confluências entre cidadania e comunicação: desdobramentos do conceito e as

7/23/2019 Confluncias entre cidadania e comunicao: desdobramentos do conceito e as

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RAZN Y PALABRAPrimera Revista Electrnica en Iberoamrica Especializada en Comunicacin

www.razonypalabra.org.mx

INGENIERA EN COMUNICACIN SOCIALNmero 90 Junioagosto 2015

Confluncias entre cidadania e comunicao: desdobramentos do conceito e as

possibilidades de atuao poltica na mdia.

Lorena Rbia Pereira Caminhas (Brasil).1

Resumo.

No presente texto so expostas as diversas verses do conceito de cidadania, em umaretomada histrica de sua produo e consolidao. Em seguida, explora-se sua relaocom o contexto social da Amrica Latina, demonstrando o fortalecimento da prticacidad e, concomitantemente, os novos sentidos que ela passou a assumir.Posteriormente, so discutidas as confluncias entre comunicao e cidadania, apontado

para as possibilidades e os entraves da atuao dos cidados nos meios. Por fim,apresenta-se como exemplo de exerccio da cidadania no espao miditico o programatelevisivoAglomerado.

Palavras-chave.

Cidadania; Mdia; Amrica Latina.

Abstract.

In this paper are exposed the various versions of the concept of citizenship in a historicresumption of its production and consolidation. Then it explores its relationship with the

social context of Latin America, demonstrating the strengthening of citizen practice and,concurrently, the new directions it has assumed. Subsequently, it discusses theconfluences between communication and citizenship, pointed to the possibilities andobstacles of the actions of citizens in the media. Finally, it presents the television show

Aglomeradoas example of exercise of citizenship in the media space.

Keywords.

Citizenship; Media; Latin America.


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Introduo.

O presente texto procura promover uma discusso acerca do conceito de cidadania,

apontando-se suas principais transformaes e desafios. A noo, tal como delineada no

contexto da modernidade, assinalava as formas de solidariedade abstrata entre os

sujeitos e o Estado, aludindo aos direitos em trs nveis bsicos: civil, poltico e social.

Como ser discutido afrente, mltiplas transformaes socioculturais e de abordagem

terica colaboraram para revelar as incongruncias da cidadania moderna, pressionando

sua reformulao.

O desenvolvimento do conceito de cidadania, a partir das reformulaes de sua verso

moderna, a pontou para a necessidade de discutir os mbitos culturais e simblicos da

vida em sociedade. Desse modo, ser cidado extrapolou as barreiras da relao sujeito e

Estado, na qual o segundo deveria garantir os direitos do primeiro. A cidadania passou a

ser compreendida tambm como a atuao poltica da sociedade civil, que passaria a

criar suas prprias demandas pblicas a fim de transform-las em direitos.

A cidadania tambm discutida tendo em vista o contexto latino-americano, marcadoprincipalmente pela ascenso dos movimentos sociais. Nessa conjuntura, uma nova

cidadania despontou: baseada em uma poltica cultural, ela visa a transformaes das

ordens hierrquicas de valorao dos sujeitos, apontando para formas de sociabilidade

baseadas no respeito e no reconhecimento de grupos minoritrios. O cultural torna-se

alvo de crticas, visando a sua reforma para incorporar novos mundos polticos

possveis, mais inclusivos e diversificados.

A noo de cidadania passa a ser interpretada, em seguida, tendo em vista suas possveis

confluncias nas mdias, consideradas importantes espaos de visibilidade e de debate

para as demandas pblicas dos grupos minoritrios. A cidadania comunicativa

convocada para embasar a reflexo acerca da importncia da comunicao miditica

para a autonomizao dos sujeitos em sociedade e para garantir os direitos

expressividade e efetiva comunicabilidade. Alm disso, aponta-se no texto os principais

entraves para a inscrio das pautas dos movimentos sociais nos media, quais sejam:rotinas profissionais que levam adoo de enquadramentos homogeneizados sobre os


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assuntos tratados; a dificuldade de tematizao de determinadas reivindicaes em uma

linguagem pblica; a adoo de fontes oficiais como vozes privilegiadas; e a dificuldade

de influenciar nas agendas miditicas j estabelecidas.

Por fim, apresentado o exemplo do programa televisivoAglomeradoque, baseado em

uma concepo de atuao cidad similar a da nova cidadania latino -americana, exps

no espao pblico miditico as dificuldades para o estabelecimento de uma efetiva

cidadania para o morador de periferia. Apontando para a falta de auto representatividade

desses sujeitos, que vem acompanhada de representaes lineares sobre suas realidades,

o programa apresenta trs condies fundamentais para a transformao da condio de

subordinao do favelado: o respeito e o reconhecimento, o direito expresso de si e a

sada do gueto simblico.

As vrias verses da cidadania.

O desenvolvimento de uma noo de cidadania ensaiado no contexto do progresso das

cidades modernas, expresso das desigualdades pungentes percebidas nesse perodo.Adrin Lavalle (2003) aponta como principal caracterstica da poca na qual surgiram

novas vias de integrao social, a vinculao a uma comunidade poltica guiada por

princpios universais e mecanismos pblicos de legitimidade. Para o autor, nessa

conjuntura a cidadania constituiu a cristalizao institucional desses novos expedientes

de solidariedade abstrata e generalizada. (LAVALLE, 2003, p. 75).

O conceito de cidadania elaborado no operou, em primeira instncia, como categorianormativa, mas como pressuposto descritivo, que buscava delinear os caminhos

percorridos pela teorizaono pretendia afirmar sobre sua substncia ou o dever ser

em termos prticos (LAVALLE, 2003). Contudo, medida de seu desenvolvimento, a

ideia passou a se referir a processos de sedimentao dos direitos civis, polticos e

sociais que se cristalizaram nas sociedades ocidentais, remetendo aos impasses entre a

subordinao poltica e a integrao social.


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A partir dessas primeiras teorizaes, a cidadania foi sendo repensada e assumindo

diversas verses, incluindo variados direitos2. Suas diferentes formas de conceituao

oferecem inmeras concepes a respeito dos critrios para que o sujeito seja

considerado membro de uma comunidade, da natureza poltica e legal das instituies,

do contedo dos direitos e deveres e das aes possveis para que os indivduos

garantam sua condio de cidados (BELLAMY, 2014).

