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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

UM MERGULHO NOS MEANDROS DO DISCURSO PUBLICITÁRIO

CURITIBA

2011

1

UM MERGULHO NOS MEANDROS DO DISCURSO PUBLICITÁRIO

Autora: Sônia Maria Moro do Nascimento1

Orientador: João Bacellar de Siqueira2

Resumo

Este artigo apresenta o processo de implementação do Projeto de Intervenção Pedagógica referente ao Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE / Paraná. Aplicado em turmas de segunda série de Ensino Médio, o objetivo do trabalho foi promover condições para o aluno exercitar sua capacidade interpretativa a partir dos elementos verbais e não verbais presentes no discurso. Para tanto, produziu-se um caderno pedagógico cujo conteúdo centrou-se no exercício de apreensão da construção de sentido em alguns gêneros discursivos, enfatizando a publicidade em revista impressa. Vislumbrando a elevação do nível de recepção no ato de leitura, esta proposta focalizou suas ações pedagógicas, reflexões e exercícios, de modo a levar o aluno à prática de ler também outros sinais que apontam para além do verbal (o não verbal), para além das linhas (entrelinhas), para além dos sentidos explícitos (subsentidos). Para fundamentar essa proposta, este estudo traz à luz uma reflexão sobre a produção de sentido resultante da articulação das linguagens no discurso. A linha teórica aqui adotada estabeleceu um diálogo entre a dupla de estudiosos da linguagem, Michael Bakhtin e Charles Sanders Peirce. Deste autor abstraiu-se a concepção semiótica de linguagem e daquele, a concepção dialógica dos gêneros discursivos. Esses fundamentos conceituais direcionaram a aplicabilidade dessa intervenção pedagógica bem como o alcance do objetivo proposto. O entendimento das possibilidades de as linguagens conferirem significação a um dado contexto, a partir dos exercícios de leitura, despertou no aluno um olhar mais atento para a trama em que se enredam os discursos, potencializando sua capacidade de apreensão e expressão discursivas.

Palavras-chave : Leitura; Linguagens verbal e não verbal; Produção de sentido; Interpretação; Discurso publicitário.

GOING THROUGH THE ADVERTISING DISCOURSE MEANDERINGS

Abstract

This study aims to present the process of implementation of the Pedagogic Intervention Project referring to the Educational Development Program – PDE, from 1 Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica. Especialista em Metodologia do Ensino. Graduada em Letras.

Atuação Colégio Estadual Monteiro Lobato / Umuarama – PR. 2 Mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela UNESP – SP. Graduado em Letras pela UFPR;

Graduado em Teologia e Filosofia. Orientador pela UEM.

2

the state of Paraná. This study was applied to the students in the eleventh grade High School and its goal was to provide conditions for the student in order to exercise its interpretative capacity starting from the verbal and nonverbal elements present in the discourse. For this reason, a pedagogical notebook was produced which was focused on the exercise of conceiving the construction of the meaning in some discursive genders, emphasizing the advertisement in magazines. Desiring the increase of the reception level in the act of reading, this purpose focused its pedagogical actions, reflections and exercises, in a way to induce the student to also practice the reading of other signals which show beyond the verbal (nonverbal), beyond the lines (implicit), beyond the explicit meanings (sub-senses). In order to base this purpose, this study brings up a reflection about the meaning production resulting from the languages articulation in the discourse. The theoretical line herein adopted established a dialogue between a couple of language experts, Michael Bakhtin and Charles Sanders Peirce. From Peirce, the concept of semiotic language was abstracted and from Bakhtin, the dialogical concept of language. These both language concepts guaranteed the applicability of the purpose as well as the reach of the initial goal. The understanding of the possibilities of the languages to confer signification to a certain context, starting from the reading exercises, aroused the student a more attentive look to the storyline in which the discourses are intertwined, making more potent its capacity of conceiving and expressing. Key words: Reading; Verbal and nonverbal languages; Meaning production; Interpretation; Advertising discourse;

1 Introdução

Apreender, decifrar, compreender e interpretar os processos discursivos não

é tarefa fácil, haja vista a multiplicidade de códigos que podem neles estar inseridos.

A ação de decodificar letras, palavras, frases, identificar cores e formas já não é o

suficiente para dar conta dos significados que se engendram no interior de uma

mensagem, seja ela de qual gênero for.

Há uma profusão de linguagens (sonora, visual e verbal, moldando-se em

forma de discurso) que permeia o nosso cotidiano e clama ser sentida, ouvida e

vista. Reconhecidamente, é uma tarefa que demanda esforço da parte do receptor

para dar conta das particularidades de que elas são constituídas. São linguagens: da

sensação térmica do nosso corpo ao discurso meteorológico apresentado pelos

jornais escritos e televisuais; da simples visualização de um ipê florido à complexa

explicação científica sobre a flora brasileira; da informalidade de um bate-papo na

roda de amigos à formalidade dos debates políticos veiculados nos meios de

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comunicação; da discrição de um bilhete colocado no meio do caderno do

endereçado à exposição exacerbada de um outdoor com uma declaração de amor,

instalado em uma rua de grande circulação de pessoas.

Cada uma dessas linguagens é constituída por características que lhes são

próprias, e estas carregadas de significados que lhes são peculiares. A apreensão

de muitas dessas formas de linguagem independem de um aprendizado formal, é

fato, enquanto outras, senão a maior parte delas, demandam aprendizagem e

método. Diante da verificação da dificuldade apresentada por maior parte dos alunos

em atualizar, no ato da recepção, a potencialidade significativa de processos

discursivos, do simples ao complexo, este estudo traçou seu objetivo central. A

proposta centrou-se, portanto, em promover condições para o aluno exercitar sua

capacidade interpretativa de elementos verbais e não verbais presentes em

diferentes gêneros discursivos.

Para intitular essa ação de ler os pormenores de um texto escolheu-se a

metáfora “um mergulho nos meandros do discurso”. Importa destacar que para

mergulhar nos meandros da tessitura das mensagens, tornou-se necessário, senão

obrigatório, dominar a leitura de outros sinais que apontam para além do verbal (não

verbal), para além das linhas (entrelinhas), para além dos sentidos (subsentidos).

Foi, contudo, nesse viés, o de exercitar esse nível de leitura, que as ações

pedagógicas desta proposta percorreram sua aplicação.

Para esse exercício, coube ao aluno realizar atividades com ênfase nos

seguintes aspectos da linguagem: na identificação dos elementos sígnicos (verbais e

não verbais) do discurso; no reconhecimento do potencial de sentido revelado por

meio da representação dos elementos sonoros, visuais e verbais presentes no

compósito dos discursos, em especial o publicitário; na constatação das evidências

na articulação do discurso acerca da interação entre texto e leitor; e na elaboração

de textos próprios a partir do exercício de leitura e interpretação de anúncios

publicitários, demonstrando habilidades de percepção e reconhecimento da

produção de sentido resultante dos múltiplos elementos visuais e verbais contidos

no discurso publicitário.

A leitura e a produção textual quando resultam em níveis superficiais não

conferem ao aluno leitor/produtor apreensão e expressão do sentido de um discurso

em dimensão dialógica e interativa. Esse limite é verificado no cotidiano de sala de

aula, seja qual for o nível serial. Para transpor a superficialidade dos textos lidos e

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produzidos, faz-se necessário, portanto, ampliar o alcance do olhar para visualizar,

de fato, as coisas ao nosso redor a fim de impor-lhes significação e atualizar sentido

sobre elas.

Ambas as aptidões, ler e escrever, estão imbricadas e são imprescindíveis

uma à outra, pois são ações interdependentes, embora cada qual precise ser

exercitada em sua modalidade. Por isso, uma estratégia para transpor as

fragilidades no domínio da leitura e da escrita, é, portanto, ampliar o foco do olhar

para alcançar, de fato, as possibilidades de articulação que engendram o discurso.

Essa é uma capacidade que, para tal alcance, exige do leitor exercícios de recepção

das representações que lhe chegam aos sentidos, e do escritor, a aplicação de

signos linguísticos e não linguísticos para conferir sentido à sua expressão.

Para fundamentar essa proposta, este estudo traz à luz uma reflexão sobre

a produção de sentido resultante da articulação das linguagens no discurso, tanto

em sua dimensão social quanto em sua estrutura organizativa da mensagem

discursiva. Para isso estabeleceu-se um diálogo entre dois exímios teóricos das

linguagens: Michael Bakhtin (1895-1975); e Charles Sanders Peirce (1839-1914).

Neste último fundamenta-se o processo de representação do signo, isto é,

como as linguagens se fazem significar e o modo pelos quais podemos

compreender as coisas. Dessa linha teórica foi possível extrair estratégias

metodológicas para entender e analisar o processo de engendramento dos

elementos verbais e não verbais, ou seja, a constituição interna de uma mensagem

(dimensão do significado). Os conceitos sobre os quais as ações metodológicas

percorreram foram: a representação do signo; as inferências por similaridade e

contiguidade; e a experiência colateral. E para complementar, ainda nessa linha

semiótica, buscou-se as postulações de Lúcia Santaella sobre as linguagens

híbridas, e o conceito de ancoragem apresentado por Roland Barthes.

Em Bakhtin, é o aspecto dialógico da linguagem, o aspecto de que a palavra

significa na interação social. É, pois, nessa dinâmica da articulação do potencial de

representação dos enunciados, quando postos em um contexto social, que o

discurso se realiza (dimensão social).

Essas concepções teóricas foram reunidas no Caderno Pedagógico, um

material produzido para direcionar a aplicação desta proposta, e ocupam a primeira

parte de duas delas das quais essa produção pedagógica se compõe. Nessa parte

inicial está focalizado teoricamente o objeto deste estudo - a produção de sentido

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resultante da articulação das linguagens no discurso – dentro das visões bakhtiniana

e peirceana; já a segunda parte foi composta de duas unidades didáticas cujo

conteúdo é voltado para o exercício de exploração das camadas de sentido em

gêneros diferentes de discurso (conto, música, imagens e anúncios publicitários).

