da competência da justiça do trabalho para julgar indenização … · 2013-12-27 · resumo...

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Da Competência da justiça do Trabalho Para Julgar Indenização Oriunda De Acidente do Trabalho 1. INTRODUÇÃO. 2. DA JURISDIÇÃO E DA COMPETÊNCIA. 2.1 Introdução. 2.2 Da determinação da competência no Brasil. 2.3 A competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional 45/04. 3. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA JULGAMENTO DA INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO. 3.1 Do aspecto histórico da competência para julgamento da ação de indenização para acidente de trabalho no Brasil. 3.2 Do entendimento contrário à competência da Justiça do Trabalho para julgamento da indenização decorrente de acidente do trabalho. 3.3 Do entendimento favorável a competência da Justiça do Trabalho. 4. DO ENTENDIMENTO DO COLENDO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO ANTERIORMENTE À PACIFICAÇÃO PELO STF. 5. DO ATUAL ENTENDIMENTO DO STF SOBRE A COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO. 6. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ANEXO. RESUMO Sendo o trabalho um dos componentes mais importantes nas relações entre as classes e tendo sido o seu valor social alçado à condição de verdadeiro fundamento da República (art. 1º, inciso IV, da Constituição da República de 1988), não há como deixar de apontar que qualquer violação de suas regras haverá de ser analisado pelo órgão próprio criado pela Constituição para esse fim, sendo inquestionável a maior sensibilidade dos julgadores da Justiça do Trabalho para dirimir qualquer controvérsia a ela relacionada. É inaceitável que a Constituição tenha criado uma estrutura organizacional para solucionar controvérsias relativas à prestação do labor e que seja retirada desta estrutura, por equívocos de interpretação, a matéria de indenização oriunda de acidente do trabalho que está inter-relacionada com o descumprimento de normas legais que tratam da segurança, higiene e saúde dos

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Da Competência da justiça do Trabalho Para Julgar Indenização Oriunda

De Acidente do Trabalho

1. INTRODUÇÃO.

2. DA JURISDIÇÃO E DA COMPETÊNCIA.

2.1 Introdução.

2.2 Da determinação da competência no Brasil.

2.3 A competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional 45/04.

3. DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA JULGAMENTO DA INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO.

3.1 Do aspecto histórico da competência para julgamento da ação de indenização para acidente de trabalho no Brasil.

3.2 Do entendimento contrário à competência da Justiça do Trabalho para julgamento da indenização decorrente de acidente do trabalho.

3.3 Do entendimento favorável a competência da Justiça do Trabalho.

4. DO ENTENDIMENTO DO COLENDO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO ANTERIORMENTE À PACIFICAÇÃO PELO STF.

5. DO ATUAL ENTENDIMENTO DO STF SOBRE A COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO.

6. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS. ANEXO.

RESUMO

Sendo o trabalho um dos componentes mais importantes nas relações entre as classes e tendo sido o seu valor social alçado à condição de verdadeiro fundamento da República (art. 1º, inciso IV, da Constituição da República de 1988), não há como deixar de apontar que qualquer violação de suas regras haverá de ser analisado pelo órgão próprio criado pela Constituição para esse fim, sendo inquestionável a maior sensibilidade dos julgadores da Justiça do

Trabalho para dirimir qualquer controvérsia a ela relacionada. É inaceitável que a Constituição tenha criado uma estrutura organizacional para solucionar controvérsias relativas à prestação do labor e que seja retirada desta estrutura, por equívocos de interpretação, a matéria de indenização oriunda de acidente do trabalho que está inter-relacionada com o descumprimento de normas legais que tratam da segurança, higiene e saúde dos

trabalhadores. Não obstante as Constituições brasileiras anteriores a de 1988 terem afastado expressamente da Justiça do Trabalho a competência para julgar a indenização oriunda de acidente do trabalho, o que só ocorreu por fatores, pressões e “lobbys” externos, tem-se que com a Constituição da República de 1988, o constituinte originário brasileiro corrigiu uma distorção judiciária, o que foi confirmada pelo constituinte derivado, com a promulgação da Emenda Constitucional 45/04, bem como com a Colenda Suprema Corte Julgadora, no julgamento do conflito de competência 7204-1 de 26 de junho de 2005. Assim, é bem mais coerente para o ordenamento jurídico brasileiro a atribuição da competência para julgamento de indenização oriunda de acidente laboral à Justiça do Trabalho, que criou uma estrutura organizacional extremamente especializada para dirimir todos os conflitos relacionados ao trabalho pessoal prestado em favor de outrem.

1 INTRODUÇÃO

Sendo o trabalho um elemento componente de relevante importância nas relações interpessoais, que distinguem posições econômicas e sociais, haverá ele de ser protegido por uma estrutura organizacional própria e especializada que foi dotado de jurisdição com a Constituição Federal de 1946.

Desde então, a Justiça do Trabalho, órgão jurisdicional responsável para tutelar as relações jurídicas referentes ao trabalho no Brasil, tem desempenhado seu papel com afinco e presteza.

Entretanto, até a Constituição da República de 1988, por motivos de uma forte pressão exercida por uma elite organizada, um dos principais pontos relacionados ao trabalho – o acidente do trabalho e sua indenização – tinha sua solução pacificada por um órgão estranho à relação trabalhista, qual seja a Justiça comum estadual.

Deixava-se de reconhecer a verdadeira assertiva de que o acidente de trabalho advinha de descumprimentos de normas ligadas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores, para atribuir à Justiça estadual comum a competência para a solução da lide.

Ocorre que por interesses obscuros, deixava-se de atribuir ao verdadeiro órgão jurisdicional a competência para julgar a indenização por acidente do trabalho, deixando-se de observar a maior sensibilidade e especialização do Juiz do Trabalho para dirimir os conflitos resultantes do trabalho prestado por uma pessoa a outrem.

Neste contexto, o presente trabalho tem como objetivo demonstrar o equívoco de interpretação cometido por alguns tribunais da Federação, bem como por alguns estudiosos da matéria, desde a Constituição da República de 1988 até a recente decisão do STF, em 29.06.2005, que defendiam e atribuíam à Justiça comum estadual a competência para julgar a indenização oriunda de acidente do trabalho.

Procura-se demonstrar, assim, seja através da evolução histórica, seja através das diversas teses existentes, qual é o verdadeiro e legítimo órgão jurisdicional responsável para dirimir referida pretensão.

Neste ensejo, fora utilizada várias opiniões abalizadas de estudiosos do assunto, bem como decisões históricas de Tribunais para fundamentar, enriquecer e demonstrar de quem é verdadeiramente a competência para julgar a indenização oriunda do acidente de trabalho.

Portanto, o tema problema do presente trabalho é demonstrar que a Justiça do Trabalho desde a Constituição da República de 1988 sempre foi competente para julgar toda relação jurídica relacionada à indenização por acidente do trabalho, o que não era observado por muitos em razão de graves erros de interpretação.

