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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

VOLU

ME I

I

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i

_____________________________________________________________________

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

ELIANE BORGES DISSERÓ MOREIRA

Unidade didática

A REVOLUÇÃO DE 30 HISTÓRIA, HISTORIOGRAFIA E

COTIDIANO: uma proposta metodológica para a História do

Brasil no Ensino Médio

_____________________________________________________________________

JACAREZINHO 2010

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ii

_____________________________________________________________________

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED

SUPERINTENDÊNCIA DA EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

ELIANE BORGES DISSERÓ MOREIRA

A REVOLUÇÃO DE 30 HISTÓRIA, HISTORIOGRAFIA E

COTIDIANO: uma proposta metodológica para a História do

Brasil no Ensino Médio

Unidade Didática da Disciplina de História apresentado ao Núcleo Regional de Educação de Jacarezinho, como requisito do PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional. Orientadora : Profa. Ma. Marisa Noda

_____________________________________________________________________ JACAREZINHO

2010

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO....................................................................................................1

2. O CONTEXTO REVOLUCIONÁRIO DE 1930................................................3

2.1 A CRISE NO CAPITALISMO MUNDIAL...................................................3

2.2 A CRISE NAS OLIGARQUIAS CAFEEIRAS E A ALIANÇA LIBERAL.....3

-940638204. A REVOLUÇÃO DE

OUTUBRO......................................................................5

-940638203. O SIGNIFICADO DA

REVOLUÇÃO..............................................................7

-940638202. A REVOLUÇÃO DE 1930 NO NORTE PIONEIRO DO

PARANÁ...............7

3.1 OS COMBATES................................................................................................7

-940638205. A REVOLUÇÃO NO COTIDIANO DOS MORADORES DA

REGIÃ.........17

3.3 MATÉRIAS DA FOLHA DE LONDRINA RELATIVAS AOS

ACONTECIMENTOS DE OUTUBRO DE 1930 NO NORTE PIONEIRO DO

PARANÁ...................................................................................................................18

-940638204. OBSERVAÇÕES SOBRE OS DEPOIMENTOS:OS

CUIDADOS PARA SE RECONSTRUIR OS

FATOS...........................................................................17

-940638203. CONCLUSÃO..................................................................................

.................19

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-940638202. PROPOSTA DE

ATIVIDADES......................................................................20

6.1 TRABALHO COM TEXTOS..........................................................................20

-940638205. A REVOLUÇÃO DE 1930 NAS MEMÓRIAS

FAMILIARES.................27

6.3 ANÁLISE INTERPRETATIVA DE DOCUMENTOS HISTÓRICOS ........27

-940638204. REFERÊNCIAS

BIBLIOGRÁFICAS............................................................28

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1.INTRODUÇÃO

Nem sempre os livros didáticos fornecem ao professor um suporte adequado

para uma abordagem mais coerente da História, sobretudo no que diz respeito à utilização

de novas estratégias para a construção do conhecimento histórico e não apenas de “ensino

de verdades acabadas”, tal fato torna-se ainda mais grave quando tratamos de eventos

ocorridos em nível nacional, mas com repercussões que mudaram completamente o

cotidiano das pessoas de uma determinada região, no caso do Norte Pioneiro do Paraná

podemos citar como exemplo a “Revolução de 1930”, tradicionalmente tratada pelos

manuais como um Golpe de Estado que levou Vargas ao poder ou um evento de transição

da República Oligárquica para o totalitarismo Estatal de Vargas, de uma forma ou de outra

tal conteúdo é tratado de uma maneira fria e distante da realidade local, os professores por

sua vez sentem dificuldade em relacionar ou em verificar as possibilidades para abordar o

tema.

Para entendermos melhor esta questão é preciso retomar alguns fatos

históricos pois, às vésperas da renúncia de Washington Luís, as tropas leais ao presidente

e as tropas “golpistas” concentraram-se na região do Norte Pioneiro do Paraná e no Sul de

São Paulo, sobretudo nas margens dos rios Itararé e Paranapanema causando pânico nas

populações urbanas e rurais, ocorreram saques, combates isolados e abusos generalizados

de ambos os lados, duas cidades da região acabaram levando o nome de “revolucionários”

de 1930 como Joaquim Távora e Siqueira Campos, embora permanecessem vivas na

memória das pessoas que viveram naquela época estes acontecimentos, além dos vestígios

materiais que acabaram se perdendo, o que predominou no ensino de história foi uma

versão oficial dos fatos.

Este texto busca reconstituir os acontecimentos de outubro de 1930 através

de apontamentos da historiografia brasileira sobre o assunto bem como através do

levantamento de fontes efetuado através de pesquisas de campo visando traçar um

panorama mais específico desse acontecimento histórico priorizando a integração da micro

e da macro-história , propondo também, algumas atividades que poderão ser desenvolvidas

com alunos do ensino médio .

2.O CONTEXTO “REVOLUCIONÁRIO” DE 1930

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2.1 – A CRISE NO CAPITALISMO MUNDIAL

Autores como Bóris Fausto (1978, P.422) destacam o papel da crise econômica dos

anos 20 como elemento explicativo do surgimento da República Nova.1

A tese de Fausto demonstra que, a partir de 1924, quando o governo federal

transferia o ônus da manutenção do preço mínimo do café para o Instituto do Café do

Estado de São Paulo, estava na verdade se eximindo de assumir qualquer compromisso

sobre a questão. Tal posição fica clara após outubro de 1929, o Instituto Paulista foi incapaz

de manter o preço do café em níveis aceitáveis para os cafeicultores que acabam

recorrendo novamente ao governo federal pedindo a concessão de créditos e a prorrogação

do pagamento das dívidas contraídas. No entanto, o presidente Washington Luís não

atendeu seus reclamos, talvez por ignorar as proporções e os efeitos da crise econômica

mundial.

A indiferença do governo federal às dificuldades econômicas dos plantadores de café

vai provocar uma crise política, pois esta classe era o sustentáculo político da maior parte

dos presidentes da República Velha. Isto não significa que a crise econômica tivesse levado

as oligarquias cafeeiras a uma oposição sistemática ao governo federal, mas sim, que esta

antiga força de apoio ao governo federal não estaria mais disposta a defendê-lo através das

armas.

Embora alguns historiadores não tenham dado a devida atenção a influência da

economia mundial neste importante momento da política brasileira, preferindo colocar em

primeiro plano as ideologias ainda latentes, como o tenentismo (SANTA ROSA, 1975) ou as

lutas de classes (DE DECCA, 1983), é inegável que se a crise não levou a um choque direto

entre as oligarquias cafeeiras e o Presidente da República, ao menos, motivou uma cisão no

seio dessa mesma oligarquia que levaria à formação de uma ampla frente de oposição ao

seu governo, a chamada Aliança Liberal.

2.2 - A CRISE DAS OLIGARQUIAS CAFEEIRAS E A ALIANÇA LIBERAL

As oligarquias Paulista e Mineira alternavam-se no Poder desde a eleição de

Prudente de Morais (1894), a única exceção foi o governo do gaúcho Hermes da Fonseca

(1910 – 1914), tal prática ficou conhecida como política do “café com leite”, esta, estabelecia

tacitamente o privilégio da indicação presidencial aos grandes “colégios eleitorais”, ou seja,

São Paulo e Minas Gerais. Ao final do mandato de Washington Luís (Paulista), segundo o

acordo, seu sucessor (com apoio do governo federal) teria de ser Antônio Carlos de

1 O período da história republicana brasileira denominado República Nova compreendeu o Governo Provisório

(1930-1934) e Governo Constitucional (1934-1937) de Getúlio Vargas.

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Andrada (Presidente de Minas). No entanto, o presidente da República quebra o pacto e

lança a candidatura do paulista Júlio Prestes. Tal fato significou a gota d’água nas

divergências entre as grandes oligarquias dominantes, ao mesmo tempo, permitindo que as

oligarquias em ascensão (especialmente a gaúcha) se movimentassem, obtendo vantagens

e despontando como novas forças políticas nacionais. Como exemplo, temos a formação do

Partido Democrático em São Paulo (em contraposição ao Partido Republicano Paulista), no

Rio Grande do Sul formou-se a Frente Única entre Republicanos e Libertadores, apoiaram-

nos alguns setores das oligarquias nordestinas, em especial da Paraíba, e, finalmente, o

radicalismo leva estes grupos, no final de 1929, a buscar o apoio do tenentismo, abrindo

caminho para uma possível luta armada (FAUSTO, 1974, p.227-255).

Neste contexto, a Aliança Liberal lança a candidatura de Getúlio Vargas, esta foi bem

recebida pelas multidões, nos comícios de dezembro de 1929 em São Paulo, e janeiro de

1930 no Rio. Discursando em todo o Norte e Nordeste do país, Vargas conseguiu amplo

apoio nos grandes centros, além da adesão de parcelas das oligarquias, como a da Paraíba,

que aderiu em peso à Aliança, em troca da vice-presidência para o governador João

Pessoa.

O clima da campanha era tenso, ocorreram conflitos entre os grupos rivais em várias

cidades do Brasil, como Natal, Vitória, Montes Claros e outras, ocasionando inclusive a

morte de um deputado. Mas o poder da “máquina governista” levou Júlio Prestes à vitória

nas urnas. A diferença de votos não foi tão grande para os padrões da época, não chegam a

204 do total, isso facilitou aos oposicionistas a acusação de fraude nas eleições.

