da querência ao mouse - fee.rs.gov.br · final dos anos 70, um período de uma profunda crise...

47
Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ...... O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 1 Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais na economia gaúcha dos anos 80 aos anos 2000 Octavio A. C. Conceição A teoria de Schumpeter, apresentada no seu Business Cycles, faz muitas referências ao fato de que a história do crescimento econômico tende a se dividir em eras e que, dentro de cada uma em particular, há um conjunto relativamente pequeno de tecnologias e setores que dirigem o crescimento econômico. [...] Recentemente, Carlota Perez e Christopher Freeman propuseram que tecnologias e setores-chave de diferentes eras, geralmente, requerem diferentes conjuntos de instituições de apoio. O argumento deles é que as nações que tendem a ser líderes em diferentes eras são as que tinham, ou trataram de construir, o conjunto apropriado de instituições.‖ Nelson (2006, tradução nossa) 1 . Expectativas, governança, credibilidade, padrões de qualidade, vantagens competitivas, capacitação e aprendizagem, institucionalidade, estratégias de seleção e adaptação, paradigmas tecnológicos, financeirização globalizada e outras tantas palavras são conceitos, hoje, relativamente disseminados no debate econômico. Tais noções, no Economista, Técnico da FEE, Professor do PPGE-UFRGS. O autor agradece a Marinês Grando, Luiz Faria e Sonia Teruchkin que, com ele, dividiram a coordenação deste livro o convívio, as leituras e as sugestões à primeira versão deste texto. Estende sua gratidão às preciosas contribuições do Professor Achyles Barcelos da Costa e do Professor Cláudio Accurso, que ajudaram a explicitar pontos imprecisos na versão inicial deste texto. Como de praxe, isenta a todos de equívocos porventura remanescentes na atual versão. 1 No original: ―[T]here is a lot to Schumpeter’s theory, presented in his Business Cycles, that the history of economic growth tends to divide up into eras, and that within any particular era there is a relatively small set of technologies and industries that are driving economic growth. […] Recently Carlotta Perez and Christopher Freeman have proposed that the key technologies and industries of different eras generally require different sets of supporting institutions. Their argument is that the nations that tend to be leaders in the different eras are those that had, or managed to build, the appropriate set of institutions.” Nelson (2006).

Upload: vokhanh

Post on 19-Nov-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 1

Da querência ao mouse:

uma avaliação das mudanças estruturais na

economia gaúcha dos anos 80 aos anos 2000

Octavio A. C. Conceição

―A teoria de Schumpeter, apresentada no seu Business Cycles, faz muitas referências ao fato de que a história do crescimento econômico tende a se dividir em eras e que, dentro de cada uma

em particular, há um conjunto relativamente pequeno de tecnologias e setores que dirigem o crescimento econômico. [...] Recentemente, Carlota Perez e Christopher Freeman propuseram que tecnologias e setores-chave de diferentes eras, geralmente, requerem diferentes conjuntos de instituições de apoio. O argumento deles é que as nações que tendem a ser líderes em diferentes eras são as que tinham, ou trataram de construir, o conjunto apropriado de instituições.‖

Nelson (2006, tradução nossa)1.

Expectativas, governança, credibilidade, padrões de qualidade,

vantagens competitivas, capacitação e aprendizagem, institucionalidade,

estratégias de seleção e adaptação, paradigmas tecnológicos,

financeirização globalizada e outras tantas palavras são conceitos, hoje,

relativamente disseminados no debate econômico. Tais noções, no

Economista, Técnico da FEE, Professor do PPGE-UFRGS. O autor agradece a Marinês Grando, Luiz Faria e Sonia Teruchkin — que, com ele, dividiram a coordenação deste livro — o convívio, as leituras e as sugestões à primeira versão deste texto. Estende sua gratidão às preciosas contribuições do Professor Achyles

Barcelos da Costa e do Professor Cláudio Accurso, que ajudaram a explicitar pontos imprecisos na versão inicial deste texto. Como de praxe, isenta a todos de equívocos porventura remanescentes na atual versão. 1 No original: ―[T]here is a lot to Schumpeter’s theory, presented in his Business Cycles,

that the history of economic growth tends to divide up into eras, and that within any particular era there is a relatively small set of technologies and industries that are driving economic growth. […] Recently Carlotta Perez and Christopher Freeman have proposed

that the key technologies and industries of different eras generally require different sets of supporting institutions. Their argument is that the nations that tend to be leaders in the different eras are those that had, or managed to build, the appropriate set of institutions.” Nelson (2006).

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 2

entanto, raramente apareciam no vocabulário econômico corrente, ou

eram tratadas como questões de menor importância no início dos anos 80.

Naquela época, discutiam-se a crise, os planos de desenvolvimento ou sua

ausência, a dívida externa, a concentração da renda, a superação da

industrialização restringida, a inflação galopante, o déficit público, a

correção monetária e questões relacionadas ao curto prazo. Tais conceitos

municiavam o debate econômico da ainda inominada ―década perdida‖. O

que se quer enfatizar aqui é que as expressões mencionadas no início do

parágrafo ou eram incompreendidas, ou careciam de fundamentos

analíticos para sua compreensão. Naquela época, havia carência de um

instrumental teórico capaz de dar conta da magnitude das transformações

em curso. De lá para cá, mudou a linguagem, mudou a forma de

compreensão dos diferentes conceitos, e estabeleceu-se uma nova agenda

de pesquisa. A questão que se poderia colocar é se mudaram apenas os

termos, ou se esses novos conceitos se originaram de uma ―nova‖ teoria

econômica?

Este texto procura demonstrar que a mudança na percepção

conceitual é decorrente de novos enfoques econômicos, que, hoje, dão

conta, com maior profundidade e densidade teórica, das enormes

transformações gestadas no início dos anos 80. Estabeleceu-se, na

agenda de pesquisa econômica e social, uma nova dimensão analítica,

capaz de nos capacitar a entender a importância das referidas

transformações ou mutações estruturais. Este artigo busca discutir um

dos enfoques que tratam dessa perspectiva analítica, que pode,

genericamente, ser designado como evolucionário e institucionalista.

Poucos períodos da história recente do Rio Grande do Sul foram

palco de tão profundas e complexas transformações como as que

transcorreram ao longo das últimas três décadas. Atravessou-se, desde o

final dos anos 70, um período de uma profunda crise econômica,

associado a um processo inflacionário sem precedente na história do País,

que exigiu uma drástica correção de rumo. Ali, já se podia observar que

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 3

tanto a economia nacional quanto a economia gaúcha exigiam reformas

estruturais profundas para sobreviverem. Tal correção, apesar de lenta e,

às vezes, aparentemente, sem norte, veio ocorrendo desde então,

tornando-se perceptível apenas no início dos anos 90.

Os anos 80 explicitaram a impossibilidade de a economia funcionar,

ou continuar funcionando, da forma como estava estruturada. Para poder

sustentar alguma trajetória de crescimento de mais longo prazo, faziam-

se necessárias reformas (estruturais) que rompessem, simultaneamente,

com a ―lógica‖ da memória inflacionária, com um padrão de ação

governamental que não produzia mais resultados, senão déficits

recorrentes, com um regime de competitividade (que, mais tarde, o

cepalino Fernando Fajnzylber denominou ―competitividade espúria‖)

assentado na desvalorização cambial, com um padrão produtivo herdado

do modelo tecnologicamente passivo do processo de substituição de

importações (PSI) e com uma organização do trabalho incapaz de

propiciar ganhos de produtividade e qualificação da mão de obra. Some-se

a isso o fato de que esse quadro de mudanças ocorreu em meio ao triunfo

do mal denominado ―neoliberalismo‖, que defendia maior flexibilização do

mercado de trabalho, políticas restritivas à demanda agregada e um

padrão de ação estatal avesso a qualquer identificação com o

keynesianismo2. Esse elenco de medidas, que John Williamson chamou de

―Consenso de Washington‖, articulou a grande orquestração

macroeconômica dos anos 80 e 90, que regeu a política econômica das

nações ocidentais. O alinhamento a essas reformas foi responsável, em

grande parte, pelas diferentes performances nacionais ao longo dos anos

90.3

2 O qualificativo aí referido justifica-se pelo fato de que as ditas políticas ―neoliberais‖ seguem os mesmos princípios da doutrina liberal, não se caracterizando como algo novo. Na verdade, a referida concepção tratou de resgatar e reeditar os fundamentos do

liberalismo econômico clássico, os quais, centrados no laissez faire e no Estado mínimo, visavam opor-se às políticas keynesianas implementadas no pós-guerra. 3 A adesão às diretrizes preconizadas pelo Consenso de Washington não foi unânime, o que replicou em diferentes performances econômicas, ao longo do tempo, entre países,

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 4

A série de mudanças levadas a efeito no Brasil, nesse período, não

fugiu desse espectro. Tal processo desencadeou-se de maneira contínua,

irreversível e não sem sobressaltos. Manifestou-se, também, através da

geração de um enorme ônus para a população, para as empresas e para o

próprio Estado, cujo processo de ―ajuste‖, revelado através de sucessivas

mudanças estruturais, transformou irreversivelmente a face das

economias nacional e gaúcha.

A trajetória econômica do RS, desde o início dos anos 80 até os dias

de hoje, não pode ser entendida sem a devida compreensão e sem o

consequente aprofundamento teórico dessas mudanças em curso. É a

respeito delas que se busca tratar ao longo deste texto. Mas, para situá-

las teoricamente, faz-se necessária uma discussão sucinta das abordagens

teóricas que as incluem no centro de sua agenda pesquisa. E a abordagem

evolucionária contempla essa perspectiva analítica.

1 A EVOLUÇÃO ECONÔMICA E O PAPEL DA MUDANÇA

TECNOLÓGICA

A economia evolucionária trata de sistemas complexos que

interagem em um mundo de diversidade, onde as inovações exercem

papel central. Nesse sentido, o processo de crescimento e de

desenvolvimento econômico está inserido em um processo de mudança

estrutural, que permite que as mudanças tecnológicas e institucionais se

alimentem reciprocamente (embora com timings diferentes), operando,

assim, as mudanças sociais. Daí o conceito de paradigma tecnoeconômico.

O conceito de mudança e o processo de mudança estrutural são,

aqui neste texto, entendidos como, simultaneamente, de natureza tanto

tecnológica quanto institucional. Sua compreensão está igualmente

particularmente entre os da América Latina e os da Ásia. Estes últimos, por não aderirem totalmente àquelas normas de conduta — ao contrário de países como o Brasil —, apresentaram altas taxas de crescimento econômico, aumentando sua participação na estrutura produtiva mundial.

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 5

associada à descrição, dentro das diferentes realidades regionais, dos

elementos que constituem o processo de crescimento econômico, que lhes

são específicos. Para tal descrição, porém, é necessário que se realize, no

plano analítico e teórico, a inclusão das instituições que operam dentro do

referido ambiente evolutivo.

Do ponto de vista adotado neste trabalho, compreender crescimento

e instituições ―fora‖ da noção evolutiva, além de empobrecer a análise,

esvazia-a de conteúdo histórico, como, aliás, o fazem as abordagens

convencionais ou standard (Nelson, 2002). Instituições, crescimento

econômico e evolução são noções indissociáveis. Por essa razão, julga-se

pertinente retomar a definição do que vem a ser, em termos atuais, o

conceito de evolução.

Muito se tem discutido sobre as noções evolucionárias. Autores

institucionalistas ligados à tradição de Veblen e do Antigo

Institucionalismo, como Geoffrey Hodgson, vêm dando um tratamento

mais sistemático ao conceito de ―evolução‖, procurando vinculá-lo ao meio

ambiente institucional. Evolução deve envolver os três princípios

darwinianos: variação, herança e seleção. Considerando-se os três

isoladamente, tem-se que, primeiro, deve haver alguma explicação sobre

como ocorre a variedade e como ela é realimentada em uma população.

