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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

VOLU

ME I

I

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AUTORA: MARIOLANI BEBER DA SILVA

ORIENTADORA Ms. JANE PERUZO IACONO

LETRAMENTO COMO CONDIÇÃO PARA A ALFABETIZAÇÃO DE CR IANÇAS

CEGAS NUMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL

FRANCISCO BELTRÃO

2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DO PARANÁ – UNIOESTE

PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL- PDE

.

ORIENTADORA

Profª. Ms. Jane Peruzo Iacono

PROFESSORA PDE

Mariolani Beber da Silva

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PROPOSTA DE MATERIAL DIDÁTICO – PDE TITULADOS – 200 9

PROFESSORA: MARIOLANI BEBER DA SILVA

EDUCAÇÃO ESPECIAL

Letramento como Condição para a Alfabetização de Cri anças Cegas numa

Perspectiva Hstórico-Cultural

1. JUSTIFICATIVA

Por trabalhar no CAP – Centro de Apoio Pedagógico às Pessoas com

Deficiência Visual de Francisco Beltrão e por atuar como professora também na

formação de professores dos CAEDVs1, percebo a necessidade de reflexão sobre as

condições de alfabetização, especialmente de alunos cegos, bem como o repensar

do trabalho realizado com esses alunos. Como a Secretaria de Educação no Estado

do Paraná vem trabalhando numa concepção histórico-cultural de homem e de

educação é necessário que haja um suporte teórico-metodológico pautado nesses

mesmos fundamentos, a fim de que se possa buscar novos métodos, estratégias e

recursos que favoreçam o ensino-aprendizagem da língua materna, enfatizando o

desenvolvimento cognitivo e linguístico do aluno para os usos da língua em

situações comunicativas.

A alfabetização de crianças cegas envolve complexos conceitos pedagógicos

e psicológicos que precisam ser estudados criteriosamente para uma real efetivação

de apoio educacional que propicie o pleno aproveitamento das habilidades

existentes e desenvolvimento de outras. Este período deve ser entendido como

parte integrante do processo de desenvolvimento da criança e, permeado pelo

processo de aquisição da linguagem, sendo esse processo semelhante ao das

crianças videntes, cabendo ao professor: estar bem preparado, com clareza dos

conteúdos a serem trabalhados, dos métodos, técnicas, materiais adaptados e

estímulos mais adequados aos alunos, de forma a que também possam ser sujeitos

de seu processo de aprender, com liberdade de criação e expressão. Assim, como

as crianças videntes entram em contato muito cedo com os caracteres impressos em

jornais, revistas, TV, à criança com deficiência visual devem ser oportunizados os

1 CAEDVs – Centros de Atendimento Especializado ao Deficiente Visual

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meios para que, precocemente, tenha acesso à linguagem escrita, bem como ao

processo de letramento. De acordo com a Secretaria de Educação Especial do

Ministério da Educação, caracteriza-se por pessoa com deficiência visual aquela que

difere dos demais necessitando, quando aluno, de “professores especializados,

adaptações curriculares e ou materiais adicionais de ensino, para ajudá-la a atingir

um nível de desenvolvimento proporcional às suas capacidades.” (BRASIL, 2002, p.

7).

Tanto a Constituição Federal (BRASIL, 1988) quanto a LDB nº 9394

(BRASIL, 1996) determinam que esses alunos tenham acesso ao atendimento

educacional especializado. Ainda se discute acerca do que seria melhor, segregá-los

ou inseri-los nas classes comuns, evitando-se a segregação, embora este já seja um

debate superado, pois está muito claro, que alunos com deficiência visual devem

estudar em escolas comuns, junto com todos os outros alunos.

Legislações são criadas, discussões são feitas acerca da inclusão, contudo,

há algumas limitações que independem de legislação e que geram obstáculos à

educação das pessoas com deficiência rumo à autonomia e a sua valorização na

atual sociedade.

Uma dessas limitações - e que julgamos muito importante - é o fato de que,

no transcorrer das últimas décadas, implantou-se um ecletismo metodológico na

educação, trazendo uma certa dificuldade aos professores no momento de definir

qual é a perspectiva de homem que se quer formar. E dentro da perspectiva

norteadora escolhida, que dará suporte a um trabalho efetivo e transformador, quais

são as metodologias que realmente refletirão esta escolha no dia-a-dia.

Buscando auxiliar na superação dessa limitação é que propomos um estudo

da psicologia de Vigotski, elucidativa na maioria dos pontos obscuros que a

educação de crianças com deficiência vem deixando. O recorte feito, “alfabetização

da criança cega, portanto, alfabetização Braille”, nos remete aos primeiros contatos

da criança com a escola, que pressupõe clareza do professor quanto ao tipo de

sujeito histórico que se quer formar. Logo, aprofundar-se teoricamente e discutir uma

prática voltada para uma perspectiva histórico-cultural, pretende ser o justificador do

presente trabalho.

Os professores que atuam com crianças cegas nos CAEDVs da rede pública

estadual já possuem conhecimentos acerca das especificidades trabalhadas com o

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aluno com deficiência visual, porém encontram dificuldades no momento da

alfabetização, principalmente no que diz respeito às metodologias de ensino.

Essas dificuldades são pertinentes quando constatamos que a alfabetização

de crianças cegas acontece de maneira diferente da alfabetização da criança que

enxerga, pois desde que esta criança nasce, está em contato direto com diversos

atrativos visuais que favorecem a fase de alfabetização. Já a criança cega só entra

em contato com a linguagem escrita no momento em que vai para a escola.

Assim, cabem aqui alguns questionamentos que necessitam respostas: Como

se dá a alfabetização de crianças cegas? Quais são, efetivamente, as condições de

alfabetização em Braille no contexto dessas pessoas? Como apropriar-se dessas

condições? Para que, por que e para quem os alunos cegos escrevem? E quem lê o

que esses alunos escrevem? Como se dá a formação dos professores dos CAEDVs

com relação à alfabetização?

Considerando esses questionamentos, é que escolhemos a metodologia de

trabalho por meio da qual será desenvolvido o “Plano de Trabalho Docente”.

Este Caderno Pedagógico tem como objetivo contribuir para a formação

docente. O trabalho consistirá de oficinas pedagógicas com professores que atuam

nos CAEDVs do Município de Francisco Beltrão, Dois Vizinhos e Pato Branco. O

trabalho será desenvolvido em cinco oficinas de quatro horas semanais, totalizando

20 horas. Primeiramente será apresentado o Plano de Trabalho Docente, o qual

aborda a metodologia de trabalho utilizada com base nas leituras realizadas durante

a elaboração do Projeto de Intervenção Pedagógica na Escola.

2. PLANO DE TRABALHO DOCENTE

MODALIDADE DE ENSINO – EDUCAÇÃO ESPECIAL

CURSO – Formação de Docentes

DURAÇÃO DAS ATIVIDADES – 20 horas, sendo 4 horas semanais

PROFESSORA: Mariolani Beber da Silva

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3. OBJETIVOS

3.1. Geral:

Compreender a teoria histórico-cultural, nos aspectos que fundamentam o

processo educacional de pessoas cegas, priorizando a fase de alfabetização e

letramento dessas crianças.

3.2. Específicos:

Considerar o processo histórico-cultural de apropriação da leitura e escrita na

fase de alfabetização de alunos cegos na perspectiva vigotskiana, assim como o

processo de letramento;

Verificar de que maneira se dá a alfabetização do aluno cego;

Subsidiar os professores dos CAEDVs através da elaboração de materiais

didático-pedagógicos;

4. CONTEÚDO PROGRAMÁTICO:

• Análise e discussão dos questionários/pesquisa sobre a realidade de atuação

didático-pedagógica dos professores que atuam nos CAEDVs pertencentes

aos três NREs - Núcleos Regionais de Educação jurisdicionados ao CAP –

Centro de Apoio Pedagógico às Pessoas com Deficiência Visual de Francisco

Beltrão (NREs de Francisco Beltrão, Dois Vizinhos e Pato Branco) e os

fundamentos teóricos que embasam seu trabalho durante a alfabetização de

crianças cegas;

• Explanação da biografia de Vigotski;

• Fundamentos teóricos-metodológicos da Psicologia Histórico-Cultural;

• Construção de diferentes alfabetos em Braille, com diferentes texturas;

• Leitura de um livro de literatura infantil;

• Releitura da história, através de perguntas a respeito, a fim de “sondar” o

entendimento sobre o que foi lido;

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• Dramatização da história, de olhos vendados, seguindo algumas partes do

texto. Por exemplo: “Era uma vez uma menina linda, linda!”, “Por isso, um dia

ele foi até a casa da menina e perguntou:”, “O coelho saiu dali, procurou uma

lata de tinta preta e tomou banho nela.”, etc;

• Atividades de escrita, utilizando o alfabeto Braille móvel explorando,

primeiramente, a correspondência entre letras de palavras contextualizadas;

• Correspondência entre letras de palavras descontextualizadas.

• Formação de frases em Braille;

• Palavras contextualizadas, sequência lógica, significante e significado;

• Exploração das sensações táteis, associações entre o concreto e o abstrato;

• Produção de histórias em Braille;

• Leitura de textos em Braille;

• Montagem de apostila com as técnicas de alfabetização em Braille, sugeridas

pelos professores cursistas durante a realização da oficina.

5. INTRUMENTALIZAÇÃO

5.1. Ações didático-pedagógicas

Estabelecer relações com a problematização e as dimensões propostas

através de exposição dialogada, leitura orientada de textos selecionados sobre o

conteúdo abordado, explicação, debate, análise e discussão de filme, estudo dirigido

individual e/ou em grupo.

5.2. Recursos humanos e materiais

Professores, textos, filmes, material multimídia, questionários, livros e acesso

à internet.

5.3. AVALIAÇÃO

A avaliação dar-se-á no transcorrer da participação dos cursistas durante a

realização das oficinas programadas.

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6. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA/REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

6.1. VISÃO SÓCIO-HISTÓRICA DE VIGOTSKI

Por muitos anos e ainda hoje, os educadores se pautaram na ideia de que o

amadurecimento biológico era determinante para a aprendizagem, sendo que as

crianças eram enquadradas em fases específicas de acordo com sua idade, o que

era pré-requisito para o desenvolvimento.

A partir dos anos 80, chega ao Brasil a teoria Histórico-Cultural, gerando

discussões e reorganização educacional e pedagógica. Esta nova abordagem

teórica formulada por Vigotski2 busca estudar o homem e seu mundo psíquico como

uma construção histórica e social da humanidade. Esse autor atrai a atenção dos

educadores porque fala sobre a escola, valoriza o professor, a ação pedagógica e a

intervenção efetiva do educador na formação do sujeito, enfatizando sempre a

importância da interação social na constituição de cada sujeito.

