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Curso de Pós-Graduação Lato Sensu de Direito Ambiental e Políticas Públicas Universidade Federal do Pará Módulo 1 Disciplina Ecologia Juarez Carlos Brito Pezzuti, NAEA/UFPA

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Curso de Pós-Graduação Lato Sensu de Direito Ambiental

e Políticas Públicas

Universidade Federal do Pará

Módulo 1

Disciplina Ecologia

Juarez Carlos Brito Pezzuti, NAEA/UFPA

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Apresentação da disciplina

Prezado(a) aluno(a),

Você está iniciando o Curso de Direito ambiental on-line com a disciplina Ecologia.

Esta disciplina encontra-se dividida nas seguintes Unidades Didáticas:

Unidade 1 – Introdução Apresenta as definições básicas da ecologia, e as ligações entre pesquisas básicas e aplicadas na área com questões mais abrangentes, ligadas a outras áreas do conhecimento, sobretudo sobre a biologia da conservação e o manejo de recursos naturais. Origens do pensamento evolutivo e ecológico e da seleção natural, de especiação e extinção. Unidade 2 – Ecologia de Populações Descreve os princípios básicos da ecologia de populações, incluindo distribuição, demografia, crescimento e os fatores reguladores do crescimento populacional. Unidade 3 – Nicho Ecológico Aborda o conceito de nicho ecológico e do papel dos diversos organismos dentro da comunidade. Unidade 4 – Ecologia de Comunidades Trata de definir Ecologia de comunidades, e de comunidade biológica, e das formas de interação entre indivíduos e entre populações. Unidade 5 – Ecologia de Ecossistemas Apresenta o histórico e desenvolvimento do conceito de ecossistemas, sua estrutura e funcionamento. Cadeias tróficas, fluxo de energia e ciclagem de nutrientes. Definição de diversidade biológica, índices de diversidade, causas de perda da diversidade biológica.

Você terá a oportunidade de pesquisar, analisar, discutir, dentro de cada nível, as

maneiras distintas de se estudar ecologia. Esperamos que, com os conhecimentos que

serão adquiridos e/ou atualizados nessa disciplina, você enriqueça a sua atuação

profissional dando-lhe um novo significado.

Bons estudos.

Juarez Carlos Brito Pezzuti

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO........................................................................................................................ 4

1.1 DEFINIÇÃO ........................................................................................................................... 4 1.2 NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO NA BIOLOGIA ............................................................................... 6 1.3 MODELOS EM ECOLOGIA ...................................................................................................... 7 1.4 O CONCEITO DE ESPÉCIE ...................................................................................................... 8 1.5 A ORIGEM DO PENSAMENTO EVOLUTIVO............................................................................... 9 1.6 OS PRINCÍPIOS DA GENÉTICA MENDELIANA BÁSICA ............................................................11

2. ECOLOGIA DE POPULAÇÕES...........................................................................................15

2.1. DEFINIÇÃO .........................................................................................................................15 2.2. DISTRIBUIÇÃO E CRESCIMENTO POPULACIONAL..................................................................16 2.3 REGULAÇÃO DAS POPULAÇÕES NATURAIS ...........................................................................21

3. NICHO ECOLÓGICO ...........................................................................................................22

3.1 DEFINIÇÃO ..........................................................................................................................22

PRIMEIRO BLOCO DE ATIVIDADES...................................................................................24

4. ECOLOGIA DE COMUNIDADES........................................................................................25

4.1 DEFINIÇÃO ..........................................................................................................................25 4.2 INTERAÇÕES ENTRE POPULAÇÕES ........................................................................................26

5. ECOLOGIA DE ECOSSISTEMAS: MAIS DO QUE A SOMA DAS PARTES? ................31

5.1 DEFINIÇÃO ..........................................................................................................................31 5.2 HISTÓRICO DO CONCEITO ....................................................................................................32 5.3 DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO ......................................................................................34 5.4 POPULARIZAÇÃO DO CONCEITO ...........................................................................................36 5.6 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DOS ECOSSISTEMAS ...........................................................40 5.6 CICLAGEM DE NUTRIENTES..................................................................................................43 5.7 DIVERSIDADE BIOLÓGICA....................................................................................................44

SEGUNDO BLOCO DE ATIVIDADES....................................................................................46

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA ........................................................................................47

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1. INTRODUÇÃO

Esta unidade possui como objetivo desenvolver o conhecimento dos

principais conceitos e elementos da Ecologia.

1.1 DEFINIÇÃO

Para muitos, o primeiro ecólogo, se é que podemos considerar a existência de um

pioneiro, foi o alemão Ernst Haeckel, que em 1869 estabelece um termo baseado em

radicais gregos:

Oikos – casa, lugar onde se vive

Logos – estudo

A tradução exata seria o estudo do local onde se vive. Vejamos outras definições

(Tabela 1) para entendermos melhor o que Haeckel procurou definir no final do século

dezenove.

Tabela 1 - Diferentes definições modernas do termo Ecologia

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Vale a pena aqui fazer uma pequena reflexão sobre o que existe em comum entre

estas definições mais atuais e os termos utilizados inicialmente. A conclusão, se

raciocinarmos sobre os indivíduos é que estamos, na ecologia, considerando as múltiplas

influências exercidas pelo meio sobre cada indivíduo.

As definições apresentadas pelo dicionário Websters e do Ecólogo Charles J. Krebs,

contudo, estão realçando uma característica importante da ecologia moderna, que é a

busca por padrões, por regras básicas que nos permitam compreender estes processos.

Fica implícito que estamos lidando com uma disciplina de cunho experimental, onde as

hipóteses sobre a existência e a intensidade dos fenômenos sugeridos devem ser testadas

de acordo com o método dito científico. Não sendo aqui nosso objetivo entrar em

definições sobre o método hipotético-dedutivo e sobre como devem ser formuladas e

testadas nossas hipóteses, passemos adiante.

Embora esteja claro que a Ecologia é, basicamente, um ramo da biologia,

solidamente embasada nas ciências naturais, ela adquire maioridade como uma nova

disciplina integradora, unindo processos físicos e biológicos, e servindo também como

ponte de ligação entre as ciências naturais e sociais.

A Ecologia é, portanto, interdisciplinar na sua origem, pois surgiu a partir da

necessidade de compreender as interações entre componentes do ecossistema. Na medida

em que as sociedades humanas, como parte da natureza, modificam cada vez mais o

ambiente, interferindo em todo o tipo de relações ecológicas existentes e também

estabelecendo novas relações, há necessidade de incorporar novos elementos

característicos da espécie dominante, incluindo o predomínio de comportamentos

culturalmente definidos e a sua extraordinária capacidade de transformar a paisagem,

interferindo em processos naturais.

Paradoxalmente, as nações industrializadas desvincularam, temporariamente, a

humanidade da natureza, através da exploração de combustíveis fósseis, produzidos pela

natureza, finitos e sendo esgotados. Entretanto, as leis da natureza não mudaram, apenas

suas feições, em função do aumento da capacidade humana de alterar o ambiente. Hoje,

problemas em escala mundial, como efeito estufa e aquecimento global e regionais, que

incluem desmatamento e poluição, não mais podem ser tratados de forma isolada, por

serem interdisciplinares, envolvendo questões ambientais, econômicas e sociais.

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1.2 NÍVEIS DE ORGANIZAÇÃO NA BIOLOGIA

Na Figura 1 estão enumerados, de cima para baixo e em ordem hierárquica, os

níveis de organização na biologia, estando indicados os que são passíveis de estudo pelos

ecólogos.

Figura 1 - Níveis de organização biológica e áreas de atuação da Ecologia

Dentro de cada nível, estudos ecológicos são executados de maneiras distintas. A

seguir (Tabela 2) damos alguns exemplos das abordagens mais comuns.

Tabela 2 - Estudos ecológicos desenvolvidos em distintos níveis de organização biológica

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1.3 MODELOS EM ECOLOGIA

Por definição, modelos são versões simplificadas do mundo real,e utilizados para

estabelecer previsões acerca de dos fenômenos.

O ecólogo, olhando para a paisagem, pode pensar em reduzi-la a uma qualidade

essencial (competição, mutualismo, restrições físicas, metabolismo etc.) e representa esta

qualidade em duas dimensões, usando palavras, gráficos e fórmulas matemáticas. Muitas

vezes o cientista acredita que sua representação da realidade é "objetiva" e a única que

uma pessoa racional poderia fazer. Contudo, cedo ou tarde ele aprende, por meio de sua

experiência pessoal ou pelo estudo da história da ciência, que sua representação é apenas

parcial e que está distorcida pelos filtros de sua cultura e de sua época. Assim, ele

considera as alternativas e tenta calcular a probabilidade de estar errado. Este processo é

formalizado na matemática da estatística inferencial. Em ciência, espera-se que o autor

esteja comunicando mais sobre a paisagem do que a respeito de si mesmo.

Os maiores erros no delineamento amostral resultam de não se levar em conta

conceitos básicos de lógica que muitos estudantes levariam, se sua atenção não tivesse sido

desviada pela matemática das estatísticas. Para não se incorrer neste tipo de erro,

Magnusson e Mourão (2003) sugerem várias etapas para o planejamento de uma pesquisa,

como um roteiro. Seguem as principais:

1. Você decidiu qual é o objeto de seu estudo? (variável dependente).

2. Sua variável dependente pode ser medida objetivamente e você perguntou a outros

pesquisadores se eles consideram sua medida "objetiva"?

3. Você consultou os outros membros de sua equipe de pesquisa para se certificar que

todos têm os mesmos propósitos?

4. Você esboçou um diagrama de fluxo que mostra quais variáveis influenciam a

variável dependente e as relações entre as variáveis independentes?

5. Todos os membros de sua equipe estão coletando dados na mesma escala e nos

mesmos lugares, de forma que seja possível integrar os dados ao final do estudo?