Não há mecanismos análogos à biologia (como recombinação genética e

mutações) na evolução das instituições sociais, mas a existência e a

realimentação da variedade permanecem sendo uma questão vital na

pesquisa evolucionária (Metcalfe, 1998; Nelson, 1991; Saviotti, 1996,

apud Hodgson; Knudsen, 2006, p. 1).

Deve haver também, em segundo lugar, uma explicação sobre como

uma informação útil, relativa a soluções de problemas adaptativos

particulares, é conservada e passada adiante. Esse procedimento decorre

diretamente de hipóteses relativas à natureza do complexo sistema da

população, através do qual deve haver algum mecanismo pelo qual as

soluções adaptativas são copiadas e difundidas. Na biologia, tais

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 6

mecanismos frequentemente envolvem os gens e o DNA. Na evolução

social, podem-se incluir a replicação de hábitos, costumes, regras e

rotinas, que podem conduzir a soluções para problemas de adaptação.

Deve haver algum mecanismo que assegure que tais soluções

(incorporadas nos hábitos ou nas rotinas) resistam e repliquem. De outra

forma, a continuidade de retenção de conhecimento útil não seria

possível. Saliente-se que esse seria o princípio através do qual os

paradigmas tecnoeconômicos se constituiriam, se difundiriam e se

superariam.

Em terceiro lugar, deve haver uma explicação sobre o fato de que as

entidades diferem em suas longevidade e fecundidade. Por meio da

seleção, um conjunto de entidades, uma população, gradualmente,

adaptar-se-á em resposta ao critério definido pelo fator meio ambiente.

Observe-se que os resultados do processo de seleção não são

necessariamente nem morais, nem justos. Além disso, não há qualquer

exigência de que os mesmos sejam ótimos ou melhores em relação a seus

precursores. Por conta disso, a noção de eficiência é relativa a

determinado ambiente, onde, antes de ótima, ela é tolerável.

Saliente-se que esses três princípios darwinianos contemplam uma

interessante analogia com os períodos vividos pela economia gaúcha

nestas três últimas décadas. Sem qualquer veleidade ou pretensão

determinista que alguém possa querer atribuir a este trabalho, pode-se

sugerir que a noção de variação parece adequar-se ao ambiente de

mudança estrutural explicitado na década perdida; da mesma forma, a

noção de seleção parece estar mais presente nos anos 90, quando dos

desafios da reestruturação produtiva; e a noção de herança integra o

legado cultural da economia gaúcha, que teve que se reformular para

subsistir.

Outra noção importante é a da auto-organização. A existência de

resultados auto-organizados, complexos, demonstra que nem sempre se

tem que procurar um designer para explicar sua emergência. Isto é

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 7

relevante porque todas as ciências sociais contêm a visão de que os

fenômenos sociais são resultado de desígnios conscientes. Muitas

instituições humanas eficazes e complexas, tal como a linguagem e a lei

comum, não são resultados de um plano global. Essas referências

evolucionárias são importantes para justificar a relevância do conceito de

mudança (ou variação, em termos darwinianos).

A compreensão da natureza da mudança econômica tem sido um

dos mais férteis campos teóricos da Economia nas últimas três décadas.

Várias correntes articularam-se e desenvolveram-se, buscando responder

o que a determina. Contrasta com essa busca a ausência de tratamento

teórico ao referido processo pelo mainstream ortodoxo, que,

deliberadamente, o negligenciou. Um dos pilares fundamentais no avanço

da compreensão do processo de mudança econômica foi o trabalho

seminal de Richard Nelson e Sidney Winter, publicado em 1982, intitulado

An Evolutionary Theory of Economic Change. Nesse estudo,

desenvolveu-se a base do que seria uma interpretação alternativa ao

processo de crescimento econômico, que exigiria a construção de um novo

marco de análise. Tal tarefa foi levada a efeito pela contribuição então

denominada neoschumpeteriana, que, com vários trabalhos em sequência,

perseguindo uma agenda de pesquisa comum, avançou substancialmente

na compreensão dos fenômenos de crescimento e desenvolvimento

tecnológico, mudança estrutural, paradigmas tecnológicos ou

tecnoeconômicos, trajetórias tecnológicas e sistemas nacionais de

inovação. Além de Nelson e Winter, somaram-se a essa escola Giovanni

Dosi, Christopher Freeman, Lundvall, Carlota Perez, Luc Soete, Brian

Arthur e muitos outros. Para eles, o que dava sustentação ao processo de

crescimento e de desenvolvimento econômico era a forma como se

organizavam e se disseminavam as novas tecnologias, o ambiente

favorável à inovatividade, o padrão de competitividade e o ambiente

institucional mais ou menos propício às mesmas. O grau de êxito ou

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 8

fracasso dos países em direção a esse desiderato era resultante da forma

como, nacional ou regionalmente, operou esse padrão.

O ambiente econômico, ao ser instigado pela necessidade de

mudanças, adapta-se ao novo paradigma, construindo uma rede

institucional capaz de sustentar o espectro de transformações dele

decorrentes. Essas se disseminam no âmbito tanto da firma quanto do

processo de trabalho, na gestão dos novos métodos produtivos,

estabelecendo capacitações (Dosi, 1988a) e aprendizagem. Essas

absorvem os novos padrões de competitividade, decorrentes da mudança

estrutural originária do paradigma dominante e os disseminam. Por essa

razão, na ótica neoschumpeteriana, tecnologia é definida como um

processo de busca de novos produtos e processos, que se difundem por

todo o sistema. Aliás, é por essa razão que Nelson (2008) vem propondo

o conceito de ―tecnologia social‖, que articula as rotinas das firmas com as

instituições e com a tecnologia (Conceição, 2009).

Essa interação produz, ao longo do tempo, mudança nos padrões de

comportamento, nos hábitos, nas normas e nas regras do jogo,

estabelecendo um novo marco institucional. Hodgson (2007) designa essa

noção como de reconstitutive downward causation, que estabelece o nexo

entre os indivíduos, seus hábitos e suas crenças e as instituições, que

determinam e são influenciadas pelos mesmos.

O referido processo, ao contrário da visão dominante no

mainstream, tem pouco a ver com o desenho de uma trajetória de

crescimento convergente a um ponto de ―equilíbrio ótimo‖, compatível

com a noção de steady state, embora possa advir alguma estabilidade

provisória dessas transformações. Mudanças, instabilidade e incerteza

predominam ante o quadro hipotético de convergência à estabilidade e ao

equilíbrio de longo prazo. Douglass North, importante referência da Nova

Economia Institucional (NEI), tem afirmado, em seus trabalhos mais

recentes, que as diferentes performances econômicas dos países (e

consequentemente das regiões) são resultados das mudanças

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 9

institucionais ali operadas. Tal proposição credencia a enfatizar-se a

importância teórica de identificar como as referidas mudanças

institucionais se processaram nos diferentes espaços regionais, entre os

quais se inclui, naturalmente, o caso da economia gaúcha.

1.1 O conceito de paradigma tecnoeconômico

A importância da mudança tecnológica dentro da abordagem

neoschumpeteriana produziu conceitos que procuravam entender todo o

entorno da atividade econômica. Daí o conceito de paradigma

tecnoeconômico ou de noções próximas, como o paradigma tecnológico de

Dosi (1983) ou a trajetória natural de Nelson e Winter (1982). O referido

conceito incorpora não só as mudanças tecnológicas e organizacionais

ligadas a determinado padrão técnico, como a forma de solucionar

problemas dentro de certo domínio do conhecimento. Indo mais além, o

conceito de paradigma tecnoeconômico, proposto por Christopher

Freeman e Carlota Perez (Freeman; Perez, 1988), atinge o elenco de

transformações que afetam a vida das pessoas, constituindo formas

alternativas de atividades econômicas, tecnológicas, sociais e

institucionais, ligadas a determinado padrão produtivo. Após um longo

período de prosperidade, os efeitos de tal ―onda‖ se desvanecem, dando

origem a novo surto de descobertas e inovações4. Saliente-se que, entre

um surto e outro, a economia é abalada por uma profunda crise, de

natureza estrutural, que se ―resolve‖ por meio de novas descobertas,

invenções e ramos de atividade. A alma desse processo era, e continua

sendo, a inovação tecnológica, que orienta a atividade humana.

4 Os limites à expansão devem-se à queda da taxa de lucro, em decorrência da saturação dos mercados e do aumento da oferta dos produtos associados às tecnologias implementadas.

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 10

A história do capitalismo, segundo proposição de Perez (2002), foi

regida por cinco paradigmas tecnoeconômicos, ou cinco grandes ―eras‖. A

Revolução Industrial, a era da máquina a vapor e da estrada de ferro, a

era da engenharia pesada e do aço, a era da produção em massa e a era

da tecnologia da informação. Segundo a referida autora, em 1771, no

alvorecer da Primeira Revolução Industrial, quando irrompeu a

mecanização na indústria têxtil, iniciou-se o primeiro paradigma;

posteriormente, em 1829, surgiu a era do motor a vapor e da estrada de

ferro; em 1875, impôs-se a engenharia pesada e a indústria do aço; em

1908, o modelo-T de Henry Ford inaugurou a era da produção em massa;

e, em 1971, o microprocessador da Intel inaugurou a era da tecnologia da

informação. Atualmente, está-se na transição desse paradigma para a

―era da nanotecnologia‖, ou da biotecnologia, para a qual a crise de 2008

parece ter sido o divisor de águas entre duas eras (Freeman; Louçã,

2001; Perez, 2002, 2004).

Saliente-se, a propósito, que a atual crise econômica é fruto da

transição paradigmática, que sempre eclode em momentos de mudanças

estruturais, face às baixas possibilidades de valorização do capital nas

óticas tecnológica, produtiva e financeira. Tal obstáculo engendra um

processo de busca de novas oportunidades e de inovações, face ao

esgotamento do paradigma então dominante. A isso, Schumpeter (1942)

denominou ―destruição criadora‖. Mantidas as diferenças, poder-se-ia

estabelecer uma analogia da noção de paradigma tecnoeconômico com as

ondas longas, ou os ciclos longos, das economias capitalistas, que se

estendiam por 50 a 60 anos, intermediadas por grandes crises ou

depressões. A diferença é que, para os neoschumpeterianos, quem

estabelece a duração das referidas flutuações é a mudança tecnológica. O

invólucro que caracteriza determinada era — ou ciclo longo, ou paradigma

— é acentuado por características sociais e econômicas que lhe conferem

especificidades, inerentes às diferentes fases históricas da humanidade ou

do capitalismo (Quadro 1).

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 11

Voltando para os objetivos do presente texto, é importante

mencionar-se que, ao longo dos últimos 30 anos, se atravessou uma fase

da economia mundial dominada pelo ―paradigma tecnológico da

informação‖. Esse definiu, para os países periféricos, as possibilidades de

abrir (ou fechar) as ―janelas de oportunidade‖, conforme a forma de

enfrentamento dos desafios da tecnologia e da competitividade. A escolha

de uma ou outra forma é que determinará as condições de avanços

tecnológico, social, econômico e institucional.

O fenômeno da globalização, que tomou forma a partir do início dos

anos 80, está, na ótica neoschumpeteriana, vinculado à ideologia do livre

mercado. Isto porque a necessidade de reconhecer todo o Planeta como

um espaço econômico é uma característica específica da atual revolução

tecnológica e do paradigma tecnoeconômico vigente. Tal ―modelo‖

contrasta com o paradigma anterior. No paradigma de ―produção em

massa‖ (ou paradigma fordista, em linguagem ―regulacionista‖), a

intervenção estatal assumia funções proeminentes dentro das economias

nacionais, definindo formas específicas nos diferentes estados nacionais.

