da intuição como método filosófico à cartografia como método de pesquisa – considerações...

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Fernanda Amador e Tania Galli Fonseca

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HYPERLINK "javascript:void(0);" \o "Make font size larger" Make font size largerAjuda do sistema CAPA SOBRE ACESSO PESQUISA ATUAL ANTERIORES NOTCIASCapa>v. 61, n. 1 (2009)> AmadorARTIGO

Da intuio como mtodo filosfico cartografia como mtodo de pesquisa consideraes sobre o exerccio cognitivo do cartgrafo

From the intuition as philosophical method to the cartography as research method considerations on the cartographer's cognitive exercis

Fernanda AmadorI; Tnia Mara Galli FonsecaIIIUniversidade de Santa Cruz do Sul (UNISC), Rio Grande do Sul, BrasilIIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Rio Grande do Sul, BrasilEndereo para correspondncia

RESUMOEste texto discute a cartografia, uma prtica geogrfica de acompanhamento de processos em curso que, mais do que de um traado de percursos histricos, ocupa-se de um campo de foras no seio mesmo dos estratos. Proposto enquanto caminho errante por Gilles Deleuze e Flix Guattari, a cartografia se oferece como trilha para acessar aquilo que fora a pensar, dando-se ao pesquisador, como possibilidade de acompanhamento daquilo que no se curva representao. Entendendo que o mtodo cartogrfico convoca um exerccio cognitivo peculiar do pesquisador uma vez que, estando voltada para o traado de um campo problemtico, requer uma cognio muito mais capaz de inventar o mundo do que de reconhec-lo , buscamos elementos para essa discusso em uma interlocuo com Henri Bergson quando se dedica a pensar a respeito da intuio como mtodo.Palavras-chave:Cartografia; Cognio; Pesquisador.

ABSTRACTThis text discusses the cartography, a geographical practice of attendance of processes in course which, more than a delineating plan of historical courses, it is in charge of a field of forces in the core of the strata. Proposed as wandering way by Gilles Deleuze and Flix Guattari, the cartography offers itself as trail to access that which forces to think; to that which forces to move practices, subjectivities and worlds going in the pursuit of the event and giving itself to the researcher, as attendance possibility of that which does not bend to the representation. Understanding that the cartographic method convokes a peculiar cognitive exercise of the researcher once being turned to the plan of a problematic field, it requests a cognition much more capable of inventing the world, that of recognizing it , we looked for elements for that discussion in a dialogue with Henri Bergson when he is devoted to think about the intuition as method.Keywords:Cartography; Cognition; Researcher.

