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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

OUTRAS VIAGENS A PARTIR DO DIÁRIO DE COLOMBO (1492-1493) E DA CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA (1500):

Resgatando a história pela literatura

Telcy Terezinha Scherer

Gilmei Francisco Fleck .

Resumo:

A Carta de Pero Vaz de Caminha (1500), assim como o Diário de bordo de Cristóvão Colombo, (1492), relatam sobre os costumes, a exuberância da natureza e sobre o nativo americano, trazendo á tona à experiência do encontro entre europeus e os homens das terras encontradas. Tais experiências eram descritas pelos exploradores e enviadas á Europa para conhecimento dos reis. Esses, de posse dos escritos tinham a incumbência de divulgá-los aos futuros exploradores que sonhavam em aventurar-se em busca de riquezas nessas novas terras. O objetivo deste trabalho é fazer uma leitura de partes desses textos fundadores da literatura latino-americana, em comparação com a narrativa do filme “1492 – A conquista do Paraíso’’, dirigida por Ridley Scott, e fragmentos de romances latino-americanos contemporâneos”. Nesse processo procuramos analisar as imagens primeiras contidas nos escritos de Colombo e de Pero Vaz de Caminha para, então, confrontá-las com aqueles presentes no filme de Scott para destacar as expectativas, frustrações e disputas de poder sofridas pela tripulação no percurso da viagem que culminou com o descobrimento da América. A partir dessas leituras primeiras, buscamos contrapor o discurso desses textos com seu reaproveitamento, pela paródia e a intertextualidade, em trechos de obras contemporâneas como Terra Papagalis (2000), de José Roberto Torero e O Outono do Patriarca (1975), de Gabriel García Márquez. Desse modo, partimos da gênese da literatura latino-americana para evidenciar como a ficção contemporânea relê esses textos. Assim, promovemos, ao mesmo tempo, a história da Gênese literária na América e resgatamos a história, sob outras perspectivas, pelo prazer da leitura da literatura. PALAVRAS CHAVE: História e literatura, gênese literária na América, romance latino-americano contemporâneo; García Márquez; José Roberto Torero, Ridley Scott.

Professora de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira, graduada em Letras pela Faculdade de Ciências e letras/FECIVEL/Cascavel, com especialização em Teoria e Prática da Língua Portuguesa, atuante no Colégio Estadual Eleodoro Ébano Pereira/Cascavel - PR, no Ensino Fundamental e Médio, inserida no Programa de Desenvolvimento Educacional PDE (2009-2011). Orientador PDE. Professor Adjunto da UNIOESTE/Cascavel na Graduação e Pós-graduação nas áreas de Literatura e Cultura Hispânicas. Doutor em Letras pela UNESP/Assis. Vice-Líder do grupo de pesquisa: “Confluências da Ficção, História e Memória na Literatura”. Coordenador do PELCA – Programa de Ensino de Literatura e Cultura.

1 Introdução

De acordo com Fleck (2008a, p. 139-140) “os grandes problemas da história

sempre encontraram na literatura um lugar de convalescença onde foi tratado e

retratados em seus mais profundos e significativos aspectos”, buscando, assim, se

não as soluções diretas, ideais e possíveis, ao menos um espaço onde pudessem

ser expostas, refletidas e elaboradas. Ainda que muitas vezes elas se

apresentassem de forma utópica ou incompreensível no momento, o ser humano, no

espaço da representação, sempre pôde se sentir atuante, um agente ativo diante

das diversidades, valendo-se da criatividade para buscar soluções. Assim:

[...] na época das grandes epopéias, das histórias extraordinárias, dos monstros, magos e gigantes, dos heróis com poderes infinitos, homens semideuses, lutando para defender seu povo, seu reino e sua amada, imaginação e veracidade coexistiam num mesmo relato, dando-lhe justamente por isso, mais vida e despertando no receptor, ouvinte ou leitor, grandes paixões. Muitas vezes essas narrativas passaram a ser consideradas a própria história de um povo, cabendo ao receptor discernir entre o verídico e o imaginário, o impossível e o plausível. Era esse o tempo em que à história e a literatura compartilhava, no lirismo dos grandes poemas, no compasso e no ritmo de seus versos, na arte e no domínio do uso da linguagem, um espaço comum, único. (FLECK, p. 138-139).

Um dos momentos cruciais na vida do homem foi, sem dúvida, a passagem, o

período de transição entre a Era Medieval e a Idade Moderna. Esta foi marcada não

só pelo número de descobertas, inovações e transformações, mas também por ser

um período mais importante de se rever à estrutura da sociedade e dos próprios

homens que nela viviam. As grandes mudanças nos hábitos costumes e usos

acabaram também fazendo com que o homem buscasse na literatura um herói que

representasse esta nova maneira de viver e ver o mundo. Isso fez com que

determinados gêneros deixassem de ser altamente representativos e, num

constante processo de renovação, que muitas vezes, adiantam-se ao próprio

homem, novos gêneros fossem, aos poucos, surgindo ao longo dos tempos.

Quando consagrados modelos literários passam a ser substituídos por outros,

como foi o caso das epopéias, estamos diante de um dos sinais mais visíveis e

significativos de profundas e intrigantes mudanças do homem no modo de conceber

a sua existência e a sua relação com os demais. Quando o coletivo passa a ser

substituído pelo individual, como se deu com o herói da epopéia para o do romance,

e o ideal pelo mais real e palpável, o homem demonstra uma atitude de

questionamento de valores que conduz, inevitavelmente, a mudanças na própria

estrutura na quais estes se desenvolveram, ocasionando, quase sempre, uma

alteração, inversão ou funções do homem e de suas entidades.