Na globalização, cuja inserção se dá no paradigma da produção

flexível, ou da ―tecnologia da informação‖, poderia ser social e

politicamente esboçada uma outra forma de sustentar o desenvolvimento

global e o pleno emprego. Em outros termos, a globalização não precisa

necessariamente ser ―neoliberal‖. Ou seja, uma ―versão pró-

desenvolvimentista da globalização‖ ainda não foi e não tem sido

devidamente defendida. Poder-se-ia argumentar que, sem ela, como vem

acontecendo, tem sido muito difícil relançar o desenvolvimento no

Hemisfério Sul, como também superar a presente instabilidade, os

desequilíbrios e as tendências recessivas oriundas das economias do

Norte. Esse aspecto repercute diretamente sobre as trajetórias das

economias brasileira e gaúcha. E isso tem a ver com a natureza da crise

norte-americana de 2008, que afetou toda a economia mundial e pôs em

xeque a própria noção de globalização.

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 12

Sob a ótica de Perez (2007), o período atual, após o colapso da

grande bolha da tecnologia, estaria no ponto médio da grande onda

corrente, que ocorre quando as tensões estruturais realçam as

instabilidades e as tendências recessivas, as quais, por sua vez, exigem

outra recomposição institucional. Assim, o momento presente é, pelas

razões expostas, o mais apropriado possível para se levarem adiante

corajosas propostas para um profundo redesenho da regulação global e

das instituições.

No que tange às previsões de duração da crise e de sua superação,

adverte-se que não há data final, uma vez que a disseminação de cada

revolução tecnológica persiste após a sua maturação (deployment), em

um processo de lento declínio e de migração para periferias ulteriores,

enquanto outras revoluções já estão tomando forma. Há, portanto, uma

longa sobreposição entre as ondas.

Como as cinco grandes ―eras‖ de desenvolvimento, sustentadas por

sucessivas ―revoluções tecnológicas‖, transformaram a economia

capitalista em escala mundial, cada um desses ―vendavais de destruição

criadora‖ articulou uma constelação de novos insumos, produtos e

indústrias, uma ou mais infraestruturas, envolvendo também novas

formas de transporte de bens, pessoas e informações, bem como fontes

alternativas de energia e novas formas de acesso às mesmas. Cada uma

delas explorou novas frentes, trazendo riqueza e possibilidades de

inovações nos campos tecnológico, produtivo e, mais tarde, financeiro,

caracterizando uma fase de gold rush. Entretanto é importante salientar-

se que essas fases não seguem a cronologia schumpeteriana usual dos

ciclos longos ou ―ondas longas‖. Isto porque não representam um

(re)começo de uma expansão, mas a erupção de uma revolução

tecnológica, quando a anterior atingiu a maturidade e quando a economia

demonstra dar sinais de um lento declínio e de estagnação. Assim, a

noção de paradigma tecnoeconômico:

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 13

[...] captura a semente da mudança futura antes que a

mesma possa ser registrada nos agregados econômicos. O

autor propôs o termo Grande Onda de Desenvolvimento para referir-se ao processo de difusão e assimilação social de

cada revolução tecnológica como um todo, do big-bang à

maturidade (Perez, 2002, p. xxx, tradução nossa).5

Portanto, é sob essa forma que ocorre a mudança tecnológica, que

arrasta consigo — não de forma automática, mas ―induzida‖ pelo processo

de busca — as mudanças institucionais que proliferam em conjunto e de

forma articulada. São essas as circunstâncias que levam ao progresso

econômico.

1.2 Instituições e mudança institucional

Dentro desse contexto, pode-se definir instituição como conjunto de

normas, regras, hábitos e sua evolução (Hodgson, 2000; North, 1990;

Nelson, 1995). Daí, infere-se que a instituição passa a viabilizar, em

função das raízes históricas e estruturais que lhes são específicas,

distintas trajetórias de crescimento econômico. Por essa razão, os

conceitos de instituição, crescimento econômico e paradigma

tecnoeconômico são interligados.

Essas ponderações recolocam a ênfase em questões que,

formalmente, nunca deveriam ter sido omitidas, tais como a de que

crescimento econômico constitui-se em: (a) um processo de rupturas e

reconstruções; (b) as características da transição de um velho para um

novo processo de crescimento são elementos decisivos para a análise; (c)

as mudanças estruturais de natureza tanto tecnológica quanto

institucional são fundamentais; e (d) apesar de o mesmo sempre se

apresentar quantitativamente como um incremento na relação

5 No original: ―[…] captures the seed of future change before it can be registered in economic aggregates. The author has proposed the term Great Surge of Development to refer to the whole process of diffusion and social assimilation of each technological revolution, from big-bang to maturity‖ (Perez, 2002, p. xxx).

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 14

capital/produto — ou aumento da acumulação de capital per capita

superior ao crescimento populacional, ou ainda crescimento da

produtividade do trabalho em relação ao aumento da população —, ele se

reveste de características bastante distintas de região para região, às

vezes sequer comparáveis. E é exatamente desses aspectos que se ocupa

a tradição institucionalista: a história importa, as formas de crescimento

capitalista são diferenciadas e múltiplas, o processo de crescimento é

contínuo e tem raízes históricas profundas (North, 2005, Hodgson, 2002).

Genericamente, podem-se agrupar as correntes institucionalistas em

três: o Antigo Institucionalismo Norte-Americano, de Veblen, Commons e

Mitchell; a Nova Economia Institucional, de Coase, Williamson e North; e o

Neoinstitucionalismo, de Hodgson, Samuels e Rutherford (Samuels, 1995;

Hodgson, 1993).

A semelhança entre essas três correntes dá-se pelas razões

expostas acima, quais sejam: entendem crescimento econômico como

―processo‖; incorporam seu ambiente histórico e suas especificidades

locais; rejeitam o pressuposto de que trajetórias de determinadas

economias possam ser historicamente copiadas; e enfatizam que o

desenho institucional para o crescimento é necessariamente marcado pela

―incerteza‖ e pela especificidade histórica. Em suma, o processo de

crescimento econômico funda-se no ambiente microeconômico da ação

individual dos agentes, das firmas e das organizações, os quais definem

as diferentes trajetórias.

As três abordagens citadas não são excludentes, embora o que uma

priorize a outra coloque em segundo plano. Elas concordam com a

importância da mudança institucional e tecnológica como fator

desencadeador do processo de crescimento. O que se procura extrair

dessa discussão é que os institucionalistas estão em linha de convergência

com o campo de pesquisa evolucionário, que avança, conforme referido

por Nelson (2002), na construção de uma ponte entre a incorporação do

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 15

conceito de instituição e a compreensão do processo de crescimento

econômico.

1.3 A relação entre instituições, crescimento e (nem sempre)

eficiência

Para os seguidores do Antigo Institucionalismo de Veblen — como

Hodgson, por exemplo —, há forte discordância sobre a ideia de que os

rígidos pressupostos da racionalidade (substantiva) da teoria econômica

sejam capazes de proporcionar explicações factíveis e realísticas, no

sentido de que o comportamento humano seja considerado efetivamente

―eficaz‖, em contextos onde já exista uma considerável experiência

comum. Já para os teóricos afiliados à NEI, as instituições definem,

modelam e mantêm o referido ―comportamento racional‖ nos diferentes

contextos: os indivíduos não deduzem ou pensam por si mesmos sobre o

que é uma ação adequada, senão que atuam apenas fazendo o que é

convencional no respectivo contexto (Nelson; Sampat, 2001).

A diferença entre uma teoria que estabelece que as instituições

implicam uma planificação consciente e coordenada e uma teoria que as

concebe como resultado de um processo evolutivo não coordenado não se

traduz, necessariamente, em uma diferença sobre se as instituições

vigentes são ―eficientes‖ ou não. Dentro da tradição institucionalista

neoclássica, os trabalhos de Demsetz sobre direitos de propriedade

incluíam a pressuposição de que ―[...] a lei era eficiente e que as

mudanças legais refletiam mudanças em regras socialmente ótimas‖ (op.

cit., 2001, p. 24). Da mesma forma, parte dos estudos sobre organização

dos negócios supõe que as formas organizacionais são escolhidas

racionalmente, sendo, portanto, ótimas.

Atualmente, observa-se, nas escolas institucionalistas,

principalmente dentro da NEI, um afastamento dessas posições. Douglass

North, que, nos primeiros estudos, supunha que as instituições evoluíam

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 16

de forma a alcançar níveis mais elevados de eficiência (Nelson; Sampat,

2001, p. 25), tem defendido que sociedades que possuem instituições

relativamente eficientes são relativamente mais afortunadas. Nesse

sentido, a ideia de que não é necessário que as instituições sejam

eficientes desencadeia uma nova vertente teórica, segundo a qual são as

instituições vigentes que, em última instância, explicam as diferenças de

desempenho econômico entre os países, e que as mesmas assumem

distintos arranjos institucionais locais. Estudos mais recentes de North e

Nelson revelam essa convergência. Depreende-se daí que ―construir‖ um

ambiente institucional adequado e mutante não implica, necessariamente,

torná-lo mais eficiente: só a construção e a evolução do mesmo poderão,

no futuro, fornecer essas respostas, com base na experiência histórica

adquirida.

1.4 Três visões da relação entre instituições, crescimento e (isto

sim) mudança

Matthews (1986), embora reconheça certa convergência nas

modernas abordagens institucionalistas, argumenta que há várias

diferenças entre elas. A começar pelo próprio conceito de instituição, que,

segundo ele, gravita em torno de três eixos. O primeiro identifica

instituições econômicas alternativas como resultado de sistema de

―direitos de propriedade‖ (property rights) alternativos. Essa noção é

particularmente importante para as abordagens seguidoras de Coase

(1937). A segunda definição associa instituição a convenções ou normas

de comportamento econômico, servindo como suporte à execução e ao

cumprimento das leis. Nessa abordagem, não há uma vinculação tão

direta à economia dos custos de transação. Na França, desenvolveu-se

uma derivação dessa concepção, constituindo a denominada ―Economia

das Convenções‖, cujo expoente é Olivier Favereau (1995). E uma terceira

derivação centra-se nos tipos de contrato, que pode refletir-se em

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 17

diferentes formas de autoridade. Essas são as razões que levam a

definição de ―instituição‖ a assumir conotações múltiplas.

Sob essa perspectiva conceitual, o fenômeno do crescimento

econômico deve ser entendido como manifestação de mudanças

institucionais. Portanto, o vínculo entre crescimento e instituições deve ser

realizado pelo conceito de mudança, que pressupõe inovações (Matthews,

1986, p. 908). Assim, o processo de mudança econômica, institucional e

tecnológica é completamente diferenciado de um processo de melhoras

sucessivas e adaptativas, que levam a uma única situação de

convergência ao ótimo paretiano. Na realidade, há uma série de fatores

que obstaculizam tal perspectiva, como o papel do Estado, as interações

não voluntárias, a inércia e a complexidade. Matthews conclui seu artigo

enfatizando que as mudanças institucionais são mais lentas e mais difíceis

de ocorrer do que as mudanças tecnológicas, embora raras vezes ambas

não ocorram simultaneamente.

John Zysman (1994) enfatiza que as trajetórias de crescimento são

criadas historicamente, a partir do desenvolvimento de trajetórias

nacionais institucionalmente inventadas ou enraizadas (Historically Rooted

Trajectories of Growth). Ou seja, as instituições importam, porque

determinam diferentes trajetórias de crescimento econômico nos diversos

ambientes nacionais. Há várias formas de se organizar as economias de

mercado, os mercados são diferentes, e há vários tipos de capitalismo.

Essa abordagem procura associar mais diretamente o

institucionalismo à teoria econômica, estabelecendo nexos entre escolhas

individuais, tipos de contrato e estrutura dos problemas enfrentados pelas

suas respectivas empresas e organizações. Tal concepção é uma espécie

de ―institucionalismo histórico‖, sem deixar de referir que levanta

problemas e propõe soluções, considerando aspectos relacionados ao

microeconomic-based institutionalism. Nesse sentido, diferentes

conformações históricas e institucionais desenham, nos diversos contextos

regionais, os sistemas nacionais de inovação, que distinguem as

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 18

trajetórias tecnológicas. Por isso, institucionalismo e evolucionismo são

fenômenos impossíveis de serem compreendidos de maneira

desvinculada.