Este texto discute a cartografia, uma prtica geogrfica de acompanhamento de processos em curso que, mais do que de um traado de percursos histricos, ocupa-se de um campo deforasno seio mesmo dos estratos. Proposta enquanto caminho errante por Deleuze e Guattari (1995)1,a cartografia se oferece como trilha para acessar aquilo que fora a pensar, dando-se ao pesquisador, como possibilidade de acompanhamento daquilo que no se curva representao.Entre sua definio enquanto mtodo e a recusa a qualquer pretenso de s-lo, a cartografia apresenta-se como procedimento de pesquisa que exige do pesquisador posturas especficas. Convoca-o para um exerccio cognitivo peculiar, uma vez que, estando voltado para o traado de um campo problemtico, requer uma cognio muito mais capaz de inventar o mundo. Trata-se de uma inveno que somente se torna vivel pelo encontro fecundo entre pesquisador e campo pesquisa, pelo qual o material a pesquisar passa a ser produzido e no coletado, uma vez que emerge de um ponto de contato que implica um deslocamento do lugar de pesquisador como aquele que v seu campo de pesquisa de um determinado modo e lugar em que ele se v compelido a pensar e a ver diferentemente, no momento mesmo em que o que visto e pensado se oferece ao seu olhar.Por isso, traamos questes a respeito da peculiaridade do processo cognitivo implicado na pesquisa cartogrfica, o qual parece sintonizar-se sobretudo com a dimenso inventivo-intuitiva da cognio abordada por Bergson, antes que com a esfera da inteligncia, aspectos esses sobre os quais discorreremos ao longo deste artigo.Para tanto, buscamos elementos no pensamento de Bergson (1984), especialmente em seu texto publicado naColeoOs Pensadores, intitulado O pensamento e o movente, e de Deleuze (1999) sobre Bergson, publicado na obraO bergsonismo. no conceito de intuio e, mais especificamente, em suas formulaes sobre esta enquanto mtodo que nos detemos, devido potncia que a julgamos existir para nos possibilitar refletir a respeito do tema aqui proposto: o exerccio cognitivo do cartgrafo.A INTUIO COMO MTODO: PASSAGENS PELO PENSAMENTO DE BERGSONBergson (1984), no texto O pensamento e o movente, inicia suas reflexes perguntando-se a respeito da cincia, para da derivar para o campo filosfico. Comportando a primeira uma preciso absoluta e uma evidncia completa e crescente, pergunta se se poderia dizer o mesmo das teorias filosficas. No, logo responde, pois a cincia trata o tempo como se ele j tivesse passado, o que lhe confere o poder de prever o que vir. Assim, ela extrai e retm do mundo material o que suscetvel de se repetir e de ser calculado; conseqentemente, o que no dura.J com essa primeira reflexo, Bergson introduz, no corao das discusses sobre a cincia, a dimenso do tempo. Para ele, o tempo enquanto durao eliminado da cena pela cincia por um processo de imobilizao atingida por pretenso e esforos de agarramento, de encravao das unhas em uma matria, que, embora fluente, se acomodaria nos contornos das mos de quem pretende det-la.Como, ento, tangenciar o tempo que escapa? Certamente, no por agarramento, mas por apalpamento, por toque, por sensibilidade. Por uma determinada ateno que se fixa no que escorre, ateno esta que nos parece sintonizada com a intuio enquanto esfera do trabalho cognitivo, muito mais do que com a esfera da inteligncia.A respeito dessa ltima, diz o filsofo:

A inteligncia retm apenas uma srie de posies: um ponto primeiramente atingido, depois outro, depois outro. Objeta-se ao entendimento que entre esses pontos se passa qualquer coisa? [...] Nossa ao apenas se exerce comodamente sobre pontos fixos; , ento, a fixidez que nossa inteligncia busca; ela se pergunta onde o mvel est, onde o mvel estar, onde o mvel passa. Mesmo se ela nota o momento da passagem, mesmo se ela parece ento interessar-se pela durao, limita-se a constatar a simultaneidade de duas paradas virtuais: parada do mvel que ela considera e parada de um outro mvel cujo curso, supe-se, seja o do tempo. Mas sempre a imobilidades, reais ou possveis, que ela se relaciona (BERGSON, 1984, p. 103).A inteligncia, no pensamento bergsoniano, busca a fixidez, fazendo coincidir movimento com imobilidade. do tempo cronolgico que sucede, portanto, que ela se ocupa, ao invs do tempo crnico, aquele que, enquanto simultaneidade contrada, amalgama passado, presente e futuro, tangenciado, especialmente, pela intuio. Desviando o olhar da transio, a inteligncia d conta de certa organizao do pensamento e das aes, captando a mobilidade apenas a partir de pontos de ancoragem, em lugar de aceder, como faz a intuio, mobilidade desde zonas de passagem nas quais jorra a novidade e nas quais o tempo dura em um processo incessante de diferenciao.A intuio figura, ento, diferentemente da inteligncia, como via cognitiva para essa esfera de passagem para a durao, tendo sido em virtude dessas consideraes que Bergson fez da intuio um mtodo filosfico. A intuio como mtodo obstinada pela mobilidade, pelo inslito, pelo efmero.Visando a apreenso de uma certa sucesso, cujo procedimento no se faz por justaposio e sim por uma espcie de crescimento por dentro, de prolongamento e em uma interpenetrao transversa2entre passado, presente e futuro, a intuio mostra-se como via de acesso a um plano de transpasse, de transformao, de recombinao e de deslocamento. Opera como via para uma zona de transio, como o prprio Bergson anuncia em seu texto, e qual a inteligncia recusa seu olhar.Intuio significa, primeiramente, conscincia imediata, viso que quase no se distingue do objeto visto3,diz Brgson (1984). Ela aquilo que atinge o esprito, a mudana, a durao, a mudana pura. Para a intuio, o essencial a mudana e sua captao prescinde de qualquer linguagem, pois os conceitos e as idias que dela derivam comeam obscuros, no importando qual seja nosso esforo de pensamento. Isso porque a clareza que dela se origina se refere a uma idia radicalmente nova que permite vislumbrar que pensar intuitivamente pensar na durao. Por assim ser, impossvel reconstitu-la por elementos preexistentes capazes de oferecer uma certa ordem, como o faz a inteligncia, pois a intuio assume ares de incompreensvel, lanando ao abismo aquele que a exerce.Deleuze (1999) incursiona pelo pensamento de Bergson sistematizando algumas de suas idias a respeito do mtodo intuitivo. Nesse percurso, destaca que a intuio no um sentimento em uma inspirao, ou uma simpatia confusa, mas um dos mais elaborados mtodos da filosofia. J pressupondo a durao, a intuio , para Deleuze, segunda em relao durao ou memria, consistindo em uma via para sua apreenso, assim como, tambm, para apreenso do impulso vital.Logo nas primeiras pginas do captulo intitulado A intuio como mtodo, Deleuze (1999) pergunta-se sobre como pode a intuio, que designa antes de tudo um conhecimento imediato, formar um mtodo, j que esse implica em mediaes. De fato, essa pergunta instigante quando retomamos as consideraes de Bergson a respeito da intuio como conscincia imediata, na qual a viso no se distingue do objeto.Em uma tentativa de sistematizar uma postura metdico-intuitiva, ainda que imersa em uma multiplicidade virtual na qual ela se atualiza e, portanto, em uma pluralidade de elementos irredutveis, Bergson prope trs espcies de atos/regras: a primeira espcie concerne posio e criao de problemas; a segunda, descoberta de verdadeiras diferenas de natureza; a terceira, apreenso do tempo real (DELEUZE, 1999, p. 8).Detenhamo-nos, ento, um pouco nessas regras. Quanto primeira, ela se refere aplicao da prova do verdadeiro e do falso aos prprios problemas, de modo a denunciar os falsos problemas, reconciliando verdade e criao no nvel de sua colocao. Com essa formulao, Bergson aponta que as dimenses de verdadeiro e de falso concernem no somente s solues do problema, mas, sobretudo, aos modos de coloc-lo. Um problema bem colocado pode levar resoluo em uma via especulativa enquanto descoberta, mas tambm pode e essa a menina dos olhos do filsofo levar a uma espcie de resoluo inventiva. No primeiro movimento, o da descoberta, o que j existe, atual ou virtualmente, des(coberto), enquanto, no segundo, o da inveno, d-se o ser ao que no era, abrindo um plano de foras que d existncia s coisas. Assim, um problema bem colocado aquele que se mostra