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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Produção Didático-Pedagógica Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7 Cadernos PDE VOLUME I I

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Produção Didático-Pedagógica

Versão Online ISBN 978-85-8015-053-7Cadernos PDE

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ME I

I

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EDNA PEREIRA MICHELATO

CADERNO TEMÁTICO

TRABALHO INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA NA ESCOLA:“O uso, a organização e interpretação de fontes históricas no

contexto escolar”

______________________________________________________________________LONDRINA

2010

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EDNA PEREIRA MICHELATO

CADERNO TEMÁTICO

TRABALHO DE INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA NA ESCOLA:“O uso, a organização e interpretação de fontes históricas no

contexto escolar”

Trabalho de produção pedagógico – Caderno Temático – apresentado como uma das exigências do Programa de Desenvolvimento Educacional, da Secretaria de Estado da Educação do Estado do Paraná, realizado em parceria com a Universidade Estadual de Londrina, que será implementado no Colégio Estadual Unidade Pólo de Arapongas

Orientadora: Drª Monica Selvatici

______________________________________________________________________LONDRINA

2010

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SUMÁRIO

DADOS DE IDENTIFICAÇÃO.................................................................. 04

TEMA....................................................................................................... 04

APRESENTAÇÃO.................................................................................... 05

INTRODUÇÃO.......................................................................................... 07

CAPÍTULO I - A HISTÓRIA DAS FONTES.............................................. 11

Os cuidados com os usos das fontes.................................. 20

CAPÍTULO II - FONTES ESCRITAS........................................................ 25

História e literatura............................................................... 32

História e jornais, revistas e periódicos................................ 34

História e documentos de arquivos...................................... 37

CAPÍTULO III – AS FONTES ORAIS........................................................ 45

CAPÍTULO IV - FONTES DA CULTURA MATERIAL.............................. 59

História e Arqueologia.......................................................... 62

História e Museus................................................................. 68

CAPÍTULO V – FONTES AUDIOVISUAIS................................................ 75

História e Música.................................................................. 78

História e Cinema................................................................. 83

História e Televisão.............................................................. 95

CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................... 100

REFERÊNCIAS........................................................................................ 102

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DADOS DE IDENTIFICAÇÃO:

Área PDE: Historia

NRE: Apucarana

Município: Arapongas

Professora Orientadora: Drª. Monica Selvatici

IES vinculada: Universidade Estadual de Londrina

Título da pesquisa: “O uso, a organização e a interpretação de fontes históricas no contexto escolar”

Conteúdo estruturante: O uso didático das fontes

Conteúdo específico: A utilização de documentos dos mais variados tipos no ensino de História

TEMA: O Estudo das Fontes Históricas

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APRESENTAÇÃO

O presente trabalho tem como finalidade cumprir um dos requisitos

necessários para a capacitação profissional dos professores da Rede Pública

Estadual de Ensino do Paraná, através do programa PDE.

O Caderno Temático trata-se de um material com abordagem em um tema

específico contendo textos que objetivam o aprofundamento teórico metodológico do

tema.

Apresento aqui este material no formato de um “Caderno Temático”, que

pretende fornecer elementos que possam contribuir com o trabalho de docentes que

atuam no ensino fundamental e médio na disciplina de História. Para tanto este

material pretende proporcionar um referencial teórico e metodológico aos

professores para trabalhar com fontes históricas de forma a refletir a grande

diversidade de fontes de que o historiador dispõe para reconstruir a trama da história

no tempo e no espaço.

Desta forma, apresento este trabalho como um dos resultados, que não tem a

pretensão de dar conta da totalidade das discussões aqui apresentadas e sim abrir

para a possibilidade de reflexões e aprofundamento das questões do tema proposto.

Sua organização pautada em pressupostos teóricos e metodológicos, busca

contribuir com a implementação do projeto na escola, pois, está articulado com os

pressupostos metodológicos das Diretrizes Curriculares, que enfatizam a

importância de se trabalhar com fontes históricas.

Ele tem também por objetivo propor e socializar junto a educadores a prática

pedagógica de utilizar documentos históricos como um dos recursos didáticos para

ensinar e aprender história, enriquecimento das aulas de História, resgatando o

interesse pelos estudos da disciplina.

A escola é espaço de construção de conhecimento e reconstrução da

experiência, num processo de socialização com vistas à emancipação e esperamos

estar contribuindo, nesse sentido, com o presente trabalho para promover o uso de

documentos históricos como recurso didático.

Este Caderno Temático pretende trabalhar com diferentes fontes históricas,

contribuindo para que professores e os alunos superem a noção de que um

documento nos informa de maneira direta e acabada sobre o passado, levando-os a

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compreensão de que o documento passa a ter valor a partir da pergunta que se faz

a ele.

A exploração de diversas fontes desde escritas até orais é de extrema

importância para que os alunos e professores conheçam que a base de autoridade

em que repousa o conhecimento sobre o passado humano, não é a autoridade do

professor ou do livro didático, mas da própria forma de se chegar ao conhecimento

sobre o passado.

Entre os documentos que podem ser utilizados no ensino da História e neste

Caderno Temático estão:

FONTES ESCRITAS – autobiografias, diários, biografias, crônicas, censos,

documentos jurídicos (constituições, leis, decretos), testamentos, discursos escritos,

cartas, livros de História, novelas, poemas, romances, lendas e mitos, imprensa,

estatísticas, mapas, gráficos etc.

FONTES ORAIS – entrevistas com pessoas, gravações, depoimentos, programas de

rádio, etc. Possibilitando a construção de problematizações e a apreensão de várias

histórias lidas a partir de distintos sujeitos, bem como das histórias silenciadas que

não tiveram acesso à História oficial.

FONTES AUDIOVISUAIS– pinturas, caricaturas, fotografias, gravuras, filmes,

vídeos, programas de televisão, imagens, músicas, etc.

FONTES DA CULTURA MATERIAL – aquelas relacionadas a utensílios de uso

diário, roupas, ornamentos, armas, símbolos, instrumentos de trabalho, construções,

esculturas, moedas, nomes de lugar, moedas, etc.

Além do estudo e reflexão sobre os métodos e técnicas de trabalho com as

fontes, temos também uma unidade que aborda e discute a historicidade das fontes

em seus procedimentos metodológicos.

Em síntese, procurei elaborar este Caderno Temático para que possa ser útil

no seu dia-a-dia em sala de aula. Só você que vive o cotidiano da escola poderá dar

uma opinião sobre ele. Espero que ele ofereça contribuições para o enriquecimento

do seu trabalho em sala de aula, e que surjam outros trabalhos a partir dele.

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INTRODUÇÃO

Os vestígios e as marcas que compõem o patrimônio histórico são o resultado

da ação concreta dos seres humanos em um determinado tempo e espaço. Assim,

os seres humanos ao longo do tempo produzem suas marcas, culturais e

patrimoniais de forma involuntária sem a mínima intenção de legar um testemunho

ao futuro. Marc Bloch (2002) ressalta que “é quase infinita a diversidade dos

testemunhos históricos. Tudo quanto o homem diz ou escreve, tudo quanto fabrica,

tudo em que toca, pode e deve informar a seu respeito”. Portanto, tudo que o

homem produziu é objeto do historiador.

Ao estudarmos fontes históricas teremos um olhar sobre as mentalidades, os

comportamentos, as culturas, o cotidiano. Abordamos aqui um referencial teórico e

metodológico aos professores para trabalhar com fontes históricas, além de refletir e

demonstrar a grande diversidade de fontes de que o historiador dispõe para

reconstruir a trama da história no tempo e no espaço, sempre levando-se em conta

que as fontes devem ser questionadas e não trazem em si verdades absolutas e sim

diferentes versões das realidades sociais.

Além das fontes escritas expressas em documentos de arquivos, impressos,

jornais, revistas, periódicos, biografias, literatura, etc., abordarmos as fontes da

cultura material através do estudo da arqueologia, vestígios, monumentos, edifícios,

museus. Um enfoque especial foi dado às fontes orais e audiovisuais que trouxeram

ideias inovadoras para a noção de fontes históricas, visto que muitos historiadores

que estudam a história do tempo presente defendem que a fonte histórica é mais

que documentos oficiais ou vestígios, pois acreditam que os mitos, a fala, o cinema,

a TV, músicas, são produtos humanos, tornando-se assim, fonte para o

conhecimento da história.

Trabalhar com documentos é uma das principais questões postas ao

historiador e ao professor. Trabalhar com fontes históricas em sala de aula ajuda a

formar novas gerações capacitadas a pensar, a refletir e a construir novos

aprendizados.

Acreditamos que cabe aos professores conhecerem a diversidade de fontes

históricas e suas linguagens a fim de traduzi-las em recursos para o trabalho com os

alunos que permitam a eles relacionarem as informações trabalhadas em aula, de

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forma lógica e historicamente corretas a ponto de perceberem que os temas e fatos

estudados estão inseridos num tempo e num espaço determinado.

Como se opera o trabalho do historiador? Como interpretarmos os fatos?

Como trabalhar com as diversas fontes históricas? Como proporcionar ao aluno

interesse em trabalhar, pesquisar e entender as fontes históricas?

Responder estas questões requer mudanças na didática do ensino de

história, que temos que operar para conseguirmos produzir um conhecimento que

melhor compreenda nosso tempo.

Em primeiro lugar, é necessário ter cuidados com os perigos do trabalho

direto com o registro histórico, pois todo documento é uma “versão” de determinado

fato ou momento e não é isenta da visão do seu autor. Reconhecer o contexto no

qual ele foi produzido, saber sobre o autor, verificar suas aspirações e visões de

mundo é essencial para um bom trabalho.

Tomando como referência as discussões acerca do documento devemos ter

como certo que as fontes para análise são de diferentes categorias e natureza

diversas, sendo assim, elas podem e devem ser exploradas por diferentes enfoques,

utilizando-se para esse estudo diferentes metodologias de trabalho.

Portanto, o trabalho com fontes históricas em sala de aula pode ser bastante

interessante, amplo e variado e pode proporcionar ao estudante uma visão mais

crítica da própria história e dos problemas do presente, situando-o num contexto em

que muitos se sentem desnorteados, sem perspectivas, sem projetos. Diante dessa

falta de perspectivas, é preciso incentivar na sala de aula e na escola um trabalho

pedagógico com uma grande pluralidade das fontes históricas que permita praticar

junto com os estudantes a formulação de perguntas aos documentos, construindo

inúmeras respostas e interpretações possíveis, valorizando os olhares múltiplos e

não apenas as histórias dominantes.

Diante deste contexto, o estudo de História requer a descoberta e a

apropriação de certas práticas e métodos que levem a conhecer e interpretar o

resultado da ação dos homens ao longo do tempo.

Sabemos que o ensino de História, enquanto disciplinar escolar, também tem

história e ele possui uma longa caminhada permeada de conflitos e controvérsias na

elaboração de seus métodos e conteúdos.

Para Bittencourt (2008):A História serviu inicialmente para legitimar um passado que explicasse a formação do Estado-Nação e para desenvolver o espírito patriótico ou nacionalista. A contribuição de seu ensino

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para a construção da identidade permanece, mas já não se limita a constituir e forjar uma identidade nacional (BITTENCOURT, 2008).

De acordo com a autora um dos objetivos da História diante das

transformações da sociedade está relacionado à sua contribuição na construção de

identidades. Assim, “a constituição de identidades associa-se à formação da

cidadania, problema essencial na atualidade, ao se levar em conta as finalidades

educacionais mais amplas e o papel da escola em particular.” (BITTENCOURT,

2008, p.121)

Diante das necessidades propostas pelas novas perspectivas historiográficas

com relação à aprendizagem podemos afirmar que o ensino de História acontece

por intermédio do domínio de conceitos que levem ao conhecimento histórico para a

formação intelectual do aluno. Portanto aqui apresentamos conceitos e estratégias

para trabalhar com as diversas fontes históricas disponíveis para levar o aluno a

compreender a sua identidade e desenvolver uma compreensão histórica da

realidade social, o que se mostra um dos principais desafios enfrentados pelos

professores que pretendem uma prática de ensino reflexiva e dinâmica. De acordo

com Schmidt e Cainelli (2004), podemos afirmar que:Ensinar História é fazer o aluno compreender e explicar, historicamente, a realidade em que vive... pois é importante que o aluno se identifique como sujeito da história e da produção do conhecimento histórico. Nesse sentido, há consenso entre as diferentes correntes historiográficas contemporâneas de que a História é feita por todos os homens, e não somente pelos heróis ou personagens importantes. Assim, a História ensinada deve levar em consideração a multiplicidade e a multilinearidade históricas. (SCHMIDT E CAINELLI, 2004, p. 49-50)

Diante dessas novas abordagens necessárias ao estudo de história para a

construção do saber histórico, consideramos imprescindível o trabalho com as fontes

históricas, porque de acordo com Paul Veyne (1982), “Por essência a história é

conhecida através dos documentos”.

O termo “documento”, “fonte histórica” também tem sua historicidade, porém

verificamos que Andrade (2007, p.234) busca o conceito de documento histórico tal

como definido no INPR (Instituto Nacional de Pesquisa Pedagógica-França),... as novas concepções pedagógicas paralelas aos novos aportes teóricos e metodológicos da História legitimam o uso escolar do documento histórico, não apenas como suporte informativo, mas aqui entendido como “todo conjunto de signos, visual, textual, produzido numa perspectiva diferente da comunicação de um saber disciplinar, mas utilizado com fins didáticos (INRP, 1992, p.16).

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A escolha do documento é aqui entendida como fonte, ou seja, as marcas do

passado, vestígios de um tempo vivido, fragmentos de memória, requer e possibilita

a construção de saberes a partir de problemáticas que levem alunos e professores

a: “identificarem, recuperarem, registrarem e (re) significarem no cotidiano vivido as

marcas do passado” (ANDRADE, 2007, p.231).

Essas marcas do passado são produzidas pelo homem enquanto ser social,

que a produz não com a finalidade de torná-la objeto de estudo. Mesmo sem a

finalidade de se tornar documento o homem produziu uma enorme quantidade de

vestígios do passado que se tornaram fruto de estudo através de métodos e técnicas

utilizados pelos pesquisadores e tornaram-se valiosos testemunhos do passado

humano.

As fontes podem ser de muitas classes e natureza, no entanto sabemos que

fonte histórica é tudo que permite responder a uma pergunta atual sobre o passado

da presença do homem. Responder a essa indagação é provisória e construída pelo

historiador com base nas evidências, por isso: “um saber falível, imperfeito,

discutível, nunca totalmente inocente, mas cujas normas de produção e condições

profissionais de elaboração e exercício, permitem que se chame científico” (LE

GOFF, 1984, p. 245).

Jacques Le Goff tenta nos mostrar que toda fonte histórica está sob a

influência direta de quem a produziu, sendo assim tendenciosa ou parcial, como o

produto final da própria pesquisa do historiador que a estuda. Não há produção de

saber sem vínculo com o presente e com interesses, sendo assim:O documento não é inocente, não decorre apenas da escolha do historiador, ele próprio parcialmente determinado por sua época e seu meio: o documento é produzido consciente ou inconscientemente pelas sociedades do passado, tanto para impor uma imagem desse passado, quanto para dizer “a verdade” (Le Goff, 1993, p. 54).

Para tanto, devemos, sempre que formos realizar uma pesquisa com

levantamentos de fontes, ter em mente as circunstâncias em que elas foram

produzidas e quem as produziu, sua época, suas especificidades, sua função

quando produzida e quem produziu e com que intenção. Levando isso em

consideração, o pesquisador está apto a estudar tais fontes de uma forma menos

superficial e mais crítica.

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CAPÍTULO 1 – A HISTÓRIA DAS FONTES

Todo ser humano em um determinado momento da vida faz indagações sobre

a sua origem, os seus antepassados, sua história, tais questionamentos estão

relacionados com o tempo presente, com suas convicções, suas inquietações e com

suas idéias. Assim, também o historiador faz História a partir de uma questão posta

pela necessidade humana de saber suas origens.

Da posse da dúvida o historiador se debruça sobre a pesquisa buscando a

matéria prima para seu trabalho. Mas como isso foi feito no decorrer do tempo?

Como o historiador opera seu trabalho?

Tudo o que o ser humano tocou, produziu, sentiu, transformou, pensou no

mais diferentes tempos e contextos sociais é matéria prima da História. Sendo

assim, moradias, obras de arte, texto de jornais, monumentos, utensílios,

depoimentos, vestimentas, textos literários, depoimentos e lembranças, leis, diários,

filmes, programas de televisão, entre outros, são considerados fontes ou

documentos históricos. De acordo com Marc Bloch (2002) “a diversidade dos

testemunhos históricos é quase infinita. Tudo que o homem diz, escreve, tudo que

fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele”. Portanto, tudo que o homem

produziu é objeto de estudo do historiador.

Para uma compreensão mais ampla das fontes históricas, faz-se necessária

uma incursão através das transformações da História ao longo do tempo.

De acordo com Janotti, 2006:O uso das fontes também tem uma história porque os

interesses dos historiadores variaram no tempo e no espaço, em relação direta com as circunstâncias de suas trajetórias pessoais e com suas identidades culturais. Ser historiador do passado ou do presente, além de outras qualidades, sempre exigiu erudição e sensibilidade no tratamento de fontes, pois delas depende a construção convincente de seu discurso.Os primeiros relatos da vida humana foram grafitos em cavernas com materiais contundentes, constituindo-se, com outros vestígios, nas fontes primevas dos futuros historiadores. Após milênios - quando pequenas comunidades ágrafas deixaram indícios permitindo a arqueólogos, antropólogos, etnólogos levantarem hipóteses sobre diferentes modos de vida -, surgiram sociedades complexas, como as do Oriente antigo, e com elas a instituição da propriedade privada, do comércio, de religiões, de cidades, de estados e impérios que geraram novas configurações de registros, destacando-se entre elas a invenção da escrita, responsável pela produção documental dos períodos históricos subseqüentes, constituindo-se nas fontes mais valorizadas pelos pesquisadores até meados do século XX. (JANOTTI, 2006, p.10).

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Foram os antigos gregos e romanos, considerados pela maioria dos

historiógrafos como o berço da forma ocidental de fazer história. Embora Heródoto

(484-424 a.C), fosse o inaugurador de um gênero muito próximo do que hoje se

poderia chamar de histórico, sua narrativa ainda é etnográfica, descritiva e

etnocêntrica, sem rigor documental. Foi Tucídides (464-401 a.C.), que antecipou o

modelo do historiador mais próximo do metódico do século XIX. Heródoto,

Tucídides, Deodoro da Sicília (século I a.C.), Salústio (86-34 a.C), para entender o

presente estes historiadores buscavam o passado para seus objetos de estudo, mas

faziam isso a partir do presente.

A História dos antigos era antes de tudo, um gênero literário, que deveria ser

apreciado, objeto de leitura prazerosa e agradável e geralmente trazia consigo um

caráter ético e moralista. Estes historiadores recorriam a testemunhos, a objetos, a

paisagens, as guerras, entre outras fontes para realizarem seus estudos. De acordo

com (Funari, 2006, p.84):Heródoto viajou pelos lugares em que haviam ocorridos os combates ou que eram de alguma forma relacionados ao seu tema e lá consultou os habitantes, visitou lugares, templos, edifícios, conheceu paisagens(....) Os discurso reportados pelos historiadores, como a famosa “oração de Péricles em Tucídides” eram criação do autor, baseada no que havia ouvido ou mesmo supunha fosse plausível para as circunstâncias dadas.(FUNARI, 2006.p.84).

Embora Heródoto seja considerado o pai da História, é necessário evitar o

simplismo de atribuir a ele essa paternidade presente na sociedade ocidental desde

o século XIX. É necessário considerar o surgimento da historiografia nas primeiras

manifestações intencionais de preservação da identidade cultural das sociedades

mais antigas, mesmo que essas manifestações não sejam frutos da construção

metódica e cientificista da escrita da História.

Durante séculos a história segue as características dos gregos e romanos,

porém com o advento do cristianismo, a História continua tendo um caráter moralista

com a matriz judaico-cristã, que é um tronco religioso que se constitui

essencialmente em sua historicidade baseada na escritura sagrada da Bíblia, que

apesar de possuir dimensões múltiplas, é com certeza, um livro histórico.

De acordo com Vavy Borges, 2001, para a história:A influência do cristianismo é tão grande em nossa civilização que toda a cronologia de nosso passado é feita em termos do seu acontecimento central, a vinda do filho de Deus à terra. Cristo, tornando-se homem, possibilita a salvação da

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humanidade, meta final da história. [...] A história continua tendo uma visão do tempo linear, cujo desenvolvimento é conduzido segundo um plano da Providência Divina. É a volta a uma explicação sobrenatural, semelhante à do mito, e também cosmogônica. Ela se impõe no inicio do período medieval (séculos V e VI d.C.), perdurando como forma única por toda a Idade Média, quando se forma a civilização européia ocidental.(BORGES, 2001.p.22)

Santo Agostinho foi de fato quem sistematizou e ordenou os princípios da

historiografia cristã antiga em sua grande obra A Cidade de Deus, nela ele constrói

os parâmetros para uma filosofia e uma teologia da história que geram o primeiro

sistema histórico ordenado e finalista da tradição ocidental.

A escrita da História na Idade Média não iria muito além de uma limitada

intenção de revelação dos fatos subordinados aos desígnios da providência divina

sobre a humanidade. Assim, não caberia ao homem explicar e conhecer causas e

efeitos, quer no que diz respeito ao material, quer no que diz ao histórico. Apesar de

a história estar subordinada à influência da Igreja, este é um período muito

importante para nós, pois, “somos, em grande parte e através de muitas vias,

herdeiros dessa civilização. Estamos profundamente impregnados por seu modo de

vida, seus valores, suas atividades culturais, etc.” (BORGES, 2001, p.24.).

Tendo em vista as características feudais da Idade Média, sabemos que

somente os membros do clero sabiam ler e escrever. O gênero da escrita histórica

mais abundante nesta época é produzido pelo clero e chamado de hagiografia, ou

seja, suas principais formas de manifestação são as vidas de santos, os relatos de

milagres ou de translações de relíquias e as listas episcopais. As narrativas de vida

dos santos, embora possuam um componente devocional e de edificação espiritual,

também se constituem fundadas em motivações bem mais terrenas.

Por ser feita na grande maioria por padres a historiografia cristã do medievo

também contemplava a dimensão política e militar da história, porém a função das

histórias nacionais era constituir a história de dioceses e ou de ações

evangelizadoras da Igreja. A existência de Anais, que registravam anualmente os

acontecimentos memoráveis de uma paróquia também fazia parte dos escritos da

Idade Média. Com o passar do tempo, estes Anais, junto com as cartas de doação e

de privilégio, se constituem em fontes privilegiadas para a construção de histórias

das igrejas dioceses, mosteiros e comunidade.

Conforme nos coloca Borges, 2001:A história escrita nesse período não apresenta o mesmo rigor crítico de investigação que apresentava entre os gregos, nem a

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mesma procura de compreensão e explicação: ela se compõe, sobretudo, das chamadas crônicas ou anais, em que se relatavam fatos, mais do que outra coisa. Os cronistas (a maior parte do clero) são elementos contratados por uma casa real, um ducado, etc., para escrever sua história. Há, portanto, nas obras deles, uma nítida vontade de agradar a quem os emprega. Não há uma preocupação em aferir a veracidade dos fatos; há um predomínio da tradição oral, sem se verificar o que já se escrevera. (BORGES, 2001, p. 25)

A partir do século XIII, a concepção da escrita da história vai se modificando

aos poucos, sem, contudo, perder seu caráter eclesial. Os documentos leigos

notadamente bélicos e políticos vão aparecendo e se impondo como dimensões

para a escrita da história. As vidas dos santos vão dando lugar às biografias reais.

Os monges copistas e historiadores que usavam o latim perdem seu monopólio para

burgueses e habitantes das cidades, que passam a escrever em línguas vulgares.

Começa na Europa uma escrita da história de dimensão essencialmente burguesa

de caráter social e principalmente político. A nobreza mercantil italiana e a realeza

européia sustentam historiadores encarregados de narrar seus grandes feitos.

Estes novos historiadores passam a ser arquivistas, compiladores de documentos,

estruturadores de documentos diversos e elaboradores de sínteses de memórias.

O século XV se constitui num marco de transição e de mudanças profundas

nas práticas historiográficas. O eixo da escrita da história desloca-se das

manifestações eclesiais para as atividades políticas, diplomáticas e militares. A

dimensão factual cronológica e causal começa a se constituir em fundamento da

prática do historiador.

Neste período conhecido como Renascimento os historiadores e a sociedade

em geral procuram retomar a Antiguidade greco-romana buscando seus valores,

suas artes. Para Vavy Borges, 2001:Com a preocupação pelos textos antigos e por sua exatidão com a pesquisa e a formação de coleções de moedas, de objetos de arte, de inscrições antigas, vai se levantando um enorme material para a reconstituição desse passado. Do século XVI ao XIX vão se multiplicar as técnicas para reunir, preparar e criticar toda essa documentação, que fornece os dados para a interpretação histórica. Esse conjunto de técnicas se aperfeiçoa constantemente nesse período e vai auxiliar a história [...] Do avanço dessas técnicas eruditas é que nascem ou se afirmam a cronologia (estudo da fixação das datas), a epigrafia (estudo das inscrições, a numismática (estudo das moedas), a sigilografia (estudo dos selos ou sinetes), a diplomática (estudo dos diplomas) a onomástica (estudo dos nomes próprios), a heráldica (estudo dos brasões) a genealogia (estudo das linhagens familiares, a arqueologia (estudo dos vestígios materiais antigos)

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a filologia (estudos dos estudos antigos). Há um esforço contínuo, através dessas técnicas, para se aprender a escolher os documentos significativos, situá-los no tempo e criticá-los quanto ao grau de credibilidade. (BORGES, 2001, p.28-29)

De acordo com Borges, podemos perceber que havia uma preocupação dos

historiadores em oferecer elementos epistemológicos que garantissem a

cientificidade da História. Por isto o cuidado com a credibilidade do documento fez

com que as técnicas e métodos empregados regidos pelas leis das ciências fossem

estabelecidos. Para isso, era necessário que o historiador não tivesse envolvimento

com seu objeto de estudo e dominasse a metodologia da crítica textual valendo-se

de fontes marcadas pela objetividade, neutralidade, credibilidade, além do

distanciamento de seu próprio tempo.

Assim, podemos dizer que foi na segunda metade do século XIX que a

História se afirma como disciplina acadêmica e: Foram estabelecidos parâmetros metodológicos cientificistas rígidos orientadores da crítica interna e externa das fontes escritas, arqueológicas e artísticas, priorizando investigações sobre a importância da autenticidade documental, porquanto a concepção dominante na historiografia era de que a comparação de documentos permitia reconstituir os acontecimentos passados, desde que encadeados numa correlação explicativa de causas e conseqüências. Concomitantemente, os filósofos buscaram dar sentido ao desenvolvimento histórico das sociedades ocidentais e, convictos dos princípios do racionalismo, concluíram que a evolução e progresso presidiam os destinos dos povos.(JANOTTI, 2006, p.11)

Nas primeiras décadas do século XIX as categorias de fontes mais usadas

pela historiografia eram os documentos de arquivo e as obras copiadas pela tradição

textual. De acordo com Pedro P. Funari, passou-se a:Publicar documentos antigos, transmitidos pela tradição textual dos copistas, em edições com aparato crítico, ou seja, com notas de obras latinas e gregas, primeiro, e depois de uma infinidade de textos e línguas antigas, medievais e modernas. Ao mesmo tempo começou a surgir a preocupação com a preservação de documentos de arquivos, com a criação de instituições arquivistas públicas com critérios próprios. (FUNARI, 2006, p.84)

Além dos documentos, as fontes arqueológicas passam a determinar e

influenciar a escrita da história ainda no século XIX através das inscrições, que

passaram a ser associadas às fontes escritas. A cultura material aos poucos deixa

de ser um estatuto completamente diverso, não mais como objeto artístico, como

modelo ou como curiosidade, para tornar-se uma fonte histórica.