Nesse contexto, é importante mencionar-se que são as estratégias,

quer em nível empresarial, quer governamental, que, ao exercerem

influência decisiva sobre as inovações, formam um ambiente adequado

para os novos produtos e processos. Estabelece- -se daí um importante

ponto da passagem micro para a macro, pois não é o Governo quem

define estratégias para as firmas implementarem, mas o contrário, pois,

analiticamente, o salto manifesta-se do particular para o geral. Em outros

termos, a capacidade do Governo de produzir resultados em mercados

específicos não cria inevitavelmente vantagens de crescimento no mais

longo prazo, e, alternativamente, seu fracasso em gerar ou criar

vantagens não produz inevitavelmente desvantagens.

Tais conclusões requalificam o debate sobre formas alternativas de

crescimento, colocando o mercado e suas especificidades nacionais como

fator condicionante primordial para tal objetivo. Entretanto tal entidade

(ou, melhor dizendo, instituição) deve ser entendida não como um

princípio regulador e racionalizador de decisões ótimas, mas como produto

de interações, estratégias, decisões frente à incerteza, que repercutem,

favoravelmente ou não, através da atuação de toda uma rede

institucional, que lhe assegura sustentabilidade. Por essa razão, a noção

de mercado é indissociável da noção de instituição, pois a primeira, mais

do que produto da segunda, é sua própria manifestação.

Segundo Zysman, as trajetórias de crescimento — cujas instituições

são fontes geradoras — dão-se tanto pela existência de padrões de

inovação quanto pelo desenvolvimento tecnológico. Através de rotinas e

políticas específicas, estabelecem-se os termos do desenvolvimento

econômico. A opção que determina quem é perdedor ou ganhador se

torna parte do problema de alocação de custos nas mudanças industriais,

envolvendo, independentemente do modelo de desenvolvimento industrial

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 19

adotado, três aspectos sempre presentes: capacidade técnica da ação do

Estado na economia; estabelecimento de uma política de alocação de

custos da mudança industrial; e processo político para permitir tais

cumprimentos.

Essa é a ideia motora da abordagem de crescimento institucional,

pois não basta a geração de investimento para criar as bases para um

processo de crescimento. Faz-se necessária a construção de um ambiente

institucional adequado, capaz de transformá-lo em crescimento, o que,

obviamente, implica uma série de outros fatores:

A tecnologia, assim como os processos de mercado, não é desincorporada. Ela se desenvolve em comunidades; tem raízes locais. Os processos de aprendizagem que dirigem seu desenvolvimento são moldados pela comunidade e pela estrutura institucional, e, consequentemente, as trajetórias tecnológicas só podem ser definidas se tomarem como referência sociedades particulares (Zysman, 1994, p. 261, tradução nossa).6

Portanto, as instituições não são neutras e podem proporcionar

explicações sobre trajetórias específicas. Assim, uma dada estrutura

política e institucional induz à formação de uma lógica de mercado que

orienta e dirige a trajetória de crescimento.

Para Douglass North (1990), o fundamental no campo do

desenvolvimento econômico é buscar a formulação de uma ainda

inexistente ―teoria da dinâmica econômica‖. E essa reside,

fundamentalmente, na compreensão e na sistematização do processo de

mudança. Em sendo assim, as trajetórias das mudanças institucionais são

elementos essenciais na definição das diferentes formas de crescimento

econômico, o que revela notável semelhança com o pensamento

evolucionário.

6 No original: “Technology, like market processes, is not disembodied. It develops in

communities; it has local roots. The processes of learning that drive its development are shaped by the community and institutional structure, and consequently the technological trajectories can only be defined in reference to particular societies.‖ (Zysman, 1994, p. 261).

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 20

Para North, a mudança econômica de longo prazo é uma

―consequência cumulativa‖ de inúmeras decisões de curto prazo tomadas

por políticos e empresários, que, direta ou indiretamente (via efeitos

externos), determinam a performance econômica. Entretanto a

consistência entre os resultados e as intenções dos empresários refletirá o

grau através do qual os seus modelos são efetivamente ―verdadeiros‖.

Isto porque os modelos refletem ideias, ideologias e crenças, que são, na

melhor das hipóteses, apenas parcialmente refinadas e melhoradas por

feedback de informações sobre as consequências atuais das políticas

tornadas legitimamente legais. Em outros termos, as consequências de

políticas específicas não são apenas incertas, mas imprevisíveis.

Em seu livro de 2005, North reforça a argumentação da necessidade

de se compreender o processo de mudança econômica como principal

fonte de explicação dos fenômenos vinculados ao processo de

crescimento. Ao tentar desvendar a lógica de tão complexo processo, que

necessariamente deve contemplar analiticamente aspectos institucionais

relevantes e de difícil sistematização, North, mais uma vez, confronta tal

necessidade com a fragilidade do instrumental neoclássico, apesar de seus

notáveis avanços na área quantitativa. Para ele, o processo de mudança

econômica (e institucional) deve, necessariamente, contemplar os

seguintes aspectos: a incerteza em um mundo não ergódico; os sistemas

de crenças, cultura e ciência cognitiva; a consciência e a intencionalidade

humanas. Esses aspectos, em conjunto, definem o que ele designa de

arcabouço de interações humanas que permitem a construção da

estrutura institucional. North salienta ainda que a mudança institucional

segue cinco proposições centradas: na importância da interação entre

instituições, organizações e, portanto, na competitividade que se

estabelece; no conhecimento derivado dessa interação; na estrutura de

incentivos; nas formas de percepção dos agentes sobre as regras de como

o ―jogo é jogado‖; e nas economias de escopo, nas complementaridades e

nas externalidades da rede de uma dada matriz institucional. Assim: ―[...]

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 21

essa caracterização da mudança institucional é o bloco estrutural mais

importante em nossa construção da compreensão do processo de

mudança econômica‖ (op. cit., p. 64, tradução nossa)7. Essa afirmativa

revela importante insight a respeito da complexa relação entre instituição

e crescimento econômico, que tem, na mudança institucional, seu traço

mais revelador.

2 TRÊS DÉCADAS DE EVOLUÇÃO DAS ECONOMIAS GAÚCHA E

BRASILEIRA

A instrumentalização teórica de noções como as de mudança

tecnológica e institucional integra uma rica agenda de pesquisa, que,

entende-se, vem repercutindo, de maneira ainda tímida, sobre o ambiente

econômico nacional e regional. Poucos estudos ocupam-se dessa questão.

A forma como vêm operando, no espaço regional, as referidas

transformações econômicas (entendidas como mudanças tecnológicas e

institucionais) é fundamental para que se entenda o atual desenho da

economia gaúcha, sua relação com a dinâmica nacional, sua forma de

inserção no exterior e os desafios futuros daí decorrentes. Este artigo

supõe que a literatura institucionalista e evolucionária vem dando

importantes passos nesse sentido. A partir dessa visão, seria pouco

frutífero, senão impossível, tentar compreender-se o amplo elenco de

mudanças que ocorreram nas economias gaúcha e brasileira, no período

em questão, sem a incorporação do instrumental teórico evolucionário e

institucionalista, que acabou de ser discutido.

A economia gaúcha, outrora denominada ―celeiro do Brasil‖, tem

hoje outro caráter. Inclui um setor industrial fortemente integrado

nacionalmente, como o metal-mecânico; vários segmentos produtivos

7 No original: “[...] [t]his characterization of institutional change is a major building block in our construction of an understanding of the process of economic change.‖ (op. cit., p. 64).

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 22

ligados à exportação; segmentos industriais ligados à tecnologia da

informação; outros ligados à automação; um agronegócio modernizado e

integrado internacionalmente, etc. Mas subsistem também segmentos

tradicionais à margem da modernidade, como a pecuária extensiva,

alguns segmentos industriais pouco integrados aos avanços tecnológicos e

setores resistentes a qualquer mudança de hábitos e rotinas. Enfim, há

segmentos sintonizados com a ―inovatividade‖ e com os novos padrões de

competitividade, e outros segmentos totalmente à margem desse

ambiente.

A hipótese deste artigo é que, apesar de certa letargia que persiste

em setores não vinculados ao paradigma tecnológico dominante — como

alguns segmentos da agropecuária e a indústria ―antiga‖, herdada do

padrão substitutivo, cuja estratégia de sobrevivência, via ganhos de

produtividade, de competitividade e de busca de inovação, não evoluiu —,

a economia gaúcha tem encontrado, principalmente a partir da ―abertura

externa‖ e da ―estabilidade‖ advinda do Plano Real, importantes fontes de

modernização e avanço tecnológico. Entendendo-se a tecnologia como um

processo de ―busca de novos produtos e processos‖, assume-se que os

setores produtores gaúchos mais capacitados e com maiores condições de

avançar são justamente os mais ―sintonizados‖ com o paradigma

tecnológico nacional, ou, melhor dizendo, com a forma difusa e nebulosa

que o mesmo, de maneira periférica, assumiu no território nacional.

Entende-se que, cada vez mais, a sinergia oriunda da integração

tecnológica responderá pelas novas janelas de oportunidade, capazes de

relançar produtivamente o RS. E as oportunidades de emprego, de

melhoria de renda, de conhecimento e de aprendizado advirão dessa

estratégia, tal como ocorreu em vários países de industrialização tardia.

Ou seja, o atraso industrial não condena as nações submetidas a

esse padrão à fatalidade histórica da irreversibilidade de tal situação. As

dificuldades inerentes a essa superação não necessariamente levam a

uma situação de impossibilidade de superação, a qual, por sua vez,

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 23

conduziria a sociedade a uma situação de passividade social e política. Da

mesma forma, mas em sentido contrário, não se acredita que a retórica

das receitas únicas para a superação do atraso e do subdesenvolvimento,

oriundas dos fundamentos de eficiência e racionalidade dos mercados,

possam levar os países ao catching up. Neste texto, a trajetória de

superação das debilidades e das fragilidades estruturais será enfrentada

com percalços, descontinuidades e contradições, que somente se

revelarão mediante o avanço de seu próprio movimento em direção a seu

respectivo processo de desenvolvimento econômico. Essa, aliás, é a

primeira lição extraída dos autores discutidos anteriormente: não há

roteiro prévio para o desenvolvimento econômico, e sua busca dá-se

através da forma como operaram as mudanças tecnológicas e

institucionais.

2.1 Cenário produtivo

O cenário de crise na década perdida dos anos 80 sugeria que a

economia gaúcha tinha sua grande vocação centrada em duas vertentes.

Uma seria a promissora alternativa voltada à exportação de calçados, que

se constituiu em um forte setor da economia regional. Além da abertura

de novos mercados, principalmente o norte-americano, a modernização do

setor calçadista regional permitiu visualizarem-se novos nichos de

mercado para exportação. Porém muito dos estímulos setoriais ao referido

ramo era oriundo da desvalorização cambial, originária da elevada taxa

inflacionária, que utilizava o câmbio como forte estímulo à exportação,

determinando um padrão de competitividade considerado ―espúrio‖. Outro

setor que incorreu em forte estímulo foi o de máquinas e implementos

agrícolas, tendo crescido fortemente, apoiado na exportação e na

modernização do Setor Primário regional, apesar da forte crise. O setor

metal-mecânico como um todo foi o carro chefe da indústria gaúcha no

período de crise e permitiu que os desafios rumo a um novo padrão de

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 24

competitividade começassem a ser percebidos nas formas organizacionais

ali gestadas. Exemplos foram as novas técnicas de trabalho ali esboçadas

(Just in Time, Kanban, Círculo de Controle de Qualidade), que tiveram,

nesse setor, o palco de importantes ensaios de aprendizado, capacitação e

learning by doing, embora o ambiente, abalado pela crise,

desaconselhasse, inadvertida e equivocadamente, novos ensaios

inovadores.

