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DA CRIATIVIDADE À INOVAÇÃO

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DA CRIATIVIDADE À INOVAÇÃO

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ZULA GARCIA GIGLIOSOLANGE MUGLIA WECHSLER

DENISE BRAGOTTO(ORGS.)

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DA CRIATIVIDADE À INOVAÇÃO

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ....................................................................................................... 7

1. VYGOTSKY E A CRIATIVIDADE: NOVAS LEITURAS,NOVOS DESDOBRAMENTOS ......................................................................... 11

Albertina Mitjáns Martínez

2. ESTILOS DE PENSAR E CRIAR: IMPLICAÇÕESPARA A LIDERANÇA ......................................................................................... 39

Solange Muglia Wechsler

3. MEDIAÇÃO DE CONFLITOS E CRIATIVIDADE:UMA PARCERIA NECESSÁRIA ....................................................................... 61

Simone Pligher

4. INOVAÇÃO EXISTENCIAL: ENTRE ADVERSIDADESE OPORTUNIDADES CRIATIVAS .................................................................... 71

Denise Bragotto

5. IDENTIDADE E CRIATIVIDADE: PERCURSOS ............................................ 85

Zula Garcia Giglio

6. O FLUIR DE IDEIAS: O TRANSE CRIATIVO EM ARTE ............................. 101

Regina Lara Silveira Mello

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7. O SENTIMENTO DE INOVAÇÃO NAS ARTES DO SÉCULO XXE SUAS IMPLICAÇÕES NA CRIATIVIDADE CONTEMPORÂNEA ......... 117

Marcos Rizolli

8. CRIAR E ESTILOS DE APRENDER NA TERCEIRA IDADE:UMA PROPOSTA PSICOPEDAGÓGICA ....................................................... 135

Elzira Teixeira Ariza Oliveira

9. INOVAÇÃO: UM TURBULENTO E PRAZEROSO DESAFIO .................... 157

Guilherme Veríssimo

10. DESENVOLVENDO UM PRODUTO: DA NECESSIDADE AORESULTADO. O PROJETO “COMUNIDADES DE APRENDIZADO” ...... 167

Paulo C.A. Benetti

11. NOVOS DESAFIOS E OPORTUNIDADES NO ENSINODO PROCESSO CRIATIVO NAS ORGANIZAÇÕES .................................... 185

Vera Maria Tindó Freire Ribeiro

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APRESENTAÇÃO

Este livro pretende enfocar os fenômenos da criatividade e da inovaçãode forma multidisciplinar, apresentando reflexões, pesquisas e experiênciasde estudiosos e profissionais especialistas nesses temas.

Tanto a criatividade quanto a inovação resultante do processo criativosão fenômenos complexos, que merecem múltiplos olhares para que possamser conhecidos e compreendidos nos diferentes campos do conhecimento.

Historicamente, a criatividade esteve sempre ligada ao campoartístico. Entretanto, no decorrer do século XX, passou a ter importânciacrescente não apenas como capacidade individual, mas como riqueza capazde trazer benefícios coletivos. Na mesma direção segue a inovação, cujaimportância avança diante de um mundo em constante e rápido movimento.Nesse compasso, a inovação torna-se cada vez mais necessária, já que oineditismo entra na névoa da trivialidade num espaço de tempo cada vezmais curto. A inovação também se faz desejável e necessária nos países quequerem investir em crescimento econômico aliado a melhorias do bem-estar físico e social.

Este livro apresenta um panorama da criatividade e da inovação tantoem seus aspectos conceituais e de pesquisa quanto nos níveis mais práticos.Dessa maneira, encontram-se trabalhos ligados às áreas de educação, arte,psicologia e organizações. Ele foi organizado para ser lido na ordem quemelhor convier ao leitor, uma vez que os capítulos falam por si, são

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independentes, com notas e bibliografias próprias, para facilitar ao leitoruma ideia da esfera conceitual em que respirou cada autor.

Entretanto, o que une estes textos em um único livro vai além dafiliação de seus autores à Associação Brasileira de Criatividade e Inovação(Criabrasilis). Trata-se de um trabalho coletivo que esse grupo de pessoasoferece ao público, proveniente de uma base teórica coerente que perpassatodos os textos, numa abordagem ampla do fenômeno da criatividade.

Abrimos o livro com o texto de Albertina Mitjáns Martínez, queapresenta uma visão crítica das referências de Vygotsky sobre a questão dacriatividade, incluindo uma revisão das leituras que outros estudiosos têmfeito do tratamento que o psicólogo russo deu ao tema. Explorando o conceitode criatividade e, naturalmente, o de sujeito, da perspectiva histórico-cultural,esse estudo oferece elementos básicos para qualquer política dedesenvolvimento de criatividade.

Segue-se o capítulo sobre estilos de pensar e criar, de Solange MugliaWechsler, que também traz uma discussão amplamente fundamentada sobreas relações entre características pessoais adquiridas ou inatas e o processocriativo. Com base em estudos científicos, mostra a articulação adequadadas diferenças de estilo das pessoas no local de trabalho e como é possívelatingir um patamar eficaz de criatividade.

No terceiro capítulo, baseada em uma pesquisa original, no campodo Poder Judiciário, Simone Pligher explora as possibilidades da mediaçãode conflitos pela solução criativa de problemas.

Ainda no campo dos conflitos, o quarto capítulo, de Denise Bragotto,apresenta reflexões sobre o poder de resiliência na esfera da criatividade,enfocando especialmente situações de crise e adversidades.

O texto seguinte, de Zula Garcia Giglio, enfatiza a questão da identidadeno processo criativo. Com base em um longo trabalho com grupos, apresentauma metodologia própria de desenvolvimento da criatividade, em que searticulam a psicologia junguiana e a educação não formal.

No sexto capítulo, Regina Lara Silveira Mello traz um estudo realizadocom artistas, enriquecido por imagens e depoimentos que prestam umacontribuição interessantíssima ao entendimento do processo criativo, semtrair o seu mistério.

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Ainda na esfera das artes, Marcos Rizolli revela a complexidade dalinguagem criativa na arte abstrata e suas decorrências na contemporaneidade,trazendo alguns dos mais importantes artistas-pensadores dos séculos XIX eXX, como Klee, Cézanne, Matisse, Mondrian e Kandinsky.

Como capítulo oitavo, trazemos ao leitor o texto de Elzira Ariza TeixeiraOliveira, que estudou o diálogo dos estilos de aprender com a criatividadeem um grupo de pessoas com mais de 60 anos do ponto de vista dapsicopedagogia. Entrelaçados com o material teórico, a autora traz dadosde sua pesquisa e evidencia os mecanismos de saúde implicados no processocriativo.

Mais especificamente voltados para as organizações, os três capítulosseguintes tratam da inovação como um resultado construído pela abordagemadequada do processo criativo. Guilherme Veríssimo, no capítulo nono,conceitua a inovação com propriedade e apresenta uma sistematização deseu processo, exemplificando com um estudo de caso.

O capítulo seguinte é um texto que esmiúça a metodologia da resoluçãocriativa de problemas, em que Vera Tindó Freire Ribeiro partilha com oleitor sua longa e sólida experiência no ensino da criatividade e suafamiliaridade com uma vasta bibliografia.