Com a aplicação desse material, esperava-se possibilitar ao aluno ampliação de sua

a capacidade de relações para as quais uma modalidade de discurso aponta. A

ênfase dada à publicidade como discurso justifica-se porque essa modalidade

discursiva se mostra potencialmente rica nos efeitos de sentido que está apta a

produzir, dado o jogo de linguagens nela presente (cor, forma, textura, palavra,

imagem).

São, portanto, por esses vieses (da ação dialógica e da articulação sígnica)

que essa reflexão propõe pensar gêneros do discurso como uma modalidade de

comunicação que, dada a sua constituição sígnica, é capaz de deflagrar possíveis

efeitos de sentido, a partir do modo como as linguagens se organizam. Para

qualquer receptor alcançar seu potencial comunicativo, é preciso familiarizar-se com

os elementos que o compõem, o que para o nosso aluno pode ser conseguido por

meio do exercício da leitura. Este Projeto de Intervenção Pedagógica mostrou-se

pertinente à sua realização dada a realidade encontrada na escola, haja vista a

dificuldade apresentada pelos alunos em compreender e interpretar um texto,

sobretudo aqueles que se revelam em seus níveis mais sutis de sentido.

Contudo, não se pode pensar essa aplicação em sala de aula desatada do

fio que lhe tece e, consequentemente, que lhe confere sustentação, os fundamentos

teóricos. Isso se faz valer para ambos os envolvidos nesta tarefa, tanto professor

quanto aluno. Vale salientar que o conhecimento teórico possibilitará ao professor

trilhar não pelas margens do percurso, mas, sim, adentrar essa rota e percorrer seus

entremeios com domínio e segurança. Quanto ao aluno, para este deve-se também

apresentar tais fundamentos para que ele possa, de forma mais concreta, apreender

os conteúdos e transpor conjecturas (palpites, hipóteses) avançando para o terreno

do conhecimento científico.

Na sequência será apresentada a base teórica na qual este estudo adentra

para dar conta de entender a problemática inicial – a dificuldade dos alunos em

interpretar enunciados; e posteriormente será exposta a metodologia adotada na

aplicação dessa proposta de que se seguirão os resultados e discussão; e por fim as

conclusões a que este estudo chegou.

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2. Na trilha teórica

Refletindo acerca do limitado repertório que assola boa parte dos alunos, no

que concerne a sua capacidade de ler e abstrair o sentido do texto e de produzir e

expressar-se por meio de discursos coerentes, foi deste problema que esta proposta

partiu. Muitos conteúdos apresentados aos nossos alunos, sejam eles de quaisquer

áreas do conhecimento, são apreendidos em níveis muito superficiais. Desse modo

impossibilita o aluno de realizar uma elaboração mais efetiva sobre o teor do

assunto. À vista disso, emerge o seguinte questionamento: o que e como fazer

diante dessa dificuldade do aluno de mergulhar nos meandros dos conteúdos que

lhes são apresentados?

Para o enfretamento dessa questão, este trabalho fundamentou-se nas

concepções teóricas de Bakhtin e Peirce que auxiliaram na compreensão do

problema e, a partir de então, na definição do objetivo e no direcionamento dos

encaminhamentos metodológicos. O objetivo traçado foi o de promover exercícios

de leitura, análise e interpretação a fim de expandir o potencial comunicativo em

nossos alunos. Daí o pressuposto de que, se o objetivo é tornar nossos alunos

preparados para ler, interpretar e, consequentemente, produzir textos, necessário se

faz que ambos os envolvidos nessa ação, professores e alunos, compreendam os

vieses desse processo. Ou seja, ambas as partes dominem as regras ditadas pela

linguagem nesse complexo jogo da comunicação que se faz presente nas mais

variadas esferas do universo humano, onde tudo se revela por meio das linguagens,

e estas, factualmente, moldam o discurso. Para isso, faz-se necessário termos em

mãos as bases teóricas que nos permitem seguir por trilhas seguras.

Bakhtin e Peirce, embora suas teorias percorram em suas largas diferenças,

há um ponto em que se cruzam, e vale mencionar. Trata-se do caráter dialógico da

linguagem, isto é, linguagem como fluxo. Santaella (2004, p. 171) explica que “Tanto

para Bakhtin quanto para Peirce, a fala não é propriedade privada de um eu

habitado pela linguagem”. Traduzindo as palavras dessa autora para este contexto

estudado, a linguagem (o discurso humano) é fluxo. Se é fluxo, há nesse processo

um movimento interno e, pela lógica, um movimento externo. Isto é, são as ações

dialógicas, interlocutivas (movimento social) que se realizam a partir de um discurso

codificado e articulado (movimento interno). Esse movimento de articulação dos

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elementos - sonoro, visual e verbal – que integram a composição e produção do

discurso é fundamentado na visão peirceana; e o da ação dialógica na esfera social

e seus desdobramentos, na visão bakhtiniana. São essas duas, portanto, as fontes

centrais de referência teóricas que sustentam os encaminhamentos metodológicos

adotados para essa tarefa.

Partindo desses princípios teóricos verificamos que para entender como se

organiza o nível de significado que se engendra nos processos de interação

dialógica, é preciso imergir no fluxo das linguagens. Essa imersão é aquela na qual

a maioria de nossos alunos não se arrisca adentrar por desconhecer seu território. É

neste ponto, portanto, a importância de o professor direcionar os exercícios de

leitura, incluindo variados gêneros, embasados em conhecimentos teóricos que

desvelam o funcionamento das linguagens nos processos comunicativos. Entender

as linguagens no fluxo do discurso é traduzir o mundo que se revela aos nossos

sentidos.

Para alcançar essa tradução, necessário se faz ler o mundo de forma bem

abrangente, do óbvio ao detalhe subentendido, do exposto ao pressuposto, do

explícito ao implícito. As diretrizes contextualizam claramente, assumindo a

concepção bakhtiniana de linguagem, o processo de leitura na prática de sala de

aula:

[...] a leitura é vista como um ato dialógico, interlocutivo. O leitor, nesse contexto, tem um papel ativo no processo da leitura, e para se efetivar como co-produtor, procura pistas formais, formula e reformula hipóteses, aceita ou rejeita conclusões, usa estratégias baseadas no seu conhecimento lingüístico, nas suas experiências e na vivência sócio-cultural. (DIRETRIZES, 2008, p. 71)

Considerando que toda atividade humana está relacionada à linguagem e

toda manifestação de linguagem se articula nas regras de um jogo comunicativo,

importante se faz compreender o mecanismo desse processo. A compreensão do

mecanismo de articulação sígnica (visão peirceana) nos enunciados discursivos

(visão bakhtiniana) levou-nos, mais seguramente, à escolha das atividades a serem

desenvolvidas nessa ação. Todas elas direcionadas para o exercício de leitura e de

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reconhecimento do potencial comunicativo das linguagens, desde as reveladas em

circunstâncias corriqueiras àquelas de maior nível de complexidade.

Para a reflexão inicial, interessa-nos discorrer brevemente sobre a concepção

de linguagem numa visão ampliada, aquela que se expande para além do verbal.

Seguidamente serão apresentados os recortes conceituais de Bakhtin e de Peirce,

nos quais este trabalho buscou elementos teóricos para se fundamentar.

2.1 Linguagem: um conceito ampliado

É a faculdade que o homem tem de se exprimir e comunicar por meio da fala. (CEGALLA, 2000.)

O termo linguagem é, comumente, associado e entendido sob o ponto de

vista linguístico, ou seja, da língua, que, ao nascer, o homem já encontra pronta. Daí

concluir que “a língua não está em nós, nós é que estamos na língua” (SANTAELLA,

1999, p. 78). Já linguagem, como conceito, pode atingir uma amplitude bem maior

do que se parece alcançar.

Pignatari (1971, p. 44) chama atenção para a distinção entre ambos os

termos. Enquanto língua está inteiramente ligada a manifestações particulares e

fundamentais, podendo assim dizer, restrita à comunicação verbal e sob a égide de

convenção ortográfica, a linguagem se funda em princípios gerais como forma de

todo e qualquer tipo de manifestação produtora de sentido, destituída de sistemas

pré-estabelecidos. Nesse esclarecimento de Pignatari está evidente que o território

da linguagem é bem mais amplo, e a linguagem verbal é só uma das formas de

linguagem. A linguagem verbal não é a única e exclusiva forma de linguagem que

somos capazes de (re) produzir, criar, transformar e consumir.

É de Santaella (2001) a tese de que as matrizes da linguagem se resumem

em três: sonora, visual e verbal. Para essa autora, grande é a impossibilidade de

uma linguagem ser reproduzida em sua forma pura, e, sim, que as linguagens se

combinam e se hibridizam (se misturam) o tempo todo.

Um exemplo concreto é este texto escrito que, por mais que revele sua

natureza verbal pelas palavras que o compõem, é, ao mesmo tempo, visual. Caso

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esse texto estivesse sendo lido em voz alta, teríamos a dupla verbal/sonora.

Perceba como as linguagens se misturam, na escrita é verbo-visual, na sonora é

sonoro-verbal, ou seja, são híbridas.

Dessa mesma concepção compartilha Blikstein (2005, p. 83) quando afirma

que a mensagem escrita pode ter uma dose de iconicidade, mesmo aquelas de

natureza informativa. Assevera ele que, mesmo em textos em que a mensagem está

constituída de signos linguísticos, ainda assim, é possível combinar o linguístico e o

visual, o linear e o icônico. Em outras palavras, esse autor quer dizer que o modo

como as palavras se apresentam na forma, na disposição, no tamanho, na cor, na

textura etc., elas passam a representar significados que se constroem a partir do

conjunto em que estão expressas.

Diante desses esclarecimentos, não é difícil reconhecer que um rico material

para se explorar essa visualidade predominante da linguagem são os anúncios

publicitários, sobretudo os impressos, em especial aqueles produzidos para mídias,

jornal e revista. Andrade (1978, p.6) define anúncio como um ”Material persuasivo

que é apresentado à massa como um apelo de uma entidade identificada; é

geralmente pago e, portanto, completamente controlado no contexto, apresentação,

veículo e tempo, pela entidade que emitiu o material”. Quanto sua finalidade básica

de anúncio, Moreira (1996, p. 32) explica que “[...] é informar, convencer, persuadir

segmentos de públicos em relação a idéias, serviços ou produtos.”