6. Você decidiu qual é o seu universo de interesse e todos os membros da equipe

concordam com isso?

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7. Você desenhou um mapa ou um diagrama conceitual que mostra onde/quando

suas amostras serão feitas em relação ao seu universo de interesse?

8. Você otimizou o tamanho, forma, orientação e distribuição de suas unidades

amostrais de tal forma que a variabilidade na variável dependente seja

principalmente devida às variáveis independentes que você está estudando?

9. Sua amostragem está na mesma escala que sua(s) questão(ões)?

10. Você decidiu se está interessado em efeitos diretos, indiretos ou em efeitos gerais?

11. Você decidiu se seus resultados serão usados para determinar se existe um efeito,

para determinar a magnitude do efeito nas condições presentes, ou se para

predizer o que acontecerá se as condições mudarem?

12. Você se sente confiante de que sua formação em estatística é suficiente para torná-

lo capaz de realizar todas as operações mencionadas acima?

13. Você consultou um estatístico mostrando-lhe seu delineamento experimental antes

do início da coleta de dados?

1.4 O CONCEITO DE ESPÉCIE

As espécies são as unidades fundamentais tanto da biologia quanto da ecologia. A

seguir (Tabela 3) são apresentadas definições de espécies retiradas, respectivamente, de

um dicionário, de um livro texto de ecologia e de um evolucionista.

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Tabela 3 - Definições de espécie biológica a partir de diferentes fontes (dicionário geral da língua portuguesa, livro texto de ecologia básica e livro texto de evolução)

Surge inevitavelmente, nesta etapa, uma pergunta da maior importância,

intimamente relacionada com as conseqüências das interações ecológicas: Como surgem as

espécies biológicas? É o que veremos a seguir.

1.5 ORIGEM DO PENSAMENTO EVOLUTIVO

Saltando arbitrariamente alguns degraus com o objetivo de tornar um pouco mais

breve esta introdução, passaremos diretamente para o trabalho de Charles Darwin, que na

verdade interagiu com vários naturalistas espalhados pelo globo para a construção de sua

teoria. No livro The Origin of Species, Darwin descreve, entre várias outras, suas

observações sobre um grupo de pássaros denominados tentilhões, nas ilhas Galápagos. Ele

percebeu que as diferentes formas de bicos destas espécies de ave eram adaptadas à

exploração de recursos específicos nas diferentes ilhas. Darwin concluiu que estas

variedades, espécies, eram descendentes de um ancestral comum. Segundo Darwin, o

mais capaz é aquele que deixa mais descendentes, perpetuando seu “sangue”, na

população, através do mecanismo de seleção natural. Tal fenômeno opera somente

mediante o êxito reprodutivo diferencial, e ocorre entre os indivíduos, ou seja, da relação

entre eles. Portanto, a unidade de seleção é o indivíduo. Na realidade, Darwin não partiu

somente do exemplo dos tentilhões, assim como não elaborou sozinho sua teoria da

seleção natural. Darwin contou com a ajuda de diversos colaboradores, naturalistas

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viajantes que, como ele, exploravam diferentes regiões selvagens do mundo. No Brasil,

colaboraram estreitamente com Darwin o Inglês Alfred Wallace e o alemão Fritz Muller.

Tendo estabelecido uma base teórica sobre o processo evolutivo, Darwin, no

entanto, superestimou a mutação como fonte de variação individual, pois na verdade na

sua época não se conheciam as regras precisas da herança genética e dos agentes

responsáveis pela variabilidade, a recombinação gênica, sobre a qual trataremos

brevemente logo a seguir. Embora seu trabalho tenha exercido um papel revolucionário

para a biologia, não esclarece como surgem as espécies.

Os pressupostos da teoria de Darwin são os seguintes:

1 – Todos os organismos descendem de ancestrais comuns

2 – O agente de modificação é a seleção natural que atua sobre a variação

individual

Na Tabela 4 estão apresentadas algumas definições de evolução. Percebemos que,

após Darwin, as definições estão considerando mudanças na carga genética das

populações.

Tabela 4 - Diferentes conceitos de evolução biológica Autor Ano Conceito

Darwin 1859 Processo pelo qual espécies se desenvolvem a partir de formas anteriores.

Dobzhansky 1941 Mudança na composição genética das populações, que reflete o processo evolutivo, desconsidera unidades taxonômicas ou níveis e desconsidera processos que direcionam a mudança.

Huxley 1941 Qualquer mudança que ocorra na constituição genética das unidades taxonômicas dos organismos, desde a formação de novas variedades ou subespécies até as tendências direcionais, verificadas ao longo de centenas de milhões de anos em grupos maiores.

Futuyma 1989 Mudança nas propriedades das populações que transcendem o período de vida de um único indivíduo. As mudanças evolutivas são aquelas herdadas via material genético, de uma geração para outra.

Ricklefs 1993 A mudança nos atributos hereditários dos organismos, através da substituição dos genótipos numa população.

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1.6 OS PRINCÍPIOS DA GENÉTICA MENDELIANA BÁSICA

Os mecanismos básicos da hereditariedade foram descritos pela primeira vez pelo

Monge austríaco Gregor Mendel, em 1866. Realizando experimentos de cruzamento com

ervilhas e analisando características distintas, ele descobriu que as características dos

organismos são condicionadas por pares de fatores, (por exemplo, o fator da cor das

ervilhas) nos indivíduos, e que, na formação dos gametas, estes pares se segregam. Este

fenômeno ficou conhecido como a Primeira Lei de Mendel. Mendel também estabeleceu,

analisando quantitativamente os resultados dos cruzamentos envolvendo várias outras

características (forma da casca da semente, tipo de inflorescência, altura da planta etc.), e

concluiu em seguida que os pares dos fatores segregavam-se independentemente uns dos

outros, na formação dos gametas. Ou seja, os pares de fatores para características

diferentes distribuem-se independentemente nos gametas, onde se recombinam ao acaso.

Esta descoberta será posteriormente conhecida como Lei da Segregação Independente, ou

Segunda Lei de Mendel.

Suas conclusões basearam-se, pioneiramente, em raciocínios matemáticos a partir

dos resultados dos seus experimentos. Embora os exemplos mencionados e inúmeros

outros corroborem estas Leis, posteriormente se descobriu que a segregação independente

pode não ocorrer, e pares de genes com segregação independente podem interagir na

determinação de uma característica. Este fenômeno é conhecido como interação genética.

O trabalho de Mendel, no entanto, permaneceu desconhecido até o início do Séc. XIX,

quando se descobriu que os fatores definidos por Mendel encontravam-se nos

cromossomos.

Nossa carga genética é definida como sendo nosso Genótipo, que representa a

soma total dos genes de um indivíduo, e apresenta-se em número par (2n). Cada uma das

nossas células apresenta este número par de cromossomos, pois se origina da

multiplicação do Zigoto, célula inicial resultante da fusão dos gametas maternos e

paternos, que apresentam número ímpar dos cromossomos (n). Sabemos, hoje, que

durante a formação dos gametas ocorre a recombinação do material genético de cada par

de cromossomos, e este processo é a base da variabilidade genética em cima da qual a

seleção natural vai atuar.

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Além desta variação que é herdada, o meio externo exerce forte influência sobre

cada indivíduo durante seu desenvolvimento ontogenético, acarretando na formação do

Fenótipo. Este último, portanto, é o produto das ações do meio (interações) sobre o

genótipo durante o desenvolvimento do indivíduo. Se determinado indivíduo (ou

fenótipo) específico deixa mais descendentes que outro/outros, com o passar do tempo

sua carga genética (genótipo) se tornará dominante.

Figura 2 - Interação entre o mecanismo de recombinação gênica (responsável pela variabilidade genética) e o meio ambiente, resultando na formação de indivíduos com características diferentes

Podemos concluir que a evolução é uma conseqüência direta dos processos

ecológicos, ou seja, das interações a partir das quais os organismos mais adaptados

predominam. O conceito de evolução é empregado erroneamente em diversos outros

contextos, como sinônimo de desenvolvimento ontogenético (desenvolvimento do

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indivíduo do nascimento até a fase adulta), com o mesmo significado de progresso ou de

avanço em direção a uma condição superior ou mais complexa. Freqüentemente nos

referimos também a uma pessoa ou mesmo à história de um povo ou de uma sociedade

desta mesma maneira. Não podemos, contudo, confundir tudo isso com evolução

biológica, que tem um significado preciso, como o exposto acima.

Alguns fenômenos evolutivos freqüentes e conspícuos valem uma breve menção

aqui. Através de um processo independente, vários táxons completamente distintos

desenvolveram asas e a capacidade de voar (insetos, aves e morcegos, por exemplo),

caracterizando o que denominamos de convergência evolutiva. O inverso ocorre quando

um ancestral comum dá origem a formas de vida distintas, por exemplo, os tatus

(fossoriais), os golfinhos (aquáticos) e os esquilos (arborícolas), no processo conhecido

como irradiação adaptativa.

Outro termo com o qual freqüentemente nos deparamos, sendo, portanto

importante estabelecermos sua definição, é o de extinção. Rickefs define o termo como o

desaparecimento de uma espécie (ou outro táxon) de uma região ou biota. Na verdade,

existe a necessidade de estabelecer exatamente a que estamos nos referindo. Quando nos

referimos ao desaparecimento completo de uma espécie de sua área de ocorrência, ou seja,

quando todos os indivíduos da mesma desaparecem, caracterizamos a extinção biológica.