A definio moderna de cidadania apresenta, de acordo com Adrin Lavalle (2003),

quatro principais caractersticas: a) universalizada, considerando que o status de

cidado atribudo apenas a categorias sociais formalmente definidas; b) se relaciona a

um territrio o espao fsico delimita politicamente seu alcance; c) individual os

vnculos entre Estado e indivduo so diretos, conformando a forma legtima de

reconhecimento e subordinao poltica e d) fruto do desenvolvimento dos Estados

Nacionaisest entre o territrio e o poder centralizado.

Nessa concepo os direitos e as obrigaes so contratuais, de modo que a cada direito

advm um dever. O cidado, por sua vez, concebido com indivduo dotado de

liberdade e responsabilidade. A noo de justia est baseada em critrios de equidade,de cooperao e da conquista de benefcios mtuos, referindo-se s relaes

estabelecidas na esfera pblica.

A verso moderna mais proeminente do conceito a desenvolvida por Thomas

Marshall, situada no terreno do liberalismo poltico. No centro da discusso esto as

contradies entre a igualdade fomentada no terreno da poltica formal e a desigualdade

crescente no plano econmico.

Thomas Marshall (2009) props a diviso do conceito em trs elementos principais: o

civil, o poltico e o social. Da esfera do civil, a cidadania se relaciona liberdade

individual de discurso, de pensamento e de crena; o direito propriedade privada e

justia. Do ponto de vista poltico garantido o exerccio do poder, seja como

participante de um corpo poltico investido de autoridade ou como eleitor dos membros

autorizados. O ltimo elemento diz respeito ao direito ao bem-estar econmico, segurana do compartilhamento das heranas sociais e de viver como um membro


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civilizado que est de acordo com as normas estipuladas coletivamente (MARSHALL,

2009).

A cidadania teorizada por Thomas Marshall (2009) de carter nacional, convocando

um sentido de pertena comunidade, baseado na lealdade a um modo de civilizao

especfico. O status de cidado conferido aos indivduos julgados membros

sancionados do corpo social, sendo considerados iguais em termos de direitos e deveres.

Para o autor, as sociedades que pretendem desenvolver a cidadania devem se espelhar

em uma noo ideal, atravs da qual seria possvel prever as possibilidades de efetivar

as aspiraes por direitos. Nesse sentido, o que deve estar em foco o aumento do

sentido da igualdade e o enriquecimento dos mecanismos que conferem posio de

cidado.

Para Thomas Marshall (2009) o ponto de partida para a elaborao de uma diretriz para

a construo da cidadania considerar que todos os homens so livres e teoricamente

capazes de gozar dos direitos, aumentando progressivamente o regime de bem-estar

institudo. Os direitos sociais em sua verso moderna requerem uma invaso do

contrato pelo status, a subordinao do preo de mercado para a justia social, asubstituio da barganha livre pela declarao de direitos. (MARSHALL, 2009, p. 154,

traduo da autora).

A noo moderna de cidadania sofreu diversos abalos, tanto do ponto de vista terico

quando do poltico e social. Ainda assim, para Adrin Lavalle (2003) no possvel

negar a importncia da expanso do status universal de pertena comunidade

construda por essa verso do conceito, uma vez que ela equacionou no mbitosimblico, poltico e institucional as questes da integrao social.

Segundo Bryan Turner (1992), os questionamentos teoria de Thomas Marshall advm

de sua natureza etnocntrica e evolutiva, que estava centrada na conjuntura de pases

desenvolvidos e seguiu uma lgica linear que apontava de um estgio menos

avanado de cidadania em direo a um mais avanado. De modo geral, as crticas feitas

a esse autor recaram, principalmente: a) sobre sua perspectiva evolutiva de obteno dedireitos, na qual os direitos sociais apareceram como efeito de um desenvolvimento


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amplo da sociedade e so uniformizados e unificados como parte de um arranjo social

homogneo; b) sobre sua concepo de cidadania como um fenmeno irreversvel, que

no levou em considerao os contextos que demonstraram a reversibilidade e

fragilidade do Estado de Bem Estar; e c) a excluso da cultura e das demandas por

polticas culturais (TURNER, 1992).

Um importante ponto de conflito com a ideia moderna est na capacidade de o Estado

institucionalizar interesses conflitantes em um momento de diferenciaes sociais e de

mudanas socioculturais que, de acordo com Adrin Lavalle (2003), no permitem mais

a concesso de direitos universais para membros sancionados da comunidade, tendo em

vista a multiplicao das identidades e a reivindicao do direito diferena. Aliado a

isso, o crescimento das desigualdades sociais restringem o processo de universalizao

da cidadania.

As minorias sociais, no contexto das teorias liberais, estavam apartadas da cultura

comum que define a comunidade poltica, possuindo apenas os direitos de cidadania no

nvel formal, mas no no prtico/cotidiano. Os membros desses grupos so excludos

tanto por sua situao socioeconmica, quanto por suas identidades culturais. Assim,no basta a posse de um status de cidado universalizado, preciso que as

caractersticas culturais e as necessidades especficas sejam balizadas na forma de

direitos. Dois so os motivos principais pelos quais as diferenas grupais e individuais

devem ser levadas em considerao: a) os grupos e os sujeitos excludos esto, de

partida, em desvantagem perante o sistema poltico, e a soluo consiste em promover

meios atravs dos quais o grupo possa ser reconhecido e representado e b) eles possuem

necessidades particulares que s podem ser satisfeitas mediante polticas diferenciadas.Do ponto de vista de Adrin Lavalle (2003) a ideia de cidadania marshalliana introduziu

uma dupla distino, promovendo, ao mesmo tempo, incluso e excluso. Ao passo que

expande o terreno da igualdade prevista por lei para segmentos considerados

importantes para a conduo da vida social, desautoriza qualquer demanda que

extrapole suas fronteiras normativas.

Outra controvrsia, como demonstra Bryan Turner (1992), est inscrita no cerne de doistipos de diviso da cidadania: uma passiva e privada, atribuindo os direitos a uma


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concesso do Estado (cidadania de cima); outra ativa e pblica, atendo-se prtica

poltica dos sujeitos (cidadania de baixo). Essa categorizao pretende mostrar os

formatos assumidos pela ao cidad e os modos de institucionalizao de direitos,

revelando que para cada instncia h a configurao de uma relao entre sociedade

civil e as esferas do governo. Desse modo, as mudanas nesse desenho exigem pensar

os novos formatos que a cidadania pode assumir. Do ponto de vista do autor, o

deslocamento do contexto moderno para uma nova configurao social inscreve as lutas

por direitos no seio de movimentos sociais, que vo constituir uma cidadania que parta

de suas demandas para posteriormente serem incorporadas as camadas da legislao.

