da escola pÚblica paranaense 2009 · 2professor doutor da universidade federal do paraná e chefe...
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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
ESTUDO DE FUNÇÕES COM A CALCULADORA CIENTÍFICA
João Carlos de Araujo1
Carlos Henrique dos Santos2
Resumo
O artigo a seguir foi escrito para atender o disposto nas orientações do Programa de
Desenvolvimento Educacional - PDE, oferecido como formação continuada aos
professores da rede pública de ensino do Estado do Paraná. O texto está disposto
em duas partes. A primeira refere-se à fundamentação teórica quanto ao uso da
calculadora científica na escola, abordando possibilidades e receios que esta
ferramenta pode sugerir numa abordagem pedagógica. A segunda apresenta
orientações básicas e despretensiosas quanto ao manuseio das calculadoras
científicas. Isto dar-se-á a partir de um pequeno experimento que consiste em
apresentar a função logarítmica com e sem o auxílio da calculadora. Interessa-nos
aqui, de imediato, reconhecer o fato de que a calculadora não é utilizada nas aulas
de matemática de modo natural, isto é, quando é usada. Com isso, ofereceremos
um modesto ensaio epistemológico deste fato a fim de que seja garantida uma
sólida congruência de uma proposta metodológica do uso da calculadora e sua
concreta viabilidade operacional dentro da sala de aula. Outrossim,
argumentaremos ainda que a calculadora para o ensino da matemática satisfaz
tanto quanto o computador, senão mais, tanto no que se refere aos fatores
econômicos quanto os operacionais, sem deixar de considerar suas limitações e o
seu trato adequado.
Palavras-chave: calculadoras; ensino de função; logaritmos1Especialização em Educação Matemática, graduado em Matemática pela UFPr, professor da rede pública de ensino do
Estado do Paraná atuando no Colégio Estadual Prof. João Loyola.
2Professor Doutor da Universidade Federal do Paraná e Chefe do Departamento de Matemática da UFPr.
Introdução
Ao nos propormos discutir o uso da calculadora como ferramenta auxiliar no
ensino da matemática, não poderíamos nos furtar de uma pequena reflexão
epistemológica a fim de garantir a necessária solidez da exposição das idéias aqui
oferecidas para debate e consistência dialética. Ao mesmo tempo, queremos nos
apressar em ser francos e deixar patente que temos sérias restrições às contumazes
óticas de tratar a educação matemática pelo exclusivo viés da psicologia ou da
própria matemática(exclusivamente). Estas considerações estão baseadas no
trabalho dos professores Garnica e Bicudo [Unesp].
As perguntas básicas da filosofia - “O que existe?”, “O que é o
conhecimento?”, “O que vale?”, são perguntas da filosofia da matemática,
focalizando especificamente os objetos matemáticos. “Qual a realidade dos objetos
matemáticos?”, “Como são conhecidos os objetos matemáticos e quais os critérios
que sustentam a veracidade das afirmações matemáticas?”, “Os objetos e as leis
matemáticas são inventados (construídos) ou descobertos?”.
A última pergunta distingue de modo fundamental o professor. A resposta a
essa pergunta básica e fundamental da epistemologia determina todo o caráter
pedagógico da prática de sala de aula. A raiz quadrada de nove é três. Se isso foi
inventado, para que foi inventado? Se foi descoberto, como isso foi descoberto?
Invariavelmente nenhuma dessas hipóteses é discutida.
Sem filosofia, sem história, sem lógica, nossas aulas de matemática tornam-
se uma catequese inútil e o fracasso é certo. E se achamos que nossa teologia
numérica ou topológica é suficiente, eu perguntaria quem ou o quê é o deus dessa
odisséia fajuta e charlatã?
Essa forma técnica e metodológica de apresentar os conteúdos matemáticos
como coisa criada, totalmente desprovida de cultura e inclusão social foi debatida
em Portugal por Bento de Jesus Caraça na metade do século passado. Em 1941,
Caraça publicou sua obra “Conceitos Fundamentais de Matemática”, justamente
para mostrar como a matemática é cultura fundamental, como ela se desenvolve no
seio das sociedades. É contundente e estarrecedor o modo como Caraça expõe o
fato de que, ou damos uns vieses culturais, filosóficos às nossas aulas de
matemática, ou vulgarizamos do mesmo modo que o professor de equitação
suprime o cavalo para facilitar as coisas.