O capítulo final, de Paulo C.A. Benetti, traz um relato de caso queilustra uma metodologia de provocação da ideia criativa e das estratégiasque a transformaram na realidade desejada com objetividade para o leitor,envolvendo o mapeamento das competências e da situação e o estímulo àautoestima dos participantes.

Zula Garcia GiglioSolange Muglia Wechsler

Denise Bragotto

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1VYGOTSKY E A CRIATIVIDADE:

NOVAS LEITURAS, NOVOS DESDOBRAMENTOS

Albertina Mitjáns Martínez

O objetivo deste trabalho é apresentar, criticamente, o queconsideramos ser os principais aportes de Vygotsky para a compreensãoda criatividade e, especialmente, analisar a importância de algumas de suasideias para uma compreensão alternativa da criatividade de uma perspectivahistórico-cultural, uma compreensão da criatividade não centrada no valordo produto, mas no próprio processo de produção de novidade, processoque caracteriza as formas mais complexas do funcionamento da subjetividadehumana.

Na obra de Vygotsky, ideias referentes à criatividade aparecemassociadas a seus principais focos de produção teórica: a dimensãopsicológica da arte, o papel da cultura na constituição psicológica do homem,a compreensão do desenvolvimento cultural na ontogênese, entre outros. Areferência à criatividade no tratamento de temas como os aqui mencionadosconstitui, em nossa opinião, uma expressão da heterogeneidade dacriatividade e do seu lugar no funcionamento psicológico humano, aspectosque, de nosso ponto de vista, têm sido insuficientemente estudados nessecampo.

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Além das concepções dominantes: Três diferentesconcepções de criatividade na obra de Vygotsky

No percurso de sua intensa obra, Vygotsky referiu-se à criatividadecom diferentes acepções e nuanças, questão que, do nosso ponto de vista,relaciona-se com o assunto objeto de sua atenção em cada momento. Essasdiferentes acepções, mesmo que claramente identificáveis na suaespecificidade, mantêm estreitas relações umas com as outras e muitasvezes se solapam.

Coincidimos com Ayman-Nolley (1992) quando coloca que Vygotskyutilizou os termos criatividade, imaginação e fantasia fazendo, às vezes,claras distinções entre eles e, em outras ocasiões, utilizando-osindistintamente. No entanto, para a realização deste trabalho, centramo-nosespecialmente na análise da forma segundo a qual Vygotsky utilizou ostermos criatividade e criador. Essa análise nos permite afirmar que, na suaobra, coexistem três principais formas de compreender a criatividade.

A primeira é a criatividade como produção de novidade. Uma ideiaque aparece com muita força na obra de Vygotsky é a associação entrecriatividade e novidade. A criatividade ou, mais especificamente, a atividadecriadora, é definida pela sua novidade. Nessa acepção, a novidade aparececomo o critério único para conceber algo como criativo. Isso fica claramenteexpresso quando afirma:

Chamamos atividade criadora a qualquer tipo de atividade dohomem que crie algo novo, seja qualquer coisa do mundo exterior,produto da atividade criadora, ou uma determinada organizaçãodo pensamento ou dos sentimentos que atue e esteja presente nopróprio homem. (Vygotsky 1930/1987, p. 5)1

É interessante apreciar aqui a concepção ampla de criação ou criatividadecomo produção de novidade. O critério de valor, adequação ou utilidade, que,

1. As traduções para o português das citações que aparecem neste trabalho são deresponsabilidade da autora.

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junto com o critério de novidade, é utilizado na produção científicacontemporânea para a definição da criatividade, não é considerado por Vygotskynessa acepção como definidor do conceito. Esse autor também não reconheceo fato, na atualidade amplamente aceito, de que o julgamento dos outros éessencial para considerar algo criativo, já que, como se faz evidente na citaçãoanterior, considera também como atividade criadora aquela que se podeproduzir como reorganizações dentro do próprio indivíduo. Essa ideia éconsiderada por nós essencial para a compreensão da criatividade em umadimensão pouco reconhecida no mainstream da psicologia da criatividade,apesar de ter sido uma posição da psicologia humanista: a capacidade doindivíduo de organizar e reorganizar seus próprios processos psicológicos.

A atividade criadora é considerada, nessa acepção, um processocomum, consubstancial à atividade humana. Fazendo referência às ideiasde Ribot sobre como a grande maioria das invenções pertence a autoresdesconhecidos, explica:

A compreensão científica desta questão nos obriga a ver a criaçãomais como uma regra do que como uma exceção; naturalmente, asexpressões superiores da criação, até o momento, são acessíveisapenas a alguns poucos gênios eleitos da humanidade, porém, navida cotidiana, a criação é a condição indispensável para aexistência e tudo o que exceda o marco da rotina e implique em umpingo de novidade mantém relação, pela sua origem, com oprocesso de criação do homem. (Ibid., p. 8)

Como pode ser apreciado, estamos diante de uma concepção amplada criatividade, na qual o critério de novidade constitui o critério definidoressencial; ideia que, acreditamos, pode contribuir, na própria perspectivahistórico-cultural, para novos desenvolvimentos da compreensão dacriatividade.

A segunda é a criatividade como a capacidade especificamentehumana de gerar produtos culturais significativos e a terceira, a criatividadecomo a capacidade de produção de novidade e valor na vida cotidiana.

Além da compreensão da criatividade de forma ampla, como produçãode novidade, na obra de Vygotsky evidenciam-se tanto sua consideração da

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criatividade como geração de produções culturalmente significativas e,consequentemente, vitais para o desenvolvimento da humanidade, quantosua consideração da criatividade em um nível menor, tal como ela aparecenas diversas formas das atividades cotidianas do homem. Em ambos os casos,a criatividade está associada não apenas à novidade do produzido, mas tambéma seu valor, à sua significação em um determinado contexto social. Nessesentido, já nas obras de Vygotsky, aparecia a caracterização da criatividademais amplamente aceita hoje na literatura científica nesse campo.

A primeira das duas acepções corresponde ao que autorescontemporâneos consideram Criatividade, com maiúscula (Csikszentmihalyi1996), ou criatividade H (Boden 1999), isto é, a produção de novidade quetem um impacto significativo em um determinado campo e que é amplamentereconhecida e valorizada pela sua significação social. A segunda correspondeà chamada criatividade, com minúscula (Csikszentmihalyi 1996), oucriatividade P (Boden 1999), que também se define pela significação socialdo produzido, porém, numa outra escala, ou seja, pela significação quepessoas conferem ao produzido em um âmbito reduzido (professores, pais,terapeutas, por exemplo).

A consideração da criatividade como produção de algo socialmentesignificativo está implícita em todas as referências de Vygotsky em relaçãoà criatividade do ator. Por exemplo, no trabalho “Psicologia da criatividadedo ator” (1932/2007), quando se refere ao paradoxo do ator apresentadopor Diderot,2 afirma:

Há nesta formulação uma questão de fundo: quando a gente seadentra no estudo de seu desenvolvimento histórico se convence,inevitavelmente, de que o problema está na essência mesma dotrabalho criativo do ator e em como se nos faz compreensível,compreensão que se orienta ainda pela surpresa perante umfenômeno psicológico novo.

