para vingar a morte de seu pai, provocada

pelos "poderosos" da cidade. A saga teve seu primeiro capítulo no dia 15 de

novembro de 1993 e seu término previsto para o dia 15 de julho de 1994,

totalizando 209 capítulos (na conclusão deste trabalho, Fera Ferida ainda estava

sendo apresentada; v. Anexo: resumo e ficha técnica)*.

Considerando que com PP realizaríamos uma análise global de uma

telenovela, optamos por trabalhar unicamente com uma semana intermediária de

FF. A semana escolhida também de forma aleatória, corresponde aos dias de 17 a

22 de janeiro de 1994 (cap. de 55 a 60), e determinamos o capítulo da quarta-

feira, correspondente ao meio da semana, para o estudo detalhado.

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4.2 Os receptores e as entrevistas

Desde o início, o interesse desta pesquisa é realizar um trabalho qualitativo,

assim as entrevistas com os receptores foram em número limitado. Isto permitiu

entrevistas individualizadas e com um tempo suficiente para deter-se nos detalhes

de maior valor para o trabalho. As entrevistas foram direcionadas a dois grupos de

pessoas: um grupo residente em alguma pequena cidade do interior do Estado de

São Paulo, cuja característica principal da cidade do interior é que ainda possua

um contato direto com atividades rurais, e outro grupo residente em um bairro de

classe média da cidade de São Paulo. Pretendedíamos obter com isto um contraste

entre a visão de pessoas de uma pequena cidade urbano/rural e pessoas residentes

em um grande centro urbano. Determinamos também que os entrevistados

estivessem numa faixa etárea superior aos 15 anos. Os entrevistados, então, já

teriam passado pela infância e já acumulariam experiências para sua história de

vida na adolescência. Esta escolha foi respaldada pelas pesquisas sobre recepção

antes citadas, nas quais conclui-se que um dos fatores primordiais da audiência de

uma telenovela são as articulações entre passado/história de vida/memória do

receptor e o apresentado na telenovela.

O objetivo fundamental das entrevistas era testar as hipóteses sobre

recepção. Assim nas entrevistas procurou-se estudar como se dava a percepção

seletiva do ouvido na telenovela, verificando se as pessoas prestavam atenção no

som ou se existia um ouvir-desatento. Observando o que era trazido a público de

forma espontânea sobre o som e qual o motivo dessa publicização. Da mesma

forma tentava-se corroborar o reconhecimento das fontes sonoras, a valoração de

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gosto do som, as condições de uso e as articulações do som com a vida do

entrevistados.

Para atigir este objetivo elaborou-se uma entrevista estruturada em dois

momentos: no primeiro momento, o som não apareceria como parte esssencial da

entrevista, procurando buscá-los como referências espontâneas das pessoas com

relação ao som. No segundo momento, o som era destacado e reiterado como

elemento essencial de análise, procurando a conscientização das pessoas sobre ele

tanto na telenovela quanto na vida de cada um. Nos dois momentos utilizamos o

mesmo procedimento, isto é, era apresentado um fragmento de telenovela e

posteriormente realizava-se uma série de perguntas referentes ao que fora

assistido. Os diferentes fragmentos utilizados nas entrevistas foram selecionados

tendo em conta sua representatividade no conjunto da telenovela e a participação

essencial da trilha sonora.

As oito primeiras entrevistas foram realizadas no mês de setembro de 1993,

somente com fragmentos de PP, no distrito de Canas, município de Lorena

(interior do Estado de São Paulo). As outras oito entrevistas foram realizadas com

fragmentos das duas telenovelas em março e abril de 1994 na cidade de São

Paulo, bairro de Sacomã, paróquia de Santa Edwiges, sendo que além do critério

da idade, o único utilizado foi a disponibilidade das pessoas em responder à

entrevista. O procedimento dos dois conjuntos de entrevistas foi o mesmo: 1) as

pessoas eram informadas em termos gerais que se tratava de um pesquisa sobre

recepção de telenovela, que assistiriam a seguir alguns fragmentos das telenovelas

e posteriormente realizariam comentários respondendo a algumas perguntas; 2)

eram apresentados os fragmentos nos quais não era chamada a atenção para os

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elementos sonoros, e 3) eram apresentados os fragmentos nos quais solicitava-se

ao entrevistado que prestasse atenção nos elementos sonoros e que os comenta-se.