Mas, se a questão é simplesmente técnica, para isso basta acharmos uma
receita, um algoritmo ou um método para expor as coisas então será suficiente um
pequeno discurso sobre o tema ou assunto que queremos abordar. E, com isso,
quando surgir alguma dúvida de nossos interlocutores(alunos) isto nos causará
indignação e desprezo! Com isso, reduzimos as questões de educação matemática
com treinamento e se formos questionados argumentar-se-á que existe uma
equivalência! Assim cairemos na vala comum das inconsistências dialéticas
vigentes. Ou ainda, não raro alguém questionará se assim é porque então não
oficializamos, ainda, o método "Kumon" nas escolas?
Ao decidirmos dar um viés cultural ao ensino de matemática, é necessário
arranjar tempo suficiente para discussões e experimentos, e sabemos todos que não
o temos. Para isso, uma calculadora torna-se fundamental, pois, com isso,
ganhamos tempo. Longos e enfadonhos cálculos podem ser realizados pela
calculadora e nos sobra tempo para pensar, julgar e analisar os resultados
esperados e mesmo os inesperados.
Espectros do uso da calculadora na sala de aula
Uma pequena abordagem informal entre alunos, professores e pais de alunos
é suficiente para verificarmos que o uso da calculadora na sala de aula ainda não é
uma unanimidade. Ainda há restrições, aqui e ali, em maior ou menor grau. Um
pequeno e corriqueiro argumento que se apresenta é que o aluno(a) aprenderá a
fazer o cálculo com a calculadora e não saberá fazer sem ela e ainda, no vestibular
não é permitido o uso destas. Esses argumentos são facilmente repelidos ou
dissipados propondo o cálculo de uma pequena equação, por exemplo: 32 =x . A
solução desta modesta equação com o uso da calculadora não poderá ser realizado
sem o conhecimento matemático adequado. Portanto, o uso da calculadora não
destrói o seu aprendizado, antes ou ao contrário, é necessário conhecimento
matemático para utilizá-la. Logo, a calculadora é um poderoso auxílio e não um fator
impeditivo de sua aprendizagem.
A chegada dos computadores e calculadoras dentro do prédio das escolas é
uma grande frustração, tanto para os que pregavam uma grande revolução quanto
para aqueles céticos e avessos a tecnologias. Aqueles não sabem como utilizar,
estes ficam incomodados com a sua presença.
No importante estudo de funções poderemos oferecer coeficientes muito mais
realísticos e flexíveis bem como verificar ou justificar os passos de um processo
algorítmico. O cálculo de probabilidades poderá ser realizado sem os habituais
inconvenientes de números enormes. As progressões geométricas não ficarão mais
restritas sob pena de resultar em homéricos resultados.
O aparecimento precoce de alguns conceitos é inevitável. Por exemplo: as
casas decimais e as potências de 10. Isto poderá ser trabalhado informalmente até
que chegue o momento de formalizá-la. O estudo de casos estatísticos torna-se
muito mais plausível e o número de amostras não inviabiliza o trabalho.
A calculadora também vai ao encontro do que hoje se chama de “método de
resolução de problemas”. A calculadora permite realizar discussões com problemas
reais e, sem perder tempo com o cálculo, podemos nos concentrar integralmente
nos métodos e idéias que cercam o problema.
A calculadora, por si mesmo, pode ser uma fonte de problemas matemáticos.
Como qualquer outro recurso, não se contenta em facilitar o trabalho, sendo que ela
mesma (a calculadora) pode ser objeto de indagações. A manipulação da memória é
um ótimo exemplo de como se podem introduzir conceitos puros de informática ou
fazer as necessárias comparações com o computador. É bastante comum o aluno
ficar interessado em saber o que determinada tecla faz. Ainda, a aprendizagem da
manipulação da calculadora por si mesma favorece a obtenção de habilidades para
enfrentar máquinas diversas, para que ao longo de sua vida particular ou profissional
possa encarar isso com naturalidade.
Fato notório é que a calculadora democratiza o aprendizado fazendo com que
aqueles que não possuem notória habilidade de cálculo podem acompanhar as
idéias envolvidas sem perda de qualidade. Isso é um bom argumento para aqueles
que são adeptos das inteligências múltiplas de Gardner, além de cumprir exigências
sociais corriqueiras, os faz mais livres e independentes.