É a esse fenômeno que estamos nos referindo quando afirmamos que determinada espécie

está ameaçada, e quando os órgãos competentes do governo (o IBAMA, por exemplo)

estabelecem a lista oficial de espécies brasileiras ameaçadas de extinção. Espécies

endêmicas, que são aquelas cuja distribuição é restrita a determinada região ou habitat,

são obviamente mais vulneráveis. Contudo, se uma espécie explorada intensamente, tem

sua ou suas populações reduzidas a tal ponto que a espécie deixa de exercer seu papel no

ambiente, considera-se que ocorreu extinção ecológica. A espécie não desaparece por

completo, mas restam tão poucos indivíduos que estes não mais são capazes de interagir

significativamente com a comunidade, deixando de exercer sua função dentro da mesma,

como polinizadores, dispersores de sementes ou predadores, que controlam populações

de herbívoros. Também ocorre nossa sociedade estar explorando (predando seria mais

adequado, se estamos de fato raciocinando que somos uma espécie dentro de um sistema

natural) até um limiar onde o reduzido número de indivíduos sobreviventes faz com que a

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atividade deixe de ser rentável economicamente, e o que se perde, de fato, é um recurso de

alto valor, mas não a espécie. Este fenômeno, que denominamos extinção econômica,

pode ser aplicado à exploração madeireira, caça ou pesca, sendo menos freqüente nesta

última, pois os estoques estão dispersos na coluna d’água e têm alta mobilidade. A

extinção local segue o mesmo princípio, mas neste caso uma população de terminada

espécie desaparece por completo. Em algumas áreas da amazônia ocidental, por exemplo,

Peres (1996) afirma que uma espécie de porco do mato, o queixada, (Taiassu pecari)

desapareceu por completo em função da caça praticada pelas populações locais, índios,

caboclos e colonos.

Portanto, devemos estar atentos ao contexto em que o termo é utilizado nas mais

diversas situações. Espécies de ampla distribuição geográfica em termos globais,

denominadas espécies cosmopolitas, como o atum ou mesmo uma das espécies de

tartaruga marinha, que navegam livremente cruzando oceanos, são muito menos

susceptíveis do que o sauim-de-coleira (Saguinus bicolor). Esta espécie é endêmica da

região onde se encontra a cidade de Manaus, e o avanço da cidade pelas periferias,

avançando pelo floresta que circunda a região metropolitana, de fato pode provocar a

eliminação completa do sauim, pois o mesmo não ocorre em outros lugares.

O objetivo de se estabelecer estas definições, mesmo que de forma tão suscinta, é

situar você dentro da Ecologia como ciência, como disciplina pertencente à Biologia, com

terminologia e conceitos característicos e com uma origem. Dentro desta perspectiva,

tentou-se também deixar clara a estreita relação com a teoria evolutiva e com os

mecanismos genéticos responsáveis pela variabilidade sobre a qual a seleção natural

(interações ecológicas) atua. Quem desejar uma explicação mais completa ou

aprofundamento deve procurar livros textos básicos de Ecologia, como os que estão

recomendados no final.

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2. ECOLOGIA DE POPULAÇÕES

Esta unidade possui o objetivo de discutir as noções básicas sobre a relação entre o

meio ambiente e as populações biológicas.

2.1. DEFINIÇÃO

Para um ecologista, uma população pode ser definida como sendo o conjunto de

indivíduos de determinada espécie em uma dada área. Já o geneticista, também

pragmático, define o termo como sendo um grupo de organismos (indivíduos) com

quantidade substancial de intercâmbio genético. Finalmente, o evolucionista estabelece

que este conjunto (uma população) é composto por indivíduos com alta probabilidade de

acasalamento entre si em comparação com outros conjuntos. É interessante perceber que

não existem contradições, pois ao contrário, as definições se corroboram parcialmente.

Definimos também População mendeliana como sendo um grupo de organismos com

quantidade substancial de intercâmbio genético. Algumas definições são encontradas na

Tabela 5.

Tabela 5 - Definições para população biológica

O que observamos na natureza, salvo raras exceções onde encontramos formas

extremas de endemismo, uma espécie nunca é composta por uma única população, mas

sim por conjuntos ou grupos mais ou menos distantes entre si. Uma população que é

dividida em subpopulações. entre as quais indivíduos migram com mais ou menos

regularidade, é também definida como uma meta-população (Exemplo na Figura 3).

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Figura 3 - Representação de uma meta-população, mostrando as interligações entre populações menores

2.2. DISTRIBUIÇÃO E CRESCIMENTO POPULACIONAL

Tanto no caso de subpopulações situadas em locais com características ambientais

distintas, como em populações com ampla distribuição geográfica, acontece dos

indivíduos que se encontram em condições distintas apresentarem diferenças. Por

exemplo, a onça-pintada (Panthera onça), encontrada nas três Américas, apresenta

distribuição de tamanho distinta dependendo da área. Ao sul, as populações pantaneiras

da onça são enormes, ultrapassando 120 kg. Na Amazônia, de maneira geral, os animais

apresentam pesos médios que ultrapassam os 100 kg, sendo, no entanto menores que os de

Mato Grosso. As do Hemisfério Norte, no outro extremo, são bem menores.

Estudos com populações de animais e de plantas são, tanto terminologicamente

quanto na prática, muito semelhantes aos realizados com populações humanas, recebendo,

portanto a mesma denominação, Demografia. Dentre os assuntos que podem ser

estudados, seguem abaixo algumas sugestões:

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Ciclo de vida Ontogenia Tempo de geração Longevidade Sobrevivência

Parâmetros populacionais

Distribuição Abundância / densidade Taxa de nascimento Taxa de natalidade Estrutura populacional (estrutura etária e razão sexual)

Dificilmente se faz um censo completo de populações selvagens. O mais comum é

os ecólogos realizarem estimativas a partir de amostragem. Por meio de métodos diversos,

que variam infinitamente em função do que se irá estudar, os pesquisadores procuram

estimar a abundância ou densidade da população objeto do estudo, procurando

simultaneamente conhecer sua distribuição.

É bom lembrar que distribuição se refere ao padrão de ocupação dos indivíduos

que compõem a população existente em determinado local, e não deve ser confundida

com a área de ocorrência da espécie. Uma espécie verdadeiramente cosmopolita é aquela

que ocorre em todas as regiões do mundo. Podemos tomar como exemplo a tartaruga de

couro (marinha), capaz de realizar migrações transoceânicas e de atingir latitudes

elevadas. No outro extremo, uma espécie endêmica tem uma área de ocorrência restrita,

podendo em casos extremos se resumir a uma única população ocupando certo local. É

isto que as torna vulneráveis do ponto de vista conservacionista, pois a eliminação

daquela população significa a extinção completa da espécie. Um exemplo clássico é o da

Canela-de-ema gigante (Velozia gigantea), planta adaptada ao clima de altitude e que

ocorre somente em um local com algumas centenas de metros quadrados na Serra do

Cipó, em Minas Gerais, não existindo em nenhum outro local do mundo.

A rigor, os parâmetros populacionais acima mencionados são calculados da mesma

maneira que em estudos de demografia humana. Da mesma forma, não há como obter

dados da população toda, e, portanto trabalha-se com amostragens. As amostras, para que

sejam mais representativas quanto possível, devem ser muito bem planejadas, como já

demonstramos acima. A diferença básica, e que complica a vida dos estudiosos de ecologia

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populacional, em comparação com geógrafos, sociólogos e antropólogos, é que o objeto de

estudo não colabora em nenhuma hipótese. Qualquer um envolvido em uma pesquisa de

demografia humana, seja qual for a natureza do estudo, não reclamaria das dificuldades

em aplicar questionários se comparasse seus problemas com os enfrentados pelos

ecólogos. O objeto de estudo não colabora nunca, muito pelo contrário. Normalmente os

animais fogem de quem se aproxima, num comportamento imediato de evitar uma

ameaça, um potencial predador. E na maioria dos casos, quando capturados, procuram se

defender de diferentes maneiras, com os elementos que dispõem (dentes, unhas, cauda,

venenos, odores repelentes ou irritantes, e daí por diante). As plantas, pelo menos, não

saem do lugar, mas freqüentemente ocorrem em locais inacessíveis, ou estão dispersas

pela floresta, juntamente com milhares de indivíduos de centenas de espécies diferentes,

tornando-se difíceis de serem encontradas. Podem ser bem pequenas ou enormes, com

suas folhas, flores e frutos inacessíveis a não ser para uma equipe que disponha de

equipamento para escalada e muita disposição para tal. Fora isso, do ponto de vista da

análise dos dados, dos cálculos e do que se quer saber sobre as populações, é

essencialmente a mesma coisa.

Em populações animais, na grande maioria dos casos, até mesmo a contagem

completa dos indivíduos de determinado local estabelecido como amostra é impossível, na

prática. Realiza-se, portanto, uma amostragem da população que queremos avaliar,

através de um procedimento de captura, marcação e soltura de indivíduos, e de posterior

recaptura. Matematicamente, estimamos o tamanho da população total com base na

proporção de indivíduos marcados e não-marcados durante a recaptura.

Existem hoje programas elaborados especificamente para a realização destes tipos

de cálculos, que na realidade são extremamente simples, obedecendo à seguinte fórmula:

N = nM/x, onde

N = tamanho da população

n = indivíduos amostrados

M = indivíduos marcados

x = indivíduos recapturados

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Conseguir calcular da forma mais precisa possível a densidade de uma população

que queremos estudar é uma tarefa essencial, sobretudo se o nosso interesse é saber qual a

tendência desta população, ou seja, se está estável, em declínio ou em crescimento.

Somente o monitoramento ao longo do tempo pode nos fornecer este tipo de informação.

As informações geradas são lançadas em um gráfico simples, de duas dimensões, em que a

variação no número de indivíduos é colocada no eixo vertical, e a variação no tempo no

eixo horizontal, formando assim uma curva de crescimento (Figura 4).

O crescimento de qualquer população depende das taxas de natalidade, de

mortalidade e de migração.

As populações de organismos, em condições naturais, mantêm-se estáveis, ou

obedecendo a ciclos onde existe alternância entre períodos de crescimento e declínio. Por

um lado, cada população apresenta um potencial reprodutivo (r), que constitui sua

capacidade de gerar descendentes. Por outro, existe um conjunto de fatores, como a oferta

de alimento e de abrigo, densidade de predadores e mudanças climáticas, que interagem.