A par das transformações que começaram a tomar forma nos

setores mencionados, a indústria gaúcha movia-se lentamente nos demais

segmentos. Isto porque a crise da década de 80 e as expectativas de

hiperinflação estabeleceram estratégias de sobrevivência ―defensivas‖8.

Tal postura impedia avanços na ótica produtiva, colocando o setor,

passivamente, no aguardo da definição de um ambiente mais estável para

o crescimento, que se demonstrava cada vez mais difícil, distante e menos

visível.

O que importa reter-se aqui não é examinar pormenorizadamente as

mudanças no âmbito de estrutura produtiva regional — isso será realizado

no Volume 2 desta obra —, mas enfatizar, isto sim, a amplitude dessas

mudanças, que se esboçaram no plano microeconômico da firma e se

disseminaram no âmbito mesoeconômico, conferindo certa especificidade

na forma como o paradigma tecnoeconômico se desenvolveu no interior

da estrutura produtiva local. Explicando melhor: o esgotamento do

paradigma de produção em massa, que respondeu por enormes avanços

industriais nas economias brasileira e gaúcha, nos anos 50 a 70, deu

sinais de esgotamento nos anos 80. Perda de competitividade,

desestímulo a inovações tecnológicas, passividade tecnológica e ajustes à

8 Saliente-se que esse tipo de ―estratégia defensiva‖ foi típico na economia brasileira, mas de forma mais visível nos anos 90, quando as empresas, para sobreviverem ante a

abrupta abertura externa, adotaram estratégias de enxugamento de seus quadros funcionais, downsizing, etc., que, muito mais do que revelar um quadro de modernização dos ganhos de produtividade do trabalho frente às novas tecnologias, geraram forte precarização do mercado de trabalho (Castro, 1996; 1997).

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 25

estrutura de custo dada, sem busca de novas tecnologias e, portanto, sem

ganhos de produtividade, inibiram as frentes de expansão produtiva,

culminando em estratégias defensivas e ganhos eventuais em

lucratividade, via câmbio ou via inflação.

Esse padrão criou um ambiente produtivo pouco ousado e pouco

eficiente, explicitando o esgotamento do padrão industrial originado pelo

PSI. As mudanças faziam-se necessárias, mas a base produtiva regional,

em sua grande maioria, não percebia para onde as direcionar. Essa

indefinição culminou na denominação ―década perdida‖, ou na ausência de

novas janelas de oportunidade.

O que se sucedeu a partir daí foi o aparecimento de uma série de

transformações cumulativas, que poderiam originar uma ―nova‖ economia

brasileira e uma ―nova‖ economia gaúcha. Pôs-se em marcha o processo

de destruição criadora, encorajado pelo surgimento de mutações internas.

Sob essa ótica, a abertura externa, no início dos anos 90, surgiu não

como fruto de uma decisão ―autônoma‖ nacional, face à precária inserção

nacional no padrão de competitividade internacional, mas, isto sim, como

uma necessidade estrutural às novas condições de crescimento da

economia brasileira, ainda longe de serem visualizadas no espaço

produtivo nacional. Não se sabia o que adviria daí, mas era certo que a

economia brasileira deveria ter um desenho estruturalmente diferente do

que persistira até o início dos anos 90. O mesmo diz-se para a economia

gaúcha.

Dois outros fatores de natureza interna — foram eles a

desindexação com o Plano Real e a convivência com a paridade cambial

fixa — terminaram por quebrar (de forma supostamente definitiva) os

hábitos, as regras e os padrões de conduta herdados do PSI, que se

enraizaram na forma de ―produzir‖ dentro da economia brasileira (e

gaúcha). Trata-se do padrão de comportamento associado à inflação,

onde o produtor habituou-se a incorporar, no seu preço final, as

expectativas inflacionárias, delegando aos ganhos de produtividade e de

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 26

eficiência produtiva um padrão marginal e exógeno à linha de produção

nacional. Esse comportamento precário e refratário frente aos desafios da

competitividade explica, em parte, a fragilidade tecnológica do padrão

produtivo nacional herdado do referido processo. A mudança de regras

para a sobrevivência aos novos padrões (mais modernos) de

competitividade não se fez sem grandes transtornos, falências,

quebradeiras. Autores como Conceição Tavares, parodiando Schumpeter,

mas em sentido negativo, preferiram designar esse período como o de

―destruição não criadora‖ (Tavares, 1999). O estudo do ECIB buscou, com

grande fôlego, identificar, de maneira precisa, os desafios dessa época

(Coutinho; Ferraz, 1994).

2.2 Cenários político e social

Não só do ponto de vista produtivo ocorreram as transformações

dos anos 80. Dos pontos de vista social e, principalmente, político, muitas

mudanças também ocorreram, originando novos cenários nacional e

regional. O fenômeno urbano foi alvo de ampla proliferação, dando lugar a

grandes metrópoles, que se agigantaram, à medida que a crise se

aprofundava. As desigualdades acentuaram-se, e a deterioração dos

postos de trabalho também, dando origem à denominada precarização do

trabalho, que, no ambiente dos anos 80, encontrou condições ideais para

sua disseminação. A deterioração do quadro social nacional foi visível. No

Rio Grande do Sul, tal situação também se agravou, mas em escala menor

que a nacional, face à menor desigualdade em relação aos parâmetros

nacionais. Esses pontos serão explorados detalhadamente nos demais

artigos que compõem esta obra.

Do ponto de vista político, a redemocratização ocorreu em meio ao

agravamento da crise econômica, revelando que a construção de um novo

país foi, simultaneamente, acompanhada por uma semidevastação do

cenário econômico, atrofiado pela ameaça constante da hiperinflação.

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 27

A abertura democrática, as eleições diretas e a Constituição de

1988 conferiram à nação novo status, cuja degradação econômica não

conseguiu enfraquecer. Pelo contrário, estabeleceram-se daí elementos

institucionais que permitiram ingressar nos anos 90, com uma maior

visibilidade política sobre quais mudanças deveriam ser implementadas.

Em outros termos, o regime democrático possibilitou que se elegesse uma

plataforma de transformações sociais e políticas que a década seguinte

tratou de efetivar. Entretanto todo esse processo passava pela vitória da

luta contra a inflação, que acabou consumando-se e consolidando-se

apenas em meados dos anos 90, com o Plano Real. Esses elementos

sugerem genericamente uma periodização das últimas três décadas,

conforme se segue.

QUADRO 2

2.3 Anos 80: inflação e corrosão da herança substitutiva

A década perdida dos anos 80 revelou perda de dinamismo da

economia brasileira, que, depois do período de grande crescimento,

caracterizado pelo ―milagre econômico‖ de 1967-73, desacelerou, no pós

74, sua taxa de crescimento até chegar a variações negativas do PIB já

em 1981. Até então, não se tinha conhecimento, dentro da estrutura

produtiva brasileira, de crescimento negativo, pelo menos desde a

construção da industrialização via PSI. Vários artigos e textos, que se

tornaram clássicos, analisaram essa questão, e não caberia recapitulá-los

aqui. O fundamental é destacar-se que importantes elementos de

natureza estrutural bloquearam, impediram e obstaculizaram a

possibilidade de a economia nacional — e, consequentemente, as

economias regionais — continuar ―crescendo‖ e ―funcionando‖ nos moldes

vigentes. Esgotara-se a capacidade de acumulação de capital via

substituição de importações. O aparecimento da capacidade ociosa não

planejada nos segmentos industriais líderes (bens de capital e bens de

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 28

consumo duráveis), já em meados dos anos 70, prenunciava que a crise

dificilmente poderia ser resolvida através de uma distribuição de renda

aos segmentos sociais das classes menos favorecidos pelo ―milagre‖. Nem

mesmo o crédito doméstico abundante e barato, que se encarregou de

suprir o consumo das famílias no final do milagre, conseguiria reverter a

crise imanente já instalada no regime de acumulação da economia

brasileira. Ela se agravaria, como ocorreu com o primeiro e o segundo

choques do petróleo (de 1973 e 1979 respectivamente), mesmo se ambos

não tivessem eclodido. A única possibilidade de contornar a crise

estrutural, ainda latente, na economia brasileira dos anos 70, residiria na

adoção de profundas e necessárias transformações na matriz produtiva

nacional, que o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), de 1974,

tratou de explicitar parcialmente. Tal estratégia, que ficou conhecida

nacionalmente como ―marcha forçada‖ (Castro, 1985), deu sobrevida à

estrutura industrial cambaleante herdada do milagre. Tal plano

estabeleceu as bases de uma economia fortemente ancorada em uma

avançada matriz energética, na implantação de setores de insumos

modernos e bens de capital e na descentralização dos polos industriais

pelo País.

Ensaiava-se, assim, uma ―nova‖ estrutura na evolução econômica

brasileira, com mudanças na esfera econômica, tecnológica e institucional.

Elas explicitavam, de um lado, o esgotamento da matriz produtiva que

viabilizou a construção das bases da estrutura industrial voltada ao

consumo de bens finais duráveis para as famílias de altas rendas, e, de

outro, evidenciava-se que tais mudanças emergiam como estratégias de

adaptação e sobrevivência aos novos tempos, oriundos da crise do

petróleo e da necessidade de a economia avançar em áreas deficientes em

bens de capital, insumos intermediários e energia. Porém tal processo

articulava-se com um desenho institucional não compatível com o que

emergiria na década de 80: a presença do Estado, até então, fazia-se

central e ativa, tanto como empresário quanto como indutor da atividade

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 29

econômica. Inexistia, e nem se criava internamente, uma contrapartida

em termos de uma participação mais efetiva dos capitais privados, tanto

na inovação tecnológica quanto na busca de novos padrões de

competitividade, compatíveis com a (nova) dinâmica na estrutura

produtiva nacional. Avançava-se no capital físico sem uma contrapartida

no capital humano. Nem se tentava endogenizar o processo de avanço

tecnológico com a incorporação de novos processos e rotinas.

Genericamente, a ―competitividade espúria‖, aliada ao baixo dinamismo

das inovações e à precariedade do sistema de P&D — ou à inexistência de

um ―sistema nacional de inovação‖ à la Nelson —, imprimiu ao País

escassas condições capazes de reverter o quadro recessivo da produção

doméstica que se avizinhava. Somem-se a isso as pesadas restrições

externas, advindas dos dois ―choques‖ do petróleo e do colapso do

sistema financeiro internacional em 1981 (que, literalmente, fizeram

explodir as taxas de juros internacionais), fazendo recair o ônus do

―ajustamento‖ (em linguagem convencional) ou a própria ―crise do

paradigma‖ (em linguagem neoschumpeteriana) sobre os países

endividados. Incluía-se aí um choque frontal com a economia brasileira

(Belluzzo; Almeida, 2002).

A despeito da modernização induzida pelo Estado através do II PND,

extraiu-se daí uma segunda lição, que os anos de crise tratariam

dolorosamente de explicitar. Não obstante isso, o brutal esforço de

indução ao investimento público nos programas setoriais, que, meritória e

reconhecidamente, adiaram a crise do ―milagre‖ para o início dos anos 80,

sua capacidade efetiva de reversão da crise estrutural era bastante

limitada. Isto porque as exigências oriundas da inserção no paradigma

tecnológico da informação, em fase de ―montagem‖ nas principais nações

avançadas, exigiam não apenas um substancial montante físico de

investimentos produtivos, que o País não dispunha, mas também um perfil

qualitativo dos mesmos, que era precariamente compreendido pelos

formuladores de políticas de desenvolvimento. Não bastava apenas

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 30

investir, mas criar internamente condições tecnológicas e institucionais

para a disseminação e a incorporação das novas tecnologias. E,

relembrando Zysman, tais condições se materializariam não apenas no

plano ―macro‖, como ocorrera no II PND, mas essencialmente no plano

―micro‖. Faltou-lhes a construção de uma plataforma organizacional, no

âmbito das firmas, para a modernização tecnológica. Sem isso, quaisquer

esforços produtivos se esvairiam, pois a ―novidade‖ trazida pelo salto

tecnológico teria escassas oportunidades de êxito. Faltou a construção de

um ambiente institucional capaz de criar, internamente, sinergias e

janelas de oportunidade para o novo modelo.