2. O paradoxo de Diderot consiste em que o ator “expressa no palco fortes paixõespsicológicas, conseguindo que a audiência atinja a máxima comoção emocional,enquanto ele mesmo permanece à margem dessa paixão representada” (Vygotsky1932/2007b, p. 147).

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E continua:

Porém, o paradoxo de Diderot confunde a essência de duas coisasque se parecem muito, mas não são exatamente o mesmo. Refere-se Diderot, em primeiro lugar, à natureza ideal, supraindividual,das paixões que o ator transmite desde o palco, que seriam paixõese seriam sentimentos idealizados do espírito, não sentimentosnaturais e reais de um ou outro ator concreto. Seriam sentimentosartificiais, produto da capacidade criativa do homem e que,portanto, devem ser considerados como criações artificiais, iguala uma novela, uma sonata ou uma escultura. Esse conteúdoartificial, criativo, se diferenciaria das sensações correspondentesdo ator como pessoa. (Ibid., p. 148)

A ideia da criatividade associada a um produto significativo, social ehistoricamente determinado, fica evidente quando afirma:

A psicologia do ator não é uma categoria biológica, mas pertenceao conjunto das categorias históricas e de classe. Essa é a tesecentral das novas pesquisas, as que determinam o enfoque dapsicologia concreta do ator. Não são, pois, as estruturas biológicasas que determinam as vivências dramáticas do ator. Estas, narealidade, formam parte da complexa atividade da criatividadeartística, que tem uma função social e de classe concreta, condicio-nada historicamente pelo estado concreto do desenvolvimentopsíquico de uma classe e de uma época determinada. (Ibid., p.149)

É possível afirmar que, na obra de Vygotsky, aparece com clareza aconcepção de criatividade dominante hoje na literatura científica nessecampo, concepção que coexiste com sua consideração da criatividade comoprodução de novidade. Esta última acepção é de particular importância, nãoapenas pelo seu valor heurístico para a construção de novas formas decompreensão da criatividade de uma perspectiva histórico-cultural, comojá foi colocado, mas também porque constitui a base sobre a qual é possívelcompreender como o autor articula criatividade e desenvolvimento.

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Ideias mais conhecidas: A gênese e o desenvolvimento dacriatividade na ontogênese

Quando se faz referência à concepção de criatividade de Vygotsky,existe uma tendência forte a referir-se quase que unicamente a três trabalhosnos quais, explicitamente, a imaginação e a criatividade constituem o focode análise (por exemplo, Smolucha 1992a e b; Ayman-Nolley 1992;Gajdamaschko 1999; Neves-Pereira 2007). Esses três trabalhos são:Imaginación y creación en la edad infantil (1930/1987), Imaginación ycreatividad en el adolescente (1932/2007) e Imagination and its developmentin childhood (1932/1987). Foi essencialmente com base neles que Smolucha(1992a) tentou uma reconstrução da teoria da criatividade de Vygotskyem um artigo que hoje é consistentemente citado como referência naspublicações que se referem à criatividade na obra desse autor. Apesar dereconhecer o valor do trabalho de Smolucha em dar visibilidade às ideias deVygotsky sobre a gênese e o desenvolvimento da criatividade na ontogênese,consideramos que a reconstrução de uma teoria da criatividade em Vygotsky,a ser isso possível, teria de ser feita com base em um criterioso estudo detoda sua obra, já que algumas de suas ideias sobre o tema se encontramdispersas ao longo dela e, de modo algum, reduzem-se ao tema da gênese edo desenvolvimento da criatividade na ontogênese. Pensamos que, mais doque tentar reconstruir a teoria da criatividade em Vygotsky a partir de umconjunto reduzido de trabalhos, seria mais produtivo continuar estudandosua ampla obra, analisar criticamente as diferentes ideias que podem serencontradas nela sobre a criatividade e avaliar seu valor heurístico para aprodução científica nesse campo de conhecimento.

Reconhecemos que é nas obras em que trata do tema da imaginaçãoque Vygotsky, de forma mais explícita, faz referência à criatividade, já quelhe confere um lugar central na atividade criadora. Pode-se apreciar issoquando ele afirma:

Efetivamente, a imaginação como fundamento de toda atividadecriadora manifesta-se decididamente em todos os aspectos davida cultural, fazendo possível a criação artística, científica etécnica. Nesse sentido, absolutamente tudo aquilo que está ao

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nosso redor e tem sido feito pela mão do homem, todo o mundo dacultura, diferencia-se do mundo da natureza, é produto daimaginação e da criação humana baseada nessa imaginação. (1930/1987, p. 7)

Consideramos ser precisamente pela importância que o autor dá àimaginação na criatividade que muitas das suas ideias aparecem nas obrasem que analisa a imaginação.

Da revisão das três obras mencionadas, Smolucha (1992a, pp. 49-50) apresenta as principais e mais conhecidas teses de Vygotsky sobre aimaginação criativa:

• a imaginação desenvolve-se a partir da brincadeira infantil;

• a imaginação torna-se uma função mental superior e, como tal, éconscientemente direcionada pelos processos de pensamento;

• na adolescência, a imaginação criativa é caracterizada pelacolaboração da imaginação e do pensamento conceitual;

• a colaboração entre imaginação e pensamento conceitualamadurece na criatividade artística e científica, na idade adulta.

A ideia de que a imaginação se desenvolve a partir do jogo simbólico,a compreensão de que na adolescência acontecem transformações qualitativasno processo de imaginação, produto da sua articulação com o pensamentoconceitual, e a ideia de que essa nova formação constitui a base da criatividadeadulta são os aspectos mais conhecidos da concepção de criatividade emVygotsky (Smolucha 1992a e b; Ayman-Nolley 1992; Gajdamaschko 1999;Starko 2005; Neves-Pereira 2007). Sua concepção do desenvolvimentoontogenético da criatividade tem permitido seu reconhecimento como umdos teóricos que conjuga duas direções de trabalho relativamente separadasna produção científica em psicologia: psicologia do desenvolvimento epsicologia da criatividade.

A ênfase que Vygotsky coloca na imaginação e no pensamentoconceitual como a base de uma criatividade madura mostra, de nosso ponto

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de vista, o cognitivismo que predomina nesse momento de sua obra. Aconcepção da psique como sistema e o princípio da unidade de cognição eafeto, contribuições importantes do pensamento vygotskiano, não parecemser dominantes quando ele faz referência a sua concepção dodesenvolvimento da criatividade na ontogênese. Apesar de reconhecerexplicitamente, em outros momentos, que elementos diversos participamda criatividade, o peso que atribui nessas teses ao pensamento conceitual eà imaginação simplifica, em nossa opinião, a complexa configuração dinâmicade recursos subjetivos dos quais a criatividade constitui uma expressão.Por outro lado, a inferência natural de que a criatividade seria um processopsíquico superior, produto da articulação de dois processos psíquicossuperiores – a imaginação e o pensamento conceitual –, permite questionaro mecanismo de sua gênese: o processo de interiorização. Esse mecanismo,que implica que toda operação psíquica aparece duas vezes, primeiro emum plano externo e depois em um plano interno, tem sido acertadamentesubmetido à crítica de diferentes ângulos, por diversos representantes daprópria perspectiva histórico-cultural, como Rubinstein, Orlov e GonzálezRey, entre outros. Para a explicação de uma criatividade madura, essemecanismo seria mais que questionável, pois estamos perante um processoque, por definição, está orientado à produção de algo novo, processo apenasexplicável pelo caráter gerador da subjetividade humana (González Rey 2007ae b) e não pelo seu caráter reflexo, como representado pelo mecanismo dainteriorização (ibid.).