Ao render-se ao uso de calculadoras na sala de aula algumas conseqüências
são inevitáveis: fica claro que muitas vezes é possível utilizar diferentes
procedimentos e diferentes teclas para se obter o resultado desejado que em
princípio pode ser diferente, porém tem bases comuns ou são complementares. É o
caso, por exemplo, de extração de raízes cúbicas. Poderemos, apesar da
calculadora oferecer a extração diretamente com uma tecla, utilizar a idéia de
potência com expoente fracionário.
As calculadoras científicas(sem CAS - Computer Algebric System) ainda são
impotentes diante de cálculos algébricos; entretanto maximiza a necessidade de
aprendê-los e a idéia de que componentes algébricos são quantidades abertas ou
não, cedo são aceitas pela mente e que aquelas letras não são apenas letras,
possuem significado para o contexto. Isso leva à idéia de função de modo
corriqueiro.
Fato é que o professor deve estar preparado para discutir as possíveis
soluções dos exercícios ou problemas, e não apenas verificar se um determinado
algoritmo foi empregado corretamente ou não. Isso, em muito, extrapola a prática
docente atualmente verificada.
A Calculadora na sala de aula
Corriqueiramente, na semana que antecede as festas de carnaval, recebemos
os alunos. É o início do ano letivo. De forma inédita, no ano de 2009, expressas
instruções foram enviadas da SEED (Secretaria Estadual de Educação) e estas nos
exortam que deveremos, na primeira quinzena do ano letivo, fazermos uma “revisão
de conteúdos” (em todas as séries). Fica, assim, oficializada a tradicional “revisão de
matemática básica”, a qual, para nós, professores de matemática é imperativo sua
realização ante os fatos observados a cada ano, invariavelmente.
Desnecessário dizer que este fato oferece bons indícios de que o odor da
situação didática dos alunos começa a ser enfrentada de modo mais realístico.
Descrever um determinando odor é extremamente difícil tanto para o expositor
quanto para o interlocutor. É muito eficaz oferecer uma amostra. Para tanto, fiz uma
pesquisa com alunos do CEEP (Centro Estadual de Educação Profissional), antiga
Escola Politécnica do Estado, no bairro do Boqueirão. Para ter direito à matrícula
nesta escola o aluno tem que se submeter a um teste seletivo. Só poderá participar
desta seleção se ele sempre foi aluno de escola pública. A seleção consiste em
análise de suas notas das disciplinas de Português e Matemática. Fica, assim,
evidente que temos em cada sala os melhores alunos da escola pública nestas duas
disciplinas básicas. Esta pesquisa foi feita com 202 alunos de três cursos diferentes
(Construção Civil, Eletrônica e Meio Ambiente). Cada aluno recebeu 3 expressões e
3 equações de 1º grau para resolver. Miseravelmente, 74% desta amostra
(população) mostrou-se absolutamente inapta para ambas as coisas. Quanto aos
alunos que demonstraram alguma aptidão para enfrentar o ensino médio pode-se
afirmar que apenas 33% sabem ambas e 40% saberá, efetivamente resolver uma
equação do 1º grau. Se estivermos isentos de insanidades e paixões haveremos de,
insofismavelmente, admitir que não temos condições mínimas e suficientes para a
realização do processo ensino-aprendizagem no ensino médio. Ainda, recusamo-
nos a ser prosélito de idéias pedagógicas obscurantistas, estrangeiras e que não
admitem ou desconsideram nossa realidade.
Não lamentaremos e não bradaremos por outra realidade, bem como não
trataremos, aqui, das epistemologias do fato, outrossim, proporemos uma estratégia
de enfrentamento da realidade de forma fenomenológica. Nossa <<epoché>>
consistirá em colocarmo-nos entre parênteses ao lado dos fatos e trabalharmos,
sem lamentações, com esta realidade. Sem omissão, sem ignorar, porém, com
honestidade, com ataraxia.
Como, então, isto dar-se-á? Partiremos do fato que o Estudo de Funções é a
idéia mais importante para o 1º ciclo do Ensino Médio e carece de aprofundamento
segundo Os cadernos de Diretrizes Curriculares da SEED (pp 59) e que é imperativo
alfabetizarmos os alunos (matematicamente). A “Revisão de Matemática Básica” no
passado tinha a função de rever conceitos. Hoje, tornou-se mais uma oportunidade
de alfabetização matemática. Então, faremos isso de modo concomitante como
alguém que conduz uma canoa com dois remos. A eficácia dos dois remos só será
garantida se estes estiverem fixados à canoa. A nossa canoa será uma calculadora
científica!