A teoria de Vigotski tornou-se o centro das discussões entre os professores

nas últimas décadas, devido à forma como se interpretava o contexto social vivido

por ele e seus colaboradores, Luria e Leontiev, especialmente, enfatizando que o

sujeito não é apenas ativo, mas também interativo, pois adquire conhecimentos a

partir de relações intra e interpessoais. É na troca com outros sujeitos que o

conhecimento e as funções sociais são assimilados. Para Bakhtin (2003, p. 261) “O

emprego da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos) concretos e

únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana”.

Com o estudo dos pressupostos da Teoria Histórico-cultural, houve uma

mudança na compreensão de como ocorre o desenvolvimento das crianças.

Percebeu-se que a idade e o desenvolvimento biológico é que são determinados

pelo processo histórico-cultural e não o contrário. As relações sociais, as

experiências de vida, o grupo familiar, a escola e a comunidade em que a pessoa

está inserida, é que determinam sua aprendizagem. Para Vigotski, a formação se dá 2 O nome deste autor é encontrado, na literatura consultada, escrito de várias formas, dependendo do idioma de referência. Adotaremos, neste trabalho, a grafia Vigotski, como é grafada nas traduções em espanhol feitas diretamente do russo. Essa grafia é do Português, o espanhol tem i e y.

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numa relação dialética entre o sujeito e a sociedade a seu redor – ou seja, o homem

modifica o ambiente e o ambiente modifica o homem. Assim, apoiando-se em

Vigotski, Zanella (2001, p. 72) diz:

O homem é um ser eminentemente social, pois é a partir das relações estabelecidas com outros que paulatinamente constrói suas características singulares e constitui-se enquanto sujeito, ou seja, enquanto alguém que, ao mesmo tempo em que é marcado pelo contexto social e histórico em que se insere, é capaz de regular sua própria conduta e vontade, de reconhecer-se enquanto ser resultante da história e, ao mesmo tempo seu produtor.

E Vigotski afirma ainda: A verdadeira essência da memória humana está no fato de os seres humanos serem capazes de lembrar ativamente com a ajuda de signos. Poder-se-ia dizer que a característica básica do comportamento humano em geral é que os próprios homens influenciam sua relação com o ambiente e, através desse ambiente, pessoalmente modificam seu comportamento, colocando-o sob seu controle (VIGOTSKI, 2007, p. 50).

Vigotski afirma que é a partir das relações com outros indivíduos que o

homem se constitui como homem, ou seja, o homem constrói sua existência a partir

das ações sobre a realidade social, com o objetivo de satisfazer suas necessidades,

sendo que estas ações transformam o próprio homem. Vigotski (2007, p. 98) formula

o conceito de zona do desenvolvimento proximal, dizendo que “o estado de

desenvolvimento mental de uma criança só pode ser determinado se forem

revelados os seus dois níveis”: o desenvolvimento efetivo (nível de desenvolvimento

real), que determina aquilo que a criança já é capaz de fazer por si própria e o nível

de desenvolvimento potencial, que é o desenvolvimento que está prestes a se

efetivar. A zona de desenvolvimento proximal caracteriza-se como a distância entre

aquilo que a criança faz sozinha e o que ela é capaz de fazer com a intervenção de

um adulto num certo momento, e que realizará sozinha mais tarde. O

desenvolvimento só se efetiva no meio social e é nele que a criança realiza a

apropriação dos comportamentos humanos. Assim, a aprendizagem na escola ou no

dia-a-dia, atua no sentido de favorecer o desenvolvimento da zona de

desenvolvimento potencial. Neste sentido:

A zona de desenvolvimento proximal define aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação, funções que amadurecerão, mas que estão

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presentemente em estado embrionário. Essas funções poderiam ser chamadas de “brotos” ou “flores” do desenvolvimento, ao invés de “frutos” do desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento mental retrospectivamente, enquanto a zona de desenvolvimento proximal caracteriza o desenvolvimento mental prospectivamente (VIGOTSKI 2007, p. 98).

De acordo com a teoria de Vigotski, em relação ao aluno cego, o enfoque do

trabalho do professor deve estar centrado nos conteúdos que esse aluno ainda não

se apropriou no processo de escolarização (ZDP), tendo o professor o papel

explícito de interferir, sendo então o condutor do processo. Sua intervenção é direta,

pois deve ajudar o aluno a avançar como também a sistematizar os conhecimentos.

Esta ideia de mediação é a relação do homem com o mundo mediada através de

instrumentos3, em especial a linguagem, tida como instrumento do pensamento, e de

signos4. Nesse sentido, os instrumentos e signos são recursos na ação de

transmissão do conhecimento, o simples contato do aluno com esses elementos não

garante a aprendizagem; o processo de escolarização necessita, primordialmente,

da mediação do professor. Com isso, o professor precisa construir,

progressivamente, um clima de relacionamento afetivo com os alunos, disposto a

fazê-lo caminhar com eficiência e segurança, especialmente durante a fase de

alfabetização, que para Smolka (2000, p. 29) implica leitura e escritura traduzidos

através de momentos discursivos, de interlocução e interação. Soares (1998)

também enfatiza que aprender a ler e a escrever implica não apenas o

conhecimento das letras e do modo de decodificá-las (ou de associá-las), mas a

possibilidade de usar esse conhecimento em benefício de formas de expressão e

comunicação, possíveis, reconhecidas, necessárias e legítimas em um determinado

contexto cultural.

Vigotski revela sua preocupação com a educação de indivíduos com

deficiência, abandonados a sua própria sorte, à mercê de uma educação

inadequada. O autor critica a escola especial de sua época, considerando-a uma

instituição que impedia o convívio entre as crianças com deficiência e as crianças

com desenvolvimento típico da mesma idade; portanto, a educação deveria ser

3 “Os instrumentos são meios externos utilizados pelos indivíduos para interferir na natureza, mudando-a e, consequentemente, provocando mudanças nos mesmos indivíduos” (LUCCI, 2002, p. 140). 4 Signos são instrumentos que incidem e modificam a relação do homem consigo mesmo e com os outros homens (ZANELLA, 2001, p. 76).

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respaldada por métodos e procedimentos que permitissem um desenvolvimento

semelhante ao das crianças que não tinham deficiência. Propunha para os alunos

com deficiência, métodos pedagógicos especiais. Segundo o autor, não se pode

esquecer que antes de tudo, é preciso “não educar o cego [ou o surdo, o deficiente

mental, etc.], mas a criança” (VIGOTSKI, 1989, p.60).

Através da defectologia, que é, grosso modo, o estudo da educação da

criança anormal, Vigotski, defende que “O postulado central da defectologia

contemporânea é o seguinte: qualquer defeito origina estímulos para a formação da

compensação” (VIGOTSKI, 1989, p.5).

Assim, para a teoria Histórico-Cultural, o cego não é um ser com defeito e

limitação, mas uma pessoa capaz, de plena valia social, pois para Vigotski:

Se algum órgão, devido à deficiência morfológica ou funcional, não consegue cumprir inteiramente seu trabalho, então o sistema nervoso central e o aparato psíquico assumem a tarefa de compensar o funcionamento insuficiente do órgão, criando sobre este ou sobre a função uma superestrutura psíquica que tende a garantir o organismo no ponto fraco ameaçado (VIGOTSKI, 1997, p.77).

Desta forma, o autor defende a ideia de que as mediações pedagógicas levam

as pessoas com deficiência à aprendizagem, desenvolvendo suas funções

psicológicas superiores, como a linguagem, o pensamento, a memória, o controle da

própria conduta, a linguagem escrita, o cálculo, que não se desenvolvem

espontaneamente nas pessoas, mas necessitam ser vivenciadas nas relações entre

as pessoas, pois são funções especificamente humanas que são desenvolvidas na e

pela apropriação da cultura humana. Daí a importância da escolarização, da atuação

e da mediação do professor. Segundo Facci:

O professor, neste aspecto, constitui-se como mediador entre os conhecimentos científicos e os alunos, fazendo movimentar as funções psicológicas superiores destes, levando-os a fazer correlações com os conhecimentos já adquiridos e também promovendo a necessidade de apropriação permanente de conhecimentos cada vez mais desenvolvidos e ricos (FACCI, 2004, p. 210).

Nesse sentido, comprova-se que é fundamental o domínio de práticas

pedagógicas diferenciadas por parte do professor, pois o cego, o surdo, ou a criança

com qualquer outra deficiência necessita ser alfabetizada numa prática voltada para

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as suas necessidades sem subestimar sua capacidade. Durante a alfabetização do

cego, especialmente na fase inicial da escrita, o professor precisa ter em vista quem

é esse aluno, de que forma aprende, para que, por que e como. Contudo, não basta

ao professor ter clareza apenas destes aspectos, mas compreender que para

Vigotski existe uma gramática própria do pensamento, uma sintaxe dos sentidos das

palavras e que elas têm origem através da interação social (VIGOTSKI, 1987).

A legislação brasileira, desde a Constituição Federal (1988), afirma que os

alunos cegos, assim como alunos com outras deficiências, devem ter acesso ao

atendimento educacional especializado o mais cedo possível, pois é onde receberão

intensa estimulação para o seu desenvolvimento. Por sua vez, no estado do Paraná,

as Diretrizes Curriculares da Educação Especial para a Construção de Currículos

Inclusivos (2006), visam a que haja um novo olhar para a educação inclusiva de

modo a vislumbrar novos caminhos através da construção coletiva, o que é possível

ocorrer a partir do momento em que seja priorizada a tese de que o desenvolvimento

cultural compensa a deficiência.

Para que se compreenda como deve ser o atendimento educacional da

criança com deficiência visual é necessário fazer uma caracterização desse aluno e

compreender também a definição de deficiência visual, especificamente a cegueira,

mais amplamente aceita e adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS)

desde 1972:

A acuidade visual com a melhor correção óptica, no melhor olho, medida para longe, menor que 20/400 (ou 0,05). Foi considerado neste estudo também o diagnóstico de cegueira unilateral, seguindo-se o mesmo critério, mas presente em apenas um dos olhos. (REVISTA BRASILEIRA DE OFTALMOLOGIA, 2008).

Segundo documento do MEC (BRASIL, 2006):

As crianças com deficiência visual são as crianças cegas e com baixa visão. A definição educacional de deficiência visual diz que são cegas as crianças que não têm visão suficiente para aprender a ler em tinta, e necessitam, portanto, utilizar outros sentidos (tátil, auditivo, olfativo, gustativo e sinestésico) no seu processo de desenvolvimento e aprendizagem. O acesso à leitura e escrita dar-se-á pelo sistema braile. Entre essas crianças, há as que não podem ver nada, outras que têm apenas percepção de luz, algumas podem perceber claro, escuro e delinear algumas formas. A mínima percepção de luz ou de vulto pode ser muito útil para a orientação no espaço, movimentação e habilidades de independência.

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Para o Ministério da Educação Secretaria de Educação Especial, a pessoa

com deficiência visual difere dos demais alunos necessitando de “professores

especializados, adaptações curriculares e ou materiais adicionais de ensino, para

ajudá-la a atingir um nível de desenvolvimento proporcional às suas capacidades”

(BRASIL, 2002, p. 7).

