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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE Versão Online ISBN 978-85-8015-037-7 Cadernos PDE 2007 VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

Versão Online ISBN 978-85-8015-037-7Cadernos PDE

2007

VOLU

ME I

________________________________

* Professora da Rede Estadual de Educação do Paraná, participante do Programa de Desenvolvimento Educacional - PDE/2007 – UFPR. [email protected] ou [email protected] ** Professora Doutora em Educação e Currículo pela PUC - SP, Professora/Pedagoga inativa da UFPR/Rede Estadual de Educação do Paraná, Professora da IESDE e UNIANDRADE – PR. Coordenadora do PDE/UFPR.

PROFISSIONALIDADE DOCENTE: CONDIÇÕES PRECARIZADAS DE TRABALHO E A SÍNDROME DE BURNOUT

PARCHEN, Maria José *

LOCCO, Leila de Almeida de **

Resumo – O presente trabalho foi realizado com o objetivo de verificar se professores de uma escola da Rede Estadual de Educação do Paraná, na cidade de Curitiba, ao apresentarem aparente desmotivação, apatia, falta de iniciativa, desumanização e queixas de cansaço, poderiam apresentar sintomas da Síndrome de Burnout, como conseqüência do estresse laboral crônico. A partir da contribuição de vários autores que se dedicaram ao estudo do tema, buscou-se apresentar os aspectos complexos que envolvem a profissionalidade docente, e os fatores que contribuem para a desestruturação do trabalho docente, as relações entre crenças e valores profissionais, condições de trabalho e a saúde mental dos professores. Para a implementação da pesquisa ação, prevista no programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) contou-se com a participação efetiva de 23 profissionais, utilizando-se os instrumentos de investigação: questionário de perfil profissiográfico, valores pessoais relacionados ao trabalho e Maslach Burnout Inventory (MBI) através do qual verificou-se que 17,4% dos indivíduos apresentam a síndrome, igualmente 17,4% estão no limiar e que os demais se revelaram propensos sem, no entanto, desenvolver Burnout. A análise dos resultados permite inferir que há necessidade de informar, divulgar e implementar ações nas escolas, entre os professores, que resgatem os valores humanos, que possam ressignificar o trabalho docente, dando sentido à tarefa de ensinar e sobretudo ressaltar a capacidade de promover laços afetivos e profissionais. Palavras-chave : Profissionalidade docente; Síndrome de Burnout; professor; estresse laboral; saúde; educação.

PROFESSIONAL TEACHING: WORKING CONDITIONS PRECARIOU S AND THE BURNOUT SYNDROME

Abstract - This work was carried out to ascertain whether teachers of one school of the Educational Network of Parana State, Brazil, in the city of Curitiba, with apparent disincentive, apathy, lack of initiative, dehumanization and complaints of fatigue, could display symptoms of the Burnout Syndrome as a consequence of chronic work stress. From the contribution of several authors who are dedicated to studying the issue, it was present the complex issues involving the professional teaching and the factors contributing to the destructuring of work, the relationship between beliefs, professional values, work conditions and mental health of the teachers. The implementation of research action, as expected on Program of Educational Development (PDE), had the effective participation of 23 professionals, using the follow investigative tools: a graphic professional profile questionnaire, personal values related to work and Maslach Burnout Inventory (MBI) through which it was

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found that 17,4% of individuals have the syndrome. Also 17,4% are on the threshold and the others proved to be prone without, however, develop burnout. The analysis of results allow to conclude that there is a need to inform, disseminate and implement actions in schools, among teachers, redeem the human values, and resignified the teaching, giving meaning to the task of teaching and especially emphasize to the ability to promote affective and professionals ties. Key words : Professional teaching; Burnout syndrome; teacher; stress workplace; health, education.

INTRODUÇÃO

No momento, um dos maiores desafios, das escolas da rede pública de

ensino consiste em diminuir os índices de evasão e reprovação escolar. É certo que

para atingir essa meta, perpassa-se por questões pedagógicas e administrativas da

gestão escolar, em que cabe uma discussão mais ampla. Trata-se de envolver os

professores num esforço coletivo para melhorar a qualidade do ensino. Um quadro

constante nas escolas da Rede Estadual de Educação do Paraná descreve o corpo

docente desmotivado, descompromissado, cansado, doente, sem autonomia e

iniciativa, justificados pela sobrecarga de trabalho, jornada de trabalho excessiva,

salários insuficientes e defasados, equipe de apoio limitada, alunos em excesso nas

salas de aula e poucas oportunidades para discussão dos anseios e dificuldades

encontradas.

As condições precárias de profissionalização, cujo provimento é

responsabilidade dos governos - que reforçam seus discursos priorizando a

educação formal, fortalecendo a idéia de que a sociedade só irá desenvolver-se

plenamente através do processo educativo, e que os professores, para tal são peças

importantes - , mas que na prática apresentam políticas educacionais que demoram

para serem implementadas e/ou por vezes não se concretizam, criam e elevam as

expectativas, junto ao corpo docente, gerando ansiedade e levando a uma

degradação social e econômica da profissão.

Nos últimos anos, outras questões se adicionam à organização do trabalho

docente, tais como: o desajuste às mudanças vividas na sociedade, onde os

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agentes tradicionais de socialização, como a família, vêm renunciando às

responsabilidades que antigamente vinham desempenhando no âmbito educativo,

transferindo-as à escola; as fontes paralelas de informação e cultura representadas

pelos meios de comunicação e consumo cultural de massa concorrem com a escola

com respeito à transmissão de conhecimentos; os conflitos sócio - trabalhistas

e as tensões geradas pela complexidade em se definir qual é a função do

professor, que valores, dentre os vigentes em nossa sociedade, o professor deve

transmitir e quais deve questionar, podem trazer efeitos desestruturantes para as

condições psicológicas e mentais dos professores, firmando um ciclo degenerativo

da eficácia docente. Este cenário, sem dúvida, encontra seus reflexos na sala de

aula e compromete a qualidade do processo educativo.

Portanto, além de atender o que está proposto no Programa de

Desenvolvimento Educacional (PDE), da Secretaria de Estado da Educação do

Paraná (SEED), na área de Gestão Escolar, a escolha do tema e objeto de estudo

deste trabalho apresentam questões presentes nos debates sobre a educação e que

afetam diretamente àqueles que protagonizam o trabalho docente.

A maior contribuição da presente pesquisa é apresentar relevância prática

subjetiva para o grupo específico de nosso recorte de pesquisa, que a partir da

compreensão e reflexão sobre as dificuldades enfrentadas no cotidiano escolar, dos

fatores que precarizam a sua atividade profissional e conseqüentemente podem

levar à despersonalização, ao estresse emocional e a desistência da profissão,

possivelmente poderão construir entre si, ações que possibilitem modificações da

sua postura profissional, de modo a promover o bem estar docente e melhoria do

processo educativo. O trabalho docente não consiste apenas em aplicar uma série

de conhecimentos e habilidades para atingir a satisfação das próprias necessidades;

trabalhar para o professor é fundamentalmente fazer-se a si mesmo transformando a

realidade e a sociedade.

ASPECTOS DA PROFISSÃO E PROFISSIONALIDADE DOCENTE

A sociedade atravessa um momento de profundas mudanças culturais,

econômicas e de transformações no mundo do trabalho. A educação como parte

desse contexto sofre os reflexos na reestruturação e reforma dos sistemas

educacionais que vem sendo questionados, assim como a escola e o professor,

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estabelecendo uma crise nos sistemas educativos que tem produzido novos desafios

para a docência, face à rapidez das novas demandas. As modificações produzidas

no contexto social das últimas décadas alteraram significativamente o perfil do

professor e as exigências pessoais e do meio em relação à eficácia de sua atividade.

A paisagem da educação pública no país aponta para um estado já crônico

de incapacidade para atender o que exige a sociedade contemporânea. A

precarização do ensino não se revela somente na estrutura da rede pública, mas

também na desestruturação dos professores.

A realidade do trabalho na escola também mudou, a educação que até

poucos anos possuía valor social e reconhecimentos distintos, passou a assumir

inúmeros papéis, estranhos àquilo que havia sido a sua vocação e seu compromisso

social para os quais é preciso buscar uma redefinição da situação e da função

docente, que precisa ser incluído no centro do movimento de renovação educativa

sendo um dos seus protagonistas (FREITAS, 2003, p. 144).

Um novo perfil de professor é exigido a partir de um novo modelo

educacional. O professor missionário já não satisfaz. O modelo de professor,

envolvendo a docência numa aura de vocação e sacerdócio, historicamente e

culturalmente institucionalizado, faz com que o professor deixe de perceber o seu

papel e da dimensão do conhecimento trabalhado na totalidade da formação do

aluno, assim como a sua relação com o contexto social, assumindo um caráter

fragmentado e pouco significativo.