Outrossim, a SEED, em suas "Diretrizes Curriculares da Educação Básica" nos
estimula a usar a calculadora (página 65). Mas como? De que modo? O que é uma
calculadora? Como torná-la eficaz em nossas tarefas de ensino?
Com esta pequena exposição de realidade e as indagações do parágrafo
anterior propusemo-nos:
- ensinar funções com uso de calculadora científica.
- alfabetizar matematicamente os alunos do ensino médio;
- reconhecer a calculadora como um bem cultural;
- oferecer alternativa ao uso de computadores nas aulas de matemática;
- suscitar os alunos a uma participação efetiva na construção de seu
conhecimento;
- orientar os alunos a serem sujeitos de sua própria aprendizagem.
Uma vez admitido o fato insofismável da miserabilidade do grau de
alfabetização matemática do aluno que ingressa no ensino médio e objetivando
arejar essa condição para estabelecer uma mínima situação favorável de trabalho
acreditamos ser a calculadora uma ferramenta útil de abordagem primária. Não
advogamos, aqui, que o computador, programas e aplicativos não devam ser usados
em algum momento.
O respeito sobre a calculadora e sua conseqüente aquisição cultural surge de
modo natural quando nos damos a oportunidade de conhecer sua história através da
saga humana de conceber uma máquina que calcula. Acessando o “wikipédia” e
buscando a palavra calculadora é um excelente começo. É certo que, no final,
seremos presenteados com a dissipação do mito do computador ou, na pior das
hipóteses, saberemos diferenciar memória e disco rígido
Não buscamos receitas. Desejamos um exemplo concreto de aplicação e
suas possíveis conseqüências do fenômeno ensino aprendizagem.
A primeira abordagem experimental
Enfim, vamos explicitar a nossa estratégia de ação propriamente dita. Isso
não passa de uma tentativa de responder às questões levantadas no início: Como?
De que Modo?
As nossas ações na abordagem primária:
(A) Fiz uma modesta pesquisa com nossos alunos a fim de nos convencermos da
real condição no que se refere aos pressupostos básicos de matemática. Ofereci
aos alunos (individualmente) três expressões numéricas e três equações de 1º grau
para ser resolvida utilizando apenas lápis(ou caneta) e papel. Ofereço um conjunto
concreto do que lhes digo: Após 8 anos(modernamente 9!) recebendo aulas de
matemática, é bastante razoável que o aluno tenha condições de resolver o que se
apresenta abaixo.
Em minha verificação fiz distinção entre o que sabe e o que não sabe. A
apresentação de duas expressões corretamente solucionadas será admitida como
apto e a apresentação de duas equações corretamente solucionadas segue-se o
mesmo raciocínio, quaisquer que sejam. Admitir o erro de uma equação e uma
expressão é para qualificar a amostra e demonstrar o nosso respeito à falibilidade
humana. Se a solução apresenta o resultado correto ou houve enganos de “conta”
então o classifiquei como “apto”. Caso a solução apresente erros conceituais
gravíssimos, tais como somar antes de multiplicar, nós o classificaremos como
“inapto”.
(B) Solicitei que resolvessem (em grupo) as mesmas questões anteriores e
utilizando calculadora de qualquer modelo ou tipo (Aceitei até mesmo a de telefones
celulares). Os grupos não devem ter mais de quatro alunos.
( 1B )Analisando as duas situações, verifiquei se o desempenho melhorou,
piorou ou permaneceu a mesma coisa?
( 2B )Quanto ao uso da calculadora, observou dificuldades? Quais?
As análises do experimento são animadores. Os índices de acerto quase
dobraram. Foram de 35% sem calculadora para 62% de acerto com calculadora. O
fato mais animador é que começam a ser levantadas sadias discussões sobre as
possibilidades da calculadora e ficam absolutamente convencidos de que não é
suficiente a calculadora, é necessário conhecimento matemático para solucionar.
De todos os depoimentos posteriores, dois se destacam:
* Resolva as expressões dadas a seguir:a) b) c)
** Resolva as equações em x dadas a seguir:a) b) c)
(i) "Descobri que a calculadora faz muito mais que as operações
fundamentais soma, subtração, multiplicação e divisão!"
(ii) "Em determinada etapa não precisei da calculadora!"
Isso, para mim, evidencia que a calculadora pode estimular aprendizado e
que não escraviza o pensamento como muitos gostam de enfatizar ao argumentar
de modo contrario para fundamentar as sua recusas em aceitar o uso de
calculadora.