Na sua particularidade, contudo, cada grupo de entrevistas evidenciou suas

especificidades.

4.2.1 Entrevistas em Canas

Contando com a colaboração de pessoas conhecidas em Lorena, efetuamos

em Canas uma série de oito (8) entrevistas. Canas está localizado a nordeste do

Estado de São Paulo, cortado pela rodovia Presidente Dutra, na altura do

quilômetro 200; conta com uma população aproximada de 5.000 habitantes e tem

como principal fonte econômica a cultura do arroz. O povoado surgiu em 1885

com a chegada de imigrantes europeus, basicamente italianos, para trabalhar no

plantio de cana-de-açúcar, razão do seu nome. Atualmente o distrito de Canas está

com o processo de emancipação bastante adiantado na Assembléia Legislativa do

Estado.

Cada entrevista foi realizada de forma individual, começando com a

apresentação geral da pesquisa e a explicação do procedimento de exibição de

fragmentos com perguntas posteriores. Dado o prazo de mais de um ano do final

de exibição de PP com relação a data da entrevista, contava-se para as pessoas um

resumo dessa telenovela. Realizava-se depois a primeira parte da entrevista, em

que a pessoa assistia sem ter sido alertada para o som.

Exibia-se, então, um primeiro bloco com quatro fragmentos: nº 1, a

abertura (ou vinheta) de PP que tem no som o tema "Pedras que Caem"; nº 2,

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Murilo Pontes cavalgando na Chapada Diamantina com o som de vento e água

correndo nos rios e cachoeiras seguido do tema "Entre a Serpente e a Estrela", ao

final escuta-se em voz-off o começo de diálogo de Gioconda com Hilda (do cap.

01); nº 3, encontro entre Murilo e Pilar onde falam sobre o futuro de seus filhos e

de seu neto que iria nascer, com o som de algumas notas da melodia de "Entre a

Serpente e a Estrela" tocadas em um xilofone e com um arranjo infantil (do cap.

167) e, nº 4, encontro final de Murilo e Pilar no altar-mor da igreja onde os dois

realizam uma declaração de eterno amor e odio com o som da melodia de "Entre a

Serpente e a Estrela" interpretada numa gaita com um ar melancólico (do cap.

179) (v. Anexo ?? decupagem de todos os fragmentos utilizados nas entrevistas).

Após a exibição deste bloco o entrevistado era indagado com perguntas

génericas sobre o que tinha gostado, o que chamava sua atenção, o que

considerava mais importante (v. Anexo: roteiro da entrevista). O objetivo destes

primeiros fragmentos era deixar que as pessoas falassem espontaneamente,

verificando o que se comentava sobre os elementos sonoros. Destacam-se no som

deste bloco: a música tema da telenovela, "Entre a Serpente e a Estrela", que tem

ocorrências também nos fragmentos nºs 2, 3 e 4, os sons do nº 2 e os diálogos nos

nºs 3 e 4. Esperava-se, então, nas respostas que as pessoas comentassem ou não

estes sons e que direção davam a esses comentários.

A seguir, exibia-se o fragmento nº 5, no qual Cândido Alegria na frente das

personagens mais importantes da história revela que tem um pacto com o diabo e

explode uma dinamite em sua mão, transformando-se em uma estátua de pedra

(do cap. 179). O destaque do som nesta seqüência é a voz-off cavernosa do diabo

ouvida por Cândido Alegria, onde tanto a voz do diabo quanto a fala de Cândido

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repetem uma lista de 22 denominações populares do diabo. Após o barulho da

explosão e no momento em que a personagem vira pedra, toca-se a música "Regra

do Jogo". Terminada a exibição, seguia-se o mesmo roteiro do primeiro bloco,

considerando a posibilidade das pessoas comentarem a marcante ocorrência da

voz-off do diabo.

No segundo momento da entrevista, no qual chamava-se a atenção do

entrevistado para os elementos do som, apresentava-se o fragmento nº 6, em que o

retratista Jorge Tadeu está fotografando Susana Frota, ouvem-se os sons da

câmara tirando as fotos e os barulhos em off de objetos de metal caindo, os sons

dos saltos de Susana ao subir as escadas e a ocorrência de dois arranjos

instrumentais da música "Cabecinha no Ombro", o primeiro com um ar leve e

romântico e o segundo com um tom jocoso e burlesco.