O professor que centra sua ação docente apenas na assimilação e

transmissão de conteúdos não está em sintonia com o cenário histórico atual e ritmo

acelerado de transformação social. No entanto parece que em educação

cristalizaram-se os recursos inadequados e superados. Constata-se

generalizadamente uma prática docente engessada, repetitiva, desmotivante,

baseada na exposição-assimilação de conteúdos, dificultando a relação professor-

aluno, marcada pela ausência do diálogo, elemento fundamental num processo

formativo essencialmente interativo e a avaliação limita-se a um processo de

atribuição de notas.

O trabalho docente, percebido dessa forma estática, conflita com o objeto de

trabalho da docência – os alunos –, que são indivíduos em formação, que possuem

características peculiares, heterogêneas, com ritmos dinâmicos e imprevisíveis, e

desta forma escapando constantemente ao controle do professor.

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A partir do conceito de profissão que a racionalidade técnica adota, as

profissões, de maneira geral teriam características particulares que as distinguiriam

como atividades necessárias, impondo-as diante de funções especialmente

valorizadas (SANTOS e DUBOC, 2004). Necessitariam de aquisição de uma

competência técnica específica, através de um estatuto definido e reconhecido. No

caso da docência, o profissional seria um especialista neutro, desempenhando seu

trabalho por gerenciamento de técnicas de ensino, de organização escolar de

avaliação.

O discurso profissional da docência se evidencia ambíguo, de acordo com

Arroyo (2000, p. 29), “... do lado da categoria pode significar o reconhecimento e a

valorização, do lado social, pode significar, por falta de competência e de domínio

dos saberes, a justificativa para adiar esse reconhecimento...”; permanecendo a

dúvida da docência ser considerada ou não profissão. A escola é praticamente o

único espaço onde o professor é considerado profissional e dele se exige um

comportamento profissional, que muitas vezes não está preparado para exercer.

Fora do estabelecimento de ensino, e não raro no próprio estabelecimento, qualquer

outro profissional pode exercer a docência. O único critério utilizado parece ser o da

competência pessoal, de acordo com os diferentes graus de exigência da clientela.

Sob esses aspectos, a preocupação com a realidade da profissão docente

tem sido objeto de estudos de muitos pesquisadores, e especificamente com relação

à profissionalidade, os conceitos são constantemente retomados e reelaborados de

acordo com o momento histórico e a realidade social que lhe dão sentido. Essa

relação é, no mínimo ambígua. Ao mesmo tempo em que se evidencia a importância

do saber docente na sociedade de informação, percebe-se que a profissão do

professor não mantém o mesmo prestígio social.

Tardif et al. (citado por Lüdke e Boing, 2004), apontam cinco elementos

explicativos de tal ambigüidade. Primeiro, por uma divisão de trabalho em que os

professores universitários assumiram a pesquisa e os professores da escola básica,

a formação. Segundo, por causa da relação atual entre saber e formação,

deslocando o foco dos saberes em si para procedimentos de transmissão desses

saberes. Terceiro, o aparecimento das ciências da educação, fazendo com que a

Pedagogia passasse a subdividir-se em muitas especialidades. Quarto, pelo fato das

instituições escolares serem tratadas como questão pública. E, finalmente, a

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desconfiança dos diversos grupos sociais com relação aos saberes transmitidos pela

escola, por avaliarem que estes têm pouca aplicabilidade na sociedade atual.

Para Sacristán (1999), a profissionalidade pode ser percebida como a

expressão da especificidade da atuação dos professores na prática, isto é, a partir

de um conjunto de atuações, destrezas, conhecimentos, atitudes e valores ligados a

ela, que constituem o específico de ser professor. Esse professor será um sujeito

histórico, exercendo uma tarefa e/ou profissão. Para Libâneo (2004, p. 75) ela é

entendida como um “...conjunto de requisitos profissionais que tornam alguém um

professor, uma professora...”. A profissionalidade seria a profissão em estado de

ação, é a busca sobre o “ser professor” em relação as suas atividades profissionais

(SOUZA, 2007).

Esteve (1999) coloca que, além de uma visão idílica da profissão ou da sua

percepção como semiprofissão, é imprescindível delinear o campo da formação e da

atuação sempre em torno de conceitos fundamentais relativos à profissionalidade:

profissionalização e profissionalismo, como requisitos fundamentais para a sua

defesa.

Da mesma forma, sobre a conquista da profissionalidade, Libâneo (2004),

supõe a profissionalização e o profissionalismo. A profissionalização é uma das

prerrogativas da garantia do exercício profissional de qualidade: formação inicial e

continuada nas quais o professor aprende e desenvolve os requisitos e atitudes

essenciais à sua prática, remuneração compatível com a natureza e exigências da

profissão e condições satisfatórias de trabalho; por sua vez o profissionalismo é

descrito como desempenho competente e compromisso com os deveres e

responsabilidades que constituem a especificidade de “ser” professora e professor,

incorporando o comportamento ético e político expresso nas atitudes relacionadas à

prática profissional. Os dois elementos se complementam.

O que caracteriza a profissão docente é o requisito de domínios de campos

especializados do conhecimento, com forte ligação à prestação de serviços, na sua

maioria, públicos, ligados a um grupo social regulado por princípios éticos e políticos

que explicitem e sistematizem os saberes adquiridos e desenvolvidos em

conhecimento e em formação.

Professores são os responsáveis pelos processos institucionalizados de

educação e sua atividade diz respeito ao processo ensino-aprendizagem nos

diferentes tempos e espaços, caracterizando-se por um trabalho interativo com seres

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humanos que possuem peculiares, tornando-o um trabalho também social, dada as

diferentes histórias, ritmos, interesses, necessidades de seus alunos sem esquecer

a dimensão afetiva presente.

Os profissionais, nas diferentes profissões, desenvolvem determinados

comportamentos, destrezas, valores, atitudes, constroem conhecimentos que

constituem o que é específico da profissão, ao que se chama de profissionalidade .

O caráter sócio-profissional é uma das referências para se estabelecer diferenças

entre as categorias de profissões, ocupações e ofícios (SOUZA, 2007).

No que diz respeito ao professor, refletir sobre ela, segundo Sacristán (1995,

p. 65), remete ao “... tipo de desempenho e de conhecimento específicos da

profissão docente..”. De acordo com as análises de Libâneo (2004, p. 75), a

profissionalidade docente pode ser definida como o “... conjunto de requisitos

profissionais que tornam alguém um professor, uma professora,...”.

Tais requisitos diferem os professores dos profissionais de outras áreas, dada

à natureza e especificidade da sua profissão. A profissionalização é uma das

prerrogativas da garantia do exercício profissional de qualidade: formação inicial e

continuada nas quais o professor aprende e desenvolve as atitudes essenciais à sua

prática, remuneração e garantias trabalhistas compatíveis com a natureza e

exigências da profissão e condições satisfatórias de trabalho (recursos físicos e

materiais, ambiente e clima de trabalho, práticas de organização e gestão).

Se para Souza (2007) é luta política, engajada nos sentidos populares e

democráticos frente à autonomia profissional e as conquistas negociadas para a

ressignificação coletiva da categoria frente ao estabelecimento de um suporte legal

para o exercício da atividade, a criação de instituições específicas para a formação

de professores e principalmente o fortalecimento de associações profissionais da

categoria, para Giroux (1987) é preciso sobretudo uma análise crítica e reflexiva das

diferentes esferas de atuação dos professores, direcionadas para as possibilidades

concretas de mudança e para a criação de novas formas de respostas aos diversos

tipos de opressão e exploração na relação com o trabalho contrapondo-as ao

discurso oficial pautado pelo processo de centralização de decisões e propagação

de mecanismos de controle sobre o produto do trabalho dos professores.

O profissionalismo é enfatizado por Libâneo (2004), como desempenho

competente e compromisso com os deveres e responsabilidades, incorporados a um

comportamento ético e político expresso nas atitudes relacionadas à atuação

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profissional: domínio dos conteúdos e métodos de ensino, a dedicação ao trabalho,

a participação na construção coletiva do projeto político pedagógico, o respeito aos

alunos, à diversidade cultural e social dos mesmos, a assiduidade, a pontualidade, o

rigor no preparo e na condução das aulas.