Do contrário, sob condições ótimas, o potencial reprodutivo levaria a população de

qualquer organismo a um crescimento populacional exponencial, pois as taxas de

natalidade superam as de mortalidade. Esta capacidade de gerar descendentes é, por sua

vez, o resultado do balanço entre dois fatores básicos, a saber:

- o tempo de geração, ou o intervalo de tempo entre o nascimento até a idade

madura; e

- o tamanho da prole, o número médio de descendentes produzidos em cada

gestação.

Estes fatores estão, em grande parte, geneticamente determinados, tendendo a ser

fixos para cada organismo ou espécie, embora possam existir variações entre populações

de uma mesma espécie. Isto geralmente ocorre quando a distribuição é ampla e temos

populações adaptadas a diferentes condições ambientais, que tendem a variar

geograficamente. O potencial reprodutivo reflete o resultado da estratégia do organismo

sobre como a energia disponível vai ser utilizada para manutenção de suas atividades

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corpóreas, o que aumenta suas chances de sobrevivência, e no investimento na

reprodução, ou seja, na transmissão dos seus genes através das gerações.

Populações de animais e plantas em condições naturais não estão em constante

crescimento exponencial, pois diversos fatores estão agindo de forma integrada, como já

mencionamos, e como ficará mais bem ilustrado na seção seguinte, em que estudaremos

justamente as interações entre populações dentro de uma comunidade biológica. A este

conjunto de fatores denominamos resistência do meio. O ambiente apresenta, para cada

uma das populações que também o compõem, um limite de indivíduos que podem ser

mantidos com os recursos ali disponíveis. Este número de indivíduos que estaria,

teoricamente, saturando o ambiente, é determinado capacidade de suporte (K) deste

ambiente. Nestas condições, o crescimento populacional é nulo, e o potencial reprodutivo

é igual a zero. A taxa de reprodução (R0), tida como o número médio de descendentes

produzidos por cada indivíduo da população ao longo de sua vida, neste caso, é igual a

um.

Figura 4 - Curva de crescimento a partir da equação logística de Verhulst-Pearl

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2.3 REGULAÇÃO DAS POPULAÇÕES NATURAIS

Estes elementos são de suma importância para o manejo de populações de

organismos sujeitos a exploração direta, como acontece com inúmeras espécies de árvores

e de peixes, por exemplo. Se observarmos novamente a Figura 4, concluímos que o valor

de r, que é nossa medida real de crescimento, é máximo quando a população está bem

abaixo do número máximo de indivíduos que o ambiente pode manter. Portanto,

populações que são exploradas de forma criteriosa, com suas densidades populacionais

em certos níveis (1/2 K, de acordo com o modelo de Verhulst-Pearl mostrado no gráfico

anterior), apresentam os níveis mais altos de crescimento possíveis e, portanto, os maiores

níveis de reposição de indivíduos, produzindo assim um rendimento máximo

sustentável.

Claro que isto não é possível de se conseguir sem a cooperação mútua entre os

usuários do recurso, e é justamente esta incapacidade que leva ao esgotamento dos

estoques de populações que são alvo da exploração humana. São inúmeras as

dificuldades, que vão muito além do entendimento da ecologia populacional das espécies

que são economicamente importantes para a nossa sociedade. Se tomarmos como exemplo

extremo a pesca oceânica de peixes como o atum, a colaboração entre usuários envolve

nada menos do que os mais diversos atores (desde pescadores até consumidores) em

dezenas de países em diferentes continentes, não sendo exagero nenhum afirmarmos que

se trata de um problema global. As populações de atum, entretanto, apresentam

características que são fruto de um longo processo de adaptação que duraram milhões de

anos, independentemente das necessidades humanas atuais, e por isso é crucial

entendermos estes processos ecológicos e evolutivos para manejarmos adequadamente os

recursos naturais.

Finalizamos os elementos básicos que envolvem a relação de uma população e o

seu meio, sobretudo o componente abiótico deste último. Nas etapas seguintes, trataremos

primeiramente de contextualizar cada população dentro de um conjunto maior na qual as

diferentes populações desempenham papéis específicos, e das interações e dos efeitos

inter-relacionados entre populações distintas.

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3. NICHO ECOLÓGICO

Nesta sessão deixamos de tratar cada população de forma isolada, estabelecendo

um conceito a partir do qual enxergamos as populações como peças de um grande quebra-

cabeças multidimensional, com funções específicas.

3.1 DEFINIÇÃO

Para a palavra nicho, no dicionário Aurélio, constam as seguintes definições:

- Cavidade ou vão em parede ou muro para colocar estátua;

- Lugar afastado, retiro;

- (Ecologia) Modo peculiar a cada grupo de organismo de obter sua energia, dentro

do seu hábitat e de modo específico.

Esta última é uma definição precisa do conceito de nicho ecológico. Seguem ainda

os conceitos estabelecidos por dois ecólogos:

• Grinnell (1917)

“O papel funcional e a posição de um organismo na sua comunidade”

• Pianka (1982)

“A soma total das adaptações de um organismo”

“todas as maneiras com que dado organismo se adapta a determinado ambiente”

As incontáveis espécies de animais e plantas cumprem distintas funções no

complexo ecológico. O mesmo nicho funcional pode estar ocupado por espécies distintas

em diferentes regiões geográficas. Espécies cumprindo funções muito semelhantes em

diferentes ecossistemas são denominadas equivalentes ecológicos. É óbvio que é

praticamente impossível conhecer todos os fatores que atuam sobre determinado

organismo. O conceito é amplo, englobando praticamente todas as atribuições da espécie

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no ambiente: onde, à custa de quem ela se alimenta, como e onde encontra abrigo, como e

onde se reproduz, e daí por diante. Normalmente, resumimos nosso nicho nas dimensões

que consideramos mais importantes, a seguir:

1) Lugar – microhabitats utilizados

2) Alimento – presas, frutos, capim

3) Tempo – horário de atividade

Desta forma, podemos enxergar a comunidade como um quebra-cabeça tridimensional.

Entretanto, para complicar nossa vida, as peças se sobrepõem. A amplitude de nicho de

uma espécie é variável, e depende das interações a que a população da espécie que

estamos estudando está submetida. Em virtude disto, alguns autores distinguem o nicho

fundamental (ou potencial) do nicho realizado, que significa o papel funcional que a

população desempenha considerando-se suas interações com as outras populações. Este é

o gancho perfeito para abordarmos a ecologia de comunidades, nossa próxima unidade.

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PRIMEIRO BLOCO DE ATIVIDADES

Com base no que foi estudado até o momento, realize as atividades descritas a

seguir e, ao final, envie as respostas ao(a) seu(ua) tutor(a).

1) Os lobos são os animais mais aparentados com o cachorro doméstico. Explique porque

entre os primeiros existe relativamente pouca variação individual de tamanho, estrutura

corpórea e pêlo, ao passo que nos cães esta variação é tal que levou ao estabelecimento de

raças tão distintas uma das outras.

2) Analise a figura abaixo, que apresenta o potencial reprodutivo, e explique as diferenças

na susceptibilidade à caça predatória, dos animais listados.

3) Quais as possíveis conseqüências da sobreposição de nichos entre espécies que ocupam

uma mesma área?

Lembre-se que estudar a distância não significa estar sozinho(a). Procure sempre

que necessário a ajuda de colegas e do(a) seu(sua) tutor(a). A interação auxilia na melhoria

da compreensão dos assuntos estudados.

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4. ECOLOGIA DE COMUNIDADES

De agora em diante, passaremos a discutir o conjunto de populações existentes em

um dado ambiente, as relações que se estabelecem e seus papéis reguladores.

4.1 DEFINIÇÃO

Dando uma seqüência lógica ao texto, após investigarmos os principais tópicos da

ecologia de populações, trataremos a seguir de interações inter-específicas. Encurtando a

estória, a ecologia de comunidades está voltada para o estudo das interações ecológicas,

além de estudos que envolvem populações de uma única espécie. Entre as populações de

diferentes espécies que ocupam uma mesma área, estabelecem-se interações dos mais

variados tipos. A seguir constam algumas definições de comunidade biológica.

• Dicionário Aurélio

“Qualquer conjunto populacional considerado como um todo, em virtude de

aspectos geográficos, econômicos e/ou culturais comuns.”

“Conjunto de populações animais e vegetais em uma mesma área, formando um

todo integrado e uniforme; biocenose.”

• Begon (1990)

“O conjunto de espécies que ocorrem juntas no tempo e no espaço”

Dentro de uma comunidade biológica, ou biocenose, temos interações intra-

específicas e inter-específicas dos mais diversos tipos.

Evidentemente, cada ser vivo não evoluiu até chegar ao que é hoje de forma

isolada, e sim interagindo com o meio abiótico e com inúmeras outras populações. A

coevolução das comunidades biológicas como um todo envolve respostas evolutivas

recíprocas que incluem a maioria das formas de interação entre espécies. Muitos autores

utilizam o termo coevolução para explicar como uma característica de uma espécie A

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evolui em relação a uma característica de outra espécie B, e como esta característica B tem

influenciado naquela característica da espécie A. Esta definição requer especificidade (a

evolução de cada característica é influenciada pela evolução de outra), e reciprocidade

(ambas as características devem evoluir).

4.2 INTERAÇÕES ENTRE POPULAÇÕES

Para efeitos puramente didáticos, podemos classificar as relações ecológicas em

harmônicas ou desarmônicas. Nas primeiras, ambos os lados tiram proveito da interação.

No segundo caso, a interação prejudica a um ou a ambos. A seguir estão apresentados os

tipos de relações mais comuns (Tabela 6).