2 DA JURISDIÇÃO E DA COMPETÊNCIA

2.1 Introdução

Na atualidade, o Estado para melhor atingir a sua finalidade e o seu objetivo, dividiu o seu poder em três, a saber: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário, sendo que a cada

Poder corresponde uma função estatal.

Para o desempenho do Poder Judiciário, cuja função corresponde a de compor os litígios, declarar e realizar o direito dá-se o nome de Jurisdição ( do latim juris dictio, que significa dizer o direito). Nas palavras do festejado Paulo Leal, “[...] Ter jurisdição é ter poder para declarar, mediante provocação do interessado e em caráter vinculante, o Direito a ser aplicado nas situações em que ocorrerem conflitos intersubjetivos de interesses da sociedade” (LEAL, 2005, p. 381).

Neste contexto, a jurisdição, como função estatal, como expressão do poder estatal soberano, a rigor não comporta divisões, possuindo natureza una e indivisível. A jurisdição é, em si mesma, tão una e indivisível quanto o próprio poder soberano.

Assim, a jurisdição enquanto poder estatal possui natureza una e indivisível, estando presa a todo o território nacional. No entanto, o exercício desse poder estatal é fracionado, sendo distribuídas suas atividades em diferentes órgãos que compõe a estrutura do Poder Judiciário. A este fracionamento do exercício do Poder Judiciário a doutrina denominou de competência.

Sendo inúmeros os processos que podem ser instaurados em decorrência dos conflitos interindividuais que surgem em um país e para um melhor desempenho de suas atividades, com a intenção de atingir com a presteza suas finalidades, a jurisdição foi dividida, teoricamente, em competências, sendo estas compreendidas, por conseqüência, como a medida da jurisdição.

Ante ao demonstrado, resta facilmente compreensível a necessidade de distribuição dos órgãos, sendo nesta ordem de idéias classificadas as competências.

Competência, portanto, é a medida da jurisdição. É a demarcação dos limites em que cada órgão pode atuar. Cada órgão só exerce a jurisdição dentro da medida em que lhe fixam as regras. Para vinculação desses limites, a doutrina costuma valer-se dos clássicos critérios de

fatos e matérias que a lei reputa como relevantes e suficientes.

Sendo a Constituição da República a lei maior, é ela quem, primordialmente, fixa esses limites, constituindo e instituindo aos vários órgão judiciários o exercício de sua atividade.

No entanto, é bom salientar-se, neste momento, que não obstante a Constituição da República de 1988 fixar primordialmente os limites de cada órgão, ela não o faz sozinha, atuando em

conjunto com a lei ordinária, obedecendo, naturalmente o princípio da hierarquia das normas.

No tópico a seguir demonstrar-se-á o critério jurídico positivo utilizado no Brasil para distribuição da competência.

2.2 Da determinação da competência no Brasil

No Brasil a competência é distribuída tanto pela Constituição da República quanto pelas leis ordinárias, podendo assim dizer que a competência é distribuída em diversos níveis.

Nas palavras do festejado e ilustre cientista do direito Humberto Theodoro Júnior “ Na Constituição Federal encontra-se o arcabouço de toda a estrutura do Poder Judiciário Nacional” (Theodoro Júnior, 2001, p.138).

É na Constituição da República que se encontram a fixação das atividades do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ), das Justiças Especiais (Eleitoral, Trabalhista e Militar), bem como da Justiça Federal. Respeitando essa hierarquia legal, a lei ordinária também distribui competência, porém em consonância com os limites traçados. Assim, pode-se citar a fixação da organização das justiças locais. Esta é feita por legislação ordinária, no entanto deve ser observada a regra básica fixada pela Lei Maior que é a da obrigatoriedade de apenas um Tribunal de Justiça.

Dessa observação, tem-se dados fundamentais e característicos dos quais a competência é

dividida no Brasil. À Justiça do Trabalho, compete resolver pretensões, oriundas das relações de trabalho; à Justiça Eleitoral, compete resolver matéria relacionada com eleições políticas; à Justiça Militar compete resolver litígios penais fundados no direito penal militar e na lei de Segurança Nacional. À Justiça Federal compete resolver litígios elencados no artigo 109 da Constituição da República de 1988, principalmente que envolvam interesses da União, entidades autárquicas ou empresas públicas federais que não sujeitam às Justiças Especiais. E por fim, à Justiça Estadual compete julgar os litígios não abrangidos pelas demais competências.

A basilada doutrina de Ada Pellegrini Grinover dispõe:

[...] para fazer essa distribuição, procede o legislador, certamente na experiência secular de que informa a doutrina, mediante três operações lógicas: a) constituição diferenciada de órgãos judiciários; b) elaboração da massa de causas em grupos ( levando em conta certas características da própria causa e do processo mediante o qual é ela apreciada pelo órgão judiciário); c) atribuição de cada um dos diversos grupos de causas ao órgão mais idôneo para conhecer destas, segundo uma política legislativa que teve em conta aqueles caracteres e os caracteres do próprio órgão ( CINTRA, 2000, p.230).

Neste intuito, toda causa trazida a exame judiciário apresenta necessariamente uma série de elementos essenciais que a identificam e diferenciam das demais.

No tópico abaixo, analisar-se-á elementos especiais que fixam a competência da Justiça do Trabalho após a emenda constitucional 45/04.

2.3 A competência da Justiça do Trabalho após a Emenda Constitucional 45/04

A Constituição da República de 1988, ao distribuir as competências do ordenamento jurídico pátrio, atribui à Justiça do Trabalho a função de resolver os conflitos entre os sujeitos da relação de emprego levando-se em conta os sujeitos da relação jurídica para fixação da competência. Vejamos, in verbis:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito pública externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas (BRASIL, 1988a).

Essa situação, de fixação da competência da Justiça do Trabalho segundo os sujeitos da relação jurídica, no caso empregado e empregador, sofreu profunda alteração com a Emenda Constitucional 45/04.

Agora, não se leva em conta somente os sujeitos da relação de emprego, mas pelo contrário, leva em consideração uma relação jurídica ontologicamente considerada, não importando, mais, quem são os atores do litígio, mas que esse litígio seja oriundo de uma relação de trabalho.

Pede-se, neste momento, a devida vênia para a transcrição do novel artigo 114 da CR/88 após a Emenda Constitucional 45/04, in verbis:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;

II as ações que envolvam exercício do direito de greve;

III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;

IV os conflitos de segurança, hábeas corpus e hábeas data, quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;

V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o;

VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;

VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;

VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no ar. 195, I, a e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;

IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. (BRASIL, 2004a)

Resta inegável a grande alteração trazida pela EC 45/04, não devendo a expressão “relação de trabalho” ser visualizada como eufemismo, uma redação meramente equivalente ao texto anterior.

A EC 45/04, ao suprimir as figuras do “empregador” e “trabalhador”, para fixação da competência da Justiça do Trabalho, alterou substancialmente o critério de atribuição da competência trabalhista, da perspectiva subjetiva para a objetiva, sendo que tal alteração, para o critério objetivo significou a assunção da competência para toda a relação decorrente da relação de trabalho, independente da figura subjetiva “empregador” “trabalhador”, decorrendo disso todos os acessórios.