Assim, não se trata da pretensão do desenvolvimento de um profissionalismo

acrítico, que sustente o sentido de prepotência e poder inquestionável, mas de

partilhar com Libâneo (2004), o entendimento sobre a necessidade de resgate da

profissionalidade docente, de redefinição das características da profissão na busca

da construção da identidade profissional como requisitos que, entre outros, são

necessários para que seja possível favorecer aos que passam pela escola, melhores

condições de exercer a liberdade política e intelectual. E, que, ainda, são

necessários para que o coletivo dos professores desenvolva, desde a formação

inicial, uma nova cultura profissional, estando mais próximo de alcançar as

aspirações de maior credibilidade e dignidade profissional.

Na narrativa de Santos e Duboc (2004), a profissão docente vem sofrendo,

visivelmente, um processo de depreciação e desvalorização tanto em seu aspecto

social quanto econômico, interferindo na imagem da profissão. Isso se deve, em boa

parte, às condições precárias de profissionalização, padronização das tarefas,

salários ínfimos, condições de trabalho e o descaso das políticas públicas com a

educação, onde o discurso é abordado atendendo a interesses opostos, conduzindo

a interfaces que justificam reflexões cautelosas, principalmente ante o pensamento

pós-moderno. Por um lado estão os professores demonstrando postura

reivindicatória e, de outro, os governantes utilizando-se desse discurso para

combater a categoria e quase sempre atribuindo aos professores e professoras as

responsabilidades pelas mazelas da educação (PAPI, 2004).

O professor está situado nas instituições com o propósito de minimizar ou

erradicar com problemáticas que dizem respeito ao desempenho de suas funções

(ensinar-aprender). Entretanto, é preciso perceber que esse tipo de discurso,

defendido com fortes paixões nos dias de hoje, sob nova vestimenta, já foi nos anos

70 e 80 bastante criticado. Segundo Souza (2007, p.5) “...é preciso perceber que

essas novas roupagens reimprimem as políticas ligadas à produtividade e à lógica

do mercado, contudo, há um prolongamento interessante nessas relações que é a

substituição do Estado educador pelo Estado avaliador...”.

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Nessa perspectiva onde resultados são cobrados, é exigido dos profissionais

docentes que ofereçam qualidade de ensino, dentro de um sistema de massa, ainda

baseado na competitividade, entretanto não são oferecidas as condições sócio-

trabalhistas necessárias para se alcançar essa “qualidade de ensino” pretendida,

contribuindo assim para um esgotamento e uma contradição quanto a profissão que

é exercida. Os discursos e as expectativas recaem sobre o professor como se esse

fosse o “salvador da pátria”, mas, na prática, não são dadas a esse profissional as

condições necessárias de responder adequadamente ao que se espera dele.

A profissão, ao lado de inúmeras outras atividades e produções humanas, é

determinada socialmente, desmistificando assim a tese de que a profissão docente

originaria-se da biologização e psicologização da vocação do professor, justificando-

se alguns desafios e paradoxos vividos na profissão e que se refletem na maneira

como o professor percebe sua vida e seu lugar nas relações. Para Freitas (2003, p.

141) “...a educação há alguns anos tinha um valor social e um reconhecimento

claros, mas hoje há valorizações diferentes e sentidos diversos, que fazem

estremecer a crença que o professor tem em si próprio...” , e diante dos inúmeros

papéis que a escola tem assumido, diferentes do seu papel e compromisso social,

os professores sentem-se “perdidos” com relação ao significado da sua profissão.

As fragilidades que envolvem o trabalho docente são complexas, e essa crise de

identidade, é provocada, entre outras variáveis, pela precarização do trabalho

docente.

A sociedade tende a estabelecer o nível social com base no nível de renda

salarial. Para muitas pessoas, prevalece a idéia de que alguém que tenha escolhido

ser professor não está associada ao sentido de uma formação específica e

elaborada, mas ao álibi de sua incapacidade de fazer “algo melhor”, ou seja,

capacidade para dedicar-se a uma profissão em que se ganhe mais dinheiro

(ESTEVE,1999).

A questão preemente na sociedade globalizada é o aumento do desemprego

estrutural no setor primário e contraditoriamente o aumento relativo de emprego no

setor terciário, localizando-se nas áreas de educação e saúde uma maior expansão

de ofertas de emprego. No setor educativo, Nóvoa (1995, p. 26), afirma que a

formação de professores é, provavelmente, a área mais sensível às mudanças, pois

ao longo do tempo tem oscilado entre modelos acadêmicos e modelos práticos,

entendendo-se que a atividade educativa não é exclusiva do professor. As famílias,

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as instituições religiosas e grupos formais atuam igualmente nesse campo, contudo

não se pode dizer que o professor exerce sua atividade com autonomia,

responsabilidade e identidades necessárias, no entanto Libâneo e Pimenta (1999,

p. 41), apontando as dimensões da identidade profissional do professor afirmam

que, “...a docência constitui um campo específico de intervenção profissional na

prática social – não é qualquer um que pode ser professor...”.

SIGNIFICAÇÃO E IDENTIDADE DA DOCÊNCIA

Identidade profissional diz respeito ao conjunto de conhecimentos,

habilidades e atitudes, valores que definem e orientam a natureza e especificidade

do trabalho de professor (LIBÂNEO, 2004).

A profissão docente é significada socialmente como atividade simbólica,

vinculada ao saber e ao saber-fazer. A atividade do professor e da professora exige

além da formação teórico-metodológica, vínculo afetivo e emocional com o aluno,

desempenhando interferências significativas de relação com o outro. A característica

da profissão de ação para a humanização ocorre como interdições afetivas e de

competência profissional, em que ensinar implica na reflexão permanente sobre o

seu significado: o quê, como e por quê se ensina. O grau de exigência desta

profissão envolve dimensões da subjetividade intelectual, ética, cultural, política e

afetiva. Implica no vivenciar buscando a coerência do saber e do fazer; da teoria e

da prática, avaliação e auto-avaliação, do que deve ser e do que a realidade do

trabalho permite que seja (APP-Sindicato, 2005).

Compreender o que significa ser professor ou professora na atual sociedade

implica em situar a profissão sob a ótica de uma construção social marcada por

múltiplos fatores que interagem entre si, resultando numa série de representações

que os professores fazem de si mesmos e de suas funções, de acordo com suas

histórias de vida, suas condições concretas de trabalho, o imaginário e crenças

acerca da profissão, muito certamente marcado pela origem e desenvolvimento

histórico da função docente e por questões estruturais de gênero e trabalho.

A categoria docente é historicamente constituída predominantemente por

mulheres, o que atribui às condições de trabalho e de interesses profissionais

situações diferentes de outras categorias. Também a formação e qualificação são

profundamente distintas. Associada ao sentido social da tarefa de educar, ensinar,

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da relação com o conhecimento, com a cultura e com os saberes socialmente

significativos no contexto histórico atual, impõem-se impasses constantes à atividade

docente que abalam a crença em si, o sentido de si e o exercício profissional.

Codo (2006, p. 64), descreve que a entrada da mulher no mercado do

trabalho, remonta ao período de 1870 a 1930, tanto por necessidades econômicas

quanto pela luta feminista em busca da autonomia e direitos iguais, coincidindo com

o marco da organização do sistema educativo nacional, que surgiu do projeto de

expansão da educação de primeiro grau, considerado pelas classes dominantes, um

instrumento privilegiado para produzir uma identidade nacional que atingisse o

objetivo da integração social. Levando em conta a natureza feminina e de suas

habilidades “em cuidar”, naquele momento histórico, enfatizou-se que a mulher

poderia desempenhar melhor a tarefa de professora. Aspectos da tarefa docente,

como o cuidado e educação das crianças, foram considerados em parte como

extensão das atividades realizadas no âmbito doméstico. O estado estimulou o

papel docente das mulheres que foram conclamadas a colaborar no processo de

integração nacional, formando os futuros cidadãos do país. A imagem pública de

mães da nação colocava num lugar central e valorizado do imaginário social seu

papel de educadoras.

Na sociedade ocidental, tradicionalmente o papel da mulher esteve associado

à vida doméstica, aos cuidados do lar, dos filhos e do marido, ao mundo da

reprodução. Ao homem coube o papel de provedor do lar, à vida pública, ao mundo

da produção. Na estruturação da identidade profissional das professoras, esses

conceitos foram incorporados os aspectos relativos à identidade de gênero, bem

como a concepção de dependentes seja do pai ou do marido, e que seu salário

poderia a ser, no máximo, um complemento da renda familiar. Dado ao fato, o

elemento central do suporte da identidade profissional que é o reconhecimento e a

valorização no trabalho, foi retido pela desigualdade inscrita na identidade de gênero

característica da época histórica.