Os entrevistados eram perguntados sobre o sotaque das personagens, o tipo

de sons ouvidos, o motivo dos sons, quantas músicas haviam tocado, se

reconheciam as músicas, se era a mesma música que tocava etc. O objetivo deste e

do seguinte fragmento era verificar até que ponto as pessoas reconheciam os

diferentes elementos sonoros e se sabiam a função destes no âmbito da telenovela.

Neste momento aproveitava-se para perguntar sobre quando e como os

entrevistados assistiam televisão e sobre os som da vida pessoal de cada um deles.

O último fragmento apresentado, o nº 7, mostra dois diálogos, um entre o

prefeito Kleber e dona Francisquinha e outro de Kleber com Sérgio Cabeleira, no

qual Sérgio sofre um leve desmaio por estar se aproximando a primeira noite de

lua cheia. No som temos a música "Resplendor" que, no momento do desmaio,

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sofre um efeito de desaceleração, seguido por silvos misteriosos. Após a exibição,

repetia-se o roteiro de perguntas do fragmento anterior.

Os dados básicos das oito pessoas entrevistadas em Canas são os seguintes

(os nomes aqui utilizados foram alterados para preservar a identidade dos

entrevistados):

- João, 51 anos, neto de italianos, casado há 26 anos, três filhos, 1º grau

completo, dono de um bar, TV no bar ligada basicamente na TV Globo, rádio

sintonizado nas emissoras de FM da região e que tocam música sertaneja,

acompanha pouco as telenovela devido ao horário de trabalho, mas lembrava das

tramas de PP;

- Rita, 20 anos, descendente de italianos, casada há quatro anos, uma filha

de três anos, 1º grau completo, dona de casa, TV ligada o dia inteiro na TV Globo

e na TV Cultura (programa de ginástica e programas infantis para a filha), assiste

telenovela às vezes fazendo outras atividades de casa;

- Luiz, 49 anos, casado há 28 anos, quatro filhos, quarta série do 1º grau,

trabalha na lavoura, gosta de música sertaneja e de samba, assiste pouca TV, mas

acompanha as telenovelas das oito na Rede Globo;

- Mariana, 25 anos, quatro anos de casada, uma filha de três anos, grávida,

1º grau completo, trabalha numa loja de tecidos, dona de casa, é de família do sul

de Minas Gerais, TV em casa ligada o dia todo, de manhã no SBT e depois na TV

Globo, gosta mais das telenovelas quando estão nos últimos capítulos;

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- Carlos, 29 anos, solteiro, 2º grau completo, técnico em mecânica, pedreiro,

coordenador de pastoral na paróquia de Canas, assiste pouca TV e somente à

tarde, acompanha algumas telenovelas (entre elas acompanhou PP), gosta de

música popular brasileira;

- Julio, 30 anos, três anos de casado, uma filha, 2º grau completo em

contabilidade, desempregado, assiste telejornais e esportes na TV e telenovelas

para acompanhar a esposa, não acompanhou PP;

- Sonia, 34 anos, treze anos de casada, dois filhos, professora de pré-escolar,

casada com o vereador de Canas, gosta de música sertaneja e samba, proprietária

de uma loja de variedades em um posto de gasolina na beira da Dutra, na loja o

rádio e a TV estão ligados o dia todo, na loja ou em casa acompanha telenovelas;

- Ana, 36 anos, 16 anos de casada, dois filhos, 2º grau completo técnico em

secretariado, trabalha no aluguel de vestidos de noiva, gosta de música romântica,

na TV assiste notícias e reportagens, não gosta de telenovelas, prefere ler, não

acompanhou PP.

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4.2.2 Entrevistas em Santa Edwiges

Por intermédio de alguns conhecidos da paróquia de Santa Edwiges

contatamos as oito pessoas que foram entrevistadas. Localizada no bairro de

Sacomã, região sudeste da cidade de São Paulo, Santa Edwiges configura-se

numa área residencial de classe média e baixa.

As oito entrevistas ali realizadas tiveram procedimento similar às de Canas:

uma parte sem evidenciar o som e outra chamando atenção para ele. A partir das

sugestões do Exame Geral de Qualificação, contudo, a entrevista foi reformulada.