2.3 - A REVOLUÇÃO DE OUTUBRO

A maioria dos líderes aliancistas, não aceitando o resultado das urnas, resolve aderir

a alternativa de recurso às armas, proposta pelos tenentes, assim os comandos regionais do

movimento foram entregues aos jovens militares: Juarez Távora comandaria a luta na

Paraíba, Siqueira Campos em São Paulo, etc.

No início do ano de 1930, no entanto, era constante as vacilações dos líderes

aliancistas oligarcas quanto ao levante armado, com relação ao tenentismo o panorama

passa a ser desanimador com a saída de Luís Carlos Prestes do movimento, o que

ocasionou a desistência de vários tenentes. Porém, a conjuntura histórica vai se tornando

cada vez mais favorável ao levante, a ruptura entre as oligarquias tradicionais Paulista e

Mineira, aliada ao “crack” da bolsa de Nova York, reflexo da crise econômica de 1929,

acaba por ferir mortalmente o pacto firmado entre o governo central, preocupado em manter

o mínimo de governabilidade em meio à crise econômica e as elites que o mesmo deveria

representar e que, no momento, virara as costas. Não poderá ser diferente o

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comportamento do governo diante da impossibilidade de contrair empréstimos externos e

manter a política de valorização do café. Neste panorama, os elementos mais radicais da

oposição sentiram a vulnerabilidade do poder central, conseguindo criar uma frente única,

aproximando tenentes e políticos.

Faltava aos revolucionários um indicativo para o momento exato para deflagrar o

movimento, o sinal para a luta veio com a morte do paraibano João Pessoa por João

Dantas, assassinato ocorrido unicamente por motivos pessoais, mas que, no entanto foi logo

transformado pelos aliancistas em uma vingança política, atribuída ao governo. O levante foi

marcado para 3 de Outubro, sob a chefia de Getúlio Vargas, o comando militar caberia ao

General Góis Monteiro, o apoio militar ao movimento foi crucial, os militares que não

aderiram a Revolução foram rapidamente neutralizados, em 3 dias o Rio Grande do Sul

estava sob o poder dos Revolucionários, Minas resistiu por 5 dias, em poucos dias a maioria

dos Estados brasileiros estavam sob o controle dos revolucionários, o único foco sério de

resistência à Revolução se localizou em São Paulo, nas cercanias de Itararé (entre Sengés

e Joaquim Távora), onde se concentraram as tropas paulistas (legalistas) e gaúchas

(revolucionárias), mas logo após os primeiros combates, o comandante legalista,

percebendo a infinita inferioridade de suas tropas (eram em torno de 7.800 revolucionários

contra 1.600 militares e 1.000 voluntários legalistas), resolve render-se para evitar um

massacre.

A 3 de novembro de 1930, o General Góis Monteiro entrega o poder a Getúlio como

presidente provisório, era o triunfo da Revolução.

2.4. O SIGNIFICADO DA REVOLUÇÃO

Sem dúvida o levante de outubro de 1930 acabou por destruir as estruturas políticas*

da República Oligárquica abrindo caminho para a modernização do Estado brasileiro, no

entanto, o uso do termo “Revolução” para este acontecimento causa controvérsias, afinal, o

que aconteceu foi uma Revolução no uso mais tradicional do termo (substituição de classes

sociais no poder) ou um Golpe de Estado (alteração apenas do grupo dominante), parece-

nos ainda mais difícil desvendar o sentido do termo revolução neste caso, devido a riqueza

e a complexibilidade dos acontecimentos deste período, seja no âmbito nacional ou

internacional.

Com relação ao novo Estado, resultante dos acontecimentos de 1930, nos parece

oportuna uma discussão historiográfica travada sobre o caráter burguês ou não da

“Revolução”, a polêmica gira em torno de duas visões; a partir da “Revolução” o Estado

* Política Café com leite e política dos governadores, assentadas na política de valorização do café engendrada no Convênio de Taubaté, 1906.

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Brasileiro passa a ter uma atuação modernizadora ou apenas deu continuidade ao

conservadorismo da economia brasileira.

Sobre a ação modernizadora do Estado, a partir da Revolução de 30, podemos citar

(SODRÉ,1963), para ele, a burguesia industrial conseguiu ascender ao aparelho de Estado,

após esta Revolução, implantar-se-ia de fato a indústria de base no país. Sua análise

contrapõe dois setores econômicos coexistentes e de alguma forma antagônicos, a

agroexportação (arcaico) e o pólo urbano industrial (moderno). Sob esta perspectiva, a

industrialização pesada só foi possível devido a atuação efetiva do empresariado industrial

enquanto força modernizadora, sendo os setores agrários representados como retrógrados

representantes do capital externo.

Para Santa Rosa (1975), o surto de desenvolvimento industrial no país após 1930 só

foi possível devido ao tenentismo, este, por sua vez, teria sido o porta-voz das

reivindicações dos setores médios marginalizados do jogo político.

Outra tese interessante na historiografia sobre o tema é a de Bóris Fausto(1974).

Segundo ele, na conjuntura da crise que leva à Revolução estavam inseridos, de um lado, a

cisão entre as oligarquias tradicionais o que de certa forma beneficiou um movimento militar,

por outro lado, Fausto aponta a burguesia industrial como incapaz de substituir o antigo

grupo dominante no poder, criando um vazio, ocupado por uma nova força política

emergente, esta força, no entanto, brota no seio das próprias oligarquias (A aliança liberal) e

é personificada pelo chefe do Executivo, a partir daí temos a chamada modernização

conservadora resultante do conteúdo de classe tradicional do novo Estado e da modalidade

autoritária de sua intervenção.

Diante da análise feita pela historiografia, parece-nos bastante complicado o

enquadramento do movimento de 1930 como uma Revolução, ainda que nos baseemos em

perspectivas não marxistas sobre o processo revolucionário, uma destas perspectivas são

as interpretações psicológicas da análise das revoluções. Estas distinguem-se em dois

enfoques, o primeiro aponta a revolução como inevitável no momento em que a população

chegar à conclusão de que a situação em que vive é insuportável. O segundo aponta para o

despertar da consciência da população para aquilo que deveriam receber e não receberam.

Segundo Cohan (1981) para Marx a revolução seria fruto de uma conjuntura

econômica tipicamente capitalista. A estrutura econômica “causa” o desenvolvimento de

determinadas relações sociais e, a partir dessas “causas”, derivam-se as organizações

específicas de classe. Em cada sociedade haverá duas classes básicas: uma que governa e

explora, enquanto a outra é governada e explorada. Os membros da classe explorada

tornam-se “alienados” dos valores dominantes e/ou modo de atuar, formando afinal um

vasto grupo, mantido coeso por meio da consciência comum de classe, ou seja, da

percepção da sua situação comum. Uma vez que a classe explorada adquira força

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suficiente, derruba a classe governante, e passa a constituir o grupo liderante em lugar do

grupo anterior.

Uma outra análise do conceito de revolução é feita pelos funcionalistas, para eles, se

uma sociedade depara com dificuldades em grau que os valores sociais se revelem

incapazes de responder pelas mudanças significativas do meio ambiente (ou vice-versa), e

a elite política se mostre remitente em providenciar as necessárias alterações no sentido de

harmonizar de novo os valores com o meio ambiente, há então todas as probabilidades de

que ocorra uma revolução.

Os teóricos das chamadas “Grandes Revoluções”, alguns de tradição marxista

como Lênin e Fidel Castro, partindo de estudos sobre e revolução francesa e americana

no século XVIII, a russa e a chinesa neste século, para eles, há numerosas dimensões para

a mudança revolucionária e, somente levando em conta algumas ou todas estas dimensões

é que poderíamos explicar se realmente ocorreu uma revolução no passado ou se está

ocorrendo no presente. Tais dimensões abrangem seis pontos:

1) Alteração de Valores: a revolução seria uma mudança interna rápida, fundamental e

violenta dos valores dominantes e muitos de uma dada sociedade.

2) Alteração estrutural: a revolução é a transformação de todo um sistema, ocorre quando

uma classe, para sair da miséria, não têm outra alternativa senão a revolução.

3) Mudança institucional: a mudança institucional reflete tão somente a alteração dos

valores e da estrutura social, mas em particular dos valores, na sociedade.

4) Alteração da elite: existe uma revolução quando um grupo de insurretos desafia ilegal

e/ou violentamente a elite governamental, através da ocupação de funções na estrutura

da autoridade política. Uma revolução é coroada de êxito quando, como resultado de um

desafio à elite governamental, os insurretos revelam-se, por fim, capazes de ocupar os

papéis principais no seio da estrutura da autoridade política.

5) Legalidade e legitimidade: a revolução é a quebra da legalidade, esta por sua vez pode

ou não estar assentada na legitimidade, ou seja, o grupo dominante, embora esteja no

poder respaldado pela lei, pode não ter o apoio popular para governar, não tem

legitimidade, consequentemente ocorre a quebra da legalidade.

6) Violência e acontecimentos violentos: para a maioria dos teóricos a revolução é um ato

de violência por meio do qual uma classe derruba outra e assume o poder.