O mundo do trabalho, a divisão sexual do trabalho, o papel social da

educação e da escola, a formação inicial e continuada, atualmente representam os

elementos estruturantes da identidade docente. As mudanças qualitativas nas

relações entre as relações modernas entre trabalho e gênero na profissão,

deflagram a crise na identidade profissional dos professores.

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A crise de identidade docente só pode ser compreendida no contexto da

história da educação escolar brasileira e seus determinantes sociais, já que envolve

complexas interfaces que vão desde a dificuldade de afirmação, enquanto classe

trabalhadora influenciada por um modelo de escola seletiva e excludente, pela perda

do prestígio social da profissão, construído no modelo de escola elitista do início do

século XX, pelo processo de expansão quantitativa da escolarização, com o

esvaziamento do papel intelectual da atividade docente até as mudanças de gênero

com o aumento de homens exercendo o magistério (APP-Sindicato, 2005).

As sociedades constantemente modificam seus ideais, valores e

necessidades, reconfigurando as exigências requeridas à educação e assim a

profissão docente enfrenta nestes momentos a indefinição de suas funções. Os

fatores sociais e de contexto são condicionadores da identidade profissional docente

e do grau de autonomia atingido pelos professores, para a execução de sua prática.

O professor não seleciona as condições na qual realiza seu trabalho e também

muitas vezes não pode escolher como desenvolvê-lo. Existem múltiplas

interferências exteriores e controles sobre o trabalho que o professor desenvolve em

sala de aula (SANTOS e DUBOC, 2004).

No entanto, é preciso considerar que existem espaços onde o professor pode

exercer a autonomia de seu trabalho: a forma de interação com os seus alunos, o

tipo de atividade a ser realizada e sua seqüência, o espaçamento e duração dos

recursos didáticos que mobilizará e as estratégias que podem ser utilizadas.

Apesar da restrita autonomia é preciso observar que existem tendências à

desprofissionalização da atividade docente, evidenciada pela falta de confiança

depositada não apenas no trabalho do professor, mas na própria função da escola.

O professor, atualmente, não tem segurança a respeito do que deve saber e ensinar

e de como deve ensinar.

Quando comparada com outras profissões liberais clássicas, sob uma

perspectiva sociológica, a profissão docente é categorizada como “semiprofissão”,

entendendo-se que a atividade educativa não é exclusiva do professor. No entender

de Santos e Duboc (2004), não há regras claras para a regulação da prática

docente, nem formas generalizáveis de relacionamento entre conhecimento e ação

pedagógica do professor. Entretanto, não se pode afirmar que o professor exerce

sua atividade com autonomia, responsabilidade e identidade necessárias,

características de um profissional.

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Ao perder o significado do trabalho tanto para si próprio como para a

sociedade, o professor perde a identidade com a profissão. Profissionalmente, a

identidade é construída a partir da significação social de cada profissão, não só a

partir da revisão constante dos significados sociais da profissão, da revisão das

tradições, mas também da reafirmação das práticas consagradas culturalmente e

que permanecem significativas. Práticas essas que resistem a inovações porque

repletas de saberes válidos às necessidades da realidade.

A identidade do professor está associada ao sentido social da incumbência

de educar, da relação com o conhecimento com a cultura e com os saberes

socialmente significativos no contexto histórico ao qual pertencemos. Então a

identidade profissional docente é o conjunto de conhecimentos, habilidades, valores,

atitudes, crenças que definem e orientam a especificidade e natureza deste trabalho,

são determinadas características, segundo necessidades educacionais colocadas

em cada momento da história e em cada contexto social (PIMENTA, 1999).

E, da perspectiva da construção da identidade, os aspectos integrantes das

características que determinam “ser professor”, estariam inseridas em um conjunto

de saberes: competências em habilidades técnico-pedagógicas, habilidades psico-

pedagógicas, responsabilidade social, comprometimento político, engajamento com

a rotina institucional, investimento na própria formação, não se esgotando ainda os

vários papéis que o professor deve realizar; no entanto, ser “bom” ou “mau”

profissional depende do grau em que cada um desses aspectos é atendido,

permeados pela dimensão ética que lhes atribui o seu sentido e valor (SANTOS e

DUBOC, 2004).

Nóvoa (1995), faz referência a um conjunto de conhecimentos e de técnicas

que qualificam o exercício profissional e que sustentam a elaboração de um conjunto

de normas e valores reguladores da vida profissional: adesão a princípio e valores, a

projetos coletivos; autonomia de julgamento e decisões e autoconsciência, isto é,

atitude reflexiva sobre a própria ação. Já Pimenta (1999, p. 19) aponta os saberes

da experiência, os conhecimentos específicos da matéria e os saberes pedagógicos,

como elementos constantes da competência docente.

Para Rios (2001) é possível associar o termo competência à qualidade do

trabalho, no qual se reúnem as dimensões técnica, política, ética e estética. Para a

autora um profissional qualificado é aquele que possui determinadas qualidades

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positivas, fundadas no bem comum, na realização dos direitos do coletivo de uma

sociedade.

Na visão de Libâneo (2004), o professor competente, é aquele que

desenvolve capacidade de mobilizar conhecimentos aprofundados, operações

mentais, capacidade crítica, capacidades relacionais, procedimentos, técnicas,

atitudes para enfrentar situações problemáticas, dilemas. O professor será mais

competente quanto mais souber imaginar, refletir, articular as condições que

possibilitem aos alunos aprender melhor e de forma mais duradoura, a desenvolver

suas estruturas cognitivas e seus recursos de pensar e agir de modo a se constituir

como sujeito pensante e crítico.

O confronto entre o quanto o professor investe e o quanto o resultado produz

para o aluno, segundo Freitas (2003) cria um campo fértil para que o professor

comece a duvidar de si mesmo, em termos de sua competência profissional.

Detentor de uma profissão que exige grandes sacrifícios e poucos reconhecimentos,

o professor ao investir muita energia para “dar conta” da complexidade do seu

trabalho, vê os elementos estruturantes da composição da identidade docente

desagregar-se, estabelecendo desta forma uma crise de identidade e sofrimento.

A identidade de cada indivíduo é uma construção a partir de várias interfaces:

afetivas, cognitivas, culturais, políticas, econômicas. É no processo histórico, na

dinâmica e nas contradições do indivíduo consigo e com a sociedade, que se

constroem os elos identitários. É um processo sobre o qual cada sujeito se sente,

age e constrói suas práticas e dá significado á sua existência.

Para Oliveira (2005), a profissão, para o docente, está intimamente ligada à

compreensão que o profissional possui de “ser professor” no contexto atual da

sociedade, corresponde aos seus valores e crenças, os quais considera em relação

ao aluno, a escola e a educação e aos conceitos que formou sobre sua

profissionalidade.

O professor está em crise de identidade porque a sociedade também está em

crise. Existe um ausência de sonhos, de projetos, de utopias, com modelos sociais

que se desmancham e novos que vem ocupar seu lugar. Os jovens se vêm movidos

pelos valores imediatistas, consumistas e hedonistas, atingidos pela facilidade que

lhes exige pouco esforço físico e mental. A escola enquanto instituição, não tem

conseguido ser espaço de socialização e reflexão coletiva no sentido de “desvelar o

mundo”, problematizá-lo do ponto de vista ético, político e econômico e situar

15

claramente sua função. Nesse sentido, a atividade do professor desempenha

interferências sobre o aluno, mas essa interferência é incompleta, não há controle

sobre ela, é permeada por dúvidas e incertezas, refletindo o próprio momento

existencial.

A PRESENÇA DA SÍNDROME DE BURNOUT NO TRABALHO DOCEN TE

A escolarização, nos últimos tempos vem absorvendo o conjunto de

transformações que produzem a modernidade. Carlotto (2003) narra que a partir da

perspectiva histórica de que se considerava a profissão docente um sacerdócio,

uma vocação de abnegação e de dedicação quase heróica aos alunos, através dos

tempos incorporou-se a visão de que o professor detém privilégios, com alto nível de

qualificação e de autonomia. Codo (2006), descreve que no passado, o professor

trazia em seu âmago, uma identidade carregada de orgulho profissional, a profissão

gozava de amplo prestígio social. Sob o caráter elitista projetado sob os educadores,

as condições as condições de trabalho foram relegadas à segundo plano. A

precariedade das organizações das escolas e dos processos educativos

correspondem à rudimentaridade dos processos produtivos desde a sua origem.

Baseadas no paradigma da civilização industrial, as questões relativas às

escolas, atualmente, seguem um modelo competitivo, massificado, avaliado a partir

de parâmetros da produtividade e resultados e esta visão de educação sob a

perspectiva mercantil, causa prejuízos às pessoas envolvidas no processo.