Segundo o Art. 5º, alínea c, Decreto 5296 de Dezembro de 2004:

Deficiência visual: cegueira, na qual a acuidade visual é igual ou menor que 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; a baixa visão, que significa acuidade visual entre 0,3 e 0,05 no melhor olho, com a melhor correção óptica; os casos nos quais a somatória da medida do campo visual em ambos os olhos for igual ou menor que 60º; ou a ocorrência simultânea de quaisquer das condições anteriores.

Nesse sentido, é fundamental que a criança cega, antes de receber

atendimento educacional, passe por um serviço de oftalmologia e, de posse de

laudo oftalmológico, possa frequentar o CAEDV.

7. PROCEDIMENTOS PARA A ALFABETIZAÇÃO EM BRAILLE

No CAEDV, há um programa específico de Estimulação ou Intervenção

Precoce no qual um professor especialista atende crianças com deficiência visual na

faixa etária de zero a quatro anos enfatizando os sentidos remanescentes, as

percepções auditivas, táteis, sinestésicas, olfativas e gustativas, priorizando as

ações e interações motoras. Para isso, é fundamental entender que a percepção tátil

é diferente da percepção visual, pois um objeto é percebido parcialmente pelo tato

que analisa os fragmentos para formar o todo (letras, sílabas e palavras), enquanto

a visão é global, instantânea e sintética; pode-se explorar as partes, os detalhes e as

minúcias. Em entrevista, Sá afirmou: “As crianças cegas devem ser estimuladas

desde cedo no que diz respeito à exploração do sistema háptico5 através de

atividades lúdicas, do brinquedo e de brincadeiras”, O aspecto lúdico é

5 O sistema háptico é o tato ativo, constituído por componentes cutâneos e sinestésicos, através dos quais impressões, sensações e vibrações detectadas pelo indivíduo são interpretadas pelo cérebro e constituem fontes valiosas de informação. As retas, as curvas, o volume, a rugosidade, a textura, a densidade, as oscilações térmicas e dolorosas, entre outras, são propriedades que geram sensações táteis e imagens mentais importantes para a comunicação, a estética, a formação de conceitos e de representações mentais. (MEC/SEESP, 2007).

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importantíssimo em qualquer processo de aprendizagem, inclusive com a criança

cega. O trabalho deve ser realizado juntamente com a família para que essa criança

possa desenvolver-se da mesma maneira que a criança que vê, apesar de seu ritmo

ser mais lento. Muitas atividades lúdicas propiciam a melhora da coordenação

motora fina, são realizadas com facilidade sob orientação do professor, que pode

confeccionar materiais simples e sem custos.

A ausência da visão faz com que a criança necessite ser colocada em

ambientes ricos em estímulos auditivos e táteis a fim de que audição e mãos

funcionem em conjunto, favorecendo o desenvolvimento de todas as suas

potencialidades a fim de iniciar a sua alfabetização na mesma idade em que as

crianças que enxergam, através da aquisição da leitura e da escrita Braille. Daí a

importância da Estimulação Precoce, pois de acordo com Vigotski:

No meio da confusão que rodeia a criança nos primeiros meses de vida, os pais auxiliam indicando e levando a criança para perto de objetos e lugares significativos para a adaptação (brinquedos, geladeira, armário, parque), ajudando-a dessa maneira a ignorar outras características irrelevantes do ambiente (objetos para adultos, como livros, ferramentas etc.). Essa atenção socialmente mediada desenvolve na criança a atenção voluntária e mais independente, que vai ser por ela utilizada na classificação de seu ambiente (VIGOTSKI, 2007, p.160).

A estimulação precoce, que se dá até os quatro anos, é fundamental para

desenvolver o estímulo tátil e auditivo, o que proporcionará o desenvolvimento nas

etapas futuras. Tal estimulação deverá ser pautada da mesma forma em que são

trabalhadas atividades específicas da Educação Infantil, o que permitirá que a

criança tenha menos dificuldades durante o processo de alfabetização. O trabalho

com o alfabeto Braille dar-se-á numa segunda etapa, ou seja, após a criança ter

passado pela etapa da estimulação precoce.

Durante a estimulação precoce, o professor deverá propiciar um espaço rico

em experiências desafiadoras à criança cega, oportunizando-lhes vivenciar o mundo

do faz-de-conta, da fantasia, da criatividade, utilizando brinquedos, pois quando a

criança é estimulada desde os primeiros anos de vida, adquire comportamentos

sociais mais adequados e poderá, através de estímulos, desenvolver melhor o tato e

os demais sentidos do que aquela criança que não recebeu atendimento.

A modalidade tátil é mais ampla do que se imagina, vai além do simples

sentido do tato, abrange também a percepção e a interpretação através da

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exploração sensorial. Esta modalidade não oferece as mesmas informações a

respeito do ambiente, diferente das fornecidas pela visão. Para que os estímulos

ambientais sejam significativos para a criança cega é preciso que as informações

obtidas através do tato sejam adquiridas de forma sistemática e detalhada, de

acordo com o desenvolvimento de cada uma nos “quatro estágios do

desenvolvimento tátil”.

Segundo artigo publicado pelo Instituto Benjamin Constant:

A ausência da modalidade visual exige experiências alternativas de desenvolvimento, a fim de cultivar a inteligência e promover capacidades sócio-adaptativas. O ponto central desses esforços é a exploração do pleno desenvolvimento tátil. Nesse processo, fica implícita uma compreensão das sequências do desenvolvimento dentro da modalidade tátil.

Nesse processo, segundo Grifin e Gerber (1996) fica implícita uma

compreensão das sequências do desenvolvimento dentro da modalidade tátil. São

elas:

- consciência de qualidade tátil;

- reconhecimento da estrutura e da relação das partes com o todo;

- compreensão de representações gráficas e

- utilização de simbologia

7.1. PRIMEIRO ESTÁGIO: CONSCIÊNCIA DA QUALIDADE TÁT IL

7.1.1. Aspectos do desenvolvimento

O primeiro estágio do desenvolvimento tátil é a consciência da qualidade tátil

dos objetos. Nessa fase, dá-se ênfase texturas, temperaturas, superfícies vibráteis e

diferentes consistências. Com o movimento das mãos, as crianças cegas

reconhecem as diferentes texturas, as inconsistências das substâncias, bem como

apreender os contornos, tamanhos e pesos. Essas informações são recebidas

sucessivamente, passando dos movimentos manuais grossos à exploração mais

detalhada dos objetos.

A criança cega adquire de forma mais rápida a consciência tátil com a

apresentação de objetos familiares no ambiente que elas exploram (Barraga, 1976).

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7.1.2. APLICAÇÕES EDUCATIVAS

1. A criança aprende a mover as mãos para explorar objetos: isso as ajuda a

perceber a presença deles em seu ambiente.

2. A criança cega aprende a explorar objetos pela linha mediana do corpo, assim

como a usar ambas as mãos ao explorá-los.

3. A consciência de qualidade tátil pode ser utilizada para que a criança faça o

reconhecimento de várias texturas, que devem ser contrastantes. No início do

aprendizado esses contrastes podem ser: mole e duro, macio e áspero; devem ser

apresentados de forma gradativa para efetivarem a diferenciação de texturas.

4. Através das técnicas de percepção, as crianças cegas aprendem os tamanhos e

pesos relativos dos objetos. Nesta fase, deixam de lado as comparações grosseiras

e partem para as refinadas. Dessa forma, as crianças podem aprender os conceitos

de pesado e leve, ou grande e pequeno, e em seguida aprender os diferentes graus

dessas comparações.

7.1.3. Sugestões de brinquedos e instruções para tr abalhar durante o primeiro

estágio, encontradas no livro “Brincar para todos” (2 005):

Compreensão e identificação de sons, conhecimento de seu corpo e do ambiente:

• Chocalho gruda-gruda • Guizo pé-mão

• Chocalho sensorial • Cocos decorados

• Chocalho ouro-prata • Tateando

• Chocalho ouro-prata • Ao pé do ouvido

• Pulseirinha

Despertar a curiosidade e o prazer de ver, buscar e melhorar a eficiência visual:

• Capa de mamadeira • Sexteto em cores

• Fantoches • Casal legal – Leo e Lu

• Meia careta • Ciranda das cores

• Bola baby • Bicharada

• Trio em preto e branco • Painel de cores e formas

• Tapete de alto contraste • Painel de cores e formas

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• Cubo de alto contraste • Cubo geométrico

• Multiquadros • Rolinho

Despertar a vontade de movimentar-se e realizar atividades, conhecer e entender

seu corpo e o ambiente, desenvolver e integrar os sentidos:

• Amassadinha; • Body ball

• Dentro d’água; • Móbile de bolinhas

• Frutíferas; • Móbile de brinquedos

• Toninho • Doce sabor

• Cole ball • Rodão

• Parabólicos

7.2. SEGUNDO ESTÁGIO: CONCEITO E RECONHECIMENTO DE FORMA

7.2.1. Aspectos do desenvolvimento

O segundo estágio do desenvolvimento tátil é o conceito e o reconhecimento

do relacionamento do todo com as partes.

Nesse estágio, a criança é capaz de comparar o que é lembrado com o que é

percebido. As crianças cegas precisam de auxílio que as encoraje a manipular,

transferir e soltar os objetos: para elas, não haverá aprendizagem se não houver

estímulo. Elas precisam de atividades táteis e auditivas que dêem ênfase a

operações mentais, discernimento de perceptividade, constância de closura*,

discernimento de figura/fundo, reconhecimento de relações espaciais, memória de

figura/fundo, raciocínio convergente e divergente, e avaliação.

7.2.2. Aplicações educativas

1. Os componentes mais importantes do conceito e reconhecimento da forma são a

clareza e a simplicidade do desenho e do objeto a ser explorado.

2. As crianças cegas precisam iniciar com formas simples, de tamanho pequeno,

que elas possam segurar com as mãos, tais como uma bola ou um cubo. Mais tarde,

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esses mesmos objetos devem ser ensinados em tamanho maior, o que talvez

necessite que as crianças se movam em torno do objeto para explorar sua forma.

3. No desenvolvimento da concepção e reconhecimento de formas, é necessário

utilizar objetos mais complexos.

4. Quando as crianças cegas já conhecem bem as formas de natureza

tridimensional, devem ser apresentadas a objetos bidimensionais.

5. Nesta fase de desenvolvimento tátil, as crianças cegas devem aprender a

reconhecer vários objetos e padrões dentro de um cenário mais complexo. Um

exemplo: a forma de um quadrado num conjunto de retângulos, como se encontra

em tapetes e tecidos em relevo para forração de móveis.