Tabela 6 - Tipos de relações entre populações diferentes A e B, e sua classificação conforme o favorecimento para um, outro, ou ambos Espécies A B Tipo de relação Competição - - desarmônica Predação + - desarmônica Parasitismo + - desarmônica Comensalismo + 0 Mutualismo + + harmônica Neutralismo 0 0 não há relação

A competição envolve disputa pelos mesmos recursos. Para que o fenômeno exista,

portanto, é condição que o recurso em questão seja fator limitante para os competidores. A

relação é intra-específica quando ocorre entre indivíduos de uma mesma espécie (e

população, já que os indivíduos estão disputando um mesmo recurso). A competição

intra-específica por recursos como alimento, abrigo e parceiros leva (em termos

evolutivos) freqüentemente ao estabelecimento de comportamento territorial na espécie

em questão. As famosas rinhas de galo, de cães e de canários, por exemplos, existem pelo

fato de que os machos destas espécies tendem a estabelecer uma relação hierárquica entre

os indivíduos de um grupo, onde os animais do topo da hierarquia são os primeiros a se

alimentarem, escolhem seus locais de descanso e as fêmeas para reprodução. O

desenvolvimento desta característica (hierarquização), como resultado do processo

evolutivo pelo qual estas espécies passaram, evita o desgaste de combates constantes entre

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os indivíduos, pois, dentro do grupo, rapidamente os dominantes se estabelecem, e o

restante se submete.

Podemos compreender com facilidade como funciona a competição inter-

específica a partir do conceito de nicho ecológico, trabalhado no tópico anterior. Se há

sobreposição de nicho ecológico, (dois animais que se alimentam das mesmas plantas, por

exemplo, o que é corriqueiro em diversos ambientes) estas espécies certamente vão

competir. A intensidade da interação depende do grau de semelhança do nicho ecológico e

da disponibilidade do recurso em questão. Se a sobreposição for completa, ou quase, pode

levar à eliminação de um dos competidores. Este fenômeno é denominado exclusão

competitiva. Quando a similaridade entre os nichos das espécies competidoras for parcial,

a coexistência é mais provável, mediante uma redução, de pelo menos uma das partes, da

sua eficácia biológica, e da “adequação” dos nichos.

A competição é um dos fatores mais importantes na regulação da densidade

populacional, e isto vale tanto para uma população específica quanto para um conjunto de

populações que utilizam um mesmo recurso, como o exemplo de animais herbívoros

anteriormente utilizado.

Ao contrário da competição, a Predação é unidirecional. Predadores são

organismos que utilizam outros organismos vivos para se alimentarem, eliminando-os. A

predação é, assim como a competição, fator importante na manutenção da densidade tanto

de presas como de predadores. A ação dos predadores tente a reduzir a densidade das

presas, mas raramente às levam à extinção. A baixa densidade de presas e,

conseqüentemente, da oferta de alimento para o predador, tende por sua vez a provocar a

redução na densidade dos predadores. Estando reduzida a população destes, as presas

tendem a se multiplicar em função da diminuição das taxas de predação. O quadro

seguinte provoca o fechamento de um ciclo: a recuperação do estoque de presas significa

alimento disponível novamente, acarretando a recuperação populacional dos predadores.

Novamente o número de predadores aumenta e o de presas diminui, e iniciamos mais um

ciclo. O estudo desenvolvido com populações de linces e lebres na região ártica desde

meados do Séc. XIX, baseado na quantidade de peles vendidas pelos caçadores constitui

um exemplo clássico de ciclo predador-presa.

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Predadores também são responsáveis pela manutenção da diversidade biológica.

Em costões rochosos de regiões de maré no litoral brasileiro, praias abrigadas e sem

batimento de ondas nos costões são cobertas por um mosaico de algas, crustáceos sésseis e

moluscos. A presença de caramujos marinhos (gastrópodes) predadores é fundamental

para a existência deste mosaico, pois em praias muito batidas, onde este organismo não

está presente, predominam unicamente mexilhões, que competem mais eficientemente

pelo espaço colonizando completamente o substrato. Experimentos de retirada dos

caramujos predadores destes mexilhões demonstram que, na sua ausência, estes últimos

voltam a dominar, excluindo os outros organismos sésseis.

O Parasitismo é uma relação semelhante à predação, onde a relação unidirecional

(favorável ao parasita e desfavorável ao hospedeiro) se prolonga, pois o parasita

“prudente” não elimina sua presa. Na realidade, quanto menos dano o parasita infligir ao

hospedeiro, melhor para si próprio. O ideal é que seus efeitos sobre sua fonte de recursos

sejam mínimos. Do contrário, se o indivíduo hospedeiro sucumbe ou fica demasiadamente

debilitado, o parasita fica momentaneamente vulnerável até que consiga parasitar outro

hospedeiro.

Assim como a competição e a predação, este fenômeno também exerce a função de

controle populacional, tanto de parasitas quanto de hospedeiros. O controle é recíproco,

da mesma forma do que na predação, e os ciclos parasita-hospedeiro semelhantes aos

anteriormente mencionados com predadores e presas. Segue um exemplo hipotético.

A proliferação de uma praga agrícola, por exemplo, nada mais é que uma

conseqüência da substituição de uma comunidade biológica diversificada por uma

plantação. Esta última nada mais é do que uma estupenda oferta não usual de alimento,

do ponto de vista dos organismos que podem se alimentar e viver daquela planta. Estes

então proliferam em função daquela ampla disponibilidade de recursos, tornando-se

pragas. Sob este ponto de vista, estamos na realidade observando um ecossistema

tentando retornar ao seu equilíbrio natural, em que os parasitas (ou pragas) agem como

agente regulador.

O entendimento deste tipo de relações ecológicas abriu espaço para uma série de

manipulações do ambiente com o intuito de corrigir, por sua vez, as perturbações

causadas pelo próprio homem. Controle biológico é exatamente isto: a utilização de

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predadores ou parasitas naturais para o controle de populações de organismos que se

tornaram pragas.

O Comensalismo é uma relação em que apenas uma das partes tem benefícios, não

provocando efeito algum sobre a outra. Um exemplo clássico é o de grandes tubarões e

uma espécie de peixe conhecida como rêmora, ou peixe-piloto. A rêmora apresenta um

apressório (estrutura de fixação em uma superfície) dorsal, e fica colada na região ventral

dos tubarões. Com isso, desloca-se sem desgaste de energia, literalmente de carona.

Muitas vezes a diferença entre parasitismo e comensalismo não é tão palpável, havendo

necessidade de uma análise ou observação acurada para detectarmos isso. Plantas que se

fixam em outras podem ser autênticos parasitas, desenvolvendo raízes que penetram no

sistema vascular do hospedeiro (cipó-chumbo, por exemplo). Outras, como as bromélias e

as orquídeas, se fixam no tronco de grandes árvores para conseguir mais luz para sua

atividade fotossintética.

O Mutualismo envolve uma relação de cooperação extrema, onde ambas as partes

obtêm benefícios com a associação. Os cupins, consumidores de madeira, não são capazes

de digerir a celulose. Quem faz isso são organismos unicelulares, protozoários, que vivem

no intestino do cupim. Ambos se beneficiam, pois os primeiros estão protegidos no ventre

dos últimos, recebendo o alimento ingerido pelo cupim, e o segundo acaba absorvendo

produtos solúveis da digestão desta celulose. O mutualismo, assim como as demais

relações ecológicas anteriormente discutidas, é produto de um processo coevolutivo onde

se estabeleceu uma relação de forte dependência entre as partes. Relações específicas entre

insetos e aves polinizadoras são bons exemplos, e incluem adaptações morfológicas. Tanto

as plantas quanto as aves sofreram modificações que levaram a uma otimização dos

benefícios para ambos, maximizando tanto a obtenção de néctar, pelos animais, quanto à

transferência de pólen de uma planta para outra, pelas plantas.

Estas categorias de interação não são estáticas ou imutáveis. Pelo contrário, assim

como as populações que compõem cada espécies estão sujeitas a pressões evolutivas, as

interações ecológicas entre populações também estão sujeitas a modificações ao longo do

tempo. Por tanto, também evoluem. Tomemos como exemplo a relação de cooperação

entre formigas astecas e as acácias, na qual as formigas obtêm alimento a partir de

glândulas secretoras de soluções açucaradas que se encontram fora das flores, os nectários

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extraflorais. Em “contrapartida”, as astecas protegem a acácia de quaisquer outros

animais e de plantas trepadeiras. Podemos facilmente visualizar um outro tipo de relação,

desarmônica, a partir do qual esta interação evoluiu até a condição atual.

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5. ECOLOGIA DE ECOSSISTEMAS: MAIS DO QUE A SOMA DAS PARTES?

Esta última unidade tem como objetivo estabelecer uma visão do conjunto

composto pelos elementos tratados anteriormente, e das características auto-reguladoras

que ainda não forma abordadas.

Após a apresentação de algumas definições, abordaremos um breve histórico e o

desenvolvimento do conceito de ecossistema.

5.1 DEFINIÇÃO

Este último tópico está deliberadamente mais detalhado, por ser, talvez, o mais

relevante para o público-alvo do texto. Seguem algumas definições de Ecossistema.

Clements:

“Unidade discreta com fronteiras nítidas e uma organização única”

Gleason:

“Uma associação fortuita de organismos cujas adaptações os capacitam a viver

juntos sob condições físicas e biológicas particulares que caracterizam um determinado

lugar”

Rickefs:

“Todas as partes que interagem dos mundos físicos e biológicos”

Amabis:

“Conjunto formado pela comunidade e as condições ambientais”

A ecologia de ecossistemas pode também ser considerada como a investigação as

propriedades emergentes e de características inerentes às comunidades que não podem ser

analisadas a partir de seus componentes de forma isolada. Estão ausentes no nível

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hierárquico anterior, e envolvem a combinação dos componentes formando sistemas

funcionais maiores. Suas características são imprevisíveis pela análise dos componentes

analisados isoladamente. Em suma, não podem ser reduzidas à soma das partes.