Assim, com a EC 45/04, se elasteceu o espectro da competência da Justiça do Trabalho. A partir de sua entrada em vigor, ao Poder Judiciário foi atribuída não apenas o julgamento de demandas decorrentes do contrato de trabalho, mas todas as questões emergentes da relação de trabalho “latu sensu”, nascendo disso, a necessidade de nova definição do critério de determinação da competência da Justiça do Trabalho.

Na medida em que não mais se restringe à competência da Justiça do Trabalho ao contrato de emprego, assentou o Texto Constitucional a atuação da Justiça do Trabalho para todas as demandas em que houvesse uma relação jurídica de trabalho.

Dessa feita, após a EC 45/04, para a determinação da competência da Justiça do Trabalho, irrelevante se faz a análise somente dos sujeitos da relação de emprego, mas, pelo contrário, o elemento que define a competência laboral passa a ser a existência de uma relação de trabalho.

3 DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA JULGAMENTO DA INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO

3.1 Do aspecto histórico da competência para julgamento da ação de indenização para acidente de trabalho no Brasil

No Brasil, com a publicação da CLT, em 1943, a matéria referente a competência para julgar acidente de trabalho já se encontrava sedimentada no Decreto 24.637/34, que regulava expressamente o seguro de acidente do trabalho e excluía a responsabilidade civil do empregador, razões pelas quais o art. 643, §2º da CLT, que dispôs, in verbis:

Art. 643. Os dissídios oriundos das relações entre empregados e empregadores, bem como de trabalhadores avulsos e seus tomadores de serviços, em atividades reguladas na legislação social, serão dirimidos pela Justiça do Trabalho, de acordo com o presente título e na forma estabelecida pelo processo judiciário do trabalho.

§1º (...)

§2º As questões referentes a acidente do trabalho continuam sujeitas à justiça ordinária, na forma do Decreto n. 24.637, de 10 de julho de 1934 e legislação subseqüente (BRASIL, 1943).

Com o advento da Assembléia constituinte de 1946, mudanças começaram a ocorrer com a Justiça do Trabalho, passando esta a gozar de um maior prestígio com a jurisdicialização de suas decisões.

Neste contexto, com a Constituição Federal de 1946, a Justiça do Trabalho começava a despontar nacionalmente deixando de ser um órgão eminentemente administrativo, de

vinculação ao Poder Executivo, para se tornar um Órgão Jurisdicional, com competência especializada.

Ocorre, que além de jurisdicionalizar a Justiça do Trabalho, o projeto original da Assembléia Constituinte de 1946, atribuía-lhe competência para julgar as demandas relativas aos acidentes de trabalho, em decorrência dessa relação.

Entretanto, diante de um grande lobby exercido pelas companhias seguradoras privadas na época, foi apresentada uma emenda de número 2662 que definitivamente excluiu a competência da Justiça do Trabalho para julgar as ações decorrentes de acidente do trabalho.

Diante da forte pressão exercida frente à Constituinte, no intuito de atender “ aos interesses das companhias seguradoras privadas que temiam a benevolência dos órgãos da Justiça Trabalhista em favor do acidentado” (FERREIRA FILHO, 1983, p. 526) foi promulgada a Constituição Federal com o seu artigo 123, §1º, que definitivamente atribuía competência a justiça ordinária, in verbis:

Art. 123.Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores, e, as demais controvérsias oriundas de relações, do trabalho regidas por legislação especial.

§1º. Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são de competência da Justiça Ordinária (BRASIL, 1946).

Posteriormente, com a outorga da Constituição Federal de 1967 e com sua posterior Emenda

Constitucional de 1969, ficou expressamente mantida a competência da Justiça Comum Estadual para julgar as ações relacionadas à indenização por acidente de trabalho.

Neste sentido dispunha o artigo 134, §2º da Constituição Federal de 1967, in verbis:

Art 134 - Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre empregados e empregadores e as demais controvérsias oriundas de relações de trabalho regidas por lei especial.

§ 1 º - A lei especificará as hipóteses em que as decisões nos dissídios coletivos, poderão estabelecer normas e condições de trabalho.

§ 2 º - Os dissídios relativos a acidentes do trabalho são da competência da Justiça ordinária (BRASIL, 1967).

Na mesma linha de competência de outrora, a Emenda Constitucional de 1969, manteve na Justiça Comum a competência para julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho, in verbis:

Art. 142. (...)

§1º. (...)

§2º. Os litígios relativos a acidentes do trabalho são de competência da Justiça Ordinária dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, salvo exceções estabelecidas na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (BRASIL, 1969).

Durante esse período de 1946 em diante, não mais se discutia sobre a competência da Justiça Comum para julgar ações oriundas de acidente do trabalho, seja pela expressa previsão constitucional (Constituição Federal de 1946, artigo 123, §1º; Constituição Federal de 1967, artigo 134, §2º), seja pela pacífica jurisprudência sedimentada em Súmulas no Supremo Tribunal Federal (Súmula 235, de 16.12.1963 e Súmula 501, de 1969 ).

No entanto, com o restabelecimento da ordem democrática e com os novos rumos que o Brasil estava tomando, a Assembléia Constituinte de 1988 decidiu desfazer a grande ‘aberração’ jurídica do passado, oriundo de interesses de uma classe extremamente organizada, para atribuir competência à Justiça do Trabalho para julgar ações relacionadas a acidentes do trabalho.

Com a promulgação da Constituição da República de 1988, a situação se modificou completamente. A melhor interpretação do artigo 114, correspondente direto ao art. 134, §2º da Constituição Federal de 1967, já levava à conclusão de que a competência material da

Justiça do Trabalho alcançava as ações acidentárias marcadas pelo empregado contra seus empregadores.

Efetivamente, com a Constituição da República de 1988 novos rumos foram tomados ou na melhor doutrina:

a questão da competência mereceu tratamento diverso, que não pode ser ignorado. Em primeiro lugar, porque o artigo 114 não repetiu a ressalva acima registrada, não devendo o intérprete criar distinção onde a lei não distinguiu; em segundo, porque a indenização a cargo do empregador, proveniente do acidente do trabalho, foi incluída expressamente no rol dos direitos dos trabalhadores no art. 7º, XXVIII (OLIVEIRA, 2005, p. 151).

No mesmo sentido doutrinou Roland Hasson, in verbis:

a não reprodução de uma regra constante do ordenamento constitucional anterior, sem a ressalva de sua continuidade, é um ato de vontade do constituinte. Se é suprimida uma norma primitiva é evidente a sua intenção de permitir o que antes era vedado. Como visto, os elaboradores da Constituição de 1969 e o Constituinte de 1988 trataram de modo diverso a questão da competência da Justiça do Trabalho. A comparação entre ambas as Constituições evidencia que, na vigente, não foi repetido o dispositivo que retirava do âmbito da Justiça Especial a análise das lides acidentárias (HASSON, 2002, p. 145).

