da igualdade primitiva À igualdade substantiva via · importantes obras como ³para além do...

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1 ISSN 2595-3109, vol. 10, n. 01, julho de 2018. ISSN 2595-3109, volume 10, número 01, julho de 2018. DA IGUALDADE PRIMITIVA À IGUALDADE SUBSTANTIVA VIA ESCRAVIDÃO 1 From Primitive to Substantive Equality via Slavery István Mészáros 2 Ao contrário da igualdade primitiva materialmente fundada e estritamente determinada, a realização da igualdade substantiva universalmente partilhada só é factível em um nível altamente desenvolvido de avanço social/econômico, que deve ser combinado com uma regulação não hierárquica (e portanto não antagônica) conscientemente buscada de um metabolismo da reprodução social historicamente sustentável. Este seria um metabolismo social radicalmente diferente, em contraste com todas as fases do desenvolvimento histórico até aqui incluindo é claro a igualdade primitiva espontânea do passado distante enraizada nos graves constrangimentos materiais da necessidade natural e luta pela sobrevivência diretamente impostas. Porque o horizonte da consciência da humanidade foi drasticamente limitado e restringido sob as graves determinações da igualdade primitiva. A sustentabilidade histórica é, portanto, totalmente inconcebível em conjunção com tais determinações. Uma ―materialidade‖ daquele tipo, apesar da inquestionável substantividade, por estar ligada à correspondente ―espontaneidade‖ restringida, obviamente não é suficiente para alcançar sustentabilidade histórica. Outras condições devem ser conquistadas em seu devido momento de forma a ser capaz de transformar a potencialidade de uma igualdade substantiva materialmente fundada em uma realidade historicamente viável. Mas o requisito de materialidade, no caso do ser humano cujo substrato existencial fundamental é a natureza objetivamente determinada, é essencial. A condição seminal da materialidade no que se refere à 1 Publicado em: Monthly Review, vol. 68, Issue 04, setembro de 2016. Disponível em: < https://monthlyreview.org/2016/09/01/from-primitive-to-substantive-equality-via-slavery/ > Último acesso: abr. 2017. 2 Filósofo húngaro (1930-2017) de enorme contribuição ao desenvolvimento da teoria social marxiana. Autor de importantes obras como Para além do capital rumo a uma teoria da transição; O poder da Ideologia; A teoria da alienação em Marxe vários outros títulos indispensáveis para a compreensão efetivamente crítica da atual forma de sociabilidade em seu desenvolvimento estrutural histórico.

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Page 1: DA IGUALDADE PRIMITIVA À IGUALDADE SUBSTANTIVA VIA · importantes obras como ³Para além do capital – rumo a uma teoria da transição´; ³O poder da Ideologia´; ³A teoria

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ISSN 2595-3109, vol. 10, n. 01, julho de 2018.

ISSN 2595-3109, volume 10, número 01, julho de 2018.

DA IGUALDADE PRIMITIVA À IGUALDADE SUBSTANTIVA – VIA

ESCRAVIDÃO1

From Primitive to Substantive Equality – via Slavery

István Mészáros2

Ao contrário da igualdade primitiva materialmente fundada e estritamente determinada, a realização

da igualdade substantiva universalmente partilhada só é factível em um nível altamente desenvolvido de

avanço social/econômico, que deve ser combinado com uma regulação não hierárquica (e portanto não

antagônica) conscientemente buscada de um metabolismo da reprodução social historicamente sustentável.

Este seria um metabolismo social radicalmente diferente, em contraste com todas as fases do

desenvolvimento histórico até aqui – incluindo é claro a igualdade primitiva espontânea do passado distante

enraizada nos graves constrangimentos materiais da necessidade natural e luta pela sobrevivência

diretamente impostas. Porque o horizonte da consciência da humanidade foi drasticamente limitado e

restringido sob as graves determinações da igualdade primitiva. A sustentabilidade histórica é, portanto,

totalmente inconcebível em conjunção com tais determinações. Uma ―materialidade‖ daquele tipo, apesar da

inquestionável substantividade, por estar ligada à correspondente ―espontaneidade‖ restringida, obviamente

não é suficiente para alcançar sustentabilidade histórica. Outras condições devem ser conquistadas em seu

devido momento de forma a ser capaz de transformar a potencialidade de uma igualdade substantiva

materialmente fundada em uma realidade historicamente viável.

Mas o requisito de materialidade, no caso do ser humano cujo substrato existencial fundamental é a

natureza objetivamente determinada, é essencial. A condição seminal da materialidade no que se refere à

1 Publicado em: Monthly Review, vol. 68, Issue 04, setembro de 2016. Disponível em: <

https://monthlyreview.org/2016/09/01/from-primitive-to-substantive-equality-via-slavery/ > Último acesso: abr. 2017.

2 Filósofo húngaro (1930-2017) de enorme contribuição ao desenvolvimento da teoria social marxiana. Autor de

importantes obras como ―Para além do capital – rumo a uma teoria da transição‖; ―O poder da Ideologia‖; ―A teoria

da alienação em Marx‖ e vários outros títulos indispensáveis para a compreensão efetivamente crítica da atual forma de

sociabilidade em seu desenvolvimento estrutural histórico.

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igualdade pode ser posta de lado ou desejar sua inexistência se querer retirar da existência – como uma regra

em um modo reveladoramente discriminatório e com uma perspectiva de classe útil a si mesma – somente

por alguma concepção filosófica idealista; uma que predique a recomendação de algum tipo de igualdade

(em geral ―aos olhos de Deus‖ ou ―perante a lei‖) e ao mesmo tempo negue a realizabilidade de uma

igualdade substantiva materialmente corporificada, na sua defesa da ordem social mais iníqua.

A verdade dolorosa da questão é que a importância vital da materialidade e seus requisitos

regulatórios não podem ser subestimados no que se refere aos reais desdobramentos – e ao final

prevalecentes e deprimentes – do desenvolvimento histórico da humanidade. As mais íntimas determinações

do desenvolvimento histórico totalizante neste planeta são sempre objetivas, mesmo quando seus portadores

são indivíduos humanos particulares que podem muito bem desempenhar seus papéis sob as distorcidas

determinações da falsa consciência. Porque a falsa consciência em questão não é a consciência

individualisticamente fantasiosa/arbitrária, como é caracteristicamente mal representada por Max Weber em

sua projeção dos fictícios, mas socialmente bastante apologéticos – no sentido de serem decretados como

absolutamente insuperáveis – ―Demônios Privados‖ dominando todos os indivíduos. Ao contrário, ela

corresponde a determinados interesses objetivos sob as condições do desenvolvimento histórico

materialmente antagonístico. Esse é um tipo de desenvolvimento histórico característico de todas as

formações sociais em que a completa estrutura de comando da tomada de decisões é – por uma grande

variedade de razões identificáveis – alienada do corpo social como um todo, e é corporificada em um órgão

político separado, sobreposto, de uma correspondentemente grande variedade ao longo da história, incluindo

nosso tempo presente.

Materialidade antagônica

As principais formas de materialidade antagonicamente perpetuadas ao longo da história são:

(1) antigas sociedades de proprietários de escravos, controladas por força militar;

(2) servidão feudal em que o domínio antagonístico predeterminado e até mesmo

religiosamente sancionado continua a ser imposto, onde e quando necessário, pela força;

(3) ―escravidão assalariada‖ (nas palavras de Marx), perpetuando a si mesma por meios

diretamente material/econômicos, sob o domínio do capital, não importando quão ―avançados‖, e em última

instância salvaguardados por força político/militar.

Em todas as três de suas articulações fundamentais, a escravidão é estruturalmente enraizada e

peremptoriamente hierárquica no que se refere à realidade objetiva do processo societal real de tomada de

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decisões. Esse é o caso mesmo do terceiro tipo de escravidão, a escravidão assalariada, apesar das pseudo-

igualitárias pretensões da ―democracia‖ política confinada ao nível mais ou menos

esvaziadamenteformal/eleitoral.

Naturalmente, em todos os três tipos de escravidão o controle completo da materialidade vital do

processo sóciometabólico de reprodução permanece divorciado dos próprios produtores. Ao mesmo tempo,

as funções produtivas reais devem ser mesmo assim realizadas por aqueles que não estão no controle

completo dos papéis objetivamente designados a eles, enquanto os controladores de facto do sistema são é

claro incapazes de desempenhar as tarefas reprodutivas necessárias sem as quais a sociedade como um todo

iria colapsar. A contradição objetiva de uma tal estrutura reprodutiva é descaradamente óbvia, mesmo que

ela seja idealizada na fase histórica da escravidão assalariada pelo lado privilegiado como a benevolente

―Mão Invisível‖ e não percebida como uma contradição insustentável por aqueles no lado receptor.