7.2.3. Sugestões de brinquedos e instruções para tr abalhar durante o segundo

estágio, encontradas no livro “Brincar para todos” (2 005):

Desenvolver habilidade para encaixe e pinça, conhecer formas, sequência e

seriação, classificar:

• Form color • Formas e números

• Formatando • Livro das grandezas

• Forme formas • Prancheta geométrica

• Gira-gira • Pendurando formas

Desenvolver o tato para reconhecer texturas, formas, temperatura, grandeza, peso,

consistência e materiais de que são feitos os objetos; desenvolver a estruturação e

organização espacial :

• Cubo surpresa • Fofão

• Text form • Eu e o papai

• Encaixando • Rebola bola

Reconhecer os objetos do ambiente, seu nome, uso e função:

• Imitando a mamãe • Pareando objetos

• Separando • Porta-trecos

• Trincos e truques • Como gente grande

• Feirinha • Pareando objetos

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Adquirir independência e autonomia para movimentar-se e realizar as atividades

cotidianas:

• Bolsões • Pro pé

• Brincando de mamãe • Pro banho

• Sacolinha de piscina • Prancha de alimentação

• Kit de higiene • 1, 2 feijão com arroz

• Sacoleca • Pré-bengala

• Tato e Tati • Bengala infantil

• Pra boiar • Pro pé

7.3. TERCEIRO ESTÁGIO: REPRESENTAÇÃO GRÁFICA

7.3.1. Aspectos do desenvolvimento

O terceiro estágio do desenvolvimento tátil é a representação gráfica.

Nessa fase, ao passar para um nível mais abstrato de representação gráfica,

a criança cega deve se familiarizar com formas geométricas tridimensionais pelo

manuseio de objetos sólidos antes de prosseguir para a representação

bidimensional dos objetos. Uma vez que a forma já seja conhecida, ela deve ser

apresentada em vários tamanhos, para ajudar a criança a generalizar.

Entre as representações gráficas temos, em relevo, linhas retas e curvas,

formas geométricas e contornos de objetos. A representação gráfica deve ser

apresentada aos poucos, uma peça de cada vez. Apresentá-la por inteiro, antes que

a criança esteja familiarizada com as partes componentes, só causará confusão.

Essa confusão quanto à estimulação tátil ainda não conhecida tem sido chamada de

ruído tátil (Barraga, 1976).

Uma tarefa difícil para as crianças cegas, na área de representação gráfica é

a leitura tátil de mapas. Os que não são eficientes na leitura de mapas não são

sistemáticos em sua exploração. Os bons leitores percebem detalhes característicos

do mapa, usam o dedo indicador para examinar os objetos, e sabem seguir o

traçado melhor que os outros leitores.

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7.3.2. Aplicações educativas

1. A representação gráfica se organiza de acordo com o modo como as crianças

cegas exploram o ambiente e fazem as relações dos objetos reais e suas

representações.

2. Este sistema consiste em explorar inicialmente a forma geral do objeto, depois o

detalhe mais importante, e finalmente distinguir alguns detalhes que podem ajudar a

fazer uma identificação real.

3. Essa fase da representação gráfica pode ser caracterizada pela observação de

objetos pequenos que podem representar a constância de objetos maiores.

4. Em seguida, a criança deve ser capaz de perceber as semelhanças entre os

objetos verdadeiros e sua representação. Esta associação pode ser estimulada

pelos pais e professores, tratando verbalmente com as crianças cegas dessas

semelhanças. Somente depois de feita tal associação é que as representações

podem ser usadas corretamente.

7.3.3. Sugestões de brinquedos e instruções para tr abalhar durante o terceiro

estágio, encontradas no livro “Brincar para todos” (2 005):

Brincar com os pontinhos e aprender braille:

• Tampadinhas • Brailex

• Alphaímã • Larabraile

• Toque de letra • Brailito

• Pingue-pongue • Gaveteiro alfabético

• Alphabraile • Ao pé da letra

• Mini alphabraile • Colméia alfabética

• Brailindo • Língua do P

Divertir-se com os números; Iniciar o aprendizado de conceitos matemáticos:

• Caixinha de números • Aprender a usar o relógio

• Numerito • Horabraille

• Para classificar • Que horas são?

• Uni duni tê • Brincando com as horas

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• Pé ante pé • Passatempo

• Adquirir noção de tempo

7.4. QUARTO ESTÁGIO: SISTEMAS DE SIMBOLOGIA

7.4.1. Aspectos do desenvolvimento

O quarto estágio do desenvolvimento tátil é a utilização de um sistema de

simbologia que é o passo final do desenvolvimento da modalidade tátil. Um dos

sistemas mais comuns é o código Braille, que consiste numa combinação de pontos

perceptíveis pelo tato, que representam os elementos da linguagem.

7.4.2. Aplicações educativas

1. Para aprender Braille, as crianças cegas precisam memorizar várias

configurações dos pontos da cela Braille. Uma sugestão para isso, é a execução de

algumas atividades corporais que podem servir como meio facilitador da

aprendizagem desse sistema, através de atividades que envolvam os próprios

alunos, como nas fotos a seguir, nas quais os alunos estão dispostos em duas

colunas, como na cela braille, representando os pontos 1, 2, 3 (coluna da esquerda)

e 4, 5 e 6 (coluna da direita) para trabalhar diversas atividades explorando a

combinação de pontos, como por exemplo: levantem a mão direita os alunos 1 e 5

(pontos da letra e), os alunos 1, 2, 3, 4, 5 e 6 devem agachar-se (pontos da letra é)...

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3. Ler Braille requer um procedimento muito sistemático para perceber todos os

detalhes da cela Braille. Esse procedimento frequentemente utiliza a progressão da

esquerda para direita, atenção para não pular linhas, reconhecimento geral dos

símbolos Braille com a mão direita, e discriminação cuidadosa dos símbolos com a

mão esquerda.

4. A modalidade tátil se desenvolve por um processo de crescimento gradual. Esse

processo é sequencial e leva as crianças cegas de um reconhecimento simplista a

uma interpretação complexa do ambiente.

5. Os pais e educadores têm um papel importantíssimo neste processo, porque

estimulam o desenvolvimento das crianças cegas desde a infância. Mais ainda,

como responsáveis por crianças cegas, eles devem continuar a dar ênfase ao

desenvolvimento tátil, durante toda a vida destas crianças, já que essa é a base para

os níveis mais altos do desenvolvimento cognitivo.

7.4.3. Sugestões de brinquedos e instruções para tr abalhar durante o quarto

estágio, encontradas no livro “Brincar para todos” (2 005):

Desenvolver o prazer da leitura com livros interativos:

• Livro sensorial • Papai e mamãe, vamos brincar

• Dolly • Aprender inglês

• Ajudando a mamãe • Tack

• Os brinquedos de Larinha • Bug-ball

• A carta • What do I do with it?

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• O circo • Looking for opposites

Divertir-se e brincar com independência e autonomia?

• Jogo da memória • Portátil

8. O SISTEMA BRAILLE NA ESCRITA

A história do Sistema Braille começou com Valentin Haüy, fundador do

Instituto Real de Jovens Cegos de Paris, em meados do século XVIII. Segundo

Piñero, Quero e diaz (2003, p. 227) in MOSQUERA 2010, p. 70:

Haüy começou a utilizar letras em relevo impressas sobre o papel para que pudessem ser lidas pelos cegos. Mediante esse procedimento, que se valia das mesmas letras da escrita normal, foram editados os primeiros livros que podiam ser lidos por cegos e videntes. Esse método se tornou pouco eficaz, pois embora facilitasse a leitura, esta se fazia de forma muito lenta, dado que o dedo deveria seguir o contorno das letras, e a escrita se tornava complicadíssima pois era inexistente.

Por volta de 1815 a França andava envolvida em múltiplas guerras. As

constantes mensagens que circulavam não podiam ser lidas de noite já que, para

tal, era necessária luz, o que despertaria o inimigo. Assim, o oficial de artilharia

Charles Barbier, inventou um processo de escrita em relevo, por pontos, que

pudesse ser lida com os dedos, sem necessidade de luz. Chamou-se a esse sistema

escrita noturna.

Porém, a ideia de se utilizar pontos em relevo em vez de letras surgiu com a

sonografia ou código militar criado por Charles Barbier (1767-1841), um oficial de

artilharia do Exército Francês durante o início do século XIX. Barbier passava muito

tempo na linha da frente e como não podia usar lamparina para ler as constantes

mensagens que recebia durante a noite e para não despertar o inimigo, criou um

código que consistia numa série de pontos salientes numa folha de papel, podendo

ser utilizado durante a noite para comunicar silenciosamente e sem luz, conhecido

como escrita noturna. No entanto, o sistema foi rejeitado pelos militares, que o

consideraram demasiado complicado.

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Por conta disso, Barbier visitou e encaminhou a deia para o Instituto Real dos

Jovens Cegos de Paris. Entre os alunos que assistiram a apresentação encontrava-

se Louis Braille, com quatorze anos, que se interessou pelo sistema e apresentou

algumas sugestões com vista ao seu aperfeiçoamento. Devido a recusa de Barbier

em fazer quaisquer alterações ao seu sistema, Braille modificou o sistema de escrita

noturna com base nas suas sugestões e criou o sistema de escrita padrão para

deficientes visuais usado até hoje.

Louis Braille (1809-1852) nasceu em Coupvray, França. Teve o olho

perfurado por uma ferramenta na oficina do pai, que trabalhava com couro. Após o

incidente, o menino teve uma infecção grave, resultando em cegueira nos dois

olhos, perdendo a visão aos três anos. Quatro anos depois ingressou no Instituto de

Cegos de Paris, a única escola especializada em cegos da Europa, onde conheceu

Barbier, aos quatorze anos. Foi um menino curioso, queria descobrir os segredos de

uma escrita para cegos. Conforme Piñero, Quero e Diaz (2003, p. 228), devido à

complexidade da invenção de Barbier, que utilizava 12 pontos em relevo, Luis Braille

limitou o número de pontos ao perceber que, no máximo, seis pontos poderiam ser

percebidos ao mesmo tempo. Com mais algumas adaptações e muita dedicação,

deu-se em 1825, na França, a criação do código ou meio de leitura e escrita das

pessoas cegas, também conhecido como leitura tátil dos seis pontos, baseado na

combinação de 63 pontos que representam as letras do alfabeto, os números e

outros símbolos gráficos.

Embora não haja manual ou técnica específica para a alfabetização de

pessoa cega, é evidente que a prática da leitura e escrita para essas pessoas se dá

de maneira diferente à das pessoas que enxergam, pois o Sistema utilizado, o

braille, é uma combinação de seis pontos básicos, organizados espacialmente em

duas colunas verticais com três pontos à direita e três à esquerda de uma cela

básica denominada cela braille (Fig. 1). Esta combinação possibilita a formação de

63 símbolos diferentes que são empregados em textos literários nos diversos

idiomas, como também nas simbologias matemática e científica em geral, na música

e, recentemente, na Informática.

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Fig. 1. Representação da cela usada para escrita em braille

Para a escrita, o cego se utiliza de um instrumento chamado punção. O

punção é um tipo de caneta que permite perfurar os pontos em uma folha de papel

(Fig. 2).