Primeiro, retiraram-se alguns fragmentos de Pedra sobre Pedra e incluiram-se

fragmentos de Fera Ferida. Segundo, na tentativa de melhorar a primeira parte da

entrevista, onde o entrevistado ainda não sabia que a pesquisa era sobre som, dois

fragmentos de Fera Ferida passaram por uma modificação da trilha sonora: em

um foi retirada a música, deixando um longo silêncio no seu lugar e, no outro, a

música original foi substituída pela música "Cabecinha no Ombro" pertencente à

trilha de Pedra sobre Pedra. O intuito aqui era verificar até que ponto as pessoas

percebiam e comentavam espontaneamente mudanças tão fortes no som. Outra

diferença deu-se no momento de apresentar a entrevista; agora a pessoa não era

informada sobre quais as telenovelas de origem dos 14 fragmentos que iria

assistir, procurando com isto observar a lembrança de PP, que nesse momento já

houvera transcorrido dois anos de sua emissão.

Os dois primeiros fragmentos exibidos foram: o nº 8, onde Murilo Pontes

está cavalgando na Chapada Diamantina (fragmento nº 2 da entrevista em

Canas) e, o nº 9, onde Cândido Alegria denuncia seu pacto com o diabo e

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transforma-se me pedra (o nº 5 em Canas). Para estes dois fragmentos seguiu-se o

esquema da primeira entrevista, após a apresentação de cada um realizavam-se

perguntas genéricas acrescentando a pergunta se a pessoa lembrava de que

telenovela eram os fragmentos.

O fragmento nº 10 (do cap. 59), seguinte a ser exibido, mostra o professor

Praxedes e sua mulher Querubina falando sobre a herança da sobrinha Camila;

quando eles saem de cena, a imagem vai para o quarto de Camila que esta em

atitude pensativa, terminando com um breve diálogo de Frida com dona

Margarida, na casa desta última. A música original da cena de Camila é o tema

"Pálida", porém, nesta cena realizamos a primeira modificação ao retirar o som

dessa música deixando em silêncio essa parte do fragmento. Na entrevista

procurava-se observar a reação a este silêncio incomun em uma cena de

telenovela. Procurava-se observar até que ponto as pessas notavam e comentavam

essa ocorrência sonora.

A segunda modificação do som foi realizada no fragmento nº 11 (cap. 57),

neste vemos Flamel enxugando-se com uma toalha no momento em que relembra

algumas passagens de amor dele com Linda Inês, as lembranças entram através de

imagens. Nesta seqüência a música original é o tema "Fera Ferida", mas no lugar

deste, colocamos a música "Cabecinha no Ombro". Após as lembranças ainda

pode-se ouvir as batidas na porta quando Linda vai entregar algumas roupas para

Flamel, logo há uma pequena discussão entre os dois e finalmente um efeito de

pontuação sonora, quando Flamel abre a porta novamente descobrindo Linda

tentando-o observar pelo buraco da fechadura. Assim como no fragmento

anterior, o intuito era verificar a reação diante de uma mudança drástica no som.

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Esperava-se provocar um contraste maior que o do silêncio, já que "Cabecinha no

ombro" é uma antiga música popular que ficou de novo em evidência durante PP.

Assim, o entrevistado deveria estranhar, ou não, tanto a utilização de um tema de

outra novela, como a utilização de uma música que não apresentara nenhuma

ocorrência em FF.

A partir do fragmento nº 12, o entrevistado era orientado para assistir os

fragmentos prestando atenção ao som. Este fragmento apresenta a cena em que

Jorge Tadeu está fotografando Susana Frota (o nº 6 em Canas). Neste momento

repetiam-se as mesmas perguntas, com os mesmos objetivos das entrevistas em

Canas. A única diferença poderia se apresentar se o entrevistado realizasse,

espontanemante, alguma relação entre as músicas deste fragmento com a do

anterior, já que é a mesma "Cabecinha no ombro".

O fragmento nº 13 (do cap. 56), por sua vez, tem no som um diálogo entre as

irmãs Salustiana e Ilka, e um efeito sonoro de chocalho, quando Salustiana sacode

Ilka provocando um movimento forte da cabeça. Neste momento aproveitava-se

para perguntar tanto sobre os barulhos de telenovela em geral, como os barulhos

que fazem parte da vida do entrevistado. Pergunta-se, a seguir, sobre a voz das

personagens, dos atores e a voz das pessoas. E volta-se a falar dos sons e as falas

dos fragmentos já assistidos. Neste fragmento e no seguinte, são testadas de forma

explicita as hipóteses da pesquisa com relação ao som e receptor. Perguntando

como, onde, o que etc. ouvem os entrevistados, os fragmentos são utilizados como

referência para a entrevista.