prenhe de uma fora problematizadora, capaz de durar em uma zona de recusa imediata soluo pela inteligncia, para deixar-se levar por sendas intuitivas capazes de fazer emergir verdades criadas.Como regra complementar a essa, Deleuze acrescenta: os falsos problemas so de dois tipos: os inexistentes, quando seus termos implicam uma confuso entre o mais e o menos, e aqueles mal colocados, uma vez que seus termos representam mistos mal analisados. No primeiro caso, as reflexes de Bergson dirigem-se para pensar a respeito de uma espcie de improdutividade das perguntas formuladas em termos de por que alguma coisa e no outra, pois nelas tomamos o mais pelo menos, tais como em perguntas sobre ordem e desordem, sobre ser e no-ser. Nestes momentos, h como que uma idia de preexistncia de um termo em relao ao outro. J nos problemas mal colocados, o equvoco est em agrupar coisas que diferem por natureza, buscando articular naturalmentecoisas irredutveis, tal como felicidade e prazer, por exemplo.Nossa tendncia intelectual a de pensar em termos de mais e de menos, vendo diferenas de grau onde existem diferenas de natureza. Para reagir a essa tendncia, preciso, ento, suscitar a intuio, pois ela reencontra as diferenas de natureza sob as diferenas de grau e comunica inteligncia os critrios que permitem distinguir os verdadeiros problemas e os falsos (DELEUZE, 1999, p. 13-14).A segunda regra consiste na busca pelas verdadeiras diferenas de natureza ou as articulaes do real. Tal regra se funda na concepo bergsoniana de que os mistos4diferem em tendncias, por natureza, a residindo sua noo de pureza. Buscar a pureza corresponde, ento, a restaurar as diferenas de natureza, dividindo o misto de acordo com a maneira como ele combina a durao e a extenso, uma vez que as diferenas de natureza se oferecem de modo virtual.Esquecer as diferenas de natureza entre a percepo e a afeco e entre a percepo e a lembrana engendra falsos problemas. Assim, a intuio enquanto mtodo emerge como procedimento de distino entre as duas esferas, instaurando uma zona de no contigidade entre as mesmas e abrindo, desse modo, um plano de dissonncia por onde ela, muito mais sintonizada com a afeco, possibilita aceder a um plano transitrio ao qual a inteligncia no se dedica. Trata-se de uma zona relativa s condies da experincia, as quais so determinadas por perceptos e afectos5,os quais, por se situarem em uma zona de passagem, so afeitos a dar existncia s coisas, da ligando-se a uma regra complementar, pela qual se mostra como um problema, tendo sido bem colocado, tende por si mesmo s foras virtuais em curso de atualizao. Tal regra diz: o real tambm o que se rene segundo vias que convergem para um ponto virtual.Por fim, a terceira regra: colocar os problemas e sua resoluo muito mais no plano do tempo do que no de espao. Neste ltimo, a coisa s pode diferir em grau das outras coisas e de si mesma, enquanto no tempo, no lado da durao, a coisa difere por natureza de todas as outras e de si mesma. O tempo refere-se aolocusda alterao, sendo que esta, portanto, no se (des)cobre, inventa.Assim, a intuio enquanto mtodo define-se enquanto reconciliao com o imediato. Diz-nos Deleuze (1999, p. 23): sobretudo o movimento pelo qual samos de nossa prpria durao, o movimento pelo qual ns nos servimos de nossa durao para afirmar e reconhecer imediatamente a existncia de outras duraes acima ou abaixo de ns.A intuio como mtodo, ento, problematizante, diferenciante e temporalizante. No seriam tais caractersticas prximas do procedimento cartogrfico de pesquisa? Retomando alguns pontos das regras da intuio como mtodo de Bergson apresentados at aqui, perguntamos: no seria essa tambm a busca da cartografia: traar um campo problemtico cuja resoluo seja, eminentemente, inventiva? Para tanto, a intuio, enquanto via em que se acessam os perceptos e os afectos, estaria prxima da cartografia como estratgia criadora de mundos? A intuio, colocando os problemas no plano do tempo, figuraria como percurso que permite ao cartgrafo dissolver-se no campo de pesquisa para, assim, encontrar-se com as dissolues nele presentes?Parece-nos instigante seguir nesta direo, especialmente porque aproximar a cartografia como mtodo de pesquisa da intuio enquanto mtodo filosfico possibilita pensar a primeira para alm de uma dimenso procedimental. Antes disso, viabiliza germinar o cartgrafo em ns, uma vez que, para cartografar, faz-se necessrio certo desmonte do esquema cognitivo por parte do pesquisador; desmonte esse que lhe possibilite abrir-se s foras do presente para virtualizar o mundo.Tendo percorrido alguns pontos da produo de Bergson, parece-nos que o trabalho do cartgrafo requer mais da intuio do que da inteligncia, muito embora ambas no se encontrem definitivamente apartadas. Por isso, o trabalho de cartgrafo exige do pesquisador, antes que definies tcnicas, uma experimentao na prpria durao.