Como já mencionado, a profissão docente recebe hoje, as conseqüências

severas da precarização das condições de trabalho associadas às pressões

impostas pela nova organização de trabalho. Responsáveis pelos processos

institucionalizados de educação, os professores convivem com as diferentes

concepções e valores atribuídos à educação e ao processo ensino-aprendizagem,

além de suportarem as exigências feitas em relação à profissão e a forma de

desempenhá-la. Segundo Esteve (1999), a carga de responsabilidades e exigências

que se projetam sobre os educadores tem aumentado, coincidindo com uma rápida

transformação do contexto social, o qual tem sido traduzido em uma modificação do

papel do professor.

Carlotto (2003) descreve a organização social do trabalho do professor

separa a concepção e o planejamento da tarefa, da sua execução. Sua atividade é

16

fragmentada, sem o controle sobre o conteúdo e a forma de transmitir seu

conhecimento. Os professores passaram a preocupar-se de forma intensa não só

com suas funções, mas também com sua carreira, sua segurança e seu salário. O

declínio da ocupação docente, mudanças de gênero (desfiminização da função),

mudanças de local de trabalho, falta de recursos materiais e de recursos na escola,

ferem profundamente a identidade do professor.

A precariedade dos laços afetivos também são motivos de preocupação, as

relações conflituosas com os alunos, o autoritarismo dos superiores, a falta de

solidariedade dos colegas, a ansiedade dos pais são as principais fontes de tensão,

pois dizem respeito ao clima social da escola, e a motivação dos professores

depende destas relações, associadas às condições físicas do espaço em que atuam

para sentirem-se confiantes. Considera-se também preocupante as reformas

propostas pelos sistemas de ensino oficiais, mudanças curriculares constantes e

novas modalidades de avaliação (exames nacionais e estaduais e provões),

contribuintes para um cotidiano profissional desconcertante e causadores de uma

tensão permanente que causam sofrimento no trabalho e atingem a identidade

profissional (CODO, 2006).

O professor faz muito mais do que suas condições de trabalho permitem.

Muitas são as atribuições impostas, independentemente de seu interesse e da sua

carga horária. Além de cuidar de suas turmas, deve fazer trabalhos administrativos,

planejar, reciclar-se, investigar, orientar alunos, atender os pais. Também deve

organizar atividades extra-classe, participar de reuniões, seminários, conselho de

classes, efetuar processos de recuperação, preencher diários de classe, além de

cuidar e preservar o patrimônio.

Apesar de todo esforço, este profissional, muitas vezes é excluído das

decisões institucionais, do repensar a escola, sendo relegado a simples executor de

propostas e idéias alheias. Esta intensificação do fazer docente e o isolamento lhe

ocasionam conflitos, pois sobrecarregado não encontra tempo para aprimorar seus

estudos, e não vê perspectiva de desenvolvimento e realização profissional, além de

ter que renunciar à família, ao lazer e demais atividades.

A necessidade de desempenhar vários papéis, muitas vezes contraditórios,

exige do professor manter o equilíbrio e flexibilidade. Exige-se que ele seja amigo e

companheiro do aluno, mas ao mesmo tempo, adote um papel de julgamento e

controle. Algumas vezes lhe exigem que atenda a especificidade de cada aluno e

17

em outras que considere as políticas educacionais para as quais as políticas sociais

o direcionam a serviço das necessidades políticas e econômicas vigentes. Desta

forma o sucesso da prática docente nunca esteve assegurado, pois nesta profissão

sempre há mudanças, ambigüidades, conflitos, opacidades e mecanismos de

defesa. A escola, como instituição social, está em crise, o professor está em crise,

conseqüência da própria crise em que vive a sociedade e o homem (TELES, 1992).

As crises impulsionam às mudanças, e as mudanças excessivas em um

tempo demasiadamente curto, de acordo com Esteve (1999) provocam desastrosas

tensões e desorientações. Tirado de um meio cultural conhecido, em que se

desenvolveu até então sua existência, e colocado em um meio completamente

distinto ao seu, sem poder voltar a antiga paisagem social de que se lembra, o

professor que tenta resistir a estas mudanças, que ainda pretende manter o papel de

modelo social, o de transmissor exclusivo de conhecimento, detentor de uma

hierarquia possuidora de poder, aquele que possuí expectativas de atingir metas

irreais e sente-se desapontado quando não é recompensados em seus esforços,

tem maiores possibilidades de ser questionado e desenvolver a Síndrome de

Burnout.

Definida por Maslach (1982, citada por Carlotto, 2002) como um fenômeno

psicossocial, uma tensão emocional crônica gerada a partir de estressores

interpessoal ocorridos na situação de trabalho, é constituída por três dimensões

relacionadas: exaustão emocional caracterizada por uma falta ou carência de

energia, despersonalização que se caracteriza por tratar os alunos, colegas e a

instituição como objetos e a baixa realização pessoal no trabalho, com tendência a

se auto-avaliar de forma negativa.

As pessoas sentem-se infelizes consigo próprias e insatisfeitas com seu

desenvolvimento profissional. Seu início é insidioso, por ter seus sintomas

atribuídos ao cansaço, devido ao excesso de trabalho. Sua evolução pode levar

anos e até mesmo décadas, surgindo paulatinamente, cumulativamente e

progressivamente em severidade, comprometendo os aspectos físicos, psíquicos,

emocionais e provocando distúrbios de comportamento.

Esta síndrome ocorre com trabalhadores de várias profissões, no entanto,

atinge em maior número àqueles que trabalham na área da saúde e do ensino, pela

atividade com intenso contato com pessoas. Quando atinge os professores afeta

diretamente o ambiente educional e interfere na obtenção dos objetivos

18

pedagógicos, levando os professores a um processo de alienação, cinismo, apatia,

problemas de saúde e intenção de desistir da profissão (GUGLIELME et all, 1982,

citados por CARLOTTO e CÂMARA, 2007).

Os efeitos permanentes de caráter negativo que afetam a personalidade do

professor como resultado das condições psicológicas, sociais e políticas em que se

exerce a docência é definido por Esteve (1999, p. 25) como “mal-estar docente”. O

trabalhador perde o sentido da sua relação com o trabalho, de forma que as coisas

já não o importam mais e qualquer esforço lhe parece inútil, iniciando assim um

“ciclo degenerativo da eficácia docente”

Os trabalhadores de educação da rede pública de ensino representam uma

das maiores categorias profissionais do país. Codo (2006) ao analisar os resultados

da pesquisa realizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em

Educação (CNTE) e Universidade de Brasília (UNB), sobre as condições de

trabalho, o mundo atual e saúde mental dos trabalhadores em educação das redes

públicas estaduais do país, apontou que um em cada quatro docentes sofrem de

exaustão emocional, esgotamento físico e efeitos psicológicos nocivos no exercício

de sua profissão.

Para Codo (2006, p. 240) essa sintomatologia “seria uma resposta ao stress

laboral crônico, não devendo ser confundido com o stress.” O stress em condições

normais é um esgotamento físico e mental com interferência na vida do indivíduo e

não necessariamente na sua relação com o trabalho, enquanto que o estresse

resultante de trabalhar exaustivamente envolve atitudes e condutas negativas com

relação aos usuários, clientes, organização e trabalho, é uma experiência subjetiva,

envolvendo atitudes e sentimentos que trazem problemas de ordem prática e

emocional ao trabalhador e à organização.

Apesar de grande contingente de professores permaneceram ativos em sala

de aula, conservando o ímpeto de luta e ideal, muitos apresentam falta de

motivação, desamparo, desesperança, passividade, alienação, depressão, fadiga,

estresse, sintomas que sempre existiram no quadro profissional da docência, mas

que atualmente cresceram de forma preocupante e passaram a intensificar os

estudos realizados por psicólogos.

Para Freitas (2003), haveriam os chamados processos de naturalização da

vida cotidiana, que se incorpora e aceita definições de fatores independentes da

experiência, externas, que reforçam as dúvidas e incertezas sobre a própria

19

capacidade e formação profissional. A falta de percepção desses processos faz

surgir os efeitos perversos que imobilizam o docente. Um deles está no conceito do

que é “um bom professor” profetizado pela sociedade e do qual advêm um segundo

efeito que reside no fato dos fracassos serem assumidos pessoalmente, localizados

em alguma instância ou característica interna do professor, enquanto o sucesso

recebe uma explicação quase causal e inevitável, depreciando o verdadeiro papel de

autor e protagonista da história, para cada um dos envolvidos.