Nessa mesma linha argumentativa, Adrin Lavalle (2003) expe como a instituio de

uma poltica da diferena contradiz as pretenses de universalizao da cidadania

proposta pela visada moderna, que no acompanha as complexas mudanas culturais

ocorridas. A crtica recai sobre a homogeneizao forada pelo Estado, demonstrando

que a cidadania instituda de cima (do Estado para a populao) ignora as

diversificaes sociais e as diferenciaes legtimas. Se a concepo da modernidade

incorporou as diferenas a sistemas institucionalizados e abstratos de solidariedade

social, em um processo de equalizao, a partir da poltica da diferena pensou-se outraestratgia de instituio de direitos, tornando autnticas as demandas sociais. Desse

modo, para Adrin Lavalle (2003), a formulao moderna aponta para a diferena sem

equidade, que pressupe o reconhecimento dos reclamos, mas no torna possvel

universalizar a igualdadeoperando na supresso da diferena.

A proliferao de outras concepes de cidadania reflete os vrios desafios que devem

ser enfrentados contemporaneamente para situar a ao cidad. Adrin Lavalle (2003)aponta cinco questes fundamentais para repensar a cidadania: a) pressupostos

macroinstitucionais e estatais, que se referem capacidade do Estado de equacionar

interesses populares conflitantes e impor as decises vinculantes. Para o autor preciso

considerar que, atualmente, existe uma combinao complexa de fatores que exigem a

ao pblica ao mesmo tempo em que limitam sua efetividade e seu alcance; b)

diferenciao social e mudanas socioculturais, que criam a dificuldade de elaborar e

processar questes em termos universais; c) a questo da igualdade, que cria incluso eexcluso ao mesmo tempo. A expanso da igualdade garantida pela lei e a determinao


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de reas relevantes da vida social as quais deveriam ser acessveis vieram

acompanhadas da definio de uma gramtica moral, erigida segundo a herana social

compartilhada, que deslegitima demandas que escapem s suas fronteiras; d) o plano

das singularidades como reivindicaes polticas legtimas mediante o estabelecimento

da poltica da diferena, que enfrentou a universalizao como categoria sociopoltica,

demonstrando sua inadequao frente s diversas realidades sociais e culturais; e) a

globalizao, processo de ajuste estrutural que promoveu a cidadania como categoria

normativa, visando perceber os efeitos perversos desse fenmeno, capaz da alicerar a

problemtica da solidariedade social.

As questes contemporneas buscam balizar as diversas possibilidades e gradaes da

cidadania, tratando-a como um modo de incorporao de uma diversidade de sujeitos ao

contexto social e poltico de um perodo histrico e no se referindo apenas ao

conjunto de direitos formais. Nesse sentido, preciso considerar as grandes massas

excludas socialmente, constitudas por aqueles que no possuem os bens materiais ou

simblicos que permitam sua plena participao como membros da comunidade

(BEINER, 1995). Destarte, a cidadania passa a ser definida como um processo e no

mais como status -, como uma prtica poltica e cultural (VIEIRA, 2001), e tambmcomo uma identidade (KYMLICKA; NORMAN, 1997, p. 18).

A cidadania no contexto latino-americano.

As questes de direitos envoltas na cidadania comearam a se destacar na Amrica

Latina entre os anos de 1970 e 1980, principalmente a partir da experincia dosmovimentos sociais a maioria em esforos para a democratizao em pases sob

regime autoritrio (DAGNINO, 2005, 2007). Tais movimentos, nas dcadas de 70 e 80,

transcenderam os limites da poltica institucional que existia naquele contexto. Sua

referncia bsica foi o alargamento e aprofundamento da democracia na sociedade,

incluindo as prticas culturais que promoviam as relaes de excluso e desigualdade.

Ao enfatizar a ordem vigente como limitante e excludente, os movimentos sociais

mostraram sua capacidade para produzir verses alternativas de governana(DAGNINO, 1998).


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A renovao do conceito nos anos de 1990 ajudou a pensar, em larga medida, os

problemas relacionados realidade latino-americana, abarcando as questes do direito

igualdade e diferena (DAGNINO, 1994, 2002). A percepo das necessidades sociais

como direitos representou um passo fundamental para ampliar o escopo de suas

demandas, fazendo com que parte significativa das lutas fossem elaboradas em torno da

construo de novas identidades e da edificao de novos parmetros de justia,

baseados em princpios de igualdade. As lutas dos movimentos populares urbanos na

Amrica Latina colocaram em disputa os parmetros da democracia e as fronteiras do

que considerado poltica: seus participantes, suas instituies, seus processos e sua

agenda. Nesse contexto, a cidadania estava embasada em lutas polticas, baseadas na

redefinio dos sistemas sociais e das prticas culturais que democratizariam tambm o

social. Para Evelina Dagnino (2007) esse processo de redefinio da cidadania se

enfocou na dimenso cultural, incorporando questes de identidade, subjetividade e

diferena.

Os movimentos sociais inscreveram no espao pblico sujeitos capazes de dilogo que

desestabilizaram e subverteram as hierarquias simblicas que os colocavam em posiode subordinao criada por uma teia de discriminao e excluso. Incluindo nos debates

questes e demandas antes consideradas impertinentes para a deliberao poltica, esses

movimentos promoveram o alargamento da noo de esfera pblica, redefinindo as

ideias de cidadania e direitos. Como consequncia, essas duas esferas no podem se

restringir apenas ao espao institucional de organizao do Estado, passando a servir

como referncia para exigncias ticas de reciprocidade e igualdade nas relaes

sociais, incluindo os nveis mais cotidianos da vida nos quais a discriminao tm lugar(PAOLI e TELLES, 1998).

A cultura, nessa conjuntura, se torna uma importante arena poltica, na medida em que

envolve uma srie de processos contnuos que so coletivos e individuais, produzindo

significados e moldando a vida e a experincia social. A poltica cultural corresponde s

articulaes discursivas e prticas em um contexto histrico que expressam as lutas pela

modelagem dos significados compartilhados e pelas representaes (ALVAREZ et all,1998).