5.2 HISTÓRICO DO CONCEITO

Arthur Tansley (1935) no artigo The use and abuse of vegetational concepts and terms,

estabelece pela primeira vez o conceito:

“A questão fundamental é que todo o sistema, incluindo não

somente o complexo orgânico, mas também os fatores

físicos, formam o ambiente do bioma. Estes ecossistemas,

como podemos chamá-los, são dos mais variados tipos e

tamanhos, desde o universo até o átomo.”

Assim, o autor contextualiza o ecossistema como:

1) um elemento dentro de um sistema hierárquico (do Universo ao átomo);

2) o sistema básico da ecologia (onde ocorrem as interações ecológicas);

3) composto pelo complexo de organismos e pelo complexo físico e ambiental.

Antes, contudo, o ecologista Frederic Clements abordou filosoficamente o conceito

da comunidade biótica como um único organismo complexo. John Phillips (1931), com

uma abordagem semelhante, argumentou que os ecólogos deveriam considerar as plantas

e os animais como membros desta comunidade, enfatizando, como zoólogo, o papel dos

animais na organização da estrutura das comunidades.

“... comunidades não são meras somatórias de organismos

individuais, e sim o todo integrado, com características emergentes

(Phillips 1935).”

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Frederic Clements estabelece também a definição de Bioma, referindo-se a

associações amplas de animais ou plantas, numa escala regional, como florestas tropicais,

cerrados, etc.

Em trabalhos posteriores, Phillips preocupou-se com outros conceitos relacionados,

como sucessão, desenvolvimento, clímax, e o “organismo complexo”. Sobre este último,

ele já chamava atenção para o papel de cada forma de vida dentro desta entidade

orgânica, a comunidade biológica. Estes trabalhos foram importantes, pois na época os

ecólogos (ou naturalistas) ainda apresentavam uma tendência a restringir suas atenções

para plantas ou animais, exclusivamente. Partindo da definição de Clements, Phillips

considerou que a sucessão ecológica, resultado das interações bióticas no ambiente, era

uma convergência na direção de um ponto final, o Clímax da comunidade, e representava

o processo de desenvolvimento do organismo complexo.

O artigo de Tansley, na verdade, foi uma resposta, pois embora ele tenha aceitado

algumas das interpretações de Clements sobre padrões de vegetação, ele se distancia da

conceituação de comunidade como um organismo complexo em desenvolvimento baseado

na sucessão ecológica. Seu artigo mantém a conexão da ecologia com a ciência mecanicista

e reducionista, dentro da biologia. Conceitua formação como a vegetação regional que

representa o clima, compondo o ecossistema juntamente com o solo e os organismos. Seu

conceito de ecossistema é físico, baseado no próprio conceito de equilíbrio dinâmico,

enfatizando as interações entre componentes físico-químicos e biológicos.

Professor da Universidade de Viena, Anton Kerner (1863) se preocupou com a

razão pela qual os organismos se organizavam em comunidades:

“As espécies pelas quais uma comunidade é composta podem pertencer a

diferentes grupos naturais de plantas. A razão para viverem juntas não está na origem

comum, mas sim na natureza do habitat. Convivem não por afinidade entre si, mas pelo

fato de apresentarem as mesmas necessidades vitais”

Na época de Kerner, investigações ecológicas eram puramente observacionais, em

que o investigador andava pela natureza e observava a presença, ausência e abundância

dos organismos e interpretava estes padrões.

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5.3 DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO

No final do século XIX, entretanto, os ecólogos começaram a incorporar

metodologias quantitativas nas suas investigações, como por exemplo, os estudos de

Clements e Pound, que empregaram quadrados de cinco metros de lado como parcelas

para calcular freqüência e abundância de espécies vegetais nas suas áreas de estudo em

Nebraska. O objetivo era entender os padrões de distribuição das plantas e das formações

vegetacionais.

Existe um debate entre materialismo e idealismo, especialmente ativo nas ciências e

na filosofia no século XIX. O argumento materialista é de que todos os fenômenos são

materiais e, portanto, ao menos potencialmente, passíveis de serem compreendidos pela

aplicação de métodos científicos. O próprio Ernst Haeckel, que é quem apresenta uma das

primeiras definições do conceito de ecologia, era um dos adeptos da visão materialista.

Haeckel, defensor da teoria darwinista, se opunha as quaisquer crenças ou teorias

espirituais. A visão idealista, religiosa ou não, considerava que existem fenômenos

imateriais e que não podiam ser explicados pela ciência. Devemos ter em mente que o

idealismo tinha naturalmente boa aceitação numa época onde pouco se conhecia, e em que

certos fenômenos estavam além de capacidade analítica dos métodos científicos daquele

período. Os conceitos de Organismo Complexo e de Superorganismo, não podendo ser

investigados com métodos ecológicos tradicionais, eram, portanto, contestados por

Tansley e outros.

Sobre o embate entre o Reducionismo e o Holismo, o primeiro parte do princípio

de que a natureza de determinado fenômeno pode ser compreendida pela divisão

(redução) e análise de suas partes, o que levará os mecanismos do fenômeno. O problema

é reestruturar as partes e uni-las.

O Holismo tem outra abordagem. O materialista holista está preocupado em como

as partes estão organizadas para criar o Todo; nas regras utilizadas para juntá-las em

Todos funcionais. Desta forma, o cientista holista não nega o valor do reducionismo, mas

acrescenta que é essencial entender essas regras.

O balanço entre estas vertentes é desequilibrado. Primeiro, porque o reducionismo

aparentemente não tem fim, no sentido de que o pesquisador se aprofunda no seu objeto

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de interesse, como se estivesse cavando um buraco, inclusive se afastando da síntese e do

ponto de partida da sua pesquisa. Conseqüentemente, o reducionista é intolerante em

relação ao holista, pois na medida em que avança na sua investigação, se distancia do

ecologista que se preocupa com questões mais abrangentes. Por outro lado, o holista

compreende melhor o reducionismo, pois tem consciência de que suas investigações são

sempre relevantes em certo nível, para o entendimento dos fenômenos. O reducionista

continua usando métodos convencionais para aprofundar suas análises, sem necessidade

de utilizar conceitos filosóficos para explicar suas descobertas. Alfred Whitehead, na obra

Science and the Modern World (1925), também estabelece uma base filosófica para os

conceitos ecológicos holistas trabalhados posteriormente pelos autores já mencionados.

“Para ele, se de um lado temos um dado ambiente ao qual os organismos se adaptam, de

outro existem os mecanismos evolutivos. Os organismos podem criar seu próprio

ambiente. O propósito do organismo isolado não tem utilidade, pois é necessária a

associação de organismos cooperativistas”.

Os pesquisadores de ecologia aquática estiveram primeiramente à frente no tocante

ao desenvolvimento de um conceito operacional de ecossistema. Forbes (1887),

considerado um pioneiro neste sentido, descreve um lago como “Um antigo e primitivo

sistema, isolado do ambiente circundante. Nele, a matéria circula, e existe um controle

operando para produzir um equilíbrio comparável ao que existe em terra. Neste

microcosmo, nada pode ser completamente compreendido até que sua relação com o todo

seja claramente observada. O lago aparenta ser um sistema orgânico, um balanço entre

construção e destruição no qual a luta pela existência e a seleção natural produziram um

equilíbrio, uma comunidade de interesse entre predadores e presas”. É interessante notar

que isto foi escrito 50 anos antes de Tansley formular seu conceito de ecossistema.

Desenvolvem-se, a partir daí, estudos sobre o fundo, a água e as margens,

envolvendo inventários, funções ecológicas, dinâmica de nutrientes e de energia, além do

consequentemente estabelecimento de conceitos importantes como plâncton, benton,

termoclina, produção, produtividade e diversos outros. Elton (1927) esquematiza a cadeia

alimentar dividindo plantas de animais, e estes últimos em herbívoros e predadores,

organizando uma pirâmide de números. Thienemann (1939) já propõe uma terceira

categoria: “Três grandes grupos de organismos vivos são os produtores (as plantas

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verdes), que utilizam a energia do sol para produzir matéria orgânica, os consumidores

(animais), que consomem matéria orgânica, e os redutores (bactérias e fungos) que são

mineralizadores, reduzindo a complexa matéria orgânica na sua composição elementar”.

Raymond Lindeman tornou-se conhecido entre os ecólogos por seu artigo ”O

aspecto da dinâmica trófica na ecologia”, publicado em 1942, citado na maioria dos livros

textos. Lindeman foi o primeiro a implementar o conceito de Tansley de forma explicita,

num esforço de descrever quantitativamente seu comportamento dinâmico. A partir de

uma grande quantidade de dados sobre biologia, distribuição e abundância de organismos

de um pequeno lago próximo à Universidade de Minnesota, coletados durante um

período de 5 anos, Lindeman organizou estes elementos em um padrão, denominado

“Aspecto de dinâmica trófica”. Lindeman construiu um diagrama enfatizando a interação

entre as partes vivas e não vivas do lago, demonstrando as conexões íntimas entre ambas.

Ele identificou as espécies, determinou seus hábitos alimentares e as organizou em grupos

alimentares, que se tornaram células no seu diagrama do ecossistema. Posteriormente,

Lindeman utilizou sua nova abordagem para entender a sucessão ecológica. No entanto,

Juday (1940), depois de extensas investigações no Lago Mendota e em outros lagos em

Winsconsin, foi possivelmente o primeiro ecólogo a tentar descrever um lago como um

todo funcional, do ponto de vista do orçamento energético.

5.4 POPULARIZAÇÃO DO CONCEITO

A popularização do conceito fora do meio limitado da literatura científica ecológica

se inicia de fato quando Eugene Odum publica Fundamentals of Ecology (1953), iniciando o

livro com o conceito de ecossistemas e com os ciclos biogeoquímicos, ou seja, com uma

abordagem “de cima para baixo”. Conceituando o ecossistema, Odum afirma que

“Qualquer entidade ou unidade natural que inclui partes vivas e inanimadas interagindo

para produzir um sistema estável no qual a troca de material entre seus componentes

segue caminhos circulares constitui um sistema ecológico, ou ecossistema”.