A universalização e biologização das aptidões para o sucesso e o fracasso

seria o terceiro fator, no sentido em que não há uma reflexão sobre os determinantes

históricos, estruturais e conjunturais presentes no trabalho docente, colocando as

políticas públicas e o Estado em um lugar inatingível e imutável. Diante disto,

aparentemente, o profissional docente, encontra em si próprio os motivos para que

seu trabalho não traga os resultados desejados. As relações então, caracterizam-se

pelo silêncio e o não-compartilhar, fazendo fechar o círculo perverso e cruel de auto-

culpabilização e vergonha, aumentando o sentimento de impotência, fracasso e

inutilidade.

Esteve (1999) esclarece que as repercussões psicológicas da tensão a que

estão submetidos os professores variam em qualidade e dependem de diversos

fatores, dentre os mais relevantes destaca a experiência do professor, seu status

sócio-econômico, questões de gênero e estrutura da instituição onde trabalha.

Pontuando, portanto, que é preciso rejeitar as abordagens muito genéricas que

estabelecem uma relação linear e simplista entre esse complexo fenômeno

sociológico descrito como “mal-estar docente” e a saúde mental do professor.

Como estratégia de sobrevivência, o professor estabelece um jogo de

ausência e do distanciamento, como forma de fuga do sofrimento cotidiano,

tornando compreensível os altos índices de afastamento, de abstinência laborativa,

exaustão emocional e falta de envolvimento pessoal diante do trabalho. É uma

maneira de anestesiar o sofrimento diante da realidade e da impotência que sente

pela falta de perspectivas (FREITAS, 2003; CODO, 2006).

A solidão, o recolhimento em si, a alienação e o resultado do sofrimento do

profissional, sem saber para onde vai e onde quer chegar, por repetir

mecanicamente o gesto esvaziado de si e do outro; o reencontro consigo mesmo o

obriga a luta contra o trabalho. O educador em uma sociedade também alienada

sofre porque é impedido de realizar a si mesmo em um trabalho carregado de todas

20

as suas possibilidades, precisa que a sociedade permita que o seu trabalho exista.

O grito do professor alienado é contra o esmagamento de si, é pela possibilidade de

realização de si mesmo (CODO, 2006).

METODOLOGIA

O estudo da escola, na pesquisa em educação, implica, de uma forma geral,

na busca de alternativas para a resolução de problemas, visando a melhoria da

qualidade de ensino. Sob o aspecto de sua utilidade a Pesquisa-ação é a mais

apropriada, pois sendo situacional, busca diagnosticar um problema num contexto

específico, numa situação também específica, para resolvê-lo neste próprio

contexto, com o fim de atingir uma melhoria da prática educativa, contribuindo

também para a teoria da educação e do ensino.

Considerando os objetivos iniciais, buscou-se a partir de uma situação-

problema, verificar através da revisão bibliográfica os diferentes prismas abordados

por diferentes autores sobre o tema específico.

Elaborou-se então um material didático, abordando os principais aspectos da

profissionalidade docente, composto por textos para reflexão e questões para serem

respondidas em grupo, material este que foi dividido em três partes: na primeira

parte, destacam-se os elementos da profissionalidade docente: profissionalização e

profissionalismo, o conhecimento dos componentes legais que asseguram a

valorização e conquistas da profissionalização e requisitos e/ou atributos

necessários às qualidades e competências consideradas ideais para a profissão

docente; na segunda parte volta-se a atenção para as questões que envolvem a

satisfação do professor em seu ambiente de trabalho, condições detrabalho a dos

professores que, acometidos pelos fatores que conduzem ao estresse

ocupacional, podem penetrar num “ciclo degenerativo da eficácia docente”,

culminando com a desistência da profissão e a discussão sobre as possíveis ações

que possibilitem prevenir e amenizar os efeitos de caráter negativo que afetam a

personalidade, e desencadeiam a “Síndrome de Burnout”, visando o

estabelecimento de um ambiente mais favorável ao exercício da profissão docente;

na terceira parte refere-se ao imaginário – crenças, valores e mitos sobre “ser

professor” que interagem nos processos de identificação dos docentes com o seu

21

trabalho e a crise que se estabelece ao verificarem a dinâmica contraditória e

fragmentada em que historicamente e socialmente estão mergulhados.

PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS

Para a implementação do plano de ação na escola, foi realizado previamente

o contato com a direção do Colégio Estadual Ângelo Gusso – Ensino Fundamental e

Médio, pertencente à Rede Estadual de Educação, localizado no bairro da Boa

Vista, na cidade de Curitiba – PR, ocasião em que foi realizada a apresentação da

proposta do PDE, o tema de estudo e sua relevância, bem como a justificativa,

objetivos geral e específicos, a fim de obter a autorização e o apoio para a

implementação do projeto. Com o aceite da direção do estabelecimento de ensino,

então no período chamado de Semana Pedagógica, compreendido como

capacitação em serviço, anterior ao início do ano letivo de 2008, pode-se expor a

proposta de trabalho ao grupo de professores.

Em meados do ano letivo retornou-se à escola com a proposta de aplicação

do material didático, que consistiu na distribuição do caderno pedagógico elaborado,

sendo a primeira parte destinada à direção e equipe pedagógica, a segunda e

terceira partes aos professores.

Foram convidados a participar 50 professores, 04 pedagogas, o diretor e o

diretor auxiliar, que exercem sua função no referido colégio, nos Ensinos

Fundamental, Médio e Educação de Jovens e Adultos, distribuídos nos turnos:

manhã, tarde e noite. Os procedimentos éticos foram realizados através do

consentimento livre e esclarecido, conforme a Resolução 196, do Conselho Nacional

de Saúde (CNS), e informado de tratar-se de pesquisa sem qualquer efeito avaliativo

institucional e/ou individual e que as respostas seriam consideradas anônimas e

confidenciais.

O material foi entregue pessoalmente a cada participante, buscando-se

conscientizar a cada um da importância da colaboração e participação na pesquisa e

foi estabelecido um prazo para a devolução. Destes, apenas 23 professores, 02

pedagogas e o diretor auxiliar devolveram o material devidamente preenchido, o que

representou 46,4% dos profissionais da instituição.

No presente trabalho, buscou-se um enfoque sobre a possibilidade da

presença da Síndrome de Burnout, no locus de estudo, justificado pelo

22

levantamento das necessidades e interesse dos participantes, que apontou para a

busca da análise do impacto causado pelas dificuldades do trabalho docente e o

estresse cotidiano e suas conseqüências nocivas à saúde mental do trabalhador em

educação, motivo pelo qual não foram considerados os instrumentos aplicados às

pedagogas e ao diretor e diretor auxiliar.

Para a coleta de dados, objetivando verificar as consequências das condições

precarizadas e satisfação no trabalho foram utilizados três instrumentos aplicáveis:

1) Questionário do Perfil Profissiográfico: elaborado para a obtenção dos

dados e estabelecer o perfil dos individuos, contendo 18 questões de

múltipla escolha, subdivididas em 03 itens: dados pessoais (sócio-

demográficos), dados profissionais e questões pessoais. Consideram-se

aspectos sócio-demográficos: função, gênero, idade, estado civil, presença

de filhos; dados profissionais: escolaridade, tempo de formação no Ensino

Superior, tempo de atuação profissional, carga horária laboral, número de

concursos, número de locais de trabalho, a presença de outra atividade além

da docência e questões pessoais: proventos recebidos e sua relação com o

total de despesas, condições de moradia, meios de transporte utilizado para

trabalhar, ocupação nos finais de semana, prática de atividades físicas e/ou

esportes e problemas de saúde associados ao trabalho.

2) Questionário de valores pessoais relacionados ao trabalho: adaptado

de Pereira (2002), com 09 questões em uma escala do tipo Likert, de cinco

itens, variáveis de: sempre (1), freqüentemente (2), às vezes (3), raramente

(4) e nunca (5), relacionadas a características pessoais e valorativas

relativas à percepção do trabalho, utilizando-se a nomenclatura V1, V2 e V3

para as três questões iniciais voltadas às reações e atitudes características

à personalidade Tipo A (manifestação de impaciência, velocidade excessiva,

urgência temporal, esforço para o êxito, competitividade, agressividade, fala

e gestos bruscos e compromisso excesssivo com o trabalho), V4, V5 e V6

para as três questões centrais à escala de controle interno e externo e V7,

V8 e V9 para as três questões finais relativas ao apoio social recebido no

ambiente de trabalho. A pontuação é obtida através do predomínio da

somatória das ocorrências, e busca relacionar através de questões de

âmbito subjetivo, delimitadas por aspectos atitudinais determinados por

23

valores e princípios que atuam no sujeito frente a sua percepção de sua

atividade profissional e a predisposição à Síndrome de Burnout.