Em qualquer forma, esse modo de controlar o metabolismo material da reprodução societal ao longo

da história não pode ser outro que não objetivamente antagonístico em seu núcleo interno, com seus perigos

de potencial instabilidade e mesmo convulsão. No interesse da sua sustentabilidade em andamento, o quadro

de referências geral hierárquico estruturalmente enraizado do complexo societal no qual os produtores estão

inseridos deve ser predeterminado na origem por determinações materiais de classe, e deve der politicamente

salvaguardado como tal na direção do futuro. O enraizamento material em si – contra o qual as pessoas

podem e se rebelam – não pode prover por si mesmo a garantia definitiva de sua perpetuação bem sucedida.

Esse hiato objetivo traz com ele a necessidade de um reforçador e garantidor na forma da estrutura

decomando político geral da sociedade dada. Essa estrutura de comando articula a si mesma na história como

o poder ―soberano‖ capaz de impor, contra toda a recalcitrância, os potencialmente perigosos requisitos do

enraizamento estrutural/hierárquico materialmente explorador.

Significativamente, nesse sentido, mesmo no estágio da escravidão assalariada capitalista – quando

a modalidade primária de extração de mais-trabalho e sua expropriação discriminatória como mais-valia em

expansão é a determinada por classes, e em sua pretensamente ―neutra‖ dependência econômica material dos

trabalhadores (combinada com a aparência enganosa da sua ―igualdade política‖ e mesmo ―liberdade‖) – de

vez em quando, em período de crises maiores, formas de controle político diretamente autoritário (até

mesmo extremamente ditatorial) devem ser impostas sobre a sociedade. Naturalmente, isso é conduzido pela

força das armas, no interesse de assegurar o metabolismo de reprodução societal capitalista.

De acordo com isso, nos imediatos desdobramentos da Primeira Guerra Mundial, o semi-fascista

almirante Horty é imposto sobre a Hungria pelos mais avançados ―estados democráticos‖ de tipo capitalista

dos Estados Unidos, Reino Unido e França, bem antes da ―marcha sobre Roma‖ de Mussolini ou a

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dominação de Hitler na Alemanha orientada para uma aventura mundial3. Nós vemos desenvolvimentos

similares na ditadura militar fabricada pelos Estados Unidos do General Pinochet no Chile, derrubando o

presidente democraticamente eleito Allende (lembrar o papel direto de Henri Kissinger nisso), em sintonia

com o mais ativo apoio dado a outras ditaduras militares pelos Estados Unidos no Brasil e em outras partes

da América Latina como de hábito4. O enraizamento material deve, portanto, ser complementado e

salvaguardado pelo garantidor último, mesmo que seja a mais repressiva maquinaria político-militar, não

importando quão ―democrática‖ a sua justificação ideológica. Uma ordem antagonística de reprodução

societal não pode se sustentar sem isso. As condições absurdamente idealizadas da escravidão capitalista – à

qual ―não pode haver alternativa‖ – não oferecem exceção a um tal garantidor autoritário último. Esse fato

lança uma sombra escura sobre as projeções liberais de ―controlar os excessos do Estado‖ mesmo quando

elas são genuinamente emitidas por alguns filósofos políticos liberais.

Apesar disso, a tendência objetiva do desenvolvimento histórico rumo à instituição de uma ordem

sociometabólica viável – materialmente fundada – de igualdade substantiva não pode ser negada. A demanda

por isso se fez sentir no palco da história da forma mais dramática no tempo da Revolução Francesa e teve

que ser reconhecida mesmo pelos defensores da ordem burguesa pelo menos em forma parcial de ―igualdade

perante a lei‖. Mas é claro a demanda por igualdade em uma forma duramente contestada se origina na

história em eras antigas a incontáveis séculos. Um filósofo tão grande quanto o próprio Aristóteles teve que

descartar tal demanda com observações mordazes. De fato, apesar do seu gênio filosófico, ele foi capaz de

fazer pronunciamentos sobre o domínio da igualdade social na forma mais grotesca, chamando os escravos

de seu tempo de ferramentas falantes. Obviamente, então, o interesse de classe pode produzir estarrecedora

irracionalidade mesmo no caso dos grandes gênios filosóficos

A realização histórica da igualdade substantiva

A realização histórica de uma igualdade substantiva conscientemente buscada é claro depende da

real produção de suas condições materiais no sentido mais abrangente. Advogar a realização de uma

conquista histórica tão monumental seria apenas um desejoso ―dever ser‖ se suas condições tiverem que ser

postuladas na forma de ―Graça Divina‖ ou façanha de algum misterioso ―Espírito do Mundo‖, como

encontramos tantos desenvolvimentos históricos projetados nas concepções filosóficas idealistas do passado.

Mas em verdade esse não é o caso no que se refere à questão da igualdade substantiva. Porque o

fundamento humano natural do processo histórico em andamento rumo à realização da igualdade substantiva

3 See Leo Valiani, Memorie di un patriota: Mihály Károlyi (Milan: Feltrinelli, 1958) on the president of the Hungarian

Republic after the collapse of the Austro-Hungarian empire in 1918. See also

Valiani’s seminal book The End of Austria- Hungary (New York: Knopf, 1973).

4 See on this subject Christopher Hitchens, The Trial of Henry Kissinger (London: Verso, 2002).

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é ele mesmo material precisamente no sentido mais abrangente no qual todos os seres humanos

objetivamente partilham a comunalidade de seu substrato natural fundamental, com as suas mais variadas

potencialidades criativas. Apenas as iníquas condições de regulação metabólicas feitas pelo homem,

surgindo dos interesses adquiridos auto-perpetuantes, podem perverter aquela equidade natural fundamental

em uma realidade institucionalizada socialmente discriminatória, cumprindo os requisitos exploratórios pré-

determinados do enraizamento hierárquico estrutural estabelecido, e acima ultrajantemente conceitualizado

em termos de membros da classe subordinada até mesmo na condição sub-humana de ―ferramentas falantes‖.

De fato, devido aos mesmos interesses de classe adquiridos, a classe socialmente reprimida de pessoas pôde

ser conceitualizada na forma do mais absurdo racismo também num estágio muito posterior à Grécia antiga

de Aristóteles, quando o grande filósofo dialético racional Hegel pôde contradizer seu próprio democratismo

epistemológico que verdadeiramente abriu caminhos ao falar sobre ―o caráter Africano‖ com referência aos

escravos do seu tempo5.

Em contraste com Aristóteles, em Hegel nós encontramos uma muito mais sofisticada justificação do

injustificável. Isso é bem compreensível não apenas porque a demanda por igualdade da Revolução Francesa

– no caso de Babeuf e sua ―sociedade dos iguais‖ mesmo por igualdade materialmente substantiva –

irrompeu com grande força no palco da história, mas também porque o próprio Hegel apaixonadamente

apoiou seus componentes anti-feudais. No entanto, dado o seu próprio horizonte de classe, conscientemente

partilhado em um sentido positivo com o trabalho de Adam Smith, Hegel não pôde contemplar nenhuma

forma de ordem política e social que pudesse ser contrária à substância de classe burguesa e exploradora

emergente e em consolidação no período pós-revolucionário. Seu discurso, portanto, centrou-se na ideia de

uma Liberdade histórico-mundial em desdobramento, relegando o problema da Igualdade ao domínio do que

ele descreveu com desprezo indisfarçável e sumária negatividade como ―a insensatez do Entendimento‖,

estabelecendo-a em agudo contraste com o domínio idealizado da própria Razão6.

Dessa forma, a materialidade socialmente mais problemática e de fato antagonística pôde retroceder

daquilo que Hegel considerava o horizonte propriamente filosófico. O problema e dilema subjacente teve que

ser transfigurado na inquestionável idealidade da realização histórica e, no esquema hegeliano das coisas, nas

inseparáveis Razão e Liberdade, graças aos postulados bons serviços da identidade Sujeito/Objeto. Ao

mesmo tempo as formas de antagonismo material estruturalmente prevalecentes – tanto o interno,

socialmente explorador, quanto o internacional, necessariamente belicoso – puderam ser organicamente

5 Ver István Mészáros, Social Structure and Forms of Consciousness, vol. 2, The Dialectic of Structure and History

(New York: Monthly Review Press, 2011), 241–95.

6 Ver G. W. F. Hegel, The Philosophy of Right (Oxford: Oxford University Press, 1952), 130.

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incorporados em sua monumental narrativa do desenvolvimento histórico mundial, caracterizado por Hegel

como ―os caminhos de Deus‖, a Teodiceia do espírito do mundo7.