Como pode ser facilmente vislumbrado, de forma oposta à tradição das Constituições Federais passadas, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 deixou de reproduzir a regra expressa dos artigos 123 da CF/46 e 134, §2º da CF/67, para não mais destinar à Justiça Comum Estadual os litígios decorrentes do acidente do trabalho.

Posteriormente, 16 anos após a promulgação da CR/88, o constituinte derivado, depois de muito debate e longas discussões calorosas no Congresso Nacional, resolveu corrigir a distorção judiciária do passado, promulgando a Emenda Constitucional 45, em 08.12.2004.

Portanto, desde a promulgação da Constituição da República de 1988 e mais, ainda, com o advento da Emenda Constitucional 45/04, a competência acidentária decorrente da relação de trabalho e de emprego encontra-se sob o pálio da Justiça do Trabalho, corrigindo o constituinte uma distorção judiciária do passado, oriundo de um determinado setor elitista da sociedade.

3.2 Do entendimento contrário à competência da Justiça do Trabalho para julgamento da indenização decorrente de acidente do trabalho

Com a promulgação da Constituição da República de 1988 e com a nova ordem democrática nacional, um ponto determinado passou a ser discutido com veemência pelos Tribunais - a competência para julgamento de indenização decorrente de acidente de trabalho.

A Justiça Estadual Comum, baseada no artigo 109, inciso I, da CR/88 avocava para si a competência. Por sua vez a Justiça do Trabalho, com fundamento em sua competência especial suscitava para si a competência para julgamento dessa matéria.

Diante do impasse, neste tópico, aborda-se o ponto de vista dos defensores da Justiça Comum Estadual para conhecer e julgar a indenização decorrente do acidente do trabalho.

Inicialmente, apontava-se que o artigo 643, §2º da CLT previa expressamente a competência da Justiça Estadual Ordinária para julgar litígios referentes a acidentes de trabalho, estando este artigo em plena vigência ante a falta de revogação expressa da disposição que remete á Justiça Comum Estadual as ações acidentárias.

Dispunha-se que a Constituição da República em seu artigo 109, inciso I recepcionou esta parte do dispositivo celetista devendo ser ele aplicado por imperativo legal.

Argumenta-se, ainda, que as Súmulas 235 e 501 do Supremo Tribunal Federal são uníssonas em atribuir à Justiça Comum a competência para julgamento das causas oriundas de acidente do trabalho, incluindo a indenização reparatória.

Efetivamente dispõe a Súmula 235 do Supremo Tribunal Federal que “É competente para a ação de acidente do trabalho a Justiça Cível comum, inclusive em segunda instância, ainda que seja parte autarquia seguradora” (BRASIL, 1963).

No mesmo sentido expressa a Súmula 501 do STF, in verbis:

Compete à Justiça ordinária estadual o processo e o julgamento, em ambas as instâncias, das causas de acidente do trabalho, ainda que promovidas contra a União, suas autarquias, empresas públicas ou sociedades de economia mista (BRASIL, 1969).

Apontando-se, ainda, Súmulas dos Tribunais Superiores, tem-se a Súmula 15 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe: “Compete à Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho” (BRASIL, 1990).

Além do mencionado dispositivo celetista, bem como das citadas Súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, aponta-se, ainda, o artigo 109, inciso I da Constituição da República para afastar da Justiça do Trabalho a competência para julgamento da indenização por acidente do trabalho.

Aponta-se que o artigo 109, inciso I ao mencionar separadamente no mesmo inciso a “Justiça do Trabalho” e “acidente do trabalho”, o fez para evidenciar a falta de competência daquela para julgar ações referentes a esta.

Segundo os defensores dessa tese, mesmo após a EC 45/04, que consubstanciou a chamada reforma do Judiciário, o constituinte derivado deixou inalterados o inciso I do artigo 109 da Constituição da República de 1988.

Critica-se, que a EC 45/04 ao alterar o artigo 114 introduziu o inciso IX, com o seguinte teor, in verbis:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:

(...)

IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho na forma da lei (BRASIL, 2004b).

Não tendo os incisos I e VI mencionado expressamente as causas relativas ao infortúnio laboral, interpreta-se que a competência para julgar a indenização oriunda de acidente do trabalho encontra-se abrangida na categoria referente a “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho”, cuja atribuição à Justiça do Trabalho dependerá de regulamentação legal.

Assim, aponta-se que cabe a lei ordinária modificar ou revogar os dispositivos legais mencionados (art. 643 da CLT e art. 109, inciso I da Constituição da República de 1988), de forma a deixar expressa a competência da Justiça do Trabalho para as ações decorrentes de acidentes do trabalho (incluindo indenização).

Enquanto não editada tal regulamentação legal, permanece em vigor ditos dispositivos e, com eles, as Súmulas predominantes dos Tribunais Superiores que atribuem competência da Justiça Comum Estadual.

3.3 Do entendimento favorável a competência da Justiça do Trabalho

Ao iniciar a explanação deste ponto, deve-se salientar que o trabalho é o componente mais importante nas relações entre classes sociais, sendo elemento que distingue a posição social, econômica, bem como política de seus membros.

A Assembléia Constituinte sabedora disso, quando da elaboração da Constituição da República de 1988, estabeleceu como um dos seus fundamentos a valoração social do trabalho, sendo este protegido pelo sistema jurídico pátrio.

Sendo o valor social do trabalho alçado, efetivamente, à condição de verdadeiro fundamento da República (art. 1º, inciso IV da Constituição da República) tornou-se este eficaz e concreto, ao ponto de evitar a fragmentação que só iria conspirar contra a integridade do cumprimento das normas de tutela do trabalho humano.

Neste sentido, o artigo 114 da Constituição da República ao fixar a competência da Justiça do Trabalho, estabeleceu com exclusividade a competência para conciliar e julgar os feitos oriundos das relações de trabalho, não tendo nenhum outro poder melhor que a Justiça do Trabalho para conciliar e julgar os dissídios individuais ou coletivos envolvendo a relação de

trabalho, mormente a relação decorrente da relação de trabalho.

E o que vem a ser acidente do trabalho?

Acidente do trabalho, nas palavras da mais conceituada doutrina, é

o acontecimento casual e imprevisto que provoca dano, sob forma de lesão corporal, doença profissional ou perturbação funcional a emprego, pelo exercício de sua função na empresa, dentro ou fora do local e horário de trabalho, atingindo total ou parcialmente de forma

permanente ou transitória sua capacidade laborativa ou causando-lhe morte (PINTO, 2000, p. 37).

Ora, considerando que o Obreiro somente poderia, em tese, sofrer acidente de trabalho no exercício da sua profissão, ou seja, estando vinculado ao trabalho, não há como afastar a competência material da Justiça do Trabalho para julgar ação de reparação de dano físico, especialmente porque o direito à reparação por dano acidentário está inserido no próprio artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição da República, ao lado de todos os direitos oriundos da relação de emprego ou até de trabalho em que há necessidade de proteção. Não é plausível e nem mesmo técnico que o direito à reparação por acidente do trabalho esteja afastado da Justiça do Trabalho, que está constitucionalmente prevista para ser o órgão jurisdicional especializado para garantia de uma tutela adequada desses direitos.