3) Questionário Maslach Burnout Inventory - M.B.I (Maslach &Jackson,

1981): consiste em instrumento composto por 22 itens, auto-aplicáveis,

desenvolvidos em torno de três eixos: reduzida Realização Profissional

(rRP), Exaustão Emocional (EE) e Despersonalização (DE). A escala tipo

Likert, permite respostas variáveis de: nunca (0), uma vez ao ano (1), uma

vez ao mês ou menos (2), algumas vezes ao mês (3), uma vez por semana

(4), algumas vezes por semana (5) a todos os dias (6), de acordo com as

situações vivenciadas no trabalho. A pontuação total do questionário é o

resultado da soma de todos os pontos das frequências respondidas nos três

eixos ou dimensões do instrumento. Sendo o M.B.I., é o instrumento mais

utilizado para aferir a Síndrome de Burnout, originalmente seus índices de

confiabilidade foram estimados mediante o coeficiente alfa de Crombach

numa amostra de 1.316 casos (USA). Para este estudo optou-se pela

utilização da adaptação feita pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas

Avançadas sobre a Síndrome de Burnout – NEPASB (Benevides-Pereira,

1997), por apresentar os requisitos necessários para avaliação em

professores em nossa realidade. No estudo foi realizada uma amostra de

597 sujeitos na cidade de Maringá, em que a distribuição da ocorrência e

seu respectivo percentual foram mensurados nos graus alto, médio e baixo

de cada dimensão (rRP, EE, DE), e cujos índices deconfiabilidade para o

desvio padrão consistem em: 7,63 para rRP, 10,62 para EE e 5,44 para DE,

e para Alfa de Crombach em: 0,76 para rRP, 0,84 para EE e 0,57 para DE.

Para a interpretação das pontuações é observada, nas dimensões exaustão

emocional (EE) e despersonalização (DE), alta pontuação corresponde a

elevado grau de Burnout, na dimensão reduzida realização profissional (rRP)

também entendida como envolvimento pessoal no trabalho, baixas

pontuações correspondem a elevado grau de Burnout. Assim, segundo o

M.B.I., o indivíduo com a Síndrome de Burnout apresenta pontuações altas

em exaustão emocional (EE) e despersonalização (DE) e pontuações baixas

em reduzida realização profissional ou envolvimento pessoal no trabalho

(rRP).

24

RESULTADOS

No Questionário de Perfil Profissiográfico, com relação aos dados pessoais

dos 23 participantes, 82,6% eram do sexo feminino, e 17,4% do sexo masculino, a

sua maioria atuando nos Ensinos Fundamental e Médio (43,4%). A idade variou

entre 20 e mais de 60 anos, prevalecendo a idade média de 40 a 49 anos (43%). A

maioria são casados (61%), com 02 filhos em média (40%). Com relação aos dados

profissionais 83% possuem especialização, 61% apresentam igualdade entre tempo

de formação e atuação no magistério, 57% trabalham com uma carga de 40 horas

semanais, 21% são detentores de dois concursos (padrão 20 horas cada) e 31%

possuem um concurso (padrão 20 horas) acrescido de 20 horas com aulas

extraordinárias; 61% trabalham em um único colégio e 57% não exercem outra

atividade além da docência. No item questões pessoais, 30,4% comprometem 100%

do seus proventos com o total de suas despesas, 48% moram em casa própria

quitada, 43% utilizam veículo próprio para deslocamento ao local de trabalho, 34%

dedica seus finais de semana para convívio com a família e 61% praticam esportes

com regularidade ao menos duas vezes na semana; 48% manifestam algum

problema de saúde relacionado ao trabalho, tais como: rinite, tendinite, bursite,

alergia, depressão, hipertensão arterial, estresse, edema das cordas vocais,

obesidade mórbida e artrose.

Os resultados para a escala de valores pessoais relacionados ao trabalho,

demonstram o predomínio da alternativa “às vezes”, seguida pela alternativa

“freqüentemente”, podendo-se deduzir tais atitudes e valores como inassertividade

(V1), esquecimento de outras necessidades pessoais por apresentar grande

envolvimento no trabalho (V2) e reação intensa a acontecimentos na vida laboral o

que pode indicar uma tendência do grupo pesquisado à adoção de valores

característicos do padrão de personalidade tipo A, o que também poderia predispor

à Síndrome de Burnout, devido à relação desta conduta com exaustão emocional

(EE) e despersonalização (DE). Para as questões que se referem ao lócus de

controle (V4, V5, V6), também houve o predomínio da alternativa “às vezes”, seguida

por “freqüentemente”. Segundo Pereira (2002), quanto mais o trabalhador atribui

responsabilidade à si as questões vividas no trabalho e menos às condições

externas, tem maiores condições de desenvolver recursos de enfrentamento, buscar

alternativas, viabilizar mudanças de comportamento, no sentido de superar as

25

dificuldades. Porém, quando esta condição torna-se excessiva, pode trazer

contribuições negativas, pois o profissional tende a assumir toda a responsabilidade

dos acontecimentos para si, não reconhecendo condições do ambiente de trabalho,

desvirtuando a percepção do ambiente em que atua e assim não intervir nos fatores

que o estão prejudicando.

Thompson et all (1993, citado por Pereira, 2002) relaciona a origem da

Síndrome de Burnout a quatro variáveis: a discordância entre a demanda da tarefa e

os recursos do trabalhador, o nível de autoconsciência, as expectativas de êxito e os

sentimentos de auto confiança. Neste modelo, a auto-consciência desempenha

papel fundamental, pois se trata da capacidade do sujeito de auto regular os níveis

de estresse durante a execução da tarefa. As pessoas com alto nível de auto

consciência, possuem uma tendência exacerbada de auto-percepção e contribuindo

para o aumento do estresse e conseqüentemente à frustração no trabalho.

Em relação às questões relacionadas ao apoio social no trabalho, o grupo

demonstra nas respostas obtidas (V6, V7, V8), predomínio do reconhecimento da

importância e necessidade de apoio social, o que pode indicar que o grupo é menos

predisposto à desenvolver a Síndrome de Burnout. Quando existe o apoio dos

colegas, da direção da escola, da equipe pedagógica, as tensões e conflitos são

compartilhados, diminuindo os níveis de ansiedade e também a sensação de

incompetência. Dividir as “alegrias e tristezas”, as agruras sofridas, desabafar com

os colegas é fundamental para manter o bem estar dos professores e a saúde no

trabalho.

Para o resultado do Maslach Burnout Inventory (MBI), encontrou-se:

- reduzida realização profissional: dois indivíduos (8,8%) apresentaram

escore elevado; onze indivíduos (47,8%) apresentaram escore médio e dez

(43,4%) indivíduos apresentaram escore baixo.

- Exaustão emocional: onze indivíduos (47,9%) apresentaram escore alto;

sete indivíduos (30,4%) apresentaram escore médio e cinco indivíduos

(21,7%) apresentaram escore baixo.

- Despersonalização: oito indivíduos (34,7%) apresentaram escore alto, cinco

indivíduos (21,9%) apresentaram escore médio e dez indivíduos (43,4%)

apresentaram escore baixo.

Os resultados indicam maior grau de exaustão emocional, seguido por

reduzida realização profissional e menor grau em despersonalização. O manual do

26

MBI aponta a presença da Síndrome de Burnout quando o indivíduo obtém grau alto

em EE e DE e grau baixo em rRP. É importante destacar que, embora a pontuação

média do grupo pesquisado não tenha atingido valores que caracterizem a presença

de Burnout, a predominância de sintomas relacionados à exaustão mental e

emocional, fadiga e depressão, podem sugerir a existência de um processo em

curso, pois segundo Maslach e Leiter (1997, citadas por Carlotto, 2002), a primeira

dimensão a surgir na Síndrome de Burnout é a exaustão emocional, de forma geral

relacionada à falta de tempo para atender às inúmeras responsabilidades que se

acumulam na tarefa de professor, sobrecarregando-o de trabalho. Uma ansiedade

generalizada surge em virtude da expectativa de que sua tarefa será avaliada

mediante os resultados numéricos dos alunos e conseqüentemente seu

comportamento e personalidade também serão avaliados de forma negativa. A

depressão é uma das conseqüências mais freqüentes. Ao considerarmos os outros

resultados, verificamos que nem todos os professores administram as situações

desta forma tão negativa, pois talvez aprenderam a direcionar sua ansiedade para

outros campos de forma mais adaptativa, ou tenham se tornado invulneráveis à

juízos de valor ou ainda, saibam desvencilhar-se satisfatoriamente das tarefas

docentes.

