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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2008 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-040-7 Cadernos PDE VOLUME II

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2008

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-040-7Cadernos PDE

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PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL – PDE

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO DO PARANÁ

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ

ELAIR DE MACEDO E SILVA GRASSANI

CADERNO DE POESIA

& EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO E ÉTNICO-RACIAIS

CURITIBA

2010

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APRESENTAÇÃO

Prezado/a Colega:

Este Caderno de Poesia e Educação das Relações de Gênero e Étnico-

raciais é um material de apoio às aulas de Língua Portuguesa e Literatura do Ensino

Médio, da Educação de Jovens e Adultos, elaborado com o objetivo de contribuir

para uma maior visibilidade da poesia de autoria feminina e de contemplar artistas e

autores/as brasileiros/as que abordam em suas obras diversos aspectos da história

e da cultura afro-brasileira e indígena.

Para tanto selecionamos, além de textos que objetivam subsidiar teórica e

metodologicamente o trabalho proposto, obras de arte (pintura e escultura), poemas

e canções da música popular brasileira, tanto de artistas plásticos, poetas e

compositores/as consagrados/as pela crítica quanto de “vozes” que durante muito

tempo ecoaram em tom menor, à margem da história oficial do nosso país; visando

com isso contribuir para a correção de uma distorção histórica quanto à importância

da mulher, do negro e do indígena na formação da sociedade nacional, bem como

atender ao disposto na Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008, que institui a

obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena na rede

oficial de ensino e prevê que os respectivos conteúdos sejam ministrados no âmbito

de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de

história e literatura brasileiras.

Esperamos que as reflexões propostas e a poesia presente nas obras de

arte, textos, canções, músicas e demais materiais apresentados neste Caderno –

cuja elaboração se deu durante o Programa de Desenvolvimento Educacional/PDE,

da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, em convênio com a Universidade

Federal do Paraná, sob a importante e a especial orientação e apoio do Professor

Altair Pivovar – contribua para a efetivação de um espaço dialógico na sala de aula,

que estimule nas pessoas o desenvolvimento do pensamento crítico, da

sensibilidade e da criatividade.

Desejamos a você e a seus/suas alunos/as um ótimo trabalho!

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................04 ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO: Algumas Considerações.....................05 “Dois dedos de prosa” sobre POESIA...................................................................08 Esse estranho poder... da ARTE.............................................................................14 CULTURA BRASILEIRA: Outros Olhares...............................................................15

ENCAMINHAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO E PROPOSTAS DE ATIVIDADES.........17

PROPOSTA 1.............................................................................................................17 PROPOSTA 2.............................................................................................................19 PROPOSTA 3.............................................................................................................19 PROPOSTA 4.............................................................................................................21 PROPOSTA 5.............................................................................................................22 PROPOSTA 6.............................................................................................................27 PROPOSTA 7.............................................................................................................30 PROPOSTA 8.............................................................................................................34 PROPOSTA 9.............................................................................................................44 PROPOSTA 10...........................................................................................................55 REFERÊNCIAS ANEXOS

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INTRODUÇÃO

Ao elaborar este Caderno Pedagógico, pensamos num material que tanto

viesse subsidiar a Oficina de Poesia e Educação das Relações de Gênero1 e Étnico-

raciais, dirigida aos/às professores/as de Língua Portuguesa e Literatura, da

Educação de Jovens e Adultos, proposta como Projeto de Intervenção Pedagógica

na Escola, bem como pudesse ser utilizado como material de estudo e apoio às

aulas dos/as próprios/as professores/as.

Desta forma, optamos por organizar o Caderno a partir da intrínseca

relação entre POESIA, ARTE e CULTURA, opção a qual determina todo o corpus

deste material; dos textos que visam subsidiar teórica e metodologicamente o

trabalho às atividades a serem desenvolvidas por você, colega professor/a, de

acordo com o contexto e as especificidades de cada turma.

E, com o intuito de otimizar as suas aulas, preparamos também um CD

ROM, que contém os textos aqui impressos, os sugeridos como atividades (que

poderão ser reproduzidos por impressora) e outros materiais de apoio, nas

modalidades: gráfica e audiovisual, já em extensão compatível com a TV pen-drive.

Reconhecemos, no entanto, que o presente Caderno – que tem como

foco o gênero textual “poema” numa abordagem interdisciplinar, e se encontra

organizado de modo a contemplar uma breve reflexão teórica e um possível

encaminhamento metodológico para as aulas de literatura, na perspectiva da

educação das relações de gênero e étnico-raciais – apenas inicia uma dinâmica a

qual esperamos ir muito além do que aqui se propõe como um caminho possível à

construção de relações em que a diversidade seja foco de reflexão e respeito e que,

em nosso entender, representa uma possibilidade de reeducação da sensibilidade e

desenvolvimento da capacidade crítica e criadora de homens e mulheres jovens,

adultos/as e idosos/as.

1 A fim de dar maior visibilidade ao gênero feminino na linguagem textual, tão comumente invisibilizado na

maioria dos textos, procuramos utilizar os gêneros masculino e feminino, buscando, desse modo, expressar o respeito pela histórica trajetória das mulheres, percorrida ao longo de vários anos pelos movimentos feministas. Pretendemos, com isso, instigar o leitor e a leitora a reconhecer, de fato, a importâncda mulher no processo de construção da identidade nacional.

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POESIA E EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES DE GÊNERO E ÉTNICO-RACIAIS

ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO: Algumas Considerações

Literatura é arte e, como tal, as relações de aprendizagem e vivência, que se estabelecem entre ela e o indivíduo, são fundamentais para que este alcance sua formação integral (sua consciência do eu + o outro + mundo, em harmonia dinâmica).

Nelly Novaes Coelho

Tendo em vista que este material se propõe a subsidiar teórica e

metodologicamente a prática de ensino de literatura na perspectiva da Lei nº

11645/08, pensamos ser oportuno, inicialmente, ressaltar a importância de se

desenvolver um trabalho mais efetivo com poesia nas aulas de português, dado que

esta apresenta uma possibilidade concreta de resgate da unidade entre razão e

imaginação e permite um frutífero diálogo não só entre os diferentes gêneros

textuais (poema, ensaio, artigo, etc.) como também com outras linguagens (música,

das artes visuais, plásticas, cênicas, etc.), contemplando, assim, a urgente

necessidade de se educar também os sentimentos e as emoções.

Posto, ainda, que “uma reflexão que tenha em vista a poesia na escola

não pode se equivocar, servindo-se dela apenas como estudo teórico, desprezando

a apreciação.” (RESENDE, 1997, p. 23); e que um projeto de fruição literária

também não encontra respaldo num espaço que acolha a educação bancária2, tem-

se no Método Recepcional3, apresentado nas Diretrizes Curriculares para o ensino

de Língua Portuguesa,“um bom encaminhamento metodológico para o trabalho com

literatura, devido ao papel que atribui ao leitor, uma vez que este é visto como um

sujeito ativo no processo de leitura, tendo voz em seu contexto” (PARANÁ/SEED,

2 O filósofo e educador Paulo Freire (1921-1997) define como educação bancária aquela que na

medida em que anula o poder criador dos educandos ou o minimiza, estimulando sua ingenuidade, e não sua criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores, para os quais o fundamental não é o desnudamento do mundo, sua transformação, mas sim a alienação dos sujeitos.(FREIRE,1996,p. 24).

3 Elaborado pelas professoras Maria da Glória Bordini e Vera Teixeira de Aguiar (1993), tal método, de

acordo com as autoras, tem como objetivos levar os alunos a efetuar leituras compreensivas e críticas; ser receptivos a novos textos e à leitura de outrem; questionar as leituras efetuadas em relação ao seu próprio horizonte cultural e transformar os próprios horizontes de expectativas, bem como os do/a professor/a.

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2008, p. 74). E visto que hoje, mais do que em qualquer outra época, é preciso

saber interpretar, reconhecer “as múltiplas vozes, a polifonia, a polissemia, do

homem e do mundo” (ANTÔNIO, 2002, p.28), por ser a poesia uma forma de

energia, síntese entre o cognitivo e o afetivo, possibilita ressignificar o

conhecimento, religar a dimensão intelectual e a dimensão sensível, sujeito e objeto,

pensamento e experiência.

Vale, no entanto, lembrar que o Método Recepcional, proposto por Bordini

e Aguiar, apenas sistematiza metodologicamente os pressupostos teóricos

apresentados na estética da recepção e teoria do efeito4, propostas teóricas já

discutidas desde meados do século passado, a partir dos estudos desenvolvidos

pelos teóricos alemães Robert Jauss e Wolfgang Iser, e que culminaram na Estética

da Recepção, na qual o/a leitor/a ganha papel central no processo de conhecimento

(elaborado sempre a partir de seu “horizonte de expectativas”), tanto como o ponto

de partida, considerando seus conhecimentos prévios e interesses, quanto de

chegada, levando-o/a à reflexão acerca da sua construção de sentidos elaborada a

partir do texto, como bem o demonstra Jauss (1979, p.46) ao afirmar que:

a experiência estética não se inicia pela compreensão e interpretação de um dos significados de uma obra; menos ainda, pela reconstrução da intenção de seu autor. A experiência primária de uma obra de arte realiza-se na sintonia com (Einstellung auf) seu efeito estético, i.e., na compreensão fruidora e na fruição compreensiva. Uma compreensão que ignorasse esta experiência estética primeira seria própria da presunção do filólogo que cultivasse o engano de supor que o texto fora feito não para o leitor, mas sim, especialmente para ser interpretado.

A mudança fundamental que a obra de Iser introduz em relação à de

Jauss está na compreensão do sentido do texto como um processo de interpretação

em que o/a leitor/a reconhece a sua própria participação. A recepção é entendida por

Iser como o processo de autorreconhecimento no qual o/a leitor/a “é capaz de viver

4 Abordagem que assume a significação do texto como resultado da fruição e, portanto, como objeto

artístico que requer apreciação e se constrói com a ajuda do leitor. De acordo com Copagnon (1999), a análise da recepção visa ao efeito produzido no leitor, individual ou coletivo, e sua resposta (Wirkung, em alemão, response, em inglês) ao texto considerado como estímulo.

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uma experiência do imaginário no interior da gestalt5 evidenciada pelo texto” (ISER,

1996, p. 119).

Trata-se, pois, de um método de abordagem do texto literário que tem

como objeto central o/a leitor/a e se divide, quanto à sua aplicação didática, em

cinco etapas:

a) determinação do horizonte de expectativas;

b) atendimento ao horizonte de expectativas;

c) ruptura do horizonte de expectativas;

d) questionamento do horizonte de expectativas;

e) ampliação do horizonte de expectativas.

Dessa forma, consiste num método que valoriza a atitude participativa

dos/as alunos/as em todas as etapas do processo de ensino de literatura, pois se

num primeiro momento, o/a professor/a parte do horizonte de expectativas do grupo,

em termos de conhecimentos prévios e interesses artístico-literários, oferecendo em

seguida leituras que atendam a esse horizonte de expectativas; num terceiro

momento, por meio de novos textos, que apresentam um grau de complexidade

maior, sob vários aspectos (estruturais, linguísticos, semânticos) deve propiciar a

ruptura desse horizonte, incitando assim a turma a refletir, instaurando, com isso, o

questionamento do horizonte de expectativas e, num quinto momento, sua

consequente ampliação por meio de um processo contínuo no qual a comparação

entre o familiar e o novo, bem como entre o próximo e o distante no tempo e no

espaço seja enfatizada.

Assim, o fato da leitura, nessa abordagem, se constituir numa relação

dialógica na qual se fundem os horizontes trazidos pela obra e os horizontes de

expectativas do/a leitor/a, faz deste um método que ao mesmo tempo em que exige

que o/a professor/a esteja preparado/a para selecionar textos referentes à realidade

dos alunos e, a seguir, romper com ela, também aponta para a importância do

5 Teoria psicológica alemã, desenvolvida no fim do século XIX, que possibilitou o estudo da

percepção. Segundo a Gestalt, o cérebro é um sistema dinâmico no qual se produz uma interação entre os elementos, em determinado momento, através de princípios de organização perceptual.

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desenvolvimento da capacidade de reflexão dos alunos sobre a literatura e os

gêneros textuais; concebendo o papel do/a leitor/a como parte do processo de

produção da obra, uma vez que é por meio da experiência de leitura, estimulada

pelo próprio texto, que se atribui sentido ao que se lê.

Nessa perspectiva, a atividade de leitura desafia continuamente a

compreensão do/a leitor/a, por fundar seus pressupostos no alargamento do

horizonte de expectativas de quem lê, levando o/a leitor/a a uma nova consciência

crítica de suas próprias expectativas. E, dessa maneira, a resposta final deve ser

uma leitura mais exigente que a inicial, em termos estéticos e ideológicos, uma vez

que ao longo das quatro etapas do processo os/as alunos/as tomam consciência das

alterações e aquisições obtidas através da experiência com a leitura literária, uma

experiência que, no entanto, não se encerra nela mesma; evolui em espiral, sempre

permitindo uma relação mais consciente com a literatura e com a vida.

Acreditamos, portanto, que os/as professores/as envolvidos/as com o

ensino de literatura e o estudo da poesia tenham muito a ganhar com essa

abordagem teórico-metodológica, uma vez que, além de evidenciar como o efeito

poético sobre as emoções contribui para a cognição, ou seja, para o modo como o/a

leitor/a compreende a si mesmo/a e ao mundo, desenvolvendo, ou ampliando, com

isso sua capacidade crítica, revela a importância da imaginação no desenvolvimento

da capacidade criadora, dado que a interação entre texto e leitor/a é concebida

como um processo autorregulável e criativo.

“Dois dedos de prosa” sobre POESIA

Iniciar este trabalho pela pergunta “O que é poesia?”, embora pareça

ser o caminho mais simples, com toda certeza não o é, pelo próprio fato de que não

existe uma resposta simples e direta a essa pergunta; sendo bastante pertinente,

nesse sentido, a afirmação do professor Carlos Alberto Faraco (2003) de que “em

certas áreas da expressão humana, uma apreensão intuitiva vale mais que mil

racionalizações” e que ler poesia é a melhor maneira de chegar a saber o que ela é.

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Partindo desse pressuposto, as atividades aqui sugeridas foram

elaboradas tendo em vista tanto o aprimoramento de habilidades de leitura e de

escrita quanto a construção de um novo olhar acerca da realidade, buscando,

portanto, estimular a vivência de uma metodologia de ensino de língua e literatura

que tenha por base o diálogo entre o texto poético, outros gêneros textuais, a

música e as demais manifestações artísticas, uma vez que o contato com diferentes

formas de expressão potencializa o desenvolvimento não só do pensamento, como

também da sensação, do sentimento e da intuição.

Assim, embora a literatura se ocupe da poesia feita essencialmente de

palavras, e seja este o foco deste trabalho, consideramos importante num primeiro

momento ampliar a reflexão acerca do que é poesia, por meio de um exercício

simples, mas que possibilita uma apreensão tanto racional quanto intuitiva a esse

respeito.

Figura 1: Fonte Maria Lata D'Água6 Figura 2: Escultura Água pro Morro

7

Foto:Elair - 2010 Foto: Elair - 2010

6 Localizada nos fundos do Sesc Paço da Liberdade, na praça José Borges de Macedo, nome dado em homenagem ao primeiro prefeito de Curitiba (1853), a fonte tem como principal elemento a escultura "Água pro Morro”.

7 Feita em 1944 pelo escultor paranaense Erbo Stenzel, encontra-se voltada para as Arcadas do Pelourinho, um equipamento que assinala o lugar onde, em 1668, foi levantado o Pelourinho da Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, pelo bandeirante Gabriel de Lara.

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LATA D’ÁGUA

Samba/carnaval, 1952 Composição: Luis Antonio8 e Jota Júnior9 Voz: Marlene10

Lata d‟água na cabeça Lá vai Maria Lá vai Mari....a------------------------------------------

Sobe o morro, não se cansa Pela mão leva a criança... Lá vai Maria Lá vai Mari....a-

Maria lava a roupa lá no al.....to Lutando pelo pão de cada di....a Sonhando com a vida do asfal...to Que acaba onde o morro principi...a

8 Conhecido no meio artístico como Negro Antônio ou Luis Antônio, Antônio de Pádua Vieira da Costa (1921–1996) conciliou a carreira militar (chegou a coronel) com a de autor de muitos sucessos. Foi gravado pelos maiores artistas da música brasileira e internacional. Entre seus parceiros, se destaca seu companheiro de exército, Jota Júnior. Em muitas composições expressa preocupação social com os desfavorecidos e em retratar a vida dos subúrbios do Rio de Janeiro. Apesar de ocupar uma posição central na música brasileira por décadas, pela qualidade e abrangência do seu trabalho que deixaram marcas, é mais um gênio quase oculto do samba. 9 Joaquim Antônio Candeias Júnior (1923-2009), o Jota Júnior, além de seguir carreira militar, reformando-se em 1969 como coronel-professor, foi instrumentista e destacado compositor de músicas carnavalescas. Estreou em 1951, com o samba Sapato de pobre (com Luis Antonio), gravado por Marlene e em 1952 lançou Latad’Água (com Luis Antônio), gravada por Marlene, e Confete (com David Nasser), gravada por Francisco Alves, tornando-se a partir desse ano presença freqüente nos Carnavais. 10

Nome artístico de Vitória Bonaiuti de Martino (1924). Eleita Rainha do Rádio por dois anos

consecutivos no início dos anos cinquenta, depois de gravar mais de 13 músicas em 1951, lançou, em 1952, um dos seus grandes êxitos como cantora e grande sucesso do carnaval: o samba Lata d'Água. Transformou-se numa das cantoras mais populares em todo o Brasil, fazendo sucesso também no cinema e no teatro.

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Figura 3: Samba nos Arcos da Lapa (óleo sobre tela) Exposição: “As Três Artes”, de Heitor dos Prazeres

11

Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro (2003)

EPIGRAMA12 N° 7

Cecília Meireles

A TUA RAÇA de aventura quis ter a terra, o céu, o mar Na minha, há uma delícia obscura em não querer, em não ganhar. A tua raça quer partir guerrear, sofrer, vencer, voltar A minha, não quer ir nem vir. A minha raça quer passar.