Uma ideia de Vygotsky, derivada da sua compreensão dodesenvolvimento ontogenético da criatividade, refere-se às diferenças entrecriatividade infantil e criatividade adulta. Ele caracteriza a primeira comomenos rica do que a segunda, uma afirmação que contradiz a representaçãodominante no senso comum sobre a criatividade infantil.

Caracterizando de forma diferente a experiência da criança e do adulto,expressa:

Sabemos que a experiência da criança é muito mais pobre do que aexperiência do adulto. Além disso, seus interesses são mais simples,elementares e pobres, e suas relações com o meio também não têma complexidade, a sutileza e a variedade que caracterizam a conduta

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do adulto; por serem todos esses os fatores mais importantes nadeterminação do trabalho da imaginação, a imaginação na criançanão é mais rica, mas mais pobre do que a imaginação do adulto; noprocesso de desenvolvimento da criança, desenvolve-se também aimaginação, que atinge sua maturidade na idade adulta.Os produtos da verdadeira imaginação criadora, em todas asesferas da atividade criadora, pertencem apenas à fantasia.(Vygotsky 1930/1987, p. 28)

Fica evidente, nas citações anteriores, que a concepção de Vygotskysobre o desenvolvimento da criatividade e, como parte dela, sua consideraçãode que a criatividade infantil é menos rica do que a criatividade adulta sereferem à segunda e à terceira acepções de criatividade que aparecem emsua obra, acepções nas quais a criatividade é definida não apenas com baseno critério de novidade, mas também pelo valor, pela significação doproduzido, critério que, como já mencionamos, é amplamente compartilhadopelos especialistas do campo da criatividade. Portanto, só com essaconcepção de criatividade é inquestionável a tese da menor riqueza dacriatividade infantil em relação à criatividade adulta. Valeria a pena analisarse, assumindo a criatividade na primeira acepção, ou seja, como produçãode novidade, a diferença que Vygotsky estabelece entre criatividade infantile criatividade adulta poderia ser tão facilmente sustentada.

Pesquisas sobre a constituição da subjetividade individual e sobremudanças em sua configuração (Coelho 2004; Lustosa 2004; Mourão 2004;Ávila 2005; Amaral 2006; Mozzer 2008) apontam que processos deemergência de novidade significativos para o desenvolvimento acontecemtanto em crianças quanto em adultos e que os critérios para definir o nívelde criatividade expresso nesses processos teriam de estar mais referidosaos seus impactos no próprio processo de desenvolvimento do sujeito doque à significação social de um produto derivado de sua ação. De fato, essaé uma das linhas de pesquisa que a primeira das acepções de criatividade naobra de Vygotsky permite abrir e que temos começado a desenvolver. Detodas as formas, é importante salientar que as diferenças entre criatividadeinfantil e criatividade adulta, no sentido apontado por Vygotsky, são hojecompartilhadas por importantes teóricos da área da criatividade, como seevidenciou, por exemplo, na discussão promovida por Sawyer et al. (2003).

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Ideias relativamente pouco consideradas e com potencial valorheurístico para uma compreensão alternativa da criatividade daperspectiva histórico-cultural

Na obra de Vygotsky, existem outras ideias acerca da criatividadeque têm sido pouco consideradas e que, do nosso ponto de vista, têmimportantes implicações tanto para o desenvolvimento de novas linhas deinvestigação como para a construção de formas alternativas de compreensãoda criatividade da perspectiva histórico-cultural em psicologia. Temosconceituado as ideias que queremos salientar da forma que segue.

A unidade do cognitivo e do afetivo na atividade criadora

A unidade do cognitivo e do afetivo constitui um dos princípios quecaracterizam em geral o pensamento de Vygotsky acerca da constituição dapsique humana e, consequentemente, expressa-se em algumas das suasconsiderações sobre a criatividade.

Chamamos a atenção para o fato de que, durante muitos anos, asposições dominantes no campo da psicologia da criatividade tiveram umcorte cognitivista, com a consequente subvalorização da participação doemocional na criatividade. Nesse sentido, as ideias de Vygotsky sobre ovínculo do cognitivo e do afetivo na atividade criadora antecederam emmuito o reconhecimento, relativamente recente, da multiplicidade deprocessos implicados na criatividade. No entanto, poucos autores (entreeles, Moran e John-Steiner 2003 e Barroco e Tuleski 2007) têm percebidoe salientado essa contribuição.

A participação do emocional na atividade criadora pode ser inferidainicialmente pelo lugar que Vygotsky lhe confere na imaginação, que éconsiderada por ele um processo essencial na criação, como já se temdiscutido.

Na obra Imaginación y creación en la edad infantil, Vygotsky explicaas quatro formas como vê imaginação e realidade se relacionarem; umadelas é a relação emocional:

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A terceira forma de relação entre a atividade da imaginação e arealidade é a relação emocional. Esta se manifesta de forma dupla:por um lado, todo sentimento, toda emoção trata de assumir formasem imagens conhecidas que lhe correspondam. A emoção possui,dessa forma, a capacidade de selecionar as impressões, as ideiase as imagens que estão de acordo com o estado anímico quetemos em determinado momento. (...)As imagens da fantasia proporcionam uma linguagem interior parao nosso sentimento; esse sentimento seleciona alguns elementosda realidade e combina-os numa relação que está condicionada pornosso estado anímico e não pela lógica dessas próprias imagens.Essa influência do fator emocional sobre a fantasia combinatóriaé chamada pelos psicólogos de lei do signo emocional geral. Aessência dessa lei consiste em que as impressões ou as imagensque têm um signo emocional comum, ou seja, que produzem emnós uma influência emocional similar, tendem a se unir, apesar denão existirem relações palpáveis de similaridade nem de afinidadeentre essas imagens; obtém-se uma obra combinada da imaginaçãosobre cuja base descansa um sentimento geral ou um signoemocional comum que une diferentes elementos que entram emrelação. (...)No entanto, também existe a relação inversa da imaginação com aemoção. Se, no primeiro caso descrito por nós, os sentimentosinfluem sobre a imaginação, vemos que, no segundo caso, aconteceo inverso, a imaginação influi sobre o sentimento; esse fenômenopoderia ser chamado de lei da realidade emocional da imaginaçãoe a essência dessa lei foi formulada por Ribot da forma seguinte:todas as formas da imaginação criadora – diz ele – encerram em sielementos afetivos. (Vygotsky 1930/1987, pp. 14-15)

Uma posição mais clara e explícita do vínculo do cognitivo e doafetivo na criação é a que Vygotsky expressa ao analisar a quarta formapela qual compreende a relação entre imaginação e realidade. Essa quartaforma está intimamente relacionada com a relação emocional entreimaginação e realidade referida anteriormente, porém, diferentemente dela,é formulada assim:

(...) sua essência consiste em que a estrutura da fantasia podeapresentar-se como algo substancialmente novo, que não tem

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estado na experiência do homem e que não corresponde a nenhumobjeto existente em realidade; no entanto, ao ser uma materializaçãoexterior, ao tomar corpo material, essa imaginação “cristalizada”,ao se tornar coisa, começa a existir realmente no mundo e a influirsobre as coisas. (Ibid., p. 16)

Nessa quarta forma de relação entre realidade e fantasia, evidencia-se para Vygotsky o fechamento do círculo que descreve a atividade criadorada imaginação: os elementos sobre os quais se estruturou a fantasia foramtomados da realidade, porém, sofreram uma profunda transformação nohomem, convertendo-se em produtos da imaginação que, por sua vez, foramcristalizados em novos objetos da realidade.