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O conceito de participao tambm recebeu grande enfoque dos movimentos sociais na

Amrica Latina, configurando-se como condio e possibilidade para o exerccio da

cidadania. A cidadania concebida, nesses termos, como uma forma de ao: tornar-se

cidado participar, lutar, exercer o direito de participar a fim de alcanar, materializar

e garantir direitos. (DAGNINO, 2005, p. 15). O direito de participar se refere tanto aos

negcios pblicos - tendo em vista a construo de demandas dentro dos movimentos

sociais -, quanto possibilidade de construo de novas formas de sociabilidade - na

medida em que favorece o reconhecimento de requisio de renovados modos de

interao e mudanas nas regras sociais.

O espao pblico ressignificado, no correspondendo apenas aos ambientes

institucionais sancionados para a deliberao poltica, mas construo de espaos

outros nos quais a poltica cultural pode ser colocada em movimento. A proliferao

dessas arenas discursivas, segundo Sonia Alvarez et all (1998), torna possvel a

contestao da excluso e a busca por mudanas nos sistemas sociais que promovem as

desigualdades, expandindo a democracia. Desse modo, a importncia dos movimentos

sociais para a democratizao da sociedade corresponde propagao de mltiplasesferas pblicas para alm da conquista de direitos nos mbitos institucionais.

Ao apontar esse contexto, Evelina Dagnino (2007) demonstra que a cidadania passa a

interferir na dimenso da sociabilidade, requerendo relaes sociais mais igualitrias e

estabelecendo novas regras de vida em sociedade. A condio de realizao desse

projeto passa pelo reconhecimento de todos os indivduos como capazes de exigir

interesses vlidos e legtimos. Os significados dos direitos passam a ser, ento, objetosde lutas polticas que rejeitavam as ideias de favor e barganha, e tambm de cidados

como sujeitos de necessidades.

A nova cidadania e a revitalizao dos atores sociais na Amrica Latina.

A ideia de cidadania desenvolvida na Amrica Latina est diretamente relacionada stransformaes na cultura e nos padres de interaes sociais, associando os direitos s


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demandas por igualdade de participao nas questes pblicas, respeito e considerao

social e, sobretudo, valorizao das prticas culturais.

A emergncia de uma nova noo de cidadania marcada por dois fatores principais: a)

ela deriva e est diretamente relacionada experincia dos movimentos sociais, em suas

exigncias por igualdade e por diferena e b) ela confere uma nfase na construo da

democracia, sua extenso e seu aprofundamento (DAGNINO, 1998, 2002). Desse

modo, ela opera uma estratgia de construo democrtica e de transformao social,

afirmando uma relao de interdependncia da cultura com a poltica. A cidadania

considerada uma estratgia poltica, expressando e respondendo a um conjunto de

interesse de uma parte significativa da sociedade, demarcando seu carter histrico,

definida por interesses concretos e prticas de luta que passam por contnuas

transformaes.

A nova cidadania incorpora as dimenses da subjetividade, das aspiraes e dos

desejos, fazendo com que atravs da luta poltica se torne possvel generalizar os

interesses coletivos para que se instituam em direitos. Ela se edifica, segundo Evelina

Dagnino (1994, 2002), em um campo de conflito pela criao de significados (sociais,polticos e culturais), sendo perpassada por mecanismos de apropriao e reconstruo

dos sentidos como partes constitutivas da polticadesse modo, ela passa a ser baseada

em uma agenda de poltica cultural.

De acordo com Evelina Dagnino (1994) a renovao do conceito de cidadania permitiu

que ele fosse compreendido como um fenmeno dinmico e mutvel, diretamente

relacionado aos conflitos sociais vividos por uma sociedade em um dado perodohistrico. Destarte, foram descartadas a essncia, a imanncia e a universalidade que

marcavam a noo, fazendo com que o contedo dos direitos e dos deveres esteja

sujeitos s lutas polticas, situado em contextos concretos.

Esse novo modelo de cidadania reelabora, por consequncia, os limites das relaes da

sociedade civil com o Estado, tornando possvel reivindicar uma esfera pblica na qual

os sujeitos reconhecidos em suas diferenas e garantida a legitimidade de suasdemandas - possam debater e negociar sua participao na vida social, propondo


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revises nas dinmicas sociais e culturais que interferem diretamente em seu cotidiano

(DAGNINO, 1994, 2001).

A reconfigurao da ideia de direitos foi um importante fator para se repensar a

cidadania, pretendendo promover uma transformao na sociedade e em sua estrutura de

poder. Enfatizando o direito a terdireitos (DAGNINO, 2002, 2007) a nova cidadania

passou a incluir uma gama de demandas diretamente relacionadas s experincias

concretas dos movimentos sociais. Seu desenvolvimento colaborou tambm para a

reivindicao da construo de sujeitos capazes de definirem seus prprios direitos e

suscitou a redefinio dos padres e prticas que colaboram para a reproduo da

excluso social e poltica.

A cidadania, entendida como um processo de afirmao e reconhecimento de direitos,

se conforma como um projeto de transformao das prticas arraigadas na sociedade e

da instituio de uma nova sociabilidade. Assim, ela passa a abrigar uma proposta de

reforma moral e intelectual que exige um aprendizado social sobre novos tipos de

relao que impliquem o respeito e a afirmao dos cidados como indivduos ativos

portadores de demandas. Ela prope um formato mais igualitrio de relaes sociaisem todos os nveis (o que) implica o reconhecimento do outro como sujeito portador de

interesses vlidos e de direitos legtimos. (DAGNINO, 2004, p. 105).

O interesse dos movimentos sociais em afirmar o direito a ter direitos se relaciona

estritamente com os altos nveis de pobreza e excluso, e com o autoritarismo social que

sustenta a organizao da desigualdade e das hierarquias nas relaes sociais, fatores

que geram assimetrias econmicas e subordinao poltico-social (DAGNINO, 2007).Para operacionalizar suas lutas, eles estabelecem uma conexo entre cultura e poltica,

construindo um campo tico-poltico (ALVAREZ e DAGNINO, 1995) que permitiu

ampliar o alcance da cidadania, fundando distintos modos de se aproximar da realidade.

Como uma construo coletiva, o campo tico-poltico se articula ao conjunto dos

movimentos sociais, expressando um processo ativo de elaborao de propostas,

refletindo em prticas concretas de lutas por direitos. Ele expressa uma noo alargada

de poltica que inclui demandas no terreno da cultura, buscando romper com as relaes


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de clientelismo e interaes sociais hierrquicas e autoritrias (ALVAREZ e

DAGNINO, 1995).