As abordagens baseadas em fluxo de energia, iniciadas a partir dos trabalhos de

Lindeman, não consideravam ainda explicitamente o uso do conceito de termodinâmica

para explicar fenômenos ecológicos e o seu funcionamento. Isto muda definitivamente a

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partir do livro de Odum, em 1953, onde ele utiliza o conceito de energia como a

capacidade de gerar trabalho e as leis da termodinâmica sobre as cadeias tróficas e as

pirâmides de número, biomassa e emergia. Odum desenvolve generalizações a partir

destes conceitos para relacionar as taxas de energia ou biomassa em níveis tróficos. A

abordagem de fluxo energético que adentra na ecologia como uma maneira de comparar

diversos processos biológicos se transforma num fundamento teórico do próprio

funcionamento do ecossistema. Embora a maioria dos ecólogos estivesse despreparada

para lidar com as ciências físicas, trabalhar com os conceitos sobre energia, a adoção destas

ferramentas forneceu instrumentos valiosos para as análises ecológicas. A partir da

primeira Lei da Termodinâmica, os pesquisadores poderiam esperar que toda a energia

que entra no sistema será igual à energia que sai, mais a que fica armazenada,

possibilitando que se faça um balanço para checar a precisão de medidas de inputs, outputs

e armazenagem. Além disso, estabelecia-se que a cada transferência de energia na cadeia

alimentar, uma parcela de energia se dissipava na forma de calor, não sendo mais

disponível para a realização de trabalho, e, portanto as taxas de transferência de energia

eram sempre inferiores a 100%. Antes disso, Lindeman já havia descoberto que

consumidores situados próximo ao topo da cadeia trófica são mais eficientes na utilização

do seu alimento do que organismos situados na base da pirâmide, fornecendo um modo

simples de comparar diferentes partes do sistema, como herbívoros e carnívoros.

Em 1955, Howard Odum e Pinkerton abordam a questão energética do ponto de

vista teórico, argumentando que os sistemas naturais tendem a operar maximizando a

produção de energia por unidade de tempo (power output).

Thienemann (1931) foi um dos primeiros a trabalhar em ecologia os conceitos de

produção e produtividade, distinguindo a quantidade de matéria orgânica produzida por

área (produção) e a quantidade produzida por área e por tempo pelos organismos

(produtividade). Macfadyen (1949) separa produção de produtividade estabelecendo que

a segunda é uma função do tempo, sendo, portanto, um índice, não uma quantidade. Em

plantas, a quantidade de matéria fixada pela fotossíntese é denominada produção

primária bruta, sendo que uma parte é utilizada para as necessidades metabólicas dos

vegetais. O restante, disponível para outros organismos, é o que denominamos produção

primária líquida.

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No entanto, os grupos de pesquisa em ecossistemas eram menos interessados em

relações entre populações. Enfocavam as descrições da estrutura e função dos

ecossistemas, procurando por mecanismos fisiológicos que explicassem os padrões

observados. No entanto, conceitos como estabilidade, por exemplo, envolviam mais do

que balanços de fluxo de energia e produção. Mecanismos de regulação interna fazem com

que o sistema se reajuste após uma influência externa momentânea. Mas quais são estes

mecanismos? A resposta veio sob duas formas. Primeiro, o controle é produzido por

retroalimentação. Por exemplo, herbívoros que se alimentam de folhas podem ter um

efeito negativo na produção primaria por reduzirem área foliar. Segundo, na medida em

que os ecossistemas amadurecem, há um incremento na complexidade estrutural e um

decréscimo no fluxo de energia por unidade de biomassa. Segundo Margalef (1963), “a

situação futura é mais dependente do que existe do que de inputs (mecanismos) externos.

A maturidade é autoconservadora. Flutuações em ecossistemas maduros são mais

dependentes das condições internas de equilíbrio, ou seja, de fatores bióticos”. Para

Margalef, portanto, a estabilidade de um ecossistema está relacionada com sua

complexidade biótica. Antes disso, MacArthur (1955) também contribui para este

pensamento, argumentando que o número de caminhos por onde a energia pode fluir

através da teia alimentar é uma medida da estabilidade da comunidade. De fato, a

complexidade da cadeia alimentar cria fluxos alternativos, permitindo seleção por espécies

mais eficientes em transferência de energia e por um sistema que se mantém em equilíbrio

como um todo. Desta forma, concluiu-se, a estabilidade de um ecossistema depende

diretamente da quantidade de espécies dentro do sistema.

Durante um período de aproximadamente quinze anos, o conceito de ecossistema

tornou-se um paradigma científico em ecologia, sendo explorado por um numero

crescente de cientistas, muitos guiados inicialmente pelo texto básico de Eugene Odum. O

paradigma dominou a ecologia geral, como uma parte distinta da ecologia vegetal e

animal, desenvolvendo-se em outras linhas. O aspecto teórico do paradigma também se

desenvolve, e o conceito de Tansley do “Organismo complexo” passa a ser aplicado a

objetos reais, lagos, inicialmente por Lindeman.

A partir dos anos 60, diversos investigadores já estavam contribuindo para a

descrição dos ecossistemas e suas funções, e no final da década já havia uma comunidade

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científica bem estabelecida engajada na aplicação do paradigma que se encaixava

intimamente com o ambiente sociocultural do pós-guerra.

O fato dos conceitos de ecossistema não terem sido apresentados como uma

hipótese a ser testada foi uma das maiores fraquezas deste período. Os avanços deveram-

se principalmente ao desenvolvimento das idéias fundadoras associadas às analogias com

outros tipos de sistemas. Os ecologistas não estavam questionando os paradigmas

culturais, mas trabalhando em cima destes.

Um veículo criticamente importante para os estudos de ecossistemas foi o

Programa Biológico Internacional. (International Biological Program – IBP) Os biólogos

foram intimados a criar um objetivo global a partir de necessidades abstratas e conceitos,

pois não tinham, ainda, um objeto material em nível global. O Programa Bioma, tendo

dominado e caracterizado o IBP, proporcionou suporte para a criação de novos centros

acadêmicos, e abriu portas para o desenvolvimento de estudos de ecossistemas nas

universidades, tendo envolvido mais de 1.800 cientistas. Surgem outros projetos

derivados, como o alemão Solling, um estudo piloto localizado em uma região semi-

montanhosa, que incluía um mosaico de florestas secundarizadas e campos de agricultura.

Na França, é lançado o Lamto, destinado a estudar as savanas africanas nas margens do

Sahel. Nos Estados Unidos é lançado em 1970 o RANN (Research Applied to National Needs),

que objetivava construir uma ligação mais concreta entre a pesquisa e suas aplicações. Em

1971, a unesco lança o programa Homem e Biosfera (MAB – Man and Biosphere), também

com objetivos mais práticos, enfocando a solução de problemas ambientais específicos e a

transferência do conhecimento científico para a solução dos mesmos em uma escala

internacional.

Entretanto, a maturação do conceito não conseguiu estabelecer uma conexão entre

seus estudos e os da ecologia evolutiva. Não havia como incorporar o conhecimento sobre

seleção natural ao nível individual, ou o comportamento específico de populações e de

espécies, dentro do conceito de ecossistema. O controle dos ambientes físico e biológico

sobre os indivíduos não era bem compreendido, e o conhecimento sobre a biologia dos

organismos não era suficiente para manejar o ambiente com segurança. Havia organismos

demais para considerar. Estas questões, no contexto dos estudos do ecossistema, criaram

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suporte e justificativa extra para estudos de história de vida, história natural e taxonomia.

O conceito de ecossistema continuou a ser empregado como um ponto de vista.

Para Golley (1993), o conceito tornou-se uma forma útil de pensar sobre como o

mundo se organiza, enfatizando as interconexões e integrações entre sistemas em variadas

escalas, possibilitando enxergarmos cooperações, sinergismos e simbioses, em lugar de

oposição dialética, competição e conflito. A partir deste ponto de vista, podemos manejar

nossas relações entre nós e com o ambiente de forma diferente do que enxergando homem

e natureza como sistemas separados. A perspectiva ecossistêmica pode nos levar a uma

filosofia ecológica.

O conceito promoveu um ordenamento na complexa e interdisciplinar ciência da

ecologia. Além disso, estabeleceu uma ponte entre o paradigma científico, o objeto físico e

a abordagem holística.

5.6 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DOS ECOSSISTEMAS

Como vimos, um ecossistema pode ser representado por uma floresta, um lago ou

mesmo um aquário, cada um com características específicas, guardando-se as devidas

escalas. Em ambos, podemos distinguir componentes bióticos (os seres vivos) e abióticos

(condições climáticas e o substrato mineral).

Em qualquer um destes ou de outros exemplos, a fotossíntese é o processo pelo

qual os vegetais conseguem captar a energia luminosa do Sol, transferindo-a para as

ligações químicas dos compostos orgânicos que sintetizam (celulose, amido, óleos, etc.).

No caminho inverso, os processos de respiração e de fermentação consistem na liberação

da energia química contida nas ligações entre os átomos das moléculas orgânicas, e esta

energia é então utilizada para a realização de todos os processos vitais dos seres vivos. Os

organismos fotossintetizantes são, por isso, os produtores.

A fonte de energia para os demais seres vivos que não realizam a fotossíntese é a

matéria orgânica de outros seres vivos, que é obtida através da predação ou do

parasitismo, anteriormente mencionados, ou da decomposição da matéria orgânica morta.

Estes seres vivos são denominados consumidores. Animais herbívoros alimentam-se de

plantas, ao passo que os carnívoros alimentam-se de outros animais. Por último, os

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decompositores obtêm sua energia utilizando matéria orgânica não utilizada pelos

consumidores.