Analisando as características gerais de um anúncio publicitário, não é difícil

identificar dois aspectos que o formalizam como linguagem. Um é a sua constituição

a partir dos códigos (linguísticos e não linguísticos) nele empregados, isto é, o

processo de moldagem do discurso (cor, forma, palavra etc.). O outro são os

aspectos que se materializam na ação discursiva, ou seja, os desdobramentos da

ação dialógica (interlocução, tema, finalidade, intencionalidade etc.). Seguem-se

expostas sucintamente, nesta ordem, as postulações de Bakhtin e de Peirce.

2.2 Discurso: a natureza dialógica da linguagem e s eus gêneros

A linguagem é um dos sistemas de signos, e a linguística, enquanto ciência dos signos verbais, é apenas parte da semiótica, a ciência geral dos signos (...) ou a doutrina dos signos, dos quais os mais comuns são as palavras. (JAKOBSON, s. d.)

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Dentre as múltiplas e variadas formas de comunicação humana, o

discurso se concretiza na capacidade do sujeito para utilização de elementos e

recursos da língua, formular um enunciado para se expressar a outrem. A partir da

multiplicidade e da variedade das manifestações discursivas, entre as quais o

homem está envolvido, é que emergem os estudos sobre gêneros do discurso.

A concepção clássica de discurso comparece nas postulações de Aristóteles

(384 a.C. - 322 a.C.), em específico em sua Arte Retórica. Esse filósofo (s.d. p. 42)

apresentou uma divisão em três gêneros para a Retórica: o Deliberativo, o

Demonstrativo (ou epdítico) e o Judiciário. Esses três gêneros estavam em

correspondência à tríade que Aristóteles categorizava de elementos do discurso: (1)

a pessoa que fala; (2) o assunto de que se fala; e (3) a quem se fala.

Num salto para a contemporaneidade, evidenciamos, contudo, na visão

bakhtiniana, que para ele “um gênero dita o seu tipo pelas suas articulações

composicionais” (BAKHTIN, 1992, p. 315). Dessa forma, a multiplicidade de gêneros

do discurso se deve pela sua heterogeneidade, ou seja, seu caráter de diversidade.

Essa concepção bakhtiniana amplia os limites tradicionalistas em que ficou

demarcada, por séculos, uma visão pelo ângulo artístico-literário de sua

especificidade.

Esse autor, de talento e prestígio incontestáveis, rompe as fronteiras nas

quais a concepção de gêneros de discurso se construiu. No intento de maximizar o

rol de gêneros e de facilitar a definição do caráter genérico do enunciado, Bakhtin

(1992, p. 281) apresenta uma divisão dos gêneros: os primários e os secundários.

Estes correspondem a enunciados mais complexos e mais elaborados, tais como, o

romance, o teatro, o discurso científico, o discurso ideológico, dentre outros. Aqueles

compreendem a enunciados simples, isto é, práticas discursivas do cotidiano,

resultantes das comunicações verbais informais e espontâneas.

O diálogo entre os gêneros primários e secundários vem impresso em grande

parte dos processos comunicativos, como uma música, um poema, um conto, um e-

mail, uma propaganda. O discurso, que se molda nessas modalidades de

comunicação, revela aspectos tanto coloquial, marcado pela simplicidade informal,

quanto de circunstâncias mais formais e complexas. Essas composições discursivas

se constituem a partir da intencionalidade do falante. Esses, e todas as outras

possibilidades discursivas podem ser reveladas em diferentes facetas, com uma

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roupagem cinematográfica ora jornalística ou, ainda, literária, assim como num

discurso científico, político, ou, amiúde, na informalidade das ações do cotidiano.

Para a produção do Caderno Pedagógico foram selecionados alguns gêneros

do discurso para se trabalhar a produção de sentido. Além de narrativas, músicas e

imagens, deu-se ênfase ao discurso publicitário por suas duas fortes características.

A primeira, por sua natureza dialógica, a de que a palavra é a ponte em cujas

extremidades estão, de um lado, quem enuncia e, do outro, quem responde ao

enunciado. Ou seja, a palavra procede de alguém e se dirige a alguém. A segunda

característica é por natureza sígnica, o que permite adentrar nos meandros da

constituição desse discurso. A publicidade é uma modalidade de comunicação

constituída de elementos, sendo eles verbais e/ou não verbais, que se colocam em

(co) e (inter) relação das mais variadas forma.

A relação que gera significado no sentido bakhtiano explica-se como um

processo diádico, dialógico, o qual se refere à dimensão social, conforme exposto

acima. Enquanto em Peirce o processo de relação é triádico, uma concepção

semiótica da linguagem, válida para análise na dimensão interna em que uma

mensagem se constitui, conforme será exposto nesta sequência.

2.3 Semiótica peirceana: a natureza tríadica da lin guagem

O homem é um ser de linguagem, sendo assim, não é a linguagem que está no homem, e sim o homem, ele próprio, se faz linguagem. (PEIRCE, 2003.)

A dimensão dialógica da linguagem se revela por meio dos elementos

interativos que transitam pelas diferentes esferas da comunicação, e, por

conseguinte, imprime e exprime o social representado. Já a dimensão triádica da

linguagem se revela nas representações das quais um discurso se utiliza para se

compor e se expor. Isto é, por meio de palavras, formas, sinais, cor etc. Esta é a

dimensão que nos permite adentrar nos meandros em que se instaura a confecção

do discurso, isto é, sua codificação.

Para que possamos entender o processo textual de produção de sentido de

um enunciado cujo contexto está permeado por outras formas de linguagem,

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recorremos a postulações semióticas, visto que o objeto aqui estudado requisita tal

abrangência. Conforme postula Peirce (2003), filósofo e semioticista americano, o

homem é e se faz de linguagem. A teoria semiótica de base peirceana oferece

fundamentos para a compreensão de todas as formas de linguagem. Em suma,

dessa raiz semiótica se pode desvendar o que são e como operam os Signos; e, por

meio dos Signos, como opera o pensamento; e, consequentemente, os modos pelos

quais podemos compreender as coisas. Dessa ampla teoria fez-se um recorte e dela

retirou-se alguns conceitos que, de forma muito sintética, serão apresentados. São

eles: o conceito de signo e sua forma de representação; inferências por similaridade

e contiguidade; e experiência colateral.

A familiaridade com esse conceitual semiótico possibilita ao professor

potencializar seus debates e reflexões em sala de aula, haja vista o rol de

indagações que o professor pode fazer nessa ação pedagógica. Importante no

debate com alunos a clareza de que para a apreensão e tradução de uma

representação sígnica é preciso estabelecer uma relação entre o signo e o que ele

representa.

Mas afinal, o que signo? Vale adiantar que não se trata dos signos do

zodíaco, e que na teoria peirceana também são signos. Entre as várias definições

formuladas por Peirce, será apresentado, de forma bem explicativa, o conceito de

signo:

O signo é uma coisa que representa outra coisa: seu objeto. Ele só pode funcionar como signo se carregar esse poder de representar, substituir uma outra coisa diferente dele. [...] Por exemplo: a palavra casa, a pintura de uma casa, o desenho de uma casa [...], são todos signos do objeto casa. [...] A partir da relação de representação que o signo mantém com seu objeto, produz-se na mente interpretadora um outro signo que traduz o significado do primeiro (é o interpretante do primeiro). (SANTAELLA, 1999, p. 58.)

A concepção triádica de Peirce se mostra nestes três elementos: Signo;

Objeto; e Interpretante. Para esse pensador, tudo que é apreendido na consciência,

de algum modo e em alguma medida, pode-se considerar como uma espécie de

signo.

Em outras palavras, podemos dizer que Signo é uma representação. É algo

(de qualquer natureza) que está no lugar de outra coisa (do objeto que ele

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representa) de modo a se revelar para quem o recebe, por meio de quaisquer dos

cinco sentidos, e provocar na mente da pessoa associações que a leve a traduzi-lo.

Esse processo tradutório, um signo gerando outro signo, na semiótica recebe a

denominação Semiose. No sentido peirceano, semiose (do grego semeosis; sufixo

– sis= ação ou processo) significa ação interpretativa por meio de signos (VALENTE;

BROSSO, 1999, p.81).

No ato de leitura (apreensão de qualquer estímulo que nos chaga à mente),

essa ação se dá num movimento ininterrupto. Esse movimento ocorre porque o

signo, na sua relação triádica, tem uma ação bilateral. De um lado, está o objeto

representado, algo fora dele; de outro, uma mente interpretadora que irá processar

aquele signo em outros signos (SANTAELLA, 1999, p. 52). Trata-se de uma cadeia

de signos que, por meio de associações, vão se enredando por suas características

afins.

Semiose, então, é essa cadeia sígnica que se constrói quando estamos

diante de qualquer circunstância comunicativa (sonora, visual e verbal). É um signo

se revelando em outro signo, ou melhor, um signo sendo traduzido em outro signo. A

problemática da qual esta proposta parte instala-se precisamente neste ponto. A

apreensão dos conteúdos pelo aluno em baixo nível interpretativo é uma marca da

fragilidade da semiose. Essa ocorrência, a semiose, se efetiva pelas possíveis

associações que nossa mente interpretadora é capaz de realizar. Nesta proposta

são essas associações que se espera que o aluno realize.

Diante disso, as atividades da aplicação focalizaram-se no exercício de leitura

(verbais e não verbais) e nas possibilidades associativas a que um signo está apto a

estabelecer. Em suma, a relação signo / objeto / interpretante, que resulta em

semiose, estabelece-se por meio de associações que nosso aluno é capaz de fazer.

O conceito de associação defendido por Peirce vem ao encontro do que se

pretende demonstrar nesta proposta didático-pedagógica. Nos processos

discursivos, seja ele um conto, uma música, uma fotografia, um anúncio publicitário,

o conteúdo vai se entretecendo e acamando-se nos vários níveis da mensagem, uns

apreensíveis mais claramente, outros nem tanto e, outros ainda, minimamente, e

tantos outros se instalam na obscuridade. Mas são as associações (a junção

daquela apreensão imediata a outros conteúdos do repertório da pessoa) que

determinarão tal nível. No conceito peirceano, as associações são inferências as

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quais se desencadeiam de dois modos: por similaridade e por contiguidade

(VALENTE; BROSSO, 1999, p. 97).