A partir da análise do termo Revolução, portanto, somos induzidos a crer que, no

caso do levante de 1930, este não promoveu transformações estruturais significativas a

ponto de ser tido como revolucionário, no sentido marxista se por um lado ocorre a

quebra da legalidade, durante o levante de outubro, não houve uma alteração de poder no

sentido de conduzir uma nova classe social a controlar o processo, embora houvesse

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a participação de membros do tenentismo no movimento. Estes foram, antes de mais

nada, utilizados para fortalecer o caráter militar do levante e, após Vargas assumir o poder,

servir de ponto de apoio entre as forças armadas e o governo federal. É preciso lembrar que

alguns líderes tenentistas foram nomeados interventores nos Estados. Por outro lado, a

participação popular, se é que se pode levá-la em consideração, vai ocorrer muito mais por

um fato político fabricado (a possível execução de João Pessoa a mando do governo

federal) do que por consciência política. Com relação à burguesia industrial emergente é

preciso lembrar que boa parte do parque industrial paulista foi proveniente do excedente de

capitais obtidos com a cafeicultura, portanto, a burguesia industrial paulista, de certa forma,

não poderia ser dissociada das elites cafeeiras, diante disso, somos levados a aceitar a

hipótese de uma troca de poder intra-elite, onde as oligarquias tradicionais, temendo a

eclosão de levantes verdadeiramente contestatórios, prefere entregar o poder a uma nova

força política que, em última análise, não chegaria a ameaçar seus interesses.

Em suma, estamos de pleno acordo com estas passagens:

“No Brasil nunca houve de fato uma revolução e, no entanto, a propósito de tudo fala-se dela, como se a sua simples invocação viesse a emprestar animação a processos que seriam melhor designados de modo mais corriqueiro. Sobretudo, aqui qualificam-se como revolução movimentos políticos que somente encontraram a sua razão de ser na firme intenção de evitá-la e assim se fala Revolução da Independência, Revolução de 1930, Revolução de 1964, todos acostumados a uma linguagem de paradoxos em que a conservação, para bem cumprir o seu papel, necessita reivindicar o que deveria consistir em seu contrário – a revolução.”( VIANNA, 1997, p.12)

Vale dizer, busca-se no discurso substituir os movimentos que movem a própria

história.

3. A REVOLUÇÃO NO NORTE PIONEIRO DO PARANÁ

3.1 - OS COMBATES

Devido a sua localização geográfica, Itararé tornou-se o caminho obrigatório das

revoluções, por aquela cidade passaram as revoluções de l893, l922, l924 e l930, tal fato

não pode ser explicado simplesmente a partir de que, por ser uma cidade fronteiriça, seria

apenas mais uma das cidades que se ofereceriam como alternativa de rota, Itararé surgiu no

caminho utilizado pelos tropeiros gaúchos que partiam de Viamão, passavam por Vacaria

ainda no Rio Grande, penetravam no Estado de Santa Catarina, passando por Lages, em

seguida adentravam o Paraná rumo a região de Curitiba, passando a seguir por Ponta

Grossa, Castro, Jaguariaíva e, finalmente, seguiam rumo aos mercados de Sorocaba e da

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cidade de São Paulo pela região de Itararé. Devemos considerar que o acesso do Paraná

para São Paulo, por via férrea ligando pelo chamado Norte Novo (a região de Londrina),

ainda não existia, o acesso de tropas aos outros Estados do Sul do Brasil por aquela

região seria impossível de ser realizado em poucos dias, como a situação exigia, a Estrada

de Ferro São Paulo - Paraná ainda não estava interligada com Santa Catarina, a única

opção para as tropas dos exércitos tanto legalistas quanto revolucionários seria o ramal

ferroviário Jaguariaíva – Jacarezinho que fazia parte da Ferrovia Curitiba – Porto Alegre, daí

a importância estratégica da região que se estendia de Itararé a Jacarezinho.

Os manuais de História do Brasil referem-se aos episódios ocorridos na região de

Itararé como a “Batalha que não houve”, porém, tal visão acerca da Revolução de 30

despreza que a verdadeira Batalha de Itararé havia começado no momento em que as

tropas gaúchas vindas de trem de Ponta Grossa, começaram a buscar posições para isolar

os paulistas e, assim conquistar Itararé, abrindo caminho para o Estado de São Paulo,

última resistência até a capital federal. O comando legalista sabia que a sorte da Revolução

se jogava em Itararé, por isso, se os combates evoluíssem de uma guerra de posições para

um conflito direto, lá teria sido travada a maior batalha já ocorrida em terras brasileiras,

envolvendo aproximadamente 15 mil homens.

Segundo CHIAVENATTO (1997, p.25) , por volta do dia 10 de outubro, a população

de Itararé, prevendo uma possível carnificina, já havia evacuado a cidade, nela estavam

concentradas as tropas do General Pais de Andrade, três mil soldados da força estadual,

apenas mil e seiscentos do exército e, aproximadamente, mil voluntários; o armamento

utilizado era precário, devido a impossibilidade de transportar num curto espaço de tempo

os armamentos mais eficientes concentrados nos quartéis de São Paulo, dentre o

armamento possível de ser utilizado estavam quatro canhões Krupp, da Primeira Guerra

Mundial e metralhadoras pesadas de calibre .50, as armas de mão eram constituídas por

fuzis Mauser de ação por ferrolho, modelo 1908, em calibre 7x57 Mauser, esta arma foi

utilizada na Primeira e na Segunda Guerra Mundial pelas tropas alemãs, sofrendo apenas

ligeiras modificações no início do século, era utilizada também como arma de caça

africana por experientes caçadores de elefantes, em termos balísticos seu potencial

destrutivo, segundo a literatura especializada ( REVISTA MAGNUM n°54), não deixa nada

a dever se comparado por exemplo aos modernos Colt M-l6/AR l5 e aos IMBEL/ FAL, os

oficiais estavam armados ainda de revólveres em calibre .45 ACP (Automatic Colt Pistol) e

pistolas Lugers em calibre 7,65 Luger, todos os calibres citados permaneceram em adoção

no mundo todo, inclusive pelo exército alemão e americano durante a Segunda Guerra

Mundial, o que mostra que a precariedade em termos de armamento a que se referem

alguns depoentes não deve ser levada em consideração, pois o armamento utilizado pelos

revolucionários era idêntico ao utilizado pelos paulistas, seguiam o padrão estabelecido

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pelo exército brasileiro, além disso puderam, através da via férrea, contar com eficientes ,

porém leves, peças de artilharia, num total de dezoito canhões em calibre 75 mm.

Nossa preocupação em discorrer sobre o armamento utilizado pelos dois lados é no

sentido de demonstrar que um confronto direto neste caso teria produzido uma carnificina

sem precedentes.

Em termos de efetivos militares, os revoltosos contavam com aproximadamente 7800

homens, comandados por um ex-integrante da coluna Prestes, Miguel Costa. Nas frentes de

batalha do Nordeste e de Minas Gerais, ambos os lados apenas mediam forças, pois era

sabido que o destino da Revolução seria selado em Itararé.

A Batalha final não chegou a ocorrer, embora o General Paes de Andrade estivesse

disposto a cumprir até o fim as ordens recebidas de São Paulo, defender sua posição até a

morte, os comandantes paulistas sabiam que não possuíam nem efetivo nem poder de fogo

para repelir os revoltosos, porém o presidente Washington Luís só renunciaria a 24 de

otubro, por uma imposição de seu próprio comando militar que não se mostrou disposto a

levar em frente uma missão suicida.

3.2 - A REVOLUÇÃO NO COTIDIANO DOS MORADORES DA REGIÃO

Para a maioria dos moradores da região onde ocorreu o encontro entre paulistas e

gaúchos, os acontecimentos de 1930 representaram não só um conflito militar de conotação

política, mas também a quebra da legalidade, o banditismo e o afloramento de antigas

rivalidades que vieram à tona devido aos acontecimentos daquele momento.

Neste ítem pretendemos realizar uma análise dos depoimentos colhidos pela equipe

de jornalismo da Folha de Londrina e da TV Coroados, de pioneiros que viveram os

acontecimentos de outubro de 1930, para realizarmos nosso intento transcrevemos na

íntegra o teor dos artigos publicados na Folha de Londrina do dia 06/04/84 e de 27/10/91,

respectivamente.

3.3 MATÉRIAS DA FOLHA DE LONDRINA RELATIVAS AOS ACONTECIMENTOS DE

OUTUBRO DE 1930 NO NORTE PIONEIRO

PAULISTAS E GAÚCHOS LUTARAM EM QUATIGUÁ

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O choque armado sequer é mencionado no resumido histórico do município

(população de 5.315 dos quais 3.990 eleitores) antigos moradores contam que “a coisa foi

feia” e a população fugiu para as matas próximas ao patrimônio, deixando as casas

comerciais à mercê dos revoltosos (gaúchos), que “requisitaram” até uma boiada de Pedro

Gonçalves Lopes, a quem obrigaram a usar um lenço vermelho e dar vivas a Getúlio

Vargas. Para deter as tropas gaúchas, em superioridade, o prefeito de Joaquim Távora e um

líder dos paulistas mandaram arrancar trilhos em diversos pontos do ramal ferroviário entre

Quatiguá e a divisa com São Paulo:

“A REVOLUÇÃO FOI SÓ MEDO”

Aos 81 anos de idade e muito conhecido por Jorge Luna, uma das testemunhas

oculares da refrega é Jorge Barbosa Lima, que chegou à “praça” (ele não diz “cidade”) em

13 de junho de 1928 e dela não se retirou quando chegaram as tropas gaúchas em 1930.

Mesmo tendo consciência de mortos e feridos, Jorge Luna gosta de subestimar, usando

diminutivos: “tirinhos”, “um brinquedinho...”