MEIRELES, Cecília. Flor de Poemas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1995, p. 67

11 (1898-1966) Pintor, compositor e instrumentista carioca. Começou a pintar em 1937, como autodidata, inicialmente aquarelas, passando para a pintura a óleo, aperfeiçoando aí seu estilo próprio, até chegar às imagens claras e brilhantes, com personagens em contínuo movimento e irradiando intenso calor humano. Em suas telas, encontra-se aquilo que a cidade do Rio de Janeiro tem de mais popular e autêntico: as favelas, as mulatas, as brigas, as rodas de samba, cenas comuns da vida carioca, retratadas com extrema simplicidade e beleza.

12 É um tipo de poema curto, nascido na Antiguidade Clássica, mordaz, picante ou satírico. Com eles, Meireles trata da felicidade, da poesia, do amor e até da morte, aproveitando menos a sátira e mais a mordacidade. À medida que vão surgindo, os epigramas costuram e dão unidade à obra.

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Figura 4: Tribo Indígena, Arte Naif13

de Camilo Tavares14

, com a inscrição: “A Dança ritual das índias Carajás

15.

Elas dançam esfregando o ventre. Ilha do Bananal - Goiás” (1997)

A VOZ DAS RAÍZES

Helena Kolody

Vozes de estranho som se alteiam em meu canto. Vibram-me dentro d'alma almas que não são minhas

Atrás de mim vozeia e tumultua, anseia e chora, e ri, arqueja e estua A imensa multidão dos ancestrais, Que me bate e rebate, inexorável, como o oceano em ressaca açoita o cais. KOLODY, Helena. Coleção Poesia Falada, vol. 4, Luz da Cidade, 1997, p.14

13

Criação artística instintiva e espontânea realizada por pintores autodidatas que sentem uma impulsão vital de contar suas experiências de vida. Pode-se dizer que ela se encontra presente na história da humanidade desde o início dos tempos, pelas mãos de indivíduos que, alheios aos movimentos artísticos acadêmicos, criam unicamente movidos por suas emoções.

14 (1932) Pintor autodidata, começou a pintar por volta dos dez anos, valendo-se de um humor bem popular em seus quadros que mostram escolas de samba, a vida de pequenas cidades interioranas, gafieiras, candomblé e festas folclóricas. Para o crítico de arte Joseph Luyten, da Associação Brasileira de Críticos de Arte, o artista paulista é um "documentarista de usos e costumes desta terra, que não aparecem em cartões postais nem em catálogos do governo, mas que talvez por isso mesmo são mais reais e humanos.”

15 Dança que integra a Festa do “Aruanã”, realizada pelos indígenas Karajá às margens do rio Araguaia, em homenagem ao principal peixe da região que, além de importante fonte de alimento, crêem (com base no mito de origem do mundo Karajá, que apresenta a formação do homem a partir de animais já existentes, como o aruanã), ser o animal que deu origem ao homem e, portanto, é o protetor de todos os Karajá.

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Você pode estar se perguntando o porquê de uma escultura, uma modinha carnavalesca dos anos 50 e telas que retratam uma dança figurarem entre poemas feitos tão somente de palavras escritas. A resposta, quem dá é o poeta e ensaísta mexicano Octavio Paz16 - para quem a poesia é a forma natural de expressão dos homens - ao afirmar, num ensaio bastante poético, que:

Uma tela, uma escultura, uma dança são, à sua maneira, poemas. E essa maneira não é muito diferente da do poema feito de palavras. [...] Em muitos casos, cores e sons possuem maior capacidade evocativa do que a fala. Pintores, músicos, arquitetos, escultores e outros artistas não usam como materiais de composição elementos radicalmente distintos dos que emprega o poeta. No entanto, é possível descobrir o que separa um poema de um tratado em verso, um quadro de uma estampa didática, um móvel de uma escultura. Esse elemento distintivo é a poesia. Só ela pode mostrar a diferença entre criação e estilo, obra de arte e utensílio. Qualquer que seja sua atividade e profissão, artista ou artesão, o homem transforma a matéria-prima: cores, pedras, metais, palavras. [...] A operação poética é de signo contrário à manipulação técnica. Graças à primeira, a matéria reconquista sua natureza: a cor é mais cor, o som é plenamente som. Na criação poética não há vitória sobre a matéria ou sobre os instrumentos, mas um colocar em liberdade a matéria. […] Palavras, sons, cores e outros materiais sofrem uma transmutação mal ingressam no círculo da poesia. Sem deixarem de ser instrumentos de significação e de comunicação, convertem-se em "outra coisa". Essa mudança - ao contrário do que ocorre na técnica - não consiste em abandonar sua natureza original, mas em voltar a ela. Ser "outra coisa" quer dizer ser a "mesma coisa": a coisa mesma, aquilo que real e primitivamente são. Por outro lado, a pedra da estátua, o vermelho do quadro, a palavra do poema, não são pura e simplesmente pedra, cor, palavra: encarnam algo que as transcende e ultrapassa. Sem perder seus valores primários, seu peso original, são também como pontes que nos levam à outra margem, portas que se abrem para outro mundo de significados impossíveis de serem ditos pela mera linguagem. Ser ambivalente, a palavra poética é plenamente o que é - ritmo, cor, significado - e, ainda assim, é outra coisa: imagem. A poesia converte a pedra, a cor, a palavra e o som em imagens. E essa segunda característica, o fato de serem imagens, e o estranho poder de suscitarem no ouvinte ou no espectador constelações de imagens, transforma em poemas todas as obras de arte.

PAZ, Octavio. O Arco e a Lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Tradução de Olga Savary, 1982, p.20-39.

16 Octavio Paz (1914-1998) nasceu na Cidade do México, mas participou, em Paris, do movimento surrealista, a partir do seu encontro com André Breton, quando experienciou a escrita automática. Publicou mais de vinte livros de poesia e inumeráveis ensaios de literatura, arte, cultura e política. Foi um dos intelectuais mais importantes do México e um dos maiores poetas do mundo. Juntamente com Pablo Neruda, Octavio Paz é um dos grandes poetas latino-americanos cuja obra teve um forte impacto internacional. Muitos de seus poemas são baseados em pinturas de Joan Miro, Marcel Duchamp, Antonio Tapies, Robert Rauschenberg e Roberto Matta. Em 1990 obteve o prêmio Nobel de Literatura. Morreu na Cidade do México, em abril de 1998.

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Esse estranho poder... da ARTE

Diante dessas “constelações de imagens” que os textos acima suscitam,

pensamos ser interessante refletir um pouco sobre esse “estranho poder...” da Arte e

o importante papel que esta pode desempenhar na educação das relações de

gênero e étnico-raciais.

No ocidente, desde a antiguidade clássica, a educação integral da

pessoa por meio da Arte (do latim antigo ars) é objeto de reflexão de pensadores

como Platão e Aristóteles (séc. V-IV a.C.), os quais, por meio do conceito de

mímesis17, buscavam reestabelecer as relações entre Arte e Vida.

Assim, por mais que ao longo dos séculos muitas outras concepções de

Arte tenham surgido, algumas totalmente contrárias à platônica ou à aristotélica, não

há como negar a importância da Arte para o desenvolvimento integral das pessoas,

uma vez que por meio desta é possível integrar em toda aprendizagem e

experiência a estimulação da percepção sensorial, afetiva, valorativa e intuitiva, o

que significa, portanto, reconhecer seu papel fundamental no processo de

integração das funções pensamento, sentimento, sensação e intuição, comuns a

todas as pessoas.

A Arte é, portanto, um importante instrumento educacional capaz de

integrar conhecimento e vida. E, por conseguinte, a literatura – compreendida como

o conjunto de obras de arte escritas (ficção, poesia, teatro) – capaz de potencializar

uma prática diferenciada com a leitura, a oralidade e a escrita, constituindo, assim,

forte influxo em direção à integração do saber ao ser.

Nessa perspectiva, destacamos o enfoque teórico e o encaminhamento

metodológico dado por Chulamis Siclier Glat18 em seu trabalho, no qual a autora –

17 Embora comumente se vincule a palavra mímesis à imitação do real, esta deriva do verbo grego mimeomai, que significa recordar-se. Assim, é “a maneira como cada povo, cada cultura, cada tempo e, até mesmo, cada pessoa, recorda-se, isto é, sente no coração (recorda) a intensidade da realidade [...] e que em alguns homens realiza-se na e como Arte” (Quintão, 2010, p.94).

18 Chulamis (1930) nasceu na Bahia, mudando-se aos sete anos para o Rio de Janeiro. Formada em Pedagogia e apreciadora do trabalho desenvolvido por Augusto Rodrigues desde 1948 na Escolinha de Arte do Brasil, atuou como arte-educadora e conduziu por anos os Grupos de Criatividade, uma proposta revolucionária de educação através da arte e crítica da “educação do monólogo e da competição”. No início da década de 80, viveu em Paris, onde teve seu trabalho, em psicologia social, supervisionado pelo doutor Michel Lobrot.

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ao partir do pressuposto de que é por meio da Arte que construímos identidades

pessoais e sociais e que melhor podemos reconhecer nossas raízes numa história e

cultura, seja de nosso país, povo ou planeta – contribui significativamente para se

pensar a Arte no sentido antropológico, enquanto parte especial da Cultura humana,

como explicita no texto a seguir:

Arte é quando os homens, receptivos a si e ao meio circundante, imprimem em si e nesse meio circundante o fruto de percepções, de entendimentos, sentimentos e valorações; é quando acrescentam algo mais em suas tarefas de sobrevivência: na marcha – o ritmo; na respiração – o canto; no barco – o entalhe; na panela – o enfeite; e todos os adornos em seu próprio corpo. E o mais importante é que esses produtos dos homens não têm como objetivo incrementar funções práticas e sim, desenvolver uma integração e identificação consigo mesmos, com os outros homens, com o mundo artificial (feito por seu engenho e arte) e com o meio natural.[...] O mundo em que vivemos é produto dos homens que vivem esse mundo, e a Arte, a mais clara expressão desse entrelaçamento.

GLAT, Siclier Chulamis, Grupos de Criatividade, 1998, p. 13

CULTURA BRASILEIRA: Outros Olhares

Desse modo, é possível, pensar a literatura enquanto uma das

possibilidades de manifestação da Arte, que participa ativamente da construção de

experiências históricas, sociais e individuais, como um importante componente do

complexo de manifestações que compõem a cultura de uma sociedade.

O texto Do singular ao plural, que integra o capítulo 10 (Cultura brasileira

e culturas brasileiras) de “Dialética da Colonização”, de Alfredo Bosi, um dos

principais estudiosos da literatura e da cultura brasileira na contemporaneidade, é

bastante esclarecedor nesse sentido, pois já a partir do título deixa claro que não

existe uma cultura brasileira una e homogênea, mas sim um conjunto complexo,

extremamente heterogêneo e diversificado, constituído por inúmeras culturas que se

entrecruzam e se manifestam em toda extensão do território brasileiro.

Neste texto, Bosi apresenta argumentos que permitem pensar a cultura

brasileira sob o prisma da diversidade e da complexidade, fundamental a uma

prática de ensino de literatura no contexto de uma educação comprometida com a

promoção da equidade de gênero e o respeito à diversidade cultural e étnico-racial e

que, portanto, contemple a importante contribuição da mulher, do negro e do

indígena no processo de formação da sociedade brasileira.

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É um texto bastante interessante para ser trabalhado com os/as alunos/as

do Ensino Médio, como verá a seguir:

Estamos acostumados a falar em cultura brasileira, assim, no singular, como se existisse uma unidade prévia que aglutinasse todas as manifestações materiais e espirituais do povo brasileiro. Mas é claro que uma tal unidade ou uniformidade parece não existir em sociedade moderna alguma e, menos ainda, em uma sociedade de classes. Talvez se possa falar em cultura bororo ou cultura nhambiquara

19 tendo por referente a vida material

e simbólica desses grupos antes de sofrerem a invasão e aculturação do branco. Mas depois, e na medida em que há frações do interior do grupo, a cultura tende também a rachar-se, a criar tensões, a perder a sua primitiva fisionomia que, ao menos para nós, parecia homogênea.

A tradição da nossa Antropologia Cultural20

já fazia uma repartição do Brasil em culturas aplicando-lhes um critério racial: cultura indígena, cultura negra, cultura branca, culturas mestiças. Uma obra excelente, e ainda hoje útil como informação e método, a Introdução à antropologia brasileira, de Arthur Ramos, terminada em 1943, divide-se em capítulos sistemáticos sobre as culturas não europeias (culturas indígenas, culturas negras, tudo no plural) e culturas europeias (culturas portuguesa, italiana, alemã...), fechando-se pelo exame dos contatos raciais e culturais.

Os critérios podem e devem mudar. Pode-se passar da raça para nação, e da nação para a classe social (cultura do rico, cultura do pobre, cultura burguesa, cultura operária), mas, de qualquer modo, o reconhecimento do plural é essencial. A proposta de compreensão que se faz aqui tem um alcance analítico inicial; e poderá ter (oxalá tenha) um horizonte dialético final.

Se pelo termo cultura entendemos uma herança de valores e objetos compartilhada por um grupo humano relativamente coeso, poderíamos falar em uma cultura erudita brasileira, centralizada no sistema educacional (e principalmente nas universidades), e uma cultura popular, basicamente iletrada, que corresponde aos mores

21 materiais e simbólicos do homem

rústico, sertanejo ou interiorano, e do homem pobre suburbano ainda não de todo assimilado pelas estruturas simbólicas da cidade moderna.

A essas duas faixas extremas bem marcadas (no limite: Academia e Folclore) poderíamos acrescentar outras duas que o desenvolvimento da sociedade urbano-capitalista foi alargando. A cultura criadora individualizada de escritores, compositores, artistas plásticos, dramaturgos, cineastas, enfim, intelectuais que não vivem dentro da Universidade, e que, agrupados ou não, formariam, para quem olha de fora, um sistema cultural alto, independentemente dos motivos ideológicos particulares que animam este ou aquele escritor, este ou aquele artista. Enfim, a cultura de massas, que, pela sua íntima imbricação com os sistemas de produção e mercado de bens de consumo, acabou sendo chamada pelos intérpretes da Escola de Frankfurt

22, indústria cultural, cultura de consumo.

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização.São Paulo: Companhia das Letras, 1992.p. 308-310

19 Duas das inúmeras nações indígenas brasileiras; a nação bororo habita o leste do Mato Grosso e a nhambiquara o oeste do Mato Grosso e o sul de Rondônia. 20 Ciência que estuda as manifestações culturais de cada grupo humano. 21 Palavra latina que designa o conjunto de costumes e práticas culturais de um grupo humano. 22 Grupo de estudiosos alemães cuja produção intelectual, entre as duas guerras mundiais, reflete profundamente sobre a cultura contemporânea, em especial sobre os efeitos da expansão da economia industrial na cultura.

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ENCAMINHAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO E PROPOSTAS DE ATIVIDADES

Embora, na proposição de atividades a seguir – a qual tem por base a

tríade POESIA, ARTE e CULTURA – não se tenha nominado cada uma das cinco

etapas que o Método Recepcional compreende, é possível identificá-las ao longo do

processo de ensino e aprendizagem no qual você e seus/suas alunos/as se

encontrarão envolvidos/as. Para tanto se faz necessário que você procure seguir,

sempre que possível, a sequência proposta em cada momento, pois, por mais

simples que possa ser determinada atividade, ela foi pensada tendo em vista o

gradual alargamento do horizonte de expectativas dos/das alunos/as, levando os/as

a uma nova consciência crítica de suas próprias expectativas.

PROPOSTA 1

Como você deve ter percebido, logo após o poema “Voz das Raízes”, de

Helena Kolody, a pergunta “O que é poesia?” foi retomada. Antes, no entanto,

buscamos ampliar a visão de poesia, por meio de um exercício simples que

acreditamos ter possibilitado a você não só refletir mais uma vez racionalmente

sobre essa questão, mas sentir intuitivamente o que seja poesia.

A) Neste momento, propomos que também oportunize ao/às seus/suas

alunos/as essa “apreensão intuitiva” da poesia, a qual, segundo o professor Faraco

(2003), “vale mais que mil racionalizações”. Para tanto, sugerimos que você:

1- mostre à turma, numa sequencia de slides ou reunidas numa única página impressa: - as figuras 1 e 2 referentes à escultura Água para o Morro;

- a letra do samba Lata d’Água; - a figura 3, tela Samba nos Arcos da Lapa; - o poema Epigrama nº 7;

- a figura 4, tela Tribo Indígena; - o poema Voz das Raízes.

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E peça-lhes que digam por que acham que uma escultura, uma modinha

carnavalesca dos anos 50 e telas que retratam uma dança estão entre poemas feitos tão somente de palavras escritas; o que percebem que há em comum entre esses elementos?;

2- registre no quadro negro, ou branco, o resultado da provável tempestade de ideias (brainstorming) que você provocou na turma;

3- apresente o texto de Octavio Paz23, buscando identificar possíveis relações entre as respostas dos/as alunos/as e o texto em questão. B) A leitura do fragmento – considerando que este se encontra num

capítulo intitulado Poesia e Poema, o qual sugerimos que você leia – é uma ótima

oportunidade para aprofundar as noções de Poesia e Poema junto à turma, uma vez

que o objeto de estudo da literatura é a poesia feita de palavras.

Nesse sentido, propomos que você leve os/as alunos/as a construírem

um quadro básico de referências a partir das seguintes questões: 1- O que se pode depreender da afirmação de que “uma tela, uma

escultura, uma dança são, à sua maneira, poemas. E essa maneira não é muito diferente da do poema feito de palavras”?

2- Em se tratando de textos escritos, como pode ser exemplificada a diferença entre um texto que é fruto de uma “operação poética” de outro que resulta tão somente de “manipulação técnica”?

3- Partindo da ideia de que a palavra “poesia”, do grego “poiesis”, refere-se à atividade de produção artística, de criar algo, o que implica necessariamente na existência de um sujeito, o que Octavio Paz quer dizer quando afirma que “a poesia converte a pedra, a cor, a palavra e o som em imagens...”?