Para refletir sobre as mudanas na ideia de cidadania preciso estar atento tambm

noo de direitos sociais, que se inscreve no terreno das relaes entre o mundo social e

o universo pblico - que se edificam entre a ordem legal que prev a igualdade e a

legitimao diria das desigualdades e excluses. Para Vera Telles (1998) o sentido

poltico dos direitos sociais se inscreve no terreno do conflito, encenado por sujeitos que

buscam definir suas condies de existncia e as regras da sociedade nesse contexto,

eles constroem uma linguagem pblica que prev critrios de igualdade e de justia.

Colocar os direitos sociais em questionamento significa, para a autora, estar atento para

a conjuntura social contemporneo, marcado por dilemas sociais que ganham

contorno especial principalmente por causa da histria de desigualdades e injustias que

desafiam a universalizao dos direitos.

A negociao com as normas da vida social constroem o terreno no qual os indivduos

se pronunciam e se definem, declarando-se como iguais do ponto de vista de sua

capacidade de participao pblica. Para Vera Telles (1998) essa exigncia tem o

efeito de desestabilizar e subverter as hierarquias simblicas que os fixam na

subalternidade prpria daqueles que so privados da palavra (TELLES, 1998, p. 39).

Essas aes desregulam os consensos estabelecidos e colocam os sujeitos como

portadores de um discurso que institui uma prtica poltica, exigindo o reconhecimento

de suas demandas. Nessas vozes so enunciados novos significados possveis, uma vez

que os direitos estruturam uma linguagem pela qual esses sujeitos elaboram

politicamente suas diferenas e ampliam o mundo comum da poltica (TELLES,

1998, p.40). Desse modo, falar de direitos sociais reconhecer os tipos de realidades

nomeadas e suas alternativas, abrindo para o campo das experincias possveis.

A ttulo de resumo apontam-se as cinco caractersticas principais da noo emergente de

cidadania segundo a concepo de Evelina Dagnino (1994, 1998):

a) A noo de direitos reconfigurada: a reivindicao principal pelodireito de ter direitos. Essa ideia no se limita s instncias formais e


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legais previamente definidas, mas a uma redefinio, criao e invenode novos direitos relacionados s prticas e lutas especficas;

b) A nova cidadania requer sujeitos ativos lutando pelo que consideramser os seus direitos, se desviando da proposta liberal, na qual os setores

dominantes e o Estado elaboravam estratgias para incluir os excludos;c) Ela se constitui como uma nova proposta de sociabilidade, procurandoum desenho mais igualitrio em todos os nveis da vida social e no serestringindo ao sistema poltico;d) Nessa nova concepo preciso transcender a vinculao estabelecidaentre o indivduo e o Estado, procurando promover a relao dosmovimentos sociais com a sociedade civil. O processo dereconhecimento de direitos que configura o cerne da nova noo decidadania requer uma transformao nas prticas sociais e a construode renovadas formas de interao que permitam que os cidadosemergentes possam se recusar a permanecer nos lugares a elesdestinados;e) A cidadania, portanto, requer o direito de participao efetiva nadefinio do sistema poltico, ao contrrio da ideia de acesso ou incluso.

Cidadania e comunicao miditica: confluncias.

A articulao entre cidadania e os meios de comunicao de massa passa por duas

dimenses: o conhecimento das formas de desenvolvimento da hegemonia e a

construo dos sujeitos polticos nas sociedades atuais. Essa relao deve percorrer a

edificao das formas de reconhecimento e atuao dos indivduos em contextosmidiatizados enquanto pblico e produtor dos media, possuindo a capacidade de

interferir no debate poltico. A ao cidad implica a agncia em todos os mbitos do

poder, inserindo-se na esfera de elaborao de regras legais e sociais institudas e

legitimadas. Os atores sociais, nesse contexto, devem demandar e propor direitos em

mbitos vinculados s suas experincias. Para tanto, preciso que se apropriem dos

instrumentos que possibilitem sua atuao e a constituio de demandas, dentre eles, a

efetiva expressividade e comunicabilidade das questes que lhes concernem.

Os meios de comunicao podem ser considerados como espaos privilegiados de

intercmbio social, auxiliando na exibio dos reclamos advindos dos movimentos

sociais. As informaes transmitidas pela mdia sobre os sujeitos e a sociedade, para

Maria Cristina Mata (2001, 2006), prov insumos para a reflexo e atuao poltica. De

acordo com a autora, o espao pblico construdo pela cidadania intercambiado com

os media, vinculando as demandas coletivas s agendas miditicas. Ainda que no seconstitua como a nica instncia de reflexo, elaborao e visibilizao dos


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requerimentos dos cidados, a comunicao de massa possuiu uma magnitude e um

estatuto particular: produz regulaes discursivas que expressam, instauram e

reproduzem prticas cotidianas.

De acordo com Ceclia Peruzzo (2010) o direito comunicao e seu exerccio - que

incluem o acesso informao e a comunicao participativa - so conquistas dos

direitos de cidadania e da democratizao crescente da sociedade via lutas dos

movimentos sociais. O poder e a possibilidade de se comunicar, como configurados

pela cidadania, devem estar servio das comunidades. Dessa forma, a cidadania deve

ser constituda para alm dos direitos civis, polticos e sociais, apontando para sua

dimenso comunicacional e abrangendo o universo da cultura. Os meios de

comunicao podem se configurar, nesse contexto, como importantes ferramentas para

promover o reconhecimento dos grupos minoritrios, possibilitando a participao no

processo comunicativo que edifica a realidade social. A ampliao da cidadania passa,

necessariamente, pelo poder de comunicar e pelo direito de difuso de contedo em

estratos da sociedade, abrindo um caminho para o exerccio da cidadania em sua

dimenso cultural, que por sua vez se entrelaa nas lutas pela democratizao das outras

dimenses da cidadania, como econmica e poltica. (PERUZZO, 2007, p. 17).

A crescente exibio de diversas aes polticas de reivindicao de direitos promove

um enriquecimento e uma ampliao do debate em torno das demandas dos movimentos

sociais, contribuindo para que esses sujeitos se constituam cidados. Esse alargamento

da expressividade social torna possvel a coletivizao de interesses, necessidades e

propostas, inscrevendo-os na trama das interaes (MATA, 2006). A comunicao,

portanto, pe em comum - tanto os significados socialmente instaurados, como as novaspossibilidades de significaes sociais; os mundos j edificados e os universos

possveis.