Natural de Franca, Estado de São Paulo, sua primeira cidade no Paraná foi Ribeirão

Claro, onde chegou para vender máquinas de costura Singer. Escassez de água em

Ribeirão (a maioria dos poços “davam” em pedra, “a gente tinha que comprar água a mil réis

a lata”) fez com que a família mudasse para Quatiguá, onde Jorge Luna passou a

representar as máquinas de costura “Pfaff”, de fabricação alemã, distribuídas por uma firma

de Ponta Grossa.

E a Revolução?

“Houve aí um brinquedinho, mas caboclo acostumado a ver correria não se assusta”

– responde Jorge Luna, orgulhoso de ter sido um dos moradores que permaneceram na

“praça” durante o conflito, junto com o Sebastião Santoni e Vitório Bonardi (este já morreu).

Os paulistas, “defendendo o sr. Washington Luiz”, eram os “liberais” ou “legalistas”, as

tropas gaúchas, marchando com Getúlio Vargas, eram a dos “revoltosos”, que apontaram no

morro a sudeste de Quatiguá, procedentes da região de Ponta Grossa. “Era um batalhão

do coronel Cavalcanti, mais ou menos uns quatrocentos homens, uma força mista de

voluntários” vai recordando Jorge Luna. Inferiorizados em número, “uma força de uns

duzentos e poucos homens, bate-paus do doutor Ataliba Leonel e uma rapaziada que fazia

o serviço militar em Iquitaúna, perto da capital”, os paulistas apareceram no lado oposto da

cidade, a noroeste, procedentes de Piraju e Fartura.

Depoimentos de vários moradores antigos estabelecem o consenso de que os

gaúchos começaram a disparar canhões (de 75 ou 100mm) do alto do morro, enquanto os

paulistas assentavam metralhadoras sobre a cobertura da estação ferroviária. Os gaúchos

avançaram gradativamente até obrigarem os paulistas a baterem em retirada. Os gaúchos

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se deslocavam a cavalo, os paulistas em caminhões e – segundo alguns depoimentos –

trem.

Segundo Jorge Luna, “os paulistas chegaram à estação, derrubaram postes e

arrancaram o telégrafo. O telegrafista era o Raul Bittencourt, imparcial, sem ser favorável a

ninguém”, mas para assustá-lo os paulistas dispararam contra duas locomotivas “maria-

fumaça” estacionadas.

Os gaúchos “puseram aí umas pecinhas velhas e com uns tirinhos de brinquedinho

espantaram os legais”- continua Jorge Luna com seus diminutivos. Para ele a “Revolução foi

só medo para a população de Quatiguá, depois as decisões no Rio de Janeiro acabaram

com esse nosso medo”. Mas houve muitos mortos e feridos nas tropas de ambos os lados,

que chegaram a entrar em choque num ponto hoje dentro do perímetro urbano. “Foi na

Serraria do José Volpato e do João Lucas, duas casas inacabadas foram transformadas em

hospitais de sangue” – recorda Jorge Luna.

O POVO CORREU PARA O MATO

A Revolução de 30 começou no dia 3 de outubro, calculando Jorge Luna que as

tropas permaneceram cinco dias em Quatiguá e que os choques se verificaram entre os

dias 11 e 13. Porém, a população começou a se retirar do patrimônio, ao perceber a

chegada dos gaúchos; dos quatro ou cinco comerciantes, apenas dois permaneceram, José

Simeão Rodrigues (avô do atual Secretário da Indústria e Comércio do Paraná, Francisco

Simeão) e Sílvio Zanini, “os demais se retiraram para os sítios e fazendas”.

Porém, aqueles que permaneceram em suas casas não foram molestados por

qualquer das tropas, conquanto as “requisições” nas casas comerciais, principalmente as

abandonadas, fossem feitas a grosso. Naquele tempo, Quatiguá (o nome do município é

corruptela do “cuatingua”, um vegetal outrora abundante na região e que era usado para

tingir tecidos) era apenas um patrimônio dividido em duas zonas, uma conhecida por Barra

Grande e outra por Chapada. O atual município de Joaquim Távora (a sede fica a oito

quilômetros de Quatiguá) tinha o nome de Afonso Camargo (um dos presidentes do

Paraná), relata Isidoro Mocelin, hoje com 72 anos de idade.

Contemporânea, D. Conceição Eliziária Teixeira Godoy, de 77 anos, recorda o

patrimônio, umas trinta casas, só quatro comerciais. Morava no sítio a quatro quilômetros,

vizinho a Mocelin, “a linha férrea ficava entremeio às nossas propriedades”. Se recordam,

ambos, de ter aparecido lá um oficial paulista avisando: “É preciso se retirar de vossas

casas, vai haver combate por aqui!” Mocelin conta que, “aí, tocamos um pouco da mudança

sobre o caminhão e seguimos para a “bica”. Logo, começou uma tempestade de tiros e

nossa casa foi baleada”.

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Também Conceição e a família batiam em retirada, rumando para um abrigo natural,

debaixo de uma grande parede de pedra. Difícil era descer a encosta e Conceição ainda

estava grávida de sete meses. Buscou apoio num arbusto, mas antes que levasse a mão, foi

advertida pelo marido: “Não, Conceição, isso é “mamilo de porca”. Referia-se a um

espinheiro cortante, que poderia dilacerar as mãos da esposa. Depois de vários dias,

quando terminou a luta, ela saiu do abrigo e olhou para o alto. E não pôde imaginar como

havia descido. Afinal, temera até pela gravidez, “pensei que fosse perder, mas não perdi!”

Uma das filhas dela, Mary Elen Godoy, é hoje professora de Estudos Sociais na

escola de primeiro grau Pedro Gonçalves Lopes. Uma das tarefas de seus alunos tem sido

registrar a Revolução de Quatiguá, para o que entrevistam testemunhas.

SAQUES E “REQUISIÇÕES”

Nome de escola, Pedro Gonçalves Lopes foi humilhado pelos revoltosos gaúchos,

que “chegaram a fazer sepultura para enterrá-lo, recorda o genro dele, José Horácio Bueno.

Pedro residia fora do patrimônio, no Alecrim, e teve 26 reses e vacas de leite

“requisitadas” pelos gaúchos, que depois o prenderam sob acusação de ser legalista. Ele

tivera a coragem de interpelar um certo capitão Busch: “Você é o velhaco que roubou meu

gado?” Segundo José Horácio, ao que parece o capitão Busch era do Paraná e

anteriormente se desentendera com Pedro Gonçalves. Integrando-se às tropas gaúchas,

aproveitava para se desforrar, porém Pedro acabou sendo poupado pelo comandante, que

não admitia “questões de vingança”.

Isidoro Mocelin diz ter tomado conhecimento que Pedro Gonçalves foi obrigado “a

usar lenço vermelho e dar vivas a Getúlio”. Finalmente liberado, quando os gaúchos se

dirigiram a Itararé, regressou a Quatiguá andando e só conseguiu um cavalo emprestado na

casa de Mocelin. Chegando ao patrimônio, ficou mais revoltado, ao constatar que “gente do

lugar estava comendo o gado dele, que os gaúchos haviam deixado para trás...”

Aos 70 anos de idade, o ex-prefeito Antonio Rodrigues Filho recorda-se de ter ouvido

disparos de canhões e de outras armas, a 2,5 quilômetros do patrimônio, que a família

residia, numa área próxima ao Ribeirão Bonito, tinha 14 anos de idade e o temor de seu pai

era que os revolucionários pudessem incorporar os filhos. A família achou por bem se

retirar para mais longe e na ausência houve saques ou “requisições”, mas

Rodrigues não sabe ao certo se foram as tropas gaúchas ou oportunistas da situação.

Quando findou a Revolução, apareceram enviados do novo Governo, pedindo a moradores

que informassem sobre os bens perdidos durante a passagem das tropas. Tudo foi

relacionado como “requisitados” para efeito de indenização que ficou apenas na promessa.

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MONUMENTO AOS MORTOS

As testemunhas não sabem precisar o número de mortos e feridos no choque

armado em Quatiguá. “Foram muitos, a maior parte levada embora pelas tropas”- afirmam.

Isidoro Mocelin diz ter presenciado o enterro em valas comuns de mortos em

estado de decomposição, cinco cadáveres de cada vez. E de uma coisa ele tem certeza:

sob o monumento na praça Eurides Nascimento encontram-se 6, dos quais cinco paulistas.

O próprio Mocelin participou da trasladação, anos depois do choque, e foi um dos que

tiveram a idéia da homenagem. O marco está no centro de uma área de 40 por 40 metros

quadrados “doada pelo Lourenzon”.

“Homenagem do povo de Quatiguá aos heróis tombados em 1930” – está escrito na

placa de bronze.

“A política do café com leite”, que impunha o revezamento de paulistas e gaúchos na

presidência da República, foi definitivamente rompida pela Revolução de 30, que abriu

espaço para o Rio Grande do Sul, diminuindo a influência da oligarquia cafeeira, que,

incólume, desfrutava do poder. Neste contexto, uma revolução de fato passou pela pequena

Quatiguá, no Norte Pioneiro, tendo ali ocorrido luta armada entre gaúchos e paulistas, cujos

mortos, indistintamente, a comunidade glorifica num monumento em praça pública.

“A chegada das tropas gaúchas e paulistas à região provocou o esvaziamento dessas

cidades e o medo passou a tomar conta da população que se escondia no mato e em grutas

de pedra”- conta Luzia Bruno, 82 anos, que na época era professora. Ela chegou em Santo

Antonio da Platina com apenas dois anos, “no tempo que por aqui só tinha dois

carreadores, quatro casas de palmito, índios de um lado, bugres de outros, onças, capivara,

cachorro do mato e outros bichos”.