Certamente, Hegel não nega ao menos a potencialidade do antagonismo social, como descrito já no

grande trabalho de Adam Smith. Mas ele pôs de lado em sua Filosofia do Direito os perigos explosivos que

poderiam surgir das duras previsões admitidas de necessitadas ―populações excedentes‖ com a solução

fantasiosa de uma idealizada expansão colonial ultramarina europeia desejosamente projetada para ir adiante

para sempre no futuro. Além disso, também a dimensão internacional do antagonismo apareceu na

concepção de Hegel desde o tempo de seus primeiros escritos em diante, e permaneceu sempre qualificado

em uma maneira igualmente não problemática. Ela tomou a forma de não apenas asseverar a necessidade de

fato das guerras mas simultaneamente também a sua recomendação positiva, advogada por ele em nome de

evitar a estagnação moral. Por conseguinte, em uma passagem de cinco linhas do trabalho juvenil sobre Lei

Natural, repetido por Hegel palavra por palavra na muito mais tardia Filosofia do Direito, nós aprendemos

que graças às necessidades de guerras purificadoras, ―a saúde ética do povo é preservada‖.8

Nesse sentido, Hegel estava bem consciente das duas dimensões fundamentais do antagonismo

material, inseparáveis da desigualdade substantiva estruturalmente enraizada. Mas – dado o seu horizonte de

classe – ele teve que proclamar a sua completa consonância com o sentido do Espírito do Mundo cujo

trabalho plenamente realizado neste mundo só poderia ser questionado em sua visão pelos impacientes e

―jovens imaturos‖ mas não pelo ―homem maduro‖9. É por isso que na grandiosa concepção histórica de

Hegel – expressa em termos da ―Astúcia da Razão‖ do Espírito do Mundo (List der Vernunft) usando

indivíduos histórico mundiais como Alexandre Magno, Júlio César, Lutero e Napoleão, como meras

ferramentas de seus próprios propósitos ocultos – a ideia de liberdade teve que tomar o espaço da igualdade

materialmente substantiva.

Ferramentas histórico mundiais desse tipo, nas mãos do espírito do mundo, poderiam certamente ser

chamadas de ―ferramentas falantes‖, e de fato ferramentas eloquentemente falantes do tipo mais nobre.

Aristóteles ficaria impressionado por tal mudança de sentido, vendo seu próprio aluno, o grande Alexandre,

definido assim. Ainda assim, graças ao desenho geral de Hegel em nome do ―Absolutamente Astucioso

Espírito do Mundo‖ (expressão dele), a iníqua ordem burguesa recentemente estabelecida poderia conseguir

o seu selo de aprovação ideal, sem que ninguém pudesse ser tomado como responsável por suas

7 G. W. F. Hegel, The Philosophy of History (New York: Dover, 1956), 457.

8 Hegel, The Philosophy of Right, § 324, 210.

9 See the discussion of this problem in G. W. F. Hegel, The Philosophy of Mind (Oxford: Oxford University Press,

1971).

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contradições; nem mesmo pelos parcialmente reconhecidos sofrimentos dos necessitados10

. Porque quem se

atreveria a colocar sob exame a sabedoria do próprio Espírito do Mundo no pico de sua plenamente realizada

Teodiceia? Esta seria a maior de todas as contradições filosóficas concebíveis.

Em termos de emancipação humana a demanda por igualdade está inextrincavelmente combinada

com substantividade material. Igualdade formal no campo do domínio político sem a estruturalmente

equivalente substantividade material na tomada de decisões – mesmo se em termos de comparação histórica

ela possa ser considerada significativa em contraste com o passado escravista feudal ou antigo – seria vazio e

anulável; como de fato acontece em sua operação real, e mesmo em seus limitados termos de referência.

Thomas Hobbes não hesitou em chamar a substantividade sem materialidade uma contradição em termos. É

assim que ele coloca: ―substância e corpo significam a mesma coisa; e assim substância incorpórea são

meras palavras, as quais quando colocadas juntas destroem uma à outra, como se alguém dissesse corpo

Incorpóreo11

‖.

Nesse sentido, qualquer afirmação de ter realizado a igualdade dos trabalhadores no domínio da

emancipação social e política por conceder a eles alguns direitos formais, enquanto na realidade se nega a

eles – sobre o fundamento do estruturalmente prejulgado e assegurado monopólio dos meios de produção a

ser investido nas personificações do capital – a substância material de controlar o metabolismo da

reprodução social, é exatamente como falar em ―corpos Incorpóreos‖; ou seja, uma contradição em termos.

O Idealismo e o Problema da Materialidade

Evidentemente, ninguém deve acusar Hegel de cometer tal imatura inconsistência lógica, com

exceção de sua mais deplorável e grotescamente racista palestra sobre o "caráter Africano‖. No caso de

Hegel, os problemas repousam em outro lugar, com consequências de longo alcance para sua concepção

histórica como um todo. Pois, desloca o problema do desenvolvimento histórico da questão materialmente

tangível e substantiva da igualdade, com suas determinações objetivas do progresso histórico real e

potencial, para a postulação ideal de Liberdade, como o objetivo de auto-objetivação misteriosamente

preordenado, Hegel é forçado a procurar um agente ideal supra-humano correspondente de forma que os

verdadeiros seres humanos – não importa quão grande, em termos do descrito processo histórico-mundial

hegeliano – podem apenas aparecer enquanto meras ferramentas e instrumentos utilizados astuciosamente. É

assim que o dinamismo revelador do desenvolvimento histórico se transforma no misterioso Espirito

10

G. W. F. Hegel, The Encyclopaedia Logic (Indianapolis: Hackett, 1991), 284; The Science of Logic (New York:

Humanity, 1969), 746.

11 Thomas Hobbes, Leviathan (London: Penguin, 1982), 429. Italics in original.

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Mundial Absoluto List der Vernunft (Absoluta Destreza da Razão explicitamente admitida como tal pelo

próprio Hegel fazendo, assim, por decreto, os dois conceitos fundamentais de Razão e Liberdade

organicamente combinados na monumental arquitetônica idealista da filosofia hegeliana12

.

Em um dos primeiros trabalhos filosóficos de Hegel, Jenaer Realphilosphie, o dilema da

―desigualdade do pobre‖ aparece por um breve momento, e recebe uma solução logicamente consistente,

mas totalmente irreal. Ele descreve o pobre em sua miserável existência alienada (palavras de Hegel)

enquanto entra na catedral, e visualiza para ele uma – puramente imaginária – segunda alienação de sua real

existência alienada. E assim, o jovem Hegel proclama, graças à postulada segunda alienação, como o

descrito pobre faz, em sua mente, sua real existência desaparecer como uma pequena nuvem no horizonte

distante, e então em sua catedral-da-consciência ele ―é igual à um príncipe‖ (er ist dem Fürsten gleich). Mas,

é claro, as condições de vida reais do pobre não mudaram minimamente. Mais tarde em sua vida, o ―velho

Hegel‖ não oferece tais – curiosamente compassivos, mas em última instância imaginários – cenários e

soluções. Em seu lugar, como mencionado anteriormente, ele recusa com consistência lógica a demanda por

igualdade social como ―a loucura da compreensão‖ - ou seja, o tipo de loucura legitimamente condenada em

termos do quadro categorial hegeliano por conta de emanar da mais inferior faculdade da razão humana.

O atual desvelamento histórico das condições da real igualdade humana tem seu ―corpo‖

inidentificável e sua ―substancia‖ no sentido Hobbesiano. Sua agência auto-evidente ou sujeito é o ser

humano realmente existe ao longo da história. Consequentemente, o desenvolvimento histórico assume uma

forma tangível, independentemente de quão antagônica possa ser a tendência atual para a realização de suas

potencialidades objetivas. Em contrapartida, projetar o desenvolvimento histórico em termos de ―Liberdade

como tal‖, divorciada de sua necessária conexão com a material igualdade humana substantiva, é

inevitavelmente idealista/mistificador. Sua proclamada conceitualidade auto-objetidicadora precisa não

apenas de um misterioso ―Principal Motivador‖ newtoniano, mas também, no caso de Hegel, continua a se

mover por todo o momento até sua realização final ―dos modos de Deus‖, sua Theodicaea. Através da qual a

prevista progressão histórica pode ser retratada nas amplas linhas da Filosofia da História de Hegel apenas

como uma forma de progressão logica/concetual, mesmo se representada com rico —Mas especulativamente

seletiva e idealistamente pré-ordenada, bem como pré-julgados— material histórico ilustrativo.

Consequentemente, Hegel nos oferece os três estágios principais de seu progresso histórico dessa

forma:

(1) no mundo oriental, somente um – o dominante/déspota – é livre;

(2) na Grécia clássica, alguns homens são livres;

12

Hegel, The Encyclopaedia Logic, 284.

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(3) na idade moderna, correspondente à ―Europa como final absoluto da história.‖ ―o homem

enquanto homem‖, ou, ―homem como tal‖ é livre13

.