Aqueles setores que, na economia gaúcha, se aperceberam dessa

mutação conseguiram sobreviver e se modernizaram no avançar dos anos

80. Foi o caso dos segmentos metal-mecânico, de equipamentos

eletrônicos, dos setores ligados à informática e à automação. Quem

reeditava práticas do ―velho‖ paradigma estava condenado à extinção, ou,

na melhor das hipóteses, a reorientar ou a reconverter drasticamente suas

estratégias de sobrevivência. Esse fenômeno passou genericamente a ser

chamado, mais explicitamente na década subsequente, de ―reestruturação

produtiva‖.

Em outros termos, a reorientação produtiva capaz de ―reverter‖ a

crise estrutural, originária do esgotamento do ―milagre econômico‖ dos

anos 70, só seria possível mediante profunda reestruturação macro e

microeconômica da forma de produzir. E esta deveria estar sintonizada

com os desafios, já em marcha em outros países, como o Japão. Saliente-

se que, na época, esse fenômeno era extremamente difícil de ser

percebido, já que seus ecos dificilmente poderiam ser convenientemente

decifrados no combalido ambiente econômico nacional. Leia-se: as

instituições nacionais não percebiam que era necessária uma drástica

modificação em seus hábitos, suas rotinas e seus padrões de

comportamento.

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 31

2.3.1 A inevitabilidade do desastre: a inflação inercial

A incompreensão das mudanças em curso reeditou, no plano das

―convenções‖ ou das normas de comportamento doméstico (leia- -se

instituições), práticas produtivas totalmente incompatíveis com a

―modernidade‖ de então. Como estratégia de sobrevivência à dramática

crise dos 80, o mecanismo de reindexação dos ativos como forma de

proteção ao setor financeiro — que, diga-se de passagem, fora criado em

1966 pela Reforma Campos-Bulhões, que instituiu o expediente da

correção monetária — disseminou-se por toda a economia. Tal mecanismo

não se constituiu apenas em proteção dos ativos financeiros contra a

inflação, mas contagiou todos os contratos da economia, desde os

financeiros de crédito, os de compra e venda, até os de trabalho e

tributação e, mais importante, passou a fazer parte da decisão de produzir

dos agentes. A decisão empresarial de qualquer empreendimento embutia

a expectativa de inflação no período, que passou a superar qualquer risco

oriundo da própria atividade capitalista. Ingressava-se no pior dos

mundos: a produção sem risco, caucionada pela inflação e avalizada pela

dívida pública interna, que também passou a financiar-se com o referido

processo (Quadro 2).

A perversidade dessa política é por demais conhecida como

elemento altamente concentrador da renda. Além disso, a instituição da

convenção do ―crescimento com inflação‖ (Castro, 1997) minava qualquer

possibilidade de modernização da economia brasileira, já que anulava

quaisquer perspectivas de enfrentamento de novas estratégias frente à

crise. O ―curto prazismo‖ e as preocupações com a inflação e com o

consequente financiamento da mesma, via aplicações financeiras,

alimentaram não só um processo de resistência à desinflação, como

fomentaram uma voraz financeirização, que obstaculizava a queda da

inflação. O cálculo econômico das empresas, das famílias e do Governo

sancionava a vigência e a suposta necessidade do referido mecanismo. As

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 32

estratégias empresariais de modernização eram, assim, bloqueadas, e as

aplicações de curtíssimo prazo passaram a reger a economia brasileira.

As tentativas de reverter esse processo, que só alimentava a

concentração da renda, resultaram em grande fracasso. Os planos

heterodoxos de combate à inflação não conseguiam quebrar a inércia

desses mecanismos. O Plano Cruzado, o Plano Bresser, o Plano Verão —

e, posteriormente, os Planos Collor I e II nos anos 90 — não conseguiram

romper com a memória inflacionária, que nada mais era senão a

institucionalização da inflação dentro da economia brasileira. Fazia-se

necessária uma ―nova economia‖, que começou a ser construída apenas

em meados da década seguinte.

Genericamente, pode-se concluir que a década de 80 foi perdida pelo

fato de não se ter conseguido construir qualquer possibilidade de

recuperação econômica. Isso se deu por três razões: pela precária

capacidade de inserção no paradigma tecnológico em construção; pela

cegueira generalizada em relação a perspectivas de longo prazo que o

processo de aceleração inflacionária trouxe; e pela inexistência de um

padrão de ação estatal capaz de vislumbrar alternativas de política

econômica para reverter esse caótico quadro.

Mais ainda, nos anos 80, explicitou-se que não bastava à política

econômica governamental ―querer‖ acabar com a inflação, era necessário

que a população acreditasse em tais intenções. Em outros termos, era

necessário combinar intenção e consistência macroeconômica com

credibilidade no âmbito microeconômico dos agentes e tomadores de

decisão. Essa foi a terceira lição herdada dos tempos da crise: não basta

a política econômica ter intenção de extirpar elementos nocivos à

economia enraizados institucionalmente no País. Era e continua sendo

necessário estabelecer um horizonte de credibilidade capaz de torná-los

aceitáveis e passíveis de incorporação no âmbito microeconômico das

decisões descentralizadas dos agentes econômicos. Leia-se, é

fundamental uma mudança de hábitos (à la Veblen), para obter-se tal

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 33

objetivo. Em outros termos, o fracasso dos planos heterodoxos de

combate à inflação, nos anos 80, deveu-se menos à consistência interna

dos mesmos (que, como se viu anos mais tarde, também era

problemática) do que à falta de um ambiente institucional e

microeconômico para sua aceitação.

2.4 Os anos 90 e a necessidade de reestruturação

O ingresso nos anos 90 ocorreu em meio a grandes perspectivas de

mudanças. O País acabara de ter eleições diretas para a Presidência da

República, a inflação encontrava-se em elevação acelerada, e o fracasso

dos choques heterodoxos, herdados da era Sarney, exigia drásticas

―correções de rumo‖ (para se usar expressão da época). Sucederam-se

daí os Planos Collor I e II, em 1990 e 1991, respectivamente, que não só

foram incapazes de reverter a inércia inflacionária, como desorganizaram

ainda mais a economia do País.

Entretanto uma medida relevante foi tomada: a abertura comercial.

A abrupta exposição às condições de competitividade externa revelou a

precariedade da estrutura produtiva nacional para sobreviver a condições

adversas. A fragilidade do padrão de competitividade vigente no País

explicitou-se não só como resultado direto do mecanismo de proteção

cambial, oriundo do regime de alta inflação, mas também como resultado

de anos de convívio com uma economia fechada (pouco exposta à

concorrência externa), fruto do PSI, que, nessa época, explicitava seu

esgotamento. O ajuste foi dramático, e várias empresas faliram. Mas,

estruturalmente, tal exposição foi necessária, visto que, anos mais tarde,

as empresas sobreviventes saíram fortalecidas. Estava em marcha o

mecanismo de destruição criadora a que Schumpeter se referia. E a

economia gaúcha valeu-se desse mecanismo.

Apesar do duro e penoso desafio de reinserção externa — sem uma

contrapartida doméstica em termos de infraestruturas organizacional,

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 34

produtiva e tecnológica para enfrentar os padrões de concorrência do

―novo‖ paradigma tecnológico em plena ascensão —, tornou-se clara a

necessidade de reestruturação produtiva brasileira. E isso foi feito,

caracterizando a primeira grande mudança estrutural dos anos 90. Vários

estudos trataram dessa questão e não será feita uma releitura dos

mesmos (Coutinho; Ferraz, 1994; Franco, 1995). Interessa reter-se aqui

que a economia brasileira buscava novos fundamentos para sua evolução,

cujo primeiro passo havia sido dado.

O episódio do impeachment de Collor e a posse de Itamar Franco,

em 1992, evidenciaram a imperiosidade em reverter-se, e rapidamente, o

caótico cenário de instabilidade inflacionária, que carregava consigo a

ameaça de hiperinflação e a perda total da governabilidade do País.

Começou-se a gestar aí um novo desenho de estabilização econômica: um

outro plano, mas sem congelamento de preços, sem choques, sem

surpresas, sem bloqueio de liquidez, com regras claras de desindexação e

alguma garantia de que a população não seria surpreendida com

congelamento de preços, como acontecera em planos anteriores. Além

disso, implícita nesse novo plano estava a preocupação central com o

ajuste fiscal e com o papel do Governo como gerenciador da política

econômica. Tais elementos constituíram a base do Plano Real,

implementado em julho de 1994.

Originou-se daí a segunda mutação estrutural nos alicerces da

economia brasileira dos anos 90, que, simultaneamente, operou duas

outras mudanças institucionais de grande profundidade. De um lado,

mudou o regime monetário, introduzindo uma nova moeda, com paridade

cambial equivalente ao dólar, e, de outro, mudou a forma de ação do

Estado, que passou a perseguir ajuste fiscal, metas de superávit fiscal,

controle monetário e compromisso orçamentário. Desfazia-se o Estado

empresário da substituição de importações, e incorporavam-se novos

elementos compatíveis com um maior rigor fiscal.

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 35

Como se viu, mudança não significa ―melhora‖, mas evolução,

mutação, o que implica afirmar-se que o novo desenho institucional do

Estado passou a compatibilizar-se com o ideário da globalização. Como

salientado por Perez, a nova função do Estado, introduzida com o Plano

Real, passou a sintonizar-se com o denominado ―Consenso de

Washington‖, seguindo os princípios, ditos neoliberais, de Estado mínimo,

privatizações, superávit fiscal e renúncia a atividades produtivas (ou

empresariais). Com o ambiente de estabilização e sem inflação, tais

funções passaram a ser exigidas, já que o financiamento do déficit via

inflação, como ocorrera na década de 80, não mais seria possível. O papel

do Estado redefiniu-se, e as metas de superávit fiscal passaram a

desempenhar papel proeminente, embora o endividamento financeiro do

mesmo continuasse elevado.

No Rio Grande do Sul, a visualização mais clara desse novo papel do

Estado foi percebida durante o Governo Britto, que coincidiu com o

primeiro mandato de FHC.

O desenho institucional do País e do Estado, nesse período, passou a

orientar-se por uma adesão explícita ao modelo vigente nos países

desenvolvidos, orientados pelo que se convencionou chamar de Consenso

de Washington. Ideias liberalizantes, controle da ação estatal,

flexibilização dos mercados e privatizações passaram a ser a tônica da

gestão pública, revelando uma total fragmentação do ―velho‖ estado

desenvolvimentista, sem se apropriar de um novo papel, a não ser uma

oposição aos princípios até então dominantes.

Tal falta de rumo foi acompanhada por um brutal crescimento da

dívida pública, herança do regime inflacionário, sem a constituição de

maior rigor fiscal, que tornou a administração pública extremamente

difícil. Tal processo se deu na órbita tanto federal quanto estadual. No

âmbito federal, a perseguição de uma maior carga fiscal, via contração

fiscal (que, nos manuais de macroeconomia, é traduzido como aumento

de tributos e contração dos gastos públicos), teve dois efeitos. De um

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 36

lado, os esforços da União para debelar o processo inflacionário (via maior

rigor fiscal e monetário) expunham à população a firme intenção de criar

um ambiente de estabilização, fomentando expectativas nesse sentido, e,

de outro, induzia uma mudança de mentalidade, através da tentativa de

zerar a memória inflacionária. Entretanto, mesmo com aumento da carga

tributária, a ação estatal não conseguia ―fazer caixa‖, gerando uma

situação de deterioração financeira, que, apesar das tentativas de

governos posteriores, persiste até os dias de hoje.