Portanto, se o dano mantém uma relação direta de causa e efeito com a prestação do labor, de tal modo que a “causa petendi” do pedido de indenização repousa na qualidade jurídica apontada, não há como afastar a competência da Justiça do Trabalho para solucionar o entrave jurídico.

Saliente-se, neste momento, que a ação indenizatória por acidente de trabalho, ajuizada nos termos do artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição da República, não se confunde com a ação indenizatória prevista no artigo 109, inciso I do mesmo diploma legal. Este decorre das lides previdenciárias promovidas em desfavor do INSS, tendo estas ações, por objeto, prestações previdenciárias, figurando como sujeito passivo o órgão previdenciário. Já a ação indenizatória baseada no artigo 7º, inciso XXVIII da Constituição da República, tendo como pretensão a obtenção de uma reparação por dano sofrido advinda da conduta do Empregador, amolda-se plenamente no artigo 114 da CR/88.

Assim, sendo distinta a ação indenizatória ajuizada contra o INSS (artigo 109, inciso I da Constituição da República) e a ação indenizatória decorrente de acidente do trabalho (artigo 7º, inciso XXVIII da CR/88), bem como, considerando que o Obreiro somente poderia, em tese, sofrer acidente de trabalho no exercício da sua profissão, ou seja, estando vinculado contratualmente a um empregador, na há como afastar a competência material da Justiça do Trabalho para julgar ação de indenização por dano físico, decorrente dessa relação.

É, portanto, da Justiça do Trabalho o pleito de indenização material ou moral em face do

empregador, que tenho por dolo ou culpa, sido o responsável pelo evento e da Justiça Comum Estadual os pedidos de indenização em face de órgão previdenciário.

E nem se diga, ainda, que a reparação civil é uma matéria de natureza inequivocamente civil e que por corolário não deve ser aplicado na Justiça do Trabalho.

Dessa feita, há de ser aplicado o mesmo raciocínio que outrora era empreendido na interpretação do artigo 114 da Constituição da República. Para a determinação da competência da Justiça do Trabalho, irrelevante se faz a análise da natureza da matéria, se trabalhista, administrativa, civil ou mesmo do consumidor. O elemento que define a competência passa a ser a existência de uma relação de trabalho.

Neste sentido, pedimos a devida vênia para a transcrição de uma ementa oriunda do julgamento do Recurso Extraordinário 238.737 do Supremo Tribunal Federal que corrobora com a tese perfilhada, in verbis:

Justiça do Trabalho: competência: ação de reparação de danos decorrentes da imputação caluniosa irrogada ao trabalhador pelo empregador a pretexto de justa causa para a despedida e, assim, decorrente da relação de trabalho, não importando deva a controvérsia ser dirimida à luz do Direito Civil (BRASIL, 1999).

Além do brilhante acórdão relatado acima, deve ser mencionado, ainda, que o Supremo Tribunal Federal ao editar a recente Súmula 736, indubitavelmente consagrou o entendimento doutrinário que admitia a competência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar as

demandas em que se postula o pagamento de indenização por danos materiais e morais em virtude de acidente de trabalho sofrido pelo empregado no curso do contrato de trabalho, não deixando de reconhecer como verdadeira a assertiva de que o acidente de trabalho, gerador de responsabilidade civil está fundado em culpa ou dolo do empregador, como conseqüência de descumprimento de normas legais que tratam da segurança, higiene e saúde dos trabalhadores.

Dispõe, efetivamente, a Súmula 736 do STF que “Compete à Justiça do Trabalho julgar as ações que tenham como causa de pedir o descumprimento de normas trabalhistas relativas à segurança, higiene e saúde dos trabalhadores” (BRASIL, 2004).

Não pode, pois, deixar de ser observado que os acidentes ou as doenças ocupacionais quase sempre resultantes da não observância das normas regulamentares de segurança, higiene e saúde no ambiente de trabalho, devem ser julgadas pela Justiça do Trabalho, sendo inegável, a maior sensibilidade e especialização do Juiz do Trabalho para dirimir conflitos resultantes do

trabalho humano, pessoal, prestado a outrem. É inquestionável a maior familiaridade dos Juízes do Trabalho para julgar tal conflito.

Portanto, resta, mais uma vez evidenciada a competência da Justiça do Trabalho para julgamento da indenização decorrente de acidente do trabalho.

Outro ponto, que muito se utiliza e que era objeto de uma interpretação equivocada, refere-se à Súmula 15 do Superior Tribunal de Justiça.

Se analisada com cautela, verificar-se-á que a Súmula 15 não é clara, taxativa, o suficiente, não diferenciando as causas decorrentes de acidente do trabalho em que são partes o segurado e a autarquia federal.

Dispõe a suscinta Súmula 15 do Superior Tribunal de Justiça que “ Compete a Justiça Estadual processar e julgar os litígios decorrentes de acidente do trabalho” ( Brasil, 1990).

Para análise do alcance verdadeiro dessa súmula, necessário se faz a realização de uma pesquisa junto aos seus precedentes que claramente aponta a orientação dessa súmula às causas que diz respeito somente ao segurado e o órgão previdenciário, em razão de dúvidas surgidas na interpretação do artigo 109, inciso I da Constituição da República, em nada se relacionando com a causa decorrente da relação de trabalho.

Ratificando esse entendimento, neste momento, pede-se a devida vênia para a transcrição da culta doutrina de Valdir Florindo, in verbis:

Ademais, a menção à Súmula n. 15 do Tribunal Superior Justiça (...), sempre mencionada no estudo da presente questão, data vênia, representa um equívoco, pois esta se refere, exclusivamente, a responsabilidade civil objetiva do INSS, limitando-se, obviamente ao direito previdenciário postulado. A história revela que esta súmula foi editada, tendo em vista ações previdenciárias típicas decorrentes de acidente de trabalho, é dizer, aquelas propostas contra o Órgão Previdenciário. Importa dizer, que referida súmula originou-se do julgamento de inúmeros conflitos de competência (...), o que implica dizer que não estava em discussão a aplicabilidade do art. 114 do mesmo texto constitucional. Como se vê o alvo não eram as ações de acidente do trabalho propostas em face do Empregador. Portanto, a Súmula n.15 do STJ jamais poderia respaldar decisão contrária à ‘thesi’ de que o Judiciário Trabalhista é

competente para julgar a presente ação acidentária, estando presentes empregado e empregador ( FLORINDO, 2002, p. 205-251)

Portanto, quanto à Súmula 15 do STJ tem-se por evidente que se aplicava tão-somente a ações interpostas pelo segurado em face do INSS e não da ação proposta pelo empregado ou trabalhador contra o empregador, razões pelas quais resta refutada essa tese que atribui à Justiça Estadual uma competência que evidentemente é da Justiça do Trabalho.