Quanto ao terreno explicativo de tal desenvolvimento histórico que vai de ―um‖ para ―alguns‖, até o

logico-genérico ―homem como tal‖, a auto-evidente resposta hegeliana é: o próprio Espirito do Mundo. Mas,

é claro, a ideia de que o ―homem como tal‖ é livre não significa, de forma alguma, que ―todos os homens são

livres.‖ Longe disso. A dependência estrutural e a subordinação devem ser mantidas enquanto reguladoras da

ordem sociaetal. Assim, a ―universalidade‖ projetada do ―homem como tal‖ desprovida de um conteúdo

humano histórico é uma pseudo-universalidade. Como, de fato, não pode ser diferente nas concetualizações

filosóficas imaginadas da ordem sociometabólica do capital, quando o fetichismo da mercantilização

universal – a única praticável, perversa, ―universalidade‖ que tudo invade – solicita uma igualação

meramente formal do auto-expansivo valor de troca, subjugando o valor de uso e a necessidade humana.

Não é, portanto, de forma alguma surpreendente que os maiores pensadores da burguesia tiveram

que lutar em vão com o conceito de ―universalizabilidade‖, de Kant à Hegel. Em suas concepções filosóficas

mais intimas eles puderam visualizá-la apenas em um domínio separado, de outro mundo, com sua

proclamada substancia moral ideal.

No caso de Kant, esta visão foi explicitada em sua Crítica da Razão Prática como o reino do misterioso

"mundo inteligível", a qual afirmou que os seres humanos também pertenciam, tornando-os, portanto, livres e

moralmente responsáveis pelas suas motivações e ações. E Kant afirmou, claramente, que na arquitetura de

sua concepção filosófica como um todo "o primado da razão prática" ocupava a posição esmagadoramente

importante de fundamento. Ainda assim, ambos, Kant e Hegel tentaram identificar de alguma forma o

conceito de outro mundo de moral com seus postulados ideais na terra. No caso de Kant com o ―dever-ser‖

do trabalho benéfico do ―político moral‖, colocado em claro contraste com o rejeitado ―político moralista‖, e

no caso de Hegel com o solenemente proclamado, mas totalmente irrealizável, o antagônico preservador de

classe ―estado ético‖. Assim, de modo similar a Kant, na concepção geral de Hegel – desde a fase mais

inicial de seu discurso sobre o ―chamado ético‖ e a ―totalidade ética‖ até o resumo final de suas ideias em

seu Filosofia do Direito e em seu Filosofia da História – uma eticamente idealizada razão política ocupou o

fundamento de sua estrutura. Isto constituiu sua própria versão do ―primado da razão prática‖.

A Identificação Circular da Liberdade e da Razão

Em seu significado fundamental, o desenvolvimento histórico da liberdade apontado por Hegel dizia

respeito às principais formações estatais ao longo da história, como destacado em seu relevante trabalho

13

Hegel, The Philosophy of History, 104. Tradução própria do autor.

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filosófico. E nesse sentido, a derradeira formação estatal ―do mundo Germânico‖[the Germanic world] – de

forma alguma referente apenas à Alemanha, mas à todas nações-Estado dominantes da Europa em geral –

coincidiu totalmente com a destinação final postulada das ―vontades de Deus‖. Ele afirmou assim

explicitamente em seu Filosofia da História como também em seu Filosofia do Direito.

A grande dificuldade a este respeito é que, debaixo das soluções idealisticamente transfiguradas do

não-mundano recentemente mencionado, oferecidas pelos grandes filósofos clássicos da burguesia, nós

encontramos determinações muito reais, de fato ardentes e agonizantemente dolorosas, passiveis de soluções

muito diferentes. Os antagonismos estatais mais opressores da humanidade e ameaçadores de nosso tempo

não são curáveis nem mesmo pelo mais nobre apelo ao transcendental ―reino inteligível‖ kantiano, nem pela

promoção dos postulados ideais de algum ―Estado ético‖ imaginário. Pois eles surgem a partir das

contradições insuperáveis do auto-imposto mundanismo do próprio antagonismo político, incorporado no

órgão separado do poder total de controle alienante e estruturalmente enraizado do Estado em sua realidade

histórica.

Esse Estado histórico-real é necessariamente o inimigo da igualdade substantiva por conta de sua

determinação estrutural/hierárquica objetiva mais íntima. Nenhum apelo à ideia de um ―político moral‖, com

seu puro ―dever-ser‖ da ―paz perpetua‖ kantiana em um mundo real de guerras interminavelmente

destrutivas e autodestrutivas, nem sequer a ainda mais desejosa projeção da ―realização das vontades de

Deus na terra‖ dentro e através do ―Estado ético‖ Hegeliano podem alterar isto.

Desde seus primeiros escritos até seus últimos, Hegel sempre esteve intensamente preocupado com

os problemas da política. Sua concepção como um todo seria bastante inimaginável sem isso, mesmo que nos

anos 1840 os ―jovens hegelianos‖ – por razoes próprias, assim como Lukács quase um século depois em um

de seus grandes trabalhos, O Jovem Hegel, escrito em defesa da dialética em oposição ao dogmatismo

sectário – tentaram enfatizar as potencialidades mais radicais do trabalho do velho mestre 14

.

Como um jovem filósofo Hegel projetou, em consonância à sua visão, o benevolente Monstro

Briareu, conectando-o com suas próprias ideias sobre a defendida ―totalidade ética‖, e o ―chamado ético‖

para a realização de um resultado um tanto mítico a ser trazido por algo como "o Deus da Nação". E até

posteriormente, Briareu despareceu de seus escritos, e ―o Deus da Nação‖ se transformou no ―Espírito do

Mundo‖, a visão de Hegel de algum tipo de solução ética para os muito reais – de fato, evidentemente

antagônicos – problemas do mundo sempre permaneceram em evidência. Dada sua rejeição categórica da

igualdade substantiva materialmente fundamentada, ele pôde oferecer apenas uma concepção idealista de

Estado eticamente justificada. E isto pôde apenas ser justificado em termos de uma identificação circular de

liberdade e razão, porque a demanda universalmente válida por igualdade – cuja dimensão formal, ao

14

Georg Lukács, The Young Hegel (Cambridge, MA: MIT, 1975).

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menos, foi até mesmo incorporada no decreto dos ―Direitos Universais do Homem e do cidadão‖ da

Revolução Francesa, quando algumas claramente identificáveis forças sociais radicais pressionavam por

muito mais – tinha de ser eliminado pela classe de Hegel como absolutamente inadmissível.

A identificação de liberdade e razão tinha que ser circular porque elas tinham que cobrir e ―superar‖

(no tríplice sentido hegeliano da ―Aufhebung‖) o fundamento de suas socialmente imencionáveis

determinações antagônicas. Na realidade a ―Liberdade como tal‖ não pode ter significado em seus próprios

termos de referência auto-encerrados. Deve ser a liberdade por fazer ou realizar algo para adquirir um

conteúdo humanamente significativo. E isso deve estar ligado a alguma condição tangivelmente contestada

de igualdade ou desigualdade humanas. Mesmo a concepção unilateralmente limitada da "liberdade de" deve

ser definida em termos de algo que promove ou restringe a igualdade humana.

No entanto, no desenvolvimento filosófico de Hegel encontramos a ausência determinada-pela-classe

da historicamente avançada e materialmente identificável – mesmo que na realidade em si fortemente

contestada e "anuladas" pelas potências dominantes – igualdade, em comparação com o passado mais

distante. Ainda assim, a tendência objetiva em desdobramento é evidenciada não só pelos escritos de alguns

grandes pensadores pré-revolucionários, apontando na direção da explosiva demanda por igualdade, como

Rousseau, bem conhecido de Hegel, mas também pelo real confronto da própria Revolução Francesa, apesar

das limitações dos resultados determinadas-pela-classe. Como Marx fortemente destacou, as determinações

de classe incorporadas no Estado burguês emergente começaram a assumir uma forma legal repressiva

contra os trabalhadores já nos primórdios da Revolução Francesa. Assim, a mais significativa à esse respeito

Logo no início da tormenta revolucionária, a burguesia francesa ousou abolir de

novo o direito de associação que os trabalhadores tinham acabado de conquistar.

Pelo decreto de 14 de junho de 1791 ela declarou toda coalizão de trabalhadores

como um ―atentado à liberdade e à declaração dos direitos humanos‖, punível com

a multa de 500 libras além da privação, por um ano, dos direitos de cidadão ativo.

Essa lei, que comprime a luta de concorrência entre o capital e o trabalho por meio

da polícia do Estado nos limites convenientes ao capital, sobreviveu a revoluções e

mudanças dinásticas. Mesmo o Governo do Terror deixou-a intocada. Só

recentemente foi ela riscada totalmente do Code Pénal15

.

Sob tais desenvolvimentos em curso Hegel pôde, é claro, reconhecer com felicidade os constituintes

anti-feudais das transformações emergentes; mas absolutamente não reconheceu a Necessidade da igualdade

objetivamente implícita superando social/materialmente o novo tipo de dominação de classe.