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Aos poucos ocorre a ampliação das fontes históricas, neste contexto Karl

Marx aponta que as relações sociais estão amparadas sobre o materialismo

histórico apontando para uma abordagem histórica centrada nos estudos das

classes sociais e da economia. Para Janotti, 2006,

O capitalismo comercial-industrial, favorecido pelas revoluções liberais ocorridas na Inglaterra (século XVII), na França (século XVIII), e pela independência norte-americana (século XVIII), corroborou para que burguesia, aliançada ao Estado, defendesse posições imperialistas e adotasse, paradoxalmente, o liberalismo como ideologia. Essa voracidade em acumular capital voltou-se para a exploração da nascente classe operária, cujas condições de vida sensibilizaram o pensador Karl Marx, autor de O Capital, no qual defende a idéia de que a base da sociedade é sua estrutura econômica. Sua doutrina, denominada materialismo dialético, atribui o sentido da história às lutas entre as classes socais dominantes e as classes dominadas, opondo-se ao liberalismo.

Sob a influência desses parâmetros, desenvolveram-se os estudos de Economia e Sociologia, voltando-se a coleta e interpretação de fontes – antes focada na área política e na atuação de grandes personagens – para documentos sobre atividades econômicas, devassando-se cartórios, processos judiciais, censos, contratos de trabalho, movimentos dos portos, abastecimento e outros de cunho coletivo e reivindicatório. A historiografia social e econômica sobrepujou a política na preferência dos historiadores que investigaram as estruturas básicas sobre as quais a política se assentava. (JANOTTI, 2006, p.11)

Atualmente, as influências da produção teórica e conceitual das teorias

cientificistas e marxistas são ainda apropriadas por historiadores das mais diversas

correntes e matizes ideológicos, fazendo, já, parte do patrimônio teórico da

historiografia contemporânea em suas diferentes acepções.

Nas primeiras décadas do século XX surge uma das mais importantes e

revolucionárias correntes da historiografia contemporânea a Escolas dos Annales,

que deslocou o eixo da produção histórica do campo do cientificismo da Escola

metódica e do campo ideológico do Materialismo Histórico para o espaço de fazer

histórico como campo privilegiado de produção do conhecimento histórico. Essa

escola rompeu com as barreiras que continham a produção histórica nos estreitos

limites do método histórico cientificista e afirmou a natureza multidisciplinar e

transdisciplinar da escrita da história cabendo, porém, à história o papel de efetuar a

síntese das produções elaboradas nas diferentes áreas do conhecimento afins a ela,

sob a orientação dos historiadores.

Com a Escola de Annales a historiografia francesa, contribuiu

significativamente ao apresentar a necessidade de uma nova história em oposição

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às abordagens tradicionais, para isso propunham um ensino de história

problematizador, a partir da formulação de hipóteses, pois sem esses elementos o

saber histórico pouco atenderia aos anseios, na prática social, no que diz respeito à

existência e experiência humana no tempo, abordando os aspectos coletivos e os

diversos níveis de temporalidade, sendo assim as fontes deveriam ser buscadas e

interpretadas segundo as hipóteses que partiam do historiador.

Quanto ao que se refere às fontes a Escola de Annales alargou a visão de

documento considerando a possibilidade de se construir conhecimento histórico com

todas as coisas que pertencem ao homem, pois são fontes dignas de pesquisas e

possíveis de leitura por parte do historiador. Sendo assim houve um alargamento

dos objetos de estudo:

Na amostragem de novos objetos da História encontram-se trabalhos sobre o clima, o inconsciente, o mito, o cotidiano, as mentalidades, a língua: Lingüística e História, livro, jovens, e crianças, saúde e doenças, opinião pública, cozinha, cinema, festa. As fontes consultadas e discutidas pelos autores mostram a dimensão interdisciplinar de suas perspectivas: mapas meteorológicos, processos químicos, documentos ministérios da agricultura, relatos de incêndios, cartas sobre catástrofes climáticas do passado, diários, biografias, romances, estudos psicanalíticos, Psicologia da arte, releitura dos clássicos greco-romanos, o discurso do mítico, Antropologia cultural, culto de santos, doutrinas religiosas, livros pornográficos e clandestinos, estatísticas de publicações diversas, ilustrações, caricaturas, jornais, manuais de bons hábitos, fotografias, literatura médica, receituários, dietas alimentares, documentos de ministérios da saúde sobre epidemias, escrituração de estabelecimentos voltados ao abastecimento, contas da Assistência pública, estudos de Biologia, cardápios de hospitais e listas de compras, menus de restaurantes, arte culinária, utensílios de serviços de mesa, sondagens de opinião pública, depoimentos orais, filmes mudos, sonoros e coloridos, plantas de salas de inibição de filmes, letreiros, legendas, técnicas de filmagem, filmes de propaganda política, festas de loucos, fantasias, comemorações nacionais, bailes, cores, programas de festas públicas e particulares, homenagens, musicas, celebrações religiosas, discursos, trajes especiais e uma infinidade de outras mais (JANOTTI, 2006, p.15).

A terceira geração dos Annales produziu uma dificuldade para análise desta

etapa da escola que foi chamada de Nova História devido ao alargamento radical

dos objetos e das fronteiras da escrita da história, além da proximidade cronológica

do grupo da contemporaneidade. O nome Nova História foi uma denominação dos

historiadores que pertenciam ao que poderia ser chamado de “a terceira geração

dos Annales”. O nome passou a designar o grupo de historiadores desta terceira

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geração, provavelmente a partir da publicação, em 1978, da obra coletiva em forma

de dicionário A Nova História de Le Goff, Chartier, e Revel, que fez um balanço

teórico-historiográfico e biográfico da produção da Nova História. Assim,Depois dos Annales, principalmente com seus seguidores da “Nova História” na segunda metade do século XX, o conceito de documento foi modificado qualitativamente abraçando a imagem, a literatura e a cultura material. Os termos registro e vestígio passaram, nas últimas décadas, a ser mais e mais adotados, demonstrando a nova concepção histórica dominante em pesquisa sobre a cultura e o cotidiano, a alimentação e a saúde, as mentalidades coletivas. Múltiplas pesquisas, que utilizavam como fontes receitas culinárias, relicários e ex-votos, cordéis e vestimentas, todo tipo de registro de imagens, além da literatura em suas várias formas, começaram a ter grande desenvolvimento. Entretanto, o documento escrito não perdeu seu valor, mas passou a ser reinterpretado a partir de técnicas interdisciplinares emprestadas da Lingüística de da Psicologia. (SILVA & SILVA, 2005, p.159)

Diante desse contexto, sabemos que as interpretações historiográficas se

sucede no tempo, podemos verificar que as mais recentes conservam diversos

conteúdos e traços das anteriores, algumas sofrem novas abordagens através de

releituras, outras permanecem nos conceitos cristalizados pela produção de grupos

mais resistentes.

Portanto, achamos oportuno a colocação de Keith Jenkins que afirma:

(...) Embora possam existir métodos para descobrir “o que acontece”, não existe absolutamente nenhum método pelo qual se possa afirmar de uma vez por todas, “ponto final”, o que os “fatos” significam. (...) Não há método que estabeleça significados definitivos; a fim de terem significado, todos os fatos precisam inserir-se em leituras interpretativas que obviamente os contêm, mas que não surgem pura e simplesmente deles. (JENKINS, 2006, p.60-61)

É importante ressaltar frente a essa colocação que um mesmo texto

documental é passível de múltiplos usos e hoje do ponto de vista das técnicas de

pesquisa, a história está em desenvolvimento constante. Desde as primeiras

investigações gregas até o uso do computador, as formas de registrar os fatos e de

utilizar as fontes vêm tendo um constante aperfeiçoamento. Hoje sabemos que: O avanço das tecnologias e principalmente da informática agilizou pesquisas quantitativas e seriais, as comunicações de forma geral, a transferência de capitais, a concepção de tempo e memória e mesmo a de realidade. A internet aproximou os homens em tempo real, inventou uma linguagem própria e diminuiu distâncias e diferenças. A computação gráfica gerou imagens virtuais, impulsionando novas artes visuais. Largamente utilizada no campo de ensino, substituiu consultas

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às enciclopédias e aos livros, padronizando informações [...] Começam a surgir pesquisas, principalmente na área de comunicações, sobre fontes até então inexistentes: sites, condições de trabalho dos digitadores, jornais de circulação virtual, estratégias de marketing... (JANOTTI, 2006, p. 17)

Diante da grande pluralidade das fontes históricas; da existência de diferentes

modos de narrar a história; das possíveis produções do conhecimento histórico, hoje

sabemos que há uma diversificação e democratização da escrita da história, por isso

acreditamos que é importante existirem histórias plurais construídas a partir de

diferentes interpretações que ora se entrecruzam, ora se contradizem ou se

sobrepõem. Cabe a cada um decidir com quais concordará e com quais discordará.

Conhecer as principais tendências da produção historiográfica é uma

necessidade prática para quem estuda história, pois é com base em uma concepção

de história que podemos assegurar um critério para uma aprendizagem efetiva e

coerente. Ao estudar e conhecer as concepções historiográficas o professor pode

adquirir autonomia intelectual, além de ganha poder de decisão.

Diante desta perspectiva de trabalho com as fontes concordamos com Silva e

Silvia, ao dizer que:A preocupação com o documento é uma das primeiras questões postas ao historiador, e trabalhá-lo em sala de aula ajuda a formar novas gerações capacitadas a pensar, refletir e construir novas fontes para a interpretação das sociedades. Cabe a professores e professoras conhecerem a diversidade de fontes históricas, e suas linguagens e traduzi-las em recursos para o trabalho com os alunos. Trabalhar diretamente com o documento permite que o estudante possa se sentir mais próximo do passado, e, se bem orientado, criar suas próprias interpretações acerca do fato ou do contexto estudados. (SILVA & SILVA, 2005, p.160 e 161)

Sabemos que a disciplina de História sofreu modificações e incorporou novos

objetos e abordagens, além de fontes que nem eram pensadas como objeto de

estudo há algumas décadas. Para isso, dividimos as fontes em quatro categorias

diferentes, entre elas: fontes escritas, dentre as quais trabalharemos com

documentos de arquivo, impressos, jornais, revistas, periódicos, biografias, literatura,

entre outros; fontes da cultura material: arqueologia, vestígios, monumentos,

edifícios, arquitetura, museus; fontes orais: relatos, entrevistas, depoimentos,

memórias; e finalmente fontes audiovisuais através de: imagens, figuras, foto,

televisão, filmes, músicas, rádio, cinema.

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Ao descrever a tipologias das fontes, com o intuito de elaborar análise em

torno dos diversos tipos de documentos que pretendemos abordar subsidiaremos

nosso trabalho através de metodologias e técnicas próprias para cada uma delas,

pois sabemos que elas constituem importante fonte de análise da dinâmica interna

da sociedade, sobretudo quando relacionamos, entrecruzamos e confrontamos as

informações, nelas explícitas ou implícitas, com outros tipos de documentos.

Desde as primeiras fontes os grafitos e achados arqueológicos até a

historiografia atual que lida com as não certezas, com tempo real, com história

imediata, com a história das mentalidades, entre outros, procuramos abordar nos

próximos capítulos o estudo de uma fonte específica, levando em conta problemas

metodológicos a ela vinculados, sem, contudo, termos a pretensão de esgotar cada

tipo de fonte aqui abordada, pois sabemos que seria impossível dar conta de uma

quase infinita possibilidade de estudos diante da pluralidade das fontes.

OS CUIDADOS COM OS USOS DAS FONTES

Assim como se transformou a escrita de história, o conceito de fonte histórica

também sofreu transformações ao longo do tempo, modificando assim suas

abordagens e os tratamentos que fundamentam a sua utilização. Optamos aqui pela

acepção que coloca que: Fontes históricas, documento, registros, vestígio, são todos termos correlatos para definir tudo aquilo produzido pela humanidade no tempo e no espaço; a herança material e imaterial deixado pelos antepassados que serve de base para a construção do conhecimento histórico. O termo mais clássico para conceituar a fonte histórica é documento. Palavra, no entanto, que, devido às concepções da escola metódica, ou positivista, está atrelada a uma gama de idéias pré-concebidas, significando não apenas o registro escrito, mas principalmente o registro oficial. Vestígio é a palavra atualmente preferida pelos historiadores que defendem que a fonte histórica é mais do que o documento oficial; que os mitos, a fala, o cinema, a literatura, tudo isso, como produtos humanos, torna-se fonte para o conhecimento da história (SILVA & SILVA, 2005, p.158).

Diante desta acepção de fonte podemos dizer que o pensamento histórico

não se limita a uma interpretação em partes e linear das fontes, ele se alimenta de

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narrativas progressivamente construídas, criticadas e reconstruídas. Esse caminho

que pretende a interpretação é essencial para a contextualização das fontes. Para

ser capaz de ler historicamente o contexto é necessário: saber “ler” fontes históricas

diversas com suportes e mensagens diversas; saber confrontar as fontes nas suas

mensagens, intenções e validade; saber selecionar as fontes para confirmar ou

refutar hipóteses; saber levantar novas questões a serem investigadas; saber fazer

perguntas às fontes e procurar nelas evidências para a construção do conhecimento

histórico.

Portanto, conhecer as principais tendências da produção historiográfica,

principalmente as que permitem a análise do discurso é uma necessidade prática

para quem quer estudar história, porque: “Estudar qualquer documento como

construção complexa, estruturada, como autoria, públicos e objetivos específicos.

Esta, talvez, seja a maior aquisição da moderna semiótica para o estudo da História”

(FUNARI, 2002, p.21).

Ainda de acordo com o autor acima citado, “os documentos podem ser

analisados de múltiplas maneiras tendo em vista, em particular, os níveis de

profundidade do estudo, as diferentes disciplinas e os diferentes paradigmas ou

modelos hermenêuticos” (FUNARI, 2002, p.26).

Ao estudar e conhecer as concepções historiográficas, sejam elas tradicional,

da escola metódica, dos Annales ou Nova História, o professor pode adquirir

autonomia intelectual, além de ganhar poder de decisão quanto à melhor

perspectiva teórica a ser aplicada de acordo com o objeto de estudo.

Não há uma única forma de enxergar e escrever História, cada olhar possível

valorizará aspectos explicativos diferentes, que considerarão importantes e válidas,

para entender o passado de acordo com as teorias, as metodologias, as ideologias e

os conceitos deles decorrentes, construídos e aplicados.

Assim, o historiador positivista que quer legitimar sua interpretação como a

única, verdadeira e definitiva pertence ao passado. O professor e o historiador do

século XXI não precisam mais dessas idéias para (re)organizarem os vestígios do

passado e validarem suas interpretações. Pois, mais do que tentar provar qualquer

coisa, atualmente o trabalho do professor e do historiador busca abrir várias

possibilidades de compreensão do passado sempre a partir da percepção do que

somos e dos problemas do nosso presente.

De acordo com Schmidt e Cainelli

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Uma nova concepção de documento histórico implica, necessariamente, repensar seu uso em sala de aula, já sua utilização hoje é indispensável como fundamento do método de ensino, principalmente porque permite o diálogo do aluno com realidades passadas e desenvolve sentido da análise histórica. O contato com as fontes históricas facilita a familiarização do aluno com formas de representação das realidades do passado e do presente, habituando-se a associar o conceito histórico à análise que o origina e fortalecendo sua capacidade de raciocinar baseado em uma situação dada. (SCHMIDT E CAINELLI, 2004, p.94)

De acordo com as autoras citadas, independentemente da temática a ser

estudada em sala de aula, o uso do documento histórico pode proporcionar ao aluno

a possibilidade de familiarizar-se com realidades passadas ou presentes,

desenvolvendo sua condição de raciocínio sobre situações concretas, dinamizando

suas reflexões, reduzindo a distância entre o seu cotidiano e realidades distantes,

assimilando melhor e mais significativamente os saberes históricos. Assim, o uso do

documento histórico na sala de aula exige tratamento didático, oportunizando ao

aluno dialogar com realidades do passado, construindo o sentido de análise e

contribuindo para a significação do saber histórico adquirido.

Referenciando ainda as autoras Schmidt e Cainelli,

O trabalho com o documento histórico em sala de aula exige do professor que ele próprio amplie sua concepção e o uso do próprio documento. Assim, ele não poderá mais se restringir ao documento escrito, mas introduzir o aluno na compreensão de documentos iconográficos, fontes orais, testemunhos da histórica local, além de linguagens contemporâneas, como cinema, fotografia e informática. Mas não basta o professor ampliar o uso de documentos; também deve rever seu tratamento, buscando superar a compreensão de que ele deve ser ponto de partida para a prática do ensino de História. (SCHMIDT E CAINELLI, 2004, p.95)

Portanto, o professor ao fazer uso dos documentos históricos,

independentemente do tipo de fonte utilizada, tem que ter em mente que o

documento proposto para o trabalho deve responder as indagações e as

problematizações postas a ele, superando e ultrapassando, assim, a abordagem

tradicional que usualmente damos a ele.

De acordo com as Diretrizes Curriculares (DCEs de História):

Ao trabalhar com vestígios na aula de História, é indispensável ir além dos documentos escritos, trabalhando com os iconográficos, os registros orais, os testemunhos da história

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local, além de documentos contemporâneos, como: fotografia, cinema, quadrinhos, literatura e informática. Outro fator a ser observado é a identificação das especificidades do uso desses documentos, bem como entender a sua utilização para superar as meras ilustrações das aulas de História. Quanto à identificação do documento, a sugestão é determinar sua origem, natureza, autor ou autores, datação e pontos importantes do mesmo. (DCEs, 2008, p.69)

Buscando ainda compreensão para o estudo das fontes e documentos, Marc

Bloch (2001) salienta a importância das questões que são colocadas aos

documentos, referindo que “os textos, ou os documentos arqueológicos, mesmo os

mais claros na aparência e os mais condescendentes, só falam quando se sabe

interrogá-los.”

Portanto, professores conscientes de que o papel do professor de História

não se pode limitar à mera transmissão de conhecimentos sabem que devemos

ensinar os alunos a pensar, a partir das suas ideias tácitas, e este objetivo só pode

ser atingido se o ensino da História se basear na iniciação do aluno no método da

pesquisa histórica, método com base na interpretação de fontes, em que o aluno

manipula dados, compara, aprecia, formula hipóteses e procura conclusões. Para

esse fim é necessário que também o professor saiba como lidar com esses

documentos. Sendo assim, muitos professores precisam de auxílio para suprir as

carências da sua formação acadêmica.

Para isso alguns historiadores nos advertem sobre o tratamento das fontes.

Independente das características das fontes sejam elas quais forem: - uma

inscrição, um documento, uma ossada, um filme, um monumento, - o historiador

deve estar atento às evidências contidas nelas, às marcas perceptíveis aos sentidos,

mesmo se tratando de um vestígio deixado por um fenômeno em si impossível de

captar, pois afinal de contas o passado já não existe mais.

Ao fazer seu trabalho o historiador não deve se restringir apenas à coleta das

fontes e ao questionamento delas. Ele deve realizar a crítica à fonte estudada,

conforme Bloch, (2001, p.89) “Que a palavra das testemunhas não pode ser

obrigatoriamente digna de crédito os mais ingênuos dos policiais sabem bem [...] Do

mesmo modo, há muito tempo estamos alertados no sentido de não aceitar

cegamente todos os testemunhos históricos.”

Portanto, todo documento, quando é produzido, tem suas finalidades

específicas e entre essas não figura a de servir como testemunha histórica. O

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documento tem valor histórico quando este serve para satisfazer as perguntas de

um objeto de pesquisa.

De acordo com as DCES:A produção do conhecimento, pelo historiador, requer um método específico, baseado na explicação e interpretação de fatos do passado construída a partir dos documentos e da experiência do historiador, a problematização produz uma narrativa histórica que tem como desafio contemplar a diversidade das experiências sociais, culturais e políticas dos sujeitos e suas relações. Fenômenos, processos, acontecimentos, relações ou sujeitos podem ser analisados a partir do conhecimento histórico construído. Ao confrontar ou comparar documentos entre si e com o contexto social e teórico que os constituíram, a produção do conhecimento propicia validar, refutar ou complementar a produção historiográfica existente. Como resultado, pode ainda contribuir para rever teorias, metodologias e técnicas na abordagem do objeto de estudo historiográfico. (DCES, 2008, p. 47)

Na prática a história é produzida por um grupo de operários chamados

historiadores que, quando vão trabalhar, levam consigo: valores, posições e

perspectivas ideológicas; pressupostos epistemológicos; rotinas e métodos para

lidar com o material; exame de trabalhos de outros historiadores. Depois de

pesquisar, colocam por escrito o resultado final do seu trabalho, que implica em

editoração e publicação. O ciclo se completa pela circulação e leitura do relato

produzido pelo historiador. Os leitores e outros historiadores que carregam consigo

valores diferentes do pesquisador nem sempre concordam com as conclusões a que

chegou aquele historiador. E a partir daí, se desenrola o debate acadêmico.

Finalizamos este capítulo com os dizeres muito perspicazes e didáticos do

poeta alemão Goethe:Nos nossos dias, já ninguém duvida de que a história do mundo deve ser reescrita de tempos em tempos. Esta necessidade não decorre, contudo, da descoberta de numerosos fatos até então desconhecidos, mas do nascimento de opiniões novas, do fato de que o companheiro do tempo que corre para a foz chega a pontos de vista de onde pode deitar um olhar novo sobre o passado. (GOETHE apud SCHAFF, 1998, p. 219)

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CAPÍTULO II – FONTES ESCRITAS

Fontes escritas são aquelas que dizem respeito aos documentos escritos e

abrangem as informações transmitidas sob a forma original, (manuscritos) e sob a

forma de reprodução ou impressa, tais como, documentos jurídicos (atas, leis,

constituições, decretos), cartas, livros, poemas, romances, lendas e mitos, jornais,

testamentos, autobiografias.Foi durante o século XIX que os estudiosos definiram a escrita como elemento central para a delimitação do conceito de História. A partir desse momento, História passou a ser definida como ciência voltada para o passado a partir de fontes escritas. Por convenção, a invenção da escrita tornou-se, portanto, marco para delimitar o início da História, e por conseqüência, todo o período anterior passou a ser conhecido como Pré-História. (FUNARI & GARRAFFONI, 2004, p.19)

O sistema de escrita começou a ser usada em momentos diferentes nos

diferentes locais. No Egito e na Mesopotâmia ela teria surgido por volta de cinco mil

anos atrás e na Grécia há aproximadamente três mil anos. Porém em cada local ele

desenvolveu características próprias.

Pedro P. Funari e Renata Garraffoni (2004, p.19) nos relatam que “se

considerarmos a escrita como representação gráfica das palavras ou idéias por

meios de sinais, nos diferentes locais, distintas representações foram elaboradas”.

Sendo assim, temos a escrita cuneiforme surgida na Mesopotâmia aperfeiçoada

pelos fenícios e pode representar várias línguas como sumérias, o acádico, o

babilônico, entre outras. A escrita cuneiforme foi totalmente decifrada nos finais do

século XIX, por muitos historiadores ela foi considerada como sendo uma língua

diplomática e administrativa do Oriente Antigo. O hieróglifo, escrita do Egito, era bem

mais popular e difundido. Os textos dos gregos e romanos chegaram até nós pelos

membros da aristocracia, através de obras filosóficas, literárias, cartas e

documentos administrativos, porém as camadas populares também deixaram seus

registros, diferentemente do que ocorreu com a escrita cuneiforme que era quase

que uma exclusividade dos escribas.

A escrita mesopotâmica foi desenvolvida e gravada em tábuas de argila e a

incisão se dava com um estile em três dimensões: altura, largura e profundidade.

Entre os tipos de documentos escritos por esses povos encontramos: narrações de

mitos, textos religiosos, contratos, testamentos, processos, cartas particulares.

Em Roma a escrita podia ser vista além das tabuinhas ou papiros, também em

diferentes lugares, de acordo com Funari e Garraffoni, 2004

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Havia as inscrições oficiais e comemorativas escritas em letras grandes para serem vistas de longa distância. Havia outras que eram pequenas, de caráter popular, e estavam nas mais distintas superfícies, como ânforas e paredes, por exemplo. Esta categoria de inscrições constitui os chamados grafites que podem ser pintados ou incisões com estilete sobre a parede ou barro das vasilhas e ânforas. (FUNARI & GARRAFFONI, 2004, p.19)

Diante do exposto podemos verificar que desde a antiguidade, ou seja, no

caso da história, desde o aparecimento da escrita, as fontes escritas têm sido

utilizadas como objeto de estudo e eles dizem respeito aos documentos escritos e

abrangem as informações transmitidas sob a forma original, manuscrita e sob a

forma de reprodução ou impressa. Sendo assim, de acordo com Funari e Garraffoni

(2004, p.20), “O estudo dos documentos escritos dos povos antigos nos faz refletir

sobre as constituições culturais, políticas, sociais destas sociedades, além de ser um

campo interessante para pensarmos as relações de cada povo com o ato de

escrever”.

O que costumamos chamar de documento histórico são reproduções de

fontes primárias utilizadas pelos pesquisadores. Hoje, há uma concordância entre os

historiadores de que as fontes escritas podem ser das mais diversas naturezas,

como cartas, documentos registrados em cartórios, diários, revistas, jornais,

periódicos, processos crimes, porém o documento não é fonte, como para o

historiador, mas é material do historiador, e como tal pode ser um objeto de

aprendizagem, no contexto de sala de aula, e, é aí que se coloca sua importância.

Esse tipo de fonte é geralmente de utilização mais corrente e bastante usado

por professores em suas aulas, pois se acredita que o documento escrito ajuda a dar

maior concretude para outro tempo além de configurar um exercício de aproximação

do aluno com uma realidade distante e com outras linguagens e formas de pensar

de outras épocas. Esse tipo de fonte permite uma abordagem narrativa, descritiva e

argumentativa.

De acordo com Cainelli e Schmidt, 2004:

A valorização do documento escrito como recurso imprescindível ao historiador foi um fenômeno do século XIX. Para historiadores daquele século, o documento escrito converteu-se no fundamento do fato histórico. O trabalho do historiador seria extrair do documento a informação que nele estava contida, sem lhe acrescentar nada de seu. O objetivo era, então, mostrar os acontecimentos tal como tinham sucedido. (Cainelli e Schmidt, 2004, p.90)

Nesse sentido os documentos escritos serviam para comprovar a realidade do

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conteúdo estudado, de acordo com a narrativa histórica. Na concepção dos

historiadores metódicos ou positivistas, os documentos escritos transmitiam o

conhecimento histórico em si, e ao historiador só cabia coletá-los e agrupá-los, não

questioná-los, portanto, o documento era a prova concreta e verídica de um passado

imutável que não precisava ser interpretado.

Porém, com a renovação da concepção de documento escrito no século XX,

os historiadores passaram a contestar a ideia de que documento era prova, tal como

defendia a historiografia tradicional, ao afirmar que a História se faz com

documentos escritos.

Mudou a maneira de ver o documento, temos que mudar também a maneira

de usá-lo em sala de aula, já que na atualidade seu uso é imprescindível, porque

permite ao aluno um contato mais próximo com as realidades passadas e suas

formas de representação feitas pelos alunos e professores.

Todo documento, quando é produzido, tem suas finalidades específicas e

entre essas não figura a de servir como testemunha histórica. O documento tem

valor histórico quando este serve para satisfazer as perguntas de um objeto de

pesquisa. Exemplo, um livro de registro de nascimento pode passar anos sem

despertar o menor interesse, mas se for relevante para algum pesquisador verificar o

número de nascimentos ou o registro de alguma autoridade, artista, da população

em geral, esse mesmo livro, que no passado não tinha tanta importância, ganha um

valor enorme e futuramente poderá ser objeto de estudo de outros pesquisadores.