No século XIX, pelo menos antes do advento da “história científica” do alemão

Leopoldo Ranke, a literatura e a história eram consideradas como ramos da mesma

árvore do saber, uma árvore de saber que buscava “interpretar a experiência com o

objetivo de orientar e elevar o homem” (NYE, 1966, p. 123). Então veio a separação

que resultou nas atuais disciplinas distintas, a literatura e os estudos históricos,

apesar do romance realista e o historicismo terem em comuns muitas convicções

semelhantes em relação à possibilidade de escrever factualmente sobre a realidade

observável (WHITE, 1996, p. 25).

Se considerarmos as atuais relações entre literatura e história a partir das

concepções de uma série de teóricos como Hayden White (1993-1995), Fernández

Prieto (2003), García Gual (2002) e Linda Hutcheon (1991), entre outros, veremos

que na contemporaneidade, história e literatura.

[...] obtêm suas forças a partir da verossimilhança, mais do que a partir de qualquer verdade objetiva; as duas são identificadas como construtos lingüísticos, altamente convencionalizados em suas formas narrativas, e nada transparentes em termos de linguagem ou de estruturas e parecem ser igualmente intertextuais, desenvolvendo os textos do passado com sua própria textualidade complexa. (HUTCHEON, 1991, p. 141).

Assim como essas recentes teorias sobre história e ficção, que apontam para

ambas como produtos de linguagem, discursos construídos, também o romance

histórico – um gênero ficcional híbrido de história e imaginação surgido no

Romantismo europeu – pede-nos que lembremos de que a própria história e a

própria ficção são termos históricos e suas definições e suas inter-relações são

determinadas historicamente e variam ao longo do tempo.

Para Aristóteles (1982, 1.451a-b), o historiador só poderia falar a respeito

daquilo que aconteceu, a respeito de pormenores do passado; por outro lado, o

poeta poderia referir-se ao que poderia ter acontecido e, assim, poderia lidar mais

com os elementos universais. Livre da sucessão linear da escrita da história, a trama

do poeta poderia ter diferentes unidades. Isso não significava dizer que os

acontecimentos e os personagens históricos não poderiam aparecer na tragédia;

nada impede que alguns dos fatos que realmente aconteceram pertençam ao tipo

das que poderiam ou teriam possibilidade de acontecer. Considera-se que a escrita

da história não tinha nenhuma dessas limitações convencionais de probabilidade ou

possibilidade inerentes à imaginação ficcional. No entanto, desde então muitos

historiadores utilizaram as técnicas da representação ficcional para criar versões

imaginárias de seus mundos históricos e reais, promovendo, também, essa

confluência de discursos.

O romance pós-moderno fez o mesmo, e também o inverso. Ele faz parte da

postura pós-modernista, conforme defende Hutcheon (1991), de confrontar os

paradoxos da representação fictício-histórica, do particular/geral e do

presente/passado. E por si só, essa confrontação é contraditória, pois se recusa a

recuperar ou desintegrar qualquer um dos lados da dicotomia e, mesmo assim, está

mais do que disposta a explorar os dois.

1.1 Confluências da história da ficção na narrativa contemporânea

Embora possam parecer opostas, a ficção e a história vêm realizando, ao

longo do tempo, uma trajetória comum. E ainda que Aristóteles tenha fixado que

cabe ao historiador tratar daquilo que realmente aconteceu e ao literato daquilo que

poderia ter acontecido, ficando o primeiro circunscrito à verdade e o segundo a

verossimilhança, foi apenas na metade do século XIX que a separação parece ter

ocorrido de fato e, mesmo assim, tal divórcio nem sempre foi muito claro, nem de

longa duração.

Naturalmente, a história e a ficção sempre foram conhecidas como gêneros

permeáveis. Em varias ocasiões, as duas se viram incluídas em clássicas fronteiras

como nos relatos de viagem e diversas versões daquilo que hoje chamamos de

sociologia (VEIYNE, 1971, p. 30) ou, ainda, nos vários gêneros híbridos da

contemporaneidade: biografias, autobiografias, romances históricos, diários,

memórias, etc.

O esquema básico do romance histórico, criado por Scott em Ivanhoe (1819)

– modelo que acabou por se impor como um novo paradigma para a escrita de

romances – obedecia dois princípios básicos, de acordo com Márquez Rodríguez

(1991): O primeiro deles é que a ação relatada ocorre num passado anterior ao

presente do escritor, tendo como pano de fundo um ambiente histórico

rigorosamente construído, onde figuras históricas ajudam a fixar a época. Sobre este

pano de fundo, situa-se uma trama fictícia com personagens e fatos inventados pelo

autor. Uma importante preocupação do romance histórico, ainda de acordo com

Márquez Rodríguez (1991), era conseguir um equilíbrio entre a fantasia e a

realidade, onde os jogos inventivos do escritor, aplicados a dados históricos

produzissem composições que oferecessem aos leitores, ao mesmo tempo a ilusão

de realismo e a oportunidade de escapar de uma realidade não satisfatória.

Os estudos realizados na área do romance histórico Hispano-americano deram

origem ao termo “novo romance histórico latino-americano” – registrado por

Fernando Aínsa (1988; 1991) e Seymour Menton (1993) e, mais recentemente,

também por García Gual (2002) e Fernández Prieto (2003). Muitos deles podem

também ser considerados romances históricos meta ficcional, de acordo com a

nomenclatura de Linda Hutcheon (1991).