Todo esse quadro revela que o custo da estabilização, que se

consolidava ao longo da década, do ponto de vista da gestão estatal,

principalmente nos estados regionais, foi extremamente difícil, implicando

perda de controle sobre os gastos, o que, por sua vez, gerou aumento da

dívida pública dos estados, oriunda da escassez de fontes de

financiamento em um regime sem inflação. Por conta desse processo,

reduziu-se sobremaneira a ação estatal, delegando à administração

governamental pouca (ou nenhuma) autonomia em relação à decisão de

expandir ou estimular a capacidade produtiva, frente à incapacidade de

investimento.

Esse processo, porém, cunhou uma nova realidade de administração

pública: criou a consciência e a premência de controle dos gastos, a

necessidade de metas de receitas e despesas (para que esta última

coubesse na primeira), a busca de maior equilíbrio fiscal, e, naturalmente,

o encolhimento da capacidade de ação estatal, no sentido de gerar

investimentos produtivos. O Estado, no âmbito tanto nacional quanto

regional, deixou de ser ―empresário‖ para se constituir em gerente,

parceiro e gestor. Essa mudança institucional foi fundamental para o

desenho da nova forma de ação estatal, que se tornou mais clara na

década seguinte.

2.4.1 A incapacidade de crescer: um ambiente em mutação

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 37

A persistência do quadro referido acima, pautado pelas dificuldades

oriundas das diretrizes da estabilização, trouxe consigo a ―convenção‖ de

que sem ―arrumar a casa‖, ou, em linguagem corrente na época, construir

―bons fundamentos macroeconômicos‖, dificilmente poderia ser trilhada

qualquer trajetória de crescimento mais consistente. Por essa razão, a

economia brasileira e a gaúcha não conseguiam obter saltos expressivos

em termos de taxa de crescimento do produto.

A reversão das expectativas inflacionárias, que se foi consolidando

com o Plano Real, realizou-se mediante um desenho de política econômica

centrado no tripé metas de inflação, superávit fiscal e juros altos. Tal

opção, além de não deixar muito espaço para que novas trajetórias de

crescimento econômico pudessem ser trilhadas, reforçou o alinhamento da

política econômica nacional — e, por derivação, o ambiente regional da

economia gaúcha — às regras vigentes no ambiente econômico

internacional, orientado pelos princípios do Consenso de Washington.

Contraditoriamente, o cenário econômico externo experimentou, ao longo

dos anos 90, um surpreendente — mas não sustentável — clima de

prosperidade e de crescimento econômico (aparentemente)

autossustentado, amparado pela forte financeirização e pela expansão dos

mercados asiáticos.

A economia brasileira, ao contrário, amargou uma situação de

baixas taxas de crescimento doméstico, pesada carga tributária, rígido

controle da demanda agregada e forte fluxo financeiro externo,

sintonizado com os altos juros praticados internamente. Como resultado,

elevaram-se a dívida pública interna e os desequilíbrios fiscais,

inviabilizando estratégias governamentais mais ousadas, principalmente

no sentido de vincular as decisões de investimento às atividades

geradoras de inovação em P&D. Dessa forma, deixou-se de estimular um

padrão de organização industrial mais sintonizado com os avanços do

novo paradigma tecnológico da informação, inviabilizando um ambiente

mais propício a sinergias e janelas de oportunidade nesse sentido.

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 38

De fato, o País cresceu pouco, mas as mudanças institucionais foram

significativas. Vivia-se o novo, sem o conhecimento prévio do que, de

fato, este se constituiria. E negava-se o velho, com a certeza de que

jamais voltaria a predominar. Tal foi o quadro da mutação dos anos 90

que deixou um legado fundamental para o primeiro decênio do século XXI.

As reformas econômicas operaram de forma agressiva, não obstante os

avanços sociais não terem ocorrido de forma expressiva. Porém o terreno

para que tais avanços se consumassem estava virtualmente construído.

Caberia aos futuros governantes abrir janelas de oportunidade nesse

sentido. O palco histórico dos anos 2000 revelaria ou sepultaria tais

possibilidades.

2.5 Os anos 2000 e a década do “reordenamento obediente”

A economia brasileira ingressou no século XXI instigada por dois

momentos que, literalmente, puseram em xeque os alicerces

macroeconômicos, construídos a partir dos primeiros desdobramentos do

Plano Real. O primeiro momento ocorreu em janeiro de 1999, quando do

início do segundo mandato de FHC, que explicitou a crise cambial de

1999. Na época, temia-se que a mesma abalaria os alicerces da

estabilização nacional. A reação de então, respondida pela adoção da

política de maior flexibilização cambial, superando o mecanismo de

paridade fixa (com bandas cambiais), foi capaz de contornar os efeitos

nefastos do obstáculo externo e inspirou o desenho de uma nova política

macroeconômica, que, em linhas gerais, persiste até os dias de hoje. Ao

invés da âncora cambial como mecanismo de estabilização dos preços

domésticos, que fora inaugurada com o Plano Real, passou-se a adotar o

regime de metas inflacionárias, que combinava uma maior flexibilidade da

taxa de câmbio, a fixação de um alvo de inflação com patamares fixos de

variação para mais ou para menos e uma rígida e obstinada política de

geração de superávits fiscais.

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 39

Os resultados dessa política logo se fizeram sentir, apesar das

profundas críticas de economistas heterodoxos de formação

desenvolvimentista. Para eles, estariam privilegiando-se metas de

estabilização, ao invés de se estimularem políticas de crescimento. Apesar

do aumento da carga fiscal, a política cambial produziu efeitos positivos

sobre a balança comercial, e o temor da volta da inflação desvaneceu-se.

Reconhecendo a procedência da crítica heterodoxa, o País pagou o preço

da estabilização, sacrificando expressivos passos rumo à constituição de

um ambiente para o crescimento. Entretanto esse processo trouxe uma

importante lição para os tempos futuros. A construção de uma plataforma

consistente para o processo de crescimento econômico não poderia ser

feita sem a vigência de um maduro (leia-se estável e duradouro)

ambiente de estabilização econômica. E a opção de política econômica

adotada consolidou esse processo. Essa foi a quarta lição herdada do

duro período de ajustamento estrutural: a estabilização dos preços é um

processo lento, penoso, e que não necessariamente (leia-se

automaticamente) conduz ao crescimento econômico, mas, por definição,

é uma condição necessária para tal desiderato. A adoção do novo desenho

da política econômica foi consolidando um novo ambiente

macroeconômico e fiscal, que vem persistindo e que explicitou um novo

compromisso com a gestão pública: metas de geração de sistemáticos

déficits orçamentários passaram a ser banidas em ambientes de

estabilização9.

O segundo momento que balançou os alicerces da estabilização

construída através do Plano Real ocorreu em dezembro de 2002. A eleição

9 Em defesa de Keynes, se é que hoje o referido autor precise dela, saliente-se que tais práticas também explicitaram o equívoco do nexo causal entre políticas de inspiração keynesiana com práticas fiscais gastadoras ou irresponsáveis, herança de uma má formação teórica de economistas obstinadamente antikeynesianos. Reitere-se, mais uma vez, que um Estado keynesiano moderno não é incompatível com a perseguição de

superávits fiscais. A circunstância e a inserção da política econômica nortearão as decisões governamentais, que não podem prescindir do seu legado. Em outros termos: ser keynesiano não implica ser favorável à geração sistemática de déficits públicos e irresponsabilidade fiscal.

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 40

presidencial de Lula criou expectativas de que um suposto (e

conceitualmente ―falso‖) desenvolvimentismo superaria a equivocada

dicotomia ―estabilização versus crescimento‖, fazendo crer, aos mais

inadvertidos, que o novo Presidente mudaria drasticamente (e até

ingenuamente) os rumos da economia brasileira e, por consequência, os

próprios fundamentos da estabilização.

No imediato pós-eleição, os índices de preços dispararam, sugerindo

que a inflação rapidamente se (re)instauraria. Obviamente, se tal

infortúnio ocorresse e se a suposta mudança de rumo se consumasse, o

caminho para a ingovernabilidade estaria aberto, e o retorno ao ambiente

de descrédito na política econômica (tão comum e reiterado na década de

80) voltaria à cena.

Passada a turbulência inicial, oriunda da frustração de expectativas

inflacionárias crescentes — e por conta de uma drástica mudança de rumo

que não ocorreu —, o País passou a colher frutos de uma inserção externa

mais competitiva, de uma recuperação expressiva do mercado interno e

de um novo desenho para o crescimento econômico, que contemplava

maior dinamismo das exportações e um crescimento doméstico puxado

pelo consumo das famílias. Tal quadro foi abalado seriamente quando da

eclosão da crise financeira, oriunda da subprime norte-americana, de

setembro de 2008, que parece ter sido, atualmente, superada, pelo

menos em escala nacional.

O que ficou desse processo? Apesar das mudanças percebidas no

âmbito das firmas, que operam no ambiente econômico nacional, e das

mudanças institucionais, que caminharam no sentido de conferir uma

maior maturidade econômica ao País, essas transformações, não

perceptíveis pelo simples exame dos principais agregados

macroeconômicos, sugerem a consistência das mudanças em curso. O

exame dos principais agregados revela uma perceptível melhora no

desempenho econômico nacional, tanto em termos internos quanto no

front externo (ver principais séries: PIB, dívida pública, exportações,

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 41

superávit comercial, metas fiscais, produção agrícola e industrial, mercado

de trabalho, desemprego, etc.). É a esse resultado que se chama de

―reordenamento obediente‖, uma vez que a conformação produtiva

nacional e regional passou a sintonizar-se mais com as mudanças

ocorridas no ambiente externo (ditadas pelo paradigma tecnológico da

informação), cuja busca por ganhos de competitividade e produtividade

nesse âmbito, aliada a um projeto macroeconômico desenhado a partir do

Plano Real, gerou um comportamento doméstico de aceitação dessas

regras e estratégias de adaptação ao referido padrão tecnológico. A

disciplina macroeconômica passou a ser perseguida e obedecida pela

política econômica vigente.

Chama-se, portanto, de ―reordenamento‖ não apenas a adesão às

regras de política macroeconômicas estabelecidas, sem miragens, nem

milagres, mas também às sucessivas tentativas de inserção na ordem

tecnológica vigente, e de ―obediente‖, na medida em que a busca de

aprofundamentos dentro da mesma vai criando, ao longo do tempo,

janelas de oportunidade, que se entreabrem recursivamente dentro desse

(novo) ambiente. Em outros termos, o País vem buscando, e de forma

mais visível nesse início de século, o estabelecimento de condições que

permitam alcançar substanciais melhoras nos níveis de ―expectativas,

governança, credibilidade, padrões de competitividade, etc.‖. Em suma,

busca-se avançar nos conceitos propostos no início deste texto. E o RS

deve estabelecer estratégias capazes de tirar proveito dessas condições.

A lição que se extrai desse processo é que a aposta na

―continuidade‖ do processo de ajustamento estrutural produzido pelo

Plano Real revelou não só a maturidade da economia brasileira em

conviver com um novo regime de preços, mas de adequar-se a uma nova

realidade mundial, onde a busca por competitividade, por novos

mercados, por novos processos de trabalho e por novas tecnologias é não

somente irreversível, como também deve constituir-se em meta micro e

macroeconômica. E tal busca, ao contrário do que possam supor,

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 42

equivocadamente, alguns estudiosos avessos à compreensão do processo

de avanço tecnológico, não pode impedir avanços sociais. Dito de outra

forma, a melhoria de indicadores sociais — que, por herança histórica,

têm sido dos mais baixos do mundo — deve ser buscada e alcançada

tendo por suposto o cenário econômico construído a partir desse novo

desenho estrutural, recém-montado no País, cuja abertura externa e o

Plano Real foram dois importantes desencadeadores e artífices. Os dois

novos fundamentos institucionais daí decorrentes — a saber, a moeda e o

novo padrão de concorrência entre as empresas — são elementos que

vieram para ficar no novo desenho institucional, que vem orientando o

País. O mesmo se diz do papel do Estado nessa ―nova economia‖.