A mdia uma matriz configuradora de identidades que atua como instncia de

estruturao da realidade e de visibilidade de demandas e de debates pblicos,

produzindo e organizando os sentidos em torno da vida social. A insero de grupos

minoritrios nos mediae a incluso de suas reivindicaes nesses espaos configuramum ambiente de tenses e conflitos, reelaborando as lgicas dos movimentos sociais.


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Nesse contexto surgem estratgias e polticas de visibilidade miditica (COGO, 2004)

com o objetivo de inserir os sujeitos subalternizados, enfatizando suas identidades e

suas particularidades culturais. As micropolticas cotidianas de visibilidade (COGO,

2004) prope a introduo de temticas e reivindicaes tanto no nvel material quanto

simblico, remodelando as lgicas de tratamento sobre grupos organizados.

O acesso aos mediapode favorecer o avano das questes sociais, inserindo a luta por

direitos em diversas lgicas e modos de comunicao. Para Rousiley Maia (2009a) os

atores da sociedade civil buscam visibilidade na mdia por pelo menos dois motivos: por

um lado, para ter acesso agenda miditica, com o objetivo de interferir na formulao

e instaurao de leis, nas decises administrativas e na prestao de contas; de outro, a

entrada na esfera da comunicao de massa permite que os sujeitos expressem suas

reivindicaes. Para alm da visibilidade e das aes estratgicas, torna-se importante

entender os mediatambm como uma arena discursiva, em que opinies e argumentos

so trocados e disputados. (MAIA, 2009a, P. 113).

Como demonstra Rousiley Maia (2009a, 2009b), ter participao e visibilidade nos

meios de comunicao no transcorre de modo linear e de fcil realizao. Para quedeterminados grupos consigam inscrever suas demandas na agenda miditica, devem se

engajar em processos competitivos pelo acesso aos enquadramentos das mensagens e

das imagens. Obtendo sucesso, esses sujeitos podem alcanar os recursos e as

oportunidades para inserir e definir seus direitos publicamente, abarcando uma ampla

audinciapodendo at mesmo influenciar nas diversas esferas polticas/culturais, uma

vez que os media contribuem para inserir temas na agenda pblica, para configurar a

percepo que os cidados tm das questes-chave da poltica (MAIA, 2009a, p. 91).

Desse modo, preciso perceber de que maneira os cidados se tornam visveis no

espao pblico da mdia, atendo-se s possibilidades e aos entraves de exerccio da

cidadania. Para Rousiley Maia (2009a, 2009b) os mediaapresentam vrios obstculos

para a inscrio dos sujeitos e de suas demandas, uma vez que existe uma restrio da

quantidade de notcias e de temticas que podem aparecer nos veculos que, na maioria

das vezes, preferem as falas formais e as polticas institucionais. Cada meio possui ummodus operandiespecfico, e os profissionais da mdia selecionam tpicos, constroem


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narrativas, editam e agenciam vozes dos atores sociais nos textos miditicos. (MAIA,

2009a, p. 92). Alm disso, os enquadramentos tambm promovem limitaes, j que, ao

abrir espao para um conjunto de questes e expresses, acabam por excluir do quadro

outras. Ainda preciso considerar que algumas demandas so de difcil tematizao e

no se encaixam facilmente nas lgicas miditicas. Desse modo, indivduos devem

formular prticas de negociao permanente com as instituies mediticas, a fim de

participar no processo de produo das mensagens.

Ao responder como somos cidado nos meios de comunicao, Maria Cristina Mata

(2006) aponta que a mdia possuiu mecanismos de representao prprios, enquadrando

os sujeitos dentro de tipos previamente definidos. Para a autora h trs formas

previamente definidas para nomear os atores sociais nos media: como sujeitos de

necessidades, como sujeitos de demandas e como sujeitos de decises. A primeira

forma se refere aos modos emblemticos de se apresentar a crescente situao de

pobreza e marginalizao, mostrando indivduos indefesos e carentes. Nesse movimento

so formatados os no cidados, aqueles que no mais possuem direitos. A segunda

forma diz respeito s organizaes que reclamam direitos atravs de mobilizaes de

carter amplo. Elas expem os indivduos como participantes de projetos coletivos,projetos em que seus interesses so expressos. So configurados como cidados aqueles

que manifestam ateno aos assuntos pblicos e possuem opinio sobre os mesmos. A

ltima forma de mostrar a capacidade de tomar deciso poltica, se expressa na figura

do eleitor. Esses atores sociais aparecem em momentos eleitorais atravs de entrevistas

ou pesquisas de opinio. A autora conclui que

Se os sujeitos de necessidade esto nos meios como demonstrao demarginalizao da vida em comum constituda por deveres e direitos, seos sujeitos de demanda visibilizam a caducidade ou debilidade deanteriores formas de poltica de representao, os sujeitos de decisoconstituem o modelo meditico da democracia: que se institui com o votoindividual, com a escolha da intimidade caseira atravs do uso de umdispositivo tcnico ou a interpelao igualmente tcnica que produzem as

pesquisas de opinio sobre variadas questes de carter pblico (MATA,2006, p. 10).

Outro fator problemtico para o exerccio da cidadania nos media o discurso criado

por eles sobre suas funes pblicas. Como demonstra Maria Mata (2006), a mdiaassume o lugar de coletivizao dos conhecimentos e dos mecanismos para a atuao


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poltica e, tambm, como espao privilegiado de vigilncia dos setores administrativos

da sociedade. Afirmam, por meio desse discurso, que estar margem de suas

mensagens e prticas contribui para o desconhecimento das questes e das demandas

sociais.

Todos esses fatoresos que barram e os que permitem a prtica cidaddemonstram a

necessidade de assumir a verdadeira tenso que constitui a relao entre comunicao

massiva e cidadania em termos polticos e sociais. preciso reconhecer os diferentes

nveis e esferas de instaurao da cidadania no campo da comunicao, tendo em vista

as desigualdades de acesso, as tenses com os setores detentores de poder e os formatos

e procedimentos miditicos.