4- Diante do exposto é possível afirmar que poesia e poema são a mesma coisa? Justifique a sua resposta?

Você poderá, a partir dessas questões, explorar mais alguns aspectos – como o ritmo, a figuração poética, o modo condensado do texto em verso em relação ao texto em prosa, etc – que ampliam a construção desse quadro básico de referências, com vistas à fruição poética dos/as alunos/as, encaminhando, assim, uma discussão que estimule a percepção das peculiaridades do texto poético enquanto singular manifestação da poesia por meio da palavra escrita.

23 O texto de Octavio Paz é um fragmento retirado do capítulo Poesia e Poema, de um ensaio no

qual o autor procura discutir a poesia em sua relação com a história, com a prosa, enfim, sob os mais diferentes aspectos. O referido texto e parte do próximo capítulo, intitulado Verso e Prosa (disponíveis nas Referências do Material de Apoio) encontram-se no livro O Arco e a Lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. Tradução de Olga Savary, 1982.

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PROPOSTA 2

Partindo do pressuposto de que é por meio da Arte que construímos

identidades pessoais e sociais e que melhor podemos reconhecer nossas raízes

numa história e cultura, seja de nosso país, povo ou planeta, a educadora Chulamis

Siclier Glat, sem dúvida, contribui significativamente para se pensar a Arte não

apenas sob a perspectiva interdisciplinar, mas transdisciplinarmente, devendo,

portanto, permear todo fazer educativo.

A) Dessa forma, sugerimos a você propor aos/às alunos/as que:

1- leiam atentamente a afirmação de Chulamis (1998) de que:

Arte é quando os homens, receptivos a si e ao meio circundante, imprimem em si e nesse meio circundante o fruto de percepções, de entendimentos, sentimentos e valorações; é quando acrescentam algo mais em suas tarefas de sobrevivência: na marcha – o ritmo; na respiração – o canto; no barco – o entalhe; na panela – o enfeite; e todos os adornos em seu próprio corpo. E o mais importante é que esses produtos dos homens não têm como objetivo incrementar funções práticas e sim, desenvolver uma integração e identificação consigo mesmos, com os outros homens, com o mundo artificial (feito por seu engenho e arte) e com o meio natural.[...] O mundo em que vivemos é produto dos homens que vivem esse mundo, e a Arte, a mais clara expressão desse entrelaçamento.

2- reflitam sobre a concepção de Arte apresentada pela autora no fragmento e discutam-na, procedendo a uma análise comparativa entre esse texto e o anterior, de Octavio Paz.

Há dois filmes que deixamos aqui como sugestão, pela beleza e

sensibilidade com que abordam a questão da Arte:

- “Moça com Brinco de Pérola”, direção de Peter Webber (2003), que tem como cenário a Holanda do século XVII e motivo uma tela homônima pintada por Johannes Vermeer, renomado pintor da época;

- “O Aleijadinho - Paixão, Glória e Suplício”, direção de Geraldo Santos Pereira (2001), que conta a história do escultor mineiro Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, o qual mesmo diante de uma doença que o deixou deformado não abre mão de seu trabalho artístico. O enredo é ambientado no ano de 1758. PROPOSTA 3

No texto Do singular ao plural (ensaio), Alfredo Bosi oferece uma interpretação da cultura brasileira que nos dá a noção da diversidade e complexidade da cultura em uma sociedade tão heterogênea como a nossa.

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B) A partir de uma leitura conjunta do texto, sugerimos a você:

1- propor à turma a discussão coletiva dos principais aspectos do texto, levando em conta os seguintes pontos:

- a tese de que não há uma cultura brasileira homogênea, enquanto “unidade prévia que aglutine todas as manifestações materiais e espirituais do povo”;

- a importância do “reconhecimento do plural”;

- a hipótese de que as culturas indígenas, previamente ao contato dos colonizadores europeus, poderiam ser consideradas homogêneas apenas em termos;

- a ideia errônea (insuficiente e inadequada) de que no Brasil nossa cultura tem três vertentes: indígena, africana e europeia;

- as quatro grandes faixas de manifestações culturais;

- os inúmeros entrecruzamentos que se dão entre as diferentes faixas e que constituem a real e efetiva diversidade de nossa cultura.

C) Um documentário que complementa de forma bastante esclarecedora

as ideias apresentadas no texto de Alfredo Bosi é “Enquanto a Tristeza não Vem”,

um depoimento de 20 min do cantor e compositor Sérgio Ricardo (1932) no qual ele

expõe sua visão acerca da história do Brasil de JK aos nossos dias, salientando,

sobretudo, os descaminhos da cultura brasileira a partir do golpe militar de 1964.

Considerando que enquanto educadores, precisamos resgatar o elo

perdido, como propõe o filme, para que encontremos um caminho que não

transforme nossos/as alunos/as em máquinas de repetição, mas em cidadãos/ãs

conscientes dos condicionantes ideológicos da cultura de massa e que, assim,

possam fazer melhores escolhas para a vida em sociedade, sugerimos, portanto,

que você proponha à turma:

1- assistir ao curta metragem observando os seguintes pontos:

- o momento histórico que o documentário mostra; - o movimento musical destacado; - as conexões com outras linguagens artísticas; - os temas polêmicos do depoimento de Sérgio;

2- discutir os pontos de observação encontrados no filme, procurando analisar a relação que existe entre a música e o contexto social, econômico e político a fim de compreender o período da Ditadura e seu impacto na música da época;

3- dividir-se em duplas a fim de pesquisarem as músicas de protesto das

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décadas de 60 e 70 e músicas atuais que também possam ser identificadas como de protesto social, trazendo para a sala para serem ouvidas/cantadas;

4- listar quais são os principais movimentos musicais da atualidade e de qual/is cultura/s são porta-voz, reunindo as informações em um mesmo cartaz;

5- reunir-se em grupos, de acordo com os movimentos citados, a fim de organizar o registro das informações e socializa-las no grande grupo.

PROPOSTA 4

Reportamo-nos agora ao primeiro texto em verso apresentado neste

material, logo após a poética e polêmica escultura “Água para o Morro”; o

consagradíssimo samba "Lata d'Água".

Composto em 1952, por Luís Antonio e Jota Júnior, apresenta, numa

linguagem poético-musical e, ao mesmo tempo, cinematográfica, um flagrante da

vida de uma lavadeira do morro, ao pé do qual havia uma bica d'água em que a

mulher, grávida, enchia sua lata e, em seguida, subia as ladeiras equilibrando a lata

na cabeça, enquanto levava uma criança pela mão. Uma cena que contrapõe a dura

realidade da favelada ao sonho de uma vida melhor no asfalto ("que acaba onde o

morro principia").

A) O texto, embora linguisticamente simples, apresenta um forte apelo

social, possibilitando explorá-lo sob vários aspectos. Para isso, sugerimos a você:

1- apresentar aos/às alunos/as a letra de Lata d'Água, em fotocópias ou em slide (TV pen-drive) e fazer a leitura do texto e, após, ouvir a música;

2- comentar sobre os autores e o contexto histórico (relacionado à formação da cidade do Rio de Janeiro) em que a modinha carnavalesca foi composta (ou solicitar que pesquisem) e em seguida analisar o texto, levando em conta tanto a sua forma (poético-musical), quanto o seu conteúdo, profundamente social;

A fim de ampliar a visão dos/as alunos/as a esse respeito, sugere-se mostrar o vídeo em que aparecem lavadeiras equilibrando latas d'água na cabeça, subindo morros cariocas num Rio de Janeiro da década de 1950 e a cantora Marlene (na voz de quem o samba fez o maior sucesso!), jovem e bela, interpretando a si mesma, em cena da época (o que em parte justifica a qualidade do vídeo), quando toma conhecimento da letra e música que a consagrariam como uma das principais cantoras do Rádio.

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3- fazer a devida contextualização espaço-temporal e a histórico-social (o

Rio/Brasil de ontem e de hoje, a mulher brasileira em 1950 e em 2010),

4- levantar conhecimentos dos/as alunos/as sobre o acesso à água pela

população brasileira em geral, na cidade de Curitiba e no bairro onde moram, no passado e no presente e qual o papel social da mulher nesse contexto;

5- estabelecer relação entre o samba e vivências dos/as alunos/as no lugar onde vivem, ou viveram na infância; levando-os/as a identificar antigas bicas, fontes, poços do bairro onde moram, colher informações e registrar lembranças,

socializando-as com os/as demais colegas;

6- propor que os/as alunos/as pesquisem outros textos (poemas, canções,

como a de título homônimo, composta por Gilberto Gil, reportagens, entrevistas, etc.) que enfoquem a realidade vivida por inúmeras mulheres, sobretudo negras, no passado e no presente de nosso país e selecionar ao menos um texto de cada

gênero para trabalhar em sala e montar um painel;

7- assistir ao curta-metragem “Vida Maria”, uma animação de 9 min que

problematiza, de forma profundamente poética e tocante, a condição de vida de muitas mulheres brasileiras, ao retratar a vida da nordestina Maria José (dos 5 aos 45 anos), a qual repassa a sua filha, Maria de Lurdes, os mesmos valores e visão de

mundo que sua mãe já lhe repassara.

8- pedir aos alunos que anotem tudo o que perceberam no filme tanto em

relação à beleza (poética) da obra quanto às questões históricas e sociais que aborda, promovendo a seguir uma discussão que leve em conta:

- as noções de tempo e as relações entre o presente e o passado, a história local (sertão nordestino castigado pela seca, onde a água não brota de fontes, mas precisa ser retirada do fundo da terra por poços artesianos que em época de estiagem secam tornando a vida ainda mais árida) e a história do Brasil;

- as vivências cotidianas dos/as alunos/as, relacionando-as às conjunturas e estruturas históricas e sociais;

- a cultura capitalista versus os valores humanistas;

- as relações de gênero e a condição feminina nos espaços urbano e rural (como por exemplo a cidade do Rio de Janeiro e o interior nordestino): e seus possíveis determinantes.

PROPOSTA 5

Cena semelhante a que inspirou os dois capitães do Exército (os quais a

caminho do trabalho passavam diariamente por um morro carioca) a comporem o

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23

samba Lata d'Água, também inspirara, oito anos antes, o artista plástico paranaense

Erbo Stenzel24 – que fixou residência no Rio por aproximadamente dez anos,

período em que aprofundou seus estudos como escultor na Escola Nacional de

Belas Artes – vindo a produzir a estátua em gesso intitulada “Água pro Morro”, com a

qual conquistou medalha de prata no L Salão Nacional de Belas Artes, em 1944.

De acordo com a pesquisadora Vera Lúcia Didonet Thomaz, a modelo da escultura foi Anita Cardoso Neves, que posava na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, quando Erbo Stenzel lá estudava e com quem ele manteve um caso amoroso que não terminou com seu retorno a Curitiba. Segundo Didonet, Anita e Erbo mantiveram uma correspondência de notável conteúdo passional (hoje de posse da pesquisadora) em que se percebe a forte relação entre os dois, com o registro do envio de quantias em dinheiro para ela, o que pode indicar uma relação que rendeu desdobramentos. E o fato de Stenzel não a trazer com ele em seu retorno a Curitiba pode ter se dado em função deste temer dificuldades de relacionamento da modelo, negra e pobre, com sua família de origem austríaca e alemã, desencadeadas por prováveis atitudes discriminatórias e de preconceito racial, o qual o próprio escultor não estaria preparado para enfrentar. Em: Revista de Sociologia Politica, nº.25, Curitiba, Nov. 2005

A) A Figura 1 é, portanto, uma fotografia da fonte “Maria Lata D'Água” (e

respectiva escultura “Água pro Morro”) que se encontra no centro da cidade de

Curitiba-Paraná. É possível, a partir dessa fotografia, realizar um trabalho

interdisciplinar, envolvendo pelo menos, além de Língua Portuguesa, as disciplinas

de Arte, História, Geografia e Sociologia, trabalhando-se, assim, tanto no nível do

horizonte de expectativas dos/as alunos/as quanto dos/as próprios/as

professores/as.

B) Se sua escola fica em Curitiba ou na Região Metropolitana, poderá

inicialmente apenas mostrar aos/às alunos/as o slide da Figura 1 e lhes perguntar

quem conhece, sabe onde está localizada, qual o nome da fonte, da escultura, quem

a esculpiu, onde, quando, a possível razão de estar naquele local, etc.,e/ou, então,

organizar uma visitação, possibilitando que algumas dessas informações sejam

colhidas in loquo.

24 (1911-1980) Desenhista, gravador, gravurista com grande virtuosismo na modelagem escultórica, além de habilidoso enxadrista paranaense. Foi professor de anatomia artística da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, a partir de 1949, e responsável principal pelo Monumento da Emancipação Política do Estado, a Praça XIX de Dezembro. A casa onde viveu foi restaurada e transportada para o Parque São Lourenço, ao lado do Atelier de Esculturas da Cidade de Curitiba, nomeada Museu Casa Erbo Stenzel, onde estão protegidos os principais documentos sobre a Praça XIX de Dezembro, e importantes informações sobre a arte, a vida e obra do artista.

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Se for de outra localidade, você poderá fazer um comentário inicial sobre

a figura e solicitar que os/as alunos pesquisem, buscando colher informações que

evidenciem o porquê da fonte em questão e respectiva escultura estarem onde

estão.

No Caderno Temático “Educando para as Relações Étnico-raciais II”,

disponível em http://www.diaadia.pr.gov.br/nerea/, há um artigo (p. 77-89) que

embora tenha como interlocutores professores de História, vale a pena ser lido por

todos/as que se preocupam com a invisibilidade negra e indígena no Paraná em

lugares de memória, como por exemplo as praças públicas. Apresenta como

sugestão de atividade um Roteiro de Visitação – Praça Pública (p.86) que você pode

aplicar ou adaptar de acordo com o que melhor convier ao trabalho que pretende

desenvolver junto à turma.

C) É importante chamar a atenção dos/das alunos/as para o fato de que

estão presentes na imagem vários elementos, como uma fonte, uma escultura de

uma afrodescendente (poderia representar uma escrava?) com uma lata d'água na

cabeça, de costas para o atual Paço da Liberdade. No entanto, no monolito sobre o

qual se assenta a escultura, há uma única placa de bronze (pouco legível na foto)

em que se encontra apenas uma homenagem a quem a esculpiu, com os seguintes

dizeres:

MARIA LATA D'ÁGUA/ Fonte edificada pela/ Cidade de CURITIBA/ em maio de 1996,/ para celebrar a memória/ do escultor local ERBO STENZEL/ 1911-1980/ RAFAEL GRECA DE MACEDO/ Prefeito

A escultura está voltada para uma estrutura de ferro em arco (como se

estivesse caminhando em direção ao pelourinho), diante da qual, embora haja outra

placa identificando-a como uma alusão às Arcadas do Pelourinho, seguida das

inscrições: “Símbolo de opressão” e “'a cidade é eterna quando sua memória

permanece' Greca”, nenhuma menção se faz (na mesma placa ou em qualquer

outra) à presença da escravidão em nosso Estado – ou à importante contribuição

dos afrodescentes enquanto “agentes da riqueza colonial, individual e política, e

elemento formador da nossa nacionalidade”, como afirma o historiador Romário

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Martins em sua obra História do Paraná (1995, p. 152) – ratificando, com isso a

invisibilidade da população negra em Curitiba, sobretudo a mulher.

A seguir, tendo por base a abordagem do discurso como prática social,

você poderá propor à turma a leitura dos textos: MANIFESTO DOS HERDEIROS DA

MEMÓRIA DE JOÃO CÂNDIDO AO PREFEITO LUCIANO DUCCI, redigido por

Adegmar José da Silva Candiero, do Centro Cultural Humaita, de Curitiba/PR e

INVISIBILIDADE, PRECONCEITO E VIOLÊNCIA RACIAL EM CURITIBA, artigo

escrito por Pedro Bodê e Marcilene Garcia de Souza, da Universidade Federal do

Paraná e, após ampla discussão, solicitar aos/as alunos/as que:

- produzam um texto em verso assumindo o eu lírico, ou poético, da fonte ou da mulher (o que este eu teria a dizer?);

- elaborem um documento (ofício ou manifesto) dirigido às autoridades, com objetivo de que sejam tomadas providências no sentido de se corrigir uma dívida histórica de nossa cidade para com a população afrodescente;

- criem individual e/ou coletivamente uma placa que poderia/á vir a ser afixada na parte da frente do monolito que serve de base à escultura Água para o Morro;

- tomando por base o texto OS ESTATUTOS DO HOMEM, de Thiago de Melo, recriem-no criativamente, tendo como foco a temática em questão e o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) ;

D) Ainda no contexto da poética urbana, no que diz respeito à

visibilidade/invisibilidade do negro e do indígena como elementos ativos e partícipes

do processo de construção de nosso Estado, também se encontra a apenas

algumas quadras da escultura “Água pro Morro”, na praça Dezenove de Dezembro,

quatro outras obras desse mesmo artista, cuja autoria divide com o colega Humberto

Cozzo, que as executou. São elas: as “polêmicas” estátuas do Homem Nu e da

Mulher Nua (alguns atribuem a autoria da mulher apenas a Cozzo); esta

representando a Justiça, aquele o Estado do Paraná, olhando em direção ao futuro;

um obelisco de pedra em homenagem aos cem anos da emancipação política do

Estado e um painel de granito em alto relevo em cujo verso encontra-se também um

painel de azulejos de outro artista paranaense, Poty Lazzarotto (ambos retratando

episódios importantes da história do Paraná).

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Você pode integrar a referida praça ao Roteiro de Visitação ou solicitar

aos/às alunos/as que pesquisem a respeito das obras citadas, pois há fatos curiosos

que envolvem a detratação do homem nu e da mulher nua, revelando o espírito

conservador, provinciano e extremamente preconceituoso de seus detratores.

Quanto à estátua da mulher, foi projetada para ser instalada em frente ao

Tribunal de Justiça, no entanto não foi aceita por ser “uma justiça sem venda nos

olhos nem balança” e, sobretudo, por estar nua (que pouca vergonha!), ficando por

vinte anos “escondida” atrás do Palácio Iguaçu.