Fig. 2. Punção: instrumento próprio para a escrita braille

Para a leitura, o cego emprega o tato da ponta dos dedos que, passados

sobre os pontos em relevo, percebe o desenho formado e, assim, identifica cada

letra, posicionando os pontos da esquerda para a direita (Fig. 3).

A complexidade na memorização do sistema e da sua forma de escrita e

leitura, através do tato, faz com que se exija da criança cega mais do que é exigido

da criança que enxerga.

4

5

6

1

2

3

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Fig. 3. Representação de cela usada para leitura em braille

1

2

3

4 5 6

Sistema Braille – posição de leitura

O aparelho de escrita usado por Louis Braille consistia de uma prancha, uma

régua com duas linhas, com janelas correspondentes às celas braille, que se

encaixam pelas extremidades laterais na prancha, e o punção. O papel era

introduzido entre a prancha e a régua, o que permitia à pessoa cega, pressionando o

papel com o punção, escrever os pontos em relevo. Hoje, as regletes (Fig. 4), uma

variação desse aparelho de escrita de Louis Braille, são ainda muito usadas pelas

pessoas cegas. Todas as regletes modernas, quer sejam modelos de mesa ou de

bolso, consistem essencialmente de duas placas de metal ou plástico, fixas em um

lado com dobradiças, de modo a permitir a introdução d papel.

A placa superior funciona como a primitiva régua e possui as janelas

correspondentes às celas braille. Diretamente sob cada janela, a placa inferior

possui, em baixo-relevo, a configuração de cela braille. Ponto por ponto, as pessoas

cegas, com o punção, formam o símbolo braille correspondente às letras, números

ou abreviaturas desejadas.

Na reglete, escreve-se o braille da direita para a esquerda (Fig. 5), na

sequência normal de letras ou símbolos, invertendo-se, então, a numeração dos

pontos.

A leitura é feita normalmente da esquerda para a direita (Fig. 6). Conhecendo-

se a numeração dos pontos correspondentes a cada símbolo, torna-se fácil tanto a

leitura quanto a escrita feita em regletes. Assim como a escrita com o lápis para a

pessoa de visão normal, a escrita na reglete pode tornar-se também automática para

a pessoa cega.

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Fig. 4. Reglete e as celas para perfuração

No processo de alfabetização de uma criança cega é necessário que o

professor domine o Sistema Braille e conheça os métodos de alfabetização para

alunos videntes. Faz-se necessário, primordialmente, que sejam dadas à criança

cega condições de acesso aos conteúdos do ensino comum, a fim de que a língua

escrita seja significativa. Vigotski (2007, p. 143 - 144) diz:

O ensino tem de ser organizado de forma que a leitura e a escrita se tornem necessárias às crianças. (...) A escrita deve ter significado para as crianças, que uma necessidade intrínseca deve ser despertada nelas e a escrita deve ser incorporada a uma tarefa necessária e relevante para a vida. Só então poderemos estar certos de que ela de desenvolverá não como hábito de mão e dedos, mas como uma forma nova e complexa de linguagem. (...) Dessa forma, uma criança passa a ver a escrita como um momento natural no seu desenvolvimento, e não como um treinamento imposto de fora para dentro.

Para Vigotski (1997, p. 102) “Um ponto do alfabeto braille fez mais pelos

cegos do que milhares de benfeitores; a possibilidade de ler e escrever resultou

mais importante que o ‘sexto sentido’ e a sutileza do tato e do ouvido”. Graças a

Louis Braille e sua criação é que se viu a oportunidade de leitura, a decodificação de

símbolos, o acesso ao texto impresso, a possibilidade de ascensão social e um

fascinante recurso de inclusão social.

De acordo com os estudos de Vigotski (1997), não há diferença na educação

da criança que enxerga e da criança cega, assim como também não existe diferença

no tato de ambas. O cego lê com as mãos os pontos em relevo da cela braille pela

necessidade de conhecer o mundo através das sensações táteis e de obter

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informações sem o sentido da visão. Estas não têm um desenvolvimento tátil melhor

apenas por serem cegas. O vidente não necessita usar o tato para conhecer o

mundo, por isso seu tato não é desenvolvido como nas pessoas cegas. Cada

criança está sujeita a diferentes estímulos e reage a eles de maneiras diferentes,

cabendo ao professor estar atento e identificar as vias pelas quais seu aluno

aprende. Vigotski, elaborando o conceito de “zona potencial de desenvolvimento”,

afirma que a criança fará amanhã, sozinha, o que hoje faz em cooperação. Para o

referido autor (2005, p. 126) “O aprendizado precede o desenvolvimento”.

A fig. 5 mostra, na posição de escrita, o alfabeto em braille, pontuações, sinais

gráficos, permitindo que o sistema fosse também utilizado para números e símbolos

musicais. A combinação de seis pontos pode gerar, em cada uma das celas, as 63

combinações. Como a escrita braille se dá da esquerda para a direita, você verá a

tabela na posição de escrita braille, ou seja, da esquerda para a direita.

Fig. 5. Alfabeto Braille j

i

h

g

f

e

d

c

b

a

t

s

r

q

p

o ou >

n

m

l

k

ã

à

á

ç

z

y

x

w

v

u

hífen

ú

ü

õ ou <

ô

ó

í

ê

é

â

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!

?

. ou ’

:

,

;

travessão

maiúsculo

grifo

Nº)

(nº

palavras)

(palavras

caixa alta

sinal nº

@

“ ou ”

grau

%

nº]

[nº

palavras]

[palavras

+

=

÷

x

-

minuto

segundo

barra

A fig. 6 mostra, a mesma tabela citada acima, porém na posição de leitura, ou seja,

da direita para a esquerda.

a

b

c

d

e

f

g

h

i

j

k

l

m

n

o ou >

p

q

r

s

t

u

v

w

x

y

z

ç

á

à

ã

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30

â

é

ê

í

ó

ô

õ ou <

ü

ú

hífen

grifo

maiúsculo

travessão

;

,

:

. ou ’

?

!

@

sinal de nº

caixa alta

(palavras

palavras)

( nº

nº )

[palavras

palavras]

[ nº

nº ]

%

grau

“ ou ”

barra

segundo

minuto

-

x

÷

=

+

8.3. Números em braille

Para escrever os números em braille, usamos os símbolos da primeira linha

(Fig. 5 posição de escrita e Fig. 6 posição de leitura) que são as dez primeiras letras

do alfabeto (a - j) precedidas do sinal de número, formado pelos pontos 3 – 4 – 5 e

6. Toda vez que um aluno cego ler o sinal 3 – 4 – 5 e 6, logo saberá que os sinais

seguintes são números e não letras.

8.4. A escrita com a máquina Perkins-Brailler

Além da reglete, pode-se escrever em braille utilizando-se de uma máquina

especial de datilografia, conhecida como Perkins-Brailler (Fig. 7), composta por 7

teclas, sendo que seis delas são utilizadas para cada ponto da cela braille e a outra

usada como espaçador, localizada no centro do teclado. O papel é fixo e enrolado

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em um rolo próprio para sua fixação, que desliza normalmente quando pressionado

o botão de mudança da linha. O toque de uma ou mais teclas simultaneamente

produz a combinação dos pontos em relevo, correspondente ao símbolo desejado.

Na digitação na máquina de datilografia Perkins-Brailler, a escrita é produzida da

esquerda para a direita, podendo ser lida sem a retirada do papel da máquina. Esta

máquina é a mais utilizada e foi inventada por Frank H. Hall, em 1882, nos Estados

Unidos da América.

Muitos materiais são fornecidos à escola pelo MEC, outros, mais caros, são

adquiridos apenas se a situação financeira da escola for condizente com os custos

dos mesmos.

Fig. 7. Máquina Perkins para escrita em braille

8.5. A escrita cursiva

Além da aprendizagem do braille, o aluno cego deverá aprender a assinar seu

nome à tinta, pois a assinatura de cada indivíduo tem uma utilidade e uma função

social que vai além do simples ato de assinar, representa autonomia e

independência, além de contribuir significativamente para a melhoria da auto-estima,

assim como para exercer seus direitos de cidadão. A escola deve propiciar esse

momento, pois segundo MOSQUERA:

Autonomia e independência são os dois fatores primordiais para que os deficientes visuais sejam estimulados e iniciados na escrita cursiva. Com

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essa iniciação, eles sentem-se menos excluídos e, além disso, podem treinar mais uma conduta psicomotora – coordenação fina, espacial, direção, entre outras (2010, p. 92).

O fato de a pessoa cega saber assinar não implica que possa escrever de

forma cursiva, entretanto, existem cegos que conseguem se comunicar com outras

pessoas utilizando-se da escrita em tinta.

Fig. 8. Régua para escrita cursiva/Guia de assinatu ra

8.2. O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA LEITURA/ESCRITA BR AILLE

Pela necessidade de ver resultados imediatos, infelizmente muitos

professores ainda compreendem a alfabetização da criança cega somente como o

processo em que se começa a apresentar as letras e palavras para os alunos.

Esquecem do mais importante, o período chamado pré-braille, ou seja, o que se

pode fazer antes de ensinar o braille.

O lúdico é parte fundamental em qualquer processo de aprendizagem, o que

não é diferente com os cegos. Várias atividades podem melhorar a coordenação

motora fina, como por exemplo: brincar com massinha de modelar, argila ou barro,

enfiagem, pintura com giz de cera em espaços delimitados em alto-relevo, que deve

ter formas simples para ser mais facilmente percebido pelo aluno, mosaico com

pedaços de tecido de texturas diferentes, etc.

Para que o aluno cego entre no processo de leitura e escrita propriamente

dito, o professor deve dedicar-lhe especial importância, para desenvolver ao máximo

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suas habilidades motoras, visto que o manuseio da reglete, do punção e/ou máquina

Perkins - exigirá destreza, harmonia e sincronização de movimentos.

Para iniciar a leitura e escrita braille, o aluno já deverá ter passado pelos

quatro estágios do desenvolvimento tátil e estar apto a movimentar os dedos com

coordenação e o tato bem aguçado, pois segundo MOSQUERA (2010) “há também

um outro sistema em ação, o sistema háptico, uma interpretação que fazemos com

os nossos músculos e outros sistemas para reconhecer o que estamos tocando. É

uma sensibilidade mais profunda”. Daí a necessidade da criança cega ser

estimulada a exercitar a coordenação motora fina.

A sensibilidade tátil, na ponta do dedo, tem um alcance muito limitado em

comparação com o campo visual. Isso faz com que o aluno cego possa reconhecer

apenas um símbolo de cada vez. Por conseguinte, a leitura do braille nos primeiros

estágios terá como base, em grande parte, o método alfabético, silábico e fonético.