Peirce (CP 7.444) afirma que “Todas as inferências estão realmente

conformadas sob a influência de uma lei de associação”. Fazer inferências resulta

de uma ação cognitiva em que a pessoa, a partir de uma particularidade ou ideia

inicial, conclui, deduz algo sobre alguma coisa. Por isso, na concepção peirceana,

contiguidade e similaridade (contiguity and resemblance) são inferências, e ambas

implicam as qualidades que a mente aproxima.

Inferência por contiguidade é aquela que, quando uma ideia é familiar por

partir de um sistema de ideias, pode trazer o sistema à mente de uma pessoa – e

desse sistema, por alguma razão, outra ideia pode destacar-se e vir a ser pensada

por si mesma (PEIRCE CP 7.391 apud PIGNATARI, 1971, p. 46).

Já a inferência por similaridade consiste no fato de a mente unir no

pensamento duas ideias que se têm por similares (PEIRCE CP 7.392 apud

PIGNATARI, 1974, p. 46). Neste tipo de associação, a operação mental resulta do

processo de apreensão das qualidades, ou seja, é a capacidade de voltar a atenção

para o aspecto qualitativo aí envolvido (CP 7.446). Daí se pode depreender que a

associação por similaridade é a junção de uma ideia a outra, por analogia, pela

aparência física ou por algum aspecto de identidade entre duas ideias.

Como já exposto, para traduzir um signo em outro signo demanda, por parte

do receptor, um constante exercício que exige do intérprete processar associações –

similaridade ou contiguidade. Importa ainda acrescentar que para potencializar essa

ação associativa do cérebro, é preciso que o intérprete busque a referência de um

determinado signo por uma outra via, fazendo valer-se de seu repertório já adquirido

e, ao mesmo tempo, ampliando-o por meio dessas novas experiências.

A concepção de repertório apresentada nesta proposta vem ao encontro da

concepção expressa nas Diretrizes Curriculares / Língua Portuguesa (2008, p. 56):

“Ao ler, o indivíduo busca as suas experiências, os seus conhecimentos prévios, a

sua formação familiar, religiosa, cultural, enfim, as várias vozes que o constituem. A

leitura se efetiva no ato da recepção, configurando o caráter individual que ela

possui [...]”.

Para denominar esse processo cumulativo de conteúdo por meio de

experiência vivenciada pelo indivíduo, Peirce cunhou a expressão Experiência

Colateral. Em resumo, a tradução sígnica ocorre pelas associações que uma mente

15

interpretadora realiza a partir de um conhecimento prévio. Lembrando Peirce, só

interpretamos aquilo que estamos aptos a interpretar, obviamente pela experiência

que cada um detém. Isto é, a interpretação se efetiva pelo processo de associações

realizadas pela mente humana resultado de suas experiências internalizadas.

A linha conceitual aqui apresentada se mostra, por vezes, complexa, é fato.

Contudo, esse manancial teórico revela-se de grande importância para a

compreensão deste outro objeto não de menor complexidade: a produção de sentido

no interior do discurso. Estudar, analisar e compreender o processo de produção de

sentido nessa multiplicidade de linguagens operando no universo da comunicação

humana demanda muito empenho. Estamos entranhados numa rede na qual o

menor sinal se faz representar. Porque um sinal, por menor que seja sua indicação,

ele é um signo. É característico dos sinais apontarem para seus objetos. Entretanto,

muitas vezes há signos que não nos indicam nada, não apontam para direção

alguma. Eles apenas carregam sutis qualidades dos objetos, cabendo a quem quer

que seja buscar no pensamento ferramentas para alcançá-lo.

Com o objetivo de amarrar todos esses fios que ajudaram a tecer o corpo

teórico dessa proposta pedagógica, a parte seguinte apresenta aplicação das

atividades propostas no Caderno Pedagógico, cujo processo visou explorar o jogo

de sentido do discurso. A finalidade dos conteúdos desse material foi a de promover

exercícios de leitura que exigissem do aluno especial atenção aos efeitos de sentido

para os quais os discursos se abrem. Nesse contexto foi dada ao aluno uma

ferramenta de expressão para que pudesse conferir a seu pensamento forma e

feição concretas, com a certeza de que a competência de recepção de leitura trata-

se de um domínio, ou de um talento, que precisa ser exercitado.

3. Pelas vias da ação: encaminhamentos metodológico s

A ação de aplicação desta proposta didática esteve toda ela centrada em criar

possibilidades de promover, entre os alunos, uma reflexão sobre a articulação dos

elementos presentes no texto como mecanismo de produção de sentido. A

importância de se compreender que um texto se constitui desse entrelaçamento que

as linguagens tecem (verbal e não verbal), certamente conduz o aluno a impor uma

16

atenção redobrada no momento de sua apreensão. Foi nesse viés que a presente

proposta percorreu suas ações metodológicas centradas na atividade de leitura dos

efeitos de sentido no discurso, cujo conteúdo foi apresentado em duas partes.

A primeira delas correspondia à Unidade 1 do Caderno Pedagógico e seu

foco centrou-se na produção de sentido de dois gêneros discursivos (conto e

música) a partir dos aspectos verbais da linguagem. Foi subdividida em duas

propostas: (1) a produção de sentido gerada pelas articulações sintáticas no

discurso; (2) nos aspectos fonológicos.

A segunda parte, referente à Unidade 2, trouxe para o exercício de leitura o

discurso que se constrói a partir da mistura e da complementação das linguagens

(verbal e não verbal), um tipo de construção característico do discurso publicitário. O

foco, a partir de então, expandiu-se direcionando a leitura para a exploração dos

efeitos de sentido do discurso resultantes da hibridização (mistura) das linguagens.

Esta etapa foi apresentada em duas propostas cujo nível de complexidade elevou-se

sequencialmente. Foram subdivididas assim: (1) a produção de sentido na imagem a

partir de seu mecanismo de ancoragem; (2) os efeitos de sentido na publicidade a

partir da articulação sígnica.

Para essa implementação pedagógica, o período mínimo previsto,

inicialmente, foi de trinta e duas horas. Contudo o tempo se excedeu, chegando a

quarenta horas aproximadamente. Isso se deve pela própria complexidade dos

conteúdos, e também, pela realização de uma atividade complementar, a visita a

uma Agência de Publicidade e Propaganda.

As etapas dessa aplicação seguem-se apresentadas mais detalhadamente e

a discussão de seus resultados será apresentada no item subsequente.

3.1 A produção de sentido: aspectos verbais da ling uagem

Interessou-nos na introdução dessa Unidade 1 antecipar para o aluno que na

ação interlocutiva, ou seja, na atividade comunicativa entre interlocutores, os signos

linguísticos são potencialmente ricos em produzir os efeitos de sentido em um

discurso. Duas propostas foram apresentadas nessa etapa do trabalho. A primeira

17

direcionada a elementos sintáticos na construção de sentido do discurso, e a

segunda, aos elementos fonéticos.

3.1.1 Efeitos de sentido: uma questão sintática

O reconhecimento, por parte dos alunos, dos efeitos de sentido gerados a

partir da escolha lexical e da organização e disposição das palavras nos enunciados

(a sintaxe) foi o objetivo na direção do qual esta primeira proposta trilhou. O texto-

base trabalhado foi o conto Modos de Dizer de Mario Bachelet (1980, p. 38). Sua

apresentação teve um duplo propósito. O primeiro visava a resgatar a peculiaridade

desse gênero discursivo: a história contada. Sendo assim, o texto foi apresentado

oralmente na voz da professora, oportunidade de enfatizar algumas marcas da

oralidade. O segundo especificamente com a intenção de omitir parte do discurso,

mais precisamente as falas de dois personagens sobre as quais o efeito de sentido

se constrói, a fim de promover entre os alunos certa expectativa em relação ao

desfecho da história.

Na sequência, abriu-se um debate para saber dos alunos qual teria sido o

discurso desses personagens razão por que cada qual tivera fins tão diferentes.

Resumidamente, essa é a história de um rei que sonhou que todos os seus

dentes lhe caíram da boca e para interpretar o sentido de seu sonho um adivinho foi

chamado. Contrariado com a interpretação deste, o rei mandou decepar-lhe a

cabeça e aceitou ouvir uma segunda opinião. Esta agradou tanto ao rei que ele

concedeu a este adivinho presentes valiosos. A partir de então, a questão que se

instala é: O que disse o primeiro adivinho que resultou em sua condenação à morte,

e o segundo em receber tamanha exaltação?

A propósito das variadas conjecturas apresentadas pelos alunos, os discursos

dos dois adivinhos foram exibidos em slide na tela da televisão, em vez de

oralizados pela professora. Haja vista que as falas dos personagens seria o centro

da análise, essa ação foi assim pensada considerando que o discurso escrito

(configurado em linguagem verbo-visual) é, de certa forma, estável e permite ao

aluno uma apreensão com mais vagar, mais detalhadamente. Já o discurso oral

(linguagem sonoro-verbal), sua materialidade é fugaz e evanecente. A

18

instantaneidade é uma característica própria da linguagem sonora, daí sua

apreensão exigir do ouvinte muito mais atenção.

Estampados os dois fragmentos do conto na versão escrita, primeiramente

um por vez, e, posteriormente, dispostos em tabela comparativa, foi possível iniciar

uma análise mais detalhada sobre o efeito de sentido criado a partir do discurso de

cada personagem. O primeiro se expressou assim: “Está para lhe suceder uma

grande infelicidade. Todos os seus parentes, a rainha, os seus filhos, netos, irmãos,

todos vão morrer sem ficar um só ante os olhos de vossa majestade”. O segundo

organizou seu discurso desta forma: “Vossa majestade terá muitos anos de vida.

Nenhum de seus parentes lhe sobreviverá. Nem mesmo o mais moço e mais forte

terá o desgosto de chorar a perda da vossa majestade”.

As atividades que se seguiram partiram dessa concepção: o efeito de sentido

resultante da escolha lexical, da organização e disposição das palavras no discurso.