Fazendo uma análise desse círculo, ele salienta:

Porém, precisamente quando temos perante nós um círculocompleto descrito pela imaginação, ambos os fatores, o intelectuale o emocional, são em igual medida necessários para o ato dacriação. O sentimento, assim como a ideia, move a criação dohomem. (Ibid., p. 19)

Por outro lado, ao analisar aquilo que para ele constitui o mecanismoda atividade criadora – a dissociação das partes, a transformação, aassociação e a organização em um sistema –, enfatiza de forma clara opapel das necessidades, das aspirações e dos desejos:

Limitando-nos apenas à parte interna da imaginação, cabe sinalizaraqueles fatores psicológicos principais dos quais depende a marchade todos esses diferentes processos: como estabelece a análisepsicológica, o primeiro fator é a necessidade do homem de se adaptarao meio que o rodeia. Se a vida que o rodeia não coloca ao homemtarefas, se as relações acostumadas e herdadas por ele o equilibramcompletamente com o mundo circundante, não há então nenhumabase para que emerja a criação, um ser adaptado completamente aomundo circundante não poderia desejar nada, nem aspirar a nada enaturalmente não poderia criar nada. Por isso, a base da criaçãosempre está formada pela inadaptação, da qual surgem asnecessidades, as aspirações e os desejos. (Ibid., p. 24)

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Como vemos, Vygotsky reconhece de diferentes formas o vínculodo cognitivo e do afetivo na criatividade, porém, consideramos que o desafioconsiste em avançar na compreensão das formas complexas nas quais essevínculo se expressa, as novas unidades nas quais aparece e seu papel nopróprio processo criativo. O estudo dos sentidos subjetivos3 gerados naatividade criadora e seu papel na própria criatividade (Mitjáns Martínez2004 e 2006; Mourão e Mitjáns Martínez 2006; Amaral 2006) podemconstituir uma linha de trabalho nessa direção.

O vínculo do individual e do social na criatividade

A compreensão do papel do cultural na constituição da psique, assimcomo sua concepção da psique como sistema, expressa-se na diversidadede elementos que Vygotsky considera associada à imaginação e à atividadecriadora. Entre eles, salienta o papel do meio:

Temos ressaltado que a atividade da imaginação depende daexperiência, das necessidades e dos interesses que estasexpressam: é fácil compreender que essa capacidade tambémdepende da capacidade combinatória e do exercício que se realizecom ela; a materialização dos produtos da imaginação sofre ainfluência também das habilidades técnicas e tradições, ou seja,daquelas imagens da criação que atuam sobre o homem. Todosesses fatores são de grande importância, porém, tão evidentes esimples que não vamos nos deter neles. É muito menos evidentee mais importante a ação de outro fator, precisamente, a do meiocircundante; com freqüência, a imaginação se representa comouma atividade exclusivamente interior, que não depende dascondições externas ou que, no melhor dos casos, dependeparcialmente dessas condições, porque elas determinam o material

3. A categoria sentido subjetivo constitui uma das categorias centrais da teoria dasubjetividade, que, de uma perspectiva histórico-cultural, vem sendo desenvolvidapor González Rey (1997, 2002, 2004, 2005, 2007b). É uma unidade constitutiva dasubjetividade que expressa a “relação inseparável do emocional e do simbólico, emque um evoca o outro sem ser sua causa” (González Rey 2002, p. 168).

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sobre o qual trabalha a imaginação. Os processos de imaginação,à primeira vista, parecem ser dirigidos apenas do interior pelossentimentos e pelas necessidades do próprio homem e, por isso,são causas subjetivamente condicionadas e não objetivas. Narealidade, não é assim; já faz tempo que, na psicologia, estabeleceu-se uma lei segundo a qual a tendência à criação é inversamenteproporcional à simplicidade do meio. (Vygotsky 1930/1987, p. 25)

E mais à frente:

Todo inventor, mesmo o gênio, é sempre um produto de seu tempoe de seu meio, sua criação parte das necessidades que estão diantedele e se apóia nas possibilidades que existem também fora dele;por isso, observamos uma estrita ordem no desenvolvimentohistórico da ciência e da técnica. Nenhuma invenção oudescobrimento científico aparece antes que existam as condiçõesmateriais e psicológicas necessárias para sua aparição; a criaçãoé um processo articulado historicamente, em que toda formaseguinte está determinada pelas precedentes. (Ibid., pp. 25-26)

Como vemos, desde princípios do século passado, Vygotsky apontoupara a conjunção do individual e do social na criatividade, o que é reconhecidopor autores como Silva (1993), Moran e John-Steiner (2003), Starko (2005),Barroco e Tuleski (2007) e Neves-Pereira (2007). A relação das ideias deVygotsky com os enfoques sistêmicos que têm emergido na produçãocontemporânea no campo da criatividade tem sido salientada por Moran eJohn-Steiner, que afirmam que “representando a criatividade como umprocesso tanto individual quanto social, Vygotsky introduz algumas dasmais críticas e novas noções que caracterizam os enfoques sistêmicosatuais”4 (2003, p. 61). Esse vínculo é também reconhecido por Starko(2005), quando diz que as ideias de Vygotsky nessa direção anteciparam as

4. Entre os enfoques sistêmicos mais conhecidos estão os desenvolvidos porCsikszentmihalyi (1998), Gardner (1996), Gruber (1984), Simonton (1999) eSternberg e Lubart (1997).

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complexas interações entre indivíduo e sociedade que caracterizam as teoriassistêmicas sobre criatividade apresentadas e discutidas em seu livro.

Apesar de concordar com a ideia de que as posições de Vygotskyanteciparam-se à essência dos enfoques sistêmicos atuais sobre criatividade,nos quais, com base em conceituações diversas, articulam-se o individual eo social, consideramos importante enfatizar uma diferença que nos pareceessencial e que permite compreender por que constitui um erro assimilarVygotsky, de forma simplista, ao mainstream da psicologia da criatividade.É o fato de que, diferentemente das posições dominantes no campo dacriatividade, incluindo os enfoques sistêmicos, o indivíduo para Vygotsky éessencialmente social.