A segunda abordagem experimental
Esta segunda abordagem experimental visou a verificação da validade efetiva
de uma abordagem pedagógica que considera tanto a eficácia de um discurso
cultural matemático concomitante com a utilização de uma ferramenta tecnológica
que neste caso era uma calculadora.
Dentre muitos, destacamos três motivos nos levaram a escolher o tema
“logaritmo” ou funções logarítmicas:
(i) O tempo de execução da aplicação na escola (2º semestre) não nos
permite escolher a função afim (funções de 1º grau) pelo fato de que, ou
isso é um conteúdo programado para o 1º semestre do ensino médio ou
de modo mais moderno isso é oferecido na última etapa do ensino
fundamental.
(ii) Por motivos óbvios, já explicitados na justificativa deste trabalho, nos
parece insofismável as vantagens do uso da calculadora científica para
este tema.
(iii) Este tema nos coloca em convergência com a programação normal das
atividades escolares.
Expomos a seguir o material que foi oferecido aos alunos:
Idéias e práticas de logaritmos
Durante séculos a sociedade, para realizar cálculos, utilizou uma ferramenta
tecnológica a qual chamamos de tábua de logaritmos. Durante aproximadamente
350 anos ela foi necessária e indispensável, do inicio do século XVII até meados dos
anos 70 do século passado. Esta ferramenta só se tornou obsoleta devido à
popularização das calculadoras científicas eletrônicas. Os engenheiros utilizavam
muito, como instrumento de trabalho, a “Régua de Cálculo”, entretanto, estas eram
confeccionadas baseando-se nas tábuas de logaritmos.
O aspecto aritmético é a razão primeira da existência dos logaritmos.
Os logaritmos nos permitirão transformar multiplicação em adição e quocientes em
subtrações. A vantagem óbvia reside no fato de que adição e subtração são
operações mais fáceis à maioria dos seres humanos. De outro modo poderíamos
afirmar que nos poupará trabalho e tempo.
Vamos a um pequeno esboço de uma tábua de logaritmos:
1 2 3 4 5 6 712 22 32 42 52 62 72
2 4 8 16 32 64 128
Imitando Napier (inventor dos logaritmos), chamemos os números da
série superior, isto é, da série aritmética, de logaritmos. Os números da série inferior,
isto é, da série geométrica, de antilogaritmos.
Observe que se queremos multiplicar dois números quaisquer da série
inferior, somamos os números correspondentes da série superior e em seguida
procuramos o número correspondente a esta soma na série inferior.
Numericamente...
324×1282222 75252 ===× +
yxyx aaa +=×
Espero que tenha observado que, de fato, como havíamos
mencionado, o produto foi feito através de uma adição. Tenho esperanças, também,
que a simplicidade do exemplo não tenha causado escárnio sobre o tema e a tabela
de logaritmos apresentada. Se tal fato ocorreu, imploro que entre em comunhão com
os seres humanos do século XVII que eram desprovidos de calculadoras e
computadores e precisavam, por exemplo, fazer cálculos de astronomia (distâncias
[números] enormes) a fim de estabelecer rotas marítimas.
O sinal log posto à frente de um número, significa: - “Procure-se na
tábua a potência a que se tem de elevar a para obter este número“.
pmap am log=⇔=
Exercitemo-nos com esta “nova” linguagem:
64log664
log52
8log28
6
25
2
x
x
x
xx
x
=⇔=
=⇔=
=⇔=
Dado:
pm alog= , convencionamos que:
===
a r i t m a n d op
b a s ea
a r i t m om
l o g
l o g
Você deve ter observado que nossa base, até aqui, foi sempre 2. Essa base
não precisa sempre ser essa! Poderemos, de acordo com nossa necessidade e
conveniência, trabalharmos com outra base. Pelo simples fato de que a civilização
ocidental adotou um sistema numérico de base 10(sistema decimal) ser-nos-á muito
conveniente que uma tábua de logaritmos seja confeccionada com base 10. Por
isso, Briggs, em colaboração com Napier, calculou o logaritmo de todos os números
(inteiros) de 1 a 1000 na base 10 com uma precisão de 14 casas decimais.
A calculadora científica utiliza duas bases:
Ao pressionar a tecla “log” você estará
utilizando a base 10. Isto é, o mesmo
modo que as antigas tábuas de
logaritmos encontrados nos livros.