Por fim, nenhuma razão assiste àqueles que defendem que a competência da Justiça do Trabalho para julgar indenização por acidente de trabalho depende de lei infraconstitucional específica nos termos do art. 114 da CR/88.

Ora, o inciso I, bem como o inciso VI, ambos do art. 114 da CR/88, são suficientes para atribuírem a competência à Justiça do Trabalho, não se podendo aceitar que por equívocos de interpretação esse critério seja levado para o inciso IX “outras controvérsias”, que claramente está vinculado a outras situações relacionadas ao mundo do trabalho subordinado, “ex exempli gratia” dos litígios entre sindicato de trabalhadores e empregadores, para cobrança de contribuições fixadas em CCT’s ou ACT’s, que nitidamente há necessidade de lei atribuindo competência à Justiça do Trabalho.

4 DO ENTENDIMENTO DO COLENDO TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO ANTERIORMENTE À

PACIFICAÇÃO PELO STF

A discussão sobre a competência para julgamento da indenização decorrente de acidente do trabalho apresentou posições divergentes entre as Turmas do Colendo Tribunal Superior do Trabalho.

Entendia como competência da Justiça do Trabalho para julgamento de dano moral e patrimonial decorrente de acidente do trabalho a Primeira, a Segunda, bem como a Terceira Turma. Entretanto, tanto a Quarta Turma, quanto a Quinta Turma, acompanhavam o entendimento arcaico e equivocado do Supremo Tribunal Federal, considerando a Justiça do Trabalho incompetente para resolver tais litígios.

Neste momento, pede-se a devida “venia” para a transcrição de verbetes oriundos da Primeira, Segunda e Terceira Turmas do Colendo TST, que atribuem a competência à Justiça do Trabalho, in verbis:

ACÓRDÃO

1ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO 1. [...]. 2. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO. DESPROVIMENTO. A Orientação Jurisprudencial nº 327 consigna que a Justiça do Trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes á indenização por dano moral, quando decorrente da relação de emprego. [...]

2.DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM RAZÃO DA MATÉRIA.

[...]

O v. acórdão regional entendeu pela competência da Justiça do Trabalho para apreciar danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho. Tal decisão encontra-se em perfeita harmonia com iterativa, notória e atual jurisprudência desta Casa, que, ao interpretar o art. 114 da Constituição Federal, editou a Orientação Jurisprudencial nº 327, consignando que a Justiça do Trabalho é competente para dirimir controvérsias referentes à indenização por dano moral, quando decorrente da relação de emprego.

[...]

De acordo com o disposto no art. 114 da Constituição Federal, se a controvérsia resultar de

litígio entre trabalhador e empregador, em decorrência da relação de emprego, emerge cristalina a competência desta Justiça Especializada para julgar os pedidos de indenização em decorrência de danos moral e material.

No caso, a lesão denunciada (danos morais e materiais advindos de acidente de trabalho)

decorreu da relação do contrato de trabalho estabelecido entre as partes, pelo que se reconhece a competência da Justiça do Trabalho.

[...]

Pelo exposto, nego provimento ao agravo de instrumento.

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento. (BRASIL, 2005a)

ACÓRDÃO

2ª Turma

RECURSO DE REVISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – DANOS MORAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO. O poder constituinte, atento, à dupla

possibilidade de reparação dos danos causados pelo infortúnio laboral, estabeleceu competências jurisdicionais específicas. Assim, compete à Justiça Comum processar e julgar as pretensões dirigidas contra o Estado, relativas ao seguro específico para o infortúnio laboral decorrente da teoria do risco social (responsabilidade objetiva), e estende-se à Justiça do Trabalho a competência para apreciar a pretensão de indenização reparatória dos danos morais dirigidas contra o empregador à luz da sua responsabilidade subjetiva, insculpida no art. 159 do Código Civil de 1916, ante a natureza eminentemente trabalhista do conflito. Recurso conhecido e desprovido.

[...]

ISTO POSTO

ACORDAM os Ministros da Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista, quanto ao tema incompetência da Justiça do Trabalho – danos morais decorrente de acidente de trabalho, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, negar-lhe provimento. Por unanimidade, não conhecer do recurso de revista quanto aos demais temas.(BRASIL, 2005b)

ACÓRDÃO

3ª TURMA

RECURSO DE REVISTA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ACIDENTE DE TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Nesta ação de indenização decorrente de acidente

de trabalho se postula verba de natureza trabalhista, que não se confunde com a de natureza previdenciária em relação a acidente de trabalho, cuja competência está prevista no art. 109, inciso I, da Constituição da República e no §2º do art. 643 da CLT. A matriz da competência da Justiça do Trabalho para a presente ação, consoante a Emenda Constitucional nº 45/2004, está no inciso I do artigo 114 da Constituição da República, pelo qual compete à Justiça do Trabalho “processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho”. Recurso de Revista provido.

[...]

ACORDAM os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho por unanimidade, conhecer do Recurso de Revista por violação do artigo 114 da Constituição da República e, no mérito, dar-lhe provimento para declarar a competência material da Justiça do Trabalho para julgar a presente ação em que a Reclamante postula indenização por dano moral decorrente de acidente de acidente de trabalho e determinar o retorno dos autos ao TRT de origem para que julgue o Recurso Ordinário da Reclamante, como entender de direito. (BRASIL, 2005c)

Interessante destacar, neste momento, que a posição adotada pelas Turmas são sempre unânimes, sem ressalva pessoal de qualquer ministro componente, o que já demonstrava a

harmonia no entendimento de que a competência era da Justiça do Trabalho para julgamento das demandas envolvendo reparações oriundas de fatos relacionados com a relação de trabalho.

Entretanto, assim não se entendia na Quarta, bem como na Quinta Turma do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, que avocando o ultrapassado entendimento do STF, apontava-se a Justiça Comum como competente para analisar a indenização oriunda de acidente do trabalho.

Pede-se “vênia” para transcrição dos verbetes oriundos das Quarta e Quinta Turmas, in verbis:

ACÓRDÃO

4ª Turma

DANO MORAL E MATERIAL PROVENIENTES DE INFORTÚNIOS DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DO JUDICIÁRIO DO TRABALHO. INTELIGÊNCIA DO ART. 7º, INCISO XXVIII, E DO ARTIGO 114, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO. PREVALÊNCIA DA JURISPRUDÊNCIA DO STF FAVORÁVEL À COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL. RESSALVA DE ENTENDIMENTO PESSOAL (BRASIL, 2005d).

ACÓRDÃO

5ª Turma

1. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 114 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Incompetência da Justiça do Trabalho para conhecer de pretensão de indenização por danos materiais e morais decorrentes de acidente do trabalho: a incompetência em relação ao principal (acidente do trabalho) induz incompetência para o acessório (dano decorrente de acidente do trabalho). Jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal. Recurso conhecido e provido.

[...]