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O último fragmento nº 14 (do cap. 57), acontece na tecelagem e apresenta

uma seqüência de discussão, briga, momento de amor e surpresa envolvendo

Linda Inês e Flamel e no final surge o prefeito Demóstenes. Nesta cena, os

diálogos de Linda e Flamel passam de briga a sedução e finalmente para a

sensualidade, sendo cortados pela voz de Demóstenes. Os sons combinam um

fundo de passarinhos com passos fortes, sons de objetos caindo violentamente e o

chacoalhar da água e das tintas quando as personagens rolam dentro delas.

Finalmente, ouve-se a ocorrência da música "Fera Ferida" duas vezes, um toque

curto de tensão e a música "Sangue Latino" uma vez e uma pontuação musical de

surpresa. Como pode-se notar, esta seqüência possui uma quantidade considerável

de nuances sonoras.

As perguntas sobre este fragmento centravam-se no começo sobre as

músicas: perguntava-se sobre quantas eram, se foram reconhecidas, qual a função

daquela música na telenovela etc. Abordava-se também a música dos fragmentos

anteriores e perguntava-se sobre o silêncio de Camila (no nº 10) e a "Cabecinha

no ombro" de Flamel (no nº 11), bem como sobre as músicas na vida do

entrevistado. Os sons e as falas também eram lembrados, terminando com

perguntas sobre como a pessoa assistia telenovela diariamente.

Os dados básicos dos oito entrevistados em Santa Edwiges são os seguintes

(o mesmo procedimento e justificativa para a alteração dos nomes adotado

anteriormente, vale também para estes entrevistados):

- Cláudia, 16 anos, natural de São Paulo, solteira, cursando 2º ano do 2º

grau, ouve muito rádio, emissoras de FM de música rock e pop, na televisão gosta

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da programação para jovens como Programa Livre (no SBT), acompanha as

telenovelas das oito, mas atualmente prefere assitir a das sete Olho no Olho, na

Rede Globo.

- Mário, 16 anos, natural de Teresina - PI, veio para São Paulo aos nove

anos, solteiro, cursa a oitava série, estuda música há três anos e gosta de MPB e

rap, a TV fica ligada em casa o dia inteiro, mas ele só a assiste ao meio dia e um

pouco a noite, acompanha as telenovelas das oito.

- Helena, 43 anos, natural de Piracicaba - SP, veio para São Paulo com três

anos, casada há 19 anos, dois filhos (de 16 e nove anos), 2º grau completo,

trabalhou como secrétaria mas há dez anos dedica-se exclusivamente ao trabalho

doméstico de sua casa, gosta muito de ler e assiste filmes na TV ou em vídeo à

tarde e acompanha as telenovelas.

- André, 16 anos, natural de São Paulo, solteiro, cursa o 3º ano do 2º grau,

gosta rock e de música clásica, prefere fazer lição e estudar "com o barulho da

TV", acompanha a telenovela das oito.

- Kátia, 48 anos, natural de Duartina - SP, dos dois aos 17 anos morou em

Lucélia - SP, quando veio para São Paulo; casada, dois filhos (16 e 13 anos),

terminou o 1º grau e já adulta fez um supletivo do 2º grau, trabalha como

telefonista, assiste TV somente à noite e acompanha a telenovela das oito.

- Simone, 24 anos, natural de São Paulo, solteira, 2º grau completo com

curso técnico em patologia clínica, trabalha como secretária, gosta de ouvir

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emissoras de FM de rock , pop e MPB, assiste TV à tarde e à noite, acompanha as

telenovelas.

- Ricardo, 52 anos, natural de São Paulo, casado, duas filhas (27 e 24 anos)

e um filho (20 anos), aposentado, trabalhou como metalúrgico (auto- peças), gosta

de ouvir notícias na rádio AM e se diz um analfabeto em música, assiste TV à

noite e acompanha a telenovela das oito.

- Adriana, 37 anos, natural de São Paulo, casada, um filho de oito anos,

dona de casa, gosta de música instrumental, assiste TV quase sempre desde a

manhã até a noite, acompanha a telenovela das oito.