Assim, quando Vygotsky se refere ao indivíduo, já está pressupondoo social na sua constituição como expressão de sua tese da constituiçãocultural da psique humana. Para Vygotsky, o social está no indivíduo, nãoapenas fora dele. Em trabalhos anteriores, ao apresentar nossa concepçãode criatividade de uma perspectiva histórico-cultural da subjetividade,fundamentamos que o social na criatividade aparece em duas dimensões: a)como espaço de constituição da configuração dos recursos subjetivos quea fazem possível e, assim, indiretamente parte dela; b) como espaço socialonde o sujeito desenvolve sua ação e participa de múltiplas formas (MitjánsMartínez 2000 e 2004).

É importante salientar que a compreensão de Vygotsky da participaçãodo social na criatividade transcende o que seria apenas a participação docontexto imediato e, também, do histórico na criatividade. A consideraçãodo social como constitutivo do indivíduo, mesmo levando em conta a formaestreita pela qual ele compreende o social e o mecanicismo da interiorização,utilizado para a explicação do caráter cultural das funções psíquicas humanas,resulta num importante elemento diferenciador de sua concepção, quandocomparada aos enfoques dominantes. Além disso, sua concepção permite,tanto no plano teórico quanto no prático, reavaliar o papel quetradicionalmente se tem conferido à escola na criatividade.

Diferentemente da maioria dos autores, que consideram que a escola“poda” a criatividade, para Vygotsky, a escola teria um papel essencial nacriatividade, constituindo um importante espaço social de apropriação de

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sistemas simbólicos e de desenvolvimento dos processos psicológicosnecessários para a criatividade, como reconhece Ayman-Nolley (1992).Em trabalhos anteriores (Mitjáns Martínez 1997, 2000, 2004), temosfundamentado e desenvolvido essa ideia, que, como pode ser inferido, refere-se à concepção de criatividade amplamente aceita, na qual esta é definidapela significação social do produzido e não apenas como produção denovidade.

A inter-relação de criatividade e desenvolvimento

Além de conhecida tese sobre a gênese e o desenvolvimento dacriatividade na ontogênese, interessa-nos aqui salientar três ideias que podemser inferidas das reflexões de Vygotsky sobre a criatividade e que nosparecem promissoras para avançar na compreensão da criatividade de umaperspectiva histórico-cultural: 1) a ideia de que a criatividade é constitutivado processo de desenvolvimento e que responde às necessidades do próprioindivíduo em desenvolvimento, 2) a consideração dos processos deestruturação e reestruturação da personalidade como processos criativos, e3) a significação que tem a própria ação criativa no processo dedesenvolvimento.

A criatividade como constitutiva do desenvolvimento e comoexpressão das necessidades do indivíduo em desenvolvimento – Vygotskyassim expressa sua compreensão da atividade criadora na primeira dasacepções mencionadas, ou seja, como produção de novidade:

Se entendemos assim a criação, é fácil observar que os processosde criação se apreciam em toda sua intensidade desde a mais tenrainfância. Uma das questões mais importantes da psicologia e dapedagogia infantil é a que diz respeito à criação nas crianças: seudesenvolvimento e a importância do trabalho criador para aevolução geral e a maturidade. Desde a mais tenra infância,observamos processos de criação que são mais bem apreciadosna brincadeira infantil: a criança que imagina que vai a cavaloquando monta um pedaço de pau; a criança que se imagina mãe ao

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brincar com bonecas; outra que, na brincadeira, transforma-se embandido, soldado ou marinheiro. Todas essas crianças mostramexemplos da mais autêntica e verdadeira criação. Naturalmente,nas brincadeiras, reproduzem muito do que veem; todosconhecemos o grande papel que desempenha a imitação nasbrincadeiras das crianças; com muita freqüência, essas brincadeirassão só um eco daquilo que as crianças viram e escutaram dosadultos, no entanto, esses elementos da experiência anterior nuncase reproduzem na brincadeira de forma absolutamente igual àrealidade. A brincadeira da criança não é a simples lembrança dovivido, mas a transformação criadora das impressões vividas, acombinação e a organização dessas impressões para a formaçãode uma nova realidade, que responda às exigências e inclinaçõesda própria criança. (Vygotsky 1930/1987, p. 8)

E mais adiante, enfatiza:

Existe uma opinião muito difundida de que a criação é patrimôniodos eleitos e que só aquele que tem dotes, um talentoextraordinário, deve desenvolvê-la e pode considerar-se chamadoà criação. Essa situação não é correta, pelo que tentamos explicaranteriormente; se compreendemos a criação no seu sentidopsicológico verdadeiro, como a criação do novo, é fácil chegar àconclusão de que a criação é patrimônio de todos em maior oumenor grau e acompanha, de forma normal e constante, odesenvolvimento infantil. (Ibid., p. 32)

A ideia da criatividade como consubstancial ao processo dedesenvolvimento e como uma necessidade do sujeito em desenvolvimentoaparece com muita força na obra Fundamentos de defectologia. Nela, estãoagrupados os trabalhos de Vygotsky em um campo que foi essencial parasuas elaborações teóricas: o estudo e a educação das crianças deficientes.Seu trabalho investigativo e prático nessa direção foi extremamenteprodutivo, em especial para suas elaborações em relação ao desenvolvimentocultural da criança, à interfuncionalidade da consciência, à unidade docognitivo e do afetivo e à compreensão da personalidade. No entanto,Fundamentos de defectologia, até onde pudemos pesquisar, não é uma

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obra citada quando se faz referência à concepção de Vygotsky sobrecriatividade, embora nós a consideremos essencial para a compreensão dopapel que esse autor confere à criatividade no desenvolvimento. Nessa obra,a criatividade aparece estreitamente associada ao que ele considera formasalternativas do desenvolvimento.

Quando se refere ao desenvolvimento da criança com defeitos,Vygotsky defende a tese de que “a criança cujo desenvolvimento se temcomplicado por um defeito não é simplesmente menos desenvolvida queseus pares normais, é uma criança desenvolvida de outro modo” (Vygotsky1989, p. 3). É nesse sentido que utiliza a expressão formas criadoras dodesenvolvimento ou caráter criador do desenvolvimento.

Referindo-se ao conceito de compensação (tomado de Adler) paraexplicar processos de desenvolvimento nessas crianças, afirma:

Pode-se e deve-se não estar de acordo com Adler, quando eleatribui ao processo de compensação uma importância universalem qualquer desenvolvimento psíquico; porém, na atualidade,não há nenhum defectólogo que negue a importância de primeiraordem da reação da personalidade perante o defeito e os processosde compensação no desenvolvimento, isto é, do quadrosumamente complexo das influências positivas do defeito, dasvias indiretas do desenvolvimento, de seus complexos ziguezagues,do quadro que nós observamos em cada criança com defeito. Amais importante é que, junto com o defeito orgânico, estão dadasas forças, as tendências e os desejos de vencê-lo ou equilibrá-lo.Precisamente essas tendências em direção ao desenvolvimentoelevado não foram percebidas pela defectologia anterior. Noentanto, esses desejos conferem, justamente, a peculiaridade aodesenvolvimento da criança com defeito e dão origem às formascriadoras, infinitamente diversas e às vezes muito caprichosas dodesenvolvimento, iguais ou semelhantes às que observamos nodesenvolvimento típico da criança normal. (Ibid., p. 6)

E mais à frente:

Como qualquer processo de vencimento e de luta, a compensaçãopode ter também dois resultados: a vitória e a derrota, entre as

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quais se expressam todos os graus possíveis da transição de umpolo ao outro. O resultado depende de muitas causas, porém, nofundamental, do fundo de compensação. Entretanto, qualquer queseja o resultado esperado do processo de compensação sempre,e em todas as circunstâncias, o desenvolvimento complicado pelodefeito constitui um processo criador (orgânico e psicológico) deconstrução e reconstrução da personalidade da criança sobre abase da reorganização de todas as funções de adaptação, daformação de novos processos superestruturantes e equilibradores,originados pelo defeito e o aparecimento de novas vias de rodeiopara o desenvolvimento. (Ibid., p. 7)

A ênfase na novidade, no processo e não no produto, aspecto inerenteà compreensão da criatividade como produção de novidade, faz-se evidentequando defende a presença de processos criadores na criança com deficiênciamental. Nesse sentido, Vygotsky afirma:

O mais significativo é o caráter criador do desenvolvimento dacriança retrasada mental; a pedagogia antiga supunha que ascausas externas influíam de um modo automático no caráter dodesenvolvimento da criança retrasada mental. Resultou que aadição da palavra altissonante criador às pequenas conquistasdessa criança era incorreta. Na realidade, dominar as quatrooperações aritméticas, para o retardado mental débil, é umprocesso muito mais criador do que para a criança normal; para acriança retrasada mental, é uma dificuldade e simultaneamenteuma tarefa que requer o vencimento dos obstáculos. Dessa forma,o logro dos resultados que se obtém é o que apresenta um carátercriador. Pensamos que isso é o mais essencial no material sobre odesenvolvimento da criança retrasada mental. (Ibid., p. 11)

De fato, para Vygotsky, o próprio processo de desenvolvimento,quando assume determinadas características, é uma atividade criadora.

A consideração dos processos de estruturação e reestruturação dapersonalidade como processos criativos – É interessante apreciar como aconsideração da criatividade como produção de novidade e parte constitutiva

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do desenvolvimento é associada aos processos de estruturação ereestruturação da personalidade. Essa ideia já se expressava na citaçãoapresentada anteriormente, quando, ao explicar o processo de compensação,Vygotsky afirma que “o desenvolvimento complicado pelo defeito constituium processo criador (orgânico e psicológico) de construção e reconstruçãoda personalidade da criança”.

A ideia do caráter criador dos processos de reestruturação dapersonalidade é retomada quando ele analisa os processos de compensaçãodas crianças cegas. Referindo-se ao que considerava a via para acompensação psicológica da cegueira, afirma:

Esta ideia se resume em que a cegueira não é apenas a falta devisão (o defeito de um órgão particular), além disso, ela provocauma grande reorganização de todas as forças do organismo e dapersonalidade.A cegueira, na medida em que cria uma formação particular dapersonalidade, reanima novas forças, muda as direções normaisdas funções e, de uma forma criadora e orgânica, forma a psiqueda pessoa (...). (Ibid., p. 74)

A significação da ação criativa para o desenvolvimento – Essa ideiaaparece com clareza quando Vygotsky analisa a criatividade artística infantil.Esta, em todas as suas formas de expressão, é considerada por Vygotskyum elemento significativo para o desenvolvimento da criança. Ele se detémespecialmente na análise da criação literária, da criação teatral e do desenho.

Depois de uma detalhada análise da criação literária na idade escolar,resume:

Resta ainda fazer o resumo: a qualquer um que se aproxime dacriação literária infantil, coloca-se uma interrogação: qual o sentidodessa criação se não pode formar na criança o futuro escritor, ocriador, se é apenas um fenômeno breve, episódico no desenvol-vimento do adolescente, que depois se reduz e às vezes se perdecompletamente?O sentido e a importância dessa criação consistem em permitir àcriança dar esse passo difícil no desenvolvimento da imaginação

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criadora, o qual proporciona uma nova direção à fantasia que semantém para toda a vida. Seu sentido está em aprofundar, ampliare purificar a vida emocional da criança, estimular e condicionarpela primeira vez a idade adulta e, finalmente, sua importânciaradica em permitir à criança exercitar seus desejos de criação e seushábitos, dominar a linguagem, esse instrumento delicado e complexode formação e entrega do pensamento e sentimento humanos e domundo interior do homem. (Vygotsky 1930/1987, p. 59)

Ao resumir seus trabalhos em relação aos mecanismos da criaçãoinfantil e às particularidades das formas mais estudadas da criação na idadeescolar, conclui:

Como conclusão, é necessário sinalizar a extraordinária importânciaque tem o cultivo da criação na idade escolar. O homem conquistao futuro mediante a imaginação criadora, a orientação para oamanhã, a conduta que se apóia nesse futuro e parte dele constituia função principal da imaginação. Já que a orientação educativafundamental do trabalho pedagógico consiste na direção daconduta do escolar visando sua preparação para o futuro, odesenvolvimento e o exercício da imaginação constituem uma dasforças principais no processo de realização desse objetivo.A formação de uma personalidade criadora projetada ao futuro épreparada pela imaginação criadora encarnada no presente. (Ibid.,p. 76)

Esta última ideia relativa ao papel da criatividade no desenvolvimentojá tinha sido salientada por Moran e John-Steiner (2003), no mesmo sentidoem que temos feito aqui. Consideramos justo reconhecer que, dos trabalhosque tratam da concepção da criatividade em Vygotsky a que temos tidoacesso, o trabalho dessas autoras é aquele que, com maior profundidade eamplitude, tenta mostrar a concepção de criatividade em Vygotsky nocontexto mais geral de sua obra, apesar de não concordarmos com algumasde suas interpretações e, especialmente, com o que consideramos ser umatendência recorrente de assimilar algumas das reflexões de Vygotsky aomainstream da psicologia da criatividade.

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A possibilidade de novas alternativas na compreensão dacriatividade da perspectiva histórico-cultural

Concordamos em parte com Smolucha (1992a e b) quando afirmaque o importante não é se a teoria de Vygotsky é correta ou não, mas autilidade dos resultados das pesquisas estimuladas pela sua teoria e apossibilidade de explorar outras hipóteses. Também estamos de acordocom a avaliação de Moran e John-Steiner que, ao se referir às ideias deVygotsky sobre o tema da criatividade, afirmam que “seu trabalho, apesarde ser fragmentado, apresenta uma perspectiva desafiadora que tem sidoignorada tanto pelos teóricos da criatividade quanto pelos especialistas doenfoque histórico-cultural” (2003, p. 62).

Consideramos que a relevância de alguma das ideias de Vygotskypara o campo da criatividade está, essencialmente, nas perspectivas queabre para avançar na compreensão da sua complexidade e diversidade.Assim, é interessante explorar a consideração da criatividade como processode produção de novidade significativa para o próprio funcionamentosubjetivo e para o desenvolvimento do sujeito.