CARTOGRAFIA E INTUIO: PESQUISA E FABULAO DO MUNDOA cartografia, segundo Kastrup (2007), consiste em um mtodo proposto por Deleuze e Guattari (1995) que vem sendo utilizado em pesquisas interessadas pelo estudo da subjetividade. Trata-se de investigar um processo de produo, de acompanhar um certo traado inslito, um certo tempo que dura. Assim, a cartografia ocupa-se de um plano movente, interessando-lhe as metamorfoses e anamorfoses tomadas como processos de diferenciao.Configurando-se como um mtodo cuja definio de passosa priori posta sob suspeita, seu fazer se faz por des(fazimento), por uma espcie de disposio de (des)aprontar-se, de modo a sintonizar com os percursos processuais que se constituem em seu objeto. Como faz-lo, seno adotando uma postura intuitiva?Contudo, assim como a intuio como mtodo se apresenta enquanto um rigoroso procedimento filosfico, a cartografia tambm exige um rigoroso cuidado do pesquisador. Ao invs de constituir-se em tarefa que assume ares de total independncia de princpios, preciso, em lugar disso, um atento respeito a determinados elementos que servem ao cartgrafo de fugazes-slidas pedras no caminho por onde possa pisar de modo nmade. Caso contrrio, pode ver-se capturado pelas foras da inteligncia que tendem a apressar-se em fixar e ordenar as dimenses no fixas e inordenveis do campo de pesquisa.Como faz-lo, ento? Kastrup6aponta o que seriam oito pistas do cartgrafo: trata-se de um mtodo para acompanhar processos e no representar objetos; refere-se a um coletivo de foras, visa um territrio existencial; traa um campo problemtico; requer a dissoluo do ponto de vista do observador; exige certo tipo de ateno ao presente; requer dispositivos para funcionar; e, por fim, consiste em um mtodo que no separa pesquisa de interveno.Delas, extramos trs para discorrer neste texto: sua ocupao com o traado de um campo problemtico, a dissoluo do ponto de vista do observador e a ateno especfica ao presente. Assim o fazemos por nos parecer que estas se ligam, de modo especial, ao nosso propsito: pensar o trabalho cognitivo do pesquisador que emprega a cartografia e que do trabalho cognitivo se impregna. E, ainda, por nos instigar a levantar algumas questes relativas ao lugar da imaginao e da fabulao no empreendimento da pesquisa cartogrfica.Traar um campo problemtico enquanto cartgrafo significa problematizar as formas cognitivas do prprio pesquisador em sua relao junto ao campo ao qual se dedica. Assim, exige dele uma permanente modulao do problema, uma postura de abertura s foras que foram a pensar, como uma sintonia com a dimenso da primeira regra do mtodo intuitivo: reconciliar verdade e criao no nvel dos problemas.Tal pista pe em evidncia a importncia de que, na pesquisa, o pesquisador venha a se conduzir na direo de resolues inventivas, que o foram a traar novos problemas, em uma inconformidade incessante que lhe permite no ceder s sedues das respostas apaziguadoras ligadas ao plano da recognio. Em lugar disso, produz vitalidade s foras que do existncia s coisas, produzindo material de pesquisa no momento mesmo em que problematiza o campo.Da, decorre a dissoluo do ponto de vista do observador. Alis, o prprio Bergson anuncia tal dissoluo, quando diz que a clareza que se origina da intuio , de certo modo, obscura por referir-se a uma idia radicalmente nova. Trata-se de idias radicalmente novas tanto em relao ao campo quanto ao pesquisador, em um processo em que, por uma zona de contato, ambos deixam, de certo modo, de ser o que so. Tal dissoluo marca a fora que faz sair da dicotomia o par sujeito-objeto, instaurando um processo de dupla captura em que pesquisador e campo se fazem em um movimento implicado-explicado.A implicao, inevitvel ferramenta no trabalho do cartgrafo, pe em evidncia a natureza da relao sujeito-objeto como prpria de uma relao transdutiva, em uma aluso ao conceito de transduo7,cunhado por Simondon (1964). Falar em relao transdutiva remeter a uma relao estabelecida em uma zona de no-formas, portanto, no caso, de no-formas sujeito e objeto que, interpenetrando-se, criam um campo de fecundao mtua e movente.Por esta razo, no h sobre o que lanar o olhara priori. H um lance de dados pelo olhar do pesquisador que, em um primeiro momento, pode parecer uma expresso demasiada de individualismo e subjetivismo. Contudo, pelos elementos fornecidos pelo pensamento bergsoniano, constitui-se justamente em outra coisa, qual seja: o remetimento para um campo propriamente coletivo. Referimo-nos a um coletivo no tomado a partir de critrios quantitativos e personalizados como conjunto numericamente estabelecido , mas enquanto zona de multiplicidades e de impessoalidade (SHERR, 2000).Assim, como um coletivo de foras, forja-se o material de pesquisa enquanto mapa, convocando o cartgrafo a acompanhar seu traado em uma tarefa possvel apenas pela criao de um territrio para habitar enquanto pesquisador: de dentro enquanto fora8que se pode operar a cartografia. incursionando pelo campo, em uma postura sensvel ao seu fora, que o pensamento daquele que pesquisa pode fecundar um material emprico e vice-versa. criando centros de estabilidade momentnea no caos, ao que denominamos de zona de durao, que o cartgrafo empreende sua tarefa. pela operao em um plano de signos que, como obra de arte, produz-se ao mesmo tempo o material de pesquisa e o sujeito pesquisador. Da, a cartografia fazer-se, primordialmente, por um remetimento ao plano dos afectos e dos perceptos, sendo ambos pertinentes ao campo da arte e