Já quanto à do homem, a polêmica maior não foi sua nudez, mas sim

seus traços africanos, pois, segundo críticos da época, tendo sido idealizada para

representar o “homem paranaense”, não deveria apresentar essas características,

uma vez que o movimento paranista25, algumas décadas antes, já havia removido a

contribuição africana da constituição do paranaense, que, para os integrantes do

referido movimento, seria apenas o resultado da fusão das „raças‟ portuguesa e

indígena.

Daí, certamente, o porquê de alguns jornais da época, como O Dia,

apresentar declarações de "autoridades" e intelectuais, unidos na condenação do

"monstro de granito", do "Taradão" ou da "obcenidade", como a bombástica

afirmação do historiador David Carneiro, de orientação positivista, de que “aquilo

não representa coisa nenhuma. Não tem expressão. Não significa coisa alguma, e

muito menos o adolescente, ou o homem deste Paraná dolicocéfalo, loiro e belo. Um

simples bloco de granito nos representaria melhor” e a razão de um autor, que

assinava Ariel, afirmar a "má sorte do pobre MONSTRO de granito, que aliás não é

culpado da absurdidade daquela interpretação inchada e atarracada da esbelteza

apolínea da mocidade do Paraná!" (ARIEL, 1955a; 1955b) e, ainda,

Tal fato explica, por certo, algumas das principais razões da invisibilidade

dos afrodescendentes em nosso Estado e revela que por trás de uma aparente

objetividade, se esconde uma intrincada rede de relações políticas, estéticas e

ideológicas.

25 Movimento artístico e intelectual do início do século XX empenhado na construção de um imaginário tipicamente paranaense, adotando a figura do pinheiro/pinhão como seu principal simbolo.

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PROPOSTA 6

A Figura 3 é uma tela pintada por Heitor dos Prazeres (que abaixo

aparece em seu ateliê) e retrata uma roda de samba diante dos Arcos da Lapa

(antigo aqueduto que levava água à Fonte da Carioca, chafariz que distribuía água à

população), tendo como figura central um Pierrô, personagem alegórica do carnaval

a qual, ao lado da Colombina e do Arlequim, representa a ludicidade e a vazão das

emoções humanas (por vezes contraditórias).

Enquanto a escultura Água pro Morro tematiza o “trabalho” (uma vez que

a identidade profissional de muitas mulheres “do morro” era a de lavadeiras) de uma

afrodescendente, ou seja, o seu negócio (o que nega o ócio), esta tela retrata um

momento de “descontração, congraçamento” e de puro ócio de que participam,

juntos, homens e mulheres de todos os tons de pele, caracterizando, portanto, o

samba como uma manifestação do povo, profundamente democrática.

A) Com base nessas duas obras, você pode propor à turma a discussão

dos seguintes temas:

1- a participação das mulheres brasileiras no mercado de trabalho nos últimos 50 anos e a luta das mulheres negras por direitos e oportunidades e combate ao preconceito;

2- a importância do trabalho (negócio) e do lazer saudável (ócio criativo) para a vida das pessoas;

3- o papel do samba (enquanto música popular) e do carnaval (enquanto legítima manifestação do povo) na construção da identidade brasileira.

Para tanto, sugerimos que você proponha aos/às aluno/as que:

- entrevistem mulheres de gerações anteriores (mãe, avó), buscando levantar informações sobre a idade em que começaram a trabalhar, os motivos, as funções desempenhadas, etc;

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- falem de suas próprias vidas; qual o trabalho que realizam ou gostariam de realizar (e por quê?), quantas horas diárias trabalham, qual(is) sua(s) atividade(s) de lazer preferida(s), realizam com frequência? Se não, o que os/as impede de realizá-las?;

- narrem por escrito um fato engraçado, curioso ou triste que tenham vivenciado em determinado dia de carnaval;

- procurem lembrar-se dos carnavais e das marchas carnavalescas da infância, registrem as letras no caderno, socializem-nas e, por fim, pesquisem sambas ou sambas-enredo que tematizem a mulher, o/a indígena, a escravidão, a vida de artistas, escritores/as, heroínas e heróis negros da história brasileira.

Aqui, buscamos destacar a vida e a obra de Heitor dos Prazeres – artista

afro-brasileiro nascido em 1898, uma década após a abolição da escravatura – em

função de sua importante contribuição à arte e cultura popular brasileira, pois

graças a sua participação na 1ª e 2ª Bienal Internacional de São Paulo, no início da

década de 1950, o Brasil projetou internacionalmente a “arte naif”, ou primitiva,

brasileira; uma arte simples, pura, autêntica e que não exige prévios conhecimentos

intelectuais e artísticos para ser compreendida, pois chega direto ao coração e toca

nossa alma sem subterfúgios, somente ultrapassando o filtro de nossas emoções.

Mas como revela o próprio título da exposição realizada em 2003 no

Museu Nacional de Belas Artes “As Três Artes de Heitor dos Prazeres”, não foi só na

pintura que ele se destacou. Pintor, compositor, instrumentista (tocava cavaquinho,

tendo publicado um método para aprendizado desse instrumento), no período de

1937 a 1946, trabalhou em rádios do Rio de Janeiro, ingressando como ritmista na

Rádio Nacional, em 1943. Torna-se, a partir daí, um artista destacado como

compositor, instrumentista e letrista de música popular brasileira, tendo como

parceiros, dentre outros, Cartola, Herivelto Martins, Sinhô, Nelson Gonçalves e Noel

Rosa, com quem compôs Pierrô Apaixonado, um exemplo de síntese e simplicidade.

Pierrô Apaixonado

Um Pierrô apaixonado Que vivia só cantando Por causa de uma Colombina Acabou chorando, acabou chorando

A Colombina entrou no botequim Bebeu, bebeu, saiu assim, assim Dizendo: "Pierrô, cacete! Vai tomar sorvete com o Arlequim!"

Um grande amor tem sempre um triste fim Com o Pierrô aconteceu assim Levando esse grande chute Foi tomar vermute com amendoim

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Na realidade, essa marcha foi inteiramente composta por Heitor dos

Prazeres e ao mostrá-la ao amigo Noel este considerou o final meio pesado,

sugerindo a Heitor que modificasse os dois últimos versos, substituindo “Depois de

tanta desgraça” por "Levando esse grande chute” e “Ele pegou a taça e começou a

rir” por “Foi tomar vermute com amendoim". Certamente um feliz palpite, pois a

marchinha fez o maior sucesso não só no Carnaval de 1936, como até hoje.

No sítio http://www.heitordosprazeres.com.br há várias outras informações importantes sobre a vida e obra desse artista afrodescendente múltiplo e singular.

B) Sugerimos apresentar aos/às alunos/as a letra de Pierrô Apaixonado e

o vídeo em que Heitorzinho dos Prazeres canta as composições do pai e, em

seguida, o documentário realizado por Antônio Carlos Fontoura em 1965, em que

Heitor mostra suas três artes (composição, canção e pintura), nas quais tematiza

seu povo, sua gente, seu lugar, relatando a importância do povo e da terra de origem

para o artista popular. Prazeres revela também neste vídeo que foi muita coisa antes

de se consolidar artista, mas principalmente vitorioso e "pioneiro em todas as

atividades às quais se dedicou", sequer sabendo ele que sua obra (desde suas

criações musicais às plásticas) teria o lugar de destaque que hoje ocupa em nossa

história cultural.

A escolha do documentário sobre a vida e a obra de Heitor dos Prazeres

possibilita, portanto:

- compreender o desenvolvimento da vida humana como processo dinâmico;

- refletir sobre a importância do nome e as “raízes” de cada um;

- tecer um fio condutor para se pensar consumo e trabalho;

- identificar a diversidade existente nas relações de trabalho, suas transformações e permanências ao longo do processo histórico humano.

Mas para que esses objetivos possam ser plenamente atingidos,

propomos que você, após a apresentação do documentário à turma, realize as seguintes atividades:

1- conversa sobre as circunstâncias do nascimento e vida de Heitor dos Prazeres (levando em conta o período em que viveu, o local, a sociedade de então);

2- fruição: apreciação das quatro obras sugeridas, levando a turma a refletir sobre o motivo pelo qual Heitor era considerado o pintor dos morros cariocas, das serestas, dos carnavais e "dos prazeres" e um artista naif ou primitivo;

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3- momento de criação, em que os/as alunos/as deverão expressar individualmente seus próprios ambientes, por meio de construções artísticas e/ou literárias: desenho, colagem, poema, música, dança... Para essa atividade pode-se dividir a turma em três grupos, a fim de apresentarem “as três artes” nas quais a turma se destaca;

4- momento de pesquisa: se possível, levar os/as alunos/as ao laboratório de informática para acessarem o site oficial do artista ou outros semelhantes a fim de conhecerem outras obras de Heitor dentro das "Três Artes";

5- socialização das descobertas e criações de cada um e comentários/orientações do/a professor/a.

PROPOSTA 7

É importante ressaltar, no entanto, que em se tratando especificamente

da “arte literária em verso”, a construção de uma identidade negra por meio da

palavra, revelando visão de mundo e valores intrinsecamente afro-brasileiros,

embora tenha no poeta e líder abolicionista Luís Gama (1830-1882) seu precursor,

será evidenciada só em meados da década de 1940, a partir da produção poética de

Solano Trindade26, provavelmente o mais importante poeta negro brasileiro. Na obra

desse autor, evidenciam-se as principais características da criação poética negra

brasileira, sendo possível perceber quase que uma “obsessão” pela reconstituição

histórica numa perspectiva de “exposição” da história não-oficial.

A recorrência à revisão histórica como matéria poética, promovida pela

literatura negra, além de profundamente coerente com a prática de inversão de

signos negativos, constitui-se um excelente meio de reelaborar visões de mundo

distorcidas pelo status quo racista.

Assim, recontar criticamente a história dos negros afigura-se como um

dos procedimentos relevantes e recorrentes na literatura afro-brasileira, como se

pode observar nesses dois poemas de Solano Trindade, disponíveis em

http://www.quilombhoje.com.br/solanotrindade.htm:

26 poeta, escritor, teatrólogo, ator, pintor e pesquisador de tradições populares, nascido em 1908, no Recife, e

falecido em 1974, no Rio de Janeiro. Ciente de que tinha a missão não só de fazer poesia, mas de atuar como intelectual que busca interferir na vida sociocultural de seu tempo, participou de uma série de atividades dos movimentos negros e da cultura brasileira, desde a década de 1930, como do Teatro Experimental do Negro.

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NAVIO NEGREIRO Lá vem o navio negreiro

Lá vem ele sobre o mar

Lá vem o navio negreiro

Vamos minha gente olhar...

Lá vem o navio negreiro

Por água brasiliana

Lá vem o navio negreiro

Trazendo carga humana...

Lá vem o navio negreiro

Cheio de melancolia

Lá vem o navio negreiro

Cheinho de poesia...

Lá vem o navio negreiro

Com carga de resistência

Lá vem o navio negreiro

Cheinho de inteligência...

SOU NEGRO

A Dione Silva

Sou Negro meus avós foram queimados pelo sol da África minh'alma recebeu o batismo dos tambores atabaques, gonguês e agogôs contaram-me que meus avós vieram de Loanda como mercadoria de baixo preço plantaram cana pro senhor do engenho novo e fundaram o primeiro Maracatu

Depois meu avô brigou como um danado nas terras de Zumbi Era valente como quê Na capoeira ou na faca escreveu não leu o pau comeu Não foi um pai João humilde e manso Mesmo vovó não foi de brincadeira Na guerra dos Malês ela se destacou

Na minh'alma ficou o samba o batuque o bamboleio e o desejo de libertação

A) Sugerimos que você proponha à turma a leitura dos poemas acima, de

Solano Trindade e de “Vozes d’África”, e “Navio Negreiro”, de Castro Alves (este

último musicado por Caetano Veloso) e proceda à análise dos textos desses dois

poetas, levando em conta tanto a linguagem, em termos vocabular e estilístico,

quanto o plano discursivo dos referidos autores.

Um importante subsídio teórico a essa questão, de uma estilística e um

conteúdo que traduza da maneira mais fiel possível as “vozes afro-brasileiras” é o

texto monográfico “O Canto Afro de Solano Trindade: a poesia negra como

instrumento revelador da identidade nacional”, de Tânia Lima Barrada, que se

encontra em Textos de Apoio, no CD que acompanha este material.

Em se tratando ainda dos poemas “Navio Negreiro” e “Sou Negro”, de

Solano é importante destacar que em ambos a África é o ponto de partida de um

processo histórico pontuado por símbolos de resistência, e a tradição oral africana

elemento fundamental do resgate histórico na poesia desse autor, pois é por meio

dela que o sujeito poético conscientiza-se da importância e do significado de sua

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própria história, reconhecendo sua passagem de objeto a sujeito histórico.

Podemos, ainda, tentar refletir sobre a construção de uma tradição lite-

rária negra brasileira apoiada sobre a ligação entre poesia e música pela análise dos

aspectos formais da obra poética de Solano Trindade, profundamente enraizada na

música popular brasileira, bem como tecer reflexões sobre a literatura negra

brasileira e sua relação com outras literaturas nacionais, como a de autoria feminina,

a qual também se coloca contra a corrente dos modelos estéticos

institucionalizados, lutando contra o pouco caso das instâncias de legitimação, que,

preconceituosamente, consideram perda de tempo estudar a escritura feminina –

sobretudo se se trata de poesia – apesar dela, assim como a literatura produzida por

afro-brasileiros, existir e continuar existindo.

B) E, nesse sentido, com o intuito de promover a “insurreição dos

saberes” contra as hierarquias consagradas, é bastante pertinente solicitar aos/às

alunos/as que:

1- pesquisem e tragam para a sala, além de mais informações sobre a biografia desse autor, outros poemas de Solano Trindade (muitos dos quais musicados), para serem lidos, analisados e discutidos pela turma, como o “Mulher Barriguda”, musicado por João Ricardo e gravado na década de 1970 pelo grupo Secos e Molhados.

Mulher barriguda

Que vai ter menino

Qual é o destino

Que ele vai ter

Que será ele

Quando crescer...

Haverá „inda guerra?

Tomara que não

Mulher barriguda

Tomara que não...

Obra: Os filhos cantam para nascer

Artista: Mauro Andrioli

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2- pesquisem sobre a vida e a obra de outros/as escritores/as negros/as brasileiros/as, que não integram os cânones literários e, portanto, não fazem parte das cenas acadêmicas cotidianas, como: Luís Gama, Lino Guedes, Narcisa Amália, Maria Firmina dos Reis, Abdias do Nascimento, Oliveira Silveira (idealizador do 20 de novembro como o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra – dia sobre o qual também será oportuno os/as alunos pesquisarem), Lélia Gonzáles, Maria Beatriz Nascimento, Miriam Alves, Conceição Evaristo, e outros/as intelectuais negros/as que atuaram ou atuam na vida cultural brasileira, alterando imagens, lugares e saberes instituídos e apontando com isso para o abalo da autoridade de certos discursos e para a produção de outros espaços de significação que se configuram como desvios das redes oficiais, deslocando sentidos e revertendo valores consagrados, como bem exemplifica o poema “Vozes Mulheres” (in: Cadernos Negros nº13), de Conceição Evaristo, cujos versos enfatizam a necessidade do eu poético de falar por si e pelos seus, revelando um sujeito de enunciação, ao mesmo tempo individual e coletivo, que se volta à construção de uma imagem do povo negro avessa aos estereótipos e empenhada em não deixar esquecer o passado de sofrimentos, mas, igualmente, de resistência à opressão.

Vozes Mulheres

Conceição Evaristo

A voz de minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. Ecoou lamentos de uma infância perdida.

A voz de minha avó ecoou obediência aos brancos - donos de tudo.

A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta no fundo das cozinhas alheias debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado rumo à favela.

A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome.

A voz de minha filha recolhe todas as nossas vozes recolhe em si as vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas.

A voz de minha filha reconhece em si a fala e o ato o ontem, o hoje e o agora na voz de minha filha se fará ouvir a ressonância o eco da vida-liberdade

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E é essa presença do passado ancestral como referência para

as demandas do presente, a qual confere à escrita dos afrodescendentes uma

dimensão histórica e política específica, que possibilita à crítica literária começar a

admitir a existência de uma literatura afro-brasileira ou negra no Brasil.

PROPOSTA 8

O poema “Epigrama nº 7” é de uma das poetas mais estudadas no Brasil

na atualidade, sendo a sua obra objeto de inúmeras teses e dissertações. O motivo?

Encontra-se sintetizado no próprio poema escolhido para integrar esta Unidade,

dentre os muitos com que Cecília Meireles (1901-1964) nos brindou.

Ao estabelecer uma visão dual entre os anseios que distinguem um eu

lírico notadamente feminino, daqueles que representam as conquistas e valores

humanos masculinos, não ligados à poesia, Cecília revela nesse poema a existência

de dois estados de ser; um prosaico, ligado aos valores que se encontram na base

das conquistas materiais (querer ter a terra, o céu, o mar) e outro poético, revelador

de outra possibilidade de ser e estar no mundo, que é a de viver a partir de uma

perspectiva espiritual (uma delícia obscura), a qual ao nos possibilitar viver o estado

poético evita que o estado prosaico engula nossas vidas, tecidas de prosa e poesia.

EPIGRAMA N° 7

Cecília Meireles

A TUA RAÇA27 de aventura quis ter a terra, o céu, o mar Na minha, há uma delícia obscura em não querer, em não ganhar.

A tua raça quer partir guerrear, sofrer, vencer, voltar A minha, não quer ir nem vir.

“O poeta será o unificador dos destinos, A minha raça quer passar

o construtor da solidariedade universal.”

27

O conceito de RAÇA, segundo o Dicionário Aurélio (1986:1442), é de um “conjunto de indivíduos cujos caracteres somáticos, tais como cor da pele, a conformação do crânio e do rosto, o tipo de cabelo, etc., são semelhantes e se transmitem por hereditariedade, embora variem de indivíduo para indivíduo”. De acordo com a filosofia Bahá‟i, a expressão raça pode também ser usada para designar qualquer agregado de pessoas que podem ser identificadas como pertencentes a um grupo; pessoas que possuem os mesmos ancestrais, ou compartilham das mesmas crenças ou valores, mesma linguagem ou qualquer outro traço social ou cultural.