Dessa forma, Hegel pôde apenas afirmar que o ―triunfo da Liberdade‖ consistia na emergência do

Estado Germânico como correspondente à idealidade do ―Estado ético‖ do Espírito do Mundo, proclamando

15

No original Karl Marx, Capital, vol. 1 (New York: International Publishers, 1967), 741. Na tradução MARX, O

Capital, livro1, tomo2, p. 350 – Os economistas.

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sob o fundamento de que tal Estado é, a longo prazo, ―organizado racionalmente‖. E quando ele teve que

comprovar que no Espírito do Mundo, agora realizado no mundo moderno, o ―homem como tal é livre‖, ele

pôde fazê-lo – novamente, graças à necessária falta da louvável igualdade materialmente tangível de seu

pensamento – apenas proclamando que o Estado ético Germânico racionalmente organizado é livre com total

conveniência porque ―ele é racionalmente fundando no princípio da liberdade‖. Assim, em termos da

liberdade do ―homem como tal‖ e da totalmente realizada liberdade do Estado como tal a determinação

definidora de ―racionalmente organizado‖ e ―ser fundando racionalmente no princípio da liberdade‖ tinham

que coincidir e constituir o ―circulo de círculos‖, eloquentemente elogiada por Hegel dessa forma, não só em

seu grande Ciência da Lógica, mas também em um de seus maiores trabalhos, A Fenomenologia da Mente,

ou – como a mesma obra-prima é apresentada em outra tradução em inglês – A Fenomenologia do Espírito.

O Círculo de Círculos Hegeliano

Paradoxalmente, o círculo de círculos não foi um fracasso lógico, mas a maior conquista filosófica

concebível do ponto de vista da reprodução societal do capital. Pois, ao deixar a socialmente imensionável

não mencionada determinação de classe, tornou-se possível a elaboração de uma profunda concepção

dialética, mesmo que na forma mais abstrata, graças aos termos de referência correlacionados

necessariamente ausentes. Na verdade, pôde-se argumentar que Razão e Liberdade, realmente e não

falaciosamente, significam a mesma coisa no desenvolvimento histórico, desde que os complementemos com

o seu verdadeiro fundamento de materialidade objetivamente desenvolvida de uma igualdade humana

irremediavelmente irreprimível. Dessa forma, não há necessidade de nenhuma Força supra-humana

separada e misteriosa.

De fato, do ponto de vista sóciometabólico do capital isto não pode ser aceito. É por isso que uma

dialética lógico-metafísica – como se flutuasse no ar purificado, passando do mencionado "um" da estipulada

história do mundo especulativamente auto-realizável, através da categoria intermediária dos "alguns"

logicamente consistente para a finalidade filosófica abstrata do "homem como tal" e "Liberdade como tal –

teve de substituir a materialidade historicamente identificável e avanço real, transfigurando assim algumas

relações de classe inconvenientes em termos idealistas, ainda que moralmente significativos, graças à

validade logico-esquelética do progresso dialético projetado.

Deste modo, muito da verdade objetiva transfigurada especulativamente poderia ser explicitada em

diferentes domínios da experiência humana, da Lógica e Estética a um conhecimento histórico enciclopédico

e à dimensão estritamente legal das idéias e práticas de legitimidade do Estado em um passado mais ou

menos remoto. Até mesmo a insistência absoluta de Hegel sobre a necessária determinação ética do Estado

defendido tem sua validade relativa, desde que esteja fortemente qualificada em relação ao fundamento

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material da sociedade realmente existente. Pois, o intercâmbio societal humano historicamente sustentável é

inconcebível sem a aceitação plenamente compartilhada de algumas determinações reguladoras abrangentes,

vitalmente importantes e moralmente louváveis. Mas é claro que as determinações normativas requeridas

podem e devem ser estabelecidas não por algum supra-humano Espírito do Mundo, mas pelos membros

substantivamente iguais da humanidade, com base em sua modalidade radicalmente diferente de reprodução

sociometabólica não-antagonista, para além dos separados estados político/militares estruturalmente super-

impostos constituídos na história.

Hegel estava absolutamente certo ao enfatizar que, para poder falar sobre o desenvolvimento

histórico, era necessária alguma medida em termos de qual desenvolvimento rumo a uma condição

racionalmente sustentável na história poderia ser expressado. No caso dele, essa medida, pelas já

mencionadas razões de idealização-do-Estado, não poderia ser outra senão a Liberdade em si. O problema,

contudo, é que a ―Liberdade como tal‖ precisa de alguma medida de forma que possa ser aplicada

corretamente ao avanço, ou, pelo contrário, o retrocesso do desenvolvimento societal real.

Ninguém pode negar de forma alguma a importância da liberdade para a realização das

potencialidades humanas. Mas essa exigência só pode significar no caso do ser humano – cujo substrato

existencial fundamental é a natureza, como discutido anteriormente – a satisfação objetiva das condições da

auto-realização da humanidade, incluindo, com certeza, as condições culturais / intelectuais mesmas,

apropriadas ao desdobramento das condições históricas materialmente asseguradas e emancipatórias.

Consequentemente, o avanço na história não pode ser medido abstratamente na generalidade da ―Liberdade

como tal‖ ou ―Liberdade em si‖, não importa quão plenamente consistente isso possa ser com a determinação

igualmente genérica de "racionalidade como tal".

A questão vital em termos de emancipação humana e avanço em relação ao admitidamente

necessário requerimento de Liberdade não é a inseparabilidade de Liberdade e Razão, independentemente de

quanto podemos concordar com a sua inseparabilidade sem ser preso pelo círculo hegeliano. Em vez disso, a

questão crucial é o avanço real na substantividade da liberdade. Somente isso pode fornecer a medida

apropriada do processo emancipatório. Em outras palavras, o avanço na substantividade da liberdade

significa o avanço historicamente identificável nas condições objetivas de sua realização, o que equivale à

realização historicamente desdobrada da igualdade substantiva da humanidade.

O Estado e a “Destreza da Razão”

O duplo "círculo de círculos" hegeliano - ou seja, a humanidade como tal é livre quando o Estado é

racionalmente fundado no princípio da Liberdade, e o Estado é eticamente realizado em sintonia com a

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sabedoria da "destreza da razão" do Espírito do Mundo quando ela é constituída sobre o fundamento racional

combinado de Liberdade e Razão – não tem mais nenhuma ilusão utópica burguesa pré-revolucionária ligada

a ele. Hegel não tem simpatia alguma pelas ideias democráticas radicais de Rousseau de tomada de decisão

política através da ―Vontade Geral‖. Além disso, no período pós-revolucionário, juntamente com o tumulto

das guerras napoleônicas, ele só pode se referir, em termos sarcásticos, ao nobre postulado de Kant da "Paz

Perpétua". De certa forma, Hegel até percebe a circunstância irônica na qual os lados militarmente em guerra

estão, em termos sociais reais, no mesmo lado burguês, apesar de seus enfrentamentos armados. Nesse

sentido, embora elogie Napoleão de uma forma brilhante como um dos maiores Indivíduos Históricos do

Mundo escolhidos pelo Espírito do Mundo como ferramenta para seus próprios propósitos, Hegel não tem

dificuldade em incluir também o proeminente "colonizador britânico" arqui-inimigo de Napoleão, chamado

por ele Albion pérfido - sob o estado ético Germânico idealizado.

É claro que essas não são concepções erradas pessoais, filosoficamente corrigíveis, mas as

contradições de um período histórico particularmente contraditório, ainda que não se limitem, de forma

alguma, a esse período apenas, dada a sua longa pré-história, bem como o seu posterior desenvolvimento

histórico até o nosso tempo, em muito, no mesmo espírito. Como vimos acima, levar o Espírito do Mundo à

tarefa pelas contradições e fracassos de sua insuperável ordem proclamada, instituída através da

instrumentalidade de suas ferramentas humanas Históricas Mundiais, seria bastante escandaloso na visão de

Hegel. E isso está longe de ser tão arbitrário quanto poderia parecer. Para o "Grande Desenho" do Espírito do

Mundo hegeliano corresponde verdadeiramente a uma ordem realmente existente. Uma ordem

sóciometabólica de irresponsabilidade institucionalizada no sentido contraditório em que a responsabilidade

pode - e também deve - ser feita em tal ordem estritamente parcial, limitada aos microcosmos operados

centrifugamente do sistema. Mas não pode haver responsabilidade geral, como uma questão da

determinação estrutural fundamental da ordem sociometabólica do capital.

Hegel não é o único grande pensador burguês que idealiza essa insuperável condição e contradição

sistêmica. Devemos lembrar, a este respeito, a impressionante projeção de Adam Smith da mesma ausência

necessária de responsabilidade geral em seu postulado da – também mítica – "Mão Invisível", da qual se

espera que resolva benevolentemente tudo no final. A grande diferença é que Adam Smith rejeitou

acentuadamente a ideia de qualquer interferência política na operação – por sua mais íntima determinação

natural ideal – da Mão Invisível, chamando essa ordem reprodutiva espontânea social / econômica de "o

sistema natural de perfeita liberdade e justiça‖ 16

Em contraste, Hegel situou a história à sua maneira, firmemente acima da "natureza", e teve que

encontrar o Sujeito supra-humano politicamente reafirmador para sua concepção de História Mundial.