esta uma via para cortar e enfrentar o caos.Emerge, assim, a cartografia como modo de fazer pesquisa que compe, com o campo e seus fluxos, vias de acesso ao insuspeito e variao. Trata-se de traar um testemunho do mundo por formas novas e inditas, razo pela qual por cartografia nada se explica, uma vez que os dados, sempre relanados, apenas se implicam, produzindo material de pesquisa, subjetividades e mundos.Nesse ponto, ligamos a ltima pista eleita para debruar-nos neste trabalho: a ateno ao presente. Considerando que, embora pela cartografia detectemos e identifiquemos estratos histricos, importante salientar sua seduo pelo plano virtual, o qual se refere s foras e potncias que se atualizam por diferenciao. Confronto, pois, com uma espcie de complexo problemtico ou n de tendncias que coloca em cena o presente como centralidade. Sendo assim, que tipo de ateno necessria para capt-lo?Uma ateno que acompanhe a fluidez do pensamento. Dito de outro modo, uma ateno que no simples seleo de informaes, diz-nos Kastrup (2007), baseando-se em conceitos como o de ateno flutuante (FREUD, 1912-1969), reconhecimento atento (BERGSON, 1897/1990) e ateno espreita (DELEUZE, 2006b). Para cartografar, necessrio, portanto, estabelecer pontos de contato com os perceptos em lugar das percepes; com os afectos em lugar das afeces; com um plano de signos e de foras que emergem de um material, por vezes, desconexo e estranho, uma vez que a seduo do cartgrafo se d, justamente, pelos traados de virtualidade em meio a planos de atualizao.Tendo como objetivo acompanhar processos, vem a indagao: como pousar no movimento? Como centrar a ateno naquilo que movente por natureza? Como atentar para o que ainda no enquanto atualizao? Como estar sensvel para as dimenses que o inesperado oferece como surpresa?Pensando por uma ateno entendida como fundo de flutuao da cognio, tal como nos aponta Kastrup (2007), a partir do campo da Psicologia Cognitiva Contempornea. Trata-se de uma ateno relacionada conscincia tomada enquanto domnio de mutaes e aberta ao encontro; uma ateno que recusa a simples seleo de informaes para detectar signos e foras circulantes, o que requer uma concentrao sem focalizao.Convocando o corpo inteiro enquanto centro de captao das foras do mundo, tal ateno implica em uma abertura do cartgrafo a uma espcie de toque do fragmentrio, que, recusando totalidades perceptivas, abre as portas para a fabulao9.Para pousar, preciso focalizar a ateno, reconhecendo, contudo, que o foco no consiste em estaticidade e que requer do cartgrafo que se mantenha em movimento pela memria, em um esforo de reconhecimento de algo, porm fugindo de possveis elementos preexistentes que o definam, pois o que se efetiva a emergncia de um mundo j existente enquanto virtualidade. O caminho pela memria , portanto, feito para reduplicar a percepo, j que, ao se remeter a ela, o cartgrafo o faz para reconduzir-se ao objeto em sua potncia singular. pelo reconhecimento atento proposto por Bergson (1999) que o cartgrafo empreende essa tarefa. Um reconhecimento, que no tendo como base a ao e a inteligncia, permite acessar seus contornos singulares, remetendo a um passado pela memria que, tangenciando o plano do sonho, transforma as imagens do mundo.Trata-se de um reconhecimento que nos parece operado pela intuio, o que possibilita no exatamente ver os objetos-processos, mas vision-los, invent-los, fabul-los pelo plano dos perceptos e dos afectos que acionam potncias impessoais e inobjetais, ao invs de imagin-los pela percepo e pela lembrana. Espcie de reconhecimento que atenta no exatamente para as (in)formaes do mundo, mas para suas (out)formaes, para o plano da durao dos objetos-processos, viabilizando, por circuito, uma reconfigurao permanente do territrio de observao e uma reconduo incessante ao objeto diferentemente e diferenciantemente.Retornando ao objetivo central do texto, qual seja o de discutir acerca das peculiaridades do exerccio cognitivo do cartgrafo, eis o que nos parece ser sua tarefa: incursionar pela ateno de modo a atingir o virtualmente dado e construir, por ela, os objetos-processos, em um movimento em que a ateno no (re)conhece, e sim inventa. Cartografar implica em trabalhar em um terreno de certa ludicidade que exige, contudo, extremo rigor em seus procedimentos, especialmente pelas conseqncias geradas pelo to bem construdo trabalho de desqualificao do exerccio da cognio inventiva por parte dos pesquisadores, no iderio cientificista da modernidade.Cartografar implica, assim, a convocao de um devir criana na cognio, a instaurao de uma espcie de estado nascente, a ser alimentado no percurso cognitivo do pesquisador, para que, assim, este se torne sensvel captao daquilo que evolui, criando-se. preciso escapar s tentaes explicativas dos movimentos do mundo remetendo a pontos estticos de sua mutao, tal como no exemplo da borboleta trazido por Bergson (1984) em O pensamento e o movente,pelo qual afirma a infecundidade de dissertar a respeito do invlucro de onde ela sai, pretendendo que ela, voando, transformando-se, vivendo, tenha sua razo de ser e sua refeio, na imutabilidade da pelcula de seu casulo.Cartografar exige, antes de tudo, implicar-se no movimento. Tal como no processo da borboleta, preciso entrar no invlucro e com ele transmutar, libertando-se a si e a crislida, restituindo ao movimento do mundo sua mobilidade, mudana sua fluidez, ao tempo sua durao, como brincao filsofo no exemplo, ou, dito de outro modo, como sugere Bergson filosofando.