“O GETÚLIO PREGAVA A JUSTIÇA, MAS

DEIXAVA SEUS HOMENS SAQUEAREM TUDO”

Quando estourou a guerra dona Luzia dava aula em Siqueira Campos para onde

havia sido transferida “por perseguição política” de Santo Antonio da Platina, onde mora até

hoje. Recorda que tinha um vizinho gaúcho que dias antes trancou a casa, pegou toda

família e fugiu temendo a chegada repentina dos paulistas. Antes, porém, ele deixou um

bilhete com a mãe de Luzia dizendo que deveria entregar a chave da casa para um grupo

de “companheiros” que estava para chegar.

Dito e feito: “Um dia eu estava apanhando laranja no vizinho quando vi aquele

homem horrível saindo pro quintal com botas, calça larga, lenço no pescoço e uma cara de

mau. Eles entraram ali à noite após arrombar a porta e disse que eu não sairia dali enquanto

não desse as informações. Levei-o até minha mãe, ele mostrou o bilhete do nosso vizinho e

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aí recebeu a chave da casa. Ele ofereceu proteção à nossa família caso os paulistas

chegassem”.

Com o fechamento das escolas, Luzia diz que voltou com a mãe e outros irmãos

para a casa do pai, que era comerciante em Santo Antonio da Platina. Foi aí que ela diz ter

visto o horror dos bastidores dos combates. “Meu pai fazia compras diretamente em São

Paulo. Chegou um grande carregamento de mercadorias, e, no mesmo dia, por volta das 9

horas da noite os gaúchos apareceram em casa. Meu pai ficou com muito medo pois tinha

certeza que havia sido denunciado por um pequeno comerciante mal-intencionado. Deixou

tudo por conta e os soldados esvaziaram as prateleiras levando principalmente roupas de

brim de cor caqui, botas e mantimentos o quanto puderam carregar”.

Dona Luzia diz que sempre fica “remoendo” na memória o saque da loja do pai e

outras passagens desse período como o grande número de soldados mortos e feridos que

foram atendidos em Santo Antonio. “Vi muitos corpos embrulhados em lençol sendo

colocados em carroções para serem levados e outros foram enterrados por aqui mesmo,

mais de um numa mesma cova”- relata a ex-professora.

“Nunca vi tamanha velhacaria, pois os gaúchos obrigavam as pessoas a colocar na

parede o retrato de Getúlio Vargas e ainda cobravam 50 mil réis por isso. Como a gente ia

gostar de um Governo que pregava a justiça e deixava que seus homens saqueassem

casas de comércio e até fazendas?” – questiona Antonio Rodrigues Filho, primeiro prefeito

de Quatiguá.

Com 16 anos, em 1930, ele morava com a família num sítio perto da cidade. “A coisa

ficou tão preta que nós fugimos para o mato, no Bairro Jacutinga, e ficamos escondidos até

acabar a revolução. Só escutávamos ronco de fuzil e balas de canhão tinindo. Aquilo

estremecia tudo, era uma coisa louca saber que irmão estava matando irmão – lamenta.

Seo Antonio é detalhista e conta que, como Quatiguá fica num vale, no alto do morro

ficavam os gaúchos, e do outro lado, também ocupando um ponto alto e estratégico,

permaneciam acampados os paulistas. Mas ele reconhece que além de ser em maior

número as tropas rio-grandenses possuíam maior poder de fogo, inclusive com canhão, e

tinham a vantagem de controlar o principal meio de transporte da época, o trem. Como

chegaram antes, eles mantinham sob controle os pontos principais da cidade, utilizados

como trincheiras.

Em jogo nessa luta estava a permanência do presidente Washington Luiz à frente do

Governo e a posse de um outro paulista, Júlio Prestes. Para impedir a posse do novo

presidente o levante liderado por Getúlio Vargas reuniu os revoltosos do Rio Grande do Sul,

Minas Gerais e Paraíba. Com a vitória da oposição, Washington Luiz foi destituído e o

empossado foi Getúlio Vargas, iniciando aí a sua era de sucessivos mandatos.

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Por tudo o que viu e passou o ex-prefeito de Quatiguá não concorda com a

revolução. “É muito triste ver irmão matando irmão, não faz sentido. Quando os nossos

soldados defendem o País contra os invasores de fora, é uma coisa que dá orgulho, vale a

pena. Mas revolução interna não faz sentido. Isso tem que ser resolvido com inteligência.”

Apesar do medo e da tensão hoje ele ri de alguns episódios após a guerra. “Algumas

casas foram tão saqueadas pelos gaúchos que as pessoas ficaram só com a roupa do

corpo, ou seja, com aquela que fugiram pro mato. Quinze dias depois teve um casamento e

foi o mais pobre que já assisti. Tinha até padrinho descalço e um outro com uma camisa tão

fina que se batesse um vento rasgava. Esse foi o estado que os gaúchos deixaram a

cidade” – lembra.

Escaldado da guerra e com medo de água fria, seo Antonio Rodrigues conta que em

32, assim que as tropas gaúchas chegaram na cidade, seu pai mandou que corresse para o

mato esconder o cavalo Faceiro, temendo novos saques. “Não houve confronto porque os

paulistas não chegaram até aqui, mas a maior parte da população correu pro esconderijo no

mato.”

“TINHA SOLDADO MORTO PELA CIDADE TODA.

ENTERRAVAM MAIS DE TRÊS NUMA SÓ COVA”

Uma das famílias mais atingidas durante a Revolução de 30 foi a de Joaquim Pedro

Gonçalves, 77 anos. Ele conta que a rixa começou quando um capitão reformado comprou 8

bois carreiros de seu pai e não quis pagar. “Meu pai, Pedro Gonçalves Lopes, não era

homem de levar desaforo. Foi na casa do militar e disse: ‘Ou você me paga hoje ou um de

nós dois morre’. Aí ele pagou, mas quando veio a revolução ficou do lado dos gaúchos e

perseguia meu pai.”

Orientadas pelo capitão vingativo, seo Joaquim conta que as tropas gaúchas

chegaram na fazenda de surpresa e “requisitaram” parte da boiada. “Meu pai não se

conformou: xingou todo mundo de ladrão e o Getúlio Vargas de covarde por abusar de

trabalhadores”.

A afronta do fazendeiro lhe custou caro: foi preso e chamado para depor fora da

cidade. Lá, segundo seu filho, foi curto e grosso: “Confirmou que tinha acusado os

gaúchos de ladrão e Getúlio Vargas de covarde e disse que não tinha medo de morrer”.

Apesar das ameaças que sofreu, ele voltou com vida. Mesmo mantendo quase 100

pessoas escondidas em sua fazenda, os gaúchos não encontraram armas. Essa foi a

salvação.

Seo Joaquim conta que outras pessoas que eram do contra, como Salviano Bueno,

fugiram da cidade. Mas os gaúchos arrebentaram a casa e o cofre de Salviano. Outro que

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foi humilhado, segundo o pioneiro, foi Antonio Simeão: “Amarraram uma colcha vermelha no

pescoço e obrigaram ele arrastar aquilo pela cidade dando vivas a Getúlio Vargas”.

“A CAIPIRADA SE ESCONDIA. O BARULHO

DO CANHÃO PARECIA O FIM DO MUNDO”

E quantos morreram?

Essa é a resposta que ninguém sabe ao certo. Dona Gema Mocelim Shoinski conta

que seu pai ajudou a enterrar muita gente. “Meu pai era curioso, aí pegaram ele pra enterrar

defunto. Às vezes era até mais de três numa cova. A gente encontrou soldado morto no

cafezal e em várias partes da cidade. Alguns ainda foram levados de trem mas muitos

ficaram esquecidos pelo meio da lavoura.”

Antonio Bonardi, 74 anos, é outros que hoje ri da situação. “Éramos uma caipirada e

quando ouvimos o barulho se escondemos esperando que o mundo fosse acabar com o

estrondo do canhão.” Além dos mortos disse que encontrou os famintos paulistas que

comiam milho, fugindo humilhados.

O medo era tanto – recorda – que ninguém podia ver farda pela frente e já se

escondia no mato. Seo Antonio guarda uma verdadeira relíquia dessa época: uma bala de

canhão, 75 milímetros, utilizada pelos gaúchos e também o cano de um mosquetão,

rosqueado para baionetas. “Já quiseram pagar caro por essa bala mas eu nunca vou

vender; isso vai ficar pros netos como recordação da Revolução de 30.”

Além da pesada munição, há outras referências que lembram a guerra em Quatiguá:

o trem que trouxe os gaúchos e o cruzeiros que eles ergueram no alto do morro, a praça em

homenagem ao expedicionário e aos mortos de 30, as sepulturas que guardam para sempre

o silêncio dos legalistas do Governo e dos revoltosos de Getúlio Vargas. E o mistério:

ninguém sabe ao certo quantos combatentes anônimos tombaram naqueles poucos dias de

muita agitação.