Ao pressionar a tecla “LN” você estará
utilizando a base “e”. Onde
...718281828,2≅e
É natural que indaguemos “d’onde” surgiu esse tal “e”!? A completa
explicação só será possível com um estudo mais aprofundado de “Séries
Numéricas”. Entretanto, nos é suficiente saber que seu emprego deve-se ao fato de
exigências extremas de precisão. Assim ele é preferido para cálculos científicos e,
principalmente, na matemática financeira. Afinal, os bancos (representação magna
do capitalismo) não poderiam prescindir do rigor na cobrança dos “juros”...
Certifique-se disto observando que uma calculadora financeira só apresenta a tecla
“LN” para cálculo de logaritmo, outra base não lhes interessa!
Vamos fazer um pequeno ensaio para observar como surge esse número
irracional “e” (número de Euler [pronuncia-se óilar]), assim chamado em homenagem
ao matemático suíço Leonhard Euler.
Vamos utilizar a calculadora para preencher a tabela que será fornecida logo
a seguir. A tabela tem uma função x
xxf
+= 11)( , onde a variável contém alguma
exigência: (i) ℜ∈x e (ii) 0>x . Os valores de x poderá ser tão grande quanto
você quiser. Observe os resultados à medida que você faz o número x crescer...
Vamos à tabela!
x
x
xxf
+= 11)(
10100100010000010000000
910
Vejamos a seqüência de teclas para 100=x
2,704813829
Você observou que o resultado não ultrapassa 2,72... !!!
Você pode obter o valor de “e” com a seguinte seqüência de teclas:
Seu visor deverá apresentar:
2,718281828...
Com isso esperamos ter dissipado algo do obscurantismo sobre “e” !!!
Convenções de notação para logaritmos
Quando se escreve deste modo Leia isto2log 2log 10 Quando a base é 10 não é
necessário escrevê-la.3ln 3log e Quando a base é “e”
escrevemos “ln”.
Qualquer outra base que não sejam estas será imperativo que as
indiquemos!!!
Calculemos os logaritmos requisitados na tabela dada a seguir:
2log)a 0,30102999566398...20log)b 1,301029995664...200log)c 2,301029995664...20000log)d 4,301029995664...
2,0log)e - 0,69897000433602...02,0log)f - 1,698970004336...002,0log)g - 2,698970004336...
Acompanhe o exemplo para calcular o 20log :
Em seu visor deverá ser mostrado... 1,301029995664...
Analisando os seus resultados, qual evidência pode ser observada?..............................................................................................................................................................................................................................................................
A parte inteira dos resultados é chamada de “característica” enquanto que a
parte decimal (após a vírgula) é a “mantissa”.
Utilizando sua calculadora, determine, se possível:
3log) −a
5log) 8b
Acompanhe a seqüência de teclas para o calculo de 3log − :
Em algum lugar do visor de sua
calculadora apareceu
o caractere Ε(erro)
Mesmo tentando outros números negativos obtivemos a mesma resposta da
calculadora... então ela está nos afirmando que “não existe logaritmo de
números negativos “ !!!
Quando tivermos uma exposição algébrico-formal da idéia de logaritmos
teremos a evidência deste fato.
Quanto ao cálculo de 5log 8 teremos que nos render ao fato de que nossa
calculadora não está devidamente preparada para realizar este cálculo de modo
direto, apesar de isto ser perfeitamente possível. Nossa calculadora só efetuará
cálculos em duas bases (Quais são?) e dentre estas não está a base requerida que
é a base oito (8). Após a apresentação formal das propriedades de logaritmos você
terá plenas condições de utilizar a calculadora para calcular seus logaritmos em
qualquer base que necessite.
Quando temos uma equação e a variável é um expoente isso é chamado e
conhecido como “Equação Exponencial”. Simples! Proponho um exemplo
disso e sua conseqüente solução a qual será obtida com o uso de logaritmos.
Vamos admitir que se tenha a necessidade de resolvermos algo como...
710 =x
Lembremo-nos da idéia de logaritmo. Passamo-la para a linguagem de logaritmo, de
forma que...
7log710 10=⇔= xx
Ou ainda, de modo convencional...
7log=x
Pois, quando a base é 10 não necessitamos escrevê-la!
Vamos à calculadora...
0,84509804001426...
Deste modo, você poderá apresentar a solução com uma precisão até o limite de
sua calculadora. Ou seja, se sua calculadora trabalha com “n” dígitos, então você
poderá, neste caso, apresentar precisão de (n-1) dígitos. Procure descobrir com
quantos dígitos sua calculadora trabalha...