Pensar que a alfabetização do aluno cego terá êxito se propiciarmos somente

a aquisição do código braille é estar muito distante da concepção que temos hoje de

alfabetização e letramento, pois o que pretendemos não é apenas ensinar a ler e a

escrever, mas é, também, e sobretudo, levar essa criança a fazer uso da leitura e da

escrita, a envolver-se em práticas sociais de leitura e de escrita. Segundo Soares,

uma pessoa alfabetizada é aquela que sabe ler e escrever; já a letrada, a que vive

em estado de letramento, é não só aquela que sabe ler e escrever, mas aquela que

usa socialmente a leitura e a escrita, pratica a leitura e a escrita, responde

adequadamente às demandas sociais de leitura e de escrita.

Para que a alfabetização ocorra de forma eficaz é necessário que se tenha,

também, uma postura de professor mediador, de profissional comprometido com a

alfabetização e é a esse profissional comprometido que cabe, afinal, perguntar e

responder: Como se dá a alfabetização de crianças cegas? Quais são, efetivamente,

as condições de alfabetização em braille no contexto dessas pessoas? Como

apropriar-se dessas condições? Para que, por que e para quem os alunos cegos

escrevem? E quem lê o que esses alunos escrevem?

Um outro problema ainda é o de se preocupar com alfabetização sem se

preocupar com o contexto social em que os alunos estão inseridos. É preciso dar as

condições necessárias para o letramento, pois do contrário continuaremos na

mesmice e, como diz Magda Soares (2010): “Onde elas aprendem o código, a

mecânica, mas depois não saberão usar.” Um ponto importante para letrar, diz

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Magda, é saber que há distinção entre alfabetização e letramento, entre aprender o

código e ter a habilidade de usá-lo. Portanto não basta oferecer à criança cega uma

reglete ou máquina Perkins e ensiná-la os pontos. O processo começa muito antes e

termina muito depois do conhecimento do sistema braille, propriamente dito.

O conceito de alfabetização tem passado por diferentes concepções,

privilegiando, em alguns casos, o domínio da mecânica da leitura/escrita, cuja

principal preocupação é que métodos e técnicas utilizar, sem levar em conta como o

aluno aprende.

Para garantir a todas as crianças o direito de aprender a ler e escrever é

preciso investir numa alfabetização que garanta acesso ao mundo letrado, ou seja,

precisamos criar condições/espaços na sala de aula onde circulem e sejam

trabalhados textos de todos os tipos a fim de estimular a busca constante pela

aprendizagem.

Segundo o Pró-Letramento – Programa de Formação Continuada de

Professores dos anos/Séries Iniciais do Ensino Fundamental : alfabetização e

linguagem:

Alfabetização : o aprendizado inicial da leitura e da escrita, da natureza e funcionamento do sistema de escrita. Letramento : é o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler e escrever, bem como o resultado da ação de usar essas habilidades em práticas sociais, é o estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo como consequência de ter-se apropriado da língua escrita e de ter-se inserido num mundo organizado diferentemente: a cultura escrita (2008, pág. 11).

Soares (2010), explicita que a alfabetização e letramento são dois processos

distintos, mas ao mesmo tempo indissociáveis. O trabalho com a alfabetização e

letramento na escola se tornará mais eficiente se distinguirmos a alfabetização como

um processo de aquisição do sistema de escrita e letramento como processo de

desenvolvimento das práticas sociais de leitura e de escrita, pois um é condição

para o outro, ou seja, as duas coisas se passam ao mesmo tempo. É preciso que o

aluno adquira o código praticando a leitura e a escrita.

O professor alfabetizador precisa compreender e acreditar que o aluno cego

tem tanto as condições de aprender como qualquer outro, pois o cego só é cego,

não possui nenhuma deficiência cognitiva, nenhuma deficiência cultural e nenhuma

deficiência lingüística.

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Alfabetizar o aluno cego é uma tarefa muito complexa, pois durante o

processo de alfabetização, faz-se necessário o domínio dos conceitos de significante

e significado por parte do professor no que se refere ao ato de ensinar e ao aluno no

ato de aprender. A complexidade de tal tarefa recai justamente pelo fato de a

deficiência visual exigir um maior envolvimento durante a alfabetização.

Consequentemente, o professor alfabetizador precisa pensar a alfabetização como

processo dinâmico, como construção social, considerando os diferentes modos de

participação das crianças nas práticas culturais de uso da escrita. Oliveira, acerca

desta questão, reconhece que:

Por isso, é de fundamental importância que, desde o início, a alfabetização se dê num contexto de interação pela escrita. Por razões idênticas, deveria ser banido da prática alfabetizadora todo e qualquer discurso (texto, frase, palavra, “exercício”) que não esteja relacionado com a vida real ou o imaginário das crianças, ou em outras palavras, que não esteja por elas carregado de sentido (Oliveira, 1998, p. 70 -71).

O professor mediador precisa conhecer o seu aluno para encorajá-lo a refletir

sobre suas ações e, assim, construir e reconstruir seus conhecimentos em interação

com o meio. Além disso, deve estabelecer um clima afetivo e agradável de

relacionamento, a fim de motivá-lo para uma aprendizagem autônoma e eficaz,

através de atividades interessantes e significativas, utilizando-se de materiais

adaptados e digitalizados em braille, como livros literários, dicionário, livros de

receitas, embalagens com transcrições em braille, etiquetas adaptadas, leituras de

informações contidas em revistas, jornais, acesso a um catálogo telefônico em

braille, manuais para instalar aparelhos domésticos (uma lauda, por exemplo), copiar

ou anotar letra de música, etc, para que possa construir progressivamente sua

própria leitura e escrita, bem como o prazer pela leitura.

Tanto a alfabetização em braille quanto a alfabetização em tinta, exigem

alguns procedimentos básicos necessários para que o processo de alfabetização

aconteça, sobremaneira, pela zona de desenvolvimento imediato. Para Smolka

(2000, p. 66):

[...] a linguagem escrita faz parte do discurso social no contexto das sociedades letradas e da indústria cultural. Levando em conta o próprio processo de elaboração sócio-histórico-cultural da escrita e suas condições e funções hoje, discurso interior e linguagem escrita

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interagem e se constituem. Se esses dois tipos de discurso se constituem e interagem, que implicações tem isso no processo inicial de leitura e como se dá esta relação na gênese da produção escrita? O contato com a escrita interfere ou transforma a elaboração do discurso interior? Em que medida?

Daí a necessidade de incluir o aluno cego com vistas à sua participação

efetiva na sociedade, porém levando em consideração que o processo de ensino-

aprendizagem difere do da criança normal.

Ocorre que a criança cega só entra em contato com os caracteres de sua

escrita e leitura quando estes lhe são apresentados, formalmente, na escola, por

volta dos sete anos. É a partir daí que inicia seu contato com o alfabeto braille, com

vistas à alfabetização. É sabido que, conforme afirma Vigotski (1987 p. 100) “Um

futuro pesquisador poderá muito bem descobrir que os conceitos espontâneos da

criança são um produto do aprendizado pré-escolar, da mesma forma que os

conceitos científicos são produtos do aprendizado escolar”.

Assim, no processo de alfabetização da criança cega, faz-se necessário

reconhecer o que ela consegue fazer sozinha, seus conhecimentos anteriores, como

por exemplo, o que já foi trabalhado durante a fase de estimulação, para então

desenvolver o processo de alfabetização em Braille utilizando práticas pedagógicas

da alfabetização de crianças comuns, sem perder de vista que este aluno

“aprenderá a ver” através de tarefas cognitivas e sensoriais. Portanto, essa criança

será alfabetizada e escolarizada na mesma série e idade que seus companheiros de

classe, no ensino regular e com apoio pedagógico de um professor especialista, ou

seja:

Ao interagir com esses conhecimentos, o ser humano se transforma: aprender a ler e a escrever, obter o domínio de formas complexas de cálculos, construir significados a partir das informações descontextualizadas, ampliar seus conhecimentos, lidar com conceitos científicos hierarquicamente relacionados, são atividades extremamente importantes e complexas, que possibilitam novas formas de pensamento, de inserção e atuação em seu meio. Isto quer dizer que as atividades desenvolvidas e os conceitos aprendidos na educação escolar (que Vigotski chama de científico) introduzem novos modos de operação intelectual: abstrações e generalizações mais amplas acerca da realidade (que por sua vez transformam os modos de utilização da linguagem). Como conseqüência, na medida em que o sujeito expande seus conhecimentos, modifica sua relação cognitiva com o mundo. (REGO, 1995, p.104)

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Para Smolka, (2000) apenas acreditar na viabilidade da alfabetização não é

garantia de sua realização. Para a autora, o conhecimento implica práxis, sem a qual

o novo jamais será gerado.

SUGESTÕES:

Se você quiser praticar o código braille (mesmo sem ter uma reglete e um

punção) e conhecer a história do soroban e as formas de confeccionar um exemplar

dele, acesse os sites abaixo:

SITES:

• USP – Universidade de São Paulo. Braille virtual. Disponível em:

<www.braillevirtual.fe.usp.br/>. Acesso em 15 fev. 2010.

• SOROBAN BRASIL. Disponível em:

<http://www.sorobanbrasil.com.br/produtos/livros.html>. Acesso em: 15 fev.

2010.

Curiosidades retiradas do livro Atendimento Educaci onal Especializado,

disponível no site:

http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/aee_dv. pdf:

• O professor que tem um aluno cego necessita aprender o braille?

O aprendizado do sistema braille certamente facilit ará e enriquecerá o seu trabalho,

pois será mais fácil e mais ágil acompanhar a evolu ção e os progressos do aluno sem a necessidade de intermediários, especialmente no que diz respeito à leitura e à escrita.

• Alunos cegos demoram mais para aprender do que os outros?

Não. Eles podem ser mais lentos na realização de al gumas atividades, pois a dimensão

analítica da percepção tátil demanda mais tempo. Es ses alunos precisam manipular e explorar o objeto para conhecer as suas características e fa zer uma análise detalhada das partes para tirar conclusões. Essa diferença básica é important e porque influi na elaboração de conceitos e interiorização do conhecimento. Assim, a falta da visão não interfere na capacidade intelectual e cognitiva. Esses alunos têm o mesmo p otencial de aprendizagem e podem demonstrar um desempenho escolar equivalente ou sup erior ao de alunos que enxergam mediante condições e recursos adequados.

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• Que cuidados devemos ter com a comunicação oral em relação aos alunos

cegos?

A atitude dos professores é muito importante e deci siva para uma comunicação efetiva

e motivadora da aprendizagem. Neste sentido, salien tamos o cuidado de nomear, denominar, explicar e descrever, de forma precisa e objetiva, as cenas, imagens e situações que dependem de visualização. Os registros e anotações no quadro negro e outras referências em termos de localização espacial devem ser falados e não apontados com gestos e expressões do tipo aqui, lá, ali, que devem ser substituídas p or direita, esquerda, tendo como referência a posição do aluno. Por outro lado, não se deve usar de forma inadequada o verbo ouvir em lugar de ver, olhar, enxergar para que a comunicaçã o seja coerente, espontânea e significativa.