O professor André Trouche (2006, p. 41-44), ao analisar o sentido operacional

e mesmo ficcional desses conceitos em relação aos romances históricos mais

recentemente produzidos na América, propôs também o termo “narrativo de

extração histórica”. Este, segundo o autor, serve para designar o conjunto das obras

de ficção do universo literário hispano-americano e sua “atitude escritural comum de

transferir à ficção o resgate e o questionamento da experiência histórica”

(TROUCHE, 2006, p. 44). Justifica a necessidade dessa nova nomenclatura ao

afirmar a necessidade de se “estabelecer um paradigma abrangente que dê conta

desta linha de força, abrigando o conjunto de narrativas que se constroem e se

nutrem da matéria histórica, expressando uma mesma atitude escritural”. Tal termo,

de acordo com a linha de pensamento de André Trouche (2006, p. 44), pode ser

entendido como “o conjunto de narrativas que encetam o diálogo com a história,

como forma de produção de saber e como intervenção transgressora”. As diferentes

nomenclaturas, propostas pelos diferentes estudiosos, compartem a idéia central de

que, na atualidade, o texto híbrido no qual se constitui o romance histórico, busca

não apenas recriar o passado, porém problematizá-lo e, por este meio, dar-lhe um

novo sentido no presente.

Dentre as temáticas mais exploradas na ficção hispano-americana destaca-

se, de acordo com Fleck (2008b), a poética do descobrimento. Segundo o

pesquisador, na Europa, essa temática já apresenta manifestações desde o século

XVI. Na contemporaneidade, contudo, a literatura hispano-americana apresenta uma

vasta produção romanesca que busca reler o passado que uniu autóctones

americanos e europeus, uma experiência registrada, desde o seu primeiro instante,

pela visão do conquistador. Dentre essa produção, há manifestações de romance

histórico em todas as modalidades, desde as produções românticas até as

metaficções historiográficas atuais. Essas produções buscam, entre outros aspectos,

conforme salienta Fleck (2008b, p. 144), na Revista de Literatura, História e Memória

– Narrativas de Extração Histórica,

[...] discutir questões referentes às manifestações ideológicas presentes nas escrituras do passado comum aos diferentes povos do continente americano que por meio da arte literária, buscam refletir sobre este passado a fim de, entre outros propósitos, buscar raízes de suas identidades e compreender o estabelecimento de grandes diferenças na terra descobertas e colonizadas pelos europeus. Destacam-se, ao longo dessas narrativas, os procedimentos e estratégias empregadas pelos romancistas. Esses recursos buscam inverter o foco da visão do descobrimento da América, registrada pelos colonizadores unicamente, a fim de dar voz aos povos colonizados, evidenciando, assim, outras perspectivas desse fato histórico. Surgem então, as novas imagens americanas de Cristóvão Colombo.

Ao voltarmos nosso projeto de leitura para os educando do Ensino Médio,

pensamos em oportunizar-lhes um momento de reflexão dentro do contexto acima

mencionado, ou seja, no processo de leitura crítica que a literatura faz dos registros

do passado, mencionado pelo professor. Ao propormos uma leitura comparada para

relacionar o passado histórico com as releituras ficcionais, elegemos como textos

básicos trechos do Diário de Colombo (1492-1493) e da Carta de Pero Vaz de

Caminha (1500) – como referenciais históricos – e fragmentos dos romances O

outono do Patriarca (1975), de Gabriel García Márquez e Terra Papagalli (1997) de

José Roberto Torero e de Marcus Aurelius Pimenta como releituras ficcionais dos

fatos narrados nos textos de Colombo e Pero Vaz de Caminha. Para ampliar o

campo de leitura, propomos, ainda, uma comparação do Diário de Colombo com

algumas cenas do filme “1492 - A conquista do paraíso”, de Ridley Scott.

Nessas leituras, e nas atividades delas decorrentes, focamo-nos no fato de

que a literatura, como produção cultural humana, está intrinsecamente ligada à vida

social. O entendimento do que seja o produto literário está sujeito a modificações

históricas, portanto, não pode ser apreensível somente na sua constituição, mas nas

relações dialógicas com outros textos e sua articulação com outros campos: o

contexto de produção, a crítica, a linguagem, a cultura, a história, a economia, entre

outros; ou seja, uma dimensão comparatista.

Nas práticas normais de leitura na escola textos dessa natureza nem sempre

são trazidos à sala de aula de literatura ou de história. Sendo assim, os fatos

históricos passam despercebidos e pouco atrativos para os estudantes, um pouco

deste desinteresse também se dá devido à falta de compreensão e à metodologia

aplicada de uma forma superficial sem aprofundamento e sem criatividade. Por isso

a proposta de leitura por nós planejada veio de encontro a tais necessidades,

tentando resgatar a história pela ficção com abordagens que, possivelmente, vieram

a despertar a curiosidade sobre fatos do passado histórico que recebem, no

presente, novas perspectivas, que podem ser relevantes para a sociedade brasileira.

Soares (1999, p. 25) distingue dois tipos de escolarização do texto literário:

uma adequada, a qual conduz eficazmente às práticas de leitura presentes no

contexto social; e outra inadequada, como a que ocorre frequentemente em sala de

aula, provocando a resistência e a aversão dos alunos aos livros, além de se

apresentar distantes das práticas sociais de leitura. Nessa escolarização

inadequada, observa-se a ausência de uma proposta de ensino interdisciplinar, fator

que contribui para o estudo do texto literário como elemento isolado das demais

disciplinas, pois o aluno não percebe a integração entre a Literatura e as demais

áreas do conhecimento. Esse e outros questionamentos somam-se aos desafios de

se democratizar a leitura num país repleto de desigualdades e injustiças sociais que

marcam um abismo intransponível entre os leitores e os não leitores, compondo,

assim, o incentivo à leitura também outros fatores que podem garantir uma

significativa melhora na própria instância educacional.