Vamos nos exercitar com a busca de solução de algumas equações
exponenciais. Anime-se a resolver o que se pede na tabela a seguir:
910) =xaxb 105) =
3 5210) =xc
xd 103) 7 4 =0110) =+xe
32) =xf
Vamos solucionar o item d a título de exemplo, visto que os itens a e b já
foram abordados anteriormente:
7 47 4 3log103 =⇔= xx
Veja a seqüência de teclas a serem premidas:
0,27264...
Os itens “e” e “f” nos alertará para o fato de que termos uma calculadora em
mãos e um conhecimento superficial de uma técnica matemática não é suficiente
para solucionar um problema. É preciso dominar teoricamente a ferramenta
matemática. O domínio lógico-formal de uma idéia (ou técnica) de um assunto em
matemática é imprescindível. E, isso, e tão somente isso, é que nos possibilita usar
a calculadora bem como maximizar a sua utilidade. Os livros, o professor e sua
disposição mental não são dispensáveis!
Avaliação
A tarefa proposta logo em seguida tem o propósito de diagnosticar possíveis
falhas de discurso das idéias e conceitos apresentada a fim de que uma segunda
abordagem ou retomada torne a dialética mais convincente ou esclarecedora. Para
tanto, realize o que se pede abaixo:
1) Com um discurso pequeno e conciso, o que você diria a uma pessoa que lhe
perguntasse o que é Logaritmo?
........................................................................................................................................
........................................................................................................................................
.............................................................................................................
2) Solucione o que se pede abaixo e, caso não consiga, escreva pelo menos uma
razão (que lhe pareça aprazível ☺) a qual explique o motivo que o(a) levou à
impossibilidade de resolver.
( )
=
=
==
=⇒
=
=⇒=−
=⇒=
=⇒=
−
eh
g
f
e
xd
xc
xb
xa
x
x
x
x
ln)
4
1log)
2ln)
10log)
______________________5
2100)
_____________________________101)
_____________________________113)
_____________________________5
310)
3
3
1
Análise dos resultados
Uma simples análise da avaliação oferecida aos alunos foi satisfatória uma
vez que verificou-se um aproveitamento de 68% de acertos quanto a questão
discursiva e 72% quanto as questões de cálculo.
Foi notório o fato de que os alunos ao resolver as equações exponenciais
tentavam ou utilizavam a idéia de logaritmos, em particular, observamos e
constatamos que os alunos concluíram a praticidade e utilidade dos logaritmos como
ferramenta para resolvermos equações exponenciais mais realistas e observamos o
seu apego a este fato.
Os livros didáticos fazem questão de separar equações exponenciais e
logaritmos e nos dão a falsa impressão de que é extremamente útil sabermos
resolver equações exponenciais sem os logaritmos.
Os aspectos negativos ou frustrantes ficaram por conta de que 38% não
observaram a inexistência de logaritmos de números negativos e que apenas 10%
dos alunos observaram que uma simplificação no item g facilitaria o cálculo.
Este experimento didático foi ofertado para apenas uma turma das quatro que
o professor ofereceu de sua grade. O professor retomou o seu plano didático
normalmente após essa abordagem e relatou-nos que as exigências por parte dos
alunos foram maiores nas etapas seguintes e a desenvoltura e evolução do
conteúdo nesta turma foi muito mais eficaz. O fato pitoresco ficou por conta do fato
de que os alunos desta turma foram solicitados pelas outras turmas a ensinar-lhes
os "macetes" de uso da calculadora.
No fim dos trabalhos o professor indagou se eu poderia oferecer um
experimento desta natureza para o estudo de progressões a qual eu, prontamente,
lhe sugeri o que se segue:
Propomos o estudo do comportamento da seqüência na
n! , com os seguintes
parâmetros:
a) Fixando 0>a , qualquer que seja, o que ocorre com a seqüência? A soma
tende para algum número?
b) De acordo com o item anterior, poderemos adotar valores negativos para n ?
Por quê?
c) Fixando 0<a , qualquer que seja, o que ocorre com a seqüência? A soma
tende para algum número?
d) E, se invertermos a seqüência , ou seja, com !n
a n
, o que ocorre com a fixo
e positivo? E com a negativo e fixo?