• Como se explica o fato de uma pessoa cega descer do ônibus na parada

certa sem pedir ajuda?

Ela faz isso porque se familiarizou com o percurso rotineiro do ônibus e assimilou

pontos de referência importantes para o reconhecime nto do trajeto. Essas referências são estáveis e têm a ver com a topografia, os movimento s de retas e curvas dentre outros aspectos que foram introjetados constituindo um map a mental da região. Certamente, ela terá dificuldade para pegar o mesmo ônibus sozinha em um ponto onde param várias linhas para diferentes bairros.

• Quais são as habilidades que devemos desenvolver no caso de alunos

cegos?

Esses alunos devem desenvolver a formação de hábito s e de postura, destreza tátil, o

sentido de orientação, o reconhecimento de desenhos , gráficos e maquetes em relevo dentre outras habilidades. As estratégias e as situações d e aprendizagem devem valorizar o comportamento exploratório, a estimulação dos senti dos remanescentes, a iniciativa e a participação ativa.

9. RELATOS DE EXPERIÊNCIAS COM ALFABETIZAÇÃO DE CRI ANÇAS CEGAS

- SUGESTÕES PARA ENRIQUECER SUA PRÁTICA

Professores de pessoas com deficiência visual e deficientes visuais foram

convidados a descreverem suas experiências na situação específica do

alfabetizar/alfabetizando. As descrições dessas vivências no período da

alfabetização constituem um caminho para a compreensão desse complexo

processo. Espera-se que os referidos relatos possam contribuir para diagnosticar

deficiências (limitações) existentes no período da alfabetização de crianças cegas e

para a melhoria da nossa práxis pedagógica.

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Este é o relato de Lara de Campos Siaulys, publicado em

http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/txt/brincartodos.txt. Ela é filha de Mara,

Diretora de uma das mais importantes Instituições de Educação de Cegos do Brasil,

Laramara, de São Paulo:

“Todos sabemos da importância dos pais, desde os pr imeiros meses de nossa existência. Minha mãe desempenhou um papel fundamen tal em meu desenvolvimento. Ainda hoje, guardo gostosas recordações das brincadeiras e brinquedos propostos por ela. Deduzo que, inicialmente, minha mãe tenha ficado m uito abalada ao descobrir que eu, sua filha caçula, era cega. No entanto, ela não permitiu que o desespero a imobilizasse por muito tempo; e, apesar de, até então, não ter conhe cimento técnico sobre deficiência visual, resolveu utilizar-se do bom senso. Ela deve ter-se remetido a experiências anteriores com meus irmãos, imaginando que eu poderia usar muitos de seus brinquedos como bonecas, bola, brinquedos de encaixe, miniaturas de objetos e animais, caixinha de música, instrumentos musicais e discos infantis, entre outr os.

Considero um privilégio o fato de minha mãe ter-me acompanhado nas diferentes fases do desenvolvimento. Quando eu tinha oito anos, ela ingressou na universidade pela segunda vez, a fim de aprofundar seus conhecimentos sobre d eficiência visual e aprender braille. Assim, podia transcrever textos em tinta para o bra ille e vice-versa, adaptar materiais fornecidos pela escola, como figuras geométricas, d esenhos e mapas, auxiliar-me com atividades da vida diária, etc. No tocante à escola ridade, ela acompanhou meu processo bem de perto e, além de uma mãe muito competente e esfo rçada, tive dentro de casa uma excelente professora de geografia. Vale ressaltar que fui uma adolescente como as outras. Era questionadora, rebelde e, às vezes, briguenta e min ha mãe foi, mais uma vez, uma importante parceira nesse tortuoso período de minha vida."

Mara O. C. Siaulys, também relata sua experiência como mãe de Lara de

Campos Siaulys:

“Minha filha Lara tinha seis meses de idade quando foi diagnosticada a sua cegueira. Foi um impacto muito grande para nós, pais, como pa ra qualquer um de vocês. É normal que a gente fique surpresa, triste, desolada e insegura. É uma situação totalmente diferente daquela que tivemos com nossos outros filhos. Será que vamo s saber educar essa filha de maneira correta? Será que ela vai se desenvolver bem e se t ransformar numa pessoa realizada, completa, feliz? Sim, claro que é possível!

É verdade que não é fácil; precisamos de muito trab alho e força de vontade. Tanto nós como ela. Ela não pode trilhar esse caminho sozinho , precisa de nossa participação e nossa ajuda e envolvimento. É um caminho longo e trabalho so, mas o resultado vale a pena.

Tenha sempre a certeza da possibilidade de desenvol vimento do seu filho. Diga sempre isso a ele. Isso é muito importante. Não canse de r epetir. Mostre a ele que entre todos, você é a pessoa que mais confia em sua capacidade. Você tem absoluta confiança em que ele vai ser uma pessoa plenamente realizada.

Quando soube que minha filha Lara não enxergava, a primeira idéia que me ocorreu foi a de que eu deveria começar a aprender braille. Apr ender a forma como ela iria escrever futuramente e se comunicar como todas as crianças. Para minha surpresa as pessoas com as quais procurei orientação nesse momento me disseram : não, não é hora, vai demorar ainda muito tempo para sua filha aprender o braille e até lá você já esqueceu; existem muitas coisas com as quais você deve se preocupar antes disso. E é verdade. Se todas as etapas não forem cumpridas, seu filho nunca conseguirá aprender o br aille.

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Para que seu filho esteja pronto para o aprendizado do braille ele deve ser ajudado desde muito cedo, desde seus primeiros meses de vid a. Educando seus sentidos: tato, audição, olfato e paladar para que possa conhecer o ambiente, interagir com pessoas e objetos, adquirir posturas, conceitos, conhecimento s, enfim desenvolver-se globalmente como qualquer criança.

A participação da criança na vida familiar, na comu nidade e na sociedade é de grande importância; sua autonomia e independência para se locomover e realizar suas ações do dia-a-dia vão ajudá-lo a se transformar numa criança segu ra e confiante com auto-imagem positiva.

Além disso, muitas outras coisas são necessárias pa ra que ele chegue pronto a idade normal de alfabetização e siga bem em seus estudos.

Embora não seja o fim da jornada, uma etapa importa nte que foi aquela em torno dos 20 anos em que minha filha, competindo com colegas que enxerga, conseguiu passar no vestibular e entrar em duas faculdades. Ela exultou : mãe, eu consegui! Sorrindo, sussurrei para mim mesma: conseguimos, minha filha.”

A professora Josiani Brenner, hoje diretora/coordenadora do CAP- Francisco

Beltrão, também dá sua contribuição, falando sobre como se deu o início de seu

trabalho na área da Deficiência Visual:

Em 1986, no início de nossa carreira profissional, não tínhamos experiência alguma em relação à alfabetização e sem nunca ter ouvido fala r de letramento, ingressamos, eu e a professora Mariolani, na Educação Especial, cabendo -nos a difícil e desafiadora tarefa de alfabetizar pessoas cegas. Se não tínhamos experiên cia com alfabetização no Ensino Comum, imaginem na Educação Especial! Iniciamos o trabalho com seis alunos totalmente cegos. Realizávamos inúmeras atividades que favoreciam o d esenvolvimento tátil. Mais tarde descobrimos que trabalhamos os quatro estágios do D esenvolvimento Tátil. Alfabetizar pessoas cegas! Olha o compromisso! Tivemos muita in segurança e nos utilizamos do método fonético, processo sintético. Foi uma experiência f antástica. Ensinamos letras, sílabas, palavras... nossos alunos nos davam respostas posit ivas e se alfabetizavam com uma rapidez inacreditável. Hoje, após a leitura da sólida produ ção da professora Mariolani, percebo que poderíamos ter feito de maneira diferente, mas que reconhecer isso já implica em saber que sempre é tempo para aprender e rever práticas pedag ógicas, pois continuar utilizando sempre as mesmas metodologias de ensino torna-se maçante t anto para o alfabetizador quanto para o alfabetizando. Daí a necessidade de estarmos aberto à mudanças. Pena que você, professora Mariolani, fez sua produção 24 anos após nossas inc ansáveis tentativas de erros e acertos.

Gilson Rovaris, hoje revisor braille no CAP – Francisco Beltrão, relata,

também seu período de alfabetização:

Minha alfabetização se deu em 1985, ainda no tempo dos internatos, no Instituto Santa Luzia, um colégio dirigido por religiosas, em Porto Alegre, RS. Era uma primeira série de 14 alunos, gaúchos, catarinenses e paranaenses. No pri meiro mês, trabalhávamos muitos exercícios manuais, mais tarde vim a saber que se t ratava do período preparatório, para desenvolver o tato. Posteriormente, conhecemos o pu nção e a reglete e, efetivamente, tivemos o tão esperado encontro com o mundo das letras. Na época, eu estava com 11 anos. O método de alfabetização era o tradicional. Aprendíamos uma letra e somente partíamos para outra, depois de tê-la fixado bem. Inicialmente, a profess ora Fátima nos apresentou o e com acento agudo, porém, com o nome de sinal gerador. Os prime iros trabalhos de escrita não eram fáceis. A professora nos entregava folhas de sulfit e 20, as quais dobrávamos ao meio. Em cada folha, podíamos escrever três regletes de quat ro linhas, ou seja, doze linhas. Cada letra que aprendíamos, precisávamos escrever três folhas: a primeira sem pular nada, a segunda pulando cela e a terceira pulando linha. Para começ ar, aprendemos as cinco vogais. Em seguida, as juntamos para formar as pequenas palavr as: oi, ai, ou... Como já tínhamos a

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consciência da aprendizagem, cada nova palavra era um grande feito que comemorávamos intensamente. Depois vieram as consoantes, seguindo uma estorinha da família feliz: assim, conhecemos o v da vovó, o p do papai, o m da mamãe e as demais. Este processo durou o ano todo. Paralelamente, estudávamos outras disciplinas : a Matemática -- somente no sorobã --, Ciências, Estudos Sociais e Religião, oralmente; e fazíamos provas no final de cada bimestre. A irmã Maria Luísa nos orientava nas tarefas, quand o líamos a cartilha e copiávamos algumas lições. Foi um período de grandes experiências, a m aioria positivas. O Sistema Braille abriu todas as portas que eu precisava para aprender e cr escer. A leitura é um mundo mágico, completamente diferente do livro falado, embora est e também tenha o seu valor. Espero, sinceramente, que este projeto de PDE da professor a Mariolani, contribua com a luta contra o fenômeno da desbraillização. A tecnologia é uma gra nde aliada dos cegos, mas nãopodemos permitir que ela substitua a nossa única forma de l er, que é através do Sistema Braille.