Os organismos clorofilados (plantas e algas) são os únicos capazes de sintetizar

matéria orgânica, armazenando energia. São denominados seres Autótrofos, pois fabricam

seu alimento. Os demais seres vivos dependem das plantas. Diretamente, no caso dos

herbívoros, ou indiretamente, no caso dos carnívoros e dos decompositores. Estes últimos

são, assim, denominados heterótrofos, pois são incapazes de produzir alimento para

obterem energia, e dependem do consumo de energia produzida por outros organismos.

Dando continuidade a este raciocínio, a energia luminosa captada pelos produtores

vai sendo transferida, das plantas para os herbívoros, e depois pelos carnívoros, fluindo

unidirecionalmente. Os elementos químicos, por outro lado, circulam pelo ecossistema,

sendo reutilizados constantemente. Neste processo, os organismos decompositores

exercem papel chave, mineralizando os compostos orgânicos complexos em moléculas

simples e reutilizáveis.

A seqüência de relações alimentares por onde passa a energia e por onde circula a

matéria recebe a denominação de cadeia alimentar ou trófica. Nada mais é que uma

representação de passagens de energia e circulação de matéria dentro da comunidade.

Simples como na Figura 5.

Figura 5 - Modelo simplificado de cadeia trófica

Esta organização, portanto, baseia-se nas relações de alimentação das populações.

Cada um destes elos ou degraus corresponde a um nível trófico específico. É claro que

nenhum ecossistema natural é tão simples como um exemplo que inclui capim (autótrofo,

produtor), gafanhoto (heterótrofo, consumidor primário, herbívoro) e passarinho

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(heterótrofo, consumidor secundário, carnívoro). Em praticamente todos os ecossistemas

cada nível trófico é representado por diversas espécies, e, além disso, uma mesma espécie

pode se alimentar de outras em níveis tróficos distintos. Um exemplo disto são os

predadores de topo (uma onça ou um gavião real, por exemplo), ocupando os pontos mais

altos destas cadeias, alimentando-se de diversos animais que se encontram em posições

diferentes deste organograma.

A quantidade de energia que um nível trófico recebe é sempre maior do que aquela

que irá ser transferida para o nível seguinte, por duas razões. Primeiro, parte da energia

adquirida pelos organismos de um nível trófico é utilizada em atividades metabólicas de

manutenção. Desta parte, uma proporção é ainda dissipada na forma de calor, que irradia

do corpo. Segundo, os consumidores não aproveitam completamente a matéria orgânica

do alimento, liberando parte desta na forma de fezes.

A partir destas conclusões, podemos estabelecer uma pirâmide de energia,

ilustrada na Figura 6.

Figura 6 - Pirâmide de energia

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Vejamos um exemplo em números. Para alimentar uma criança até que esta atinja

48 kg, são necessários cerca de 1.035 kg de carne de boi, o que equivale a cerca de quatro

animais. Para engordar estas reses são precisamos de 8.200 kg de alfafa. Esta quantidade

de forragem contém cerca de 15.000 quilocalorias (kcal), das quais apenas 1.200 tornaram-

se bois e ínfimos 8,3 kcal estão contidos na criança.

A capacidade de produção de matéria orgânica pela fotossíntese é a produtividade

primária do ecossistema, expressa em biomassa/área/tempo. A produção total de

biomassa é denominada produtividade primária bruta. Deduzindo desta o que é

consumido pelas plantas para sua manutenção, via respiração, resta a produtividade

primária líquida, que fica disponível para o nível trófico seguinte.

5.6 CICLAGEM DE NUTRIENTES

As quantidades dos diferentes elementos presentes na terra são finitas e precisam

retornar ao ambiente. Como já mencionado, os elementos químicos componentes da

matéria orgânica devem ser degradados, para que sejam novamente utilizados pelas

plantas para, a partir da energia solar que conseguem armazenar, sintetizar outra vez as

complexas moléculas orgânicas. Nesse sentido, a vida está continuamente sendo recriada a

partir dos mesmos átomos. A atividade dos organismos decompositores, como vimos,

completa a circulação dos elementos no ambiente, degradando a matéria orgânica morta

pela respiração e pela fermentação para obtenção de energia.

Os combustíveis fósseis como o petróleo e o carvão mineral, base da economia

mundial atual, não foram degradados e permanecem disponíveis para nós por estarem

submetidos a condições especiais entre sedimentos isentos de microorganismos

decompositores. Do contrário, teriam sido degradados até tornarem-se novamente

moléculas simples, disponíveis para os animais produtores.

Os ciclos dos diferentes elementos químicos dentro dos ecossistemas são

denominados ciclos biogeoquímicos. Ora os elementos estão presentes na biomassa dos

organismos vivos, (bio) ora econtram-se no substrato, (geo) como minerais. Os mais

importantes são os ciclos do carbono, da água, do oxigênio e do nitrogênio.

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5.7 DIVERSIDADE BIOLÓGICA

Este conceito é definido pelo Fundo Mundial para a Natureza como sendo “a

riqueza da vida na terra, incluindo os milhões de plantas, animais e microorganismos, os

genes que eles contêm e os intrincados ecossistemas existentes”. Diversidade de espécies

são os organismos, desde bactérias e protozoários compostos por uma única célula até os

grandes animais e as árvores gigantescas. Em outra escala, também inclui a variação

genética existente no conjunto de indivíduos de cada espécie. Por último, temos a variação

entre as comunidades biológicas, e os ecossistemas formados por estas comunidades.

Dentro da ecologia de comunidades, entretanto, sobretudo quando um ecólogo

estuda grupos megadiversos como formigas, aves ou peixes, o termo diversidade de

espécies tem outro significado e torna-se um índice de diversidade de espécies. Ao

contrário do conceito mais corriqueiro e generalizado com o qual iniciamos esta seção, os

índices de diversidade, todos eles, não consideram somente o número de espécies

amostrado pelo pesquisador, mas também a proporção em que as espécies aparecem. A

equidade também é considerada nas diversas fórmulas disponíveis para a elaboração dos

índices, que normalmente recebem o nome de seus propositores (índice de Simpson, de

Shannon-Weaver, os índices da série de Hill, entre outros).

Para fornecer um exemplo o mais simples possível, vamos pegar duas amostras de

dez indivíduos de duas comunidades diferentes. Na amostra 1, temos nove indivíduos da

espécie A e um indivíduo da espécie B. Na amostra 2, temos cinco indivíduos da espécie C

e outros cinco da espécie D. Embora tenhamos obtido amostras que continham o mesmo

número de espécies, a freqüência relativa de cada uma é diferente.

Segundo Primack e Rodrigues (2002), vivemos hoje o sétimo evento de mega-

extinção de espécies da história da Terra. A atual ameaça à diversidade biológica não tem

precedentes, nem mesmo se compararmos o quadro atual com as grandes extinções

documentadas no passado geológico do planeta, como por exemplo, a que deu fim aos

grandes répteis popularmente conhecidos como dinossauros. As principais causas da

perda de diversidade biológica provocadas pelo homem são a perda de habitats, a

exploração direta (caça, pesca, etc.), a poluição, e a introdução de espécies exóticas.

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A transformação da paisagem, causa maior de eliminação de espécies, afeta

também as propriedades ecossistêmicas que definimos anteriormente como os serviços

ambientais, que estão interligados. Mudanças climáticas interferem sobre os ciclos

biogeoquímocos, com diversas conseqüências tanto para o funcionamento dos diversos

ecossistemas pouco modificados (mas ainda assim manejados por nossos ancestrais) como

para os ambientes completamente modificados pela ação humana.

No texto, partirmos das interações de um único organismo com os fatores externos,

passando para as interações entre organismos da mesma espécie e de diferentes espécies.

Abordamos a função de cada população na rede intrincada de relações que estabelecem

entre os diversos componentes das comunidades biológicas, e que formam os

ecossistemas, com suas características únicas e mecanismos autoreguladores. Espera-se

que o conjunto de informações repassadas sejam úteis. Foram deliberadamente abordados

elementos básicos, em um cenário onde a temática ambiental assume proporções tão

críticas, e os efeitos das atividades humanas se refletem em problemas em nível global.

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SEGUNDO BLOCO DE ATIVIDADES

A essa altura você já possui conhecimento suficiente para responder as seguintes

questões, que deverão ser enviadas ao(a) tutor(a) que acompanha a sua turma.

1) A herbivoria deve ser encarada como forma de predação ou parasitismo? Justifique sua

resposta.

2) Como as formas de interação desarmônicas, como predação, parasitismo e competição,

contribuem, cada uma, para a regulação das populações?

3) Com base no texto, estabeleça um paralelo entre ecologia evolutiva (enfoque nas

interações ecológicas, seleção natural e êxito reprodutivo diferencial) e reducionismo, e

entre ecologia de ecossistemas (enfoque nos fluxos de matéria e energia, e com base no

conceito de propriedades emergentes) e holismo.

4) Relacione ciclagem de nutrientes e o conceito de Serviços Ambientais.

Voltamos a lembrar que o(a) tutor(a) estará sempre disponível para atende-lo(a) em

suas dúvidas e questionamentos. Evite acumular dúvidas.

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BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA

Fearnside, P. 2003. A floresta amazônica e as mudanças globais. INPA, Manaus. Futuyma, D. 1993. Biologia Evolutiva. SBG/CNPq. Golley, F. B. 1993. A history of the ecossystem concept in ecology: more thant the sum of the parts. Yale University Press, London. Magnusson, W.E. e G. Mourão. 2003. Estatística sem Matemática. Ed. Planta, Londrina. Pianka, E. 1975. Ecologia Evolutiva. Ediciones Omega, Barcelona Primack, R. & E. Ferreira. 2002. Biologia da Conservação. Editora Planta, Londrina. Ricklefs, R. 1993. A economia da natureza. Guanabara-Koogan, Rio de Janeiro.