16

Adam Smith, The Wealth of Nations (Edinburgh: Adam and Charles Black, 1863), 273.

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Assim, ele não poderia excluir o Estado e seus funcionários de seu esquema de coisas em um período

histórico de grande crise revolucionária e o colapso da velha ordem reprodutiva. Pois, esse colapso -

implicando profundamente o correspondente, longe do Estado racionalmente "constituído sobre o princípio

da liberdade" - foi seguido por colisões políticas e militares extremas, agravadas pelo perigo iminente de que

as forças sociais e políticas radicais, orientadas para a igualdade materialmente ancorada, podiam até

prevalecer.

É por isso que Hegel insistiu que "O Estado é a Ideia Divina tal como existe na Terra17

".Ele também

deixou claro que "A História do Mundo viaja de Leste a Oeste, assim, a Europa é absolutamente o fim da

História, a Ásia o início", afirmando ao mesmo tempo sua reivindicação perversamente "universal" sobre a

validade absoluta da formação final do Estado Germânico colonizador no sentido mais desavergonhado18

.

Dessa forma, ele escreveu que "É o destino necessário dos impérios asiáticos serem submetido aos europeus;

E a China, um dia ou outro, será obrigada a submeter-se a esse destino19

‖.

Assim, a parcialidade antagônica e exploratória internamente e internacionalmente teve que

prevalecer para sempre na ordem divinamente instituída e sancionada do Espírito do Mundo assim como a

inalterável universalidade do Estado Germânico plenamente realizado, preordenado, dessa forma, desde o

início pela temporalidade circular eternizada do Espírito Absoluto. Na opinião de Hegel,

Os princípios das fases sucessivas do Espírito que animam as Nações em uma

gradação necessária são, eles próprios, apenas passos no desenvolvimento do único

Espírito universal que, através deles, eleva-se e completa-se a uma totalidade

autocompreendida [...] O Espírito é imortal; Com ele não há passado, não há

futuro, mas um essencial agora [...] A vida do Espírito sempre presente é um

círculo de encarnações progressivas [...] As notas que o Espírito parece ter deixado

para trás, ele ainda possui na profundidade de seu presente.20

Monopólio e Competição como um Círculo Vicioso (Global)

É inconcebível encontrar uma solução para essas contradições objetivas constituídas e sustentadas

materialmente dentro da estrutura antagônica do sistema de capital. Pois, nenhuma dimensão de seu duplo

antagonismo estrutural - isto é, nem o interno, de opressão de classe, nem o internacional,

interminavelmente em guerra - é capaz de ser substituído por si mesmo, sem superar ao mesmo tempo o

17

Hegel, The Philosophy of History, 39. 18

Hegel, The Philosophy of History,

103. 19

Hegel, The Philosophy of History,

142-143. 20

Hegel, The Philosophy of History, 78- 79.

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outro. A ideia elogiada por Hegel de que as guerras devem ser perseguidas porque nesse sentido "a saúde

ética das pessoas é preservada" é uma racionalização apologética ideológica vestida em um traje ético

desejável. As guerras são realmente perseguidas porque nenhum limite é admissível ao sistema do capital

orientado-para-a-expansão, fazendo assim o imperativo estrutural do antagonismo internacional

sistematicamente insuperável apesar dos seus perigos últimos. Similarmente, o antagonismo interno da

exploração de classe é insuperável porque as determinações estruturais fundamentais da ordem

sociometabólica do capital são constituídas de tal modo que o controle do processo reprodutivo societário -

graças ao monopólio dos meios de produção investido nas personificações do capital - é radicalmente

alienado e sobreposto aos próprios produtores, em razão do sempre em expansão valor-de-troca.

Uma vez que as duas dimensões sistêmicas do antagonismo interno e internacional se sustentam ou

caem juntas, a fim de encontrar uma solução historicamente sustentável para os antagonismos estruturais, em

última análise, destrutivos é necessário superar o quadro geral estrutural do próprio sistema do capital.

Quando, no entanto, os interesses dominantes investidos do sistema são compartilhados por seus pensadores,

não importa quão grande é sua estatura, suas soluções previstas – seja sustentado conscientemente ou apenas

ignorando os antagonismos insuperáveis em questão - podem até resultar no melhor dos casos apenas em

remédios deus ex machina totalmente fantasiosos para a falta de responsabilidade geral na operação da

ordem sociometabólica dada. Consequentemente seus remédios postulados devem ser atribuídos a algo como

a "Mão Invisível", ou a supra-humana "Astucia da Razão".

Na ordem social reprodutiva do capital, o monopólio é por sua própria natureza, destrutivo e, em

última instância, até mesmo todo-destrutivo. Pois, esse monopólio surge a partir da antagônica

centrifugalidade auto-expansionista do sistema do capital. A dimensão interna do monopólio sobre os meios

de produção - na sua origem atribuída à classe privilegiada das personificações do capital através da

"acumulação primitiva" encharcada em sangue - é a condição primária necessária para o funcionamento de

tal sistema. Consequentemente, deve ser mantido a todo custo, mesmo pela mais agressiva força das armas

ditatorial, pelo Estado, sempre que essa condição primária é ameaçada. E como a centrifugalidade antagônica

auto-expansionista dos microcosmos sistêmicos do capital não tem constituintes objetivos inerentemente

limitantes, a condição exploradora interna necessária deve confiar para a promoção da dimensão

complementar na mesma direção sistêmica necessária internacional, através de uma dominação monopolista

que tudo engloba - até mesmo no projeto cruel de dominação global, e não apenas por Hitler - por meio da

atuação da agência político-militar do Estado do capital.

Desse modo, não por acaso que o clímax do desenvolvimento histórico do capital assumiu a forma

de imperialismo monopolista, responsável por duas devastadoras Guerras Mundiais no século vinte, e

igualmente responsável por incontáveis "guerras por procuração" mais ou menos camufladas desde que

aquele caminho foi contido apenas em razão do medo da auto-aniquilação total da humanidade através das

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armas de destruição em massa. Nesse tipo de desenvolvimento socioeconômico e político,

contraditoriamente e perigosamente, encontramos a congruência profana do monopólio e da concorrência.

A competição, em contraste com o monopólio, se tornou uma das mais dinâmicas e até em mais de

um sentido um componente muito positivo do sistema de capital em sua história. Em princípio a sua

potencialidade positiva é aplicável também em um sentido não-antagônico no futuro. Entretanto, na

ideologia capitalista a competição tende a ser idolatrada sem as qualificações necessárias. Ainda que o

problema grave a este respeito é que em nosso tempo, devido à ativação de alguns limites absolutos da

ordem sociometabólica do capital, as determinações estruturais antagônicas são articuladas sob a forma de

uma reciprocidade perversa do monopólio e da competição21

. Perverso porque em vista da centrifugalidade

antagônica subjacente em uma escala sempre crescente - devido à crescente concentração e centralização do

capital - a competição e o monopólio constituem um círculo vicioso. Consequentemente - em uma forma

longe de idolatrável e benevolente – a direção irreprimível rumo ao monopólio produz uma competição até

mais agressiva, e por sua vez a competição intensificada produz o imperativo do monopólio ilimitado, com

todos os seus perigos todo-destrutivos.

Além do mais, também muito longe das projeções idílicas da globalização benevolente, quanto mais

o sistema reprodutivo material do capital se torna globalmente interconectado, tanto mais perigoso é este

círculo vicioso, em vista da ausência necessária de um estado global controlável. Pois sem os estados-nação

atualmente existentes, e em sua limitada configuração em alguma medida corretiva a reciprocidade perversa

do monopólio e da competição produziria total incontrolabilidade até mesmo nos países capitalistas

particulares. E, graças à perversa reciprocidade sistêmica do monopólio e da competição, a "competição até a

morte" em nosso horizonte por recursos materiais estratégicos do planeta - impondo também devastação

ecológica inconsequente à natureza - só pode fazer esse perigo muito pior.

Antagonismos Inter-Estatais Insuperáveis do Capital

Um dos problemas mais intratáveis das formações estatais historicamente constituídas é o seu

insuperável antagonismo interestatal que carrega consigo em nosso tempo o desperdício assombroso de

recursos através de gastos militares incontroláveis em todo lugar, num mundo de grande miséria para

incontáveis milhões.

Apenas a Grã-Bretanha sozinha, uma grande questão de disputa política diz respeito à renovação

planejada dos Submarinos Nucleares da Polaris, custando já dezenas de bilhões de libras, antes de se

21

Ver István Mészáros, Beyond Capital (New York: Monthly Review Press, 1995), chapter 5, ―The Activation of

Capital’s Absolute Limits,‖ 142–280.