ISTO POSTO

ACÓRDAM os Ministros da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por maioria, conhecer do recurso por violação do art. 114 da Constituição Federal, vencida a Exma. Juíza Convocada Rosita de Nazaré Sidrim Nassar, relatora, e, no mérito, à unanimidade, dar-lhe provimento para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho, declinando da competência para a Justiça Comum do Estado da Bahia. (BRASIL, 2005e)

De importância fundamental, neste momento, destacar-se a ressalva de entendimento pessoal do ministro Barros Levenhagem, bem como a discordância da Juíza Convocada Rosita de Nazaré Sidrim Nassar quanto a competência da Justiça Comum para julgamento de indenização oriunda do acidente de trabalho, demonstrando que havia divergência interna nessas Turmas, o que não ocorria nas outras três, que sempre eram unânimes.

Não obstante o ministro Barros Levanhagem relatar processos na Quarta Turma apontando a Justiça Comum como competente para analisar a indenização oriunda do acidente do trabalho, tem-se que este sempre em entendimento pessoal afirmou ser a Justiça do Trabalho competente para analisar demandas relacionadas a acidente do trabalho. Neste sentido, veja-se o brilhante aresto a seguir transcrito, in verbis:

DANOS MORAL E MATERIAL PROVENIENTES DE INFORTÚNIOS DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DO JUDICIÁRIO DO TRABALHO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 114, AMBOS DACONSTITUIÇÃO. PREVALÊNCIA DA JURISPRUDÊNCIA DO STF FAVORÁVEL À COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL. RESSALVA DE ENTENDIMENTO PESSOAL. As pretensões provenientes da moléstia profissional ou do acidente do trabalho reclamam proteções distintas, dedutíveis em ações igualmente distintas: uma de natureza nitidamente acidentária, em que é competente materialmente a Justiça Comum, a teor do artigo 109, inciso I, da Constituição c/c o artigo 129, inciso II, da Lei 8213/91; e a outra de conteúdo iminentemente trabalhista, consubstanciada na indenização reparatória dos danos material e moral, em que é excludente a competência desta Justiça. Não desautoriza a competência do Judiciário do Trabalho o alerta de o direito remontar pretensamente ao artigo 159 do Código Civil de 1916. Isso nem tanto pela evidência de ele reportar-se, na verdade, ao artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição, mas sobretudo pela constatação de a pretensão indenizatória provir não da culpa aquiliana mas da culpa contratual do empregador, extraída da não observância dos deveres contidos no artigo 157 da CLT. Frise-se ainda a impropriedade do artigo 109, inciso I, da Constituição, para enfrentamento da controvérsia sobre a competência material da Justiça do Trabalho. É que segundo ali consta não cabe à Justiça Federal Comum processar e julgar as ações de acidente do trabalho cuja competência o artigo 129, inciso II, da Lei 8213/91, cometeu à Justiça Comum. Quer isso dizer que o Judiciário do Trabalho não tem competência para as ações previdenciárias nem para as ações acidentárias, reparatórias dos multicitados danos moral e material provenientes de acidentes de trabalho ou moléstias profissionais, conforme se infere do confronto entre o artigo 7º, inciso XXVIII, e o artigo 114, ambos da Constituição. Em que pese tais considerações, o STF já consolidou a jurisprudência no sentido

de a competência material, para julgamento de indenização quer por dano material quer por dano moral, provenientes de infortúnios do trabalho, ser da Justiça dos Estados e do Distrito Federal e não da Justiça do Trabalho. Com ressalva de entendimento pessoal e atento ao princípio da disciplina judiciária, impõe-se o desprovimento do recurso para manter a decisão regional que entendera pela incompetência do Judiciário Trabalhista com base na jurisprudência do STF. Recurso conhecido e desprovido (BRASIL, 2004c).

Assim, não encontrava-se consenso entre as Turmas do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, bem como entre os componentes da Quarta e Quinta Turmas, sobre a competência para processar e julgar ações oriundas de acidentes do trabalho, prevalecendo, entretanto, sempre o bom senso para apontar a Justiça do Trabalho como órgão competente, o que restou pacificado no recentíssimo julgamento do plenário do Supremo Tribunal Federal, em 29.06.2005, que por unanimidade definiu a competência da Justiça do Trabalho para julgar ações indenizatórias decorrentes de acidente do trabalho.

5 DO ATUAL ENTENDIMENTO DO STF SOBRE A COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DE INDENIZAÇÃO DECORRENTE DE ACIDENTE DO TRABALHO

Matéria que vinha sendo tratada com relativa passividade no Supremo Tribunal Federal e que sofreu uma profunda reviravolta em junho de 2005, a competência para julgamento de indenização decorrente de acidente do trabalho finalmente foi delegada pela Colenda Corte Julgadora a quem de direito.

Não obstante a evolução jurisprudencial dos Tribunais Ordinários do país vir desde muito apontando a competência da Justiça do Trabalho para julgamento da indenização oriunda de acidente do trabalho, o Supremo Tribunal Federal, sempre se manteve incisivo em apontar à Justiça Comum Estadual essa competência, sempre ressalvando o entendimento dos Ministros Marco Aurélio e Carlos Ayres de Brito.

Até maio de 2005, o Colendo STF tinha como pacífica a competência da Justiça Comum Estadual, o que foi destacado no julgamento do Recurso Extraordinário 438.639, ficando vencido, como sempre, os Ministros Marco Aurélio e Carlos Brito. Assim, repita-se, até maio de 2005 a posição era de 9 Ministros favoráveis a competência da Justiça Comum e 2 Ministros favoráveis à competência da Justiça do Trabalho.

Entretanto, em uma reviravolta histórica e quando já se cogitava da criação de uma súmula vinculante para regularização da matéria, o Colendo STF, em sessão plenária, no dia 29 de junho de 2005, por unanimidade, modificou seu entendimento, atribuindo a Justiça do Trabalho a competência para julgamento da ação de indenização decorrentes de acidente do trabalho.

Essa espetacular reviravolta ocorreu no conflito negativo de competência 7.204-1, suscitado pelo Tribunal Superior do Trabalho em face do recentemente extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais, em que foi relator o ministro Carlos Ayres de Brito.

Nota-se, que o C. STF modificou o seu entendimento de 9 x 2 (nove votos contra dois) que atribuía a competência à Justiça Comum Estadual para a unanimidade, o que significa uma alteração estudada, analisada e que realmente demonstra ser fundamentada e correta a interpretação d’aqueles que apontavam, desde a promulgação da Constituição da República de 1988, a competência da Justiça do Trabalho para julgar esse tipo de litígio.

Neste momento, pede-se “vênia” para a transcrição de trechos relevantes do voto proferido no julgamento de 29.06.2005, que encontra-se integralmente disposto no anexo deste trabalho, in verbis:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA 7.204-1 MINAS GERAIS

[...]

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES DE BRITO (Relator).