4. OBSERVAÇÕES SOBRE OS DEPOIMENTOS: OS CUIDADOS PARA SE

RECONSTRUIR OS FATOS

Os depoimentos que transcrevemos, por si só servem para nos dar uma idéia do que

representou no cotidiano e no imaginário dos habitantes locais, o confronto entre as tropas

legalistas e revolucionárias na região. Porém, numa breve análise, podemos inferir alguns

detalhes importantes presentes em quase todas as entrevistas:

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1o- Os entrevistados não se referem aos exércitos que apoiaram Getúlio Vargas

como os Revoltosos, os Revolucionários, mas quase sempre, fazem referência “aos

gaúchos”, é importante lembrar que quase a totalidade dos moradores da região dos

conflitos era de origem paulista e mineira, excetuando-se alguns colonos de origem européia

(italianos e poloneses), vale lembrar que o Paraná Setentrional sempre esteve muito mais

ligado ao Estado de São Paulo que ao restante do Paraná, isto devido à possibilidade do

escoamento da produção de café através do Estado de São Paulo que já contava no início

do século com uma malha ferroviária muito mais eficiente que a paranaense, além do que,

poucos quilômetros separavam os dois estados a partir da região dos conflitos, portanto era

de se esperar que as hostilidades acabassem se estendendo aos moradores com tais

características.

2o- Há alguma divergência quanto ao que realmente ocorreu em termos de

combates, alguns depoimentos mostram que o uso da artilharia por parte dos

revolucionários chegou a ameaçar a população civil, isso sem falar das “balas perdidas”,

o alcance dos fuzis Mauser utilizados no confronto ultrapassa 4.000 m, portanto, quem

estivesse na linha de tiro durante os confrontos realmente enfrentava um perigo real.

Embora a tradição tenha consagrado a versão de que os paulistas chegaram primeiro na

região e logo após foram postos a correr pelos gaúchos, pela concentração de tropas em

Itararé, somos levados a crer que na verdade se tratava de patrulhas de reconhecimento e

de combate com a missão de tentar retardar o avanço das tropas revoltosas, precisamos

lembrar que nos depoimentos que tocam nesse assunto, os paulistas são citados numa

proporção numericamente inferior, embora, devido às condições do momento, os moradores

da região não tivessem condições de observar estes detalhes com maior atenção.

3o- Sobre os combates não pudemos, através das entrevistas, saber algo mais além

de que houve a utilização de artilharia e confrontos diretos entre os dois grupos. Não é

aceitável a versão de que os revoltosos utilizavam “armamento velho da Revolução de 24”,

em termos de armamentos convencionais, em seis anos não podemos esperar grandes

evoluções, principalmente levando-se em conta que a apenas uma década havia ocorrido

uma Guerra Mundial, contudo parece que há um consenso entre os entrevistados que

moravam em diferentes localidades da região, que ocorreram conflitos diretos, embora

ninguém arrisque precisar o número de mortos. Porém, isto não significa que estas mortes

não ocorreram embora a documentação oficial mostre-nos o contrário, citamos por exemplo

que os livros de Registro de Óbitos dos Cartórios dessa região não apontam nenhuma morte

relacionada com este conflito:

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-Cartório do Registro Civil de Joaquim Távora – livro II 29/01/26 a 01/01/32 – livro I (Distrito

do Juá) 13/11/l922 a 17/10/1932*.

- Cartório de Registro Civil de Carlópolis – Livro V 15/02/1916 a 05/08/l931.

O incidente a que nos referimos anteriormente mostra que a documentação oficial

pode não ser nada confiável principalmente em se tratando do período abordado.

A ocorrência de mortes porém pode ser confirmada por meio de relatos de

moradores que inclusive ajudaram a sepultar alguns mortos em valas comuns, algumas

existentes até recentemente, em outros depoimentos, há referências aos mortos que foram

levados pelas tropas, portanto, talvez não houvesse interesse político por parte dos

governantes da época em apresentar dados oficiais que indicassem ao certo quantas baixas

ocorreram no conflito.

4o- Na maior parte dos depoimentos, os entrevistados dão ênfase aos saques e as

humilhações pelas quais foram submetidos, tendo de abandonar suas casas, tendo seus

bens vilipendiados, sua honra ferida, e sua memória marcada de maneira que jamais

puderam se esquecer do que passaram naqueles dias, mas a história oficial nada registrou,

a não ser o triunfo de Getúlio Vargas ovacionado como herói quando passou por Itararé.

5. CONCLUSÃO

Neste trabalho procuramos apresentar as implicações da Revolução de 30 no

Paraná Setentrional, buscando mesclar as fontes tradicionais: historiografia e documentação

oficial, com a oralidade sob a forma de depoimentos. Entendemos que somente desta

maneira poderíamos demonstrar o que o levante de outubro de 1930 representou no

imaginário e no cotidiano dos moradores da região que testemunhou os combates.

Ressaltamos a importância dos relatos citados devido ao fato de que, entre os Pioneiros

entrevistados, apenas o Sr. Antônio Bonarde e D. Maria Serafina Disseró permanecem entre

nós, todos os demais já faleceram e com eles, muitos detalhes de nossa história que talvez

se percam da memória coletiva.

Do ponto de vista acadêmico, nosso trabalho pretendeu demonstrar alguns dados

inéditos sobre a Revolução de 30, pois as obras existentes a respeito, a nível historiográfico

ou mesmo em se tratando de literatura regional sempre buscaram em relação à sua

abordagem, especial ênfase a uma história político-social massificante e globalizante ou

então, no caso de trabalhos regionais, enfocando basicamente os acontecimentos locais,

* O Distrito do Juá, na época da Revolução pertencia ao município de Ribeirão Claro, o Livro I daquela localidade não tem termo de encerramento, pois suas páginas foram arrancadas durante uma invasão ao Cartório na Revolução de 1932.

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não buscando inseri-los num contexto mais abrangente. Neste sentido, esperamos ter

contribuído de alguma forma para a compreensão do processo histórico que levou aos

conflitos na Região, ajudando a desmistificar a visão “romântica” sobre os acontecimentos

de 1930, pois seus verdadeiros heróis não estavam entre os políticos da Aliança liberal, no

Palácio do Catete ou ainda, nas tropas de ambos os lados, foram sim, todos aqueles que

estando à margem de um processo político elitista, tiveram seu direito de ir e vir, tolhido,

suas casas saqueadas, e sua honra e dignidade feridos. Para estes heróis anônimos, pouco

importa quem governa, pois dos governos tirânicos e corruptos que assolaram o Brasil ao

longo dessas cinco décadas que nos separam daqueles acontecimentos, não tiveram senão

o desprezo e esquecimento, configurados na miséria e no abandono da região. Após todos

estes anos, e após tantas revoluções, nada mudou ...

6. PROPOSTA DE ATIVIDADES

6.1 Os alunos deverão escrever um breve texto sobre sua percepção acerca da

Revolução de 30 .

6.2 Pesquisa de vídeos disponíveis na internet sobre a Revolução de 30 ( utilizando

o laboratório de informática) .

6.3 Trabalho com textos :

Manifesto de Luis Carlos Prestes — Buenos Aires, maio de 1930

Ao proletariado sofredor das nossas cidades, aos trabalhadores oprimidos das fazendas e

das estâncias, à massa miserável do nosso sertão, e, muito especialmente, aos

revolucionários sinceros, aos que estão dispostos à luta e ao sacrifício em prol da profunda

transformação por que necessitamos passar, são dirigidas estas linhas.

Despidas de quaisquer veleidades retóricas, foram elas escritas com o objetivo principal de

esclarecer e precisar a minha opiaião a respeito do momento revolucionário brasileiro e

mostrar a necessidade de uma completa modificação na orientação política que temos

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seguido, a fim de podermos alcançar a vitória almejada. A última campanha política acaba

de encenar-se. Mais uma farsa eleitoral, metódica e cuidadosamente prepazada pelos

politiqueiros, foi levada a efeito com o concurso ingênuo de muitos e de grande número de

sonhadores ainda não convencidos da inutilidade de tais esforços.

Mais uma vez os verdadeiros interesses populares foram sacrificados vilmente, mistificado

todo o povo, por uma campanha aparentemente democrática, mas que, no fundo, não era

mais do que a luta entre os interesses contrários de duas correntes oligárquicas, apoiadas e

estimuladas pelos dois grandes imperialismos que nos escravizam e aos quais os

politiqueiros brasileiros entregam, de pés e mãos atados, toda a Nação.

Fazendo tais afirmações, não posso, no entanto, deixar do reconhecer entre os elementos

da Aliança Liberal grande número de revolucionários sinceros, com os quais creio poder

continuar a contar na luta franca e decidida que ora proponho contra todos os opressores.

É bem verdade que, em parte por omissão e em parte por indecisão, fomos também

cúmplices da grande mistificação. Silenciamos enquanto os liberais de todos os matizes e

categorias, dos da primeira aos da última hora, abusaram sempre do nome da revolução e,

particularmente, do dos seus chefes. Houve quem afirmasse, de uma tribuna política, apoiar,

politicamente os liberais por ordem de seus chefes revolucionários. Não foi desmentido. A

caravana política ao Norte do país, para melhor aproveitar do profundo espirito

revolucionário dos mais sofredores dos nossos irmãos, os nordestinos, fez toda a sua

propaganda em tomo da revolução; e, no entanto, era um dos seus membros de destaque o

atual diretor de A Federação, órgão que traduz e melhor interpreta o pensamento dos

reacionários do Sul... De qualquer forma, o erro foi cometido, e é dele que nos devemos

penitenciar publicamente, procurando, com toda a clareza e sem receio de qualquer ordem,

qual o verdadeiro caminho a seguir para levar adiante a bandeira revolucionária que hoje —

mais do que nunca — precisamos sustentar. Sirva-nos para alguma coisa a experiência

adquirida e dedique- mo-nos, com coragem, convicção e real espírito de sacrifício, à luta

pelas verdadeiras reivindicações da massa oprimida. A revolução brasileira não pode ser

feita com programa anódino da Aliança Liberal: Uma simples mudança de homens, o voto

secreto, promessas de liberdade eleitoral, de honestidade administrativa, de respeito à

Constituição, de moeda estável e outras panacéias nada resolvem, nem podem de maneira

alguma interessar à grande maioria da nossa população, sem o apoio da qual qualquer

revolução que se faça terá o caráter de uma simples luta entre as oligarquias dominantes!