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multiplicarem, como é de costume, durante a sua construção. E, obviamente, eles são combinados com cortes

massivos - através da reforma parlamentar do sistema de segurança social do Estado de Bem-Estar - para os

padrões de vida de 7 milhões de trabalhadores. E os Submarinos Polaris, com suas armas nucleares, são

apenas um item do ubíquo gasto militar desnecessário. Uma vez que o desperdício em armamentos é

calculado em termos globais, ele equivale anualmente a não longe de dois trilhões de dólares, enquanto

centenas de milhões de pessoas devem sobreviver com menos de 2 dólares por dia. E para sublinhar a

absurda irracionalidade da ordem social reprodutiva estabelecida – aclamada por ser o sistema ideal do

"cálculo racional" por Weber e muitos outros - o fato cinicamente velado é que todos os principais estados

capitalistas estão desesperadamente falidos (os Estados Unidos Estados sozinho remonta a aproximadamente

$ 20 trilhões), mas continuam a sujeitar a sua população a tais ditames econômicos e políticos. Além do

mais, se acrescentarmos a tudo isso a justificativa oficial para a magnitude quase astronômica dos gastos

militares - uma "justificativa‖ anunciada afirmando que em nosso "mundo perigosamente incerto", o

verdadeiro DMA "equilíbrio da Destruição Mutuamente Assegurada" [MAD ―balance of Mutually Assured

Destruction‖] fornece a "segurança" e a "garantia da sobrevivência": uma racionalização cínica em vez de

tentar remover as causas dos antagonismos profundamente assentados- a irracionalidade determinada

política e materialmente da ordem vigente do capital não tem comparação.

É muito importante lembrar-nos aqui que a última sanção do capital no passado era a guerra se as

regras da competição não pudessem produzir através de meios econômicos os resultados apropriados às

condições históricas em mudança de acordo com as tendências monopolistas em avanço. Assim como a ideia

do "mercado livre", a projeção da "soberania dos estados" (grandes ou pequenos) sempre foi uma ficção.

Hegel foi honesto o suficiente para declarar, juntamente com uma suposta justificação, que "os estados

menores têm sua existência e tranquilidade assegurada a eles mais ou menos por seus vizinhos; eles não são,

desse modo, propriamente falando, independentes, e não têm a prova de fogo da guerra para suportar22

‖ Na

verdade, ele poderia até admitir que as guerras perseguidas tinham, a seu ver, o efeito bem-vindo do

fortalecimento da função dominante interna do Estado. Ele fez isso glorificando que "as guerras bem

sucedidas verificaram a agitação doméstica e consolidaram o poder do Estado em casa‖23

.

Mais tarde as ilusões da soberania do Estado universal tinham que ser, sem dúvida, deixadas de lado

sem cerimônias – até mesmo sob a forma de decretar abertamente as virtudes da "diplomacia de canhão" -

pela afirmação impiedosa das relações de poder atuais fazendo um mero punhado de grandes Estados - como

uma questão de Direito (ou seja, de jure, não apenas de facto) - dominar todos os outros. Nesse sentido, a

trajetória do imperialismo monopolista não poderia ser inteligível completamente sem as interdeterminações

antagônicas do sistema de capital orientado-para-a-expansão. A dominação imperialista e sua racionalização

22

Hegel, The Philosophy of History, 456.

23 Hegel, The Philosophy of Right, 210.

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apologética poderiam ir muito bem juntas. O Império Britânico terminou sua longa história apenas há

algumas décadas, depois de coexistir felizmente com teorias políticas liberais por duzentos anos; e ao

contrário no caso dos teóricos políticos liberais completamente obrigados.

Entretanto, a questão espinhosa do nosso tempo é a seguinte: o que acontece com a viabilidade

histórica do sistema do capital quando ele perder a sua sanção final de enfrentar, na escala requerida seus

imperativos auto-expansionistas através do perigo suicida atual de outra guerra global, expondo assim

também o caráter ficcional da soberania do Estado equitativo que poderia ser aceitável no passado pelos

"argumentos" da força materialmente imposta?

Com certeza, o conceito de igualdade é inaplicável não somente com relação à "soberania do

Estado", mas, também, ao Estado em geral. Considerar como equitativo todo um sistema de comando global

de controle sociometabólico que deve ser estruturalmente arraigado e hierárquico por sua determinação

mais íntima ó poderia ser uma contradição em termos. Muito parecido com a "Substância incorporeall" e o

"corpo Incorporeall" agudamente descartado por Hobbes.

A negação cega da igualdade entra em cena no nosso tempo com a maior das forças. Pois, mesmo

que as relações inter-estatais antagônicas pudessem ser consideradas equitativas - para as quais seria

necessário descartar a força dinâmica e objetivamente prevalecente da ordem reprodutiva

competitiva/monopolisticamente auto-expansiva do capital - mesmo nesse caso a lógica

hierárquica/estrutural do sistema de comando do estado enquanto algo historicamente constituído

internamente seria diametralmente oposta a qualquer ideia de igualdade substantiva. E esta determinação

chama ao debate a realidade global do próprio Estado, com seus insuperáveis antagonismos internos e inter-

estatais que emergem das exigências estruturais fundamentais inseparáveis da anterior discutida

reciprocidade perversa entre monopólio e competição no sistema de capital.

Assim, não surpreendentemente, encontramos na modalidade ainda dominante de tomada de decisão

política global que a defesa da sanção final do capital de "enfrentar" os seus imperativos auto-expansionistas

por meio da guerra não pode ser abandonada. Nem mesmo quando a racionalidade mais elementar deve

prever as consequências muito catastróficas na sua obtenção. Mas ignorando isso, a ideia insana de "garantir

a segurança pela Destruição Mutuamente Assegurada" [―guaranteeing security by Mutually Assured

Destruction‖] - não apenas com armamento nuclear, mas também com armas químicas e biológicas de

destruição em massa - é elevada ao pináculo de "pensamento estratégico". E quem realmente pode garantir

que as "guerras por procuração‖ perseguidas nas últimas décadas não serão transformadas em uma guerra

global toda destrutiva em algum momento no futuro? Pois as guerras relativamente limitadas envolvidas no

presente não são apenas insuficientemente recompensadoras para corresponder às exigências da ―sanção

final‖ perdida [ou ausente] do capital‖. Ao invés disso, elas podem vir a ser contraproducentes não só

fracassando em cumprir seu papel original - o reajuste brutal das relações de poder em sintonia com as

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condições históricas em mudança -, mas até mesmo em decorrência de seu impacto ecológico diretamente

destrutivo e perdulariamente faminto por recursos sobre a natureza.

Se até mesmo o perigo da destruição da humanidade pode ser ignorado pelo Estado contemporâneo

dessa forma, quais são as perspectivas para um resultado sustentável? O liberalismo e a social-democracia

em algum momento de suas histórias tentaram introduzir algumas mudanças significativas no processo geral

de tomada de decisão política - a social-democracia prometendo até mesmo a realização do "socialismo

evolucionista" - mas ambos falharam em seus esforços. A realidade prosaica do liberalismo solene acabou

por ser o neoliberalismo agressivo, e a social-democracia virou as costas, sem vergonha alguma, à sua antiga

crença, se colocando ao lado da maioria dos países em neoliberalismo totalmente retrógrado. Assim, aquela

anteriormente projetada reformabilidade do Estado provou ser uma ilusão sem esperança.

Na realidade, o grande problema é que o Estado somente é compatível com aqueles tipos de reforma

que reforçam seu quadro estrutural geral e contraria com grande eficácia tudo o que pode interferir com os

imperativos fundamentais de auto-expansão da ordem sociometabólica do capital. As melhorias legislativas

formais são perfeitamente aceitáveis, desde que não apresentem o perigo de uma mudança estrutural da

sociedade. Kant já havia formulado isso muito claramente: "A igualdade geral dos homens como sujeitos em

um estado coexiste muito facilmente com a maior desigualdade no grau das posses que os homens têm...

Consequentemente a igualdade geral dos homens também coexiste com grande desigualdade de direitos

específicos, que podem ser muitos‖24

.

Os "direitos específicos" em questão são obviamente estabelecidos na proteção da propriedade

privada. Pois, defender o quadro estrutural da ordem existente a todo custo é a função primária do Estado.

Adam Smith colocou isso com toda a clareza, e em termos que pareciam muito mais embaraçosos hoje: "Até

que haja propriedade não pode haver um governo, cujo fim efetivo é assegurar a riqueza e defender os ricos

dos pobres"25

.

Além disso, a dificuldade de uma mudança significativa é ainda mais intensificada pelo próprio

caráter global do problema. Pois o imperativo de auto-expansão do capital, junto com a reciprocidade

perversa do monopólio e da competição, não está confinado a um país particular em que poderia ser sanado.