Para a prática de escrita, os alunos individualmente realizaram a reescritura de

alguns enunciados, exercitando assim alguns mecanismos de linguagem, tais como

a paráfrase e o emprego de figuras de linguagem, com ênfase no eufemismo.

O material produzido foi socializado para os demais alunos da sala

permitindo, assim, a realização entre eles de uma análise sobre os efeitos de sentido

a partir da comparação entre os enunciados, o original e o parafraseado.

Nesta etapa subsequente as atenções estão voltadas para os efeitos sonoros

que determinadas palavras estão aptas a produzir no contexto em que se armam o

jogo de significados.

3.1.2 Efeitos de sentido: uma questão fonológica

O gênero de discurso trabalhado nesta ação foi a música. Duas canções

foram o foco do exercício de exploração dos efeitos de sentido gerados no conjunto

discursivo da música (linguagem sonoro-verbal). A primeira foi a música Hábito,

interpretada pela dupla Guilherme e Santiago. A segunda, Construção, de Chico

Buarque de Holanda. Ambas apresentam uma característica bem peculiar. É a

presença de várias palavras proparoxítonas em seus discursos. O objetivo dessa

atividade foi explorar os efeitos de sentido gerados pelas palavras proparoxítonas

19

presentes em seus discursos, levando-se em conta dois aspectos: o fonológico (a

sonoridade das palavras) e o gramatical (a regra de acentuação gráfica das palavras

proparoxítonas).

Inicialmente os alunos receberam uma cópia impressa do texto da música

Hábito da qual os acentos gráficos das palavras proparoxítonas foram

propositalmente retirados. Dessa forma, depois de uma exposição realizada pela

professora sobre as principais regras de acentuação gráfica, cabia ao aluno o

exercício de acentuar as palavras do texto, ao som da música. Um momento

oportuno para uma análise dos aspectos sonoros das palavras proparoxítonas.

A proposta seguinte foi direcionar o aluno para a tarefa de trazer para a aula a

letra da segunda canção, Construção. Com os dois textos em mãos, empreendia-se,

a partir daí, uma análise sobre a produção de sentido gerada pela escolha lexical: o

emprego das várias palavras proparoxítonas nos finais dos versos da canção. O

direcionamento da discussão era o de apresentar aos alunos questionamentos e

provocações que os levassem a mergulhar nos meandros do discurso a fim de

perceberem os sinais dos mais óbvios aos mais sutis. Para essa tarefa, o aluno teria

que demonstrar potencialidade tanto analítica quanto reflexiva.

Para uma apreensão mais analítica da leitura, o roteiro de ação seguia este

esboço: (1) identificação das palavras proparoxítonas no texto e a compreensão da

essência de sua regra cujo princípio normatiza que todas as palavras com essa

tonicidade (na antepenúltima sílaba) são acentuadas graficamente, sem exceção; (2)

posição das proparoxítonas nos versos da canção; (3) verificação do efeito sonoro:

rima; (4) análise do referencial semântico das palavras do título das canções;

“Hábito” e “Construção”; (5) o reconhecimento do tema de cada canção, a partir do

aspecto dialógico; (6) análise comparativa entre o princípio da regra de acentuação

das proparoxítonas e dos significados impregnados nos temas das músicas.

Já para uma apreensão mais reflexiva da leitura, partiu-se dos seguintes

questionamentos: (1) Qual o ritmo sonoro que as palavras proparoxítonas

produzem? (2) É possível comparar, no contexto da música, o que se entende por

“regra” e o que se entende por “hábito”? Qual o nível de semelhança que se

estabelece na geração de sentido que essas duas palavras podem produzir? Pode-

se dizer que “hábito” e “regra” são conceitos que estão atrelados, ou seja, estão

interligados, conferindo e complementando sentido ao discurso da música de

Guilherme e Santiago? (3) Em relação à música “Construção”, quais as possíveis

20

associações que as palavras proparoxítonas estão aptas a gerar na mente do

ouvinte ou do leitor da canção? (4) É possível pensar o projeto de uma “construção”

desprovido de “regra”? (5) O trabalho exercido por um trabalhador da construção

civil, está relacionado a uma atividade sistemática, metódica, ordenada ou,

simplesmente, improvisada e desordenada? (6) É possível traçar um fio que liga em

algum ponto de sua extensão o sentido produzido pelas palavras “regra (de

acentuação gráfica)”; “hábito” e “construção” no contexto social dessas músicas?

Na sequência estão apresentados fragmentos das duas canções, Hábito e

Construção respectivamente.

“Um amor não é preciso tanta mágica, / se entrega e não seja assim tão lógica, / você tomou meu coração tão rápido, / que amar você já se tornou um hábito!” (Guilherme e Santiago) (Grifo nosso)

“Amou daquela vez como se fosse máquina / Beijou sua mulher como se fosse lógico / Ergueu no patamar quatro paredes flácida / Sentou pra descansar como se fosse um pássaro / E flutuou no ar como se fosse um príncipe / E se acabou no chão feito um pacote bêbado / Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado.” (Chico Buarque de Holanda) (Grifo nosso)

Nesse exercício o debate concentrou as vozes dos alunos expressas em

conjecturas, opiniões e posicionamentos diversos, um momento importante para a

formulação e reformulação de conceitos sobre as linguagens e seus

desdobramentos na produção de sentido do discurso. Dessa socialização partem

conceitos introdutórios dos exercícios de leitura que se seguem. Na segunda parte

desta aplicação, as atividades de leitura, referentes à Unidade 2 do Caderno

Pedagógico, trazem discursos impregnados de linguagens híbridas e que, para ser

lido, exigirá do aluno um nível maior de atenção.

3.2 A produção de sentido: aspectos híbridos das li nguagens

Para avançar no exercício de leitura de um nível de maior complexidade

(linguagens híbridas), coube a professora promover entre os alunos, de forma

21

simplificada, um diálogo sobre alguns conceitos teóricos, o da ação dialógica e o da

representação sígnica da linguagem. Duas modalidades discursivas foram

propostas: um jogo de imagens e anúncios publicitários. A primeira focalizada no

mecanismo de ancoragem e a segunda, na articulação dos elementos verbo-visuais

do discurso.

3.2.1 Efeitos de sentido na imagem: uma questão de ancoragem

Essa primeira proposta foi um aquecimento prévio antes de adentrar no

discurso publicitário, propriamente dito. Seu objetivo centrava-se em explorar, a

partir de diferentes enunciados verbais, os possíveis efeitos de sentido gerados no

entrecruzamento das linguagens: imagem fotográfica e palavra, considerando a

concepção de ancoragem apontada por Roland Barthes (In. VESTERGAARD;

SCHRODER, 1997).

A atividade foi uma adaptação do modelo de um jogo da Estrela chamado

Talento, lançado no Brasil no início dos anos de 1980. Em síntese, esse jogo explora

a capacidade do jogador de juntar um enunciado verbal a uma imagem. Vence a

rodada aquele que tirar, aleatoriamente, o enunciado mais criativo para a imagem

selecionada, segundo a opinião de seus jogadores. Em se tratando de linguagem, é

a concepção barthiniana de ancoragem, isto é, o verbal ancorando, ou conferindo

legenda, a imagem.

A ação permitiu, no primeiro momento, explorar uma análise comparativa dos

efeitos de sentido produzido por uma imagem sem legenda e posteriormente com

legenda. As imagens foram exibidas no formato slide, e, a cada rodada, cinco alunos

recebiam listas diferentes contendo cada uma delas vinte enunciados (proposições

curtas) também diferentes. O exercício consistia na escolha, pelos participantes, da

melhor legenda para a imagem exposta. Cada aluno defendia o enunciado

escolhido, por meio de um texto escrito, apresentando as possibilidades de

associação que os signos verbais estariam aptos a gerar naquele contexto. Essa

defesa era socializada para a turma da sala, cuja tarefa era a de apontar o

argumento mais convincente a partir da exposição oral e a coerência textual

apresentadas pelo colega. Desta ação, todos os alunos participaram da dupla tarefa,

22

a etapa da escolha e argumentação e do debate para identificação da argumentação

centrada na questão em estudo.

Realizado o exercício de aquecimento, parte-se então para a etapa que visa

explorar, na mesma ação discursiva, um anúncio publicitário em ambas as relações:

a dialógica e a triádica referente à representação sígnica.

3.2.2 Efeitos de sentido na publicidade: uma questã o sígnica

Um anúncio publicitário, sendo um gênero do discurso, possibilita explorar

ambos os aspectos: da sua ação interlocutiva (externo) à articulação organizativa

dos elementos verbais e não-verbais (interno) presentes no discurso para se fazer

significar. Ler e reconhecer os efeitos de sentido gerados por meio da representação

dos elementos verbais e não-verbais, próprios do discurso publicitário, contidos nos

signos que se articulam no anúncio publicitário impresso, foi o objetivo desta ação.

Para expandir o acesso dos alunos aos materiais utilizados nessa etapa, mais

precisamente as revistas, foi indicado ao aluno o Acervo Digital da revista Veja. Foi

ainda sugerido que promovessem entre eles uma coleta de revistas de títulos

variados para a pesquisa de anúncios publicitários.

Por dezesseis aulas, uma sequência de quatro anúncios foi apresentada aos

alunos, sendo três deles em slides, e um outro, o último da lista, apresentado no

formato banner. Avançava-se o grau de complexidade a cada nova apresentação.

Isto é, a cada sucessão de anúncios mais significados se buscava explorar a partir

do engendramento de seu discurso. Chegara, pois, o momento de unir os pontos, ou

seja, explorar a leitura a partir dos conceitos apresentados no decorrer da aplicação

da proposta. Os anúncios foram trabalhados nesta ordem: PIRELLE (VEJA, ed.

1833, 17 dez. 2003, p. 207); VIVARA (VEJA, ed. 1801, 7 maio 2003, p. 136);

ZOOMP (VOGUE BRASIL, ed. especial, 2008, p. 6-7); SHAMPOO OX (VEJA, ed.

1677, 29 nov. 2000, p. 26).