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A) Observe que esse poema de Cecília Meireles se encontra disposto logo abaixo

da tela “Samba nos Arcos da Lapa”, do pintor e poeta Heitor dos Prazeres, onde há

homens e mulheres “passistas”, num clima de aparente alegria e descontração.

Nesse contexto, embora o poema tenha como sujeito enunciador um eu lírico

feminino, o qual se caracteriza por uma dimensão individual (a mulher buscando sua

imagem) não se exclui sua função de porta-voz de uma experiência de dimensão

coletiva, no campo das reivindicações de caráter libertador.

Assim, sugerimos que você proponha aos/às alunos/as que analisem e

discutam o referido poema levando em conta os seguintes aspectos:

- a provável intenção de a autora grafar a expressão “A TUA RAÇA” em caracteres maiúsculos;

- o significado da palavra “raça” no âmbito do texto (sentido literal/denotativo ou figurado/conotativo), considerando-se as especificidades do eu lírico, e respectiva autoria;

- quem/quais foram/são as “raças” aventureiras que quiseram/querem “ter a terra, o céu, o mar”/ “partir, guerrear, sofrer, vencer, voltar”;

- a proposição do eu lírico de sua própria concepção da realidade, onde a

expressão “há uma delícia obscura/em não querer, em não ganhar” conota um estado de prazer abstrato nos elementos que negam aquilo que move seu oponente.

- os reais anseios do eu lírico, que não estão associados a esse mundo, onde as circunstâncias do “ir” e do “vir” por meio da expressão “não quer” renegam qualquer tipo de ação que implique deslocamento geográfico de um espaço ao outro;

- o fato de o último verso ser o único em que o sujeito lírico deixa de utilizar negativas para afirmar definitivamente sua única intenção, por meio do verbo “passar” (o qual possui uma grafia diferenciada), como a expressar a palavra final numa contenda discursiva.

B) Embora os grupos definidos como “raças” nesse poema não reflitam

uma distinção étnica, mas sim ideológica, visto que seu ponto de contradição não

está no “ser”, e sim no âmbito do “querer”, configurando desejos e anseios que se

contrapõem; nada impede que se pense sobre o texto em perspectiva dialógica,

estabelecendo-se uma possível (e plausível) relação com a imagem da tela que o

antecede. Com base nessa possibilidade, você poderá propor à turma que:

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- imaginando que o eu lírico seja o Pierrô, partindo, portanto, dele as palavras do poema, analise o poema, considerando quais aspectos sofrerão alteração e quais não sofrerão, mantendo a mesma possibilidade de análise.

C) Além deste, os demais poemas intitulados Epigramas, num total de

doze, que se encontram no livro Viagem (1939), destacam-se por serem

construções bastante sucintas na forma, mas que revelam toda a consciência

técnica e estética no trabalho que Cecília tem com as palavras. Neles se verificam

traços de meta-poesia, de musicalidade, bem como da dimensionalidade espaço-

temporal nas suas inúmeras possibilidades temáticas, o que revela que a autora

trilha um caminho completamente independente em relação às escolas e tradições

da poesia brasileira de seu tempo. Diante da relevância dos textos epigramáticos

que compõem Viagem, representando as opiniões e pontos de vista da própria

autora acerca da poesia e da vida, sugerimos a você:

- dividir a turma em doze grupos, sortear entre os/as alunos/as os demais poemas da série Epigramas (nºs 1, 2, 3, 4, 5, 6, 8, 9 10, 11, 12, 13) e pedir-lhes que os pesquisem e analisem-nos, socializando, em seguida a análise com a turma.

D) Mas como nem só de epigramas a obra dessa autora se faz; muito

pelo contrário, estes representam uma minúscula parte de sua vasta e riquíssima

produção, será bastante conveniente buscar ampliar o conhecimento e visão dos/as

alunos/as acerca da quantidade e qualidade dos poemas cecilianos, pois embora

Cecília Meireles nunca tenha tido a pretensão de erguer a bandeira da mulher como

sua causa, isso não impediu que a sua obra primasse em tudo por aquilo que se

entende por feminilidade: pela delicadeza dos temas, pela musicalidade e pelas

nuances rítmicas, pela leveza de traços e sobretudo pela suave ambiência que

perpassa o seu lirismo personalíssimo, quase sempre de inspiração popular e

folclórica; o que contribuiu para que seus poemas há muito marquem presença em

cartilhas da educação infantil e manuais didáticos do ensino fundamental.

Desse modo, sugerimos a você apresentar na TV pen-drive a biografia de

Cecília Meireles, o poema Retrato declamado por Paulo Autran e em seguida na

própria voz de Cecília (seguido de análise) e o poema Motivo, adaptado e musicado

por Fagner; e, após, solicitar aos/às alunas que:

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1- pesquisem e tragam para a sala outros poemas considerados “infantis”, como: COLAR DE CAROLINA, O CAVALINHO BRANCO, LEILÃO DE JARDIM, O MOSQUITO ESCREVE, SONHOS DA MENINA, O MENINO AZUL, OU ISTO OU AQUILO, MOTIVO, CANÇÃO

MÍNIMA, ETC., ou algum poema de que se lembrem fazer parte de suas vidas na infância, para serem não só lidos como ilustrados. (Para tanto pode-se propor a confecção de painéis em papel A3);

2- pesquisem outros poemas da autora, que podem ser tanto do próprio livro Viagem – cuja beleza dos poemas conferiu à Cecília um grande reconhecimento por parte dos leitores e dos acadêmicos da área de literatura, vindo a ganhar com essa obra o Prêmio de Poesia da Academia Brasileira de Letras – quanto de outras obras, e analisem cada poema em duplas, levando-se em conta não só a temática como o aspecto formal e estrutural do texto: a metrificação, as rimas, as figuras de linguagem, etc.;

3- procedam à leitura de “Romanceiro28 da Inconfidência” (texto disponível para impressão), assistam aos filmes “Os Inconfidentes”, de Joaquim Pedro de Andrade e “Vinho de Rosas”, de Elza Cataldo, e realizem um estudo, seguido de discussão, que tenha como um dos principais focos a questão da negritude, do gênero e da identidade nas representações das personagens femininas, como Bárbara Eliodora, “Marília”, D. Maria (a rainha), etc. e negras, como Chico Rei, Chica da Silva e Santa Ifigênia. Sugere-se que esse estudo seja desenvolvido por meio da análise dos ideais e do contexto da Inconfidência Mineira perante a escravidão negra e do discurso da questão da negritude e da alteridade, com vistas a verificar, na obra em questão, a ressignificação dos discursos outrora silenciados;

4- realizem um jogral ou usem da criatividade no intuito de representar dramaticamente o Romanceiro da Inconfidência.

A dissertação de mestrado intitulada “As Personagens Negras no Romanceiro da Inconfidência: uma escritura inclusiva”, de Adalgimar Gomes Gonçalves, da UFMG é um texto bastante interessante (para ser lido pelo/a professor/a), pois aborda com muita propriedade o trabalho de Cecília Meireles no âmbito das questões de gênero e identidade étnico-racial na referida obra.

Esclarecemos que a escolha de “O Romanceiro da Inconfidência”, para a

culminância do trabalho com a poesia ceciliana se dá em função de se tratar de uma

obra que revela uma segunda vertente da poesia dessa autora, a de pendor popular

e temática profundamente social. Fruto de longa pesquisa histórica por parte da

autora, o Romanceiro, de 1953, confere à poesia de Cecília uma nova dimensão,

28 O gênero romanceiro é uma coleção de poesias ou canções de caráter popular. De tradição ibérica,

surgiu na Idade Média e é, em geral, uma narrativa com um tema central. Cada parte tem o nome de romance – que não deve ser confundido com a denominação do atual gênero em prosa.

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ganhando vigor com esse trabalho não só a autora poeta como também a

pesquisadora dos Autos da Devassa, estudiosa do folclore brasileiro, e professora.

É um texto que evoca a luta pela liberdade no Brasil do século XVIII e a

construção do retrato nacional do país em momento de crise e de luta por meio de

uma hábil síntese entre o dramático, o épico e o lírico, fazendo um retrato da

sociedade de Minas Gerais do século XVIII, principalmente das personagens

envolvidas na Inconfidência Mineira, abortada pela traição de Joaquim Silvério dos

Reis, o que culminou na execução de Tiradentes.

Sem aprofundadas reflexões filosóficas, mas com muita sensibilidade e

cultivando um lirismo de tradição medieval, a autora dá, nessa obra, uma visão mais

humana dos protagonistas daquele que foi o primeiro grande movimento de

insurreição contra a coroa portuguesa e em direção à emancipação do Brasil: a

Inconfidência Mineira.

Tematicamente, a obra aborda a descoberta do ouro, o início de uma

nova configuração social com a chegada dos mineradores e toda a estrutura

formada para atendê-los, os costumes, os “causos”, como o da donzela morta por

uma punhalada desferida pelo próprio pai (Romance IV), ou os cantos dos negros

durante o serviço de catar ouro (VII), o folclore, a história do contratador João

Fernandes e de sua amante Chica da Silva e o alerta sobre a traição do Conde de

Valadares (XIII a XIX). A ênfase recai na cobiça do ouro, que torna as pessoas

inescrupulosas.

Numa alusão direta ao neoclassicismo brasileiro, com seus principais

poetas e suas pastoras: Glauceste Satúrnio e Nise, Dirceu e Marília, Vila Rica é o

“país das Arcádias”. E no Romance XXI, as primeiras ideias de liberdade começam a

circular; enquanto que a partir do Romance XXIV, a insatisfação, a revolta contra a

corte portuguesa é explicitada com a confecção de uma bandeira (Libertas quae

sera tamen). Do XXVII ao XLVII, há a atuação do alferes Joaquim José da Silva

Xavier, o Tiradentes, que procurava atrair mais gente para a conspiração, em longas

cavalgadas pela estrada que levava ao Rio.

Contudo, os planos são abortados antes de serem efetivamente postos

em prática por causa dos delatores, principalmente Joaquim Silvério dos Reis

(XXVIII); seguindo-se uma devassa completa, prisões, confisco de bens, falsos

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testemunhos, a morte de Cláudio Manuel da Costa, o Glauceste Satúrnio, sob

condições misteriosas (XLIX), a execução de Tiradentes, antecipada na fala do

carcereiro (LII) e explicitada nos romances LVI a LXIII. Após um período como

magistrado, Tomás Antônio Gonzaga, o Dirceu, é também preso, julgado e

condenado ao exílio em Moçambique (LIV e LV). Lá, longe de sua ex-noiva e agora

inconsolada Maria Dorotéia Joaquina de Seixas, a Marília (LXXIII), casa-se com

Juliana de Mascarenhas (LXXI).

Os romances finais falam do poeta Alvarenga Peixoto, sua esposa,

Bárbara Eliodora29 e sua filha, Maria Ifigênia (LXXV a LXXX); o retrato de Marília

idosa; lamentos pela calamidade mineira; e a loucura e morte de D. Maria I (LXXXII

e LXXXIII), sendo a obra concluída com a fala aos Inconfidentes mortos.

Um dos romances mais significativos, o XXIV, relaciona o ato da

confecção da bandeira dos Inconfidentes com todo o movimento que eles

preparavam em Ouro Preto tendo em vista a libertação do Brasil dos grilhões de

Portugal.

Cecília Meireles evidencia por meio da integração dessa importante obra

histórico-literária ao conjunto de sua produção, ser, além de uma escritora singular,

alguém que trilha um caminho completamente independente em relação às escolas

e tradições da poesia brasileira de seu tempo. E embora nunca tenha tido a

pretensão de erguer a bandeira da mulher como sua causa, isso não impediu que a

sua obra primasse em tudo por aquilo que se entende por escritura feminina: aquela

em que a mulher, ao mesmo tempo em que busca expressar sua imagem e afirmar

sua identidade pelas nuances rítmicas e pela singularidade dos traços de sua

escrita, não abre mão da experiência de dimensão coletiva, de inspiração popular

e/ou folclórica, atuando também no campo político das reivindicações de caráter

libertador e, assim, conquistando um espaço até então iminentemente masculino.

É, portanto, uma mulher que conquistou posição de destaque na

historiografia literária brasileira, como grande poeta de nossas letras, pela alta

qualidade de suas obras – as quais deixaram um legado de grande apuro técnico e

sensibilidade artística – e por sua profunda identidade poética; marcando a história

29

(1758-1889) Ativista política, mineradora, poeta e uma das mais importantes mulheres intelectuais do Movimento da Inconfidência.

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de nossa poesia no século XX com um tom profundamente feminino, pois nos revela

poema a poema a inteligência sensível de uma mulher que por meio de sua aguda

percepção lírica apresenta a possibilidade de ressignificação do mundo por meio da

palavra, ratificando a ideia de que a arte e a vida encontram-se permanentemente

ligadas entre si por teias invisíveis, capazes de entretecer as vidas de poesia.

ADENDO 1

Embora nos livros didáticos de literatura brasileira o nome de Bárbara

Eliodora (1758-1889) não figure dentre os dos poetas árcades, nem dentre os

nomes dos Inconfidentes, ao pesquisarmos estudos que tratam da literatura de

autoria feminina no Brasil, como o “Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras”, de

Nelly Novaes Coelho, verificamos que o nome de Bárbara (H)Eliodora Guilhermina

da Silveira figura como o da segunda mulher poeta brasileira, uma vez que a

“primeira voz feminina a se expressar na poesia brasileira”, de acordo com Novaes

(2002), é a de Ângela do Amaral Rangel (1725- ?).

Bárbara Eliodora nasceu em São João Del Rei, Minas Gerais, em fins de

1758 e, para sua época, era considerada uma mulher bastante ousada, pois aos

vinte anos se apaixonou pelo poeta Alvarenga Peixoto, nascendo dessa paixão

Maria Ifigênia; filha a qual tiveram antes do casamento. Outro fato que destaca sua

arrojada personalidade é o de, mesmo depois de casada (o que viria a acontecer

quando Ifigênia já se encontrava com três anos de idade), fazer questão de

continuar com seu nome de solteira.

Culta e revolucionária, Bárbara não foi apenas mulher de um dos

Inconfidentes, Alvarenga Peixoto30; participou ativamente do movimento agindo com

coragem e fibra, tanto ao lado do marido, impedindo-o de ser mais um dentre os

delatores, quanto após a morte deste, quando, embora discriminada por grande

parte da sociedade da época por seu arrojo e ousadia mediante a coroa portuguesa,

30 De acordo com registros históricos, em 1789, época da Conjuração Mineira, Alvarenga Peixoto foi

preso e arrastado de São João Del Rei ao Rio de Janeiro, sendo dali levado para a fortaleza da Ilha das Cobras e, depois, mandado para África, onde veio a falecer.

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passa a administrar os negócios da família e a cuidar da educação dos, então31,

quatro filhos que tivera com Alvarenga, com quem consta ter tido uma relação

marcada pela harmonia e companheirismo, embora o casamento tenha durado

apenas dez anos.

Conclui-se, portanto, que a mulher, ativista, mãe e poeta Bárbara Eliodora

foi uma figura feminina de grande expressão na Inconfidência Mineira – embora por

muito tempo, quando retratada em livros de história, aparecesse como demente,

louca (pois foi necessário que o governo português assim a declarasse a fim de

“legitimamente” confiscar seus bens).

É importante destacar aqui que o resgate da verdadeira história de vida

dessa mulher – cuja produção literária é, sem dúvida, bastante reduzida, uma vez

que viveu num espaço e tempo (Minas Gerais, século XVIII) em que o ofício de

poeta era competência exclusiva de homens e que mesmo as senhoras mais ricas

da sociedade eram em sua maioria analfabetas – se deve a pessoas que se

recusaram a reproduzir informações de uma história na qual por longos anos as

mulheres foram relegadas ao papel de coadjuvantes, sem vez nem voz, como Nelly

Novaes, a professora Zahidé Muzart (UFSC), e seu grupo de trabalho “Mulher na

Literatura”, e os escritores Aureliano Leite, autor de “A Vida Heroica de Bárbara

Heliodora”, e Enrique Rodriguez Fabregat (escritor uruguaio), que coloca Bárbara

Eliodora entre as mães da epopeia do Novo Mundo, como demonstra neste texto:

…e esta outra, também de sua carne vem, grande e profética: que traz em seus lábios de Mulher, gladiadora ardente, clamores de despertar; que traz em suas mãos uma bandeira nova e alça sobre multidões estremecidas; que traz em sua mensagem um desejo de liberdade, um credo republicano que, com ele sobe até a cúpula de seu calvário e da história: que junto às minas de ouro das rapinas imperiais, fala com voz de brasileira, gente a proclamar direitos e conquistá-los; esta, de Vila Rica, em Minas Gerais, companheira da inconfidência revolucionaria na saga heroica de VGRT e na morte mártir, esta mulher do novo mundo - oh, mãe da epopeia do Novo Mundo!- cravada em seu madeiro de sacrifício com quatro escravos ardentes de Cruzeiro do Sul… Bárbara Heliodora!

Desenho de Carlos Ayres, inspirado em traços Disponível em http://www.baraoemfoco.com.br/bao/colun/barbaraheliodora.htm de descendentes de Bárbara Eliodora

31 Em 1795, a primogênita Maria Ifigênia vem a falecer, em decorrência de uma queda de cavalo.

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Apresentamos a seguir dois poemas que embora figurem na obra de Alvarenga Peixoto, críticos literários como Alfredo Bosi, atribuem à Barbara Eliodora:

CONSELHOS A MEUS FILHOS

Bárbara Heliodora

Meninos, eu vou ditar As regras do bem viver, Não basta somente ler, É preciso ponderar, Que a lição não faz saber, Quem faz sábios é o pensar. Neste tormentoso mar D'ondas de contradições, Ninguém soletre feições, Que sempre se há de enganar; De caras a corações A muitas léguas que andar. Aplicai ao conversar Todos os cinco sentidos, Que as paredes têm ouvidos, E também podem falar: Há bichinhos escondidos, Que só vivem de escutar. Quem quer males evitar Evite-lhe a ocasião, Que os males por si virão, Sem ninguém os procurar; E antes que ronque o trovão, Manda a prudência ferrar. Não vos deixeis enganar Por amigos, nem amigas; Rapazes e raparigas Não sabem mais, que asnear; As conversas, e as intrigas Servem de precipitar. Sempre vos deveis guiar Pelos antigos conselhos, Que dizem, que ratos velhos Não há modo de os caçar. Não batam ferros vermelhos, Deixem um pouco esfriar.