Maria Cristina Mata (2006) apresenta o conceito de cidadania comunicativa como uma

ferramenta de entrada nos produtos e mensagens miditicas, a fim de entender como a

dinmica social e as lutas por direitos so inscritas na esfera dos meios, e quais so as

possibilidades de prticas cidads na mdia. Esse conceito diz respeito garantia dos

direitos no campo comunicacional, no terreno cultural e discursivo, apontando como os

atores se expressam publicamente em mltiplas esferas da realidade e colocando emcomum suas reivindicaes. A noo de cidadania comunicativa se refere

necessariamente aos direitos civis a liberdade de expresso, o direito informao, a

possibilidade de exigir a publicizao de assuntos pblicos (MATA, 2006,p. 13). Para

a autora, a ideia reconhece a capacidade dos sujeitos de criarem suas prprias demandas

a partir de suas experincias, inscrevendo-os no terreno da comunicao pblica para

debater e discutir seus direitos.

A cidadania comunicativa, como afirma Maria Cristina Mata (2006), apresenta quatro

tipos de existncia: a formal, a reconhecida, a exercida e a ideal. A primeira

representada pelos indivduos que possuem direitos consagrados no campo jurdico,

poltico e da comunicao de massa. A segunda diz respeito aos sujeitos que conhecem

e experimentam determinados problemas sociais e so reconhecidos como capazes de

reclamar direitos. A terceira se refere aos atores que se engajam em prticas

reivindicatrias para exigir a vigncia ou a ampliao dos direitos. A quarta denominada de cidadania comunicativa ideal, e representa a construo de uma meta a


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ser alcanada a partir de uma expectativa de transformao social, desenvolvida

juntamente aos processos de democratizao da sociedade.

Para Maria Cristina Mata (2006) so essas diferentes formas da cidadania comunicativa

que devem ser olhadas para responder s indagaes sobre a prtica cidad em meios de

massa. Para autora, os cidados so fruto de atividades polticas situada em um terreno

de conflitos sociais, atividades essa acionada por atores que buscam obter e ampliar seus

direitos, tornando-os visveis e legtimos no debate pblico dos media. Alm disso,

preciso ter ateno para as regulaes comunicativas vigentes - do ponto de vista da

instituio miditica, das interaes estabelecidas entre atores e mdia, das lgicas

informativas dominantes e das representaes dos indivduos.


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Apropriao da nova cidadania na mdia: o programa televisivo Aglomerado

Nessa seo busca-se exemplificar como a nova noo de cidadania pode ser apropriada

por movimentos sociais no uso dos meios de comunicao para expressarem suas

demandas. Os media, ao possibilitarem a reflexo sobre as questes socioculturais,

interferem significativamente na construo do mundo cotidiano, apresentando-se como

importante ator social na formao de representaes, podendo abrir espao para

discusses de problemas e experincias que advm dos grupos minoritrios.

O programa analisado chama-se Aglomerado, que surgiu de uma parceria entre a rede

de televiso pblica TV Brasil e a Central nica das Favelas (CUFA), e possuiu como

principal objetivo revelar um Brasil multirracial e multicultural, tratando da cidadania

dos moradores de periferia. Apresentado e idealizado por Alex Pereira Barbosa (MV

Bill) e Gisele Gomes de Souza (Nega Gizza), ambos habitantes da favela e ativistas em

movimentos sociais, o programa possibilita uma viso peculiar do subrbio e de seus

moradores, bem como das questes socioculturais que se engendram nesse lugar.

Os assuntos a serem tratados versam sobre o protagonismo juvenil, incluso social,

diversidade racial e cultura das periferias (TRECHO extrado do site oficial do

Aglomerado). A realizao de um produto cultural voltado para a realidade das favelas

se deve ao fato de que os apresentadores tambm moradores de comunidades

perifricasno se sentiam representados na televiso Brasileira. Em entrevista, Nega

Gizza diz: A TV no falava sobre o que eu via no dia-a-dia, sobre meu universo e A

gente no quer ser visto de forma sensacionalista. A gente quer ser visto como a gente

(TRECHOS extrados da reportagem do site infosurhoy.com, publicada em

02/05/2013). A veiculao do Aglomeradocorresponde a um reforo de uma cultura

que j existe na favela e no subrbio, e uma chance de mostr-la fora de seu ambiente

tambm (TRECHO extrado da reportagem do site infosurhoy.com, publicada em

02/05/2013). A apresentadora afirma que hoje, as pessoas me param na rua para dizer

que o Aglomerado mostra a cara do povo e d voz a ele (TRECHO extrado da

reportagem do site infosurhoy.com, publicada em 02/05/2013).


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O apresentador MV Bill afirma que as pessoas que fazem o programa e so retratadas

nele tm origem em comunidades de baixa renda (TRECHO extrado da reportagem do

site infosurhoy.com, publicada em 02/05/2013). Aglomerado revela sua importncia na

medida em que possibilita que esses indivduos tenham auto representatividade, uma

vez que eles so retratados na televiso brasileira, na maioria dos casos, de forma

homognea. Por esse motivo, era essencial construir um programa que pudesse dialogar

com diversos pblicos a respeito da cultura e das formas de sociabilidade dentro das

periferias.

Para os idealizadores e apresentadores do programa, o importante era que os sujeitos

que sempre ocuparam a posio de subalternos na vida social e na televiso

construssem sua prpria narrativa acerca de sua vivncia, conferindo visibilidade s

suas prticas culturais tema central no Aglomerado. Para MV Bill o programa

colabora com a retirada da favela do estigma da criminalidade atravs da exibio da

cultura desenvolvida nesse lugar, possibilitando novas imagens e discursos sobre o

favelado que permitam a sua condio de cidados.

A apresentao de um programa que promove discusses sobre a condio desubordinao dos habitantes de periferia, apontando para sua falta de cidadania, de

extrema importncia, uma vez que os favelados sempre estiveram situados em um

contexto excluso social. Como demonstra Simone Rocha (2005), a desvalorizao

simblica se relaciona ao exerccio precrio da cidadania, em que os sujeitos no so

capazes de assumir pleno direito de participao social. Nesse contexto, a mdia

desempenha papel central, na medida em que confere visibilidade ou invisibilidade aos

fenmenos sociais. Apesar de os meios de comunicao estarem atrelados a discursossociais hegemnicos - que reforariam as representaes dos habitantes de periferia

como carentes, excludos ou bandidos (no os considerando como cidados) -, eles

tambm suscitam a ecloso de espaos de debates e de exibio das questes que

envolvem os subrbios, tornando suas mazelas e seu cotidiano de conhecimento

pblico.