Diante de cada anúncio apresentado, os alunos empreenderam-se nas

seguintes ações: (1) identificação dos elementos visuais e verbais do discurso; (2)

reconhecimento da estrutura textual do gênero anúncio publicitário; (3)

reconhecimento da ação interlocutiva no anúncio publicitário; (4) compreensão do

23

mecanismo do discurso e sua ação dialógica na modalidade gênero publicitário; (5)

análise comparativa dos efeitos de sentido produzido por uma imagem sem legenda

e posteriormente com legenda; (6) identificação das intenções ideológicas e

propósitos discursivos presentes no anúncio publicitário, conforme concepção

bakhtiniana; (7) registro, oral e escrito, das possibilidades associativas (similaridade

e contiguidade) a partir dos elementos verbo-visuais do anúncio, considerando o

potencial comunicativo de um signo para se fazer representar, conforme postula

Peirce; (8) pesquisa de materiais publicitários para análise dos aspectos discursivos

e dos mecanismos de representação sígnica da linguagem.

O primeiro anúncio (Pneus Pirelli) apresentava uma composição visual muito

simples de ser identificada. A ênfase visual estava na imagem enquanto o discurso

verbal, já mais em um segundo plano, compunha-se do título “Garra e controle em

mão seguras.” e mais algumas frases que completavam a mensagem escrita.

Quanto à imagem, constituída de um único elemento, na forma como apresentada

evocava também os significados mais internos do discurso. Esse elemento visual se

revelava em formato semelhante de um punho cerrado, cujos dedos sobre uma

superfície aparentavam quatro pneus. Essa possível associação era reforçada pela

aparência material de que essa mão era constituída. Essa característica lembrava,

por semelhança física, o material de borracha do qual são fabricados os pneus.

Esse, portanto, era o engendramento desse discurso, e sua leitura era simples, visto

que associações eram bem evidentes, em especial as associações por similaridade.

Dando seguimento à aplicação, outros dois anúncios foram apresentados,

inicialmente um por vez e depois em comparação. Ambos traziam consigo objetivos

publicitários bem semelhantes, o de expor visualmente a marca, deixando o produto

a um segundo plano. Esse era um reconhecimento que se esperava que o aluno

fosse capaz de realizar. O primeiro anúncio foi o de uma sofisticada joalheria, a

marca VIVARA; o segundo, de uma renomada confecção de roupa, ZOOMP.

No primeiro plano da leitura se explorou alguns aspectos mais explícitos do

discurso. Contudo, para a apreensão de conteúdos mais velados, como a

intencionalidade, necessário seria empreender uma leitura a partir das inferências

associativas. Primeiramente, uma leitura estabelecendo as possíveis associações

por similaridade partindo da seguinte questão: O que há de comum entre a pose dos

modelos e o nome das marca VIVARA e ZOOMP?

24

Na peça publicitária VIVARA, esperava-se, contudo, que o aluno

reconhecesse o aspecto qualitativo - “formato V” - no arranjo estratégico da

composição da peça. Essa forma visual comparece na pose da modelo, na posição

dos braços, pernas e o decote e cava do vestido, todos se apresentam com a

aparência do formato da letra V. De igual modo, na peça ZOOMP empregou-se essa

mesma estratégia, a de imprimir a marca no conjunto da obra. Ou seja, o modelo

desse anúncio faz uma pose corporal no formato da letra Z, que faz correspondência

à letra inicial do nome da marca. Essa pose não só tem semelhança à letra Z como

também apresenta semelhança com o formato da figura de um “raio” que se soma a

palavra ZOOMP, compondo assim a identidade visual da marca. Em síntese, são

lindas mulheres que carregam (e que encarnam) o nome VIVARA como marca de

jóia, e não diferentemente a marca ZOOMP imprime-se nos corpos de homens viris.

A partir daí novas possibilidades de associações vão se abrindo, mas lembrando

que o desencadear desse fluxo de associações depende do repertório de cada

mente interpretadora.

Nessa fase do processo de aplicação da proposta, os alunos realizaram uma

visita a uma agência de publicidade e propaganda.

Com a realização dessa visita e as leituras dos três anúncios anteriores,

chegava-se a reta final. O anúncio seguinte fecharia o rol de peças publicitárias

previstas nessa segunda unidade do Caderno Pedagógico. O objetivo centrou-se no

exercício de leitura que explorasse todos os aspectos de linguagem trabalhados

anteriormente. Equipes com três integrantes foram montadas. O anúncio SHAMPOO

OX PLANTS foi apresentado em banner. Esse exercício seguiu o roteiro das

atividades anteriores, incluindo o diálogo teórico, os questionamentos, o registro

escrito da leitura, os debates e a conclusão.

Para uma demonstração prática, segue um exemplo das possibilidades de

leitura do anúncio, realizada sob o olhar semiótico da professora, o mesmo

trabalhado com os alunos. Como explicitado anteriormente, para desvelar o

emaranhado no qual se tece um discurso, precisamos empreender um olhar muito

atento para as particularidade e sutilezas da trama discursiva. São, portanto, nesse

ponto que os conceitos semióticos colaboram nessa compreensão de como esses

aspectos se armam no discurso.

25

Firma-se então um convite ao leitor para um mergulho nos meandros deste

discurso: SHAMPOO OX PLANTS, produzido por Grottera.com3.

Nessa peça publicitária são dois, basicamente,

os elementos visuais presentes no anúncio. A primeira

imagem é a do produto, o xampu, e a segunda, a de um

réptil de calda longa e pele escamosa, o iguana. Ambas

emolduradas sobre um fundo avermelhado. O texto

verbal resume-se nas palavras do rótulo do produto, na

frase disposta no canto inferior esquerdo do anúncio e,

à direita, encerra-se com o número de telefone do

Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC. Há,

portanto, presença das linguagens verbal e não verbal.

A linguagem verbal cumpre sua função dialógica, tendo como foco um

interlocutor a quem repassa sua mensagem. Por um lado, se examinarmos, de

modo mais detalhado, como os signos fazem representar as coisas, vamos perceber

que outras camadas de sentido vão se construindo nesse anúncio. Há muito mais

significados que não se mostram no discurso verbal. Uma forma de se alcançar

outros significados, para além daqueles mais explícitos, é deter nossa atenção nas

qualidades do signo. Isto é, estabelecer relações a partir das cores, tonalidades,

formas e textura que caracterizam os elementos visuais do anúncio.

É chegada a hora, então, de juntarmos as pontas dessa relação. Para se ler

as camadas de sentido desse discurso, é preciso que o leitor desse anúncio detenha

algum conhecimento anterior para estabelecer outras relações de significados.

(1) A imagem mostrada na folha da revista é semelhante ao animal existente

na fauna brasileira, o iguana. Esse reconhecimento se dá via às associações por

similaridade, ou seja, o cérebro faz uma associação de ideias que se tem por

semelhantes.

(2) Ao olhar para a imagem do iguana, leitor/intérprete, que tenha

familiaridade com o objeto ali representado, já pode identificar a qual espécie de

animal pertence. Não se trata de um animal doméstico. Essa operação da mente

ocorre por via de associação contígua, ou seja, o interpretante gerado pelo signo

tem potencial para sugerir ideias familiares.

3 O direito de uso desse anúncio neste trabalho foi cedido à autora por Luis Grottera., e firmado em contrato.

26

(3) Nesse contexto a cauda do iguana, por via de similaridade, pode evocar a

aparência de um fio de cabelo. A partir dessa relação de comparação entre as

qualidades da cauda e as qualidades do fio de cabelo, a cadeia semiótica tende a

ampliar-se.

(4) Nesta imagem, a posição em que o iguana se encontra pode sugerir que

está agarrado à cabeça. A imagem da garra pode criar um efeito interpretativo que

sugira um fio de cabelo fortemente preso à sua raiz.

(5) Associando a longa calda do iguana a um longo fio de cabelo, segue o fio

interpretativo de que é possível estabelecer algumas semelhanças entre a pele

escamosa do iguana e as invisíveis escamas que recobrem um fio de cabelo. São,

portanto, características afins entre ambos. A aparência da cauda e da pele do

iguana aproxima-se da aparência na forma e na textura visual de um fio de cabelo.

(6) As cores verde e amarela remetem-se às cores de brasilidade. Embora o

nome do produto Shampoo OX Plants esteja representado por palavras da língua

inglesa, a produção é genuinamente brasileira.

(7) O texto verbal Recomendado pela mãe natureza complementa a ideia de

que os princípios ativos do produto são naturais. O signo verbal mãe desencadeia

interpretantes do que já está culturalmente convencionado: não se ignora a

recomendação de uma mãe. Entre considerar a recomendação de um desconhecido

(no caso aqui, o anunciante) e a recomendação da mãe, esta parece ser a opção

mais sensata, visto que “recomendação de mãe deve ser acatada”.

Em síntese, o iguana é uma metáfora do fio de cabelo. Essa relação se

estreita quando comparamos alguns aspectos qualitativos, como: a extensão

longitudinal, características da cauda do animal e do fio de cabelo; como a cutícula

do fio e pele em escamas do animal. Quanto à qualidade do produto (xampu que

trata e promove crescimento dos cabelos), esta se revela nas imagens da longa

cauda do animal preso no topo do frasco (garante a fixação dos fios no couro

cabeludo), e de elementos da natureza (produzido a partir de princípios naturais).

Vale lembrar que essa rede de significados (semiose) acima apresentada

resume apenas uma pequena parte de um amplo leque de possibilidades de se ler

um texto.

Essas quatro propostas de leitura da ação pedagógica – o conto, a música, a

imagem e o anúncio publicitário – visaram, de maneira gradual, lançar o aluno nos

meandros de discursos cuja composição resultava da combinação e/ou, ainda, da

27

hibridização (mistura do verbal e não-verbal) de linguagens. O alcance desse

objetivo está apresentado a seguir.

4 Resultado e Discussão

As atividades que permearam o percurso da ação pedagógica deste trabalho

estavam subdivididas em quatro modalidades de discurso. Separadamente ou em

seu conjunto, elas perseguiam um mesmo objetivo. Estavam voltadas para que

aluno exercitasse sua capacidade de adentrar nos meandros de um processo

discursivo para dele alcançar e abstrair os significados, a partir da articulação dos

elementos sonoros, visuais e verbais, por mais sutis que se mostrassem. Ou seja,

um exercício para potencializar sua competência de recepção do mundo externo que

tende a se desenvolver a partir das experiências, uma parte significativa,

vivenciadas em sala de aula.