Levar o aluno do Ensino Médio a enfrentar-se com as leituras da história pela

ficção é oportunizar-lhe o contato com textos contemporâneos nos quais prevalece o

uso de estratégias de desconstrução de discursos hegemônicos sobre o passado.

Tais escritas dão-se, geralmente, pelo emprego de estratégias como a paródia, a

carnavalização, a polifonia, a dialogia, a intertextualidade e a meta ficção, entre

outros. Portanto, o professor precisa instrumentalizar-se de uma forma mínima com

leituras sobre o gênero romance histórico – George Lukács (1977); Márquez

Rodríguez (1995); Seymour Menton (1993); Fernández Prieto (2003); Linda

Hutcheon (1991); Fleck (2007), Esteves (2010), entre outros –, sobre os conceitos

bakhtinianos mais recorrentes nos romances contemporâneos – A cultura popular na

Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais (1987); Estética

da criação verbal (1992); Questões de literatura e de estética (a teoria do romance)

(1990), entre outras obras de Bakhtin, além de Barros e Fiorin (1999) que discutem

tais conceitos –, sobre as atuais relações entre a literatura e a história com destaque

para Peter Burke (Org.). A escrita da história: novas perspectivas (1992); Jacques

Leenhardt e Sandra J. Pesavento. (Orgs.). Discurso Histórico e Narrativo Literário

(1998); André Trouche com América: história e ficção (2006), assim como vários

outros.

No caso específico do recorte feito neste projeto, que se voltou às releituras

do descobrimento da América e do Brasil pela ficção, cabe destacar a dissertação

de mestrado Imagens metaficcionais de Cristóvão Colombo: uma poética da

hipertextualidade (2005), do professor G. Francisco Fleck, as teses de doutorado da

professora Heloisa Costa Milton, As histórias da história: retratos literários de

Cristóvão Colombo (1992) e a do professor G. Francisco Fleck, O romance, leituras

da história: a saga de Cristóvão Colombo em terras americanas (2008), além de

uma série de artigos publicados por ambos os pesquisadores sobre os romances

históricos que se volta para as reescritas das aventuras de Colombo pelo romance

histórico, muitos deles disponíveis na internet. Com relação à Carta de Pero Vaz de

Caminha (1500), vale destacar os artigos “Discursos da conquista da América: a

negação da alteridade” de Toni Juliano Bandeira e G. Francisco Fleck (2009a) e, em

termos de estudos comparados, ressaltamos, dentro desta temática do

descobrimento da América, o artigo “A descoberta da América: choques culturais –

uma confluência na Literatura, História e Cinema”, também de Toni Juliano Bandeira

e G. Francisco Fleck (2009) como subsídios, primeiramente ao professor e, uma vez

iniciados no processo de leitura do romance histórico, também para os alunos do

Ensino Médio, com o devido acompanhamento e orientação do professor.

Essas leituras, agregadas ao artigo de João Cezar C. Rocha (2003), “Nenhum

Brasil Existe - Pequena Enciclopédia”, e ainda a Visão do Paraíso (2002), de Sérgio

Buarque de Holanda, podem auxiliar o professor a preparar-se para abordar textos

híbridos de leitura e ficção na sala de aula. Ancorados ainda pelas teorias da

literatura comparada – em partes tratadas por Sandra Nitrini (2000), em Literatura

comparada: teoria e crítica; Tânia Franco Carvalhal (1999), em Literatura

Comparada, e outros estudiosos brasileiros – os professores podem propiciar uma

nova dimensão para a leitura do texto literária nas escolas brasileiras, já no Ensino

Médio, abrindo-se, assim, possibilidades para leituras mais abrangentes ao longo da

vida do estudante.

1.2 Entre história e ficção: outras perspectivas do passado

É preciso que a escola amplie seu leque de atividades, visando à leitura de

literatura como atividade lúdica de construção e reconstrução de sentidos. O aluno-

leitor deve sentir-se motivado a ler o texto, independentemente da imposição das

tarefas escolares. Nesse sentido, as leituras da história pela ficção são textos

literários contemporâneos altamente significativos, tanto em seu sentido inovador

das técnicas e estruturas narrativas, bem como pelo papel atribuído à literatura

como leitora do passado a fim de dar-lhes novas possibilidades de interpretação na

atualidade.

Ao propormos a leitura dos textos clássicos, fundadores da literatura latino-

americana e brasileira – O Diário de Colombo (1492-1493) e a Carta de Pero Vaz de

Caminha (1500) – para, em seguida, apresentar aos alunos exemplos de releituras

desses textos pela ficção contemporânea – um fragmento significativo do romance O

Outono do Patriarca (1975), de Gabriel García Márquez e trechos selecionados do

romance Terra Papagalli (2000), do brasileiro José Roberto Torero e Marcus

Aurelius Pimenta – buscamos proporcionar aos educandos do Ensino Médio uma

experiência de leitura, não só crítica, mas também inovadora.