Vilmar da Motta, ex aluno do CAEDV, relata a importância do seu período de

alfabetização:

Meu processo de alfabetização teve 3 fases. A prime ira, quando me foi apresentado o método Braille, no qual fui alfabetizado e abriu as portas do conhecimento para mim; todavia, a escrita e leitura Braille, logo apresentou seus c omplicativos, já que nem todos os materiais que eu quisesse ler, estavam acessíveis, bem como, não podia me comunicar com todas as pessoas que desejasse através da linguagem escrita, tendo em vista nem todos conhecerem o sistema e também não podia assinar documentos públi cos em braille, por essa forma de escrita, não ser reconhecida oficialmente, logo, eu era alfabetizado, mas para fins legais, não.

Por causa disso teve início o segundo momento da mi nha alfabetização, quando começaram a me ensinar a assinar meu nome, me recor do muito bem desse momento, as dificuldades que tive, para assimilar uma nova ling uagem completamente desconhecida, no entanto, com a ajuda dos professores, dos amigos e do meu irmão, consegui aprender razoavelmente a assinar meu nome, o que impediu que na minha documentação, ficasse como analfabeto.

Mas, ainda havia a frustração, de só poder escrever para os amigos e colegas cegos, os professores e aqueles enfim, que conhecessem o B raille. Então, no final dos anos 90, início do ano 2000, tive a felicidade de ser apresentado a o computador, começava aí a terceira fase da minha alfabetização, que vou aqui denominar de a lfabetização digital ou eletrônica, depois que aprendi a lidar com o Dosvox, melhorou consider avelmente, pois ampliava assim o meu acesso ao conhecimento e as informações, como ainda não tinha acesso a internet, ainda necessitava contar com a ajuda dos amigos para obte r as informações. No entanto, em 2007, depois que fiz o curso de Jaws no Centro Municipal de Informática com o Luiz, uma nova perspectiva se abriu, aí em julho do ano seguinte, consegui adquirir meu PC, onde instalamos o leitor de tela que atualmente estou usando e o qu al, melhorou significativamente a minha vida, me dando melhores condições de trabalho e me permitindo também construir uma bagagem intelectual melhor.

Sem dúvida, o Braille teve e ainda tem sua importân cia na minha vida, já que utilizo ainda para registros pessoais e pequenas anotações, todavia, a informática, foi que me deu e está me dando, um acesso mais amplo ao conhecimento , também permitindo que tenha mais facilidade para me comunicar com as pessoas a minha volta, através das ferramentas que a mesma oferece, tais como, msn e e-mail. Apesar, das barreiras que encontramos na web por exemplo, ainda assim me sinto realizado, por poder com a ajuda do computador trabalhar, estudar e me divertir.

9.1. UM DEPOIMENTO À PARTE

Reunir em um caderno pedagógico depoimentos que socializem de forma

mais ampla o que se pretendeu nesse trabalho, vem, a meu ver, dar respaldo a

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novas ideias, às atividades propostas e promover reflexões que atingem,

especialmente, aqueles que de uma forma ou outra, estão envolvidos com a real

inclusão.

As memórias do professor Paulo Ross expressam bem o que se pretende

neste caderno pedagógico. Feitas a meu pedido, marcam sua autoria, sua vivência,

o processo de aprendizagem e socialização com o meio e, sobremaneira, que a

progressiva construção se dá no conjunto.

O depoimento transcrito a seguir, possui a presença da voz de um vencedor,

professor e colega Paulo, e também de outras vozes presentes na voz do que vocês

lerão a seguir.

Agradeço ao Paulo o companheirismo, a parceria para com este caderno,

também o privilegio de termos convivido e termos dividido, ao longo de tantos anos,

erros, acertos, concordâncias, discordâncias mas, principalmente, desejo de que a

educação inclusiva seja uma realidade.

Na verdade, o professor Paulo nos conduzirá, em suas memórias, ao mundo

que muitas vezes é ignorado: que o acesso a cidadania não se dá somente pela

educação, pela escola, mas, fundamentalmente, por intermédio da prática social e

política e de que a mesma está sempre em construção.

Vamos às memórias!

LETRAS E GRAVETOS

Paulo Ricardo Ross 6

Fui uma criança repleta de oportunidades motoras. O rganizava meus brinquedos,

construía meus carrinhos, serrando madeira, pregand o, montando as peças de que necessitava para compor a forma final.

Vivi em ambiente simples, porém, livre de protecion ismo, livre para criar, imaginar minhas estradas por onde arrastaria meus caminhões carregados de pedaços de madeira, a carga que reproduzia a vida, o trabalho de meu pai.

O trabalho era-me ensinado pelo exercício, pela exp loração do ambiente construído pelas ferramentas e pela capacidade imaginativa de que podíamos lançar ao real, replicando a Vida Dura que levava meu pai.

Mas minha infância é apenas o ambiente de fundo par a explicar minha habilidade para assimilar a escrita Braille já nos primeiros dias d e aula.

Aos oito anos e nove meses, fui levado à escola pel a primeira vez. Tudo era novo: a escola, a professora, o material; o braille, a regl ete, a punção.

Como vimos, não seria mesmo necessário explorar out ros materiais como fontes de estimulação tátil ou para organização mental dos el ementos que compõem a matriz do Sistema Braille.

6 Professor Paulo Ricardo Ross doutorou-se em Educação Inclusiva pela Universidade de São Paulo.

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Parece que havia conhecimento prévio suficiente par a iniciar a escrita, a leitura, como caminho inevitável do abandono da manipulação gross eira de argila, carros de madeira, estilingue que cercavam minhas mãos, movendo minhas ações em todo ou quase todo período anterior à escolaridade.

As pelotas de argila que enrolava aos montes ganhav am o valor simbólico de anteceder pequenos pontos que viriam a ser, mais ta rde, letras e palavras. Meu brinquedo de caçar, atirar com meu estilingue, converteram-se em símbolo para eu caçar ideias e transferir pensamentos da imaginação para a escrita, podendo s er apreendido, contado, apreciado, tal como se fosse uma conquista de minhas investidas em alvos cantantes e voadores.

A repetição e a persistência levavam-me a preencher folhas e folhas com letras e palavras, pois imperava o princípio do fazer para s e incorporar ao cérebro como Segunda Natureza.

Assim fiz. Nada de recurso paralelo. Tratava-se de escrever e ler, ler e escrever. E os mágicos pontos ganhavam poder de pensamentos, um re curso para demonstrar como cada um podia se diferenciar em ideias e em capacidade d e comunicar e de entender os problemas que se nos era apresentado. Pouco havia de contextu alização, pouco significado atribuído a possíveis mudanças em nossas vidas com o conteúdo q ue se nos apresentava. Focados na tarefa de ler e entender, escrever e ser entendido não nos ocupávamos com discussões políticas. Não tínhamos consciência que podíamos re ivindicar melhoria de qualidade de nossa alimentação, por exemplo. Considerávamos que tudo e stava certo e que assim deveria continuar. Vivíamos sob a lógica da criação, submet ida aos limites do “real imutável”. Vivíamos enxergando uma certa “naturalidade” em nos sas rotinas.

Praticávamos aulas dialogadas. Tínhamos liberdade p ara perguntar sempre que não compreendíamos os problemas, o sentido, o conteúdo a ser conhecido ou interpretado. Apoiávamos uns aos outros, alternando leituras, mas predominava a elaboração individual.

Preciso recuperar minha gratidão a doce Professora Anilce, nas mãos de quem as minhas tocaram as primeiras palavras escritas. Ao l ado de seus cabelos longos e fartos, teci as primeiras experiências de amarrar um sapato. Em sua companhia diária, eu erguera os primeiros sonhos, imaginando o que seria uma moça b onita.

Mas ainda no primeiro ano escolar fui acolhido pelo enérgico professor Benedito, um mestre rígido, determinado a fazer valer suas ideia s, sua cultura. Alegrava-se ao detectar meus acertos em matemática, minha disciplina nos cálculo s com o sorobã. O sorobã era seu ícone de expressão da lógica matemática. Mas ele também o rgulhava-se de seus conhecimentos em história mundial, sua intelectualidade.

Não posso deixar de mencionar que Benedito quase me considerava um filho, mas bem depois de não ser mais meu professor.

Mas fora José Bonifácio que praticamente conjugara esses papéis: professor e tutor. Bonifácio quase todo dia, trazia lições extras para que eu fizesse individualmente, além daquelas propostas para toda turma de 04 ou 05 alun os. Outro diferencial era que conversávamos sempre sobre vários assuntos. Era, en tão, um conselheiro, um contador de histórias, um organizador do conhecimento da humani dade em pequenos trechos para minha compreensão.

O professor Odilon, um fenômeno na oratória, um lei tor e escritor de excelência, um amante da poesia e da pessoa humana, transmitira-me o desejo em tornar-me, um dia, professor, tal como o é. Sempre animado, altivo, ético, inspirava-nos a ler com entusiasmo os textos, as histórias. Provavelmente, construíra em mim as raízes para esc rever. Mas a oratória brilhante transmitia-nos um tal poder que nos projetava para além de onde estávamos.

Esses mestres mencionados foram os primeiros profes sores cegos iluminados a nos dar referência sobre o valor do conhecimento, o val or da escola na construção de uma carreira futura.

Posteriormente, outros colegas cegos, outros profes sores vieram a compor nossa rede de conexões, nossas referencias para legitimar noss as escolhas.

Lembro-me do orgulho do Bonifácio em ser um dos pou cos brasileiros aptos para escrever Braille em inglês, Braille abreviado. Ele cultivava um amor platônico por outra professora, mas nunca o revelara a ela.

Nesse misto de cognição e linguagem, diálogos, hist órias, jogos de futebol, dominó, futebol de pino, baralho, compúnhamos nossa identid ade, elaborávamos nossos sonhos para o futuro.

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Leitura e escrita em Braille eram canais para expan dir nossas ideias, alimento para nossos diálogos, energia para sustentar nossos proj etos para constituição de uma vida adulta próspera e segura.

Estudávamos e brincávamos; racionalidade e afetivid ade se conjugavam alternando nossas certezas e nossas ilusões, nossas percepções . Tato, audição, palavras e movimentos eram nossos instrumentos que acessavam nossos livro s, nossos amigos ou professores, os mais experientes, as ações que viriam a dar vida a nossa existência, ao nosso presente e plantar sementes para algo ainda distante no futuro .

Eis que todos esses personagens se revelam vivos em mim, ditando minhas crenças, minhas pequenas intervenções no mundo.

Mariolani, receba essas memórias não para as tomar como replicáveis, porque já não somos o que éramos. Acolhe-se em mim uma pequena leitura da s imagens que rascunhei nas pessoas que me ensinaram os primeiros pontos. E são esses p ontos que retraçam linhas e nos conectam, a mim e a você, na educação, antes como p rofessor e aluna, hoje como construtores de potenciais.

E então? Essas experiências contribuem para a melhoria do nosso trabalho?

Mexem com nossos conceitos de alfabetização? Com nossa forma de trabalho?

Você já está preparado para alfabetizar a criança cega dentro da Perspectiva

Histórico-Cultural?

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