Hoje sabemos que as fontes falam, diante disso, Cainelli e Schmidt, colocam

que:Os documentos não serão tratados como fim em si mesmo, mas deverão responder às indagações e às problematizações de alunos e professores, com o objetivo de estabelecer um diálogo com o passado e o presente, tendo como referência o conteúdo histórico a ser ensinado. Superar o tratamento tradicional dado ao documento implica, por parte do aluno, a mobilização de conhecimentos e informações próprias do conteúdo abordado, para que ele possa elaborar apreensões globais e complexas. No entanto, é preciso deixar-lhe claro que o uso de documentos históricos em sala de aula, em nenhum momento, poderá ter a função de transformá-lo em historiador ou substituir a intervenção do professor no processo ensino-aprendizagem. (Cainelli e Schmidt, 2004, p.95)

Nesse sentido, a ideia do que era fonte histórica se ampliou e o documento

deixou de ser apenas o registro político e administrativo, uma exclusividade dos

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povos com escrita. Este passou a ser encarado de forma diferente, já não como

documento inocente, mas como o fruto da época e do meio em que foi produzido.

Bacellar (2005) nos leva a refletir sobre especificidades culturais e sociais de

uma dada época. Desta forma, explica que o olhar estereotipado deve ser evitado

em qualquer atividade de trabalho do historiador, mas especialmente quando se

trata de uma “fonte primária”, em que se acrescenta ao pensamento, a grafia.

Ressalta que há algumas características de um período, com relação à fala e,

conseqüentemente, à escrita, que podem soar como algo distinto daquilo que se

pretendia expressar. Como exemplo, cita a expressão “de novo”, encontrada em

documentos, mas que, ao contrário do que se compreende atualmente, significava

“pela primeira vez; novidade”, no século XVIII.

Assim, aponta para as precauções que devem ser tomadas pelo historiador, a

fim de que não incorra no equívoco de lançar o olhar contemporâneo sobre as

mensagens elaboradas em outro momento, evitando, deste modo, os pré conceitos

manifestados nos tipos de leituras realizados A fim de conferir um caráter de

cientificidade ao estudo da História, o documento histórico, no século XIX, foi

amplamente utilizado, por seu caráter de “verdade” e de comprovação de fatos

históricos, e marcadamente valorizado pela vertente que, no Brasil, ficou conhecida

como positivismo. Le Goff (2003) fala sobre os documentos históricos, refletindo que

esses objetos, compreendidos enquanto fontes devem ser continuamente

questionadas, uma vez que são fruto de escolha do historiador e, além disso, foram

produzidos a partir de intencionalidades.

Neste sentido, o uso do documento na sala de aula responde a nossas

necessidades da pesquisa e ensino visto que ele funciona como uma forma de

experiência do passado, que não é apenas traduzido no texto didático, mas trazido

em um fragmento. Mas para o aluno aproximar-se de um texto escrito há décadas

ou séculos pode ser alheio aos alunos. Por isso, o trabalho prévio de compreensão

do vocabulário e de decifração dos aspectos denotativo do texto é obrigatório.

Existem várias técnicas para isso, podemos usar cores para pintar palavras

desconhecidas, usar dicionário, leitura em voz alta de um trecho para cada aluno,

buscar a ideia central, embora essas sejam técnicas utilizadas para interpretação de

texto, também é fundamental para os professores de história. Dependendo do texto

apresentado para o aluno e de acordo com os objetivos propostos pelo professor por

vezes se faz necessário trabalhar com uma versão adaptada do documento, no caso

de o trabalho de interpretação de texto acabar sendo mais longo que o próprio

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trabalho de análise histórica. Porém, nesse caso, é importante informar ao aluno que

se trata de uma versão preparada para uso didático, que não se trata da grafia ou do

vocabulário original.

Tal como o historiador, professores e alunos geralmente não se contentam

em anotar as informações que um documento traz. Para isso, ou para ir além disso,

podemos usar estratégias diferentes de interrogatório à fonte, que pode ser de uma

maiêutica, ou seja, buscar informações por meio de questões inseridas dentro de um

contexto determinado procurando a construção de ideias que estão latentes na

mente de todo o ser humano, podendo com esse processo encontrar as respostas

por meio das perguntas propostas ao objeto de estudo.

A análise de documentos escritos começa com sua identificação. O objetivo

aqui é mostrar que o documento histórico só pode ser entendido a partir de

informações básicas ao fazermos perguntas a ele, como: quando e por quem foi

escrito? Quando e por quem foi publicado ou registrado? Onde e para que? Por

quê?

Assim, podemos deduzir que o trabalho com o documento em sala de aula é

sustentado no aprendizado das perguntas que devemos fazer para que a fonte nos

permita extrair informações e esquematizar interpretações que ajudem a

compreender a realidade diante do contexto histórico estudado.

Obviamente, não podemos nos esquecer que alunos os estão aprendendo

história e não são historiadores. As fontes históricas em sala de aula devem ser

utilizadas de maneira diferente sempre levando em consideração que para introduzir

o documento como material didático temos que adaptá-lo ao nível e às condições de

escolarização dos alunos. Circe Bittencourt, nos aconselha que: Um documento pode ser usado simplesmente como ilustração, para servir como instrumento de reforço de uma idéia expressa na aula pelo professor ou pelo texto do livro didático. Pode também servir como fonte de informação, explicitando uma situação histórica, reforçando a ação de determinados sujeitos, etc., ou pode servir ainda para introduzir o tema de estudo, assumindo neste caso a condição de situação-problema, para que o aluno identifique o objeto de estudo ou o tema histórico a ser pesquisado. Desta forma, os objetos do uso de documentos são bastante diversos para o professor e para o historiador, assim como os problemas a que ambos fazem frente. Um desafio para o professor é exatamente ter critérios para a seleção desse recurso. (BITTENCOURT, 2008, p.330)

Outro historiador que nos adverte sobre como trabalhar com documentos em

situação escolar é o historiador Adalberto Marson, indicando que se faça uma

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análise do documento como sujeito de uma ação e também como objeto, formulando

três níveis de indagação:1º) Sobre a existência em si do documento: o que vem a ser documento? O que é capaz de dizer? Como podemos recuperar o sentido do seu dizer? Por que tal documento existe? Quem o fez, em que circunstâncias e para que finalidade foi feito?2º) sobre o significado do documento: o que significa como simples objeto (isto é fruto do trabalho humano)? Como e por que foi produzido? Para que e para quem se fez esta produção? Qual é a relação do documento (como objeto particular) no universo da produção? Qual a finalidade e o caráter necessário que comanda sua existência?3º) sobre o significado do documento como sujeito: por quem fala tal documento? De que história particular participou? Que ação e que pensamento estão contidos em seu significado? O que o fez perdurar como depósito da memória? Em que consiste seu ato de poder? (MARSON, 1984, apud BITTENCOURT, 2008, p. 332).

Levar o aluno a questionar os documentos faz parte de uma metodologia

capaz de produzir hipóteses, assim o questionamento pode produzir significado ao

aluno, ao mesmo tempo em que pode provocar o estranhamento, o interesse

levando-o ao saber construído em conjunto. O uso de documentos pode contribuir

para o desenvolvimento do pensamento histórico.

Como sabemos podemos trabalhar com qualquer documento inserido em

situação pedagógica. A atual diversificação e ampliação de

fontes documentais não invalida a utilização do documento escrito como importante referência no trabalho em sala de aula, até porque os historiadores o utilizam como instrumento de pesquisa. Esse tipo de documento permite que se desenvolvam três etapas de análise (Cainelli e Schmidt, 2004,p.107)

As três etapas que se referem às autoras constam que numa primeira etapa

deve ser feita a leitura do texto para a decomposição de seus elementos, sendo que

para esse momento podemos utilizar a seguinte metodologia: identificar as palavras

cujos significados pareçam difíceis, ou seja, desconhecidas, sublinhando-as ou

escrevendo-as; identificar os nomes próprios; pesquisar o significado das palavras-

chaves consideradas importantes; identificar alusões a acontecimentos ou

personagens e resumir as idéias essenciais de cada frase ou parágrafo.

Feita a decomposição do texto e seus elementos, a segunda etapa refere-se

ao de análise do documento, para isso segundo as autoras podemos fazer

perguntas ao documento:

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Quando – o texto é contemporâneo do fato reportado? Qual a situação do momento apresentado no texto?;Onde – De qual espaço fala o texto?;Quem – Quem é o autor? Seu testemunho é direto ou indireto? Qual a situação de vida do autor?;De quem – De quais personagens fala o autor?Qual a natureza do texto – O texto é destinado a uso público? Se for, qual tipo de documento é: jurídico (lei, relatório, decreto ou constituição), literário (romance ou poema), político (discurso, memória, relato de viagem, entrevista) artigo de imprensa ou anúncio publicitário: ou o texto é destinado a uso pessoal ou privado? Se for, de qual tipo é (diário pessoal, carta, relatório secreto ou outro tipo de documento)? (Cainelli e Schmidt, 2004,p.108)

Na terceira etapa temos de opinar sobre o documento tomando o cuidado de procurar:

estabelecer relações entre o conteúdo do texto e seus conhecimentos históricos. Organize sua opinião em duas partes: uma para as idéias do texto e outra para seus conhecimentos e opiniões; Evite copiar frases ou parágrafos do texto ou fazer resumo;Procure evitar a armadilha de opiniões sem fundamento ou sem relação com as idéias expressas no documento. (Cainelli e Schmidt, 2004, p.107)

Até o momento procuramos analisar e discutir autores que indicam com

podemos inserir os documentos escritos em situação didática em nossas aulas.

Circe Bittencourt, Adalberto Marson, Marlene Cainelli e Maria A. Schmidt nos

apresentarem modelos de como compreender os documentos, porém todos os

autores aqui citados são unânimes em deixar claro que ao lidar com os documentos

devemos sempre levar em consideração os níveis de entendimento do aluno

podendo iniciar o processo de incluir esses tipos de fontes desde a 3ª série do

ensino fundamental. Assim, “de maneira geral, ao se fazer a análise de um

documento transformado em material didático, deve-se levar em conta a articulação

entre os métodos do historiador e os pedagógicos” (BITTENCOURT, 2008, p. 333).

Diante do contexto apresentado até o momento, faremos a partir de agora

uma análise de alguns tipos de documentos escritos para uso didático.Os documentos escritos são os mais comuns e os que tradicionalmente têm sido usados por historiadores e professores em suas aulas de História. Não raro encontrarmos documentos usados com fins pedagógicos em muitos livros didáticos ou em coletâneas que selecionam textos escritos de diferentes naturezas, tais como textos legislativos, artigos de jornais e revistas de diferentes épocas, trechos literários e, mais recentemente, poemas e letras de música (BITTENCOURT, 2008, p. 335).

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HISTÓRIA E LITERATURA

A leitura de textos literários pode ser uma possibilidade muito interessante de

trabalho. A relação entre história e literatura está no cerne do debate na atualidade

na medida em que se compreende a literatura como uma manifestação cultura.

Para falarmos de romances, poemas e outros gêneros literários no ensino de

história, a primeira inquietação é: como usar a ficção, fruto da invenção, criação,

como objeto para o estudo da realidade histórica. A resposta possível seria: da

mesma forma que nos demais tipos de documentos escrito, porém tomando o

cuidado de nos dirigirmos às condições históricas presentes numa obra de ficção.

Os personagens do romance nunca existiram, mas o vocabulário, o modo de viver e

agir das pessoas, a forma de pensar desses personagens são baseadas geralmente

na interpretação do escritor sobre o seu tempo, ou sobre o tempo em que se passa

a situação narrada.

O discurso histórico e a literatura têm em comum o fato de ambos serem

narrativos. De acordo com Selva Fonseca:

O discurso histórico visa explicar o real por meio de um diálogo que se dá entre o historiador e os testemunhos, os documentos, que evidenciam o acontecido. Com base nesse diálogo o pesquisador explicita o real em movimento, a dinâmica, as contradições, as mudanças e as permanências. A obra literária não tem o compromisso, nem a preocupação de explicar o real, nem tampouco de comprovar os fatos. (FONSECA, 2008, p.165)

A produção literária não tem compromisso com a verdade dos fatos, mas é

inegável que através dos textos literários, a imaginação produz imagens que o leitor

no momento em que lê recupera as imagens que tem encontra outra forma de ler os

acontecimentos da realidade que motivaram a produção literária.

Portanto, a literatura pode cumprir um importante papel, pois, enquanto

diverte o leitor, pode proporcionar caminhos que o levam ao conhecimento

necessário à sua formação permitindo ao leitor um caminho de entendimento que,

possivelmente não chegaria se fosse despojado desse processo.

De acordo com a historiadora Sandra Pesavento em seus estudos sobre a

história e a literatura expõe que apesar da história e da literatura, oferecer papéis

diversos na construção da identidade ambos se apresentam como representações

do mundo real. Com isso o historiador pode considerar o conceito de representação

e incluir a literatura como uma fonte histórica. Sendo que para ela:

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A ficção não seria (...) o avesso do real, mas uma outra forma de captá-la, onde os limites da criação e da fantasias são mais amplos do que aqueles permitidos pelo historiador (...). Para o historiador a literatura continua a ser um documento ou fonte, mas o que há para ler nela é a representação que ela comporta, o que nela se resgata é a re-apresentação do mundo que comporta a forma narrativa. (PESAVENTO, 1995, p 117)

Ao utilizarmos textos literários não temos apenas o objetivo de desenvolver o

gosto pela leitura, mas também fornecer condições de análises mais profundas para

o estabelecimento de relações entre conteúdo e forma. Assim vários pesquisadores

da literatura em seus livros têm abordado temas referente a conteúdos que

possibilitam suas leituras nas aulas de história.

Segundo Circe Bittencourt vários autores contribuem:Para a renovação da análise de textos literários destaca-se Mikhail Bakhtin, filólogo, lingüista e especialista em análises sobre a literatura. Em sua obra Cultura popular a Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais, é possível apreender com precisão a vida cultural dos homens e mulheres da época medieval, suas crenças, alegrias, seus ritos de vida civil e religiosa, os conflitos expressos em festas, como o carnaval. A contribuição desse autor não se limita aos que estudam literatura, mas e preciosa para historiadores e outros cientistas sociais. De maneira semelhante à concepção de Carlo Ginzburg sobre a circularidade cultural, Bakhtin explicita como a denominada cultura popular e a erudita estão em constante integração tanto no ato da produção quanto no ato de sua circulação e apropriação pelos leitores. Existe uma relação dialógica entre o autor e o leitor da obra, e essa relação possibilita sempre um encontro entre lugares e épocas diferentes. (BITTENCOURT, 2008, p. 341)

Diante dessas perspectivas cabe aos professores muita sensibilidade no

trabalho com textos de origem literário, pois de acordo com Selva Fonseca, 2008, “é

necessário respeitar os limites próprios do discurso, e, ao mesmo tempo, não

confundir história com ficção e aventura, ao tentar tornar seu ensino mais

prazeroso”, assim devemos tomar o cuidado de escolher livros de literatura e

paradidáticos no ensino de história para não corrermos o risco de criar nos alunos

uma concepção fantasiosa de história.

Além de ser pensada como fonte de informação e de reflexão histórica sobre

épocas em que surgiram os documentos literários podem possibilitar o encontro com

obras clássicas e contemporâneas da literatura brasileira e internacional

contribuindo para o desenvolvimento do gosto pela história e pela leitura, além de

ampliar o universo cultural e a compreensão de mundo dos alunos. Utilizar-se

dessas fontes é uma oportunidade não só de aprofundar a qualidade do ensino de

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história, mas também de colaborar com o esforço de superar os limites entre as

disciplinas que atuam na escola.

HISTÓRIA E JORNAIS, REVISTAS, PERÍODICOS

Jornais, revistas semanais e mensais, toda semana recebemos uma

quantidade enorme de informações presentes nestes materiais. A imprensa escrita

como fonte e objeto de estudo desde a década de 70 começaram a ser utilizados

como fonte para o conhecimento da história do Brasil. A historiadora especialista no

assunto é Maria Helena Capelato, de acordo com ela:O jornal é uma das principais fontes de informação histórica, merecedor, portanto, de consideração dos historiadores, afirma José Honório Rodrigues. Ao discutir, porém, o problema de credibilidade das fontes, considera o periódico como documento suspeito e adverte: “O editorial é a parte menos digna de fé, a notícia e o anúncio devem ser usados com cautela, pois contêm erros (...)”. Aconselha que se determinem os interesses econômicos e políticos; que se distinga a imprensa oficial da oficiosa; que se diferencie imprensa e opinião pública.Tais sugestões são relevantes, mas o conceito de jornal como fonte suspeita merece revisão. A historiografia mais recente tem refletido muito sobre o significado do documento e foi a partir de redefinições nesse campo que as ‘suspeitas’ contra a imprensa desapareceram. (CAPELATO, 1988, p.20)

Para ser usado em sala de aula, é preciso considerar as características

especificas dos jornais e revistas de caráter informativo ou jornalístico como Veja,

Época, Caros Amigos, Carta Capital, Piauí, entre outras temos que levar em conta

os objetivos dessas empresas de comunicação no momento em que produzem o

material que será utilizado nas aulas para as atividades de ensino de História.

Circe Bittencourt, 2008, nos aconselha que: As possibilidades de utilizar jornais como fonte histórica são múltiplas: a análise dos conteúdos das notícias (políticas, econômicas, culturais, etc), da forma pela qual são apresentadas as notícias, as propagandas, os anúncios, as fotografias, etc. e de como esse conjunto de informações está distribuído nas diversas partes do jornal, entre outros. (BITTENCOURT, 2008, p. 335)

O texto extraído do jornal ou de revistas não pode ser considerado como o

registro fiel de seu tempo, pois essas fontes sendo um veículo de comunicação

fundamental na sociedade moderna, exige tratamento bastante criterioso quanto à

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análise externa, pois não devemos nos esquecer que eles são objeto cultural, mas

também são mercadoria, fruto e produto de uma empresa capitalista e para tal o

sucesso das vendas está ligado a atender interesses de informação da população,

seja a polêmica dos crimes ou as mudanças políticas e econômicas, que por vezes

atende aos apelos da midiáticos.

No tratamento dos jornais em sala de aula, é preciso considerar que o

documento que está à disposição dos alunos resulta de uma série de seleções. A

primeira seleção é a feita na época em que o texto foi elaborado, na redação do

jornal, no momento de elaborar a pauta, a partir de várias informações e textos, por

vezes históricos, que estão à disposição dos jornalistas. Numa segunda seleção

torna-se necessário observar que os jornais que sobreviveram ao tempo é resultado

da seleção, pelo historiador ou colecionador, entre os milhares de textos disponíveis

nos jornais preservados nos arquivos.

Diante desta perspectiva, o documento jornalístico não pode ser tomado

como expressão pronta e acabada de uma pretensa verdade histórica. Se mesmo a

verdade em história é resultado de uma construção metódica e submetida ao

consenso provisório entre sujeitos pesquisadores, o documento deve ser entendido

como uma construção e como um elemento de outra construção, que é a dos

sentidos que atribuímos ao processo histórico.

Dentre as vantagens da utilização do texto jornalístico pelos professores em

suas aulas ele pode ser capaz de dar visibilidade ao cotidiano, ao registro

contemporâneo do evento estudado, ao tipo de atenção que tal evento despertou em

sua época. Por ser uma fonte acessível, o jornal pode aproximar a história ensinada

da história local, ajudando a relativizar a ideia de processos históricos amplos.

Segundo a historiadora Selva Fonseca:A imprensa fornece materiais provenientes de diversas fontes, possibilitando, por exemplo, a análise de pontos de vista de diversos autores, especialistas e testemunhas da história. Permite aquisições de dados estatísticos sobre diversos aspectos da realidade e a reconstituição histórica de fatos, sobretudo do nosso passado recente. Apresenta imagens fotográficas, charges, histórias em quadrinhos, crônicas, mapas, poesia, canções e dossiês sobre diversos assuntos que constituem objetos de ensino de história. Inúmeras experiências apontam o valor didático da imprensa para a formação dos jovens. Em todas as áreas do currículo escolar é possível desenvolver atividades interdisciplinares que favoreçam a formação de leitores críticos, o debate e o estudo da história, sobretudo a história imediata. (FONSECA, 2008, p. 214 e 215)

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Assim, outro importante uso dos textos de imprensa em jornais e revistas é a

percepção, nas notícias e reportagens referentes ao presente, da história imediata,

dos elementos do passado que constituem e condicionam os acontecimentos entre

passado, presente e futuro, evitando a formação de um entendimento fragmentado

da História.

Outra forma de utilização de jornais e revistas é aproveitar as edições

históricas que fazem retrospectivas de datas consideradas importantes. Assim

eventos de grande repercussão como, por exemplo, os 500 anos do descobrimento

do Brasil, os 100 anos da abolição, o 11 de setembro de 2001, a queda do Muro de

Berlim. Nesses momentos os jornais e revistas trazem muitas informações, textos,

documentos, gráficos, fotos, testemunhos, que podem ser utilizados pelo professor,

desde que tomando o cuidado com a intencionalidade e a parcialidade possível na

seleção e no conteúdo dos materiais disponíveis, o cuidado com a linguagem e a

complexidade, já que cada publicação tem diferentes públicos, e as características

do material são direcionadas a eles.

Para se iniciar as pesquisas neste tipo de fonte - a imprensa -, Tânia Regina

de Luca faz uma pergunta: ‘Afinal, por onde começar uma pesquisa ou uma seleção

desse tipo de fonte tanto para o pesquisador como para o professor utilizar em sala

de aula?’ Ela nos informa:Há acervos de periódicos espalhados por todo o país. Universidades, museus, Institutos Históricos, centros de documentação, instituições de pesquisa, bibliotecas e arquivos públicos ou privados, além das próprias empresas jornalísticas, abrigam coleções significativas de periódicos. A Biblioteca Nacional (Rio de Janeiro), que possui vastíssima coleção, organizou em 1994 o seu Catálogo de Periódicos Brasileiros Microfilmados, de grande valia para os pesquisadores. Assim, o primeiro passo é localizar a fonte numa das instituições de pesquisa e averiguar as condições oferecidas para consulta. Há mesmo a possibilidade de se adquirir os microfilmes, a internet pode ser uma aliada importante nessa fase de busca. (LUCA, 2006, p. 141)

Embora a historiadora apresente locais nem sempre disponíveis em cidades

pequenas, podemos fazer nossas pesquisas em bibliotecas públicas, prefeituras, no

caso de diários oficiais, empresa jornalística e mesmo solicitar aos alunos que

pesquisem com seus familiares se há algum material guardado em arquivos

particulares, pois muitas vezes existem coleções de jornais e revistas preservados

por instituições públicas ou privadas ou por indivíduos ou famílias.

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Portanto, esse campo de trabalho com jornais e revistas antigos podem

também ser concebidos como testemunhos históricos, não só da história imediata ou

dos elementos do passado no presente, mas representações sobre acontecimentos,

costumes, em diferentes passados.

As recomendações para a análise deste tipo de fonte são as mesmas para os

demais documentos. Assim, tanto para o historiador como para o professor, as

fontes não falarão por si só próprias, elas apenas nos cedem informações que

podemos considerar relevantes diante de um olhar crítico e de perguntas

provocativas feitas a ela. Neste sentido, o trabalho com o documento em sala de

aula é sustentado no aprendizado das perguntas que devemos fazer para que a

fonte nos permita extrair informações e traçar interpretações que ajudem a

compreender a realidade.

Como nos ensina Selva G. Fonseca; “acreditamos que o professor de história,

ao incorporar em sua prática pedagógica a releitura da imprensa periódica, articula

saberes e possibilita a formação da e para a cidadania”.

HISTÓRIA E DOCUMENTOS DE ARQUIVOS

Grande parte dos documentos que chegaram até nossos tempos que servem

como fontes históricas são os chamados documentos de arquivo. Essas fontes

manuscritas deram origem a grandes obras historiográficas. Existe uma grande

quantidade de documentos em arquivos. A título de informação apresentaremos a

seguir algumas das principais instituições arquivísticas que hoje guardam acervos de

caráter permanente com documentos que possibilitam a pesquisa histórica.

Os arquivos podem ser classificados como: arquivos do poder executivo;

arquivos do poder legislativo; arquivos do poder judiciário; arquivos cartoriais;

arquivos eclesiásticos; arquivos privados. Dentro de cada tipo de arquivos pode-se

localizar alguns tipos de documentos relativos a uma instituição. Por exemplo, os

arquivos do poder executivo, legislativo e judiciário podem ser encontrados nas

esferas municipais, estaduais e nacionais, como é o caso do Arquivo Nacional. Entre

os documentos que podemos pesquisar nos arquivos do poder executivo estão as

correspondências, ofícios e requerimentos, listas nominativas, matrículas de

classificação de escravos, listas de votantes, documentos sobre a imigração e

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núcleos coloniais, matrículas e freqüências de alunos, documentos de polícia,

documentos sobre obras públicas, documentos sobre terras.

Assim, no caso dos documentos sobre terras, considera-se este um dos mais

procurados nos arquivos, pois, além de muito importante para os historiadores

preocupados com questões agrárias ou habitacionais, contêm informações que

podem ser utilizadas em disputas judiciais recentes. De acordo com Carlos Bacellar,Os arquivos municipais contam com os registros de datas de terra, que se referem a concessões de lotes no âmbito do rocio, de competência exclusiva da Câmara Municipal. Recuam ao período colonial. As datas são, em geral, lotes de pequenas dimensões, destinadas à construção de edifícios de moradia ou de comércio, ou para a instalação de chácaras em áreas periféricas. Já nos Arquivos Públicos Estaduais e no Arquivo na Nacional podem ser encontrados os registros de cartas de sesmarias, concedidas pela Coroa desde o século XVI até o XIX. (BACELLAR, 2006, p. 33)

Nos arquivos do poder legislativo os documentos mais procurados como fonte

são as atas e os registros, sendo o mais interessante nestes locais é procurar é

consultar as atas das sessões, onde se encontram as discussões sobre projetos dos

mais variados, além de verificar vereadores, deputados e senadores defendendo

seus pontos de vista. As leis sobre a abolição do tráfico e da escravidão, o regime

das sesmarias, a legislação sobre os imigrantes, sobre leis de terras. Quanto aos

registros encontrados no poder legislativo as correspondências enviadas e

recebidas, são fontes muito procuradas para pesquisa.

O poder Judiciário é um dos mais procurados atualmente para pesquisas

históricas. Nesse sentido, inventários e testamentos, processos cíveis, processos

crimes estão na pauta do dia, Bacellar nos informa que esses documentos são:Fontes igualmente abundantes e dão voz a todos os segmentos sociais, do escravo ao senhor. São fontes preciosas para o entendimento das atividades mercantis, já que são recorrentes aos autos de cobranças judiciais de dívidas e os papéis de contabilidade de negócios de grande e pequeno porte. A convocação de testemunhos, sobretudo nos casos dos crimes de morte, de agressões físicas e de devassas, permite recuperar as relações de vizinhanças, as redes de sociabilidade e de solidariedade, as rixas, enfim, os pequenos atos cotidianos das populações do passado. (BACELLAR, 2006, p. 37)

Nos arquivos cartoriais os documentos a serem utilizados para a pesquisa

histórica constituem-se de registros, os mais variados, como notas e escrituras,

registros civis e procurações. Os livros de notas dos tabeliães têm papel

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fundamental para a análise da sociedade e da economia do passado. Nestes

documentos podemos encontrar registros de negócios dos mais diversos como: escritura de compra de terras, imóveis urbanos e cativos; escrituras de criação de sociedades e de estabelecimento de negócios comerciais; registro de procurações, de cartas de alforrias de escravos, de emancipação de filhos, de contratos de casamento, de nascimento, de casamento e de óbito. A multiplicidade de atos é notável, a riqueza de informação também. (BACELLAR, 2006, p. 38 e 39)

Os arquivos eclesiásticos são os de natureza religiosa, a Igreja Católica é que

detem o maior número de registros para análise histórica. Esses acervos são

encontrados nas cúrias diocesanas. A documentação a ser estudada compõe-se de

registros paroquiais de batismo, casamento e óbito, processos diversos, livros-tombo

das paróquias e correspondências de acordo com Carlos Bacellar:O uso de registros de batismo, casamento e óbito sempre foram essenciais para os genealogistas, mas, a partir da década de 1960, os demógrafos (...) passaram a usar tais fontes de maneira bastante intensa alcançando resultados expressivos na análise dos padrões demográficos de populações do passado. (...) Processos e devassas eclesiásticas também foram largamente usados pelos mais diversos historiadores preocupados com os projetos moralizadores da Igreja direcionados aos indivíduos e às famílias. (BACELLAR, 2006, p. 40 e 41)

Outras profissões de fé, entre os quais evangélicos e protestantes mais

recentemente, a partir do início do século XX também começaram a organizar seus

arquivos para servirem de fontes de pesquisa, porém com certa cautela, pois

sabemos que nem sempre as igrejas estão dispostas a deixar que seus arquivos

sejam devassados.