REFERNCIASALTO, Snia (Org.).Ren Lourau: analista institucional em tempo integral. So Paulo: Editora Hucitec, 2004.BERGSON, H.Matriae memria. So Paulo: Martins Fontes, 1897-1990.______. O pensamento e o movente. In:ColeoOs Pensadores. So Paulo: Abril Cultural, 1984.______.Matriae memria. So Paulo: Martins Fontes, 1999.DELEUZE, G.Foucault. So Paulo: Brasiliense, 1988.______.Crticae clnica. So Paulo: Editora 34, 1997.______.O bergsonismo. Rio de Janeiro: Editora 34, 1999.______.Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2006a.______. O abecedrio de Gilles Deleuze, 2006b. Disponvel em: . Acesso em: 14 abr. 2007.______; GUATTARI, F.O que filosofia?Rio de Janeiro: Editora 34, 1992.______.Milplats capitalismo e esquizofrenia.v. 1. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995.FREUD, S. Recomendaes aos mdicos que exercem a Psicanlise. In: ______.Obrascompletas de Sigmund Freud. v. XII. Rio de Janeiro: Imago, 1912-1969.KASTRUP, V. O funcionamento da ateno no trabalho do cartgrafo.Psicologiae Sociedade,Porto Alegre, v. 19, n. 1, jan./abr. 2007.PL PELBART, P.Da clausura do fora ao fora da clausura: loucura e desrazo. So Paulo: Brasiliense, 1999.SHERR, R. Homo Tantum. O impessoal: uma poltica. In: ALLIEZ, E. (Org.).Gilles Deleuze: uma vida filosfica. So Paulo: Editora 34, 2000.SIMONDON, G.Lindividu et la gense phisico-biologique. Paris: PUF, 1964.