Se é tempo de professar De taful o quarto voto, Procurai capote roto Pé de banco de um brilhar, Que seja sábio piloto Nas regras de calcular. Se vos mandarem chamar Para ver uma função, Respondei sempre que não, Que tendes em que cuidar: Assim se entende o rifão. Quem está bem, deixa-se estar. Devei-vos acautelar Em jogos de paro e topo, Prontos em passar o copo Nas angolinas do azar: Tais as fábulas de Esopo, Que vós deveis estudar. Quem fala, escreve no ar, Sem pôr vírgulas nem pontos, E pode quem conta os contos, Mil pontos acrescentar; Fica um rebanho de tontos Sem nenhum adivinhar. Com Deus e o rei não brincar, É servir e obedecer, Amar por muito temer Mas temer por muito amar, Santo temor de ofender A quem se deve adorar! Até aqui pode bastar, Mais havia que dizer; Mas eu tenho que fazer, Não me posso demorar, E quem sabe discorrer Pode o resto adivinhar.

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O SONHO

Bárbara Heliodora

Oh que sonho! Oh! que sonho eu tive n'esta, feliz, ditosa e sossegada sesta! Eu vi o Pão de Açúcar levantar-se e no meio das ondas transformar-se na figura de um índio o mais gentil, representando só todo o Brasil.

Pendente ao tiracolo de branco arminho, côncavo dente de animal marinho as preciosas armas lhe guardava; era tesouro e juntamente aljava

32.

De pontas de diamante eram as setas, as hastes d'ouro, mas as penas pretas; que o índio valoroso, altivo e forte não manda seta, em que não mande a morte. Zona de penas de vistosas cores guarnecida de bárbaros lavores, de folhetas e pérolas pendentes, finos cristais, topázios transparentes, em recamadas peles de sabirás

33,

rubis e diamantes e safiras. Em campo de esmeralda escurecia a linda estrela, que nos traz o dia. No cocar... oh que assombro! oh que riqueza! Vi tudo quanto pode a natureza. No peito em grandes letras de diamante o nome da augustíssima imperante. De inteiriço coral novo instrumento as mãos lhe ocupa, enquanto ao doce acento das saudosas palhetas, que afinava, Píndaro

34 americano assim cantava:

Sou vassalo e sou leal, Como tal, Fiel constante, Sirvo à glória da imperante, Sirvo à grandeza real. Aos elísios descerei, Fiel sempre a Portugal, Ao famoso vice-rei, Ao ilustre general, Às bandeiras, que jurei, Insultando o fado e a sorte, E a fortuna desigual, Que'a quem morrer sabe, a morte Nem é morte, nem é mal.

32

Recipiente para se colocar flechas (setas), que se carrega no ombro.

33 Conhecidas também como lontras, suas peles já foram bastante utilizadas na feitura de casacos. 34

Poeta grego, autor de "Odes Triunfais" e da célebre frase "Homem, torna-te no que és".

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PROPOSTA 9

A tela de Camilo Tavares, outro artista primitivo ou naif, retrata uma tribo

de mulheres Karajá, da Ilha do Bananal, numa dança ritual que revela a presença de

um antigo costume perpetuado entre as diferentes gerações, como forma de se

manter viva na memória desse povo a sua tradição, responsável em grande parte

pela preservação de sua identidade.

A palavra karajá é de origem tupi-guarani e significa “mono grande”

(macaco guariba), provavelmente atribuída ao povo em questão pelos bandeirantes,

que utilizavam a língua geral35.

Os indígenas36 Karajá têm o rio Araguaia como um eixo de referência

mitológica e social. O território do grupo é definido por uma extensa faixa do vale do

rio Araguaia, inclusive a maior ilha fluvial do mundo, a do Bananal, que mede cerca

de dois milhões de hectares. Suas 29 aldeias estão preferencialmente próximas aos

lagos e afluentes do rio Araguaia e do rio Javaés, assim como no interior da ilha do

Bananal e cada aldeia estabelece um território específico de pesca, caça e práticas

rituais, demarcando internamente espaços culturais conhecidos por todo o grupo.

O mito de origem dos Karajá conta que eles moravam numa aldeia, no

fundo do rio, onde viviam e formavam a comunidade dos Berahatxi Mahadu, ou povo

35

Essa língua geral, de amplo uso no Brasil até meados do século XVIII, era basicamente o tupinambá (variedade do tupi falada por um dos grupos que maior contato estabeleceram com os portugueses), que os colonizadores tiveram que aprender a fim de conseguirem se comunicar com os nativos. 36

Partindo do princípio de que não existem “índios brasileiros”, mas, sim, centenas de etnias ou povos indígenas divididos e caracterizados por culturas distintas, possuidores de língua, costumes e universos religiosos próprios, optamos por evitar o termo “índios” e trabalhar com a perspectiva de povos indígenas. Assim, procuramos sempre que possível usar a expressão “indígena(as)” e não “índio(s)” por esta desumanizar e descaracterizar toda riqueza cultural destes povos.

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do fundo das águas. Satisfeitos e gordos, habitavam um espaço restrito e frio.

Interessado em conhecer a superfície, um jovem Karajá encontrou uma passagem

na ilha do Bananal. Fascinado pelas praias e riquezas do Araguaia e pela existência

de muito espaço para correr e morar, o jovem reuniu outros Karajá e subiram até a

superfície. Tempos depois, encontraram a morte e as doenças. Tentaram voltar, mas

a passagem estava fechada, e guardada por uma grande cobra, por ordem de

Koboi, chefe do povo do fundo das águas. Resolveram então se espalhar pelo

Araguaia, rio acima e rio abaixo. Com Kynyxiwe, o herói mitológico que viveu entre

eles, conheceram os peixes e muitas coisas boas do Araguaia. Depois de muitas

peripécias, o herói casou-se com uma moça Karajá e foi morar na aldeia do céu,

cujo povo, os Biu Mahadu, ensinou os Karajá a fazer roças.

Os mitos Karajá abordam temas muito variados como: a origem, o

extermínio e o recomeço dos Karajá, a origem da agricultura, o veado e o fumo, a

origem da chuva, a origem do sol e da lua, o mito de origem dos Aruanãs, as

mulheres guerreiras, a origem do homem branco, entre muitos outros.

Normalmente esses mitos estão associados aos rituais e a temas sociais,

como o papel dos gêneros, o casamento, o xamanismo e o poder político, o

parentesco, as plantações, as pescarias, o contato com os brancos, as doenças, a

morte e o início de um novo ciclo de vida, como bem o demonstra a história, a

seguir, que tem na floração do ipê amarelo37, o principal símbolo de liberação do luto

entre os Karajá.

Os índios karajá elegeram o ipê amarelo como símbolo da liberação do luto. Ou seja, quando morre alguém na aldeia, a alegria volta a reinar somente quando começa a floração do ipê. Quando morre um karajá, a tristeza toma

conta da aldeia, principalmente dos familiares mais íntimos. Um fato citado no livro da língua karajá relata o seguinte: Quando morria uma criancinha, a avó enfeitava seu corpinho de penas coloridas, pregando-as com mel silvestre. Após o enterro, a mais velha índia da família, todas as manhãs, lamentava a perda do seu parente querido. Esse ritual era feito por longo tempo. A índia sentava numa esteira, num canto da oca, e evocava o espírito do falecido, chorando e falando em voz alta. Esse ritual se repetia todos os dias, até a floração do ipê amarelo. Então, a alegria voltava aos habitantes da tribo. Dessa data em diante, os índios deixam de se lamentar, os pescadores voltam a cantar e sorrir. Tudo recomeça...

Ipê Amarelo http://wwwportalrpc.com.br Disponível em http://www.pousadadascores.com.br/evertondepaula

37

A flor do ipê-amarelo é considerada a flor símbolo do Brasil. As árvores, de grande porte, perdem todas as folhas e ficam cobertas pelas flores, em cachos, em um amarelo vivo que se destaca na paisagem mesmo à distância. Na capital do Paraná, as flores de ipê são tão apreciadas pela população que, em 2010, os leitores do jornal Gazeta do Povo elegeram a florada de Ipês como uma das sete maravilhas de Curitiba.

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Quanto à estrutura ritual dos Karajá, esta se organiza em torno de dois

principais rituais de referência: o Hetohoky e a Festa de Aruanã.

O Hetohoky ou Casa Grande é um ritual de iniciação masculina (baseado

na subida e descida do rio Araguaia) por que passam meninos com idade entre oito

e treze anos e em que os homens se dividem em homens de cima, homens de baixo

e homens do meio, cada grupo cumprindo um determinado papel em função da

disposição espacial das casas rituais; casa pequena (rio abaixo), casa grande (rio

acima) e casa de Aruanã (casa grande), que fica sempre no meio destas e em torno

da qual são realizadas as danças mascaradas, que insuflam no adolescente a ideia

de que ele "morre" na condição anterior para renascer na sua condição de adulto.

Já a Festa/Dança de Aruanã é uma festa ritual realizada por ocasião do

aparecimento da Lua Cheia e é uma festa que se prolonga pela noite toda, da qual

participam homens e mulheres enfeitados/as com pinturas corporais e enfeites

plumários, dançando em movimentos circulares. Pode ser entendida como um rito

de iniciação feminina, pois a moça ao menstruar fica isolada por um período, durante

o qual é vigiada pela avó materna, até que esteja preparada “para dançar com os

Aruanãs”, momento em que se dá sua primeira aparição pública depois da menarca;

daí, provavelmente, o porquê de as moças dançarem esfregando o ventre.

Um dos propósitos principais da Dança dos Aruanãs é, portanto,

dramatizar o momento em que os aõni, forças femininas e instintivas presentes nas

mulheres passam a se manifestar (o que se revela por meio da primeira

menstruação), sendo necessário ser controlados pelos Aruanãs, os quais

representam o comportamento social e controlado dos homens, pensado como a

essência da vida social dos Karajá.

Em outras palavras, a dança dos Aruanãs dramatiza a busca de

instauração de um poder de controle, por meio do confronto entre homens e

mulheres, ordem e desordem, coletivo e individual; confronto este que põe em jogo o

poder de controlar poderes desafiadores da natureza instintiva que, segundo a visão

de mundo dos Karajá, encontram-se inteiramente presentes nas mulheres. Busca-

se, pois, por meio desse ritual o equilíbrio entre as forças masculinas (animus) e

femininas (anima), equilíbrio o qual é entendido pela psicologia profunda como

essencial ao desenvolvimento saudável e integral de pessoas e de grupos sociais.

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BRASIL

Eliane Potiguara38

Que faço com a minha cara de índia ? E meus cabelos E minhas rugas E minha história E meus segredos ?

Que faço com a minha cara de índia ? E meus espíritos E minha força E meu Tupã E meus círculos ?

Que faço com a minha cara de índia ? E meu Toré E meu sagrado E meus "cabôcos" E minha Terra

Que faço com a minha cara de índia ? E meu sangue E minha consciência E minha luta E nossos filhos ?

Brasil, o que faço com a minha cara de índia ?

Não sou violência Ou estupro Eu sou história Eu sou cunhã Barriga brasileira Ventre sagrado Povo brasileiro Ventre que gerou O povo brasileiro Hoje está só ... A barriga da mãe fecunda E os cânticos que outrora cantava Hoje são gritos de guerra Contra o massacre imundo

POTIGUARA, Eliane. Metade Cara. Metade Máscara. Rio de Janeiro: Global Editora, 2004.

38

Eliane Lima dos Santos (Eliane Potiguara) é remanescente de família indígena Potiguara da Paraíba emigrada para o Rio de Janeiro, onde nasceu em 1950. É Conselheira do Inbrapi, (Instituto Indígena de Propriedade Intelectual) e Coordenadora da Rede de Escritores Indígenas na Internet e da Rede de Comunicação Indígena. Eliane foi indicada para o Projeto internacional Mil Mulheres Para o Prêmio Nobel da Paz, sendo uma das 52 brasileiras indicadas. Formada em Letras (Português-Literatura), licenciada em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, participou de vários seminários sobre Direitos Indígenas na Onu, organizações governamentais e ongs nacionais e internacionais. Foi nomeada uma das “Dez Mulheres do Ano de 1988”, pelo Conselho das Mulheres do Brasil, por ter criado a primeira organização de mulheres indígenas no país: Grumin (Grupo Mulher-Educação Indígena), e por ter trabalhado pela Educação e integração da mulher indígena no processo social, político e econômico no país e ter trabalhado na elaboração da Constituição Brasileira. Também participou da elaboração da ”Declaração Universal dos Direitos Indígenas”, na ONU, em Genebra.

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Tanto a tela de Camilo Tavares, que nos incita a querer saber mais sobre

a história e cultura indígena Karajá – não só pela imagem como pela inscrição: “A

Dança ritual das índias Carajás/Elas dançam esfregando o ventre/Ilha do Bananal -

Goiás” (1997) – quanto a leitura do poema “Brasil”, de Eliane Potiguara, permitem-

nos chegar a uma mesma conclusão: a Lei nº 11.645, aprovada em 10 de março de

2008, que torna obrigatória a inclusão da História e da Cultura Indígena nos

currículos escolares, ao lado da História e Cultura Afro-Brasileira (Lei10639/03), vem

em tempo conclamar a escola brasileira a repensar preconceitos, desconstruir

estereótipos e discutir a possibilidade de se sonhar um mundo em que a diversidade

não se encontre na contramão da igualdade; convocando, assim, os/as

educadores/as ao necessário redimensionamento do ensino de história, de arte e de

literatura brasileiras, áreas nas quais o indígena, a mulher e o negro, durante muito

tempo foram considerados apenas personagens (na maioria das vezes

estereotipadas ou caricaturizadas), jamais legítimos autores.

Não se pode, entretanto, desconsiderar a escassez de informações e

documentos oficiais que efetivamente venham subsidiar esta caminhada que está se

fazendo pari passu ao caminhar, nem o fato de que a literatura de autoria indígena

contemporânea no Brasil ainda é muito pouco conhecida e, consequentemente,

estudada, o que por certo decorre do fato de, até aproximadamente duas décadas

atrás, predominar uma escrita que – embora sempre presente nas culturas

indígenas brasileiras na forma de grafismos em cerâmica, tecidos, utensílios de

madeira, cestaria e tatuagens – não corresponde à escrita alfabética; sendo, assim,

bastante recentes os textos alfabéticos escritos por autores indígenas.

A nova escrita indígena, alfabética, é, portanto, um fenômeno

recentíssimo na história da literatura brasileira e embora ainda não constitua foco de

interesse da academia e de instituições literárias tradicionais – que, quando muito,

veem-na como uma espécie de literatura popular, sem grande valor literário ou

produto de um setor historicamente marginalizado por ser considerado “primitivo” –

vem promovendo gradualmente a transformação dos cânones literários; tarefa à qual

tem se dedicado um grupo de escritores/as declaradamente de origem indígena,

como: Eliane Potiguara, Daniel Munduruku, Kaká Werá Jecupé, Olívio Jekupé, entre

outros/as, os/as quais ao mesmo tempo em que buscam, por meio de suas

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produções culturais escritas, afirmar suas identidades e de seus povos, revelam

existir maneiras profundamente poéticas e transdisciplinares de se produzir

complexidades de pensamento e de sentido.

As experiências poéticas indígenas não podem, todavia, ser tomadas pelo

que tradicionalmente conhecemos, pois a poesia que emerge de toda parte nas

diferentes comunidades indígenas implica em formas diversas de experiência e de

criação. E em se tratando da poesia feita essencialmente de palavras, esta é

marcada não só por distintas estruturas de língua e de pensamento, mas também

por processos de educação, entre outras características bastante diferentes do que

estamos acostumados/as a ver como literatura escrita, por seguir outros critérios de

composição, de criação, de autoria, de recepção e de fruição, ou seja, por

apresentar outro modo de registro da realidade, que tendemos a rotular como

"mítico" ou "fictício".

Por conta disso, há problemas de interpretação e de tradução, mas não a

ponto de se constituir um impedimento para que compreendamos as poéticas da

floresta e suas artes verbais, ou a ponto de as artes da palavra indígena deixarem

de fazer sentido ao não índio, como bem esclarece o texto “Poética Indígena: um

ensaio sobre as origens da poesia”, de Milton Sgambatti Júnior, da PUC- SP.

Diante do exposto e levando em conta que 95% do Brasil tem áreas

indígenas e que existem hoje em torno de 230 povos ou etnias, totalizando

aproximadamente 600 mil indígenas falantes de mais de 180 línguas, é possível

concluir que há uma grande diversidade sociocultural entre os povos indígenas no

Brasil, ainda pouco conhecida por muitos/as brasileiros/as.

A) Sendo assim, será oportuno num primeiro momento você:

- mostrar pelo menos um ou os dois vídeos da TV Escola: Pluralidade Cultural – Índios no Brasil: Quem são eles? E pedir aos/às alunos/as que:

1- deem a sua opinião a respeito de quem são os/as índígenas no Brasil de hoje e que revelem que conhecimentos detêm acerca das comunidades e culturas indígenas que viveram e ainda vivem no Paraná (língua, formas de organização, trabalho, problemas sociais que atualmente enfrentam, etc);

2- discutam, com base na fala das pessoas entrevistadas, a visão estereotipada e preconceituosa que ainda se faz presente em nossa sociedade em relação aos/às indígenas, ao lado de uma outra visão, inclusiva e de respeito à

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diversidade étnico-racial, que alguns discursos já deixam transparecer e a que algumas lideranças indígenas como Ailton Krenak e Azilene Inácio reivindicam;

3- elenquem as principais consequências socioculturais de atitudes de

preconceito e discriminação como as verbalizadas por alguns dos entrevistados e, por outro lado, o quanto todos têm a ganhar com uma visão que acolha e valorize a diversidade;

4- pesquisem textos impressos em jornais e revistas locais e nacionais, e vídeos na internet que retratem a atual realidade (tanto em termos positivos quanto negativos) vivida por homens, mulheres e crianças de diferentes comunidades indígenas, em nosso estado e país, socializando com a turma as informações por meio da elaboração de um painel;

5- assistam aos vídeos Conflito da Terra I e II, de Rosa Gauditano, sobre a atual situação em que se encontram os indígenas Guarani Kaiowá, do Mato Grosso e ao vídeo que registra a fala inicial do líder indígena Marcos Terena no Fórum Social Mundial de 2010 e:

- reflitam sobre uma realidade que há anos perdura entre os Kaiowá e outros povos expulsos da terra da qual são seus legítimos donos e

- discutam as possíveis relações entre a realidade apresentada nas imagens filmadas por Rosa e retratada por Marcos Terena em sua fala e os textos e demais registros pesquisados.