Não nos enganemos. Somos governados por uma minoria que, proprietária das fazendas e

latifúndios e senhora dos meios de produção e apoiada nos imperialismos estrangeiros que

nos exploram e nos dividem, só será dominada pela verdadeira insurreição generalizada,

pelo levantamento consciente das mais vastas massas das nossas populações dos sertões

e das cidades. Contra as duas vigas mestras que sustentam economicamente os atuais

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oligarcas, precisam, pois, ser dirigidos os nossos golpes — a grande propriedade territorial e

o imperialismo anglo-americano. Essas, as duas causas fundamentais da opressão política

em que vivemos e das crises econômicas em que nos debatemos.

O Brasil vive sufocado pelo latifúndio, pelo regime feudal da propriedade agrária, onde, se já

não há propriamente o braço escravo, o que persiste é um regime de semi-escravidão e

semi-servidão. O governo dos coronéis, chefes políticos, donos da terra, só pode ser o que

aí temos: opressão política e exploração não positiva. Toda a ação governamental, política e

administrativa, gira em torno dos interesses de tais senhores que não medem recursos na

defesa de seus privilégios. De tal regime decorrem quase todos os nossos males. Querer

remediá-los pelo voto secreto, ou pelo ensino obrigatório, é ingenuidade de quem não quer

ver a realidade nacional. É irrisório falar em liberdade eleitoral, quando não há

independência econômica, como de educação: popular, quando se quer explorar o povo [...]

A verdadeira luta pela independência nacional deve, portanto, realizar-se contra os grandes

senhores da Inglaterra e contra o imperialismo, e só poderá ser levada a efeito pela

verdadeira insurreição nacional de todos os trabalhadores. As possibilidades atuais de tal

revolução são as melhores possíveis. A crise econômica que atravessamos, apesar dos

anunciados saldos orçamentários e da proclamada estabilidade monetária, é incontestável.

Os impostos aumentam, elevam-sé os preços dos artigos de primeira necessidade e baixam

os salários. A única solução encontrada pelos governos, dentro das contradições em que se

debatem, são os empresários externos com uma maior exploração da nossa massa

trabalhadora e conseqüente agravação da opressão política. A situação internacional é, por

outra parte, de grandes dificuldades para os capitalistas que nos dominam, a braços com os

mais sérios problemas internos, como o da desocupação de grandes massas trabalhadoras

e as insurreições nacionalistas de suas colônias. Além disso, o Brasil, pelas suas naturais

riquezas, pela fertilidade do seu solo, pela extensão territorial, pelas possibilidades de um

rápido dese6volvimento industrial autônomo, está em condições vantajosíssimas para

vencer, com relativa rapidez, nesta luta pela verdadeira e real emancipação. Para sustentar

as reivindicações da revolução que propomos — única que julgamos útil aos interesses

nacionais — o governo a surgir precisará ser realizado pelas verdadeiras massas

trabalhadoras das cidades e dos sertões. Um governo capaz de garantir todas as mais

necessárias e indispensáveis reivindicações sociais: limitação das horas de trabalho;

proteção ao trabalho das mulheres e crianças; seguros contra acidentes, o desemprego, a

velhice, a invalidez e a doença; direito de greve, de reunião e de organização.

Só um governo de todos os trabalhadores, baseado nos conselhos de trabalhadores da

cidade e do campo, soldados e marinheiros, poderá cumprir tal programa.

A vitória da revolução em tal momento mais depende da segurança com que orientarmos a

luta do que das resistências que nos possam ser opostas pelos dominadores atuais, cm

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franca desorganização e iúeptamente dirigidos. Proclamamos, portanto, a revolução agrária

e anti-imperialista realizada e sustentada pelas grandes massas de nossa população.

Lutemos pela completa libertação de todos os trabalhadores agrícolas, de todas as formas

de exploração feudais e coloniais; pela confiscação, nacionalização e divisão das terras;

pela entrega da terra gratuitamente aos que a trabalham. Pela libertação do Brasil do jugo

do imperialismo; pela confiscação e nacionalização das empresas estrangeiras, dos

latifúndios, concessões, vias de comunicações, serviços públicos, minas, bancos; anulação

das dívidas externas. Pela instituição de um governo realmente surgido dos trabalhadores

da cidade e das fazendas, em entendimento com os movimentos revolucionários anti-

imperialistas dos países latino-americanos e capaz de esmagar os privilégios dos atuais

dominadores e sustentar as reivindicações revolucionárias. Assim venceremos

Luis Carlos PRESTES

TÁVORA, Juarez. Memórias: Uma Vida e Muitas Lutas, Liv. José Olímpio, 1973, p. 344-348.

Réplica de Juarez Távora ao manifesto de Luís Carlos Prestes

Discordo do último manifesto revolucionário do General Luís C. Prestes. Não julgo viáveis os

meios de que pretende lançar mão, para executar um futuro movimento, nem aceito a

solução social e política que preconiza para resolver, depois dele, o problema brasileiro.

Temos tido — todos nós que hoje palmilhamos o caminho da revolução — um mesmo ponto

de partida: — a descrença na eficácia dos processos legais, para a solução da crise que

asfixia a nacionalidade, Depois, os rumos se abrem, as opiniões se desencontram, no lhe

atribuírem as causas, no lhe prescreverem os remédios. Há os que de tudo criminam os

homens, e há os que culpam, antes, o ambiente vicioso em que eles se agitam. Nós, os da

velha guarda revolucionária, acreditamos que o mal não reside apenas na deficiência dos

homens — mas, sobretudo, na perniciosa mentalidade ambiente que a prática defeituosa de

uma Constituição, divorciada das realidades da vida nacional, permitiu surgir, medrosa, na

aurora do regime, e agravar-se, intoleravelmente, sob o consulado dos últimos governos.

O remédio contra essa diátese política não pode consistir, pois, logicamente, na simples

substituição dos homens. Penso que um estadista esclarecido, assumindo hoje o governo

da República, encontraria tais óbices opostos à sua vontade, pela injunção dos precedentes

legais, que teria de optar, ao cabo de algum tempo, por uma das duas alternativas:

corromper-se, para adaptar-se ao meio envolvente, ou renunciar o mandato, para conservar-

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se reto. Impõe-se, portanto, como base de nosso saneamento politico, a eliminação dessa

atmosfera de corrupção que nos envolve, Como, porém, poder eliminá-la, enfim? E esse

justamente o nosso grave problema nacional. Disse — e disso estou firmemente convencido

— que tal ambiente nasceu da prática defeituosa de uma Constituição política inadequada

às nossas tendências, à nossa cultura, às nossas realidades. Esse diagnóstico impõe, por si

mesmo, o remédio exigido pelo caso: — Reforme-se, criteriosamente, a Constituição.

Reforme-se uma, duas, vinte vezes — se tantas forem necessárias para conseguir adaptá-la

à mentalidade do povo cuja vida social e política ela deve espelhar como um padrão.

E, ao elaborar tais reformas — nada de fetichismos doutrinários, do dogmas de política

clássica, de transplántações exóticas brilhantes, de liberalismos de fachada — tudo, porém,

pela lição prática do nosso século e pouco de existência independente, no afã inflexível de

consultar, antes de tudo, as nossas realidades de raça em formação, de meio especialmente

e de cultura quase embrionária. Nacionalizar a nossa Constituição — isto é torná-la capaz

de ser bem executada pela elite deficiente que possuimos — eis o remédio prático para os

nossos males.

Nós revolucionários, não cremos que uma tal reforma possa processar-se, pelo menos em

futuro próximo, por uma pacífica evolução legal [...] A revolução afigura-se-nos — para todos

os que, dentro das atuais circunstâncias, já não cremos na eficiência do voto — ser essa

força renovadora. Por ela temo-nos batido, desde há longos anos, sem medir esforços, nem

regatear sacrifícios. Por ela teremos logicamente de continuar a bater-nos, até que a razão

nos aponte um melhor remédio para libertar-nos dos desvarios e incapacidades de governos

que nos aviltam e espoliam. Mas a revolução por que me tenho batido e pela qual —

honrando a memória dos nossos mortos, entre os quais figura agora esse bravo, nobre e

generoso Siqueira Campos — espero poder ainda consumar novos sacrifícios, não é a

revolução que acaba de preconizar, em manifesto político, o meu prezado amigo, camarada

e ex-chefe, General Luiz Carlos Prestes. Sinto, sinceramente, ter de dizê-lo, pois, de há

muito, me habituei a admirá-lo, ouví-lo e acatá-lo, como a um verdadeiro guia, por sua

experiência, sua cultura, sua ponderação. Mas a encruzilhada que ele acaba de abrir no

roteiro, até agora comum, de nossa peregrinação revolucionária, força-me, por um dever de

razão e de consciência, a dele separar-me. Não creio na exequibilidade da revolução

desencadeada pela massa inerme do proletariado das cidades, dos colonos das fazendas,

dos peões das estâncias, dos habitantes esparsos dos nossos sertões. A essa massa,

faltam-lhe todos os atributos essenciais para realizar uma insurreição generalizada, nos

moldes da que preconiza o manifesto do General Prestes - coesão, iniciativa, audácia e,

sobretudo, eficiência bélica. Essa aliás, a única revolução que os nossos políticos

profissionais admitem como sendo popular — justamente porque sabem ser impraticável, na

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época da metralhadora e do canhão de tiro rápido. A revolução possível no BrasIl terá,

portanto, de continuar a apoiar-se nos mesmos meios em que tem sido alicerçada até aqui.