A parte introdutória dessa ação se lançou em abordar as concepções teóricas

dessa proposta. Em relação aos aspectos dialógicos da linguagem considerando

apenas alguns deles (interlocutor, vozes sociais, intertextualidade, tema, finalidade),

50% da turma demonstraram desconhecimento. A outra metade, uma lembrança do

conteúdo, porém com habilidade limitada para estabelecer aplicabilidade do

conceito. Quanto à concepção semiótica da Linguagem, essa foi para todos

essencialmente inédita, o que já era esperado. A menção a Bakhtin e a Peirce soou

como novidade, tanto sonora quanto de familiaridade. Nesse sentido, foi perceptível

o quão distante do aluno ficam os referenciais teóricos que sustentam os conteúdos

com os quais ele está em contato em seu cotidiano escolar. Sendo assim, ele

próprio, o aluno, acaba por concluir ser do professor a autoria de tais formulações

conceituais. Importa destacar que cabe, portanto, ao professor a tarefa de estreitar

essa fenda, instalada há tempo.

Após essa abordagem conceitual e exemplificações práticas, foi dado início à

aplicação das duas Unidades Didáticas. Neste ponto o aluno já havia sido

apresentado ao objeto de estudo dessa ação como também aos elementos teóricos

que o fundamentaram. A parte prática resumiu-se em quatro propostas, sendo duas

de cada unidade.

28

Unidade 1 / Proposta 1. Essa atividade centrou-se no exercício de leitura do

conto Modos de Dizer (Mario Bachelet). Vale ressaltar que a primeira leitura feita

pelo aluno não foi do texto escrito, e sim, do oralizado, haja vista que a história foi

contada (e não lida) pela professora. Dois aspectos fundamentais verificados nesta

ação, o de apresentar o texto oralmente. O primeiro deles envolvem os aspectos

referentes à oralidade; o segundo, centra-se em aspectos da organização do

discurso utilizando-se do mecanismo da (contar com outras palavras a história do

autor). Este último aspecto coincide com a questão central a que se refere à

produção de sentido explorada nesse exercício.

O que se revela positivamente é a possibilidade de se tomar como modelo a

ação do professor (tanto a de se expressar oralmente quanto da sua produção

discursiva por meio da paráfrase), e levar isso concretamente para que o aluno

entenda esses aspectos dialógicos do discurso. Outro ponto que vale menção foi a

atenção dispensada pelos alunos durante a escuta da história. Este é outro aspecto

que deve ser exposto para aluno, o do potencial da linguagem oral (ritmo e

entonação de voz, gesticulação etc.) para essa modalidade de discurso.

Após algumas reflexões, incluindo a leitura completa do texto, análise e

debate, a maior parte da sala, 75%, concluiu que o discurso de ambos os adivinhos

carregava igual significado, porém expresso com palavras diferentes. Com essa

experiência, os alunos puderam avaliar a carga semântica que uma palavra pode

carregar no discurso e aplicar esse mecanismo em suas próprias produções.

Quanto à produção de enunciados utilizando o mecanismo da paráfrase, o

resultado foi desafiador. A maior parte dos alunos (60% aproximadamente)

apresentou muita dificuldade nessa tarefa, haja vista a falta de repertório vocabular

para essa realização. A socialização do material produzido mostrou-se

enriquecedora, visto que nessa exposição os alunos que apresentaram mais

dificuldade para realizar a atividade de reescritura, ao ouvir outros enunciados mais

pertinentes, já puderam propor modificações a sua própria produção.

Em uma análise geral, no debate proposto na sequência houve

reconhecimento por parte deles mesmos, os alunos, da possibilidade de se criar

efeitos de sentido no discurso a partir dos aspectos sintáticos (a disposição das

palavras na frase), dos semânticos (o significado das palavras), bem como dos

estilísticos (as figuras de linguagem, como o eufemismo). Com esta atividade, foi

possível dar um fechamento à unidade trabalhada, não no sentido de dar o tema por

29

esgotado, mas sim em fazer um arremate retomando os principais pontos dessa

proposta (o aspecto dialógico da linguagem com ênfase na ação interlocutiva), e já,

também, antecipando a etapa seguinte.

Unidade 1 / Proposta 2. O gênero do discurso trabalhado nessa ação foi a

música. Para isso foram selecionadas as canções Hábito (Guilherme e Santiago) e

Construção (Chico Buarque). Nessa proposta eram três exercícios. (1) acentuação

das proparoxítonas; (2) pesquisar a música Construção; (3) Leitura dos efeitos de

sentido do discurso.

A primeira atividade foi realizada com sucesso, os alunos, de um modo geral,

(90%) demonstraram compreensão das regras de acentuação gráfica. A realização

dessa atividade ao som da música, segundo relato dos alunos, foi agradável.

Em ralação à pesquisa, apenas um terço dos alunos trouxe a cópia da

música, musical; os demais justificaram a falta de acesso à internet em suas

residências. Essa ocorrência já era esperada, contudo não ficaram sem desenvolver

essa atividade, pois os alunos foram levados ao laboratório de informática da escola,

o que possibilitou a eles acessarem e ouvirem a música.

A terceira parte, esta a mais complexa, visto que nessa leitura deveria ser

levado em conta aspectos sonoro-verbal da linguagem. No debate, a partir da

leitura, análise e reflexão do discurso das duas músicas, esperava-se do aluno um

reconhecimento do aspecto de semelhança que se estabelece entre a mensagem da

música e a questão da regra de acentuação gráfica das palavras proparoxítonas. Em

ambas as canções, há uma possibilidade interpretativa bastante sugestiva sobre um

aspecto da condição humana, o da ação automatizada. Ou seja, é uma forma de

agir automaticamente, como se fosse uma máquina. Na canção “Hábito”, é uma

forma de amar automaticamente, enquanto na canção “Construção” é a forma

automática de existir.

O alcance desse nível de significado, como já previsto pela professora, não se

efetivou. É importante destacar que a complexidade da análise se elevou,

considerando que nesse discurso a construção de sentido parte de um mecanismo

armado pela hibridização da linguagem (a palavra e o seu som). Para se chegar a

essa interpretação tem-se que levar em conta as misturas de linguagem, neste caso

a sonora e a verbal. Deve-se destacar que, não obstante os alunos atingirem o nível

interpretativo, eles ficaram surpreendidos com as possibilidades interpretativas do

discurso dessas canções. O fato de se surpreenderem com o resultado dessa leitura

30

foi um ponto fundamental para despertar nesses alunos a importância de se atentar

para os detalhes do discurso. Para os exercícios da segunda unidade, esse

despertar para a articulação das linguagens serviu de ponto de partida para a etapa

subsequente. Nesta está inserido um nível maior de complexidade, a leitura de

imagens.

Unidade 2 / Proposta 1. O exercício de leitura nessa proposta consistia em

conferir sentido à imagem acrescentando-lhe uma legenda. O aluno deveria

apreender o significado de cada linguagem separadamente, verbal e não verbal.

Nessa atividade esperava-se que aluno fizesse escolhas de enunciados que

conferissem significados pertinentes à imagem e apresentasse a argumentação.

Quanto ao processo de escolha, verificou-se que a maioria (85%), estabeleceu uma

entre enunciados e imagens uma coerente relação de sentido. O ponto frágil foi o

da argumentação, o de justificar por que determinado signo verbal (palavra)

estabelecia com a imagem uma relação se sentido. O registro dos argumentos por

escrito ficou aquém do esperado, no entanto a defesa oral da ancoragem do texto,

essa alcançou um nível regular, elevando-se a partir do debate. Durante a exposição

oral da argumentação, os questionamentos da professora favoreceram para que

50% dos alunos revissem seus argumentos e os reformulassem.

Nessa atividade estava posta uma problemática de que todos nós temos

conhecimento: expressar o pensamento por meio da escrita é mais complexo do que

oralmente. Entretanto, essa prática, a escrita, tornou-se menos difícil depois das

discussões apresentadas no debate. Conclui-se, portanto, que não se escreve o que

não sabe. O repertório desses alunos foi, sem dúvida, enriquecido pelo exercício da

oralidade, e sendo assim conferindo-lhes competência linguística para montar seu

discurso.

Unidade 2 / Proposta 2. A leitura dos anúncios publicitários atinge um nível

maior de complexidade em relação às anteriores. Em muitos discursos publicitários,

a intencionalidade (vender) se revela em diferentes facetas. Essa intencionalidade

não se mostra revelada na superfície do discurso, e sim, posiciona-se de forma

velada. Com essa atividade esperava-se do aluno olhar muito atento sobre as

particularidade e sutilezas da trama discursiva. Foram quatro anúncios

apresentados.

(1) PIRELLI: A maior parte dos alunos (60% aproximadamente) não

apresentou dificuldades para reconhecer os aspectos de representação sígnica do

31

anúncio, ou seja, estabelecer inferências resultantes das associações por aparência

física (similaridade). E a outra parte da turma (40%), que não se havia despertado

para esse nível da leitura, pôde comprovar essa possibilidade associativa no

momento do debate. No entanto, as associações por contiguidade, aquelas que a

nossa mente realiza por aproximação de ideias, essa apenas um terço da turma

atingiu. Outras possíveis associações foram posteriormente apresentadas aos

alunos pela professora.

Com a leitura do anúncio, os alunos, de um modo geral, puderam concluir

que o produto anunciado (pneus Pirelli) traz consigo um rol de características (umas

apresentadas no texto verbal e outras implícitas e subentendidas) que podem ser

extraídas das associações que estamos aptos a fazer. Nessa etapa, foi importante

reforçar para o aluno sobre a atenção que se deve dispensar para reconhecer o

potencial que um signo tem para se referir ao objeto que ele representa. Apenas

com essa primeira atividade, obviamente somada à experiência das atividades

anteriores, já ficava evidente que os alunos estavam mais despertos para o ato de

ler.