Conforme visto, a questão que se põe neste conflito consiste em saber a quem compete processar e julgar as ações de reparação de danos morais e patrimoniais advindos do acidente do trabalho. Ações propostas pelo empregado em face de seu empregador, de sorte a provocar o seguinte questionamento: a competência é da Justiça comum estadual, segundo concluiu o órgão suscintante (TST), ou é da Justiça Obreira, como entendeu o suscitado (antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais)?.

9. Começo por responder que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal proclama a competência da Justiça trabalhista para o conhecimento das ações indenizatórias por danos morais decorrentes da relação de emprego. Pouco importando se a controvérsia comporta resolução à luz do Direito Comum, e não do Direito do Trabalho. Todavia, desse entendimento o STF vem excluindo as ações reparadoras de danos morais, fundadas em acidente do trabalho (ainda que movidas pelo empregado contra seu empregador), para incluí-las na competência da Justiça comum dos Estados. Isso por conta do inciso I do art. 109 da Constituição Republicana. Foi o que o Tribunal Pleno decidiu, por maioria de votos, quando do julgamento do RE 438.639, sessão do dia 09/03/2005, na qual fiquei vencido, como Relator, na companhia do eminente Ministro Marco Aurélio.

[...] É que, meu sentir, a norma que se colhe do inciso I do art. 109 da Lei das Leis não autoriza concluir que a Justiça comum estadual detém competência para apreciar as ações que o empregado propõe contra o seu empregador, pleiteando reparação por danos morais ou patrimoniais decorrentes de acidente do trabalho. É dizer: quanto mais reflito sobre a questão, mais me convenço de que a primeira parte do dispositivo constitucional determina mesmo que

compete aos juízes federais processar e julgar “ as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou

oponentes...”. Mas esta é apenas a regra geral, plasmada segundo o critério de distribuição de competência em razão da pessoa.

[...]

12. Outra, porém, é hipótese das ações reparadoras de danos oriundos de acidente do trabalho, quando ajuizadas pelo empregado contra o seu empregador. Não contra o INSS. É que, agora, não há interesse da União, nem de entidade autárquica ou de empresa pública federal, a menos, claro, que uma delas esteja na condição de empregadora. O interesse, reitere-se, apenas diz respeito ao empregado e seu empregador. [...]

13.Deveras, se a vontade objetiva do Magno Texto fosse excluir da competência da Justiça do Trabalho matéria ontologicamente afeita a ela, Justiça Obreira, certamente que o faria no

próprio âmbito do art. 114. Jamais no contexto do art. 109, versante, este último, sobre competência de uma outra categoria de juízes.

[...]

17. Em resumo, a relação de trabalho é a invariável matriz das controvérsias que se instauram entre trabalhadores e empregadores. Já a matéria genuinamente acidentária, voltada para o benefício previdenciário correspondente, é de ser discutida com o INSS, perante a Justiça comum dos Estados, por aplicação da norma residual que se extrai do inciso I do art. 109 da Carta de Outurbro.

18. Nesse rumo de idéias, renove-se a proposição de que a nova redação do art, 114 da Lex Máxima só veio aclarar, expletivamente, a interpretação aqui perfilhada. Pois a Justiça do Trabalho, que já era competente para conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, além de outras controvérsias decorrentes da relação trabalhista, agora é confirmativamente competente para processar e julgar as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho ( inciso VI do art. 114).

[...]

21. Por todo o exposto, e forte no art. 114 da Lei Maior (redações anterior e posterior à EC 45/04), concluo que não se pode excluir da competência da Justiça Laboral as ações de reparação de danos morais e patrimoniais decorrentes de acidente de trabalho, propostas pelo empregado contra o empregador. Menos ainda para incluí-las na competência da Justiça comum estadual, com base no art. 109, inciso I, da Carta de outubro (Brasil, 2005f).

Repisa-se, neste momento, que o voto encontra-se integralmente transcrito no apêndice deste trabalho.

Por tudo demonstrado, tem-se que o C. STF após anos de equívocos em seu entendimento, resolveu alterar e acompanhar o entendimento d’aqueles que há muito estudavam a matéria e sempre apontavam a Justiça do Trabalho como competente.

Com essa brilhante decisão, ganha-se o jurisdicionado, uma vez que terá um juízo com maior sensibilidade e especialização para dirimir conflitos resultantes da prestação de trabalho, bem como ganha o Poder Judiciário, que concentra-se na Justiça do Trabalho ações que até pouco tempo poderia ser reivindicada em dois órgãos diferentes, como o caso típico do trabalhador que prestava labor sem anotação na CTPS e que sofrendo acidente do trabalho, possivelmente ingressaria na Justiça do Trabalho para reconhecer seu vínculo empregatício e na Justiça Estadual para a ação acidentária, o que poderia gerar decisões antagônicas, provocando sérios prejuízos à credibilidade do Poder Judiciário.

6 CONCLUSÃO

Com o desfecho do presente trabalho, tem-se por inquestionável a atitude sensata e correta tanto do constituinte derivado brasileiro, quanto do Colendo Supremo que atribuiu a competência para julgamento de indenização por acidente de trabalho a quem de direito, ou seja, a Justiça do Trabalho. Felizmente operou-se a correção de uma distorção judiciária que atribuía sem qualquer coerência lógica a competência para a Justiça Comum.

Não havia como deixar de reconhecer, ainda que tardiamente, como verdadeira a assertiva de que o acidente de trabalho, gerador de responsabilidade civil, está inter-relacionado ao descumprimento de normas legais que tratam da segurança, higiene e saúde dos trabalhadores, o que por conseqüência atribui a competência à Justiça do Trabalho.

É inegável, como bem restou demonstrado, que a Justiça do Trabalho, pela sua especificidade possui uma maior sensibilidade para dirimir conflitos resultantes do trabalho humano, pessoal, prestado a outrem, tendo o Juízo do Trabalho uma maior familiaridade com a disciplina.

Inegável, também, é a situação de equilíbrio em que se encontra a Justiça do Trabalho que permite a absorção das novas demandas, desafogando os demais órgãos jurisdicionais, que desconsiderando algumas Justiças específicas, encontram-se em situação verdadeiramente caótica.

Portanto, não havia como permanecer o equívoco de interpretação que atribuía a Justiça estadual a competência para julgamento de uma matéria típica e legitimamente trabalhista.

Agora resta apenas à sociedade, sobretudo os próprios aplicadores do direito pugnar para que nenhuma interpretação inovadora e equivocada surja e determine ao retrocesso nessa conquista que é do ordenamento jurídico brasileiro, não deixando que subtraiam, ainda que parcialmente, matérias que o processo legislativo claramente evidenciou terem sido destinado à competência da Justiça do Trabalho.

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ANEXO

CONFLITO DE COMPETÊNCIA 7.204-1 MINAS GERAIS

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITO (Relator).

Trata-se de conflito negativo de competência, suscitado pelo Tribunal Superior do Trabalho em face do recentemente extinto Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais.

2. Por meio dele, conflito, discute

Enviado por Rosendo De Fátima Vieira Júnior

Advogado Trabalhista

Pós-Graduado Em Direito Social em 23/01/2008