Reconheço que são deficientes e até precá rios mas são os mais viáveis e, portanto, os

mais práticos. Teremos de fazê-la com o concurso de todos os homens de boa vontade, que

a mentalidade reacionária e desvairada do poder público conduzir àquele ponto de partida

de onde nós, revolucionários, empreendemos a nossa caminhada: a descrença na eficácia

dos processos legais vigentes, para a solução do problema político nacional.

É inútil ou dispensável, que se lhe indaguem a classe a que pertencem, o credo político-

social que abraçam, os erros ou prejuízos de sua mentalidade atual ou anterior.

Penso que a revolução não é privilégio de uma classe ou de alguns poucos indivíduos

predestinados: — é o patrimônio comum, universal, de todos os desiludidos e desesperados

de proteção legal, contra os arbítrios da tirania. Deverá haver, assim, lugar em suas fileiras

para o comunista extremado, a anarquista, o socialista, o revolucionário moderado, o liberal

e o conservador: para o civil e o militar; para o burguês e pan o proletário.

Só os espíritos timoratos se arrecearão de que, após a refrega, sobrevenha o caos pelo

entrechoque de tantas tendências contraditórias: a luta, com as suas asperezas e

sofrimentos, será um formidável nivelador de aspirações. O essencial é que, do esforço

conjunto desses elementos, resulte a transposição da máquina política — que ora nos

desnorteia, dentro de um circulo de estagnação — para uma nova via aberta de

aperfeiçoamento. Creio sinceramente que, uma vez iniciada essa marcha de evolução, ela

prosseguirá, vencendo a resistência passiva de todos os prejuízos e rotinas, até conduzir-

nos a um estado de equilíbrio, que satisfaça as aspirações e interesses médios da

coletividade nacional. Mas não creio que lá cheguemos, adotando o exotismo dos conselhos

de operários, marinheiros e soldados, que nos aconselha o General Luiz Carlos Prestes [...J

Advinha-se, aliás, nas entrelinhas de seu recente manifesto, a revolta franca com que

encara as injustiças da atual organização burguesa da nossa sociedade, Ele não se

conforma com a monstruosidade de uma minoria insignificante de potentados burgueses

tanger a coice de armas — amarrada ao jugo de sua legislação unilateral e egoista — a

maioria formidável dos que trabalham e produzem. E pretende poder reparar essa injustiça,

pela inversão da atual ordem social. Reconheço a iniqüidade dessa ordem de coisas, em

que a maioria proletária se esforce, sem amparo prático, sob o tacão de leis que a minoria

burguesa de banqueiros, indusfriais o fazendeiros, de patrões em suma, amassa e amolda

ao sabor de suas ambições o egoïsmo. Concordo que essa preeminência absoluta de uma

classe sobre a outra, na elaboração das normas que a ambas hão de reger, é maléfica e

injusta. Mas não será invertendo a ordem existente — pela anulação sisteiiática da

burguesia e ascendência universal, incontrastável do proletariado -- que se chegará ao

almejado equilíbrio social, Isso apenas inverteria os polos da injustiça combatida.

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Creio, sim, no equilíbrio e excelência de um regime baseado na representação proporcional

de todas as classes sociais, e erigido em regulador imparcial de suas dependências e

interesses recíprocos. E suponho que o regime republicano democrático (democrático num

sentido menos amplo e mais real do que esse que até hoje lhe temos conferido) — é aquele

que mais facilmente nos permitirá aproximar-nos desse equilíbrio ideal.

Tratemos, pois, de adaptá-lo às nossas realidades, seguindo a diretriz já apontada por

Alberto Torres, na sua Organização Nacional, ou por um caminho paralelo, que busque as

novar tedências e necessidades do nosso povo e do nosso meio.

O fortalecimento da liberdade civil, por uma reforma criteriosa da Justiça; o estabelecimento

da independência econômica das massas, pela difusão da pequena propriedade; a coibição

efetiva e prática dos arbi’trios do poder, pela criação de um novo organismo de controle

politico; o equilíbrio social, estabelecido pela proporcional representação de classe; e, enfim,

a continuidade indispensável à obra de solução dos grandes problemas nacionais, pela

influência persistente de conselhos técnicos, que se superponham, permanentemente, à

temporariedade dos governos — eis os pontos básicos por que se devem bater, vencidos ou

vencedores, os revolucionários brasileiros.E tudo isso poderá fazer-se praticamente,

tolerantemente, sem confiscos injustos, nem arreganhos quixotescos de xenofobia, tão

esdróxulos quanto impraticáveis, Não penso que devamos preocupar-nos, por ora, com o

espantalho do imperialismo anglo-americano. Curemo-nos, antes, das mazelas e

incapacidades do nosso caciquismo indígena, para vermos, em seguida, a que proporções

se terá reduzido esse aparatoso duende da opressão externa.

Tal o meu modo de pensar. Fiel a ele, não posso acompanhar o General Luíz Carlos

Prestes, nô novo rumo que acaba de imprimir às suas idéias.

Juarez Távora

TÁVORA, Juarez, Memórias: Uma Vida e muitas Lutas. Liv. José Olímpio. 1973, pp. 349—

354.

Da macro-história para micro-história :

Após as explanações sobre a política e a sociedade brasileira na década de 1920, a política

do café-com-leite e os arranjos da República Oligárquica para eleger o sucessor de

Washington Luis , passaremos a exercitar as memórias familiares de alguns alunos , os

demais ajudarão na análise de texto .

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6.4 A Revolução de 30 nas memórias familiares :

- Algum parente (avô, avó, tios, etc.) lembram de algum acontecimento dos anos 30 com o

nome de Revolução ? Lembram de que forma este acontecimento repercutiu em suas vidas

? Como foram estes dias de Revolução?

- Como sua família percebeu a Revolução ? Como algo bom ou ruim ? De que maneira

acreditavam que a Revolução iria afetá-los ?

- Como era a vida da família ? Passavam algum tipo de dificuldade? Trabalhavam com o

quê ?

- Lembram de algum Getúlio Vargas ? O que pensam dele ?

- Guardam alguma lembrança desta época? Cartas, Diários, fotos, objetos, etc

6.5 Análise Interpretativa de Documentos Históricos

Trabalho em Grupo de de 3 ou 4 pessoas.

Documentos a serem analisados e interpretados: Manifesto de Luis Carlos Prestes e

Resposta de Juarez Távora

Inicialmente o professor chamará a atenção para algumas palavras-chave destacadas

no texto. Após as considerações do professor os alunos desenvolverão o trabalho em 3

momentos :

1º momento

• Observar a personalidade dos autores, sua formação, sua trajetória de vida.

• Situar as especificidades do texto no contexto histórico e cultural: o que afinal

acontecia no Brasil e no mundo, no momento da publicação dos textos, tais

acontecimentos teriam influenciado de alguma maneira na produção dos

documentos?

• Quais as correntes políticas que justificam a postura defendida nos textos?

2º momento

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Exercer uma atitude crítica diante das proposições do texto em termos de:

• Coerência interna da argumentação. Pelo que foi estudado sobre a história do

Brasil, os argumentos utilizados nos textos são válidos? Por quê?

• Qual dos textos parece estar mais de acordo com as memórias de sua família?

3º momento

Da micro para a macro-história

Debate em sala envolvendo a apreciação e juízo pessoal das idéias defendidas.

Diante dos textos estudados e das memórias familiares alguma coisa mudou com a

Revolução e com o governo Vargas?

7. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ANDRADE, Paulo Bonavides Paes de . História Constitucional do Brasil. 3a ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, s/d. BARBIERI, Aldo. Cem anos do Fuzil Mauser 98. In: Magnum, nº 62. BARREIRO, Hélios Jr. Revólver Smith e Wesson 625. In: Magnum, nº 55. CARONE , Edgar ( org. ). A Primeira República ( 1889-1930 ): Texto e Contexto. 2a ed. Amp. São Paulo: Difusão Européia do Livro, s/d. CHIAVENATO, Júlio José. A Revolução de 1930.7.ed.São Paulo : Ática, 1997. COHAN, A. S. Teorias da Revolução. Coleção Pensamento Político, v. 29. Tradução de Maria José Matoso Miranda Mendes. Brasília: Editora da UNB, 1981. DE DECCA, Edgard. 1930: o silêncio dos vencidos. São Paulo: Brasiliense, 1983. FAUSTO, Bóris. “A crise dos Anos 20 e a Revolução de 1930”. In: História Geral da Civilização Brasileira. T. III, v. 2. São Paulo: Difel, 1978, p.p. 422 e segs. _____________. “A Revolução de 1930”. In: MOTA, Carlos Guilherme de (org.). Brasil em perspectiva. 5a ed. São Paulo: Difel, 1974. p. 277 a 255. GAZINHATO, Laércio. A Rara Luger do Contrato Brasileiro. In Magnum, nº 32 . _____________. A Revolução de 30. Historiografia e História. São Paulo: Brasiliense, 1975.

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