Para efeitos didáticos acreditamos que os arquivos privados seja o mais

acessível. Eles se constituem de acervos pessoais, de famílias, de grupos de

interesses como clubes, instituições, de escolas ou de empresas. Porém, de acordo

com Bacellar, no “Brasil não há uma prática corriqueira de preservação documental

privada, e as notícias de destruição de importantes conjuntos documentais

infelizmente não são raros”.

Os documentos em arquivos pessoais podem ser uma importante forma de

iniciar os alunos na pesquisa histórica. Quando o professor solicita que o aluno traga

para a sala de aula documentos, cartas, diários e outros materiais que se encontram

arquivados ou “guardados em casa”, fazem com que ele vislumbre a possibilidade

de ser um pesquisador e produtor de seu conhecimento, além de compreender que

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ele também produz e faz história a partir de sua casa que pode ser um lugar de

memória.

A escola também é um espaço de memória, assim organizar pesquisas

escolares no sentido de preservar e organizar os arquivos escolares é bastante

interessante. As questões referentes à cultura escolar e a fontes que permitam sua

percepção e estudo acabam por fazer voltar os olhares aos arquivos escolares, em

busca de registros documentais que permitam a reconstituição da cultura material

escolar das instituições educativas. A escola produz, no dia a dia, diversos tipos de

documentos e registros que são exigidos pela burocracia para dar legalidade à

instituição escolar. Nesse sentido, documentos como cadernos de alunos, atas,

registros de notas, documentação dos alunos, jornais produzidos pelos alunos,

trabalhos arquivados na biblioteca, recortes de jornais, cópias de provas entre outros

podem e devem servir para o desenvolvimento de uma consciência e de uma prática

documentária que possibilite conservação de documentos.

Nesse sentido, Diana G, Vidal, nos faz refletir a respeito do estudo de

documentos no contexto escolar ao colocar que:(...) integrado à vida da escola, o arquivo pode fornece-lhe elementos para a reflexão sobre o passado da instituição, das pessoas que a freqüentaram ou frequentam, das práticas que nela se produziram e, mesmo, sobre as relações que estabeleceu e estabelece com seu entorno. (VIDAL, 2005, p. 24)

Outra historiadora que nos indica que trabalhar com documentos de arquivos

em estado escolar pode ser muito útil, porque envolve a historia local é Circe

Bittencourt:A história local tem sido indicada como necessária para o ensino por possibilitar a compreensão do entorno do aluno, identificando o passado sempre presente nos vários espaços de convivência – escola, casa, comunidade, trabalho, lazer -, e igualmente por situar os problemas significativos da história presente. (BITTENCOURT, 2008, p. 168)

Diante deste contexto, são muitos os recortes possíveis apontados para

trabalhar com documentos de arquivos escolares. O trabalho do professor nesse

sentido exigirá, neste caso, domínio de metodologias adequadas, para que possa

selecionar e utilizar adequadamente as diferentes fontes possíveis para subsidiar o

trabalho em sala de aula.

Ao propormos uma discussão com fontes de arquivos nossa intenção era de

descrever algumas fontes e suas contribuições para a historiografia. Sabemos que a

quantidade desse tipo de documento escrito é infinita, sendo assim fizemos alguns

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recortes de modo simplificado indicando possibilidades, apontando caminhos e

dando dicas. Neste sentido, deixamos claro que o trabalho com fontes manuscritas

de origem dos mais diversos tipos de arquivos exige dedicação e por vezes um

trabalho árduo para buscar, selecionar, estudar este tipo de documento. É claro que

diante de nossa carga horária não seria possível fazer um trabalho tal qual o

historiador, mas saber como ele trabalha e como lida com os diversos documentos

disponíveis já é de grande importância para nós professores, visto que podemos

trabalhar em ambientes locais, fazer pesquisas na escola e mostrar aos nossos

alunos como se opera o trabalho do historiador que lida com fontes escritas.

Poderíamos ainda sugerir o trabalho com biografias, diante desta perspectiva

Vavy Borges afirma:No sentido do senso comum, a biografia é hoje certamente

considerada uma fonte para se conhecer a História. A razão mais evidente para se ler uma biografia é saber sobre uma pessoa, mas também sobre a época, sobre a sociedade em que ela viveu.

Mas, de forma não tão evidente, a biografia tem sido considerada uma fonte de conhecimento do ser humano: não há nada melhor para se saber como é o ser humano do que se dar conta de sua grande variedade, em espaços e tempos diferentes.

Ao se ler sobre a biografia, percebe-se de imediato quantas áreas importantes da História se cruzam ou mesmo se confundem, quantos temas estão contidos ou próximos da biografia: a micro-história, os estudos de caso; a História oral, as histórias de vidas; os trabalhos sobre a vida cotidiana, sobre sensibilidade, sobre sociabilidade. Também a discussão sobre a memória, sobre geração, sobre família, sobre gênero são de grande interesse para quem precisa entender uma vida individual. (BORGES, 2006, p. 215)

Elaborar uma biografia dentro do contexto escolar pode ser um bom ponto de

partida para que alunos e professores pratiquem a micro-história, a história local, a

história oral e além de tudo a escrita da história. Assim, podemos sugerir a biografia

do diretor da escola, de um membro da comunidade como fonte de estudo. Para

esse trabalho indicamos o artigo “Grandezas e misérias da biografia” de Vavy

Pacheco Borges presente no livro Fontes Históricas, da editora Contexto, de 2006,

que indica com detalhes como produzir uma biografia.

Para concluirmos esse capítulo, a seguir em forma de tabela apresentaremos

dicas e sugestões de como trabalhar com fontes de arquivos, com fontes

biográficas, e com diversos tipos de fontes escritas:

Os itens que apresentaremos como dicas tratam-se de uma simples listagem,

não hierarquizada por grau de importância.

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Dicas de Carlos Bacellar, no capítulo Fontes documentais: uso e mau uso dos

arquivos. (PINSKY, 2006, p.72)

• Conhecer a origem dos documentos (estudar o funcionamento da máquina

administrativa para entender o contexto de produção do documento;

• Descobrir onde se encontram os papéis que podem ser úteis para a

pesquisa;

• Preparar-se para enfrentar as condições de trabalho do arquivo escolhido;

• Localizar as fontes no arquivo com base em instrumentos de pesquisa e

investigação adicionais, munido de muita paciência;

• Usar luvas, máscara e avental no contato direto com os documentos;

• Manusear os papéis com cuidado, respeitando seus limites. Trabalhar com

lupa de aumento e régua leve. Colocar sobre o documento frágil uma folha

de papel sulfite;

• Manter os documentos guardados na ordem encontrada;

• Assenhorar-se da caligrafia e das formas de escrita do material. Se for o

caso, aprender paleografia;

• Aprender e aprimorar-se em técnicas de levantamento, seleção e anotação

do que é interessante e de registro das referências das fontes para futura

citação;

• Observar as regras existentes para transcrições e edições. Anotar a

referência do documento transcrito e indicar todos os dados que permitam

identificá-lo. Diferenciar com rigor o texto não copiado do texto cuja leitura

foi impossível. Se o documento for extenso, devem-se registrar as

mudanças de página, indicando a numeração, quando existente, ou

indicando a folha (frente e verso) em questão;

• Trabalhar com número adequado de casos que garantam margem aceitável

de segurança para fazer afirmações, especialmente de caráter quantitativo e

generalizante;

• Contextualizar o documento que se coleta (entender o texto no contexto de

sua época, inclusive o significado das palavras e das expressões

empregadas;

• Estar atentos às medidas utilizadas por quem produziu o documento, assim

como a seus critérios, vieses e problemas de identificação de pessoas;

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• Cruzar fontes, cotejar informações, justapor documentos, relacionar texto e

contexto, estabelecer constantes, identificar mudanças e permanências.

Como trabalhar com fontes impressas?

Dicas de Tânia Regina de Luca, no artigo Fontes impressas: história dos, nos e por

meio dos periódicos. (PINSKY, 2006, p. 142)

• Encontrar as fontes e constituir uma longa e representativa série;

• Localizar a(s) publicação (coes) na história da imprensa;

• Atentar para as características de ordem material (periodicidade, impressão;

papel, uso/ausência de iconografia e de publicidade).

• Assenhorar-se da forma de organização interna do conteúdo;

• Caracterizar o material iconográfico presente, atentando para as opções

estéticas e funções cumpridas por ele na publicação;

• Caracterizar o grupo responsável pela publicação;

• Identificar os principais colaboradores;

• Identificar o público a que se destinava;

• Identificar as fontes de receita;

• Analisar todo o material de acordo com a problemática escolhida.

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Como trabalhar com fontes biográficas?

Vavy Pacheco Borges em Fontes biográficas: grandezas e misérias da biografia

para o trabalho com biografias. (PINSKY, 2006, p. 228)

• Conhecer o debate historiográfico a respeito da biografia e sua relação com

os historiadores;

• Localizar seu projeto de pesquisa nesse debate;

• Dispor de tempo para uma longa e exaustiva pesquisa;

• Reconhecer o “impulso biográfico”;

• Levantar e estudar as fontes documentais (incluindo os relativos à “escrita de

si”);

• Estudar e analisar o que já foi escrito antes sobre o individuo biografado e

procurar formar uma opinião a respeito a partir de sua própria pesquisa;

• Ao fazer afirmações, preocupar-se com a verossimilhança na história de vida

relatada e deixar claro o que são as aferições seguras e comprovadas, as

afirmações hipotéticas e as afirmações baseadas na intuição do

pesquisador;

• Ter em mente e procurar registrar os diversos aspectos da relação: sujeito da

pesquisa (historiador) – objeto da pesquisa (biografado);

• Buscar a objetividade – tão cara à História – com um levantamento

consistente de provas documentais e com o questionamento e a

contraposição da documentação obtida;

• Aceitar e destacar a subjetividade evitando o psicologismo;

• Estabelecer critérios e selecionar fatos significativos para a narração;

• Aproveitar também uma cronologia, um esquema de parentesco, uma árvore

genealógica e outros instrumentos necessários à melhor compreensão da

vida do biografado;

• Atentar para os condicionamentos sociais do biografado;

• Definir como o contexto social será apresentado na narrativa biográfica;

• Evitar finalismo, buscando as possibilidades com as quais o biografado pode

ter se defrontado;

• Trabalhar com as diferentes temporalidades;

• Desenvolver uma narrativa atraente e de qualidade em terno historiográficos

e literários.

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CAPÍTULO III – AS FONTES ORAIS

Fontes orais podem ser definidas como aquelas que se constituem por

depoimentos e entrevistas de pessoas que trazem pistas para esclarecer dúvidas

relativas a outros documentos ou para acrescentar maiores informações sobre um

determinado objeto de estudo. São gravações, músicas, programas de rádio, etc.

Verena Alberti, quando trata da definição de história oral, nos diz:A história oral é uma metodologia de pesquisa e de constituição de fontes para o estudo da história contemporânea surgida em meados do século XX, após a invenção do gravador e da fita. Ela consiste na realização de entrevistas gravadas com indivíduos que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos e conjunturas do passado e do presente. Tais entrevistas são produzidas no contexto de projetos de pesquisa, que determinam quantas e quais pessoas entrevistar, o que e como perguntar, bem como que destino será dado ao material produzido. (ALBERTI, 2006, p.155)

Embora a história oral seja uma metodologia mais recente, costuma-se

considerar o ano de 1948 o marco do início da história oral “moderna”, porém a

estratégia de ouvir testemunhas de determinados acontecimentos ou conjunturas

para compreender fatos do passado e do presente não é novidade. Historiadores da

Antiguidade como Heródoto, Tucídides e Políbio já utilizaram esta técnica para

escrever sobre acontecimentos de sua época.

Embora a introdução da história oral no Brasil data dos anos 70, somente no

início dos anos 90 a história oral experimentou aqui uma expansão mais

significativa. Em 1975, o programa de História Oral do CPDOC (Centro de Pesquisa

e Documentação de História Contemporânea do Brasil) foi pioneiro no Brasil. Sua

contribuição foi sempre maior nas áreas pouco estudadas, seja no estudo das elites,

seja das grandes massas. A idéia era estudar o processo de montagem do Estado

brasileiro, permitindo inclusive compreender como se chegara ao regime militar

então vigente. Como afirma Alberti

com as entrevistas, procurava-se conhecer os processos de formação das elites, as influências políticas e intelectuais, os conflitos e as formas de conceber o mundo e o país. Para alcançar este objetivo, o mais apropriado era realizar entrevistas de história de vida, [...] políticos, intelectuais, tecnocratas, militares e diplomatas, entre outros, desde os que ocuparam cargos formais no Estado até os que, fora do Estado, com ele cooperaram ou lhe fizeram oposição. (ALBERTI, 2006, p.160 e 161)

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A utilização de fontes orais é um recurso recente de caráter interdisciplinar,

mas muito utilizado no ensino de História. No caso da história através do estudo das

fontes orais o professor ou historiador produz as próprias fontes que irá utilizar, por

meio de entrevistas gravadas e depois transcritas, constituindo-se arquivos com

condições e recursos técnicos diferentes dos tradicionais por se destinarem a

preservar material de reprodução sonora como fitas cassete, fitas de vídeo, CDs,

DVDs, filmes.

De acordo com Verena Alberti (2005), a história oral está vinculada aos

postulados da História do Tempo Presente, com as teorias da memória e com o

retorno da narrativa e do sujeito na História, podendo ainda:

ser empregada em diversas disciplinas das ciências humanas e tem relação estreita com categorias como biografias, tradição oral, memória, linguagem falada, métodos qualitativos. [...] pode ser definida como método de investigação científica, como fonte de pesquisa, ou ainda como técnica de produção e tratamento de depoimentos gravados. (ALBERTI, 2006, p.163)

Há muitas memórias e histórias, que ficaram à margem da história oficial

escrita. A história oral privilegia a história das memórias que não foram registradas,

das minorias, das memórias ocultas. Para Montenegro,O que importa na história oral não são os fatos acerca do passado, mas todo o caminho em que a memória popular é construída e reconstruída como parte da consciência contemporânea, a questão de como os historiadores vão usar fontes é um problema da história oral como de áreas afins. (MONTENEGRO, 1994, p.16)

Para o trabalho com fontes orais devemos estar atentos à escolha dos

sujeitos, à coleta de depoimentos, às histórias de vida, às atitudes do historiador (ou

professor) durante a gravação das entrevistas, aos cuidados de transcrever para a

forma escrita as entrevistas, bem como deixar claro que para se trabalhar com a

memória devemos levar em conta que esquecer e lembrar faz parte, a um só tempo,

da memória.

Dentro dessas perspectivas as fontes orais incluem toda a informação e

tradição que é conservada na memória dos indivíduos e transmitida oralmente de

um para outro. Elas são importantes no estudo da História de sujeitos históricos que

contam a sua história através da tradição oral ou de sujeitos que não têm canais de

expressão para contarem as suas histórias. Jacques Le Goff, historiador francês,

afirma que:

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sempre que as sociedades são predominantemente orais, a transição para a memória coletiva escrita constitui a melhor oportunidade para entender a luta para dominar as recordações. Para fins dessa discussão, a importância da observação de Le Goff está na complexa interação entre uma cultura oral e uma escrita, a fim de contestar as narrativas históricas dominantes. E numa inter-relação ainda mais complexa da memória e história. (FERREIRA & AMADO, 2001, p. 86)

As fontes orais podem preencher lacunas deixadas pelos documentos

escritos na reconstrução dos fatos históricos. Para Thompson (1998),A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação. Admite heróis vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo. Estimula a professores e alunos a se tornarem companheiros de trabalho. Traz a história para dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comunidade. Ajuda os menos privilegiados, e especialmente os idosos, a conquistar dignidade e autoconfiança. Propicia o contato – e a compreensão – entre classes sociais e entre gerações. E para cada um dos historiadores e outros que partilhem das mesmas intenções, ela pode dar um sentimento de pertencer a determinado lugar e a determinada época. Em suma, contribui para formar seres humanos mais completos. Paralelamente, a história oral propõe um desafio aos mitos consagrados da história, ao juízo autoritário inerente a sua tradição. E oferece os meios para uma transformação radical no sentido social da história. (THOMPSON, 1998, p.44)

A pesquisa oral tornou-se um meio pedagógico eficaz para motivar os alunos

de História, levando-os a tomar consciência das relações que o passado mantém

com o presente. Despertar a curiosidade, a vontade de conhecer no aluno, é o

elemento chave, para motivá-lo a sair a campo, gravar e trazer para

discussão/debate e, gradativamente, passar para a escrita. Sempre partir de sua

própria linguagem. Ao coletar narrativas e memórias sobre como as pessoas viviam

no passado, como se vestiam, sobre as brincadeiras das crianças e as mudanças da

paisagem, estamos coletando evidências sobre o passado. Memórias de um bisavô

sobre uma rua, uma igreja, uma escola, uma cidade, construção de cinqüenta anos

atrás, diferentes biografias. O aluno pode praticar entrevistando professores,

membros da família, uns aos outros, escreverem sua autobiografia. A história oral

oportuniza um tipo de atividade que possibilita, aos alunos, desenvolver vários tipos

de habilidades.

Ao discutir sobre a possibilidade de trabalhar com história oral em sala de

aula, Verena Albert relata a importância das relações construída no universo familiar,

como estas experiências podem ser fontes da memória histórica e afirma:

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... o objetivo é enfatizar a relação entre história e nossas vidas, ou seja, fazer o aluno se sentir parte da história, à medida que privilegia, em sua pesquisa, a relação entre momentos históricos e a vida concreta de seus antepassados. [...] como relatar a história dos avós sem perder de vista a história das sociedades em que viveram? Como reunir informações de diferentes fontes, entre elas os relatos dos próprios familiares, e, com elas, construir um texto coerente e, capaz de explicar ao leitor quem foram e o que fizeram aquelas pessoas? [...] Todos esses desafios talvez mostrem, para o aluno, que, ao produzir o texto de história de seus avós, esta selecionando, fazendo adequações, descobrindo novidades, reiterando esquecimentos, omitindo detalhes, enfim, ajustando experiências à linguagem (ALBERTI, 2006, p.168)

Diante deste contexto, podemos decorrer que as principais vantagens da

História oral estão no fascínio da experiência vivida pelo entrevistado, pois assim,

torna o passado mais concreto e faz da entrevista um meio muito eficaz e atraente

para a divulgação das informações coletadas. Por ser atraente ao divulgar temos

que ter a responsabilidade e o rigor de colher, interpretar e divulgar as entrevistas,

pois é preciso ter claro que a entrevista não é uma imagem fiel do passado.

Uma das especificidades da entrevista de história oral é o fato de ela ser

considerada uma narrativa, pois um acontecimento vivido pelo entrevistado não

pode ser transmitido sem que seja narrado. Assim Verena Alberti nos adverte que:ao contar suas experiências, o entrevistado transforma o que foi vivenciado em linguagem, selecionando e organizando os acontecimentos de acordo com determinado sentido. (...) O fato de ser uma narrativa oral, que resulta de uma interação entre entrevistado e entrevistador – uma conversa, podemos dizer – torna essa fonte específica em relação a outros documentos pessoais, como as memórias e as autobiografias. (...) como a linguagem oral é diferente da escrita, leitores desavisados podem estranhar o texto da entrevista transcrita, geralmente menos formal do que um texto já produzido na forma escrita. (ALBERTI, 2006, p. 171)

Todo cuidado é pouco ao pensar que a entrevista já é a própria história. O

pesquisador deve interpretar e analisar a entrevista como fonte, uma fonte oral.

Para facilitar esse trabalho a transcrição da entrevista é essencial. Estando na forma

de texto, deve-se analisar a fonte oral como qualquer outro documento, fazendo

perguntas e verificando como se pode usufruir dessa fonte, tirando dela as

evidências e os elementos que contribuirão para um bom trabalho.

Marieta de Moraes Ferreira nos adverte que já houve muita classificação para

a expressão história oral. Ela já foi classificada como método, técnica e teoria. No

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entanto, há um consenso de classificar a mesma como uma metodologia de

pesquisa, pois:ainda que objeto de poucos estudos metodológicos mais consistentes, a história oral, não como uma disciplina, mas como um método de pesquisa que produz uma fonte especial, tem-se revelado uma instrumento importante no sentido de possibilitar uma melhor compreensão da construção das estratégias de ação e das representações de grupos ou indivíduos nas diferentes sociedades.(FERREIRA, 2002, p. 330)

Por se tratar de uma metodologia de pesquisa a entrevista se configura como

principal instrumento ou técnica do método de história oral. Para realizá-la, não há

uma receita, porém alguns autores e historiadores apontam alguns caminhos a

seguir no trato da entrevista como fonte na pesquisa histórica. Assim Verena Alberti

nos informa como preparar entrevistas:O trabalho de produção de fontes orais pode ser dividido em três momentos: a preparação das entrevistas, sua realização e seu tratamento. A preparação das entrevistas inclui o projeto de pesquisa e a elaboração do roteiro das entrevistas. (...) O projeto também deve discutir e tentar definir que tipo de pessoa será entrevistada, quantos serão entrevistados e qual tipo de entrevista será realizado. (ALBERTI, 2006, p. 171-172)

De acordo com os objetos do estudo, no projeto de pesquisa é conveniente

fazer uma lista dos possíveis entrevistados, pois alguns deles por vezes pode não

querer dar entrevista, assim seria bom ter na sua lista outras possíveis pessoas que

possam contribuir no seu trabalho.

O pesquisador deve estar ciente que no trabalho com história oral podem

ocorrer imprevistos é que nem todas as entrevistas rendem o que se poderia

esperar, sendo assim, as entrevistas podem ser diferentes em qualidade e

densidade, e muitas vezes isso depende do entrevistado. O ideal é que

encontrássemos sempre pessoas dispostas a colaborar com nossa pesquisa e que

ele conheça nossa pesquisa e nossos objetivos. Durante a entrevista nos dê as

respostas para a problemática de nosso objeto de estudo. Isso geralmente não

acontece porque o entrevisto por vezes, está concentrado em apenas alguns

aspectos da entrevista e deixa de dar um panorama geral de determinado

acontecimento do que estamos pesquisando.

Transcrever os relatos dentro de uma experiência individual, trazendo a tona

os aspectos e as expressões culturais de um povo, país, etc., seria ideal quando

escolhemos um entrevistado.

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O número de entrevistados fica a escolha do pesquisador (professor e aluno).

De acordo com V. Alberti:Quanto ao número de entrevistados, um projeto pode optar por apenas um depoente, se seu relato estiver sendo tomado como contraponto e complemento de outras fontes e for suficientemente significativo para figurar como investimento de história oral isolado no conjunto da pesquisa. Essa circunstancia não se aplica, entretanto, àquelas pesquisas que adotam a história oral como metodologia principal de trabalho, tomando a produção de entrevistas e sua análise como investimento privilegiado. Nesses casos, o que interessa é justamente a possibilidade de comparar as diferentes versões dos entrevistados sobre o passado, tendo como ponto de partida e contraponto permanente o que as fontes já existentes dizem sobre o assunto. Assim, é natural que, quanto mais entrevistas puderem ser realizadas, mais consistente será o material sobre o qual se debruçara a análise. (ALBERTI, 2006, p. 173 e 174)

Determinar o número de entrevistados fica a critério do pesquisador, pois

somente ele pode avaliar quando o resultado de seu trabalho com as fontes já

fornece instrumental suficiente para que possa construir uma interpretação bem

fundamentada.

Porém chega-se a um ponto que as entrevistas começam a se repetir

ocorrendo um ponto de saturação, mesmo assim, devemos continuar com mais

algumas entrevistas “com entrevistados de diferentes origens que desempenhem

diferentes papéis no universo estudado”. (ALBERTI, 2006, p. 175)

Sabemos que o pesquisador não deve se apropriar da entrevista como uma

técnica de coleta de dados, mas sim como parte integrante da construção do objeto

de estudo.

Definido o tema e a questão que se pretende investigar e de acordo com os

propósitos da pesquisa, é possível escolher o tipo de entrevista a ser realizada. As

entrevistas podem ser temáticas ou de história de vida.

Entrevistas temáticas podem ser definidas como as que tratam com prioridade

o tema escolhido para nosso objeto de pesquisa. Já de acordo com Maria

Auxiliadora Schmidt e Marlene Cainelli (2004), “a história oral de vida constitui-se de

vários tipos de relato dos sujeitos históricos, acerca da própria existência, pelos

quais se podem conhecer suas relações com seu grupo em que vive, instituindo-se

como importantes memórias sobre o passado”.

Sendo assim, a história de vida inclui a trajetória do pesquisado desde a

infância até o momento em que fala, descrevendo nesse sentido os diversos

acontecimentos e conjunturas que presenciou e vivenciou. Podemos dizer então que

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as histórias de vida contêm em si diversas entrevistas temáticas, pois ao longo da

narrativa dos depoentes muitos temas relevantes podem ser aprofundados na

entrevista.

Determinado o tipo de pesquisa a ser feita, podemos então partir para a

elaboração do roteiro geral das entrevistas, pois o mesmo deverá servir de base

para a entrevista, pois o roteiro tem várias funções, entre elas, a de sistematizar os

dados levantados durante a pesquisa, auxiliar o entrevistador no momento da

entrevista a localizar e a situar os assuntos tratados pelo entrevistado. Uma

adequada metodologia é a de construir fichas que organizem e orientem. A

finalidade dessas fichas é a de fazer com que o pesquisador não se perca durante a

entrevista. A ficha deve conter dados como: nome do entrevistado, idade, profissão,

religião, além de uma pequena biografia do entrevista.

Durante a realização da entrevista, o primeiro passo é gravar informações

com o nome do entrevistado, data, local e finalidade do trabalho para posteriormente

identificar as entrevistas na hora da transcrição. A entrevista deve ser compreensiva

e não ter uma estrutura rígida, isto é, as questões previamente definidas podem

sofrer alterações conforme o direcionamento que se quer dar à investigação. Falar

de uma história de vida leva tempo, por isso, é prudente reservar um tempo

relativamente longo para a entrevista. Outra técnica a ser usada na entrevista é a de

utilizar uma diário de campo onde se possa fazer anotações das reações, posturas e

impressões do entrevistado, dificuldades nas informações obtidas, o que

provocaram suas lembranças, novidades nas informações ou conteúdo, informações

obtidas em off.

Quanto às perguntas, as mais convenientes devem ser as perguntas abertas,

que levem o entrevistado a discorrer sobre o tema. Formular perguntas de forma

simples e direta também ajuda no entendimento do objeto de estudo que está sendo

pesquisado. Verena Alberti nos adverte quanto à entrevista:Ao formular as perguntas, o pesquisador deve procurar ser simples e direto. Extensas introduções e ponderações podem confundir o entrevistado e talvez induzi-lo a dizer o que ele acha que o pesquisador quer ouvir. Fotografias, recortes de jornal, documentos e menção a fatos específicos podem ser úteis para reavivar a lembrança sobre acontecimentos passados. É possível reservar uma parte da entrevista para a discussão e a analise de alguns temas, já que a forma pela qual o entrevistado percebe o assunto investigado também é relevante em pesquisa de história ora. (ALBERTI, 2006, p. 179)

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Durante a gravação da entrevista não devemos nos esquecer dos elementos

materiais utilizados na entrevista, para isso é importante verificar o funcionamento

do gravador, câmara, ou outro objeto que está sendo utilizado na entrevista.