Isso caracteriza toda a ordem sociometabólica dominante do capital e suas formações de estado, requerendo

soluções globais para os antagonismos sistêmicos inerentes. O sistema de capital é erguido em três pilares de

apoio: capital, trabalho e Estado. Os três não são apenas profundamente conectados entre si em determinados

países, mas também bastante inimagináveis em nosso tempo sem as suas interconexões globais de longo

alcance. E isso exige a alternativa socialista enquanto uma transformação global.

24

Immanuel Kant, Moral and Political Writings (New York: Random House, 1949), 418.

25 Adam Smith, Moral and Political Philosophy (New York: Hafner, 1948), 291.

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Outra questão fundamental que ilumina o caráter global da alternativa necessária diz respeito às

limitações de introduzir grandes mudanças sociais e políticas dentro da estrutura limitada de qualquer Estado

revolucionário particular ou Estados, enquanto os Estados da ordem social do capital circundantes podem

exercer seu poder subversivo contra os estados particulares em questão, como aconteceu no passado. Não só

as revoluções russa e chinesa foram submetidas às selvagens intervenções subversivas armadas dos Estados

capitalistas hostis, mas também a Comuna de Paris de 1871 sofreu as consequências devastadoras da

solidariedade de classe do chanceler Otto von Bismarck com o governo francês contrarrevolucionário

quando ele liberou os prisioneiros franceses de guerra capturados pelo exército alemão para derrotar o

inimigo de classe comum. Realmente, a solidariedade de classe burguesa foi formalmente institucionalizada

em outubro de 1873, através da "Liga dos Três Imperadores" da Alemanha, da Rússia e da Áustria-Hungria,

projetada explicitamente contra qualquer futuro "distúrbio europeu" causado pela classe trabalhadora.

Naturalmente, pudemos testemunhar desde aquele tempo, no último século e meio, incontáveis casos

de subversão contra-revolucionária por parte das potências imperialistas em todo o mundo contra as

tentativas socialistas de mudar a sociedade. Também não devemos esperar nada além da intensificação de

tais esforços à medida que a crise sistêmica do capital se aprofunda. Todavia, a inevitável hostilidade e

subversão dos Estados capitalistas também carregam o risco para os socialistas de adotar estratégias que são

ao final auto-destrutivas, como o fortalecimento acrítico do poder estatal que cria seu próprio círculo vicioso

de repressão estatal internamente exercida, como aconteceu com o stalinismo. Lênin forçosamente e

profeticamente sublinhou que qualquer país que reprime outro país não pode ser livre. Assim, ele defendeu

para as minorias nacionais "o direito à autonomia até o ponto de secessão", criticando duramente Stalin - que

os reduziu a "regiões fronteiriças necessárias para manter o poder da Rússia" - como um "valentão grão-

russo‖. As trágicas consequências, também da repressão interna, são bem conhecidas.

O Estado em todas as suas formas, constituído na história, é parte do problema, não a solução de si

próprio, tendo em vista o funcionamento necessariamente entrelaçado de suas determinações internas e

internacionais auto-afirmativas. Não pode haver "socialismo em um país" também nesse aspecto. A questão

crucial é a transferência de todos os poderes de decisão, incluindo os exercidos pelo Estado, para o corpo

social. Os antagonismos internos e inter-estatais do sistema do capital só podem ser superados juntos. É por

isso que Marx enfatizou desde um período muito inicial da formulação de sua concepção revolucionária de

que o Estado deve "desfalecer". E ele permaneceu fiel a essa concepção até o final.

A Materialidade Necessária da Igualdade Substantiva

Depois do choque da Revolução Francesa e das guerras que se seguiram, os desenvolvimentos do

início do século XIX trouxeram consigo a estabilização da ordem burguesa. Naturalmente, as ilusões

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utópicas burguesas pré-revolucionárias tiveram que ser descartadas. Mas mesmo assim, de acordo com as

circunstâncias dos imediatos antagonismos pós-revolucionários, a ideia de igualdade permaneceu em algum

sentido "no ar". Ela poderia até assumir uma forma mais desconcertante pela proclamação da mais alta honra

militar na Alemanha sob a forma da Cruz de Ferro "socialmente equitativa", mantida como tal desde 1813

até nossos dias.

Em sua própria especificidade histórica economicamente mais poderosa (e em seu devido curso,

também, de longe, a mais perdulária) a ordem burguesa socialmente mais iníqua foi bem sucedida em

conseguir se estabilizar suficientemente cedo no século XIX. Estava fora de questão conceder igualdade real

à classe subordinada do antigo "Terceiro Estado" que desempenhou um papel vital no relativo sucesso da

própria Revolução Francesa. Somente no domínio político formal, totalmente em sintonia com os requisitos

materiais do metabolismo reprodutivo societário burguês, foi alguma forma de igualdade aceitável, graças

aos esforços reformistas limitados de seus defensores liberais, de Jeremy Bentham a John Stuart Mill e

outros. Até mesmo o inglês, vencedor de Napoleão, e por algum tempo o primeiro-ministro do Tory da Grã-

Bretanha, o duque de Wellington, poderia concordar com isso, como na verdade ele teve que ser solicitado a

fazer nos tempos da muito limitada Lei de Reforma Parlamentar Inglesa de 1831-1832. Pois a ordem

estruturalmente enraizada da desigualdade de classe, juntamente com a sua exploração de classe igualmente

reforçada pelo estado, não foi significativamente mudada por tais ajustes legais.

No entanto, vimos algum avanço na direção da igualdade real, mesmo se pontuado por graves

antagonismos e inversões desencorajadoras. Como resultado, não poderia haver mais nenhuma forma de

justificação aberta para a aplicação política/militar da escravidão. A flagrante contradição de ser considerada

compatível com os objetivos da Revolução Americana de 1776 a propriedade de escravos de seus "Pais

Fundadores" foi eventualmente retificada na Guerra Civil Americana, e também a servidão foi abolida em

todo o mundo. E isso não era, em nenhum sentido, o fim da história. A pressão para as transformações

revolucionárias continuou em 1848-49 e 1871 e posteriormente rompendo até mesmo a "cadeia do

imperialismo" em vários lugares, não apenas através das Revoluções Russa e Chinesa, mas também

colocando um fim à dominação colonial tradicional na Índia e no Sudoeste Asiático, assim como,

igualmente, na África.

Com certeza, a forma mais poderosa de escravidão instituída em toda a história - a escravidão

salarial do capital - permanece com força. Mas ela deve camuflar seu domínio como estando em coerência

com os requisitos fundamentais da Liberdade e da Razão. Por quanto tempo essa mistificação pode

prevalecer? Esta é a pergunta difícil. Costumava ser genuinamente afirmado e acreditado nos movimentos

sociais mais radicais do século XX que a adequada iluminação político-ideológica pode varrer do caminho a

justificação e o poder da escravidão assalariada. Os problemas, entretanto, são muito mais difíceis do que

isso. Pois as reais alternativas históricas são definidas em nosso tempo como a necessária transformação da

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ordem sociometabólica existente da desigualdade substantiva em uma radicalmente diferente de igualdade

substantiva. Nenhuma mudança social e política no passado poderiam ser, mesmo que remotamente,

comparada à monumentalidade dessa tarefa. Para isso é preciso a reconstituição total do modo de controle da

reprodução material e cultural de nossas condições de existência, desde as menores células constitutivas e

microcosmos da atividade produtiva até a regulação não-hierárquica conscientemente planejada das

interdependências globais mais abrangentes.

Como mencionado anteriormente, a verdade é que a liberdade era parasitária em toda a história

sobre a base real mais ou menos limitada, objetivamente disponível, e o potencial de igualdade de seu

tempo. Devemos lembrar que já Ciro ―o Grande‖ concedeu os direitos emancipatórios relativos aos seus

"plebeus" para participar plenamente nas campanhas militares empreendidas salientando sua verdadeira

igualdade - dizendo com uma força impressionante que sua consideração de sua igualdade se aplicava

também às suas almas - com os guerreiros ―nobres‖ privilegiados. E isso aconteceu perto de dois mil anos e

meio antes do tempo de Hegel.

O grande desafio para o nosso tempo é transformar as novas potencialidades historicamente

sustentáveis da igualdade substantiva em realidade humanamente auto-realizadora. Inevitavelmente,

entretanto, isso sugere a erradicação total do Estado conhecido na história - constituído como o

estruturalmente enraizado e necessariamente hierárquico, inimigo da igualdade substantiva – a partir de

nossa ordem sociometabólica cada vez mais destrutiva.

Título original: ―From Primitive to Substantive Equality – via Slavery‖

Publicado em: Monthly Review, vol. 68, Issue 04, setembro de 2016. Disponível em: <

https://monthlyreview.org/2016/09/01/from-primitive-to-substantive-equality-via-slavery/ > Último acesso:

abr. 2017.

Tradução Livre de: Fernanda Beltrão, Daniel M. Delfino e Rafael Rossi.

Revisão: Luiz Felipe Barros

11/04/2017.