B) A próxima atividade proposta, parte do princípio de que há que se

conhecer o passado, para melhor compreender o presente e, assim, fazer as

mudanças necessárias a fim de que se deixe às novas gerações um mundo melhor.

Para tanto, será interessante você ler com a turma dois importantes

documentos históricos: “A Carta”, escrita por Pero Vaz de Caminha em 1º de maio

de 1500 a D. Manuel, o rei de Portugal de então, comunicando-lhe sobre as belezas

e riquezas da nova terra e o exotismo de sua gente e “A Carta Régia de D. Joaõ VI”,

escrita em 5 de novembro de 1808, suspendendo a humanidade39 dos indígenas do

sul do Brasil (em especial “dos campos geraes de Coritiba e Guarapuava”). Dois

textos bastante significativos de dois momentos históricos distintos de nossa história.

Considerada o primeiro texto literário produzido no Brasil, A Carta, de

Caminha é o marco inaugural da Literatura Brasileira e um interessante retrato da

39

De acordo com o professor de antropologia da UFPR, Ricardo Cid Fernandes, a humanidade dos indígenas também foi contestada no século XIX pelo antropólogo físico Blumenbach, que afirmou que os índios Botucudos estavam a meio caminho entre o orangotango e o homem.

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primeira impressão dos portugueses sobre o Brasil, revelando o olhar europeu

acerca da “nova” terra e de sua gentil gente; enquanto que a Carta Régia de D.João

VI, num tom bastante diverso da primeira, é um dentre muitos marcos de atos de

violência que dominaram as relações entre aqueles que se julgavam “os senhores

da terra” (os portugueses) e os legítimos filhos e donos da terra brasilis, os

indígenas. Assim, propomos que você, num segundo momento:

1- divida a turma em dois grandes grupos e peça-lhes que cada grupo:

- releia o texto que lhe foi destinado, destacando todos os vocábulos cujo significado é desconhecido e, com o auxílio de um dicionário, elabore um glossário;

- analise o texto criticamente e o comente no grande grupo, destacando entre outros aspectos, a descrição das terras e das pessoas indígenas a quem os portugueses se referem em cada um dos documentos;

2 - solicite que os/as alunos/as reflitam sobre a visão de mundo falo-euro-etnicocêntrica presente no discurso de Pero Vaz de Caminha e de D. João VI, ao longo dos dois textos, resguardadas as respectivas diferenças, e estabeleçam relação com as afirmações feitas por algumas pessoas no vídeo “Índios no Brasil: Quem são eles?”;

3- apresente a música “Chegança” (cantada/tocada e letra impressa), dos músicos e poetas sertanistas Antônio Carlos Nóbrega e Wilson Freire e em seguida leve a turma a refletir e estabelecer as devidas relações entre os demais textos lidos e vídeos assistidos, propondo aos/às alunos/as que:

- inicialmente falem o que acham que o título Chegança quer dizer, levando em conta o assunto de que trata o texto e, em seguida, pesquisem o(s) significado(s) do vocábulo no dicionário a fim de verificar se há outras acepções que possam ampliar o conhecimento inicial;

- digam se o poema, escrito por homens não índios, traduz ou não a visão do índio sobre o descobrimento do Brasil e justifiquem por quê;

- comentem o verso 38, que afirma que os índios pressentiram o final de suas culturas;

- comparem os versos “Da Grande-nau/Um branco de barbas escuras/Vestido numa armadura/Apontou-me pra me pegar” com a descrição que Pero Vaz de Caminha faz do encontro entre os portugueses e os indígenas. Confirmam-se ou se contrapõem?;

- considerando as informações até então acessadas, como as que se encontram na Carta Régia, de D. João VI, digam por que os indígenas foram perseguidos e mortos pelos portugueses?;

- observem a profunda intuição do indígena do poema, que sabe de tudo

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apenas sentindo e comentem quais os prováveis fatores que contribuem para que as pessoas saibam por meio da intuição até muito mais que pela razão;

- conversem, em duplas, e reflitam sobre o texto lido e comentem sobre a realidade de ontem e a realidade de hoje de nossas florestas. Como essa mudança interfere no modo de viver indígena? Que reflexões os dois últimos versos possibiliam, considerando que borduna é uma arma de guerra indígena?

- dividam-se em grupos, a fim de cada grupo pesquisar uma nação citada

no texto: de onde são, como vivem, língua, cultura, organização, se ainda existem etc. O resultado do trabalho deve ser apresentado em forma de mural e exposto para toda a comunidade escolar com a seguinte reflexão: podemos falar, no Brasil, de uma cultura indígena ou melhor seria falarmos em culturas indígenas?

Como complemento a esse percurso histórico-literário, sugerimos que:

- os/as alunos/as assistam ao filme Desmundo – produzido em 2002 sob a direção de Alain Fresnot, com base no livro de Ana Miranda de mesmo título – e:

1- discutam o enredo, tendo como foco alguns dos principais problemas decorrentes da colonização inicial, como os dramas humanos vivenciados pelos primeiros colonos;

2- produzam, individualmente, um texto em prosa ou verso, tendo por

base tudo o que vivenciaram e discutiram sobre a questão indígena até o momento.

C) Tendo em vista, ainda, que se faz necessário possibilitar aos/às

alunos/as o conhecimento de que, embora haja no Brasil muitas etnias indígenas,

com história e cultura diversas, há também características bastante comuns entre os

diferentes povos indígenas, evidenciadas pela arte e artesanato, produzido por

algumas comunidades já há algum tempo como uma das principais formas de

subsistência, e, mais recentemente, pela literatura escrita, a qual vem dar maior

visibilidade a uma visão de mundo profundamente ecológica e de respeito à

alteridade humana; sugerimos a você:

1- mostrar à turma a tela “Tribo Indígena”, de Camilo Tavares, solicitando que os/as alunos/as observem atentamente cada detalhe;

2- ler o poema “Brasil” e mostrar a letra na TV pendrive, ou impressa; - solicitar aos/às alunos/as que o comentem, levando em conta a forma

e o conteúdo e, só então: - falar-lhes sobre a autora, Eliane Potiguara, e sobre sua importância

enquanto escritora indígena e ativista social;

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3- solicitar que apontem todas as características comuns entre o eu lírico feminino do poema de Eliane Potiguara e as mulheres indígenas retratadas por Camilo Tavares em sua tela, como por exemplo: “e meus círculos?” (verso 10) = organização circular dos/as indígenas nas danças;

4- apresentar os vídeos que retratam aspectos da vida e da cultura dos Indígenas Karajá, da Ilha do Bananal e os vídeos das entrevistas com a escritora Eliane Potiguara, sobre: Poéticas Indígenas (ABRALI – Academia Brasileira de Literatura) e solicitar aos/às alunos/as que reflitam e discutam sobre:

- o papel da literatura brasileira escrita pelos colonizadores ou seus descendentes na construção de uma imagem estereotipada do ”índio brasileiro”, como se pode observar principalmente em textos de autores do Romantismo, como José de Alencar, Gonçalves Dias, entre outros, mas também possível de se perceber no poema “O Sonho”, de Bárbara Heliodora, o qual você poderá pedir à turma que analise sob essa perspectiva eurocêntrica;

- o importante papel de uma literatura de autoria indígena para o resgate e preservação da cultura e dos saberes tradicionais desses povos.

5- solicitar que os/as alunos/as pesquisem e tragam para a sala textos literários de outros escritores indígenas, como Daniel Munduruku, Olívio Jecupé, Kaká Werá, Graça Graúna e Darlene Taukane e socializem suas descobertas;

6- dividir a turma em três grupos e pedir que pesquisem sobre aspectos socioculturais dos Kaingang, Guarani e Xetá, as três principais etnias no Paraná, e principalmente sobre a mitopoética de cada um desses povos (Mitos, lendas, canções), e, por fim, socializem as descobertas da forma mais criativa possível;

7- apresentar à turma a “Carta da Terra” em vídeo, na voz de Leonardo Boff40 e em seguida propor que os/as alunos/as:

- leiam a Carta da Terra dos Povos Indígenas, a qual é antecedida pela “Declaração da Aldeia Kari-oca”, cujo coordenador geral é o líder indígena Marcos Terena;

- discutam sobre as especificidades da Carta da Terra dos Povos Indígenas em relação à Carta da Terra e os significativos avanços e conquistas que aquela representa aos povos indígenas em termos de resgate de sua identidade e alteridade;

- elaborem um texto de opinião, individual, e outro poético, coletivo, a partir das ideias e informações presentes nas quatro Cartas e demais textos lidos e vídeos assistidos sobre a temática indígena, e/ou, produzam um vídeo para a Carta da Terra dos Povos Indígenas, semelhante ao que já existe para a Carta da Terra, apresentada por Leonardo Boff.

40

(1938) teólogo brasileiro, escritor e professor universitário, expoente da Teologia da Libertação no Brasil, respeitado pela sua história de defesa pelas causas sociais e ambientais.

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A leitura ou declamação do poema “Mulher”, de Eliane Potiguara, é uma

boa forma de encerrar esta Unidade, mas este momento pode ser também uma

ótima oportunidade de promover um Sarau de Poéticas Indígenas. Para tanto, você

deverá solicitar que os/as alunos/as selecionem alguns dos poemas de autores/as

indígenas já pesquisados/as e os decorem a fim de declamá-los ou realizarem uma

performance.

MULHER

Eliane Potiguara

Vem, irmã

Bebe dessa fonte que te espera

Minhas palavras doces ternas.

Grita ao mundo

a tua história

Vá em frente e não desespera

Vem, irmã

Bebe da fonte verdadeira

Que faço erguer tua cabeça

Pois tua dor não é a primeira

E um novo dia sempre começa

Vem, irmã

Lava tua dor na beira-rio

Chama pelos passarinhos

E canta como eles, mesmo sozinha

E vê teu corpo forte florescer

Vem irmã

Despe toda a roupa suja

Fica nua pelas matas

Vomita o teu silêncio

E corre - criança - feito garça

Vem, irmã

Liberta tua alma aflita

Liberta teu coração amante

Procura a ti mesma e grita:

Sou uma mulher guerreira!

Sou uma mulher consciente! POTIGUARA, Eliane. Metade Cara. Metade Máscara. Rio de Janeiro: Global Editora, 2004.

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PROPOSTA 10

O poema “Voz das Raízes” – que se encontra logo após a tela “Tribo

Indígena”, em que Camilo Tavares retrata mulheres que, quando permanecem em

suas comunidades de origem, diretamente ligadas às suas raízes, repetem geração

após geração os mesmos rituais de seus/suas antepassados/as – não é de uma

autora indígena, como é possível observar muito mais pelo nome da poeta que o

escreveu, a paranaense de origem eslava Helena Kolody (1912-2004), do que pela

temática, uma vez que essa “voz das raízes” é a voz que, sobretudo nas mulheres

que se permitem conectar com sua verdadeira essência feminina (anima) – sejam

elas africanas, indígenas, ibéricas, camponesas ou urbanas – se faz “inexorável”;

pois são vozes geradas no ventre da Grande Mãe Terra, tal qual a vida o é no ventre

feminino; receptáculo e fonte de memórias ancestrais.

Buscamos, portanto, mais uma vez, por meio das palavras de Eliane

Potiguara, em um texto intitulado “A Força do Conhecimento Ancestral; relação de

gênero na espiritualidade e combate à violência”, traduzir a ideia da “voz das raízes”

enquanto uma herança ancestral (familiar ou cultural) a qual, quando se tem

consciência de seu poder, seja homem ou mulher, impulsiona as pessoas a agir a

partir de quem realmente são, ou seja, a partir de sua profunda natureza intuitiva, e

não com base naquilo que a sociedade (patriarcal, capitalista...) espera que

aparentemos ser, como esclarece a autora neste parágrafo em que afirma que:

A chama do conhecimento ancestral seja indígena ou oriunda de outras raízes deve ser despertada imediatamente na anima de todas as mulheres e dos homens também, para que possa despertar o feminino dentro deles e a parceria homem/mulher seja comungada dentro dos princípios dos direitos humanos mais transcendentais. Quando despertamos essa força começamos a reconhecer a sombra negativa da nossa psique, os aspectos negativos de nosso comportamento, o nosso inimigo interno e neste processo começamos a reagir contra a opressão, o racismo e a destruição causados a nossa persona, que vai se somando a milhares e milhares de mentes do planeta Terra nestas partes do mundo que se permitem chamar “Terceiro Mundo”, obscuro, oprimido social, racial, econômica e politicamente.

Disponível em http://www.elianepotiguara.org.br/textos2.html -

Acesso em 09/09/2009

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Filha de imigrantes ucranianos, ou emigrantes, como ela muitas vezes

referiu adotando a perspectiva de “quem sai da terra natal e não daquele que já está

na terra eleita” (SOARES, 2002), Helena Kolody apresenta em vários poemas, como

“Voz das Raízes”, “Emigrante”, “Atavismo”, “Imigrantes Eslavos”, “Lição”, “Exílio”... a

voz do imigrante entre outras vozes, percorrendo uma trilha própria em que

entrecruza elementos das tradições e memória de sua família eslava à história e

cultura de seu tempo, revelando com isso sua profunda relação telúrica, que a une

ao estrato de seus antepassados, e uma forte consciência de suas raízes.

Mas não só pela temática de seus poemas, que acrescenta a voz do

imigrante à poesia brasileira, como pelo tom da voz, pela autenticidade com que

escreve seus versos e pela delicadeza de sua “pena”, que Helena Kolody é, com

certeza, a poeta maior do Paraná.

A poesia de autoria feminina contemporânea no Brasil, que, no dizer do

crítico literário Paulo Ronai, tem em Cecília Meireles “uma das mais belas e válidas

manifestações”, tem, portanto, em nosso estado, dentre outras importantes vozes,

uma voz inconfundível; a de Helena Kolody que, coincidentemente, não só admirava

Cecilia Meireles, como com ela se correspondeu, conforme atesta um bilhete que

Helena recebera de Cecília em 1952, com os seguintes dizeres: “Helena Kolody:

depois de tanto silêncio, foi uma grande alegria ter notícias suas com “ A sombra no

Rio”. Muito sentido, o seu livro; muito melancólico – mas o que é a poesia senão

sentido melancólico?” Outro poeta com quem Helena manteve contato foi Carlos

Drummond de Andrade, como demonstra uma pequena carta, de 1980, onde

Drummond diz: "Tão simples, tão pura - e tão funda - a poesia de “Infinito Presente”.

Você domina a arte de exprimir o máximo no mínimo, e com que meditativa

sensibilidade!" (Os originais de ambos os textos encontram-se em poder de sua irmã

Olga, com quem Helena dividia o apartamento onde residiu até 14 de fevereiro de

2004).

Mas são os próprios versos da poeta o maior atestado de sua aguda

percepção lírica, de seu espírito de síntese, de brevidade e inquestionável

sensibilidade poética, como nos revela “Voz das Raízes”, poema que evidencia a

profunda consciência de Helena de suas raízes e ancestralidade eslava:

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VOZ DAS RAÍZES

Helena Kolody Vozes de estranho som se alteiam em meu canto. Vibram-me dentro d'alma almas que não são minhas Atrás de mim vozeia e tumultua, anseia e chora, e ri, arqueja e estua A imensa multidão dos ancestrais, Que me bate e rebate, inexorável, como o oceano em ressaca açoita o cais.

Foto do livro “Infinito Presente”, também disponível em http://www. google. imagens

A) Diante do exposto, sugerimos que você:

1- apenas apresente o poema “Voz das Raízes” à turma, sem identificar a autoria e peça aos/às alunos/as que digam se sentem que este é um poema de autoria indígena, ou não e por quê?;

2- apresente-lhes a autora do poema e, se possível, o documentário “Helena de Curitiba” (25‟), de Josina Melo, sobre a vida e a obra de Helena Kolody, que sua escola pode adquirir junto às livrarias Curitiba ao custo de R$ 50,00 (cinquenta reais);

3- peça à turma que fale sobre o que é possível depreender de “vozes de estranho som que se alteiam em meu canto” e que “almas” seriam essas que autora afirma “que não são minhas”?;

4- solicite que analisem a segunda estrofe do poema, considerando que Helena é filha de imigrantes ucranianos que emigraram para o Brasil num momento em que a Ucrânia passava por um severo período de repressão (fins do século XIX);

5- peça-lhes que procedam a uma análise comparativa entre os poemas “Vozes Mulheres”, de Conceição Evaristo e “Voz das Raízes”, de Helena Kolody, considerando o contexto de produção das duas autoras;

6- distribua folhas de papel A3 e giz de cera coloridos à turma e proponha que cada uma dos/as alunos/as represente graficamente a sua árvore genealógica, não esquecendo das raízes (ancestrais), nas quais devem estar presentes (bis)avós, pais (e suas respectivas descendências). O/a próprio/a aluno/a deve se reconhecer na estrutura da árvore (tronco), representando por meio dos galhos, folhas, flores e/ou frutos sua ascendência ou metas e objetivos de vida. Ao final da atividade, cada um/a deverá compartilhar seu trabalho com a turma, explicando-o verbalmente;

7- solicite que cada um/a entre em contato com a voz de suas raízes e

produza um pequeno poema que traduza, em breves palavras, essa voz.