Embora já tenhamos discorrido a respeito dos cuidados com as fontes, é

sempre bom lembrar que, não existe neutralidade do pesquisador desde a escolha

pelo tipo de entrevista até qualquer outro instrumento de coleta de dados ou fontes.

Deve-se respeitar os princípios éticos e de objetividade na pesquisa, lembrando que

nenhum método dá conta de captar o problema em todas as suas dimensões. Sendo

assim, sabemos que todas as conclusões a que chegamos com nossos trabalhos

são provisórias e que elas podem ser revistas e aprofundadas por outros

pesquisadores no futuro.

Providenciar documentos que dão sustentabilidade à entrevista é tão

importante quanto à própria entrevista e trabalho. Neste sentido, se a entrevista for

aberta à consulta de outros pesquisadores e se ela for publicada devemos tomar os

seguintes cuidados: Providenciar um Termo de Consentimento Informado, onde

ficam claros ao entrevistado as finalidades da pesquisa, o nome do informante com

numeração de seus documentos pessoais, a permissão da divulgação do nome do

informante, a cessão de direitos da participação do entrevistado e seus depoimentos

para a pesquisa em questão, a abdicação dos direitos autorais e, por fim,

assinaturas do entrevistador e entrevistado. Se for o caso, quando a entrevista for

transcrita, torna-se importante anexar ao termo (documento) a transcrição da

entrevista.

O tratamento da entrevista também é um dos aspectos relevantes da

entrevista em história oral. Dependendo do que foi proposto no projeto devemos

verificar como será dado tratamento. Ao fazer a escolha se ela será disponibilizada

ao público em forma áudio e vídeo ou de forma escrita é que vamos dar o

tratamento adequado. Antes de qualquer escolha devemos fazer uma duplicação da

entrevista como forma de segurança.

Segundo Alberti, se fizermos a opção de transcrever a entrevista em forma

escrita devemos estar atentos a:Passar o texto transcrito por um trabalho de conferência de fidelidade, que consiste em ouvir novamente toda a entrevista e conferir se o que foi transcrito corresponde efetivamente ao que foi gravado, corrigindo erros, omissões e acréscimos indevidos feitos pelo transcritor, bem como efetuando algumas alterações que visam a adequar o depoimento à sua forma escrita e viabilizar sua consulta. (...) ajustá-la à atividade de leitura: corrigir erros de português (concordância, regência verbal, ortografia, acentuação),

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ajustar o texto às normas estabelecidas pelo projeto (maiúsculas e minúsculas, numerais, sinais com aspas, asteriscos etc.) e adequar a linguagem escrita ao discurso oral (....) outro recurso importante são as notas, que esclarecem passagens obscuras, fornecem informações sobre fatos e pessoas citadas, podem corrigir equívocos feitos tanto pelo entrevistado quanto pelo entrevistador e explicam circunstancia da entrevista importantes para a compreensão do que foi dito. (ALBERTI, 2006, p.181)

Interpretar e analisar as entrevistas requer um cuidadoso trabalho visto que a

análise de um depoimento de história oral deve considerar a fonte como um todo.

Para isso precisamos saber ouvir o que foi dito na entrevista no que diz respeito às

condições de sua produção quanto ao que diz respeito à narrativa do entrevistado,

pois sabemos que o todo fornece sentido às partes.

O cuidado requerido está presente na principal crítica à história oral, pois

acreditamos e concordamos com Marieta M. Ferreira quando diz: que nas sociedades modernas não existe discurso oral puro, e a

perspectiva de um depoimento oral só ganha sua plena significação em confronto com o documento escrito. Além disso, a “história oral” traria embutida a intenção de se constituir em disciplina capaz de uma interpretação científica escamoteando-se assim sua finalidade de produzir fontes que serão objeto de análises e interpretações. (FERREIRA, 2002, p.329)

Um dos pontos fundamentais da análise da história oral constitui-se no fato de

dar ao pesquisador um alto poder de análise sobre o que foi e o que não foi dito.

Diante disto é importante frisar o reconhecimento que se tem das possíveis falhas e

armadilhas do método caso não seja aplicado da maneira correta. Por isso, é

importante que se tenha o compromisso com a complementaridade das entrevistas.

Em outras palavras, para que o método não fique à mercê das emoções de cada

entrevistado e sua versão dos fatos, faz-se necessário recorrer a outras fontes

(também entrevistadas), de modo a confirmar ou não aquilo que foi dito

anteriormente, garantindo, assim, a legitimidade da história oral enquanto fonte.

Mas, para que isso aconteça de fato, é preciso ouvir outras fontes e confrontar os

depoimentos, analisar o contexto em que os fatos aconteceram e, quase sempre,

buscar mais fontes para se chegar a um texto no qual se possa oferecer ao leitor

uma oportunidade real de reflexão que venha a formar sua opinião acerca do que foi

escrito. Comparar entrevistas com outros documentos pode ser muito interessante,

“pois às vezes há um deslocamento temporal ou de sentido que permite ao

pesquisador verificar como a memória sobre o passado vai se constituindo no grupo”

(ALBERTI, 2006, p. 187). Assim, trabalhar e analisar as entrevistas ao lado de

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outros documentos e fontes aprofunda o conhecimento sobre o tema estudado e

permite perceber problemas detectados na análise das entrevistas.

Sabemos que a responsabilidade do pesquisado é fundamental em relação

ao conhecimento produzido, pois quando o pesquisador grava e transcreve

entrevistas da história oral está produzindo uma fonte de pesquisa que será tomado

com documento que será utilizada para diversos fins.

Até este ponto tratamos dos procedimentos e métodos bem como

recomendações de como trabalhar com história oral, mas para nós professores o

importante é sabermos utilizar a história oral de forma didática, pois sabemos que

um dos objetivos do ensino da História consiste em fazer o aluno participar e se

sentir participante do processo histórico. Assim, um aspecto importante desse

ensino é fazer com que o aluno registre sua própria história, a história de sua família,

do seu grupo de pertencimento e que ele (o aluno) consiga articular sua história com

o tema estudado.

Quando professores e alunos trabalham e criam seu material de trabalho

através do processo de entrevistas com a história oral pode-se criar possibilidades

de desenvolvimento relacionadas com a identificação de fontes históricas e com a

seleção de informações. Schmidt e Cainelli acreditam que:É necessário destacar que o registro da experiência histórica do aluno ganha significado se for articulado com o registro da história ou da experiência coletiva, de outros grupos, outros segmentos, outras sociedades e civilizações e nelas inserido. Nesse sentido, o registro da pluralidade de memórias sociais, culturais e populares possibilita a rejeição da chancela da memória nacional como memória coletiva única. (SCHMIDT E CAINELLI, 2004, p. 126)

Diante do exposto, quando o aluno trabalha com o registro de vida através da

história oral ele se apropria de experiências de aprendizagem significativas, uma vez

que entra em contato direto com os sujeitos da história pesquisada, contribuindo

assim para ampliar seus conhecimentos.

Há uma infinidade de temas que possibilita a metodologia de trabalho com a

história oral. Segundo Schmidt e Cainelli, “o ensino de História, ao transpor ou

recriar a metodologia da história oral, pode fazê-lo por meio de projeto”. Nesse

sentido, o estudo da história local seria um meio de utilizar-se da história oral, por

meio de entrevistas e coleta de contos. Para isso, é valido ressaltar que as

atividades envolvendo história oral contribuem para concretizar nas escolas uma

estratégia diferente de ensino-aprendizagem.

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Sabemos que o uso de história oral em sala de aula apresenta um conjunto

de vantagens que contribuem para superar a passividade dos alunos e promover a

ligação da escola com o meio, com os saberes escolares e saberes comunitários,

visto que a utilização de entrevistas possibilita a compreensão do processo de

produção do conhecimento histórico.

Um projeto de história local cria possibilidades da abordagem de diferentes

conteúdos. A região pode ser estudada por professores e alunos como uma unidade

que contém a diversidade ao analisar a heterogeneidade e a multiplicidade de

sujeitos e culturas existentes. Assim, ao estudar a história local, o aluno conhece as

memórias de pessoas comuns, reconhecendo a multiplicidade de sujeitos e ações, e

não apenas histórias referentes a feitos e obras dos grandes heróis, a chamada

história única e cronológica, de influência positivista.

Ao utilizar o trabalho com fontes orais no tocante à histórica local torna-se

necessário levar em consideração algumas orientações como a realidade dos alunos

e seus conhecimentos prévios, planejar atividades que facilitem a aquisição de

novos conceitos históricos necessários à construção do conhecimento referente à

história local, construir um roteiro para orientação dos alunos de como se portar

diante de uma entrevista, entre outros.

Num primeiro momento, o trabalho de pesquisa envolve a preparação que se

dá na sala de aula por meio dos conteúdos que estão sendo estudados para a

articulação destes com a atividade proposta, pois assim o aluno perceberá a

existência de uma relação entre a pesquisa proposta e o conteúdo estudado.

Em seguida ao trabalho em sala de aula, temos o segundo momento do

trabalho propriamente dito, quando se inicia a fase da entrevista, onde os alunos,

com a orientação do professor, buscam informações por meio da realização dos

questionamentos aos entrevistados previamente selecionados. Os entrevistados

podem ser pessoas da escola, do bairro, da cidade. Munidos com os instrumentos

da entrevista podem fazer filmagens e fotografias para posterior apresentação e

comprovação do trabalho realizado.

Para a conclusão do trabalho deve-se fazer a análise do material coletado,

tomando os devidos cuidados de transcrição e apresentação da pesquisa. A

apresentação pode ser através de cartazes, mapas, maquetes, gráficos, vídeos,

relatos, entre outros. Posteriormente à apresentação o professor pode acrescentar

os conceitos históricos ensinados em sala de aula e articular a construção de uma

narrativa histórica através da elaboração de um texto que explicite o projeto de

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trabalho com as fontes orais, nesse sentido, o aluno concretiza um aprendizado

significativo.

Além da sugestão apresentada para o trabalho com fontes orais através de

entrevistas com o estudo local, Maria A. Schmidt e Marlene Cainelli apresentam

outras sugestões de trabalho com a metodologia da história oral através de projetos

dos seguintes temas: Autobiografias orais; entrevistas com pessoas da comunidade; livro de recordações; investigação da origem de nomes dos espaços locais; história oral da escola; (...); história oral de pessoas idosas, com o objetivo de recuperar a cronologia de fatos da localidade; história oral do aluno (...); história oral de famílias (genealogias familiares, arquivos familiares, história oral e fotografias históricas); história oral da indústria local; história oral das mulheres, dos migrantes, dos imigrantes; história oral de um acontecimento local importante. (SCHMIDT e CAINELLI, 2004, p. 128)

Ao finalizar este capítulo queremos ressaltar que a história oral é uma das

mais recentes metodologias que vêm apresentando sucesso entre os historiadores.

Tomados os devidos cuidados selecionados nesta discussão sobre a história oral,

podemos afirmar que o historiador produz as próprias fontes que irá utilizar por meio

de entrevistas gravadas. A história oral vem alcançando esse sucesso, pois ela está

vinculada aos postulados da história do tempo presente; com as teorias da memória

e com o retorno da narrativa do sujeito na história, sendo indicado como um

procedimento necessário para a construção do saber historicamente construído,

conforme nos indicam as DCES.

Dentro desse contexto, apresentaremos a seguir dicas de Verena Alberti

apresentados em seu texto ‘Fontes orais: histórias dentro da história’, publicado no

livro Fontes Históricas de Carla Pinsky, 2006, p. 190 e 191.

• Elaborar o projeto de pesquisa (explicitar claramente o tema de pesquisa e

qual questão está sendo perseguida);

• Definir que tipo de pessoa será entrevistada, quantos serão entrevistados e

qual tipo de entrevista será realizada;

• Elaborar uma listagem extensa e flexível dos entrevistados em potencial;

• Contactar os entrevistados e providenciar todo material necessário à

realização da entrevista (equipamento técnico, documento de cessão de

direitos);

• Elaborar roteiros de entrevistas (o roteiro geral e os roteiros individuais);

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• Contar com entrevistados de diferentes origens, assim como atuantes em

diferentes papéis no universo estudado;

• Reservar um tempo relativamente longo para a realização da entrevista;

• Ao iniciar a gravação, gravar uma espécie de “cabeçalho” da entrevista,

informando o nome do entrevistado, do (s) entrevistador (es), a data, o local

e o projeto no qual a entrevista se insere;

• Usar, de preferência, perguntas abertas.

• Aproveitar outros recursos que estimulem o depoimento (fotografias, recortes

de jornal, documentos e menção a fatos específicos).

• Decidir sobre quando encerrar a realização de entrevistas com base no

avanço da investigação;

• Fazer cópias da gravação.

• Produzir instrumentos de auxílio à consulta, como sumários e índices

temáticos;

• Ajustar a transcrição para a atividade de leitura.

• Editar o texto se for publicado.

• Analisar os depoimentos levando em conta as seguintes sugestões:

• Fazer a “crítica do documento”;

• Lidar com recuos e avanços no tempo;

• Refletir sobre a parcimônia do discurso dos entrevistados, se for o caso;

• Estar atento às repetições como uma possível fonte de informações

importantes;

• “ouvir” o que as entrevistas “dizem” (narrativa do entrevistado e

condições de sua produção);

• Atentar também para relatos, interpretações e pontos de vista

“desviantes”;

• Ser fiel à lógica e às escolhas do entrevistado;

• Chegar a alguns padrões;

• Comparar o que dizem as entrevistas com outros documentos;

• Tomar os fatos (o que realmente aconteceu) e suas representações

simultaneamente.

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Embora tenhamos trabalhado sobre estas observações (dicas) no decorrer do

trabalho desta unidade achamos oportuno reproduzir as dicas da autora, com o

intuito de melhor apresentar uma síntese do tema proposta nesta unidade.

Esperamos, professor, que, ao trabalhar com fontes e história orais, estas

dicas sejam úteis em suas aulas, pois acreditamos que a partir delas poderemos

fazer um trabalho didático de qualidade e contemporâneo, na medida em que o

trabalho com a oralidade é uma maneira rica e sensível de construir conhecimento.

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CAPÍTULO IV - FONTES DA CULTURA MATERIAL

Com a intenção de superar os obstáculos do meio ambiente, o ser humano,

desde os primórdios da civilização, criou diversos utensílios e implementos,

aproveitando matérias-primas encontradas na natureza. Com o desenvolvimento das

diversas culturas e sociedades, foram sendo ordenadas formas que, além de serem

úteis, eram belas e proporcionavam satisfação ao observador. Assim, esses

utensílios e implementos refletiam e refletem até hoje o modo de pensar, os valores,

a cultura de cada sociedade.

Esse conjunto de materiais revela-se parte de um mesmo todo, como

discursos a serem interpretados pelos historiadores. Nesse sentido, a contribuição

da arqueologia para o conhecimento histórico tanto do passado como do presente é

muito importante. Os métodos arqueológicos possibilitam o acesso a segmentos

sociais poucos reverenciados, através de seus utensílios e implementos.

Os vestígios materiais que sobreviveram aos fenômenos naturais ou da ação

humana não são apenas objetos a serem recolhidos e preservados, mas elementos

que traduzem uma determinada cultura material, um conjunto de traços em um

determinado espaço, de atividades humanas no decorrer do tempo.

A esse conjunto de elementos damos o nome de fontes materiais ou fontes

objetos. Elas abrangem todos os vestígios materiais que sobreviveram à ação do

tempo, a exemplo de monumentos arquitetônicos de toda natureza, ossadas

humanas e de animais, vestuários, moedas, armas esculturas, produções artísticas.

Esse tipo de fonte exige um diálogo com a arqueologia, a numismática e a

sigilografia, entre outras.

A história da cultura material trata-se de uma das dimensões dentro das

especialidades da história. Assim, os critérios de classificação que estabeleceram os

domínios da história referem-se às temáticas escolhidas pelos historiadores. Nesse

sentido a história da cultura material traz a primeiro plano a própria vida material dos

homens que vivem em sociedade, incluindo os objetos e materiais que constituem a

base dessa cultural material regulada e organizada socialmente.

Desta maneira, a história da cultura material pode ser definida como o campo

da história que estuda os objetos materiais em sua interação com os aspectos mais

concretos da vida humana, através do viés que vai desde o estudo dos utensílios ao

estudo da alimentação, do vestuário, da moradia e das condições materiais fruto do

trabalho do ser humano.

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Por se tratar de campo da matéria ou do objeto material aí podemos incluir

tanto os tipos de bens duráveis como monumentos, utensílios até os bens não

duráveis abrangendo, nesse sentido, alimentos, entre outros. Mas sempre levando

em consideração que não devemos analisar o objeto na sua materialidade em si, e

sim seus usos, suas apropriações sociais, as técnicas envolvidas na sua

manipulação, a sua importância econômica e a sua necessidade social e cultural.

O estudo dos objetos da cultura material faz como que esta especificidade da

história esteja associada à arqueologia, a história das mentalidades, a história

econômica.

As interrelações mais imediatas da história da cultura material se fazem mais

eficaz com a história econômica. Neste caso, os objetos materiais utilizados para o

estudo serão as ferramentas, as máquinas, a matéria-prima e, como diria Marx, os

meios de produção, os meios de circulação, as moedas.

As correntes historiográficas que se inspiram em Marx são um bom exemplo

do estudo da cultura material, pois acreditam que as relações sociais e a história

fundam-se em relações materiais.

Além de Marx, outros historiadores trataram da cultura material, entre eles

Braudel que incorporou a análise historiográfica das fontes arqueológicas em um

dos clássicos volumes de sua coleção “Civilização Material, Econômica e

Capitalismo” de 1967. Ao propor essa discussão, Braudel mostra que as fontes

arqueológicas não eram importantes apenas para os historiadores da antiguidade,

mas também para aqueles que lidam com a história moderna. Porém, foi Marc Block

considerado precursor da cultura material ao levar em conta que teria iniciado uma

modalidade de história da cultura material ao analisar a ‘paisagem rural’ no período

medieval francês.

Assim podemos perceber que foi a partir dos Annales que a cultura material

passou a ser mais utilizada. Hoje são muitos os historiadores que tratam da história

da cultura material, entre eles Pedro Paulo Funari é o historiador brasileiro mais

citado.

Nesse sentido, objetivamos neste capítulo utilizar preferencialmente as obras

desse historiador para subsidiar nosso trabalho.

A fonte material era pouco valorizada até o século XIX, porém com a criação

da ciência da arqueologia os primeiros modelos interpretativos foram desenvolvidos

a partir da busca pelas origens e o estabelecimento das identidades nacionais

(FUNARI, 2004, p.23).

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A cultura material não é reflexo passivo da sociedade que lhe deu origem. Um

artefato pode representar ideias, crenças, ideologias. Assim como os outros tipos de

fontes um artefato em si não fala, é preciso saber perguntar em que condições ele

foi criado.

Portanto, trabalhar com fontes materiais pode proporcionar o desenvolvimento

de várias habilidades que oferecem ferramentas intelectuais para a compreensão da

realidade na atualidade, pois de acordo com Pedro Paulo Funari,Objetos de uso cotidiano, como lamparinas ou ânforas, vaso pintado, mosaicos, inscrições parietais, funerárias ou de grandes monumentos, armas, a arquitetura das cidades, por exemplo, livres da tarefa de comprovar os textos escritos pelas elites, tornaram-se objetos de grande valor para o estudo das camadas menos favorecidas. (FUNARI, 2004, p.24)

Nessa perspectiva, o autor coloca que o estudo da cultura material traz vários

significados aos vestígios do cotidiano, pois analisando a cultura material é possível

vislumbrar diferentes leituras e formas de pensar de outras épocas que contribuem

para a aproximação com uma realidade distante.

O início da história da cultura material se deu como conseqüência natural da

necessidade de preservação da documentação da antiguidade. Essa preocupação

surgiu das iniciativas arqueológicas de coleta e publicação de artefatos, edifícios e

outros aspectos da cultura material. Diante deste contexto Funari esclarece:Esculturas romanas eram conhecidas desde o Renascimento, assim como as pinturas parietais, tendo servido de base, inclusive, para os renascentistas estabelecessem seus cânones. O próprio nome, Renascimento, deve-se não só à leitura das obras antigas, como à coleta de objetos artísticos antigos, que passavam a fazer parte de coleções privadas, papais ou de autoridades. Por alguns séculos, do Renascimento no século XVI até o século XX, esses objetos e mesmo os edifícios antigos, como o Pantheon, em Roma, faziam parte daquilo que se chama Antiquariato, o culto ao antigo, e constitui, em certo sentido, uma atividade precursora da Arqueologia. Desde meados do século XVIII, a cidade de Pompéia, que havia sido recém-descoberta, começou a ser escavada e seus objetos colecionados da mesma maneira. Seria apenas no século XIX, como resultado da Filologia e da História, que a cultura material passaria a ter um estatuto completamente diverso, não mais como objeto artístico, como modelo ou como curiosidade, para tornar-se uma fonte histórica. (FUNARI, 2006, p.85)

A primeira categoria substancial de fontes arqueológicas foram as

“inscrições”, que passaram a determinar e a influenciar de maneira decisiva, a

escrita da história, isto ainda no século XIX. A cultura material aos poucos deixa de

ter um estatuto completamente diverso, não mais como objeto artístico, como

modelo de curiosidade, para tornar-se uma fonte histórica (FUNARI, 2006).

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As inscrições, portanto, foram e continuam sendo o material que mais

mereceu e tem merecido atenção como fonte para o trabalho dos arqueólogos.

Muitas civilizações faziam uso das inscrições em pedra e outros materiais duráveis,

como cerâmica, tijolos, telhas, estelas, sarcófagos. A decifração dos hieróglifos

egípcios levou ao começo de publicações sistemáticas das inscrições do Egito.

Funari nos informa que essas inscrições eram de todos os tipos, monumentais em

pedra, mas também cursivas parietais, incisivas ou pintadas nas paredes ou nos

vasos de cerâmica, estampilhas em tijolos ou ânforas, grafites em todo tipo de

suporte. (FUNARI, 2006, p.88)

Diante da grande diversidade de abordagens que são possíveis no trato da

cultura material, para fins didáticos resolvemos tratá-las separadamente, embora

relacionando o estudo da arqueologia e dos museus e suas possíveis colaborações

para o ensino de história.

HISTÓRIA E ARQUEOLOGIA

A imagem do público, professores e alunos em geral sobre a arqueologia é

que ela é uma atividade exótica, diferente, desenvolvida por pessoas que se

parecem com detetives e estão atrás de aventuras e em busca de aventuras e pistas

que levem à solução de grandes enigmas como, por exemplo, as pirâmides, os

dinossauros, caça a tesouros, etc. Esta imagem deve-se ao fato de que o objeto de

estudo da arqueologia é o passado. De acordo com o Manual de Arqueologia

Histórica (2002) p. 6:É difícil encontrar quem não tenha interesse pelos seus antepassados. É uma forma de unir pedaços de nossa história, nossa memória e sabermos um pouco mais sobre nós mesmos. Esse interesse pode se originar a partir de questões afetivas, religiosas e até filosóficas, ou seja, a busca do passado é próprio do ser humano. (Manual de Arqueologia, 2002, p.6)

Outro fator que desperta curiosidade sobre o passado e a arqueologia é a

fantasia das pessoas que criam “teorias fantasiosas” para explicar a construção das

pirâmides egípcias, as gigantescas cabeças de pedra da Ilha de Páscoa, etc. Por fim

essas fantasias surgem em virtude de muitos filmes de aventuras como os de

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Indiana Jones, por exemplo, que criam um universo fictício a respeito dos

arqueólogos.

Nesse contexto, já dissemos que a arqueologia estuda o passado. Como

passado para fins de estudo arqueológico pode ser um objeto de dezenas, centenas

ou milhares de anos, como uma casa, um túmulo ou uma construção de 1940 da

mesma forma de uma caverna pré-histórica. O que muda é o tipo de fonte, ou seja,

as evidências disponíveis para o estudo.

Para estudar a casa é possível fazê-lo através dos restos materiais, da

utilização de documentos escritos, plantas, fotos, enquanto que no caso da caverna

pré-histórica temos apenas os vestígios materiais, também chamadas de fontes da

cultura material, como artefato de caça, pesca, agricultura, vasos de cerâmicas,

fogueiras, pinturas rupestres, etc.. Assim, sabemos que é através desses vestígios

que o arqueólogo estuda o comportamento humano. Portanto, o estudo da

sociedade em seus diversos aspectos com base nos restos materiais deixados por

elas é o objeto de estudo da arqueologia, ou seja, ela estuda o homem a partir de

sua cultura material.

De acordo com o Manual de Arqueologia (2002),A Arqueologia não é um ramo auxiliar da História nem uma técnica, é uma ciência e possui procedimentos teórico-metodológicos próprios. A Arqueologia, portanto, é uma disciplina científica e, como tal, compreende uma série de etapas de pesquisa que devem ser cumpridas. A saber: a formulação de problemas (hipóteses, levantamentos e estudos de viabilidade); a implementação (licenças, logística); a obtenção de dados (levantamentos, escavação); o processamento dos dados (limpeza, conservação, catalogação, classificações); a análise dos dados (questões temporais e espaciais); a interpretação (aplicação da opção teórica); a publicação e, nos casos indicados, a restauração. (MANUAL DE ARQUEOLOGIA HISTÓRICA EM PROJETOS DE RESTAURAÇÃO, 2002, p.6)

Como vimos, a arqueologia não é um ramo auxiliar da história, assim como o

inverso também, mas a partir desses estudos tanto uma quanto a outra podem se

beneficiar de seus estudos científicos. A história, como vimos anteriormente, conta

com a elaboração de outras ciências para dar suas explicações e responder as

perguntas por ela feitas.

Assim, como a história, o arqueólogo trabalha a partir de perguntas que

deseja responder.

Estas indagações podem estar relacionadas aos mais diversos tipos de

fontes, a alimentação, a arte, rituais, fragmentos de ossos, enfim, qualquer aspecto

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do grupo humano pode ser estudado pela arqueologia. Esses aspectos encontram-

se representados na cultura material, desde uma ponta de lança, uma flecha, um

fragmento de louça antiga até as formas e elementos de uma igreja que aparecem

sob a forma de códigos com tábuas de argila, escritas antigas. Cabe ao arqueólogo

a tarefa de decifrá-los. Tarefa difícil, porém necessária e muito interessante, pois

afinal trabalhar como o passado e suas fontes requer práticas e técnicas que

carregam consigo a visão do presente, suas ideologias e sua visão de mundo

repleta de subjetividade.

De acordo com Santos, Sítios arqueológicos sejam eles cavernas, sambaquis, galões naufragados, ruínas de casas, forte, igrejas, fazendas, cidades são pedaços da história passada e presente de um povo. São as tramas que formam o tecido da memória (...) a esse tecido damos o nome de patrimônio arqueológico. (SANTOS, 1993, p.7)

Esse patrimônio também é fruto do estudo da história. Assim, hoje usa-se o

termo arqueologia histórica para tratar desses elementos ou fontes.

Durante décadas, o trabalho de arqueologia histórica limitava-se a corroborar

o que as fontes escritas já haviam afirmado; assim a arqueologia tinha um aspecto

quase ilustrativo.