Na análise individual dos resultados, dois indivíduos (17,4%), apresentam

Síndrome de Burnout e igualmente dois indivíduos (17,4%) estão no limiar da

síndrome, no entanto os demais indivíduos (82,6%) apresentam fases diferenciadas

do processo de Burnout para rRP, EE e DE, conforme descrito por Leiter (1993,

citada por Benevides-Pereira, 2002). As demandas interpessoais e características

da carga de trabalho desencadeiam a exaustão emocional. A partir daí surgem as

reações de defesa diante dos efeitos experienciados, quando o indivíduo se isola e

passa a tratar os demais com indiferença, passando a adotar atitudes de cinismo,

ironia e desrespeito em relação às pessoas, no caso do professor, evidencia-se

desrespeito ao aluno.

As condições precarizadas no ambiente de trabalho, sejam pessoais e/ou

institucionais interferem tanto no desenvolvimento da despersonalização como na

falta de comprometimento com o trabalho, desmotivação, revelando baixa eficiência

no trabalho e incentivando pensamentos de abandono da profissão devido à baixa

realização pessoal nas atividades ocupacionais.

27

Estabelecendo-se comparações entre o perfil profissiográfico verificado no

grupo e relações com os níveis de Burnout, pode-se perceber que existe uma

tendência à diminuição nos graus de Burnout à medida que a idade dos professores

aumenta. Para Amorim (2002), quanto mais tempo de profissão existe, maior a

segurança no trabalho e menor a vulnerabilidade à tensão. Com relação ao estado

civil e número de filhos, não houve relações evidenciadas. O mesmo ocorreu com

locais de trabalho e o fato de exercer outras atividades além do trabalho na escola.

O grau baixo para DE, talvez se justifique pelo elevado número de indivíduos do

sexo feminino, característica do grupo em estudo. O aumento de homens no

exercício da profissão docente contribui para a desestruturação da identidade

profissional da professora, à medida que transforma a idéia de educar-cuidar em

tarefa social de educar. Talvez o fato de que as mulheres tenham que realizar, além

das atividades profissionais, os trabalhos domésticos, cuidar dos filhos e

compromissos conjugais, contribuam para o aumento do estresse e as

suscetibilizem mais ao Burnout (AMORIM, 2002).

Observou-se que professores que exercem prática de atividades físicas ou

esporte regularmente, apresentaram índices menores para Burnout em EE do que

àqueles que não praticam atividades físicas. Este relato também é encontrado em

Carlotto (2002), pois se acredita que o profissional que pratica atividades físicas

regulares possuí níveis de estresse menores. Nos itens faixa etária, tempo de

formação e atuação na docência, ao se verificar que a maioria possui mais idade e

tempo de formação e igual tempo de experiência, pode-se deduzir que professores

com maior experiência profissional conseguem administrar com maior segurança as

demandas da função e conseqüentemente apresentar menores índices de Burnout.

CONSIDERAÇÕES

O estudo apontou alguns fatores que contribuem para a desestruturação do

trabalho docente, as relações entre crenças profissionais, condições de trabalho e a

saúde mental dos professores.

A atividade docente possui características especiais, por ter como objeto de

trabalho “o aluno”, outro ser humano em formação, o que estabelece pólos

contraditórios de tensões interpessoais, o que contribuí para a desestruturação

psíquica dos trabalhadores da docência. Fatores de ordem pessoal como

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comprometimento, valores, carreira e papéis desenvolvidos, bem como fatores

institucionais, tais como tipo de escola, aspectos éticos da escola, aspectos culturais

do professor e do aluno e os aspectos derivados das tendências globais e políticas

governamentais, em interação, desencadeiam o processo de

“desprofissionalização”.

A falta de informação e esclarecimento sobre estes aspectos, bem como o

desconhecimento das legislações e sistemas vigentes, associados às condições

precarizadas de trabalho – excesso de carga horária, longa jornada de trabalho,

número elevado de alunos em sala de aula, descaso dos gestores às queixas

apresentadas pelos professores, contribuem para o isolamento, a indiferença,

sentimentos de baixa auto-estima, tendência a assumir a culpa pelo fracasso

profissional e a desistência da profissão entre professores.

A significação e a identidade do trabalho docente estão em processo de

adoecimento, e o acentuado processo de desprofissionalização, requer ações que

minimizem o sofrimento e apontem mudança de conduta profissional, de modo que o

ambiente de trabalho se torne satisfatório e produza melhores condições concretas

de ensino.

A proposição de verificar-se a incidência da Síndrome de Burnout, em grupo

específico de professores da rede estadual de educação, partiu da percepção, pelo

interesse demonstrado pelo grupo quando implementamos o material didático no

locus de pesquisa.

A ocorrência de Burnout em professores é considerada um problema social

de extrema relevância atualmente, pois se vincula à elevação de custos às

instituições e empresas, devido à rotatividade de pessoal, absenteísmo,

produtividade e conseqüentemente à qualidade do trabalho, além de

comprometimentos psicológicos e físicos. No ambiente escolar, professores com

Burnout influenciam o ambiente educacional, envolvem-se intensamente com suas

atividades, são inflexíveis nos procedimentos, elevando o nível de expectativas,

sentindo-se desapontados quando não recompensados pelos seus esforços,

comprometendo a obtenção dos objetivos pedagógicos.

No estudo realizado, as variáveis profissiográficas aparentemente não

causaram impacto sobre os níveis de Burnout. O questionário de valores pessoais

relacionados ao trabalho teve como função a coleta de dados associados a

características subjetivas (valores) do grupo. Mostrou-se correlacionado aos

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resultados do MBI, e apontam para a presença de indivíduos que apresentam

personalidade tipo A, com dificuldades em regular os níveis de estresse durante o

desenvolvimento da tarefa, o que pode aumentar a experiência de desilusão e

frustração no trabalho, predispondo a incidência de Burnout.

A prevalência de locus de controle interno ao externo, ou seja, a tendência a

tomar para si a responsabilidade pelos eventos provenientes do trabalho, podem

levar os indivíduos à experimentar sensações e atitudes características de Burnout.

Há o predomínio da necessidade da valorização e de apoio social no trabalho e o

reconhecimento e a implementação de tal aspecto, possibilita ampliar a capacidade

de enfrentamento das dificuldades e possivelmente diminuir a probabilidade da

incidência de Burnout.

Um em cada seis indivíduos pesquisados apresenta a Síndrome de Burnout,

o que está de acordo com a média encontrada em outros estudos realizados com

professores de realidade semelhante, o que pode confirmar o modelo teórico que

relaciona Burnout às características do trabalho, sendo o contexto profissional fator

de risco de ocorrência da síndrome, acima das características demográficas ou

vulnerabilidades pessoais.

Tanto o estresse como Burnout no ensino não constituem novidades e

provavelmente ocorram há muito tempo entre os professores. No entanto, o desafio

torna-se a novidade; o professor conhece muito sobre o quê e como ensinar, mas

conhece pouco sobre os alunos e sobre si mesmo enquanto profissional.

Acredita-se que o estudo contribui para a dimensão social do locus

específico da pesquisa, à medida em que os indivíduos passaram a se interessar

pelo tema, pois houve a demonstração de que as pessoas não tinham conhecimento

suficientes em relação ao fenômeno o que, provavelmente, poderia facilitar a

instalação e o desenvolvimento de Burnout.

O estudo, bem como os resultados, apontam para a necessidade de ampliar

as pesquisas entre professores, no sentido de propor-se ações conjuntas e

individuais, que evidenciem a informação e a prevenção do Burnout, através de

alternativas para possíveis modificações no âmbito da escola, no ambiente de

trabalho, manejando o tempo de maneira eficaz, reestruturando as tarefas,

enfrentamento de problemas, promovendo comportamentos assertivos, cooperativos

e saudáveis entre os profissionais da escola e também de forma mais ampla, nos

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sistemas sociofamiliares e organizacionais, através de programas de prevenção,

intervenção e gestão participativa.

Se a educação é prioridade política e social, infere-se que há urgente

necessidade de se resgatar a identidade dos professores, os seus papéis históricos,

os seus valores humanos, de ressignificar o trabalho na vida dos professores, dada

a importância que possuem, como agentes críticos, de influenciar àqueles que

podem decidir o futuro da Nação e assim fazer avançar a educação brasileira.

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AGRADECIMENTO De maneira especial agradeço ao Professor Cloves Antonio Amissis Amorim, Psicólogo, Professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Doutorando da Universidade Complutense de Madrid, Espanha, Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Estresse e Burnout da Universidade Estadual de Maringá (PR) – GEPEB, co-autor do livro Burnout: quando o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador, que muito gentilmente compartilhou conosco seus conhecimentos, orientando a leitura dos instrumentos de pesquisa e contribuíndo fundamentalmente para a conclusão deste estudo.