A primeira leitura feita foi sobre o Diário de Colombo; e evidenciou que

nenhum período da história européia é tão importante para nós, quanto o período

das grandes navegações. Os empreendimentos de espanhóis e portugueses em

busca de uma rota às Índias acabaram por fazer-nos figurar na historia ocidental. Os

marinheiros afoitos pelas novas possibilidades que suas aventuras revelavam,

costumavam registrar façanhas pela escrita, já que estavam conscientes do seu

papel histórico. Assim surgem os registros dos primeiros encontros entre os

europeus e os autóctones americanos. Os registros mais significativos desse fato

são os Diários de bordo (1492-1493), redigido por Colombo, e a Carta (1500), de

Pero Vaz de Caminha. No primeiro encontram-se, dia a dia, as anotações do

marinheiro que, sob os desígnios dos Reis Católicos Fernando e Isabel da Espanha,

chegaram à Ilha de Guanahaní, em 12 de Outubro de 1942, pensando terem

atingido a região de Cipango e Catay (Japão e China).

O Diário de Colombo, escrito para dar conta de suas ações exploratórias aos

reis Católicos, foi entregue a rainha Isabel, em 1943, quando parte da frota de

Colombo consegue regressar a Espanha, sendo copiado e espalhado pelos reinos

europeus a fim de dar conta da rota encontrada e garantir à Espanha a supremacia

dessa possibilidade. O original acabou perdendo-se nas muitas mudanças da corte

espanhola itinerante nessa época, conforme comentam Bandeira e Fleck (2009b p.

279-286).

O texto de Colombo, por sua vez, torna-se novamente importantes anos

depois da aventura do marinheiro, quando frei Bartolomé de las casas em seu

intento de proteger os autóctones americanos das ações exploratórias dos europeus

reedita o Diário, a partir de uma das copias que encontra em muito mal estado de

conservação. Las Casas, então, reescreve o Diário, no qual

[...] coexistem as palavras e expressões literais de Colombo, em primeira pessoa e devidamente assinaladas pos aspas; a mediação lingüística que realiza Lãs Casas ao transcrever, em terceira pessoa as colocações originais; alem dos comentários, explicações e reflexões pessoais inserem o próprio compilador sobre informações que maneja. (MILTON, 1992, p. 173).

Diante dessa nova estrutura que o texto que hoje conhecemos apresenta, os

limites entre verdade e ficção ficam bastante difusos. Com relação às escritas de

Caminha, sua Carta foi publicada apenas em 1817, por conseguinte há de se refletir,

também a respeito de que tal documento pode ter sido modificado em seu conteúdo

original de acordo com os interesses do reino português ao longo do tempo.

Em relação ao conteúdo do Diário, na análise que dele faz Todorov (1983, p.

47-48), observa-se que Cristóvão Colombo, em 12 de Outubro de 1942, “descobriu a

América, mas não os americanos”. Toda a história das façanhas de Colombo e

daqueles que o sucederam na conquista da América é, de acordo com as análises

de Fleck e Bandeira (2009b, p. 279-286), marcada pela ambiguidade: a alteridade

humana é simultaneamente revelada e recusada. Colombo não percebe o outro e

lhe impõe seus próprios valores, conforme se depreende também na leitura da Carta

de Pero Vaz de Caminha. Os nativos por sua vez, levados por antigas crenças e

lendas não conseguem configurar de modo adequado os europeus que as suas

terras chegaram, confundindo-os com divindades integrantes de sua cultura de base

oral.

Na sequência, a importante “Carta do Achamento do Brasil” , que foi escrita

por Pero Vaz de Caminha, em Porto Seguro, entre 26 de abril e dois de maio de

1500. A história conta que o escrivão só interrompeu o trabalho no dia 29, quando

ajudou o capitão-mor a reorganizar os materiais ou suprimentos da frota. Enquanto

isso, o restante da armada seguiu para a Índia, e o navio de Gaspar de Lemos foi

despachado por Cabral para Lisboa, ao fim da estadia no Brasil, em dois de maio.

Por meio dele, a carta chegou ao seu destinatário. Primeiramente passou pelas

mãos de dom Manuel I, que a seguir passou à secretaria de Estado como

documento secreto, pois se queria evitar que chegasse aos espanhóis a noticia do

descobrimento. Depois de alguns anos, o documento foi enviado para o arquivo

nacional, localizado na Torre do Tombo do castelo de Lisboa. No arquivo, o

manuscrito de Caminha – que somava 27 páginas de papel – repousou, esquecido,

durante os séculos seguintes (ROCHA, 2003, p. 123-131).

A grande riqueza de detalhes e as impressões do autor sobre aquilo que via

dão ao relato vida e uma grande dimensão humana, Caminha acompanha não

somente as ações dos índios e europeus, mas também as reações e atitudes que

cada grupo tem em relação ao outro, chegando a perceber as emoções que o

contato desperta em ambos. A carta apresenta também um duplo valor histórico. Por

um lado, tem a importância de ser o registro documental do descobrimento ou da

entrada do Brasil na história universal, constituindo uma espécie de certidão de

nascimento do nosso país. A Carta de Caminha é sem dúvida um referencial da

história do Brasil, embora na literatura contemporânea, muito se tem questionado

sobre as verdadeiras intenções dos dominantes.

Nesse campo das releituras da história pela ficção, outra contribuição valiosa

foi à obra O outono do patriarca (1975), de Gabriel García Márquez. Ao recontar a

história do “descobrimento” da América em um curto fragmento do romance, dá-se a

voz a muitos nativos que buscam cada um ao mesmo tempo, contarem ao

personagem principal do romance a sua visão do que lhes passou na praia ao

deparar-se com um grupo de “latino-parlantes”. Assim toda a cena do encontro entre

europeus e nativos americanos é narrada desde o ponto de vista dos autóctones,

num texto no qual predomina a intertextualidade, a paródia; um texto no qual se

ressalta a polifonia e a dialogia, além do discurso irônico e debochado do narrador.