Com o decorrer do tempo, observou-se que na cultura material estavam

cristalizadas as idéias e as atitudes de formas mais “objetivas” que no suporte

textual. No Brasil, de acordo com Manual de arqueologia:A Arqueologia Histórica se estabelece na década de 1960, quando foram realizados os primeiros estudos sistemáticos de ruínas do século XVI de aldeias espanholas e missões jesuíticas. A partir desse momento, sítios históricos de naturezas diversas foram despertando a atenção dos pesquisadores brasileiros que, no entanto, voltaram suas preocupações para aspectos, na sua maioria, ligados aos contatos interétnicos e aos monumentos edificados, resultando em uma ênfase excessiva na chamada arqueologia de restauração. Os anos 1990 inauguram uma nova fase da Arqueologia Histórica no Brasil, refletida em trabalhos que contemplam temas tais como gênero, etnicidade, capitalismo e paisagem. (MANUAL DE ARQUEOLOGIA HISTÓRICA EM PROJETOS DE RESTAURAÇÃO, 2002, p. 8 e 9)

Diante deste contexto, podemos afirmar que a arqueologia histórica tem um

caráter multidisciplinar, ela dialoga com outras áreas do conhecimento como a

história, a arquitetura e a antropologia. A multiplicidade de informações relativas aos

sítios históricos implica a necessidade do olhar de cada uma dessas áreas.

Artefatos, documentos escritos, informação oral e a própria arqueologia podem nos

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informar sobre as relações entre seus ocupantes e como estes se relacionam com a

sociedade

Um exemplo disso é que uma planta de uma casa pode sugerir questões

importantes sobre o comportamento de uma família: os acessos – portas e

corredores – indicam áreas mais ou menos valorizadas da residência, a localização

dos cômodos pode indicar o status de cada membro da família, assim como o

material de construção, tijolos, telhas, pedras pode dar uma conotação econômica e

social; os revestimentos, as formas, os jardins, as fachadas, o conteúdo estético,

louças, vidros, ferro, ossos, podem denotar modismos e estilos. Assim, uma

pequena parte dos materiais encontrados em uma casa podem no universo familiar

ser indicativo de representação de uma sociedade, permitindo assim reflexões mais

amplas.

Podemos afirmar, nesse sentido, que o objetivo da arqueologia histórica é

conhecer, através da cultura material, temas que a história, pelos seus meios,

técnicas e metodologia não consegue explicar, mesmo sabendo que a história

atualmente abarca uma infinidade de temas e objetos de estudo, ela necessita da

colaboração dessas ciências auxiliares. A título de exemplo, os escravos no Brasil

colonial do século XIX– tema de estudo da história em seus aspectos culturais,

econômicos, sociais – tinham sua liberdade de expressão proibida, e por isso,

resistiam de forma silenciosa. Isso foi comprovado na decoração encontrada em

cachimbos por eles usados que reproduziam os símbolos das etnias às quais

pertenciam. Os escravos podiam fumá-los sem que os senhores e capatazes

percebessem que naquele objeto havia um ato de resistência. Nesse sentido, as

manifestações que residiam no silêncio aparente dos elementos materiais, no caso

do cachimbo, constituem os domínios da arqueologia de que a história se apropria e

juntamente com outros estudos explica em suas diversas conjunturas a escravidão

no Brasil.

Diante disto, podemos dizer que todo bom arqueólogo é também um

historiador da cultura material, pois, as fontes arqueológicas passaram a ser parte

integrante e a essência da pesquisa histórica não se limitando apenas a coletar

restos de civilizações.

Pedro Paulo Funari declara que:As fontes arqueológicas também encontraram terreno fértil em diversas correntes historiográficas, preocupadas com a multiplicidade de quotidianos. Brinquedos de crianças, artefatos femininos, edifícios escolares, tudo permite ampliar o olhar do historiador sobre o passado. O estudo das camadas subalternas muito tem se ampliado

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e, para isso, as fontes arqueológicas contribuem de forma notável, com seu caráter anônimo e involuntário. Cultura espiritual e material revelam-se parte de um mesmo todo, como discursos a serem interpretados pelo historiador. Nunca as fontes arqueológicas foram tão difundidas entre os historiadores e seu êxito só tende a aumentar. (FUNARI, 2006, p. 94)

Nesse sentido, faz-se necessária a pergunta: como os historiadores podem

usar as fontes arqueológicas, tendo em vista que as mesmas estão sendo cada vez

mais difundidas entre os historiadores? Como chegar a conclusões quando se trata

com fontes produzidas na Pré-história, onde não havia ainda documentos escritos?

Indícios do passado como ossos fossilizados de animais e ou de humanos,

ocupação no solo, fogueiras, restos de objetos de pedra, cerâmicas são em geral

vestígios materiais muito limitados; quanto mais recuado o passado mais limitados

esses vestígios. Diante disto, o ideal seria buscar ferramentas interpretativas, como

em qualquer pesquisa histórica. Sendo assim, na pesquisa e análise histórica, as

fontes novas que são encontradas geralmente se integram às que já são conhecidas

sobre a sociedade estudada, procurando comparar as semelhanças entre elas.

Pedro P. Funari, afirma que:No caso das sociedades sem escrita, há que se estudar, antes, o que se disse ou se registrou sobre tais sociedades, o que se sabe sobre o papel da oralidade nesses grupos sociais, as relações pessoais e face a face, sua interação com o meio ambiente, sua religiosidade. São, portanto, leituras de caráter metodológico, antropológico, sociológico e filosófico que devem ser feitas pelo pesquisador. (FUNARI, 2006, p.95)

Nem sempre podemos contar com informações que já são conhecidas, pois

quando mais antigos os vestígios, menor a possibilidade de termos dados fornecidos

por povos com escrita. Dificilmente encontraremos qualquer material já escrito para

compará-lo com artefatos que tenham mais de cinco mil anos. Nesse sentido, todo

historiador que quiser estudar e dedicar suas pesquisas aos primeiros milhões de

anos dos hominídeos até a invenção da escrita contará com apenas alguns objetos

com intervalos entre um e outro de milhares de anos. Se, no entanto, o historiador

estiver atento aos achados arqueológicos, às evidências materiais, muito ele poderá

conhecer sobre esse passado. De acordo com Funari, Talvez a evidência material mais conhecida e estudada desses milhões de anos iniciais seja os restos dos próprios hominídeos, mandíbulas, ossos da bacia e da perna, crânios, tudo potencialmente capaz de fornecer uma grande quantidade de informações.(...) A fonte arqueológica, portanto, se estudada no detalhe, permite ao historiador formular hipóteses tanto sobre a época mais antiga, como mesmo posterior, pois se essa interpretação for válida, então mais ampla

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ainda poderemos considerar que a vida social depende da comunicação e transmissão cultural. (FUNARI, 2006, p. 95 e 96).

Se o sentido da pesquisa arqueológica for de tempos mais recente, as fontes

podem e devem ser abordadas tendo em vista a possibilidade da analogia, ou seja,

a análise com outros povos e/ou fontes em situação semelhante. A esse tipo de

metodologia através da analogia damos o nome de paralelo etnográfico. Assim, por

meio da observação do comportamento de grupos vivos, formulam-se alguns

conceitos que foram aplicados ao passado da humanidade e ao estudo das fontes

arqueológicas.

De acordo com o critério de análise da analogia etnográfica, historiadores e

arqueólogos com o intuito de estudar, por exemplo, o meio de subsistência de

grupos de caçadores e coletores e grupos de agricultura ceramista, pesquisaram,

em grupos vivos e em grupos antigos por meio de fontes arqueológicas, como povos

que praticavam a caça, a pesca e coleta constituíam modos de vida específicos ao

relacionar-se, construir cabanas, comer e beber, vestir e dispor dos corpos dos

mortos em função do meio ambiente em que viviam e de acordo com a sua cultura.

Um destes historiadores, Leroi-Gourhan, citado por Pedro Paulo Funari:Constata a imensa variedade de artefatos, em uso ou arqueológicos, empregados na atividade da pesca e, ao fazê-lo, revela como apenas uma parte dos artefatos de pesca consegue preservar-se com o tempo, pelo que as fontes arqueológicas referentes à pesca são uma ínfima parte do que já foi produzido por povos pescadores: a madeira e a corda, por exemplo, pouco sobrevivem, restando apenas vestígios de objetos de pedra. Quanto às sociedades agrícolas e produtoras de cerâmica, Leroi-Gourhan observa que muitos aspectos da vida social, como vestuário, podem ser conhecidos apenas com relação a povos do presente, pois vestes são muito perecíveis. (FUNARI, 2006, p.97)

Assim, os vestígios estudados por arqueólogos e historiadores dentro de cada

contexto apresentam suas especificidades e seu estudo, ao utilizar a analogia

etnográfica por meio de comparações, facilita a análise do objeto de estudo. Nesse

sentido, o historiador pode e deve explorar as diferenças e contradições entre as

fontes de modo a tentar melhor interpretar seu objeto de estudo.

Assim, no sentido de encerrarmos esse diálogo com a arqueologia usamos as

palavras de Pedro Paulo Funari, que afirma:As fontes arqueológicas constituem um manancial variado para o historiador de todos os períodos da História, do mais recuado passado da Humanidade, até os mais recentes períodos e épocas. Se é verdade, como propõe o historiador alemão Thomas Welskopp, que a História da sociedade é sempre uma História das relações sociais, das identidades em confronto, das leituras plurais do

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passado, então as fontes arqueológicas têm papel importante a jogar. No contexto contemporâneo, em que se valoriza a diversidade cultural como um dos maiores aspectos da humanidade, do viver em sociedade, as fontes arqueológicas ajudam o historiador a dar conta de um passado muito mais complexo, contraditório, múltiplo e variado do que apenas uma única fonte de informação poderia supor. (FUNARI, 2006, p. 104 e 105)

As fontes arqueológicas podem ser conhecidas e vistas, ao vivo, em

exposições e, principalmente, em museus. A seguir faremos uma discussão sobre o

papel do museu no conhecimento histórico.

HISTÓRIA E MUSEUS

Um dos lugares que consideramos privilegiados para a procura da

historiografia de objetos materiais é o museu. O museu por vezes é visto nas

sociedades ocidentais como um grande documento, no sentido de que objetos da

cultura material estão ali reunidos. Os museus constituem assim importantes

espaços de aprendizagem, contribuindo significativamente para o conhecimento, o

respeito e a valorização do patrimônio sócio-histórico e cultura dos povos.

O conceito de museu é encontrado no Conselho Internacional de Museus,

citado por Selva Guimarães Fonseca(...) museu é uma instituição permanente, sem finalidade lucrativa, a serviço da sociedade e de seu desenvolvimento. É uma instituição aberta ao público, que adquire, conserva, pesquisa, comunica e exibe evidencias materiais do homem e de seu ambiente, para fins de pesquisa, educação e lazer. (Artigo 6º do Estatuto do Comitê Brasileiro do Icom) (FONSECA, 2008, p.224)

Diante desta definição fica evidenciado o papel educativo dos museus na

medida em que preservam, transmitem, comunicam e possibilitam interações entre

diferentes fontes e formas de conhecimento. Nesse sentido, diante do papel

educativo dos museus eles podem também provocar questionamentos, despertar a

curiosidade e o espírito crítico, que leva ao conhecimento e produz elementos

fundamentas para a formação da consciência histórica. Assim, perguntamos: Como

surgiram os museus? Como mostrar o papel educativo dos museus em nossas salas

de aula? Como os museus podem contribuir com o desenvolvimento do processo

formativo em história?

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O museu, em sua origem na Antiguidade, apresentava-se como um local de

estudo e conservação com características semelhantes à de uma biblioteca, como a

de Alexandria, por exemplo. Nesse momento existe o sentido de concentração de

diferentes saberes e de valorização dos grandes feitos do homem. No período

moderno, os museus vão ganhando aparência também contemplativa, nesse sentido

a elite européia começa a visitar este espaço que foi chamado de “gabinetes de

curiosidades”. Coleções exóticas, minerais, plantas, animais empalhados, esculturas

diferentes do padrão estético europeu chamam a atenção do público. Tudo isso nos

leva a deduzir que durante o período moderno aquilo que mais tarde iria se chamar

museu apresenta como uma das características a tendência ao colecionismo. Esta

tendência se estende ainda até meados do século XIX, quando surge a preocupação

com a montagem de acervos, marcada por uma visão historicista da realidade, que

vai buscar na história o sentido da vida e da sociedade, ou seja, a busca de uma

explicação que não encontramos na religião. Neste sentido, existe a idéia, nos

primórdios do museu, de que a apropriação do passado é um meio de entendimento

do homem e do presente.

De espaços de exibição de coleções tanto valiosas como exóticas, no século

XX o museu passa por sua maior transformação. Eles passam a se constituir em

espaços educativos e de pesquisa, na busca da preservação da memória. Nesse

sentido podemos observar que o museu tem grande significado pedagógico e as

visitas e as pesquisa nele realizadas adquirem importância no ensino de história.

Ações de educação patrimonial se tornam elementos importantes junto às práticas

cotidianas desses espaços. Nesse sentido Circe Bittencourt afirma:As visitas aos museus merecem atenção, para que possam construir uma situação pedagógica privilegiada com o trabalho de análise da cultura material, em vista da compreensão da linguagem plástica. Mesas, vasos de cerâmica, vidro ou metal, roupas, tapetes, cadeiras, automóveis ou locomotivas, armas e moedas podem ser transformados de simples objetos de vida cotidiano, que apenas despertam interesse pelo “viver de antigamente”, em documento ou em material didático que servirão como fonte de análise, de interpretação e de crítica por parte dos alunos. (BITTENCOURT, 2008, p.355)

Para que os objetos de museu deixem de ser apenas material de curiosidade

para se saber como era antigamente, e assim se transformar em documento que

informa sobre as ações dos homens e da sociedade e sobre sua história há a

necessidade de um olhar diferente sobre os objetos a serem vistos nos museus.

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Esse olhar deve ser condicionado pelos aspectos relacionados com as escolas com

aqueles próprios do museu.

Neste sentido, as visitas devem ser articuladas com o conteúdo que está

sendo trabalhado, com os interesses dos alunos, e o professor exercerá o papel de

mediador entre conhecimento histórico, o conteúdo trabalhado em classe e o museu.

De acordo com Ângela Garcia Blanco:Uma concepção mais contemporânea exige que a visita ao museu seja enriquecida com a aplicação de uma metodologia em que o aluno possa participar de forma ativa, da construção de seu conhecimento. Nesse caso, o professor iniciará o aluno no método de investigação histórica e no uso do próprio museu. Essa visita de “conhecimento” não pode ser improvisada. Ela precisa ser planejada e discutida com os alunos, destacando-se os aspectos do conteúdo ou o tema que será trabalhado, o significado do museu, os interesses e a participação ativa do aluno. (BLANCO, 1994; apud SCHMIDT e CAINELLI, 2004, p. 123)

Para que se efetue uma visita de qualidade aos museus que propicie um

efetivo aprendizado temos que tomar alguns cuidados ao definir as visitas a esses

locais. Entre muitas dicas dos estudiosos do assunto, citamos as sugestões de

Selva G. Fonseca (2008, p. 226):

• estudar a correlação existente entre o conteúdo do museu e o programa de

história, para determinar as fontes e os meios de ensino para cada unidade

e as temáticas do curso;

• elaborar fichas com o conteúdo dos objetos expostos que servem de fontes

de autopreparação do professor;

• determinar os objetivos das atividades que serão desenvolvidas no museu.

No planejamento deve estar presente a função didática predominante, ou

seja, se a atividade de aprendizagem que o aluno realizará será a

introdução de um conteúdo novo ou de fixação, ampliação ou conclusão de

temas já trabalhados em sala de aula, ou se não predominará uma única

função;

• traçar o plano de visita. É importante lembrar que a lógica do museu pode

ser uma e a da atividade docente planejada outra. Isso pode provocar a

necessidade de reordenamento do trajeto na exposição. É importante

também precisar os objetos aos quais os alunos devem dedicar maior

atenção;

• determinar a forma de organização mais adequada às necessidades da

turma, de acordo com os objetivos e o conteúdo histórico;

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• realizar trabalho metodológico conjunto com o guia do museu nos casos em

que esta seja a pessoa que atenderá os estudantes. Escola e museu,

professor e guia podem integrar um sistema harmônico de influências

pedagógico-culturais;

• estabelecer com os alunos as condições prévias, o papel e o valor da

atividade que realizarão no museu;

• decidir as tarefas que serão realizadas pelos alunos como resultado da visita.

Esta não é um fim em si mesma, mas um meio de aprendizagem. Portanto,

o que o aluno aprende no museu pode ter continuidade em diversas

atividades: intervenções em sala de aula, seminários, desenhos, informes,

painéis, mesas-redondas, informações a outros alunos, enfim, os saberes

devem ser sistematizados para consolidar o aprendido.

Logo no início desta discussão sobre o papel educativo dos museus,

indagamos como os museus podem contribuir com o desenvolvimento do processo

formativo em história? Esperamos que com as dicas aqui sugeridas, juntamente com

a criatividade dos professores, essa didática se torne uma experiência interessante

no sentido de construção de identidade.

A metodologia mais adequada para se conhecer e pesquisar sobre objetos

presentes em museus deve obedecer a dois critérios: o estético e o científico.

Quanto a critério estético refere-se ao da observação e das primeiras impressões

com o intuito de verificar as características físicas do objeto.

Do ponto de vista científico um objeto fruto da cultura material deve ser

compreendido como integrante de uma organização social, de uma parte da vida

cotidiana, da cultura, da arte que pertenceram a uma determinada sociedade. Para

Circe Bittencourt, o importante nesse sentido é ter claro que:

Um objeto de museu deve, nessa perspectiva, estar sempre relacionados a outros, para que o aluno tenha condições de estabelecer comparações, notar diferenças e semelhanças entre os objetos e suas formas, fazer analogias, sugerir hipóteses sobre seu uso e sobre técnicas de fabricação o importante é proporcionar uma atitude inquisitiva diante do objeto. (BITTENCOURT, 2008, p. 358)

As análises do ponto de vista estético e científico que permitem um maior

aprofundamento do objeto a ser observado. Através da observação ocorre a

identificação e uma possível descrição do objeto. Nesse sentido, professores e

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alunos devem fazer a observação de uma determinada peça de museu através da

chamada análise interna. Para isso, devem-se fazer perguntas, entre as quais, o que

é o objeto? Do que ele é feito (tipo de material)? Como foi feita (que técnica foi

utilizada: artesanal ou fabril)? Quais seus elementos decorativos? Para que

finalidade foi utilizada? Por quem e como era utilizado (levantamento de hipóteses)?

Após essa etapa, passa-se à fase da comparação para chegar à tipologia do

material analisado, também chamado de classificação, a fim de chegar ao

entendimento do objeto como elemento de determinada cultura.

Segundo Circe Bittencourt, a etapa final do método de investigação chama-se

síntese. Nesta fase supõe-se que o aluno alcançou conhecimentos que lhe:(..) possibilitem reconstruir as etapas anteriores e explicar o objeto sob outra dimensão. Com a síntese, o objeto está situado no tempo e no espaço, em sua relação com determinada atividade econômica e determinado desenvolvimento tecnológico, com os costumes socioeconômicos, com a organização do trabalho ou organizações sociais ligadas à família, com rituais funerários e crenças religiosas. A síntese corresponde ao processo que vai da situação concreta e particular ao mais geral, ou seja, da peça ao contexto cultural ao qual ela pertence. (BITTENCOURT, 2008, p. 359)

Ao visitar um museu um dos principais elementos na observação das peças,

bem como em sua análise seguindo as etapas citadas anteriormente, é essencial um

diálogo entre os professores e os alunos. Ao realizarem esse diálogo, fazendo

perguntas, ouvindo respostas, complementando informações, acontece a relação

necessária para a descoberta e a interpretação dos objetos.

Nesse sentido, aprender pela oralidade posta no diálogo, desenvolver a

capacidade de observação, investigar objetos fornece aos alunos a oportunidade de

complementarem sua aprendizagem através de atividades com a escrita. Anotar,

preencher fichas elaboradas com antecedência, fazer croquis durante a visita ao

museu possibilita uma aprendizagem significativa.

Enquanto espaço de pesquisa, a partir das últimas décadas do século

passado, os museus, assim como acervos e arquivos históricos, estão encontrando

novos desafios, na era do espaço virtual e da imagem. Sendo assim, fazer incursões

através da Web em museus famosos do mundo afora permite que o aluno comece a

habituar-se na prática de visitar museus. Mesmo porque em muitas cidades não há

museus organizados para a visitação.

Diante dessa perspectiva, numa sociedade complexa como a brasileira, rica

em manifestações culturais diversificadas, o papel dos museus é de fundamental

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importância para a valorização do patrimônio cultural como dispositivo estratégico de

aprimoramento dos processos democráticos.

Para cumprir esse papel, os museus devem ser processos e estar a serviço

da sociedade e do seu desenvolvimento. Eles devem ser também unidades de

investigação e interpretação, de mapeamento, documentação e preservação

cultural, de comunicação e exposição dos testemunhos do homem e da natureza,

com o objetivo de propiciar a ampliação do campo das possibilidades de construção

identitária e a percepção crítica acerca da realidade cultural brasileira.

Ao concluir este capítulo, vale a pena relembrar que os alunos, tal como os

historiadores, precisam compreender por que motivo as pessoas atuaram no

passado de uma determinada forma e o que pensavam sobre a forma como o

fizeram, mesmo que não entendam isto tão bem quanto os historiadores.

Circe Bittencourt nos informa que:A concepção de documento abarca uma variedade de marcas e registros produzidos pelas diversas sociedades ao longo dos anos. (...) Objetos que compõem a cultura material são portadores de informações sobre costumes, técnicas, condições econômicas, ritos e crenças de nossos antepassados. Essas informações ou mensagens são obtidas mediante uma “leitura” dos objetos, transformando-os em “documentos”. (BITTENCOURT, 2008, p. 353)

Sendo assim, acreditamos que professores de história podem tornar o

trabalho de visitação a museus um espaço de diálogo entre diversas fontes de

conhecimento histórico e, a partir daí, dar novo significado, reescrever e ampliar a

compreensão de mundo dos alunos no processo educativo.

É imensa a quantidade de fontes da cultura material passíveis de estudo

como fonte histórica, vasos, cerâmicas, monumentos, igrejas, patrimônio

arquitetônico, armas de guerra, armaduras, pinturas, obras de arte, carros antigos,

etc. Dar conta deles torna-se quase impossível, mas ficam aqui neste capítulo

algumas discussões possíveis acerca de fontes da cultura material. Observe as

dicas de Pedro Paulo Funari, para trabalhar com fontes de cultura material:

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• Buscar ferramentas interpretativas;

• Estudar informações já registradas sobre a sociedade analisada;

• Abordar as fontes arqueológicas tendo em vista a possibilidade do paralelo

etnográfico;

• Estudar indícios materiais e os textos em conjunto;

• Estar atento às diferenças e contradições entre as fontes arqueológicas,

escritas e outras;

• Explorar também as fontes arqueológicas referentes aos segmentos sociais

menos presentes nas fontes escritas;

• Atentar para os indícios de conflitos e tensões sociais presentes nas fontes

arqueológicas;

• Fichar o conteúdo das fontes arqueológicas em separado, com

procedimentos próprios.

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CAPÍTULO V - FONTES AUDIOVISUAIS

O documento escrito deixou de ser a única fonte de estudos, o historiador

hoje tem novos recursos como: história em quadrinhos, fotografias, músicas, TV. A

imagem no mundo atual tem cada vez mais um lugar de destaque no cotidiano dos

indivíduos, vivemos num mundo cheio de recursos tecnológicos, mídias, com um

apelo visual muito forte.

O meio cultural, ideologias, costumes, momentos políticos, exercem uma

grande influência na produção de uma fotografia, na execução de uma obra de arte,

um jornal, um livro. Todo artefato cultural, da obra de arte ao cinema, é produzido

em consonância com o movimento histórico do qual está inserido, ou seja, ele não

existe sem sua contextualização histórica.

Diante das mudanças nos paradigmas e modernização dos meios de

comunicação audiovisuais, nos surpreendemos perguntando: e a escola? O

pesquisador Jorge Nóvoa nos induz a uma reflexão inicial nesse sentido:A observação de que o ensino de história acompanha com muita dificuldade a revolução tecnológica deve ser completada pela constatação de que, de algum modo esta mesma revolução chega à “escola da vida”, que se desenvolve para além dos muros institucionais. A leitura dos livros de história é indispensável para a formação da população estudantil. Porém é mais fácil fazê-la deleitar-se com imagens em movimento, o que, aliás, ela faz, quer se queira ou não. Portanto, a didática inteligente deve se apoderar da motivação provocada pelos filmes para levar os estudantes à polêmica e ao aprofundamento das leituras. (NÓVOA, Apologia da relação cinema-história.)

Nesse sentido, incorporar novos objetos ao ensino de história como as

imagens audiovisuais se faz necessário nestes tempos de renovação tecnológica

que, em breve com o advento das imagens digitais, estarão disponíveis

instantaneamente. Sabemos que as possibilidades de uso imediato dessa fonte

estão se multiplicando cada vez mais, de modo que hoje é possível assistir a

programas de televisão e filmes nos computadores, através da internet, e em

telefones celulares, permitindo assim a interação total do usuário com a rede de

informações que possa acessar.

Fontes audiovisuais são aquelas que abrangem a documentação visual,

imagens, desenhos, vídeos, gravuras, caricaturas, programas de televisão,

fotografias, filmes, músicas, etc.

Tudo que vivemos atualmente tem a ver com a imagem e com sons, seja pela

encenação ficcional, ou pelo registro do documento. Tudo que pode ser visto e

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ouvido pode ser representado pelo cinema e pela televisão. Fatos importantes como

a posse de um presidente ou um incêndio de grandes proporções ou outros fatos

banais da vida cotidiana podem ser representados pelas fontes audiovisuais, sendo

assim, estas podem e devem ser utilizadas pelos historiadores e professores em

sala de aula.

Neste século XXI, as transformações ocorrem para todo lado, então era de se

imaginar que a escola também tivesse que mudar e incorporar novas maneiras e

fontes do ponto de vista metodológico. Uma dessas fontes propostas é a

audiovisual.

Diante dessa perspectiva um bom caminho é o de articular a linguagem

técnica e estética das fontes audiovisuais e musicais e as representações da

realidade histórica ou social nela contidas. Dentre essas fontes, de acordo com o

texto de Marcos Napolitano, incluem-se as chamadas fontes audiovisuais e

musicais, entre elas cinema (filmes de ficção, teledramaturgias, documentários,

televisão, minisséries, jornalismo etc.) e as fontes sonoras (canções, peças

musicais, partituras, fonogramas etc.). Essas fontes pedem uma nova maneira de

estudá-las que requer a percepção de que elas em suas estruturas internas de

linguagem e seus mecanismos de representação da realidade sejam discutidas a

partir de seus códigos internos. Porém, deve-se deixar claro que os estudos dessas

fontes podem criar um “efeito de realidade” que pode transitar entre a objetividade e

a subjetividade causando uma tensão entre elas.

Nesse sentido, percebe-se que as fontes audiovisuais e musicais têm

suscitado freqüentes interesses na pesquisa histórica e que o interesse dos

historiadores pelas imagens que circulam em diferentes espaços e momentos nas

diversas sociedades e culturas aumentou nas últimas décadas. As investigações

sobre cinema, fotografia e televisão, ou seja, as chamadas fontes audiovisuais têm

chamado atenção e talvez até muita preocupação com os métodos de análise

dessas linguagens específicas criadas pela indústria cultural.

Neste capítulo queremos propor um conjunto de possibilidades metodológicas

que discute a necessidade de articular a linguagem técnico-estética das fontes

audiovisuais e musicais e as representações da realidade histórica e social nelas

contidas através de uma operação historiográfica da crítica externa e interna dessas

fontes; da análise e síntese de forma que as mesmas estejam devidamente

articuladas tomando-se, contudo, o cuidado de perceber as articulações e as

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armadilhas que toda fonte carrega em si como qualquer outro tipo de documento

histórico que apresenta uma tensão entre evidência e representação.