Entretanto, apesar de alguns avanços, percebe-se que a capacitação

tecnológica interna para as novas janelas de oportunidade, abertas pelo

novo paradigma tecnológico em formação, ainda são tímidas. Assim, é

importante que se estabeleçam, internamente, novos vínculos com a

capacitação tecnológica e com a montagem de um efetivo sistema

nacional de inovação. Tal sistema deverá, por definição, articular firmas,

Estado e universidades, para gerar o estabelecimento de uma plataforma

para o crescimento econômico e para o desenvolvimento tecnológico. Só

assim a enorme dívida social, que continua assolando o País, poderá ser

equacionada.

Entende-se que a superação da fase de ―reordenamento obediente‖

da última década deverá ser orientada por uma política mais agressiva de

P&D, sintonizada com os avanços tecnológicos do paradigma em gestação.

Maiores gastos em pesquisa, educação e capacitação profissional serão

elementos decisivos para a construção de um novo modelo de crescimento

autossustentado, distributivo e com maior qualificação tecnológica e

social. O primeiro passo no sentido da construção de instituições capazes

de assegurar essa nova etapa parece que vem sendo dado, na medida em

que a economia brasileira vem respondendo positivamente, mas ainda de

maneira tímida, aos desafios desse novo ambiente.

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 43

Em termos de Rio Grande do Sul, o cenário é o mesmo. Apesar de

uma dimensão regional que contém suas especificidades, o desafio é

idêntico ao enfrentado em termos nacionais. O peso do agronegócio na

estrutura produtiva local sugere vantagens ainda maiores de uma inserção

competitiva, tecnológica e inovadora, se confrontadas com a capacidade

nacional de inserção no novo paradigma tecnológico das nanotecnologias

e biotecnologia, em fase de gestação. Caberá aos agentes locais tirar

proveito dessas oportunidades, caso contrário o que se terá será

localmente um ambiente involuído. E isso contraria a tradição histórica da

economia gaúcha.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O exame das transformações ocorridas ao longo das três últimas

décadas, na economia gaúcha, explicitou que todas as suas formas

institucionais de estrutura sofreram mutações. A moeda mudou seu papel,

o padrão de concorrência foi drasticamente reconcebido (até por conta da

estabilização econômica), o papel do Estado sofreu um profundo

redesenho, as relações salariais foram tornando-se mais flexíveis, a

precarização do mercado de trabalho aumentou, e, por fim, o padrão de

inserção externa também se transformou, havendo, hoje, uma

participação mais efetiva, ainda que relativamente baixa.

A economia, do ponto de vista produtivo, teve que se reorganizar,

de forma a se adaptar aos desafios dos tempos modernos. E, nesse

sentido, a noção de paradigma tecnoeconômico parece ser uma

interessante trilha teórica a ser perseguida, de forma a compreender-se o

sentido em que as mudanças estão operando. Por essa razão, os termos

incluídos no título deste artigo não são meros artifícios de retórica, mas

símbolos ou ícones de duas eras sobrepostas, cuja dominância da última

é, por demais, eloquente.

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 44

O que fica de concreto de toda essa discussão é que a velha herança

do passado não mais consegue gerar progresso econômico sem que haja,

de fato, a incorporação das mudanças estruturais (aqui entendidas como

mudanças simultaneamente tecnológicas e institucionais) dentro do

ambiente interno das firmas e do processo de trabalho. E tais mudanças

operam de forma visivelmente vinculada ao paradigma tecnológico

dominante, que tem, na tecnologia da informação, seu traço mais

perceptível. Caberá tirarem-se vantagens da inserção nesse ambiente,

pois, caso contrário, só restará a lembrança de um tempo que já se foi. Só

restará a lembrança da querência!

REFERÊNCIAS

BELLUZZO, Luiz Gonzaga; ALMEIDA, Júlio Gomes de. Depois da queda: a

economia brasileira da crise da dívida aos impasses do Real. Rio de Janeiro,

Civilização Brasileira, 2002. 359p.

CASTRO, A. B.; POSSAS, M.; PROENÇA, A. estratégias empresariais na

indústria brasileira: discutindo mudanças. Rio de Janeiro, Forense

Universitária. 1996. 288p.

CASTRO, A. B. Renegade Development: Rise and Demise of State-Led

Development in Brazil. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL INSTITUIÇÕES E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO, Rio de Janeiro. Anais... Rio de Janeiro, 1997.

CASTRO, Antônio Barros. Ajustamento X Transformação: a economia brasileira

de 1974 a 1984. In: CASTRO, Antônio Barros; SOUZA, Francisco E. P. A economia brasileira em marcha-forçada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.

COASE, Ronald H. 1991 Nobel Lecture: The Institutional Structure of Production. In: WILLIAMSON, Oliver E.; WINTER, Sidney G. The nature of the firm:

origins, evolution, and development. New York; Oxford: Oxford University, 1993.

(Original 1937).

CONCEIÇÃO, Octavio A. C. Instituições e Crescimento econômico: da ―tecnologia

social‖ de Nelson à ―causalidade vebleniana‖ de Hodgson. In: ENCONTRO

NACIONAL DE ECONOMIA, 37., FOZ DO IGUAÇU, PR. [Anais...]. [S. l.]: ANPEC 2009.

COUTINHO, Luciano; FERRAZ, João Carlos (Coord.). Estudo da competitividade da indústria brasileira. 2 ed. Campinas: Unicamp. 1994.

510p.

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 45

DOSI, Giovanni. The nature of the innovative process. In: DOSI, G. et al (Ed.).

Technical change and economic theory. London: Pinter Publishers, 1988a.

DOSI, Giovanni. Sources, Procedures, and microeconomic effects of innovation.

Journal of Economic Literature, v. 26, p. 1120-1171, Sept. 1988b.

DOSI, G. Technological paradigms and technological trajectories: the determinants and directions of technical change and the transformation of the

economy. In: FREEMAN, C. (Ed.). Long Waves in the World Economy.

London: Butterwordth, 1983.

FAVEREAU, Olivier. Conventions et régulation. In: BOYER, R.; SAILLARD, Yves.

Théorie de la régulation: l’état des savoirs. Paris: La Découverte, 1995.

FRANCO, Gustavo (1995). A inserção externa e o desenvolvimento. Revista de

Economia Política, São Paulo: Brasiliense, v. 18, n. 3, p. 121-147, jul.-set.

1998.

FREEMAN, Chris; LOUÇÃ, Francisco. As time goes by: from the industrial

revolutions to the information revolution. New York: Oxford University, 2001. 407p.

FREEMAN, Christopher; PEREZ, Carlota. Structural crises of adjustment business,

cycles and investment behaviour. In: DOSI, G. et al. (Ed.). Technical change and economic theory. London: Pinter Publishers, 1988.

HODGSON, Geoffrey Martin. Economics and institutions: a manifesto for a modern institutional economics. Cambridge; Philadelphia: Polity; University of

Pennsylvania, 1988.

HODGSON, Geoffrey Martin. Economics and evolution: bringing life back into

economics. Cambridge UK; Ann Arbor MI: Polity Press; University of Michigan,

1993.

HODGSON, Geoffrey Martin. What Is the Essence of Institutional Economics?

Journal of Economic Issues, New York: AEE, v. 34, n. 2, p. 317-329, 2000.

HODGSON, Geoffrey Martin. The evolution of institutions: an agenda for future

theoretical research. Constitutional Political Economy, [S. l.]: ABI/INFORM

Global, v. 13, n. 2; p. 111-127, 2002.

HODGSON, Geoffrey Martin. Veblen and Darwinism. International Review of

Sociology [Revue Internationale de Sociologie]. Cambridge, UK: Cambridge

University, v. 14, n. 3, 2004.

HODGSON, Geoffrey Martin. Darwinism, causality and the social sciences.

Journal of Economic Methodology, v. 11, n. 2, p. 175–194, 2004a.

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 46

HODGSON, Geoffrey Martin. Economics in the shadows of Darwin and Marx:

essays on institutional and evolutionary Themes. Cheltenham: Edward Elgar,

2006.

HODGSON, Geoffrey Martin. What are institutions? Journal of Economic

Issues, v. 40, n. 1, p. 1-25, 2006a.

HODGSON, Geoffrey Martin. The revival of veblenian institutional economics.

Journal of Economic Issues, v. 41, n. 2, p. 325-340, 2007.

HODGSON, Geoffrey Martin; KNUDSEN T. Why we need a generalized Darwinism,

and why generalized Darwinism is not enough. Journal of Economic Behavior

& Organization, n. 61, p. 1-19, 2006.

MATTHEWS, R. C. O. The economics of institutions and the sources of growth.

The Economic Journal, v. 96, p. 903-918, Dec. 1986.

NELSON, Richard R.; WINTER, Sydney G. An Evolutionary Theory of

Economic Change. Cambridge, MA: Harvard University, 1982.

NELSON, Richard R. Evolutionary theorizing in economics. Journal of Economic

Perspectives, v. 16, n. 2, p. 23-46, Spring, 2002.

NELSON, Richard R. Recent evolutionary theorizing about economic change. Journal of Economic Literature, v. 33, n. 1, p. 48–90, 1995.

NELSON, Richard R. The agenda for growth theory: a different point of view. Cambridge Journal of Economics. v. 22, p. 497-520, 1998.

NELSON, Richard R.; SAMPAT, Bhaven. Las instituciones como factor que regula el desempeño económico. Revista de Economia Institucional, n. 5, 2 semest.

2001.

NELSON, Richard R. Bringing institutions into evolutionary growth theory. Journal of Evolutionary Economics, Verlag, v. 12, p. 17-28, Spring 2002.

NELSON, Richard R. Economic development from the perspective of evolutionary economic theory. New York: Columbia University, 2006.

(Working Papers in Technology Governance and Economic Dynamics n. 2).

NELSON, Richard R. What enables rapid economic progress: what are the needed

institutions? Research Policy, n. 37, p. 1-11. 2008.

NORTH, Douglass C. Institutions, institutional change and economic performance. New York: Cambridge University, 1990.

NORTH, Douglass C. Institutions. Journal of Economic Perspectives, v. 5, n. 1, p. 97–112, 1991.

Conceição, O.A.C. Da querência ao mouse: uma avaliação das mudanças estruturais da ......

O ambiente regional. (Três décadas de economia gaúcha, v.1). 2010 47

NORTH, Douglass C. Economic performance through time. American Economic

Review, v. 84, n. 3, p. 359–367, 1994.

NORTH, Douglass C. Understanding the process of economic change.

Princeton and Oxford: Princeton University, 2005.

PEREZ, Carlota. Great surges of development and alternative forms of globalization. Sussex, UK; Estonia: Universities of Cambridge; Technological

University of Tallinn, Jan 2007.

PEREZ, Carlota. Great surges of development and alternative forms of

globalization. In: SANTOS, Theotonio dos; MARTINS, Carlos Eduardo (Ed.). Long

duration and conjuncture in contemporary capitalism. [S. l.]: REGGEN-

UNESCO; UNU; Universidad Federal de Santa Catarina, 2007a.

PEREZ, Carlota. Technological revolutions and financial capital: the

dynamics of bubbles and golden ages. Cheltenham: Elgar, 2002.

PEREZ, Carlota. Finance and technical change: a long-term view. CERF, Judge

Institute, Cambridge University, and SPRU, University of Sussex, UK. In: HANUSCH, H.; PYKA, A. (Ed.). The Elgar Companion to Neo-Schumpeterian

Economics. Cheltenham: Edward Elgar, 2004.

SAMUELS, Warren J. The present state of institutional economics. Cambridge Journal of Economics. v. 19, p. 569-590, 1995.

SCHUMPETER, J. A. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Rio de Janeiro, Zahar, 1984. (Original de 1942).

TAVARES, Maria da Conceição. Destruição não criadora. São Paulo: Editora Record, 1999.

ZYSMAN, John. How institutions create historically rooted trajectories of growth.

Industrial and Corporate Change. v. 3, n. 1, p. 243-283, 1994.