Com tal fragmento de romance proporciona-se uma riqueza de leitura aos

educandos que podem, assim, comparar as diferentes visões e discursos de

conquistadores e conquistados e, com certeza, repensar a construção das

“verdades” históricas.

Outra visão de nossa história é, também, apresentada pela ficção

contemporânea na obra Terra papagalli (1997), de José Roberto Torero e Marcus

Aurelius Pimenta. A leitura de Terra papagalli e a apreensão das ironias que

perpassam a obra estão condicionadas, entre outras coisas, à percepção que o leitor

tem de dois momentos: o que antecede às comemorações dos 500 anos de

descobrimento e o que é posterior a tais festejos.

A primeira edição de Terra papagalli, publicada em 1997, antecedeu muitas

das discussões a respeito dos quinhentos anos do descobrimento do Brasil e do

início do processo de colonização. Os diálogos irônicos, estabelecidos entre essa

ficção e dados de nosso passado histórico, podem ser apreendidos nesse contexto

de publicação. Estão presentes, em suspensão, quando da leitura de Terra

papagalli, clichês a respeito do perfil intelectual e moral de nossos colonizadores,

reflexões acerca das características absolutamente exploratórias de nossa

colonização, desejos inconfessos de termos sido colonizados por outro povo

europeu. Outro item a salientar é que, propositalmente, os personagens desta

história que se destacam são os secundários, enfatizando a submissão que os

colonizadores impunham aos colonizados.

Terra papagalli (1997) pressupõe a compreensão da enunciação, e não

somente do enunciado. A relação entre a ficção em si e tudo ao que ela remete –

seja a História, seja a situação do Brasil na atualidade, sejam os estereótipos que

compõem o imaginário da nação – é imprescindível para a apreensão das ironias

que compõem a obra. O leitor que estabelece tais relações é capaz de notar que,

mais do que o passado ou o presente, o que é atingido pelas arestas da ironia é

entretempo no qual nos formamos como nação. (HUTCHEON. 2000, p.142).

Sobre as leituras eleitas, percebe-se que tanto no Diário de Colombo quanto

na Carta de Caminha, vemos que prevalece nesses a visão dos primeiros

exploradores da nova terra, já que detinham a “verdade” calcada tão somente por

interesses da corte. Mas sabe-se que são possíveis outras leituras desse passado

sem que estejam atreladas às perspectivas dos dominadores e sim a dos

dominados, como expõem muito bem os fragmentos de ficção que selecionamos.

Partindo-se do principio que documentos também podem e devem ser revistos e

questionados, a fim de que vejamos o passado sob uma nova ótica, para que

possamos, assim, ver as duas situações – de colonizadores e colonizados –

equilibradamente, procedemos à abordagem aos textos eleitos para nossas ações

junto aos educandos em sala de aula.

Graças a essas leituras da ficção, partindo-se de um fato histórico, que é

possível colocar algumas reticências, deixando de acreditar em tudo que os

documentos evidenciam, e até questionando sobre algumas “verdades” tidas como

absolutas. É uma maneira sutil de fazer com que o discente desperte para o

conhecimento de sua história e que se motive para, por meio da pesquisa, buscar

sua verdadeira origem para assim valorizá-la e contribuir para cultura de seu país.

Também a obra O outono do patriarca cabe muito bem neste momento da

história. E comparativos não lhe faltam em relação ao comportamento de pessoas

que atuam no cenário político brasileiro. A perpetuação do poder tão mencionado

durante a história, e que tanto faz parte do quotidiano dos parlamentares é um

exemplo que isso já é histórico. Já vem do inicio da colonização quando os

exploradores por aqui aportaram sentiram os dominadores da terra, somente eles é

que herdariam as benesses. E por conseqüência os dominados tanto quanto na obra

precisariam submeter-se aos caprichos de tal. Esta contribuição muito nos faz refletir

sobre a atual situação vivida pela sociedade brasileira. E levar esta reflexão para o

alunado é ajudá-lo a rever tanto os fatos históricos como o momento atual e

aprender com isso. Trazemos conosco estas seqüelas, mas é preciso começar a

mudar este contexto. Estes fatos tão deprimentes que envergonham os anais de

nossa história que nem sempre são verossímeis, mas que insistem em incutir na

população fazendo-os crer que continuemos dependentes, submissos a mercê de

um patriarca ultrapassado e desmoralizado como no exemplo do personagem. Mas

que continua assombrar e manter-se no poder mesmo no anonimato.

Quanto à obra Terra papagalli é uma excelente oportunidade de exercermos a

herança deixada pelos aventureiros que aqui aportaram. Deixou-nos como relíquia o

astuto Jeitinho brasileiro. Na obra isto fica bem evidente como eram tratados e como

eram vistos na visão dos colonizadores. A obra centralizada num personagem

secundário sem muita importância justamente para evidenciar a submissão à

desvalorização daqueles que não pertenciam à mesma classe social. Neste

personagem pode-se comparar com os mandos e desmandos que compõe o cenário

político brasileiro, as mazelas existentes, e a busca tão somente pelos interesses

pessoais.

Enfim, esta obra é um belo presente para uma discussão sobre a verdadeira

identidade nacional. As vantagens e desvantagens de seguirmos os 10

mandamentos para se viver bem na terra dos papagaios. Astúcia ou criatividade?