Teoricamente as fontes audiovisuais e musicais devem ser trabalhadas de

forma a não isolar os códigos e parâmetros verbais mobilizados pela fonte. É

necessário também perceber as fontes audiovisuais e musicais em suas estruturas

internas de linguagem e seus mecanismos de representação da realidade para

analisar a partir daí sua condição de “testemunho” de uma dada experiência

histórica e social.

Na prática ao analisar as fontes aqui citadas devemos tomar cuidado de

delimitar o corpo do documento, para apenas não serem utilizados filmes de caráter

documental ou musicais analisando somente seu contexto musical, como por

exemplo, a letra da canção, ou o fonograma. Feita a delimitação do documento é

necessário localizar essas fontes para depois organizar a ficha técnica, identificando:

gênero, suporte, origem, data, autoria, conteúdo referente, acervo utilizando para

isso uma metodologia própria, pois os códigos de funcionamento dessas fontes

requerem certa formação técnica.

Portanto, trabalhar com fontes audiovisuais representa uma necessidade do

professor com a contemporaneidade que dispões de aparatos técnicos cada vez

mais sofisticados.

Para o estudo das fontes audiovisuais Marcos Napolitano coloca que: “a

questão, no entanto, é perceber as fontes audiovisuais e musicais em suas

estruturas internas de linguagem e seus mecanismos de representação da

realidade, a partir de seus códigos internos”. (Napolitano, 2006, p. 236)

Para trabalhar com esses recursos em nossas aulas de História, como

professores devemos saber trabalhar sendo capaz de lidar com a diversidade de

registros audiovisuais, assim como saber indagá-las, como desconstruí-los,

contextualizá-los e explorá-los.

Nesse sentido, faremos abordagens e discussões nesta unidade

separadamente de algumas fontes audiovisuais que vêm sendo mais utilizadas

atualmente em aulas de história. Dentre elas discutiremos com a História e a

Música, a História e o Cinema, História e a Televisão.

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História e Música

A música está presente em nossas vidas de maneira inquestionável através

do rádio, da televisão, dos MP3, dos walkmans, dos celulares. Ela pode ser ouvida

diariamente nos mais diversos lugares, em transportes coletivos, consultórios,

carros, nos mais diversos ambientes de trabalho. Mais que a televisão, o rádio e a

músicas têm presença constante e cotidiano em nossas vidas. Sendo assim,

podemos fazer diversos serviços ouvindo música. Essa proximidade dos jovens com

a música torna possível e necessária a utilização dessa fonte como documento

histórico em nossas.

No Brasil, segundo Marcos Napolitano, “(...) a canção ocupa um lugar

especial na produção cultural, em seus diversos matizes, ela tem o termômetro,

caleidoscópio e espelho não só das mudanças sociais, mas, sobretudo das nossas

sensibilidades coletivas mais profundas”. Assim, torna-se importante explorar esses

significados impressos nas canções, com uma forma de interpretar nossa própria

sociedade, suas mensagens e ideologias, concebendo a música como um veículo

possuidor de forte poder de comunicação e difusão pelo meio urbano.

Para Marcos Napolitano,

(...) O grande desafio de todo pesquisador em música popular é mapear as camadas de sentido embutidas numa obra musical, bem como suas formas de inserção na sociedade e na história, evitando, ao mesmo tempo, as simplificações e mecanicismos analíticos que podem deturpar a natureza polissêmica (que possui vários sentidos) e complexa de qualquer documento de natureza estética. (NAPOLITANO, 2006, p.259)

Sem dúvida hoje dificilmente encontraremos professores de todas as áreas

que não tenham utilizado músicas em suas aulas. Historiadores e professores de

história demoraram um pouco mais que as outras áreas como as de Letras e

Ciências Sociais a utilizar a música como fonte. Foi a partir dos anos de 1970 que o

historiador e crítico de música José Ramos Tinhorão estabeleceu um ponto de

partida para o estudo historiográfico da música. Porém num primeiro momento esse

estudo teria sido mais no sentido de analisar fontes de natureza escrita, muitas

vezes, desvinculadas da análise do material musical e artístico.

De acordo com Marcos Napolitano, do ponto de vista musicológico:Tinhorão centrou suas análises na sucessão de gêneros musicais brasileiros, tomando-os como hegemônicos em determinadas épocas (choro, samba, samba-exaltação, samba-canção, bossa nova, canção de protesto, Tropicália etc. O uso de fontes escritas (além

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das “letras” das canções) para a pesquisa histórica em torno da música popular mereceria uma discussão especifica, pois no caso da música brasileira essa opção heurística tem dado o tom das análises e da organização de uma pauta de conteúdos historiográficos. As crônicas de época, memórias, autobiografias, entrevistas (radiofônicas ou impressas), artigos de crítica musical, matérias de imprensa, entre outros tipos de fontes escritas, foram mais utilizadas nos estudos de música popular no Brasil do que fonogramas, partituras ou performances registradas em vídeo. (NAPOLITANO, 2006, p. 254).

Diante deste contexto, uma pergunta se faz necessária. Como utilizar esse

recurso nas aulas de história para que haja a construção do saber histórico?

São muitas as inquietações no que se refere ao estudo e análise de músicas.

Como uma definição de canção, podemos citar a historiadora Mariana Villaça, que

no diz que uma canção é:Complexo conjunto composto pelos elementos musicais por excelência: harmonia, ritmo, melodia, arranjo, instrumentação – e por uma série de outros elementos que compõem sua forma: a interpretação e os signos visuais que formam a imagem do intérprete, a performance envolvida, os efeitos timbrísticos e os recursos sonoros utilizados na gravação (...) a estes elementos acrescenta-se à letra da canção e toda a sua complexidade estrutural, à medida que qualquer signo lingüístico, associado a um determinado signo musical, ganha outra conotação semântica, que extrapola o universo da compreensão da linguagem literária. (VILLAÇA, 1999, p.330)

Nesse sentido, devemos entender que, como música, ela envolve desde

composições complexas como óperas que duram horas até propagandas de

comerciais de televisão sonorizada. Geralmente o que utilizamos em aulas são as

canções de duração mais curtas, ou seja, entre 2 e 8 minutos aproximadamente,

que integram música e uma composição poética que chamamos de letra. Sendo

assim podemos dizer que a canção é uma expressão artística que contém um forte

poder de comunicação, alcançando ampla dimensão da realidade social.

Assim, à primeira vista, as canções poderiam constituir-se em um acervo

importante para se conhecer melhor certas realidades da cultura popular e ao

mesmo tempo desvendar a história de setores da sociedade pouco lembrados pela

historiografia.

De acordo com José Geraldo Vinci de Moraes a respeito do uso da música

como documento, ele afirma:Ultrapassados os principais obstáculos e aparentes dificuldades (linguagem, código, subjetividade e o conceito de popular), creio que os procedimentos e indicações gerais metodológicas para utilizar a música/canção popular como documento histórico podem ser

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inicialmente encontrados na clássica metodologia desenvolvida pela própria história e, a partir dela, estabelecer as necessárias relações interdisciplinares (por exemplo, com a musicologia, semiótica etc). Em primeiro lugar, com relação à análise interna do documento musical – talvez o campo que seja mais estranho e difícil para o historiador – seria interessante estabelecer duas instâncias diferentes, mas nunca dissociadas, a da linguagem poética e a da linguagem musical. (MORAES, 2000, p. 213-214)

Para Marcos Napolitano, a música e, sobretudo, a chamada “música popular”,

teria um lugar privilegiado na história sócio cultural, visto que ela seria espaço de

mediações, fusões e encontros de diversas etnias e classes sociais. Ainda para esse

autor, apesar de ser muito tentador para o historiador se prender somente à letra da

música, o caminho mais criativo e necessário para a utilização enquanto documento

histórico seria a utilização dos parâmetros verbais e poéticos (letra) e dos

paramentos musicais de criação (música).

Dentro do contexto exposto pelo autor é na dupla natureza (verbal e musical)

que se encontra a estrutura da obra que é permeada por tensões, visto que ela seria

o encontro de várias influências, tradições históricas e culturais. Marcos Napolitano

ainda faz uma alerta, que “mesmo sem conhecimento técnico o ouvinte da música

possui dispositivos muitas vezes, inconscientes para dialogar com a música e que

tais dispositivos, sofreriam influencias sócio-culturais, político-ideológicos do

ouvinte”. (NAPOLITANO, 2002, p.80)

Para que uma canção faça sentido devemos ter a clareza de que letra e

música formam um todo unificado que não pode ser lido separadamente, sob a pena

de se perder parte importante do sentido. Dessa forma, a canção não é apenas o

objeto de uma atividade de aprendizado histórico, mas também um exercício de

sensibilidade e imaginação.

Neste sentido, podemos dizer que as canções servem para mover a indústria

fonográfica e remunerar o artista, mas não é disso que elas nascem. Muito antes da

industrialização da cultura, as canções já têm um papel no cotidiano das pessoas.

Elas servem, sobretudo, como lazer, pois distraem, acompanham danças, mas

também abordam de modo poético as questões cotidianas de diversos grupos

sociais.

Além do estudo da canção escrita já conhecida entre os estudiosos devem

ser feitas incorporações, caso da partitura, do fonograma, do filme musical. Portanto,

qualquer que seja a problemática e a abordagem do historiador é fundamental que

ele promova a comparação das manifestações escrita da escuta musical, ou seja,

crítica, artigos de opinião, análises das obras, programas e manifestações estéticas

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com as obras em sua materialidade como os fonogramas, partituras, etc., levando

em conta sempre o contexto social, político, econômico, cultural que ela (a música)

foi produzida e como ela foi incorporada como patrimônio cultural coletivo.

Além dessas abordagens musicais devemos ainda, conforme cita o autor:Cotejá-los com o contexto extramusical (dados da biografia dos compositores, cantores e músicos; ficha técnica do fonograma; críticas musicais e textos explicativos dos próprios artistas envolvidos; dados de consumo da canção e outras informações que completem os sentidos intrínsecos que uma canção pode conter); Empreender a análise contextual; (NAPOLITANO, 2006, p.282)

Como ponto de partida de análise de uma canção pode-se muito bem

perguntar, quais eram os objetivos da canção? Por quais motivos ela foi criada? É

uma canção romântica, humorística, uma canção sacra, uma canção protesto ou de

denuncia? A qual gênero musical ela pertence? É canção sertaneja, samba, MPB,

música regional, pop, rock, rap? Outros elementos também podem ser questionados

juntamente com os alunos, como por exemplo, identificar por quem ela foi composta,

por quem ela é executada, pode-se também saber se é uma gravação original ou se

é uma regravação. Respondidas estas questões podemos partir para a análise

interna do documento canção. Para isso devemos indagar: Quais são as

interpretações possíveis da música? Que recursos de linguagem ajudam a restringir

ou multiplicar as interpretações? O que as melodias expressam? Como esses

elementos se relacionam com o contexto geral da época?

Com base na importância da musicalização no processo de ensino-

aprendizagem, faz-se necessário o uso de aparelhos de som em sala de aula, pelo

fato de atender a uma necessidade vital e espontânea da criança, dos jovens e

adolescentes de cantarolar, dançar, movimentar-se, inventar, correr, brincar, além

de promover a socialização e articulação no desenvolvimento integral desses

elementos. Podem ser utilizados como apoio na aplicação dos conteúdos propostos

em cada série.

Para trabalhar com músicas vejamos as dicas de Marcos Napolitano expressas

em seu artigo ‘a História depois do Papel’ para o livro Fontes Históricas.

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• Escolher o suporte material (fonograma ou partitura).

• Coletar a documentação para a análise tendo em vista o período, o objeto e

a problemática da pesquisa.

• Delimitar historicamente o fonograma ou a partitura analisada.

• Empreender uma audição sistemática e repetida diversas vezes.

• Analisar letra, estrutura musical, sonoridades vocais e instrumentais,

performances visuais e outros efeitos extra-musicais (que são

indissociáveis, mas devem ser decupados no momento inicial da pesquisa).

• Buscar, em seguida, o sentido da fonte musical na rearticulação desses

elementos, formando uma crítica interna ampla.

• Anotar os registros objetivos e as impressões.

• Cotejá-los com o contexto extra-musical (dados da biografia dos

compositores, cantores e músicos; ficha técnica do fonograma; críticas

musicais e textos explicativos dos próprios artistas envolvidos; dados de

consumo da canção e outras informações que completem os sentidos

intrínsecos que uma canção pode conter).

• Empreender a análise contextual.

• Mapear as “escutas” (crítica, público e os próprios artistas) que dão sentido

histórico às obras musicais, apoiando-se nos materiais e na linguagem que

estruturam cada peça musical.

• Cotejar as manifestações escritas da escuta musical (crítica, artigos de

opinião, análises das obras, programas e manifestos estéticos etc.) com as

obras em sua materialidade (fonogramas, partituras, filmes).

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História e Cinema

A escola não é mais o único local formador do conhecimento histórico.

Existem várias outras instâncias não formais e os filmes nas aulas de História se

configuram como uma nova perspectiva de leitura da narrativa histórica, que tem

relação com o mundo midiático em que vive o aluno.

O cinema e a história têm uma relação de mais de um século. No entanto, seu

estudo como objeto passível de ser utilizado em sala de aula, tendo em vista suas

propostas metodológicas, data somente a partir de 1970, momento em que o filme

passou a ser visto como documento para a investigação histórica. Foi a partir da

Escola de Annales que aconteceu um processo de reformulação do conceito e dos

métodos da história, sendo, portanto incorporados novos objetos como fontes de

pesquisa no estudo da história. O filme, seja qual for, passou a ser encarado

enquanto testemunho da sociedade que o produziu como um reflexo das ideologias,

dos costumes e das mentalidades.

Vejamos como Jorge Nóvoa ilustra a dimensão do cinema como fenômeno

social contemporâneo:O filme é um recurso particular e insubstituível que toma de assalto os indivíduos e suas razões, envolvendo-os na trama do real. Somente a disciplina e o afastamento conscientemente elaborados permitem dissecá-lo. Ao arrebatar emocionalmente os estudiosos, o filme obriga-os, do mesmo modo, à busca do método científico como condição sine qua non da superação das dúvidas e da construção do distanciamento histórico como único meio possível a uma compreensão objetiva. É exatamente dessa maneira que a emoção pode e deve-se ligar à razão. Ao fazer com que estudantes sintam necessidade de refletir sobre a vida, a partir de documentários e outros gêneros cinematográficos, vincula-se, acto continuum, a constatação de inevitabilidade de pensar a história como ação inerente ao homem. Como retratar a vida sem a história? Através da vida pulsando numa tela, é-se arremetido para outros tempos e espaços, a exemplo do que acontece nos filmes A Guerra do Fogo e O Nome da Rosa (...) em que os espectadores são transportados, respectivamente, para a pré-história paleolítica e para os infernos dos subterrâneos dos mosteiros medievais, onde a mão de ferro obscurantista da Santa Inquisição domina implacavelmente. (NÓVOA, 1995)

Os filmes podem ser estudados de duas formas: primeiro como testemunho

da época na qual foram produzidos e segundo como representações do passado.

Sendo assim ao fazermos esta classificação podemos considerar que os filmes são

primários quando nele forem analisados os aspectos referentes à época em que foi

produzido. E como documento secundário, quando o enfoque é dado à sua

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representação do passado. Diante disso, podemos afirmar que os filmes,

principalmente os chamados “filmes históricos” são duplamente documentos e

podem ser utilizados como tais a depender do enfoque dado pelo pesquisador que o

investiga. Mesmo assim, eles desempenham um papel significativo na divulgação e

na disseminação do conhecimento.

Essa classificação entre documento primário e secundário levou Marc Ferro,

pioneiro e um dos maiores teóricos e conhecedor da relação cinema-história, a

formular a definição de duas vias de leitura do cinema acessíveis ao historiador: a

leitura histórica do filme e a leitura cinematográfica da história. Sendo assim, a

primeira via corresponde à leitura do filme à luz do período da história, e a segunda

diz respeito à leitura enquanto discurso sobre o passado, é a história lida através do

cinema, principalmente do que chamamos aqui de “filmes históricos”.

De acordo com Cristiane Nova,O cinema é um testemunho da sociedade que o produziu e, portanto, uma fonte documental para a ciência histórica por excelência. Nenhuma produção cinematográfica está livre dos condicionamentos sociais de sua época. Isso nos permite afirmar que todo filme é passível de ser utilizados enquanto documente. No entanto, para utilizar-se cientificamente de uma tal assertiva, requer-se cautela e cuidados especiais. A forma como o filme reflete a sociedade não é, em hipótese alguma, direta e jamais se apresenta de maneira organizada (em circuitos lógicos e coerentes), mesmo que assim o aparente. Por isso, é necessário que o pesquisador, ao tratar o filme como fonte documental, distancie-se da concepção mecanicista pela qual o reflexo social é abordado de forma direta. (NOVA, 1996)

Neste sentido saber interpretar signos visuais tornou-se mais que uma

necessidade para os acadêmicos e profissionais do ensino, na realidade tornou-se

uma necessidade. E, justamente, o cinema se transformou em uma das ferramentas

mais utilizadas pelos historiadores para efetuar seu trabalho tanto em sala de aula

como em pesquisas. Mas, antes de simplesmente manipular o filme como um

apêndice ou uma simples ilustração de suas aulas ou discussões, o pesquisador

deve entender o filme dentro de alguns parâmetros teóricos, pensar o cinema como

um conjunto de imagens.

Um outro fator que devemos considerar em toda produção cinematográfica é

que ela é um produto coletivo, visto que ela é realizada em equipe que inclui diretor,

atores, produtores, financiadores. Mas esse fator não elimina seus condicionamen-

tos sociais nem a presença do caráter individual e artístico de cada obra, cuja análi-

se se torna difícil pelo fato da arte nem sempre seguir modelos lógicos e coerentes,

possuindo assim muita subjetividade. A linguagem cinematográfica requer um co-

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nhecimento técnico no sentido de entender os movimentos de câmera, os planos, os

enquadramentos, a iluminação. Devido às características da linguagem cinemato-

gráfica, levando em conta seus aspectos técnicos, esses elementos precisam ser

considerados na análise de um filme pelo historiador e/ou professor. Tarefa difícil de-

vida à nossa falta de preparação.

Marc Ferro já atentava para a percepção do filme tanto como fonte e objeto

imagético. Não se pode simplesmente contrapor as imagens cinematográficas com a

tradição escrita. É necessário perceber o filme enquanto testemunho/documento, in-

tegrando-o ao contexto social em que a obra surge: autor, produção, público, regime

político, etc. Mas um filme não é feito apenas de imagens, mas também de textos

escritos (legendas), sons (falas gravadas e trilha sonora), formando então um con-

junto de representações visuais e textos (no sentido semiótico). Analisar ou decodifi-

car esses conjuntos de mensagens terá a ver: com a historicidade das convenções,

espécie de contrato tácito – variável no tempo – entre quem produz o filme e quem

vê sem o qual não se cumpririam as significações segundo certos padrões: estado

da arte (tecnologias e limitações envolvidas em cada época, visões de mundo, ideo-

logias).

Para saber aproveitar melhor o caráter documental do filme, é necessário que

o pesquisador saiba ver o que está implícito ou oculto no filme, o método de

investigação consiste, de forma simplificada, em buscar os elementos da realidade

através da ficção. Na visão de Cristiane Nova:O valor documental de cada filme está relacionado diretamente com o olhar e a perspectiva do “analista”. Um filme diz tanto quanto for questionado. São infinitas as possibilidades de leitura de cada filme. Algumas películas, por exemplo, podem ser muito úteis na reconstrução dos gestos, do vestuário, do vocabulário, da arquitetura e dos costumes da sua época, sobretudo aquelas em que o enredo é contemporâneo à sua produção. Mas, para além da representação desses elementos audiovisuais, elas “espelham” a mentalidade da sociedade, incluindo a sua ideologia, através da presença de elementos dos quais, muitas vezes, nem mesmo têm consciência aqueles que produziram essas películas, constituindo-se, assim, como sentencia Ferro, em “zonas ideológicas não- visíveis” da sociedade. Postula-se, assim, que um filme, seja ele qual for, sempre vai além do seu conteúdo, escapando mesmo a quem faz a filmagem.(NOVA, 1996)

Neste sentido, podemos afirmar que os filmes, na verdade, como todo produto

da ação humana, são históricos, pois contêm elementos que lhes foram inseridos de

forma inconsciente e outros não.

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Os filmes possuem um maior grau de espontaneidade se o compararmos com

os documentos escritos, fato que abre sem dúvidas amplos espaços para a

investigação. Nesse sentido, abre-se a possibilidade de o historiador voltar seus

olhos não apenas para o mais significativo, mas também para o cotidiano, o banal.

Sendo assim, o cinema ao lado de outras formas de expressão acaba construindo

uma história diferente da história formalizada e institucionalizada, ou seja, a “contra-

história” como definida por Marc Ferro.

Existem várias formas e maneiras pelas quais a história se manifesta no

cinema. Eduardo Morettin aponta quatro maneiras de como a história se apresenta

no cinema:Herança positivista: preocupação com a exatidão da reconstituição fílmica do passado ou com o registro mais fiel possível de eventos ocorridos;Predomínio da ideologia (“discurso ideológico”) dos realizadores sobre a historicidade, subvertendo o sentido dos personagens e dos fatos;Apelo ao “discurso novelesco”, predominante ao discurso histórico, tornado mais sutil a “subversão” dos fatos e processo;Criação de uma narrativa histórica própria, que opera dentro do discurso histórico instituído, utilizando técnica de citação bibliográfica e documental, legitimada por pesquisadores. (MORETTIN, apud NAPOLITANO, 2006, p.241)

Nesse sentido podemos perceber as várias opções de representação

cinematográfica que terão implicações não apenas estéticas, mas ideológicas,

completamente diferentes.

Quando analisamos um filme não precisamos nos limitar apenas a filmes de

caráter documental, que seria do ponto de vista didático mais interessante para nós,

professores de história. Sendo assim, os filmes de longa metragem ficcionais,

independente de sua qualidade como fonte histórica, também podem ser percebidos

como fonte de verdade histórica.

Sendo assim, implicam a crença de que a ficção, o documentário e o

noticiário intervêm na sociedade como “testemunhos indiretos” de processos sócio-

históricos. Marc Ferro afirma que “mesmo fiscalizado, um filme testemunha” e é

nesse espaço que o historiador deve atuar para a sua análise, atento para as

manipulações do documento como um todo. A ficção e o documentário podem

revelar aspectos da sociedade e da história não previstos pelo realizador da obra, na

medida em que o historiador perceba a realidade dos fatos através da obra

apresentada.

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Analisar um filme sem o devido exercício crítico enquanto documento impede

o registro do passado e do seu contexto social, além de não criar uma memória

histórica, pois de acordo com Eduardo Morettin, 2006, “se não conseguirmos

identificar, por meio da análise fílmica, o discurso que a obra se insere, apontando

para suas ambigüidades, incertezas e tensões, o cinema perde sua efetiva

dimensão de fonte histórica”.

Nesse sentido passaremos agora para um modelo de análise do filme

enquanto documento. São apenas algumas técnicas de como fazer uma tentativa de

leitura histórica de um filme seja ele qual for.

O primeiro passo a ser dado na análise fílmica como documento é a seleção

dos títulos com os quais se pretendem trabalhar. A seleção deve ser realizada após

estar definido o objeto e os objetivos da pesquisas.

Após a seleção, a primeira etapa da leitura histórica do filme deve se

concentrar no que denominamos de crítica externa do filme. Esta etapa, de acordo

com Cristiane Nova, consiste em:Resgate da cronologia da produção do filme (período de produção e de lançamento); verificação e comparação da versão da película a ser utilizada (no caso de existirem mais versões); as alterações realizadas pela censura; levantamento da equipe técnica de produção, dos seus custos de produção, das fontes financiadoras e de outros fatores importantes (como público-alvo, por exemplo) do processo de produção. Nesta etapa, parte-se para o estudo, mesmo que superficial, da biografia dos produtores do filme: a que classe social pertence que tipos de filmes já produziram, quais as características, mais gerais dessas produções e em que elas se assemelham à película que está sendo pesquisada. (NOVA, 1996)

Decorrida a primeira etapa que é chamada de crítica externa do filme,

podemos partir para a crítica interna do filme (conteúdo do filme). Portanto, nesta

etapa deve-se buscar no conteúdo do filme tudo aquilo que se coloca de forma

explícita, nos diálogos, nas roupas, nos gestos, no enredo, no cenário extraindo

dessa análise o que é dito de forma direta. Após essa avaliação devemos verificar o

que está implícito no filme, ou seja, verificar os conteúdos existentes nas entrelinhas,

sendo assim, tudo aquilo que os produtores queriam que chegasse ao espectador,

mas não o fizeram. Segundo Nova (1996), esta etapa é muito importante, “sobretudo

para o estudo da utilização propagandística do cinema e da ideologia presente no

conteúdo da propaganda ou para o estudo das formas artísticas de contestação, nos

sistemas autoritários, nos quais o artista é obrigado a expressar as suas idéias por

meio de mecanismos de ocultação e dissimulação”.

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Na terceira etapa da análise devemos verificar os elementos inconscientes

existentes no filme para observar a ideologia expressa nela de forma mais intensa.

Nesse sentido o pesquisador deve procurar se distanciar de seus próprios

condicionamentos ideológicos, mesmo que seja tarefa difícil.

Após a realização das três etapas acima propostas, de acordo com Nova,O “analista” deve partir para uma última que consiste na comparação do conteúdo apreendido do filme com os conhecimentos histórico-sociológicos acerca da sociedade que produziu o filme e com outros tipos de filme, para então sintetizar os pontos em que o filme reproduz esses conhecimentos e, por outro lado, os elementos novos que ele apresenta para a compreensão histórica da mesma. Só então o filme transformar-se-á em documento histórico utilizável. (NOVA, 1996)

Ao se tornar um documento histórico utilizável, podemos afirmar que qualquer

filme pode ser utilizado como material didático e como instrumento auxiliar no ensino

de história, por meio da realização da sua leitura histórica, em sala de aula, e da

apreensão e discussão dos seus elementos constitutivos. Nesse sentido antes da

apresentação do filme em sala de aula devemos informar aos alunos alguns

princípios básicos da relação cinema-história como os elementos que compõem o

conteúdo do roteiro, da direção, da fotografia, da música e da atuação dos atores, o

contexto social e político de produção, incluindo a censura e a própria indústria do

cinema.

Como proposta pedagógica e metodológica, devemos ter em mente que o uso

do filme em sala de aula difere da do uso dado pelo historiador e pesquisador que

analisa o filme com mais profundidade conforme informado na discussão feita até

aqui. Sabemos que não existe um modelo simplificado para que os alunos possam

fazer a análise crítica da imagem cinematográfica. Mas com base nos estudos de

especialistas da área, podemos repensar um método de ensino adequado sobre o

uso de filmes na escola. De acordo com Circe Bittencourt:Inicialmente é preciso muito cuidado na escolha. O primeiro passo é o professor conhecer as preferências dos alunos e identificar a experiência deles como espectadores. (...). É preciso preparar os alunos para a leitura crítica de filmes, começando por uma reflexão sobre os próprios a que eles assistem. (...) é importante levantar questões e discutir alguns aspectos que indicam a complexidade de um filme é que se podem introduzir “outros” filmes na sala de aula, abordando a temática desejável. (BITTENCOURT, 2008, p.376)

Convém destacar que trabalhar o filme em sala de aula, de modo a fazer com

que o aluno perceba quais procedimentos um historiador utiliza para construir sua

narrativa histórica, não quer dizer que se pretenda transformar o aluno em um

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historiador. O que se pretende é fazer com que o aluno compreenda os passos da

pesquisa histórica, para que possa construir ele mesmo, interpretação histórica, por

intermédio dos conceitos.