No Aglomerado empreendido um esforo para que os sujeitos moradores de favela,que sempre foram representados como marginalizados - vistos pela lente da excluso


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social, da pobreza e do crime -, tenham auto representatividade, exercendo sua

cidadania pela via dos meios de comunicao, acionando estratgias de visibilidade e de

construo de demandas acerca de sua vida cotidiana. Destarte, por meio das trocas

comunicativas no programa esses indivduos subalternizados buscam construir uma

narrativa sobre suas vivncias, tentando revelar o cotidiano da favela para alm das

caractersticas mais conhecidas, e, na esteira, exigindo respeito e reconhecimento.

A apropriao do espao televisivo pelo programa Aglomeradoconstitui-se como uma

estratgia para conseguir nos media visibilidade necessria para a agenda de grupos

minoritrios, abrindo espao para que a pauta desses indivduos seja vista e considerada.

Desse modo, o programa afirma a capacidade dos sujeitos de ordenar a vida em

sociedade e participar das esferas do poder, acentuando que os instrumentos que

possibilitam a ao cidad so a expressividade dos indivduos e as possibilidades de

comunicabilidade. A interao constante com a mdia demonstra como os atores sociais

atuam e se reconhecem na sociedade midiatizada, de modo que os meios de

comunicao se constituem como dispositivos de um espao pblico cidado

(MATA, 2006), formatando um ambiente de interaes que possibilitam a coletivizao

de interesses e propostas. O programa em anlise opera atravs da nova noo decidadania, transbordando as esferas dos direitos civis, polticos e sociais e caminhando

em direo aos direitos comunicao e expresso de determinados modos de vida.

Alm disso, o programa prope um espao de discusso das principais condies para

um efetivo exerccio do morador de periferia no cotidiano, acentuando a necessidade de

respeito e o reconhecimento, o direito de expresso de si e a sada do gueto simblico.

Em relao ao respeito e reconhecimento, em Aglomerado os discursos produzidos

assinalam essas dimenses na medida em que procuram reformular a posio dos

moradores de periferia na sociedade, trazendo imagens e enunciados que contrariam os

padres culturais hierrquicos que os assinalavam como sujeitos carentes tanto no nvel

material as precrias condies de vida quanto no simblico a suposta

incapacidade de produzir cultura e arte de qualidade. O programa, ao incluir em sua

narrativa os indivduos concernidos, demonstra que na esfera da cultura a periferia aindasofre com a ausncia de reconhecimento, sendo as suas produes artsticas


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consideradas de baixo valor cultural. E exige, por meio do discurso de demandas, a

possibilidade de criao e o respeito s expresses que surgem nos morros, uma vez que

atravs delas que os moradores dos subrbios podem assumir a palavra e narrar sua

prpria histria.

A segunda condio para a cidadania dos moradores de periferia poderem narrar sua

prpria histria e expressarem sua subjetividade. No programa essa dimenso

extremamente relevante na medida em que os idealizadores pretendem que os habitantes

da favela tenham auto representatividade. Desse modo, para que esses indivduos

possam se constituir como cidados, eles devem assumir a palavra (TELLES, 1998) e

edificar um ambiente no qual seus modos de vida sejam levados em conta. A tomada da

palavra pelos moradores de favela deve estabilizar sua condio de interlocutores

legtimos e desestabilizar os lugares e as posies anteriormente institudas, exigindo

seu reconhecimento como sujeito de demandas e de direitos.

A representao, como tratada no programa, tambm um importante elemento para

garantir a cidadania dos moradores de periferia, na medida em que a valorizao

simblica promovida por figuraes do cotidiano e da cultura conseguiria promover um

espao de visibilidade para esses sujeitos e os incluir no mundo comum edificadosocialmente. A transformao na representao seria a condio para que eles possam

ser vistos como cidados, possuidores de direitos e demandas legtimas.

Consideraes finais.

A discusso promovida pelo presente texto trata das transformaes no conceito decidadania, enfatizando-se a verso latino-americana. Buscou-se compreender como a

nova cidadania, que enseja a revitalizao da sociedade civil e sua atuao em termos

de construo de direitos, pode se expressar nos meios de comunicao, considerados

importantes arenas de atuao e de visibilidade para grupos minoritrios criarem e

exporem suas pautas e demandas. Foram apontados, tambm, alguns dos entraves para a

efetivao da ao cidad no espao miditico, tais como a dificuldade de inserir

determinados temas e influenciar nos enquadramentos dos media.


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A fim de demonstrar empiricamente as confluncias entre comunicao e cidadania,

apresentou-se como exemplo o programa televisivoAglomerado, que inseriu nos meios

de comunicao a discusso sobre as condies essenciais para a cidadania do habitante

de favela, fundamentando uma srie de demandas no mbito simblico.

Atravs da presente discusso terica e exemplificao emprica buscou-se mostrar

como a cidadania atualmente aponta para a ao social de sujeitos polticos nas arenas

de discusso pblica, que incluem tambm o espao miditico - fundamentando os

meios de comunicao como importantes esferas para a insero de pautas e lutas

polticas advindas dos movimentos sociais. Dessa forma, enfatizou-se a necessidade do

aprofundamento da nova cidadania atravs dos media, inserindo sujeitos de demandas

e reivindicaes cada vez mais ativos em um espao de visibilidade alargada.


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1 Mestre em Comunicao Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) na linhaProcessos Comunicativos e Prticas Sociais. Graduada em Jornalismo pela Universidade Federal deOuro Preto (UFOP). E-mail: [email protected] acordo com Lizst Vieira (2001) as principais propostas sobre o conceito de cidadania podem serdivididas em: a verso liberal, o comunitarismo, a social democracia, o nacionalismo, o multiculturalismoe a verso feminista.
http://infosurhoy.com/cocoon/saii/xhtml/pt/features/saii/features/entertainment/2013/05/02/feature-02http://infosurhoy.com/cocoon/saii/xhtml/pt/features/saii/features/entertainment/2013/05/02/feature-02http://infosurhoy.com/cocoon/saii/xhtml/pt/features/saii/features/entertainment/2013/05/02/feature-02http://infosurhoy.com/cocoon/saii/xhtml/pt/features/saii/features/entertainment/2013/05/02/feature-02http://infosurhoy.com/cocoon/saii/xhtml/pt/features/saii/features/entertainment/2013/05/02/feature-02

confluências entre cidadania e comunicação: desdobramentos do conceito e as

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