Submissão ou irreverência? Eis um dilema! Mas é preciso dar os primeiros passos

para avançarmos em busca de um melhor espaço e valorização dentro do cenário

cultural universal.

1.3 Implementação do projeto.

No advento da implementação do projeto foi possível fazer algumas reflexões

acerca de como a história brasileira vem sendo tratada pela visão principalmente

dos estudantes na faixa que compreende o Ensino Médio que foi o objeto de estudo.

Sabe-se que na cultura brasileira a palavra história ainda parece distante,

principalmente em se tratando da nossa história. A curiosidade para conhecer as

origens, os costumes, o folclore se limitam ao acesso de livros didáticos das escolas

que ainda são poucas que disponibilizam este material. Se já é difícil ao acesso das

bibliotecas, imaginem a pesquisa, poucos são os interessados. Isso ficou evidente

nos primeiros momentos da implementação do projeto. Quando foram questionados

sobre os grandes heróis tanto brasileiros como da cultura universal.

Quando se sita os nomes de ilustres personalidades que tanto contribuíram

como herança, poucos são lembrados pelo seu real valor, a exemplo do grande

Mártir da Inconfidência Mineira, Joaquim da silva Xavier (Tiradentes), e tantos

outros.

A falta de interesse sobre a nossa real história parece ultrapassar os tempos.

Em se tratando da cultura brasileira a história não tem memória. E alguns estudos

que serviriam de parâmetros para uns aprofundamentos e que poderiam atiçar a

curiosidade para o conhecimento das verdadeiras origens, de como se iniciou a

história, parece não tem espaço no cenário estudantil.

Se há controvérsias, mitos e enganos? Pouco se questiona e irrelevante para

uma população acostumada a engolir e digerir quase tudo que se ouve e que se diz

sobre os fatos históricos que compõe a história e dizem respeito ao seu país. Um

exemplo é a história do descobrimento do Brasil. Quem foi, de fato, Pedro Álvares

Cabral? Quem de fato descobriu o Brasil? Muito se discute sobre esta polêmica.

Mas um número limitado de pessoas questiona? A falta de interesse por parte dos

discentes da atualidade é um grande aliado para que a real história brasileira

continue nesta interpretação errônea e dúbia. Na medida em que o trabalho de

implementação do projeto estava sendo realizado, observou-se esta triste realidade.

A falta de interesse em conhecer um pouco mais da história de nosso país, da sua

origem, dos costumes, entre outros.

Na proporção em que os estudos aconteciam, as surpresas foram inevitáveis.

Questionar sobre quem de fato descobriu o Brasil foi um espanto só. Duvidariam

eles que haveria possibilidades dos documentos oficiais que circulam em nossa

literatura não serem verossímeis? Demonstrar que a história muitas vezes

apresentava a sua versão na visão pura e simplesmente a favor dos dominadores,

aqueles que primeiro experimentaram as emoções da nova descoberta. E como

seria a versão dos dominados? Aqueles que serviam de experimentos, de

submissão absoluta, de dependência monetária e psicológica, naquele momento da

história? Teriam eles a mesma visão? Veriam os dominadores com tal entusiasmo

se não houvesse interesses?

A experiência foi excitante Questionar algumas “verdades” históricas suscitou

curiosidades e levou-os para uma agradável e reflexiva viagem ao passado. Alguns

fatos que ainda eram desconhecidos por eles passaram a despertá-los para uma

nova realidade.

A leitura da Carta de Pero Vaz de Caminha na sua versão original, lida

compassada mente com comentários e explicações sobre seu real conteúdo, já foi o

suficiente para surgiram algumas perguntas suscitando questionamentos. A

estratégia de primeiro contar sobre a história do descobrimento do Brasil e falar

sobre os feitos dos grandes heróis que compuseram tanto a história da humanidade

quanto a história brasileira e, a seguir, apresentar a Carta escrita por Caminha,

descrevendo as belezas da natureza, os costumes do seu povo, as riquezas

existentes que tanto atraíram os exploradores tornou bem mais fácil à compreensão.

Sem falar da proximidade criada entre a história dos anos de 1500 e a história

contemporânea. Os discentes puderam vislumbrar um novo conceito, uma nova

forma de ver a história, ou novas versões sobre o nosso passado.

Para que o conteúdo pudesse ser assimilado com sucesso e também como

motivação contamos com a colaboração de um recurso que muito atraem a clientela

estudantil na atualidade que é a modalidade de filmes. A produção escolhida vem de

encontro com a proposta. O filme 1492 “A Conquista do Paraíso” de Ridley Scott. A

obra retrata a descoberta da América, uma superprodução que aproxima ainda mais

a história da época com a atualidade. Por meio desse recurso cinematográfico o

estudante pôde acompanhar o sofrimento, as angústias vividas pelos tripulantes das

três caravelas (Pinta, Nina e Santa Maria), suas venturas, seus sonhos, suas

desilusões que lhe custaram muitas vezes a sua própria vida. Tudo em prol de um

Novo Mundo. Mundo esse no qual, vivemos e desfrutamos hoje as heranças

positivas e negativas desse passado histórico.

Quanto à obra O outono do patriarca (1975), essa teve uma grande

importância e levantou várias questões que envolvem a realidade política brasileira.

O personagem da obra lembra muitas situações do cotidiano de alguns

parlamentares, como perpetuação no poder, a ganância exacerbada, as promessas

em tempo de eleições, o comodismo entre outros.

E para finalizar a apresentação da obra Terra papagalli de Torero e Pimenta.