Estas séries são fáceis de se obter e é possível oferecer uma diferente
para cada aluno, possibilitando que ele defenda o seu trabalho e exercite, também,
as suas habilidades verbais. Sem muita demora e complicações. O uso de
calculadora científica facilita o trabalho e oferece mais oportunidade para análise e
conjecturas. A própria calculadora lhe alertará (exibindo mensagem de erro) para a
inexistência de fatorial de números negativos e/ou propiciará uma modesta e rápida
pesquisa a algum livro disponível. E, o sucesso de suas análises dependerá muito
da organização de sua tabela. E ainda, existe a possibilidade de fazer gráficos a
partir dos dados obtidos na tabela. Há três anos atrás mostrou-se, em minhas
turmas, bastante estimulante para os alunos.
Conclusão
Sem empregar muita retórica podemos afirmar que ficou evidente que a
calculadora não impede o aprendizado uma vez que em todo o processo nenhuma
dificuldade pode ser atribuída ao uso da calculadora.
As críticas referentes a este trabalho apresentadas no GTR(Grupo de
Trabalho em Rede) que é umas das etapas exigíveis do PDE, todas( enfatizo, de
modo unânime!) foram favoráveis e generosas e muitos colegas confessaram sua
agradável surpresa no êxito do experimento. Com isso, concluímos e comungamos
que a calculadora pode e deve ser utilizada sem ressalvas contundentes.
Gostaria de expor aqui, de modo especial, que o professor que cedeu a turma
para o experimento, fez uma avaliação de logaritmos sem o uso da calculadora com
a mesma turma e ficou bastante satisfeito com os resultados. Entretanto, não tive
acesso a estas avaliações.
O exposto no parágrafo anterior para mim constituiu-se numa contra-prova do
sucesso do experimento. Ainda assim, em seguida argumentarei de modo a
extrapolar o universo do experimento.
Os trabalhos de Turing e Post, assim como suas materializações no
computador eletrônico (calculadoras, inclusive) influenciaram decisivamente as
relações de produção de conhecimento. Gostaria de concluir este modesto e sincero
trabalho apontando algumas implicações ou possíveis implicações – através de
alguns indicadores observáveis – do uso de computadores e calculadoras nos
âmbitos epistemológicos, históricos e pedagógicos e, observarmos que são
indissociáveis, apesar de socialmente não vivermos essas evidências.
Os resultados de Gödel são irrefutáveis quanto ao reducionismo da
matemática com base no racionalismo lógico. Portanto, pedagogias neste sentido
são completamente obsoletas. Matemática pela matemática é trabalhar contra a
natureza.
Computadores e calculadoras estão muito longe de substituir
professores ou matemáticos, pois já nos idos de 1962, Tibor Radó apresentou o
primeiro exemplo de função não computável. Outras tantas exigem capacidade de
cálculo extremamente grande e fora do alcance dos computadores, só podem ser
atacadas através da análise. Entretanto, a ajuda de computadores (calculadoras),
em 1976 é fundamental para a solução do problema do mapa com quatro cores
[TENORIO,2001]. Previsões meteorológicas feitas com supercomputadores falham
mesmo localmente, mas estas falhas diminuíram consideravelmente.
Muitos conhecimentos matemáticos, hoje existentes, foram gerados em
ventres eletrônicos, como por exemplo, a constante de Feigenbaun, a qual fez surgir
a teoria do caos determinístico.
Esses argumentos, em nível superior, evidenciam claramente a
importância das máquinas no âmbito matemático, apontando para uma redefinição
epistemológica do campo teórico dessa ciência lógico-dedutiva. A partir de
programas e máquinas especializadas em computação gráfica, Mandelbrot, em
1977, criou a geometria fractal e esta, em última análise, nos mostra de modo
ousado que a “parte contém o todo”. Além disso, incrivelmente, isso veio contribuir
com a melhoria de nossas centrais telefônicas digitais.
Essas máquinas estão colocando a razão clássica em cheque de modo
bastante contundente. E nós, professores de matemática, temos o direito de subtrair
este ínfimo arquétipo dessas máquinas (as calculadoras), que estão refazendo a
civilização com novos paradigmas?
Tenório(2001) dá o tom mavioso de todos os argumentos até aqui
apresentados:
“... A educação é a instância de formação científica básica. Sendo o computador
(calculadora) resultado de um momento histórico singular, inserido num processo de produção cada
vez mais complexo, o mesmo possui em sua constituição os aspectos desse momento civilizatório.
Daí a importância do computador (calculadora) na educação – o conhecimento das máquinas
computadoras em seus aspectos íntimos representa o conhecimento desse momento de inflexão
epistemológica na história, na ciência, na produção do homem”.
Referências
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