Para a análise do filme no contexto escolar podemos seguir alguns

procedimentos metodológicos propostos por especialistas. Alunos e professores ao

levar em conta a leitura interna do filme necessitam considerar os conteúdos, os

personagens, os acontecimentos principais, o cenário, os lugares o tempo em que

transcorre a história relatada. Outro procedimento adequado é fazer uma ficha

técnica do filme levando em consideração elementos como o diretor, o produtor, a

trilha sonora, ano e local de produção e divulgação do filme.

Um elemento técnico importante do ponto de vista pedagógico é o controle

remoto que o professor tem em mãos ao passar o filme em um vídeo. Este aparelho

dá ao professor o controle das cenas que ele julga necessárias e merecem

discussões, e lhe dá ainda o poder de suprimir cenas criando assim a possibilidade

de se fazer recortes a serem apresentados aos alunos levando em consideração o

que mais interessa de acordo com o tema estudado. A esse processo de fazer

recortes no filme apresentado em sala de aula dá-se o nome de “excertos

cinematográficos” ou “dossiês cinematográficos”, pois o mesmo passa por um

processo de desmontagem, sendo dividido em vários blocos ou em pequenas cenas,

que atendam os interesses de conteúdo. Ver um filme na sua íntegra, por vezes, se

torna inviável devido ao tempo disponível.

Atrair alunos que vinham se desinteressando pelas aulas de história é um dos

objetivos didáticos do uso de filme em sala de aula, visto ser importante porque,

aguçando suas fantasias e sua imaginação, o cinema pertence ao universo ao quais

os jovens estão inseridos, da imagem e do som.

É importante ressaltar que nem sempre um filme é fiel à época representada,

pois os seres humanos por vezes têm a capacidade de omitir e distorcer situações e

personagens históricos. O cinema é um produto cultural voltado para o

entretenimento e não o campo didático, sendo assim, não tem compromisso com a

história ou com o ensino. Nesse sentido a sua utilização em sala de aula depende

do trabalho e da responsabilidade do professor que deve estar atento a essa questão para que o aluno não veja o filme como uma verdade absoluta, esquecendo

de contextualizar tempo, espaço e sujeito histórico.

Ao propor a utilização de um filme o professor deve fazer um planejamento,

para isso, ele deve ter domínio do filme a ser apresentado como objeto de estudo,

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bem como dos objetivos e do trabalho a ser realizado após a projeção. Sabemos

que o professor não é um crítico de cinema, mas possuir algumas informações

básicas sobre o filme é essencial para efetivar a proposta pedagógica.

Uma das funções do professor é planejar suas atividades, sendo assim é

impraticável conceber um trabalho docente, qualquer que seja a atividade, que não

tenha sido planejado pelo professor. Toda atividade precisa ser planejada para ser

eficiente. Assim também uma atividade com filme em sala de aula precisa respeitar

um planejamento didático. Neste sentido, ao incluir uma atividade com filme no seu

planejamento o professor deve estar consciente do que vai passar (que filme), por

que vai passar (isto é, os objetivos que pretende atingir); a quem vai passar; como

vai passar (inteiro ou em partes); e onde vai passar. Isto lhe permitirá alcançar com

êxito os objetivos a que se propõe. O trabalho com o filme requer a elaboração de

um roteiro no planejamento do professor para que este alcance seus objetivos.

Temos como fato que todo filme é um documento desde que corresponda a

um vestígio do passado ou do tempo imediato, tornando-o objeto de pesquisa e

análise. Neste sentido, o cinema em aulas de história torna-se ferramenta de apoio

fundamental para a contextualização e análise dos temas propostos pelo professor.

Napolitano (2006, p.68) diz que trabalhar com cinema em sala de aula é ajudar a

escola a reencontrar a cultura, ao mesmo tempo cotidiana e elevada, pois o cinema

é o campo na qual a estética, o lazer, a ideologia e os valores sociais são

sistematizados numa mesma obra de arte.

Diante dos objetivos que se pretende atingir e das estratégias que escolheu

para alcançá-los, o professor pode seguir alguns passos que proporcionarão maior

concretude ao trabalho, dentre elas ele deve fazer a escolha do tema e do filme;

selecionar as passagens ou cenas que abordem o tema que vai discutir com os

alunos; organizar uma seqüência de cenas para exibir durante a discussão em sala;

elaborar perguntas e questões para que os alunos respondam depois de assistirem

ao filme; selecionar livros e revistas que tragam imagens sobre o tema para serem

utilizados na sala.

Sabemos que existe uma infinidade de filmes que podem trazer contribuições

ao estudo de história, tendo em vista o tema que abordam. Utilizar o filme como

recurso didático traz a possibilidade de fornecer ao aluno uma grande e importante

contribuição para o debate construtivo e enriquecedor na construção do saber

escolar.

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A utilização dos meios audiovisuais, especialmente o cinema para a ilustração

de um conteúdo pode enriquecer e facilitar a compreensão do tema a ser

trabalhado. No entanto, é importante esclarecer que a leitura, ou seja, a fonte

escrita, não deve ser desprezada de maneira alguma, mas quando o professor

propõe o trabalho com o filme, a maioria dos alunos demonstra interesse em assisti-

los, pois uma imagem, como dizem, vale mais que mil palavras. Sendo assim,

acreditamos que a imagem facilita a compreensão do conteúdo ou tema proposto.

Diante desse contexto, fica aqui uma advertência: é nesse momento que o

professor deve informar ao aluno como irá utilizar o filme em suas aulas, se em

partes ou no todo, além de deixar claro se tratar de um filme comercial ou

documentário, ou seja, que ele deve ser assistido não apenas de forma ilustrativa,

mas como um importante meio de conhecimento, que num primeiro momento

poderá não agradar o aluno, mas que com o decorrer da prática a atividade fílmica

utilizada como material pedagógico possibilitará a esse aluno “ver” de maneira

diferente, muito mais crítica, qualquer filme que ele assistir, independentemente do

local. Relembramos ainda aqui que, com a conscientização do aluno de uma forma

adequada de assistir a um filme, ele aprenderá a ver nas entrelinhas o que está

explícito e implícito em tal filme.

Quanto ao papel do professor, deve ficar claro que em hipótese alguma ele

deve deixar de assistir o filme ante de passá-lo para os alunos. Nesse sentido,

assistir o filme é uma atitude imprescindível para professores realmente engajados

com a efetiva aprendizagem de seus alunos. Outra dica para o professor é no

sentido de que ele deve estar ciente que utilizar o recurso filmográfico em sala de

aula não é, de maneira alguma, acreditar que se trata de uma formula mágica que

irá resolver todos os problemas de aprendizagem de seus alunos num piscar de

olhos. Nem deve o professor acreditar que nossos alunos sairão de uma aula que

utilizou como recurso o filme problematizando, aprendendo e questionando o mundo

onde vivem. Isso requer tempo e habilidade do professor e, nem mesmo assim,

serão todos os alunos que corresponderão ao proposto com a utilização da

linguagem fílmica.

Os deveres do professor vão além dos descritos acima, é preciso que ele

esteja atento às condições dos aparelhos que serão utilizados (como vídeo, DVD,

etc); é necessário verificar as condições físicas da sala de aula, se há calor,

luminosidade adequada, acomodações, pois os alunos tendem a reclamar se houver

um desconforto excessivo, o que pode prejudicar o bom aproveitamento da aula.

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Portanto, deve se atentar para alguns aspectos que podem evitar transtornos

durante a exibição do filme como, por exemplo: a sala estar quente e não ter

ventilador ou ar-condicionado; claridade atrapalhando a visualização; dificuldade por

parte dos alunos em assistir filmes legendados, a televisão é pequena demais; o

som é muito baixo, etc. É função do professor deixar bem claro aos alunos que a

exibição em sala de aula é diferente da exibição do cinema, já que o conforto não é

comparável. Tal explicação não deve ser esquecida, ainda mais porque muitas

escolas não têm sala de vídeo, e a exibição acaba sendo realizada na própria sala

de aula.

“Não há fórmula mágica nem receita teórica que substituam a reflexão e a

perspicácia do professor em relação aos alunos” (NAPOLITANO, 2003, p. 21).

Portanto, planejamento é a alma do sucesso para qualquer aula, e quando há este

preparo os alunos percebem. É bom que fique claro que ao professor não serão

permitidas negligências, pois do contrário será taxado de desorganizado, ou pior

ainda, perderá o respeito de seus alunos.

Nesse sentido, nós, professores, devemos estar atentos a essas condições, e

não nos esquecermos que a escolha do filme não deve entrar em conflito com a

escola, muito menos com a faixa etária dos alunos, pois ao exibir um filme que

contenha cenas inadequadas, como violência, palavrões ou nudez pode criar certo

desconforto que pode causar problemas com pais, alunos e escola.

Em relação às abordagens que devem ser dadas às obras cinematográficas,

Selva Guimarães Fonseca nos diz:Como manifestação, registro e leitura de uma época, a obra cinematográfica deve ser lida de forma cautelosa e criticamente, pois, assim, como um texto de época, ela permite desvendar a realidade nos seus aspectos menos perceptíveis. Pra tanto, exige uma articulação com a vivência e a motivação de alunos e professores, com a bibliografia selecionada, além de demandar uma adequação à temática em estudo. (...) faz-se necessário ressaltar a importância do filme como instrumento questionador do conhecimento, dos conceitos construídos historicamente, e que são muitas vezes transmitidos de forma acrítica, descolados da realidade objetiva. O filme, didaticamente, apresenta os conceitos por meio de um jogo de narração/imagens, deixando ao espectador a possibilidade de cotejar, relacionar e articular as idéias transmitidas oral e visualmente. (FONSECA, 2008, p.180-181)

Diante do que expusemos até aqui, acreditamos que com relação às formas

de utilização do filme em sala de aula ou não ficam aqui algumas palavras de

Cristiane Nova sobre a prática e a operacionalização do trabalho fílmico em aulas de

história.

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A prática da análise histórica de um filme (seja como documento ou como discurso sobre o passado), sobretudo para o professor de história, muitas vezes é dificultada pela sua falta de preparação, tanto a nível teórico quanto técnico. Conhecimentos básicos acerca da relação cinema-história, das novas teorias da comunicação e da educação – que consideram, de mais a mais, a imagem como um elemento fundamental do processo de aprendizagem contemporâneo –, da linguagem cinematográfica e das técnicas de cinema e vídeo são muito importantes. Mas o não domínio destas áreas não deve inibir aqueles que desejam utilizar cientificamente o potencial do cinema no ensino da história. Esses conhecimentos básicos (veja-se que não se trata de uma especialização nessas áreas) podem ser adquiridos aos poucos, em paralelo à dinâmica da prática. (NOVA, 1996)

Falamos até aqui de filmes históricos e documentários, por isso acreditamos

ser necessário uma rápida definição desses termos, visto que normalmente se faz

essa distinção entre filme “histórico”, “documentário” e filme de ficção. Conforme

pude observar nas diversas leituras sobre a relação história-cinema, na verdade os

filmes históricos e de ficção podem ser considerados de um mesmo gênero. Já os

documentários têm estatuto diferenciado, mas, tal quais os filmes de ficção, estão

sujeitos ao mesmo processo de produção, sendo que a sua produção é sempre

subjetiva. Assim, todos sofrerão um processo de manipulação, no sentido de que a

seqüência de imagens assuma determinada lógica em torno do que se pretende

narrar.

Para terminar, sabemos que é necessário entender a imagem como

construção, imaginar os seus autores, discutir seus pressupostos e seus discursos

não verbais, pois nesse sentido, fica muito mais fácil fazer ou incentivar a análise

histórica do filme com nossos alunos. Poderíamos aqui elaborar uma ficha técnica

de como trabalhar com filmes em nossas aulas, bem como sugerir filmes

relacionados com determinados conteúdos ministrados por nós professores, mas

fizemos a opção de não fazê-lo, tendo em vista que cada professor, ao trabalhar

com filmes em suas aulas, tem que adequar sua metodologia de acordo com os

interesses e necessidades de seus alunos, portanto padronizar seria limitar a

criatividade inerente do docente. Deixamos como indicação um site onde você pode

saber bem mais sobre a linguagem, termos e técnicas do cinema e do vídeo. Para

isso acesse a página: http://www.mnemocine.com.br/cinema/principindex%20.htm.

A seguir, como exemplo das unidades anteriores, traremos as dicas de

Marcos Napolitano de como trabalhar com cinema, dicas estas apresentadas em

seu artigo ‘A História depois do papel’, no livro Fontes históricas.

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• Definir a abordagem: o cinema na História, a história no cinema ou história

do cinema.

• Assistir sistemática e repetidamente aos filmes que constituem o corpo

documental da pesquisa, buscando articular análise fragmentada

(decupagem dos elementos de linguagem) e síntese (cotejo crítico de todos

os parâmetros, canais e códigos que formam a obra).

• Buscar os elementos narrativos: ”o que um filme diz e como o diz”.

• Familiarizar-se com algumas regras estruturais básicas que norteiam o tipo

de cinema (“clássico” ou “ moderno”) em que se estrutura o filme.

• Identificar os elementos narrativos ou alegóricos da encenação do filme a

partir de planos e seqüências, técnicas de filmagem e narração, elementos

verbais, imagéticos e musicais.

• Produzir um “fichamento” que tente dar conta da riqueza da imagem em

movimento e suas conexões ao longo do filme analisado, procurando

informar sobre a natureza da linguagem e as estratégias de abordagem do

tema do filme operadas pelos realizadores.

• Levar em conto que todo filme, ficcional ou documentário, é manipulação do

“real”.

• Entender o sentido intrínseco de um filme para analisá-lo como fonte

histórica. Observar o filme como o conjunto de elementos que buscam

encerar uma sociedade, nem sempre com intenções políticas ou

ideológicas explícitas.

• Resgatar os diálogos do filme analisado com outros documentos, discursos

históricos e materiais artísticos.

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História e televisão

A televisão é produto dos anos 1950, no início suas imagens eram gravadas

ao vivo, posteriormente foi criado o vídeo-tape que possibilitou uma nova forma de

fazer televisão.

A exemplo do cinema, a linguagem da televisão, em que pese seu suporte e

veículo técnico diferenciados, pode ser trabalhada tal como no cinema. Os

produtores de TV manipulam planos que na TV são chamados de “tomada” e

seqüência.

Para Marcos Napolitano, historiador e especialista em fontes audiovisuais, em

se tratando de imagem televisiva:A questão é entender a natureza específica dos gêneros televisuais e como eles

operacionalizam as regras gerais do audiovisual. Na teledramaturgia, no telejornal, no videoclipe, na peça de propaganda, existem algumas regras básicas que delimitam a natureza televisual desses gêneros:

* enquadramentos mais convencionais e simplificados, sem ângulos inusitados, como, por exemplo, excesso de detalhe;

* busca de uma textura de imagem realista e delineada;* cortes rápidos, evitando a câmera fixa num quadro por “muito” tempo (leia-se mais

de 10 segundos) ou evitando a utilização do plano-sequência (muito utilizados no cinema moderno);

* narrativas visuais lineares e aceleradas, buscando conciliar emoção, compreensão narrativa e experiências sensoriais fortes;

* foco em mensagens e estruturas narrativas básicas (informações jornalísticas, dramas ficcionais, reality-shows, anúncios de produtos) fixadas no telespectador através de estratégias de reiteração, estereótipos, apelo emocional e decupagem rigorosa da mensagem em planos e seqüências simples e encadeadas. (NAPOLITANO, 2006, p. 278)

A TV, neste sentido, é acusada de abusar de tais convenções, pois de acordo

com alguns críticos trata-se de um veículo limitado em sua linguagem audiovisual,

mesmo que em vista da sua sofisticação tecnológica. Isto porque na TV podemos

ver programas dos mais variados como telejornais, esportes, novelas, seriados, que

não necessariamente possuem intenções históricas. Para o historiador, este tipo de

linguagem serve para a compreensão das estratégias dos diversos gêneros e tipos

de televisão, para encenar, registrar, informar, promover e comunicar valores,

eventos.

Em relação ao cinema, a televisão talvez seja a mais poderosa das armas

relacionadas com a experiência social das últimas décadas. Ela está no centro das

mídias visuais como um todo, é ela que dita diretrizes básicas da abordagem do

real, além, é claro, de ter um enorme poder na fixação da memória social, sendo

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capaz de selecionar eventos e personagens a serem lembrados ou esquecidos,

cultuados ou descartados.

Ao trabalharmos, por exemplo, com um fichamento de um telejornal, de

acordo com Marcos Napolitano,(2006) devemos articular, entre outros, “o tema e a

duração de cada noticia; a pauta do dia; as palavras chaves reiteradas no texto lido

pelo apresentador; as imagens ou entrevistas articuladas ao texto do apresentador”

Neste sentido, acreditamos que uma forma interessante de trabalhar com

telejornais em sala de aula é fazer a comparação de determinada matéria de

diversos telejornais em diferentes emissoras, pois assim, podemos perceber as

diferenças e as semelhanças nas pautas e nas diversas abordagens dadas sobre

um mesmo informe jornalístico.

Para o fichamento de telenovelas ou de minisséries, de acordo com

Napolitano devemos:Registrar o argumento geral (incluindo aí os personagens e suas funções dramáticas) e a sinopse dos capítulos. O pesquisador pode construir, a partir de um texto próprio, o argumento, a descrição dos personagens e a sinopse, mas normalmente é possível conseguir esses materiais escritos nas próprias emissoras (...). É muito interessante, principalmente no caso das telenovelas e menos nas minisséries, a identificação e análise dos chamados “núcleos dramáticos” e sua teia de relações ficcionais, pois normalmente esses núcleos condensam características e valores sociológicos num conjunto de personagens bem estereotipados, sendo um canal para perceber os valores ideológicos que estão em jogo e as formas de encenação da sociedade e suas tensões. (NAPOLITANO, 2006, p. 279)

As novelas, minisséries, seriados ou episódios contam histórias do cotidiano.

Ao abordar conflitos pessoais ou sociais comuns, prendem a atenção pela

previsibilidade ou pelo humor. Essa relação entre o real e o imaginário atrai os

telespectadores, que se identificam com situações ou personagens. A aproximação

com a vida real fornece rico material para discutir valores e comportamentos. Diante

deste contexto é que professores devem trabalhar com recortes de programas de

TV, com a intenção de questionar elementos do cotidiano.

De acordo com Marcos Napolitano, são vários os programas que podem ser

utilizados como material didático, como vimos, telenovelas, telejornais, minisséries

entre outros, mas de acordo com o autor, quanto a videoclipes e peças publicitárias,É muito importante perceber as estratégias de informação, sensacionalismo, erotização e glamourização em torno de “produtos” diversos (ídolos musicais, sabonetes, carros, bebidas, empresas), imprimindo-lhes um sistema de valores morais, ideológicos, sociais e

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culturais. Apesar de curtos, esses dois tipos de materiais televisuais condensam muitas problemáticas e linguagens complexas, canais diretos com valores sociais de segmentos da sociedade (tribos de jovens, consumidores de diversos padrões e gostos, regiões específicas etc.) que podem ser exploradas pelo historiador. (NAPOLITANO, 2006, p.280)

Não podemos negar que a TV faz parte da vida das pessoas, principalmente

do telespectador infanto-juvenil que, via de regra, é nosso aluno. Ao discutir

programas de TV é possível formar o telespectador crítico, ativo, frente às

mensagens que recebe, refletindo, formando seus próprios conceitos, através das

atividades programadas pelo professor em sala de aula. De acordo com a

necessidade e interesse do aluno, o professor poderá explorar a produção de texto,

usando a TV e agindo desse modo, o professor poderá conseguir melhores

resultados em suas aulas, uma vez que a prática tradicional muitas vezes não

desperta o interesse dos alunos.

A televisão pode ser um recurso pedagógico quando o educador propõe a

discussão sobre o conteúdo programado. Assim o telespectador terá capacidade de

fazer uma leitura crítica, decodificando mensagens, refletindo sobre elas e ainda

construindo suas próprias conclusões. Questionar as imagens e diversas condutas

dos personagens nos episódios e até mesmo se colocar no lugar deles é um meio

de discernir o conteúdo do programa.

Alguns autores afirmam que as mensagens veiculadas pela televisão devem

ser entendidas e refletidas para favorecer esta interpretação, o conteúdo da

televisão pode ser trabalhado dentro das escolas, transformando um observador

passivo em receptor ativo, com espírito crítico, que sabe compreender e agir sobre

aquilo a que assiste e ouve na TV, um sujeito perfeitamente capaz de pensar por si

mesmo ao mesmo tempo em que se diverte.

O uso da TV em sala de aula deve ser encarado como um projeto de ensino.

O poder e a influência da TV só podem ser revertidos em conhecimento escolar na

medida em que o uso da TV em sala de aula seja a conseqüência de um conjunto

de atividades e reflexões partilhadas entre alunos e professores. Paralelamente à

reflexão sobre o uso da televisão em nossa vida cotidiana, opinião e valores

correntes, é necessário que a escola incorpore o material veiculado pela TV como

possibilidade de conhecimento.

Nesse sentido, é necessário propor a alfabetização deste tipo de fonte para o

trabalho com a TV de modo que ela cumpra dois objetivos fundamentais, que são:

estimular uma reflexão crítica acerca dos conteúdos transmitidos pela TV; e

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incorporar parte de seus conteúdos e programa como fonte de aprendizado,

articulando conteúdos e habilidades.

Sabemos que nós, professores, não somos especialistas em cinema ou

televisão, mas se queremos trabalhar com essas tecnologias temos que pensar num

plano básico para a nossa formação e alfabetização nesse tipo de linguagem, pois

acreditamos que a nossa função é propor alguns procedimentos necessários para

que a programação veiculada pela TV possa ser incorporada como documento

sócio-histórico, como fonte de aprendizado e como catalisador de debates na

escola. A TV deve ser fonte e não suporte para o conteúdo a ser ensinado nas

escolas.

De acordo com Marcos Napolitano:Não se trata de competir com a TV, mas encará-la como um fenômeno constitutivo das sociedades contemporâneas que pode ser utilizada como fonte de aprendizagem. A TV é um fenômeno complexo, ambíguo, muitas vezes contraditório, que oscila entre o sonho e o tédio, a informação e a manipulação ideológica, a socialização e a atomização do indivíduo. Se a escola demoniza a TV nada fará além de mistificá-la ainda mais, sem que se possa contribuir para entendê-la e assim criticá-la. A TV é, sob certos aspectos, um texto e como tal precisa ser lida. Um texto mágico e colorido, que age muitas vezes no imaginário pessoal e coletivo, mas ainda assim um texto. (NAPOLITANO, 2006, p.10)

Sendo supostamente um texto, a TV precisa ser lida de forma a não apenas

gerar ilusões, pois se trata de uma espécie de “texto visual”, ou seja, imagem em

movimento e, como tal, tem uma linguagem própria que necessita ser incorporada à

prática docente. Para que isso aconteça e que o uso da TV produza resultados

positivos na aprendizagem, precisamos, antes de ligar o aparelho, lembrar de:

gravar o programa escolhido e selecionar as cenas que serão exibidas aos alunos,

fazendo um recorte de acordo com os objetivos propostos na atividade; planejar as

aulas propondo exercícios e atividades relacionadas ao vídeo (eles não podem ser

exibidos como se fossem auto-explicativos); assistir o vídeo na íntegra uma vez e

numa outra vez parar para fazer explicações necessárias; solicitar que os alunos

anotem as cenas mais importantes, as falas e os detalhes marcantes da

apresentação.

São muitas as possibilidades de trabalhar com os conteúdos abordados pela

TV nos seus mais diversos programas. Uma boa alternativa, além das já citadas, é

trabalhar com propagandas veiculadas na TV, pois seu uso possibilita estudos

relacionados ao consumo e ao estilo de vida da nossa sociedade. A propaganda

pode ser compreendida também como expressão da época em que ocorre. A peça

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publicitária é fonte histórica de primeira ordem, principalmente se o que temos em

mente é pesquisar o recorte da realidade para a qual ela se dirige, sendo assim, os

sonhos, desejos, as expectativas das pessoas, isoladas ou em grupos, às quais os

anúncios se dirigem para satisfazer e criar necessidades. Nesse sentido, o trabalho

com a propaganda aparece como importante aliado, pois permite olhar o passado e

o presente sob outros ângulos: os das características dos nossos pensamentos e

desejos como sociedade.

Além das já citadas temos a possibilidade de trabalhar com fontes televisivas

através das entrevistas, das novelas, dos índices de audiência, dos programas de

humor, dos desenhos animados, dos filmes, veiculadas na TV.

Encerrando o tema ‘televisão’ apresentaremos as dicas de Marcos Napolitano

no artigo ‘A História depois do papel’, contida no livro Fontes Históricas:

• Entender a natureza especifica dos gêneros televisuais e como eles

operacionalizam as regras gerais do audiovisual.

• Fazer fichamento do material televisual construindo campos de registro,

informação e comentário, de acordo com o gênero, a linguagem e a função

do referido programa.

• Encarar a linguagem da televisão (compreendendo as estratégias dos

diversos gêneros e tipos de televisão) como um conjunto de operações de

registro, seleção, edição, e realizar o movimento inverso dessas operações,

desconstruindo os fatos descritos ou os eventos narrados pelo documento

televisual.

• Observar a televisão como uma nova experiência social do tempo histórico

que faz confluir o “real” e o “imaginário” no fluxo presente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Refletir sobre o ensino de história é enveredar por diversos desafios. A

história cumpre sua função social enquanto conhecimento científico, através do que

chamamos de consciência histórica e para essa se constitua é necessária uma

formação histórica que se realiza por várias formas, mas principalmente através da

aprendizagem escolar.

Perceberam-se as mudanças teóricas e metodológicas pelo qual o ensino de

histórica tem passado. Verificaram-se os debates no campo do conhecimento

histórico e científico, as inovações da historiografia e das práticas didáticas

escolares que tem, entre, outros fatores, contribuído para ocorrer essas

transformações no ensino de história. As escolas precisam passar por profundas

transformações em suas práticas e metodologias para enfrentar os desafios

contemporâneos.

Este manual (caderno temático) pretende ser uma ferramenta para o

encaminhamento do professor em sala de aula. Nele você poderá encontrar

subsídios para as abordagens necessárias ao uso das fontes históricas. Diante

dessa perspectiva procuramos discutir o uso das fontes históricas no contexto

escolar, bem como o uso delas por parte dos professores. Para isso foi necessário

debater o estatuto e a natureza das fontes históricas no conhecimento histórico

científico escolar.

Ao longo dos capítulos constatou-se a importância das fontes históricas das

diversas naturezas aqui discutidas enquanto fontes capazes de explicar o contexto

histórico pretendido na escola.

Os documentos em geral como nos adverte Le Goff,(1993), em geral, são

compreendidos como sendo quaisquer objetos, qualquer base de conhecimento

fixada materialmente que elucide, instrua, reconstrua, prove ou comprove

cientificamente algum fato ou acontecimento. Nessa perspectiva, podemos

considerar a pluralidade do campo da fonte documental histórica que envolve desde

escritos de todos os tipos até documento figurados, produtos de escavações

arqueológicas, etc. Ou seja, tudo que se relaciona aos seres humanos, enquanto

agentes da história em qualquer tempo e lugar. As reflexões e discussões

elaboradas neste caderno temático pretende ajudar a compreender a diversidade

dos tipos de fontes e suas potencialidades para o desenvolvimento da temática aqui

proposta. Assim, acreditamos que a história e todos que estão envolvidos direta ou

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indiretamente com ela só tem a ganhar com a incorporação e o uso dos diversos

tipos de fontes aqui abordadas.

Fruto da nossa primeira aproximação com a temática da utilização de fontes

históricas acreditamos que essa foi uma discussão bastante pertinente visto ser uma

manual a ser analisado e trabalhado pelos professores de história interessados em

superar problemas relacionados ao processo de ensino-aprendizagem na medida

em que pretende capacitar e trazer sugestões no sentido de incorporar de forma

mais produtiva possível, o trabalho com fontes no contexto de sala de aula.

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