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Em 1997 Helena Kolody atendeu ao convite de gravar um CD com alguns

de seus poemas para a Coleção Palavra Falada, da produtora Luz da Cidade (o qual

sua escola pode adquirir em livrarias da cidade). No encarte deste material

encontramos o seguinte depoimento do crítico literário paranaense Wilson Martins

(1921- 2010):

“Helena Kolody (1912) é uma figura exponencial das letras paranaenses, embora ainda não haja gravado o seu nome no quadro mais amplo do reconhecimento nacional. Isso se deve, antes de mais nada, às suas atitudes discretas, alheias às autopromoções e à celebração interessada de grupelhos, no que, mais do que qualquer outro, responde ao caráter específico da psicologia local. Contudo, pelo tom da voz, pela delicadeza dos sentimentos, pela autenticidade lírica e pela temática, ela é, com certeza, a poeta representativa de seu estado. E isso não apenas pela maturidade regional, mas também por haver acrescentado a voz do imigrante à temática da poesia brasileira. Ela responde ao que denominou num de seus poemas a "misteriosa esfinge eslava", recuperando numa paisagem autêntica e característica do mundo mental da região".

Wilson Martins, in: encarte do CD Helena Kolody por Helena Kolody. Coleção Poesia Falada, vol. 4, Luz da Cidade, 1997

É, todavia, sua concisão e simplicidade, marca indelével de sua poesia,

que a consagram poeta pioneira no Paraná num tipo de poesia que só há pouco

tempo se tornou amplamente conhecido e divulgado; o haikai, mas não por acaso.

Desde 1939 Helena já vinha estudando, por meio do contato com a poeta paulista

Fanny Dupré (1911-1996), uma das pioneiras do haikai no Brasil, esta poesia

mínima, de origem japonesa. Como, no entanto, Fanny vem a publicar seu primeiro

livro só de haikais, “Pétalas ao Vento”, somente em 1949, Helena é a primeira

mulher a publicar haikais no Brasil, dado que em seu primeiro livro “Paisagem

Interior”, de 1941, já constam estes três, hoje amplamente conhecidos do público:

Arco-íris

Arco-íris no céu.

Está sorrindo o menino

Que há pouco chorou.

Prisão

Puseste a gaiola

Suspensa dum ramo em flor,

Num dia de sol.

Felicidade

Os olhos do amado

Esqueceram-se nos teus,

Perdidos em sonho.

Foi, portanto, com esses três poemas que Helena inaugurou em 1941 a

série de mulheres haikaístas do país, sendo considerada por outro poeta

consagrado e haikaísta paranaense, Paulo Leminski, a "Padroeira da Poesia”.

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A natureza profundamente vivencial da maioria de seus haikais pode ser

percebida quando Helena conta a história de um deles; “Pereira em Flor” (De

grinalda branca, / Toda vestida de luar, / A pereira sonha) na entrevista concedida

por ela no evento “Um Escritor na Biblioteca”, realizado em 1986:

"Eu morava na Rua Carlos de Carvalho. Uma noite, ao sair da casa de

uma amiga, dei com aquela pereira completamente florescida, banhada pela luz da

lua cheia. A beleza do quadro foi um impacto na minha sensibilidade. Fiz o poema

bem mais tarde. Associei a pereira com uma noiva: a noiva toda vestida de branco,

sonhando, com a pereira ao luar”. E, perguntada sobre como escreveu o haikai

“Pereira em Flor”, esclareceu: "As impressões que me atingem vão se acumulando

em meu inconsciente e elaborando uma espécie de húmus, no qual se misturam

impressões de muitos tempos; desse húmus brota o poema, impregnado de minha

própria personalidade".

De acordo com divulgação da Sociedade Cultural e Beneficente Nipo-

Brasileira, em 13 de junho de 1993, a comunidade nipo-brasileira de Curitiba fez-lhe

uma homenagem, concedendo-lhe o nome haikaísta Reika, (renomada fragrância da

poesia) "em reconhecimento à dedicação, divulgação e grandiosidade que deu à

poesia de origem japonesa, haikai". No mesmo ano a Fundação Cultural de Curitiba

publicou “Reika”, com 28 poemas – 19 haikais e 9 tankas (poema de cinco versos: 5-

7-5-7-7) – numa edição artística limitada. Mais tarde, em 1996, a Secretaria de

Cultura do Estado do Paraná, republicou as mesmas tankas inclusas no livro

Caixinha de Música, das quais abaixo destacamos duas:

Sabedoria

Tudo o tempo leva... A própria vida não dura. Com sabedoria, colhe a alegria de agora para a saudade futura.

Inverno

No céu de cristal cintila o sol sem calor Sopra um vento frio Tiritam árvores nuas nos campos que a geada veste

B) Sugerimos a você solicitar aos/às alunos/as que pesquisem na biblioteca da

escola e/ou na internet, mais detalhes sobre a produção literária de Helena,

solicitando-lhes que tragam para a sala outros haikais e tankas da autora. Você

pode pedir, ainda, que durante um mês seja registrado no quadro ou apresentado

sob a forma de slide na TVpendrive, a cada dia por um/a aluno/a diferente, um

poema de Helena Kolody, o qual fará parte da abertura da sua aula.

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ADENDO 2

A Arte do Haikai

O haikai é uma pequena poesia com métrica e molde orientais, surgida no

século XVI, muito difundida no Japão e vem se espalhando por todo o mundo

durante este século. Com fundamento na observação e contemplação, enfatiza o

sentimento natural e milenar de apreciação da natureza por meio da arte, sentimento

este inerente a todo o ser humano.

É uma forma pura de poesia que possui uma longa história que retoma a

harmonia da filosofia e simbolismo Taoísta e dos mestres zen-budistas, que

expressam muito de seus pensamentos e ensinamentos na forma de mitos,

símbolos, paradoxos e imagens poéticas, com o objetivo de transcender a limitação

imposta pela linguagem usual e pelo pensamento linear e científico, que trata a

natureza com fórmulas e o próprio ser humano como máquina, como bem nos

demonstra este poema de Basho:

Já é primavera:

Uma colina sem nome

Sob a névoa da manhã

Matsuo Basho (1644-1694) é o mais tradicional poeta deste estilo, pois é o

monge Zen que aperfeiçoou o estilo e divulgou suas obras no final do século XVII.

A referência a uma das quatro estações, que no Japão são bem definidas, é

indispensável no haikai tradicional e a flor de cerejeira, ou sakura, símbolo do país, é

uma das palavras que sugerem primavera.

Flores de cerejeira no céu escuro E entre elas a melancolia Quase a florir

Com haikais como este, Basho, se tornou o grande nome da poesia

japonesa. No século XVII, Basho uniu o haikai ao pensamento Zen. Ensinamentos

budistas, como viver o presente, buscar a essência e valorizar a contemplação

também estão presentes no haikai.

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É, portanto, uma forma poética que busca expressar a essência da natureza,

presente no íntimo de todas as coisas de forma simples, sutil e artística. Seu

pequeno tamanho está relacionado com a busca da unidade de forma compacta,

com o foco e com o fato de que é mais fácil transmitir, lembrar e reviver rapidamente

as impressões em poemas curtos, como neste de Issa (1763-1827):

Passo a passo sobre a montanha no verão

de repente o mar

Cada haikai pode ser escrito com 17 sílabas, usuais ou poéticas, distribuídas

em 3 linhas com 5 sílabas na primeira linha, 7 na segunda e 5 na terceira (forma 5-

7-5, mas não necessariamente com esse rigor), com ou sem rimas; com ou sem

título.

O uso de figuras de linguagem como metáforas costuma ser evitado, pois

pode levar a distrações e desvios no foco da imagem ou do tema central, por ser

referente a um modo externo à cena, das idéias abstratas e não dos fatos e objetos

verdadeiros do haikai. A essência do haikai é a mesma da natureza e do ser

humano. O trabalho está em percorrer o caminho entre o momento da idéia ou da

imagem na mente e o trabalho final no papel, em palavras.

Tanto neste momento do ato criativo poético como no da criação científica, o

que ocorre é um contato com o real, que é muito mais vasto do que tudo que é

compreendido ou compreensível, com maiores dimensões, infinitas variedades e tal

amplidão que a lógica linear nem sonharia em imaginar.

Por ser um surto espontâneo de intuição que vem de dentro da pessoa

(criador, cientista ou poeta), este momento de descoberta não contém mecanismos

racionais nem é explicável logicamente. A ideia é trabalhada posteriormente para

tomar forma mais coerente ou apresentável e, ao se concentrar para aperfeiçoar um

poema, o poeta experimenta o processo de lapidação de sua própria alma.

Dadas as regras, qualquer pessoa com percepção e vontade pode se tornar

poeta. Assim, até as crianças que são tocadas pelo haikai podem fazê-lo com

perfeição e ainda com vantagem de conter pureza, alegria, simplicidade e mostrar

diretamente a imagem sem o uso de metáforas distantes, conforme o perfeito

espírito do haikai. Quando é escrito por uma criança, ele está refletindo seu coração

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e sua mente em toda sua inocência e sinceridade. Reflete a rica imaginação da

criança e mostra seu sentimento poético do mundo.

Na sociedade de hoje, as pessoas perderam muito da capacidade de

contemplação, que é descobrir poesia e encontrar mistérios nos simples

acontecimentos ou objetos. Devemos, no entanto, estar atentos às pequenas

surpresas que revelam novos pontos de vista e usar a poesia para ajudar a decifrar

os eventos que estão sempre à nossa volta.

Para a composição de um verdadeiro haikai é preciso, pois, contemplação,

esforço e, principalmente, percepção, além de abrirmos mão de expressar

diretamente os sentimentos. Amor, alegria, tristeza nunca aparecem com essas

palavras. São os elementos da natureza que simbolizam o estado de espírito. O

ciclo das quatro estações lembra que nada é para sempre, tudo tem um fim. Assim é

o haikai, como mais este com que nos brinda e inspira Helena Kolody:

ALQUIMIA

Nas mãos inspiradas

nascem antigas palavras

com novo matiz

C) A esta altura, dificilmente haverá alguém que não queira colocar em

prática seus dotes “haikaísticos”. Sugerimos, portanto, que você proponha aos/às

alunos/as um exercício de percepção (caminhando pela sala ou outros espaços da

escola) ou de imaginação criativa, em que busquem uma imagem ou cena, de

preferência em que estejam presentes elementos da natureza, o que lhes servirá de

motivo para a escritura de um haikai. O próximo passo poderá ser a troca dos

trabalhos entre colegas, em duplas, em que um/a ilustrará o poema do/a outro/a.

Em anexo, encontram-se propostas de atividades referentes a essa e

outras autoras (Cora Coralina, Adélia Prado e Alice Ruiz) que três alunas do curso

de Letras da PUC-PR desenvolveram em nossa turma quando ali realizaram estágio

supervisionado pela professora mestra Maria Cristina Monteiro.

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REFERÊNCIAS

ANTÔNIO, Severino. Educação e Transdisciplinaridade: crise e reencantamento da aprendizagem. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. (Educação e Transdisciplinaridade, (vol.1).

ARIEL. Tópicos da cidade. O Dia, Curitiba, 05.jul.1955.

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, DF : Senado, 1988. _______. Lei n.° 11. 645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_. Acesso em 10/05/10.

_______. Lei n.° 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nos 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003.. República Federativa do Brasil. Brasília, DF. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/legislacao . Acesso em 10/05/10.

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REFERÊNCIAS DO MATERIAL DE APOIO (de acordo com o Roteiro de Apresentação)

1- LEI 11.645/08 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm 2- Letra do Samba Lata d’Água http://letras.cifras.com.br/marlene/lata-dagua 3- Música Lata d’Água - Jair Rodrigues http://www.radio.uol.com.br/#/musica/jair-rodrigues/lata-dagua/189131?action=search 4- Vídeo de Lata d’Água http://www.youtube.com/watch?v=XNskWy9aIFs 5- Vídeo Vida Maria http://www.youtube.com/watch?v=6-1CjDCmEiM 6- Fotografias da escultura de Erbo Stenzel Água pro Morro http://www.google.com.br/images?hl=ptbr&biw=1020&bih=567&gbv=2&tbs=isch:1&aq=f&aqi=&oq=&gs_rfai=&q=Fonte%20Maria%20lata%20dagua%20Erbo%20Stenzel 7- MANIFESTO dos Herdeiros da Memória de João Cândido – texto para impressão http://informativohumaita.wordpress.com/2010/08/24/manifesto-dos-herdeiros-da-memoria-de-joao-candido/ 8- Texto INVISIBILIDADE, PRECONCEITO E VIOLÊNCIA RACIAL EM CURITIBA- para impressão http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/238/23801301.pdf 9- Vídeo OS ESTATUTOS DO HOMEM, de Thiago de Melo http://www.youtube.com/watch?v=XylbBRdiRdI 10- Texto Os Estatutos do Homem – para impressão http://www.revista.agulha.nom.br/tmello.html#estat

11- Texto Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/2010) - para impressão http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12288.htm 12- Figura 3 – Tela Samba nos Arcos da Lapa e Fotografia de Heitor dos Prazeres http://www.google.com.br/images?hl=ptbr&q=samba%20nos%20arcos%20da%20lapa%20heitor%20dos%20prazeres&um=1&ie=UTF8&source=og&sa=N&tab=wi&biw=1003&bih=567 13- Letra de Pierrô Apaixonado, de Heitor dos Prazeres – para impressão http://letras.terra.com.br/marchinhas-de-carnaval/473885/

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14- Vídeo em que Heitorzinho dos Prazeres canta Pierrô Apaixonado http://www.youtube.com/watch?v=eb-1Jy_jljg 15- Documentário sobre a Vida e a Obra de Heitor dos Prazeres http://portacurtas.org.br/Filme.asp?Cod=5056&exib=2636 16- Texo dos poemas Navio Negreiro e Sou Negro - texto p/ impressão http://www.quilombhoje.com.br/solanotrindade.htm 17- Texto integral de:1- Vozes d’África e 2- Navio Negreiro, de Castro Alves - para impressão 1- http://www.luso-poemas.net/modules/news03/article.php?storyid=254 2- http://virtualbooks.terra.com.br/freebook/port/Navio_Negreiro.htm 18- Vídeo de Navio Negreiro, declamado por Paulo Autran http://www.youtube.com/watch?v=gyuT-x6a6W8&feature=related 19- Vídeo de Navio Negreiro musicado por Caetano Veloso http://www.youtube.com/watch?v=1Osbp0IMYRM 20- 1- Biografia e 2- Homenagem a Solano Trindade 100 Anos 1- http://www.youtube.com/watch?v=6rAR7dIF9AY&feature=related 2- http://www.youtube.com/watch?v=hC0UhqpElYc&feature=related 21- Vídeos 1- Poema Mulher Barriguda, de Solano Trindade, musicado João Ricardo e cantado por Secos e Molhados 2- Trem sujo da Leopoldina 1- http://www.youtube.com/watch?v=1Nfp-a7TD-4 2- http://www.youtube.com/watch?v=FTikJeF75Bo 22- Texto do poema Vozes Mulheres, de Conceição Evaristo - para Impressão http://www.abdias.com.br/nacional_90anos/nacional_90anos_coloquio.htm 23- Texto de apoio p/ o/a professor – O Canto Afro de Solano http://www.quantaedu.com/v1/components/com_mtree/attachment.php?link_id=82&cf_id=28 24- Biografia de Cecília Meireles http://www.youtube.com/watch?v=VE0x1eLkVQI&feature=related 25- Poemas declamados/musicados de Cecília Meireles

1- (Retrato na voz de Paulo Autran) http://www.youtube.com/watch?v=hYEMQ0Gbe38&feature=related

2- (Retrato na voz da própria Cecília e analisado) http://www.youtube.com/watch?v=TzTdRoWxZhw

3- (Motivo, adaptado e musicado por Fagner) http://www.youtube.com/watch?v=fh38n-sv45c&feature=related

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26- Texto Integral de “Romanceiro da Inconfidência” http://www.slideshare.net/edgararruda/ceclia-meireles-romanceiro-da-inconfidncia-livro-completo 27- Índios – Quem são eles?

Parte1 http://www.youtube.com/watch?v=VOLy04zEeK8

Parte 2 http://www.youtube.com/watch?v=03X-Tjyg2PM 28- Situação em que se encontram os indígenas Guarani Kaiowá no Brasil hoje

O Conflito da terra – Parte I http://www.youtube.com/watch?v=0rnwLtG4tXM

O Conflito da terra – Parte II http://www.youtube.com/watch?v=5t9ZVipzFcI&feature=related 29- Marcos Terena no Fórum Social Mundial 2010 http://www.youtube.com/watch?v=mCnSlz9OFxo 30- História dos índios Karajá no Tocantins 1- http://www.youtube.com/watch?v=rn88F3azI-U 2- http://www.youtube.com/watch?v=S-7JJBiw-is&NR=1 3- http://www.youtube.com/watch?v=XyE7pEQB8wc&feature=related 31- POÉTICAS INDÍGENAS – Entrevista Eliane Potiguara – Entrelinhas http://www.youtube.com/watch?v=CbwoEKsNSbA 32- Carta da Terra, voz de Leonardo Boff http://video.google.com/videoplay?docid=-2223087176262718918# 33- Carta da Terra dos Povos Indígenas – texto para impressão http://www.culturabrasil.pro.br/zip/cartadaterra.pdf 34- Música “Chegança”, de Antônio Carlos Nóbrega e Wilson Freire

1- Letra e vídeo http://letras.terra.com.br/antonio-nobrega/68957/

2- Música http://wn.com/Ant%C3%B4nio_N%C3%B3brega__Chegan%C3%A7a

35- Filme “Desmundo”, de Alain Fresnot http://www.cenafinal.com.br/baixar-desmundo-nacional-2003/download/ 36- Texto Integral do livro O Arco e A Lira, de Octavio Paz http://www.ufrgs.br/proin/versao_2/paz/index17.html

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ANEXOS

Anexo 1- Vida e Obra de Helena Kolody e Proposta de Atividades; Anexo 2- Vida e Obra de Cora Coralina e Proposta de Atividades; Anexo 3- Vida e Obra de Adélia Prado e Proposta de Atividades; Anexo 4- Vida e Obra de Alice Ruiz e Proposta de Atividades.