Endereo para correspondnciaFernanda AmadorE-mail:[email protected] Mara Galli FonsecaE-mail:[email protected]

Submetido em: 03/07/2007Revisado em: 10/12/2007Aceito em: 03/03/2008

1Os autores discorrem a respeito da cartografia tambm nos demais volumes desta obra.2Parece-nos interessante, a respeito deste termo, ler Deleuze (2006a). Para o autor, a transversalidade consiste em um caminho para o estabelecimento de relaes que no carecem de conjuntos para se unificarem. Em lugar disso, comunicam-se por singularidades, por uma espcie de no-comunicao que instaura uma distncia profana entre os termos, estabelecendo distncias entre coisas contguas.3Esta espcie de indistino entre viso e objeto visto abre reflexes a respeito da intuio, da imaginao e da fabulao, dimenses s quais nos dedicaremos mais adiante no texto.4A definio de misto em Bergson remete a idia de mistura entre extenso e durao, entre espao e tempo. Por isso, a unidade das coisas sempre impura, sendo a pureza somente vivel de ser alcanada mediante um trabalho de restaurao das diferenas de natureza, o qual se faz por um acompanhamento do traado de suas tendncias, j que so sempre impuras por serem misturadas, referindo-se a indeterminaes e a virtuais.5Deleuze e Guattari (1992) partem dos conceitos de percepo, enquanto um estado do corpo induzido por um outro corpo e da afeco enquanto passagem desse estado a outro. Em ambos os termos, est em cena o corpo daqueles que percebem e se afectam. J perceptos no so mais percepes, so independentes do estado daqueles que os experimentam, enquanto os afectos no so mais sentimentos ou afeces, pois transbordam as foras daqueles que so atravessados por eles.6Tais pistas foram desenvolvidas por Virgnia Kastrup em curso ministrado sob o ttulo de Cartografias da inveno: pistas e polticas de um mtodo de pesquisa, em maro de 2007 na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Material no publicado.7A este respeito, consultar Alto (2004).8O fora para Deleuze (1988) trata-se de uma matria mvel que constitui um dentro: no outra coisa que o fora, mas o dentro do fora. Trata-se de um conceito cunhado pelo autor para incursionar pelo pensamento de Foucault, compondo, com as dimenses do poder e do saber, caminhos para, em articulao complexa, pensar acerca da constituio da subjetividade. O fora segundo Pl Pelbart (1999) abertura de um futuro, apresenta-se como o espao no qual nada acaba, porque nada comeou e tudo se metamorfoseia.9Fabulao um termo mencionado por Brgson (1984) e trabalhado por Deleuze e Guattari (1992). Tal termo preciosamente roubado por Deleuze (1997), que o remete ao contato com vises que se elevam aos devires, s potncias, aos perceptos e aos afectos. Bergson (1984) aborda a imaginao como estando relacionada a um trabalho da inteligncia, o que nos leva a pensar na fabulao enquanto dimenso diferente da imaginao, por ser relativa a um trabalho da intuio e deslocada de qualquer espcie de projeo do eu._1500165108.unknown

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