A experiência também foi interessante e inovadora. A obra vem acompanhada de

um gênero muito apreciado pelos discentes que é a paródia. Este gênero, além de

trazer muita descontração no ambiente da sala de aula, ao mesmo tempo internaliza

conhecimentos, ora considerados maçante e complexos, de uma forma alegre em

tom de brincadeiras saudáveis e porque não dizer, libertando-os do fardo histórico. E

assim motiva-los para que busquem conhecimentos ou fatos históricos, ora

adormecidos ao longo dos tempos.

Enfim a obra Terra papagalli foi muito bem vinda e muitos alunos se

interessaram para fazer um estudo mais aprofundado da obra. Além disso, foram

apresentados também os “Dez Mandamentos para se viver bem na Terra dos

Papagaios” e isso foi valioso, pois na medida em que foram interpretando e

compreendendo, descobriram a semelhança com o já conhecido e famoso “Jeitinho

Brasileiro”. Surgiram então as comparações inevitáveis e muito riso, pois lembravam

de cenas acontecidas no cotidiano da população brasileira.

Também houve algumas sugestões tais como: Que os brasileiros usassem

este talento que é a criatividade, este potencial nato em seu favor, nas boas ações

em beneficio da população. A alegria como símbolo de união de harmonia e assim

contribuírem com o progresso e, consequentemente, para o sucesso deste povo tão

sofrido, mas ao mesmo tempo tão divertido, alegre e hospitaleiro.

1.4 Algumas reflexões finais

“No Caminho tinha uma pedra, tinha uma pedra no meio do caminho”

(ANDRADE, 1962, p. 18), como já dizia o grande poeta da segunda fase do

modernismo. O desafio de um novo trabalho sempre nos trás expectativas e sempre

vem acompanhado de infindáveis mistérios ou medos. No obscuro deste labirinto é

que conhecemos as novas descobertas, o surpreender-se, o inovar, o incrementar.

Como melhor desfrutar de tantas novidades, conhecimento, aprendizado, tantas

experiências, tudo isto, é um imensurável prazer. Tão gratificante quanto concluir

este trabalho, também é saber que tudo isso é um novo começo, diferentes formas

de lidar com novos saberes até então bastante complexos. Ampliar conhecimentos

tanto de mundo como científicos. Além de inovar com novas abordagens

principalmente quanto ao texto literário para que o conhecimento possa ser

compreendido de uma forma mais acessível.

A experiência de poder retornar aos bancos escolares e se colocar no lugar

do aluno, sentir a pressão, as expectativas, os novos métodos, dinâmicas e saberes,

as novidades do universo acadêmico fizeram com que nós, professores, refletissem

sobre nossa prática de forma crítica. As reflexões sobre os problemas do universo

estudantil, sobre a vida profissional, as observações, os erros e acertos a

aprendizagem foram muito preciosos ao longo de todo o processo do PDE. Tudo

isso nos faz refletir ainda mais, sobre a responsabilidade que temos como educador.

Que este oficio exige muita disciplina, muita pesquisa, e também discernimento.

No decorrer deste processo que é a Educação Continuada, sabe-se que todo

o dia é um novo início. O cotidiano de uma sala de aula assemelha-se a um grande

jogo, um destes clássicos que nem de longe sabemos quem será o vencedor. Ao

chegar cheio de entusiasmo e abarrotado de conteúdos a expectativa é nobre é de

vencer sempre. Mas muitas vezes o que era para ser algo fantástico, esbarra num

dia de muitos imprevistos. Imprevistos estes que começam desde a falta de recursos

tecnológicos, a falta de estrutura física da escola, a falta de uma boa gestão

administrativa por parte da direção da escola culminando com o desinteresse dos

discentes que parecem desabar numa profunda desilusão pessoal ou mesmo de

vida. E, assim, muda-se o contexto, começa-se uma nova aula, improvisar, mudar o

clima da sala, enfim, fazer acontecer uma aula com qualidade.

O projeto elaborado é inovador e quando colocado em prática foi de grande

valia. Pois se notou uma mudança positiva. Em se tratando do conceito cultural que

a história representa para a população brasileira, não parece ser um grande atrativo.

Neste trabalho procurou-se enfatizar a importância em se valorizar a história, além

de ser um objeto interessante para se pesquisar, fazer questionamentos e ampliar

conhecimentos.

Em suma, a temática eleita para o projeto de intervenção pedagógica é muito

desafiadora, portanto não se esgotou nessas práticas efetivadas. Há, ainda, um

longo percurso a ser vencido, mas o primeiro passo já aconteceu. Nessa trajetória

há, portanto, muito que se estudar na modalidade de Ensino Médio, especialmente

em seu primeiro ano. Cremos ser o momento propicio para se plantar uma

pequenina semente que, e que germinará timidamente, assim como para a semente

germinar e dar frutos é preciso um tempo para produzir efeitos ou resultados

satisfatórios.

Levar à sala de aula textos híbridos de história para a ficção é proporcionar

uma irresistível viagem de volta ao passado de maneira irreverente e muito

agradável. As práticas efetuadas acrescentaram-nos tanto conhecimento científico

como conhecimento de mundo. Foi um aprendizado gratificante para todos os que

nele estiveram envolvidos. Ao descobrir que não há “verdades” absolutas, percebeu-

se, também que nada está pronto, tudo está inacabado e são nestas lacunas ou

vazios que se pode transformar sugerir, novas metodologias, novos conceitos para

aprimorar a qualidade de ensino que tanto carece a educação brasileira.

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