No capítulo de International handbook of creativity dedicado à análiseda psicologia soviética e russa, salientam-se como suas duas principaistrajetórias no campo da criatividade, por um lado, a busca dos mecanismospsicológicos e das condições ambientais objetivas do insight e, por outro, abusca dos determinantes externos e internos da produção criativa (Stepanovae Grigorenko 2006). Nesse trabalho, que supostamente constitui uma brevesistematização das principais direções de desenvolvimento das psicologiassoviética e russa na área da criatividade, não se faz nenhuma referência àsideias de Vygotsky sobre esse tema e, consequentemente, também nãoaparecem referidos trabalhos que retomem de forma criativa algumas dassuas ideias para novas compreensões da criatividade de uma perspectivahistórico-cultural. Independentemente das hipóteses que possamos elaborarna tentativa de explicar essa omissão, é evidente que a possibilidade deconstruir alternativas para a compreensão da criatividade, retomando algumasdas ideias de Vygotsky que temos salientado neste trabalho, tem sido umadireção de trabalho pouco explorada.

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Reconhece-se amplamente que a criatividade tem múltiplos níveis eformas de expressão. A caracterização aceita de dois tipos de criatividade,a criatividade em maiúscula e a criatividade em minúscula, constituemum exemplo disso. Em trabalhos anteriores, referimo-nos a criatividadesmais que à criatividade (Mitjáns Martínez 2000). De todas as formas,quando se utiliza o conceito, existe consenso em utilizá-lo para designarum processo que culmina em um produto que, de alguma forma, é novo etem algum tipo de valor (adequação, utilidade, pertinência etc.) reconhecidopor outros. No entanto, essa concepção dominante não tem sido a únicano campo dos estudos da criatividade. Já a psicologia humanista enfatizavaoutra dimensão da criatividade, a criatividade concebida como processosaudável de autoatualização (Maslow 1971/1982) ou de integração do self(Rogers 1961/1982).

Um importante desdobramento das ideias de Vygotsky é apossibilidade, da perspectiva histórico-cultural, de conceber também acriatividade em uma dimensão diferente da concepção dominante: concebê-la como processo de constituição e de reconstituição de configuraçõessubjetivas implicadas no desenvolvimento do sujeito e como forma defuncionamento do sujeito psicológico, caracterizada pela autonomia e pelasingularidade no enfrentamento das exigências pessoais e sociais peranteas quais está colocado. Essa forma de compreender a criatividade não negaoutras. Um desafio seria caracterizar suas articulações com elas, avançandoassim na compreensão das múltiplas dimensões da criatividade e de suasinter-relações.

Para nós, a criatividade é um construto heterogêneo,fundamentalmente pelas dimensões diversas para as quais aponta.Poderíamos nos perguntar se o construto criatividade, ao incluir tambémessa outra dimensão, não estaria, pela sua amplitude, perdendo valorheurístico. Até onde podemos prever, consideramos que não se corre esserisco, pois não se trata de um tipo de ampliação do conceito que implique aperda de delimitação de um campo; pelo contrário, a nova dimensão emfoco pode contribuir para a compreensão da complexidade do campodelimitado pelo conceito.

Do conjunto de ideias de Vygotsky acerca da criatividade analisadoaqui, quatro nos têm chamado a atenção pelo seu valor potencial para, da

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perspectiva histórico-cultural, conceitualizar e estudar a criatividade na novadimensão proposta:

• a criatividade como produção de novidade;

• a ênfase no processo e não no produto;

• a criatividade como parte consubstancial do desenvolvimento ecomo expressão das necessidades do próprio sujeito emdesenvolvimento;

• o papel da ação criativa no desenvolvimento.

A possibilidade de analisar a criatividade em uma dimensão diferentedaquela centrada no valor social do produto implica uma mudança de foco,de perspectiva e, nesse sentido, a transição de uma concepção instrumentalpara uma visão constitutiva e desenvolvimentista da criatividade. Estudaressa dimensão da criatividade com base nos desenvolvimentos atuais daperspectiva histórico-cultural, de nosso ponto de vista, permite:

• avançar na construção de uma representação mais integradora ecomplexa do psíquico em correspondência com o paradigma dacomplexidade e da teoria da subjetividade de uma perspectivahistórico-cultural. A criatividade nas suas diversas formas demanifestação não seria um processo a mais, mas formasespecíficas de expressão da subjetividade em diversos momentose contextos;

• avançar na compreensão de como a constituição subjetiva dosindivíduos e as reorganizações que nela se produzem podemcontribuir para explicar a criatividade entendida como produção,ou seja, sua dimensão instrumental. A razão pela qual, emcondições contextuais, históricas e relacionais semelhantes, unsindivíduos produzem de forma mais significativa que outros, sejanos referindo à criatividade em minúscula, seja nos referindo àcriatividade em maiúscula, não pode ser resolvido sem avançarna compreensão da criatividade nessa outra dimensão. Particular

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importância pode ter, nessa direção, o estudo dos sentidossubjetivos que se geram na ação criativa, no seu vínculo com osprocessos operacionais que a caracterizam, tentando compreendero subjetivo e o operacional na sua unidade;

• contribuir para a compreensão da complexidade dos processosde saúde e aprendizagem humanos, processos nos quais o carátercriativo da subjetividade parece ter particular relevância.

A releitura da obra de Vygotsky à luz das inquietações que emergiramnos nossos estudos no campo da criatividade, assim como o desenvolvimentoatual da teoria da subjetividade de uma perspectiva histórico-cultural(González Rey 1997, 2002, 2004, 2005, 2007a), permitem-nos formular ahipótese de que a criatividade pode ser caracterizada também como processode configuração e reconfiguração da subjetividade que se expressa nasformas singulares e autônomas da ação do sujeito5 nos contextossociorrelacionais nos quais está inserido. Assim, a formação de novossentidos subjetivos, que permitam ao sujeito formas mais diversificadas ecomplexas de atuação ante situações pessoalmente significativas, poderiaser considerada processos criativos. A criatividade se expressaria nasubjetividade pelo menos de duas maneiras: na configuração subjetiva, comoreestruturações desta, e também como uma das funções do sujeitopsicológico, caracterizada pela assunção, em diferentes níveis, de alternativasautônomas e singulares de ação no enfrentamento de situações pessoalmentesignificativas.

Nessa interpretação, não existe um valor conferido por outros,associado a um produto. Aqui, o verdadeiramente definidor é o processo denovidade, de mudança, assim como a significação para o funcionamentointegral da subjetividade. Essa possibilidade de constituição e reestruturaçãode configurações subjetivas e do exercício da função criativa do sujeitopode, de forma recursiva, “alimentar” o próprio processo de criatividade,

5. Utilizamos a categoria sujeito para nos referirmos “ao indivíduo concreto, portadorde personalidade que se caracteriza por ser atual, interativo, consciente, intencionale emocional”.

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como já aponta a pesquisa com estudantes universitários criativos realizadapor Amaral (2006), sob nossa orientação.

Investigar a criatividade na dimensão proposta, apesar dos desafiosmetodológicos que implica, pode resultar numa direção de trabalho importanteno momento atual de produção científica no campo da criatividade,caracterizado pela emergência de posições direcionadas a analisar o fenômenoem suas múltiplas determinações. Ir além das ideias germinais dos clássicose não simplesmente repeti-las constitui hoje um imperativo do fazer científico.Pensamos que aqui se abre um caminho que merece ser explorado.

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