(2) VIVARA e (3) ZOOMP: Como ambos apresentavam a mesma estratégia

de criação publicitária, eles foram expostos sequencialmente e depois lado a lado

para as possíveis comparações. Diante dos questionamentos da professora, o

reconhecimento dos formatos “V” e “Z” nos anúncios em debate não levou muito

tempo a ocorrer. Boa parte da turma (65%), quase que de imediato, foi identificando

essa estratégia discursiva nas peças publicitárias. Posteriormente todos os outros

passaram a ter essa confirmação. A partir daí, com o direcionamento da professora,

novas inferências passaram a ser apresentadas pelos alunos. Como se vê, Os

alunos demonstraram mais habilidade para a apreensão dos efeitos de sentido

gerados por signos visuais, ou seja, já estavam desenvolvendo melhor a

aplicabilidade das inferências por similaridade.

(4) SHAMPOO OX PLANTS: Essa leitura foi realizada em grupo. Um

movimento importante observado entre os integrantes dos grupos era revelado pelos

questionamentos que eles faziam entre si. Essa prática foi uma demonstração real

de estratégia de leitura, exploração das possibilidades de articulação do discurso.

Nas outras atividades anteriores, os questionamentos iniciais e os debates

posteriores eram ações estratégicas para se alcançar um bom nível de leitura.

32

Ao ser apresentado o anúncio aos alunos, 40%, após muitas indagações e

algumas reflexões, inferiram sobre esse anúncio as associações mais gerais, tais

como; cauda / fio de cabelo; posição do iguana no topo do frasco / cabelo fixado no

couro cabeludo. Já os outros alunos (60%) confirmaram essas possibilidades

somente durante o debate. A análise mais detalhada desse anúncio, realizada pela

professora, foi distribuída em folha impressa para os alunos. A entrega de uma

análise escrita revelou-se importante e, ao mesmo, o material serviu-se de modelo a

ser seguido pelo aluno na atividade subsequente.

A etapa seguinte, uma atividade para ser realizada como tarefa de casa,

consistia em o aluno escolher uma peça publicitária impressa e analisar o anúncio

empreendendo uma leitura atenta e aplicando os conceitos aprendidos, no modelo

das leituras realizadas em sala de aula. Vale destacar que, para essa atividade, o

aluno pôde usufruir de uma quantidade muito significativa de revistas, um acervo

resultante da doação de professores e aluno.

Essa tarefa foi apresentada por todos os alunos. Setenta por cento da turma

realizaram um trabalho de bom nível, isto é, empreenderam um mergulho nos

meandros do discurso, e demonstraram aprendizagem. Os demais ficaram em níveis

regulares, e isso se deu por dois motivos. Um deles, em relação às peças

escolhidas, visto que muitas delas não favoreceram explorar tais associações por

apresentarem linguagem muito técnica. O outro motivo é que uma parte desses

alunos, mais ou menos 15%, apresentou dificuldade para desenvolver o trabalho,

haja vista a limitação de seu repertório para realizar a leitura da peça escolhida. Em

síntese, a seleção do anúncio e a falta de repertório (experiência colateral)

influenciaram no desempenho positivo para cerca de 30% dos alunos.

Aliada a todas essas atividades, a visita a uma agência de publicidade foi uma

oportunidade inovadora para o aluno. Já mais amadurecidos e familiarizados com o

discurso publicitário, os alunos puderam entender o mecanismo de produção e

criação de peças publicitárias. Materiais publicitários, tanto anúncios impressos

como comerciais para TV, produzidos pela Agência Experimental de Publicidade e

Propaganda / UNIPAR foram apresentados eles.

Em síntese, o alcance do objetivo dessa aplicação do Projeto deve não

somente ser mensurado pelos números até então apresentados, e que já se

revelaram positivamente, mas também pela outra face da ação, aquela cujas

medidas só o tempo é capaz de conferir. Toda essa proposta, que exigiu de ambas

33

as partes (professora e aluno) muito fôlego para vencer cada etapa, demarca agora

não um encerramento, mas sim um ponto de partida. E neste, aliás, fica selada a

convicção de que qualquer momento é momento de começar, senão de continuar,

porém encerrar não. Um convite está firmado, portanto.

5 Conclusão

Um mergulho nos meandros do discurso é a expressão que intitula

metaforicamente esta proposta de intervenção pedagógica. Contudo, a problemática

na qual esta ação empreendeu seus esforços na tentativa de atacá-la, não de frente,

mas, sim, embrenhando-se em seus vieses, essa, sim, é real. Apreender os infinitos

sinais que apontam para uma diversidade de direções, mesmo que tão somente no

contexto pessoal, é uma tarefa impossível. No entanto, relegar muitos dos indícios

que estão a nossa volta é deixar-se levar por caminhos obscuros sem que o

indivíduo se dê conta. Para se livrar dessa armadilha, necessário se faz depositar

um olhar mais atento sobre a roupagem na qual o mundo se apresenta a nós. À

vista disso, não parece novidade, e muito menos prescindível, a importância de se

impor uma atenção alerta frente às situações, por mais corriqueiras que pareçam.

Trazendo essa realidade para a sala de aula, evidenciamos as limitações do

aluno, já na etapa inicial do ato recepcional, quanto à apreensão do conhecimento

formal, isto é, apropriar-se do saber acadêmico por meio da leitura envolvendo

outras formas de linguagem. No contexto deste trabalho, leitura deve ser entendida

como o conjunto de atividades resultante de um processo gradual, realizado pelo

leitor, que tem seu início na decodificação e seus desdobramentos sucessivos até

alcançar a competência das formulações e reformulações cognitivas. A leitura que,

muitas vezes, esse aluno faz dos conteúdos que lhe são apresentados é bastante

rasa e, consequentemente, inconsistente. Desse modo, todas as etapas

subsequentes da leitura estarão comprometidas, uma preocupação que não deveria

ser só de pais, professores, e sim de toda sociedade.

Partindo dessa inquietação, este trabalho traçou suas ações numa proposta

de leitura que despertasse o olhar do aluno tanto para as evidências presentes nas

ações discursivas como também para pressupostos, subentendidos, implícitos. O

34

processo de leitura - decodificação, compreensão e interpretação -, pôde melhor ser

entendido a partir dos fundamentos conceituais de Bakhtin e Peirce. Pois, para dar

conta da urdidura do discurso comunicativo que flui numa trama textual, como fica

evidenciado neste trabalho, o leitor/receptor precisa de fôlego para um mergulho em

seus meandros e agarrar a ponta do fio dessa tessitura. As atividades de leitura

(conto, música, imagens e anúncios publicitários), aplicadas a alunos de segunda

série de Ensino Médio, perpassaram pelos vieses das linguagens as quais conferem

às coisas significação.

Com a apresentação do conceito ampliado de linguagem, o aluno pôde

perceber que os processos comunicativos humanos vão muito além daqueles que

partem dos sistemas de signos linguísticos. Nesses processos há uma multiplicidade

de formas diferenciadas de linguagem que se revelam a partir de combinação e

mistura. E, mais, dado o modo como as linguagens - sonora, visual e verbal - se

combinam e se misturam no discurso, seus elementos podem gerar efeitos

diferentes de sentido. Esse aspecto vem ser confirmado pelo aluno à medida da

realização dos exercícios extraídos do Caderno Pedagógico. Este material,

composto de duas unidades didáticas e cada qual de duas atividades distintas, trazia

propostas de ação voltadas para o exercício de leitura cuja finalidade centrava-se na

exploração dos efeitos de sentido resultantes da articulação das linguagens no

discurso.

Das duas unidades pedagógicas, a primeira explorou a linguagem verbal nos

gêneros discursivos conto e música, mais especificamente com ênfase em aspectos

sintáticos e fonológicos; enquanto a segunda unidade, esta amplia seu plano de

ação para a leitura das linguagens híbridas (verbais e não verbais), mais

especificamente aquelas presentes no discurso publicitário. Essa sequência de

atividades seguiu um nível gradual de dificuldade, isto é, o processo de leitura dos

gêneros discursivos propostos percorreu por níveis gradativos, do simples e

mediano ao complexo. Neste último enquadrava-se a leitura de anúncios

publicitários; enquanto no mediano, a leitura dos efeitos de sentido de duas canções;

e no nível simples, a leitura de um conto e de um jogo de imagens.

Quando propusemos, neste trabalho, gêneros diferentes e de diferentes

níveis foi pela ampla possibilidade de explorar esses aspectos de produção de

sentido nessas modalidades de discurso. Da mensagem de um conto, de uma

música a de um anúncio publicitário, o engendramento dos elementos sonoros,

35

visuais e verbais revela-se rico de sutilezas que nele podem estar construídos

diferentes níveis de sentido. Essas particularidades foram constatadas pelos alunos

em todas as atividades trabalhadas, senão em um primeiro momento, certamente

por ocasião das aulas seguintes. Com a realização dos debates, esses mecanismos

da linguagem, que se revelam aptos a gerar efeitos de sentido em uma trama

discursiva, foram-se aclarando até mesmo para os de olhar menos treinado.

À medida da realização das atividades, percebia-se no aluno um despertar no

sentido de, mesmo não identificando o resultado do engendramento de sentido no

discurso, esse aluno ter noção de que naquela ação discursiva pudesse haver bem

mais significados, isto é, para além do explícito. O primeiro exercício de leitura, do

conto Modos de Dizer, já apontava os primeiros sinais desse despertar. Dessa

atividade o aluno levou a experiência de que o emprego de determinados sinais de

pontuação, da escolha e da ordem das palavras podem gerar efeitos de sentido em

diferentes níveis. Nas atividades finais, que reuniram elementos verbais e não

verbais e, por sua vez, aumentou a complexidade da trama discursiva, na leitura de

anúncios publicitários ficou comprovada a compreensão dos alunos sobre a

existência desse jogo articulatório das linguagens no discurso.

Importa destacar, sobretudo, que o objetivo traçado para esta ação

pedagógica foi alcançado. Essa afirmação decorre não somente da escala numérica

que apontam os resultados, porque essa é calculável; mas decorre também da

faceta subjetiva desse processo de aquisição do conhecimento. Este, por

conseguinte, não se mensura resultados efetivos de uma hora para outra. O que fica

então é a semente plantada em cujo broto já se pode reconhecer a certeza de que o

exercício treina o olhar.

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