curso de especializaÇÃo em gestÃo pÚblica...
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAIBA
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM GESTÃO PÚBLICA MUNICIPAL MODALIDADE A DISTÂNCIA
TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO
O Programa Bolsa Família: Uma Análise de seus Limites e Potencialidades enquanto
Política Pública Intersetorial, Transversal e Focalizada
Ivanilda Sousa Alves1
Pós-graduando lato sensu em Gestão Pública Municipal - UFPB
Shirley Pereira de Mesquita2
Professor Assistente do Departamento de Economia - UFPB
RESUMO
Os objetivos deste estudo se constituem em traçar uma análise da concepção do Programa
Bolsa Família indicando alguns pontos importantes para a compreensão das suas
potencialidades e limites, bem como identificar a sua eficácia/eficiência enquanto política
pública capaz de ampliar direitos sociais básicos. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica de
natureza qualitativa exploratória. Envolve a investigação a partir de documentos publicados e
disponíveis na área em questão (Políticas Sociais) reunindo a bibliografia correlata ao tema
em estudo. Os resultados demonstram suas potencialidades na redução da pobreza e
desigualdades sociais no País, bem como a elevação dos indicadores na área da saúde e
educação pública. Entretanto, versam sobre os seus limites enquanto determinante de
condicionalidades, bem como demostra a sua fragilidade no que tange a focalização e
intersetorialidade. Desse modo, O desenho do Programa, levando em consideração as suas
diretrizes – Focalização, Condicionalidades e Intersetorialidade – ainda possui inúmeras
fragilidades a serem superadas, mesmo sabendo de suas pretensões acerca da garantia do
acesso a direitos sociais básicos, no sentido de potencializar impactos positivos sobre a
autonomização das famílias atendidas.
Palavras-chave: Políticas Sociais, Programa Bolsa Família, Políticas Públicas
1Pós-graduando lato sensu em Gestão Pública Municipal – UFPB. E-mail: [email protected].
Telefone: (83) 91252787 2
Doutoranda em Economia na Universidade Federal da Paraíba – PPGE/UFPB. Professora Assistente do
Departamento de Economia - UFPB/Campus I. Email: [email protected]. Telefone: (83) 8831-
9466
1 – INTRODUÇÃO
Políticas públicas são ações que visam garantir o acesso efetivo da população aos
direitos constitucionais que, muitas vezes, são exercidos apenas pelos cidadãos que dispõem
de mais recursos. Uma política pública deve ser pensada a partir do diagnóstico dos
problemas que demandam intervenção governamental. O diagnóstico representa uma leitura
da realidade, ou seja, a compreensão e a sistematização dos problemas e necessidades das
famílias, assim como o conhecimento de suas características culturais e socioeconômicas
(RUA, 2009).
A garantia dos mínimos sociais por parte do Estado, viabilizada por políticas públicas,
especialmente por transferências condicionadas de renda, é hoje uma ação governamental
consolidada em nosso País, e alguns autores defendem a ideia de que este tipo de política
social é fundamental e necessária em Países marcados por desigualdades econômicas
profundas, como o Brasil.
A partir da Constituição de 1988 o fenômeno da pobreza ganhou status e dimensão de
problema nacional, compromisso que foi estendido às três esferas de governo, e também à
sociedade. Isso permitiu que a Assistência Social passasse a ser considerada uma Política de
direito, procurando romper com a cultura do favor, fazendo de todos, mesmo os excluídos do
mercado de trabalho, um cidadão brasileiro. Nesse contexto a partir de 1991 entra na agenda
pública brasileira o debate sobre Programas de Transferência de Renda (SILVA, 2007).
É neste cenário que é criado o Programa Bolsa Família e que este se torna referência
de política intersetorial, transversal e focalizada ao promover o acesso à renda de forma
condicionada, aliada à oferta de serviços de educação e saúde e a participação em programas
emancipatórios que visam à melhoria da qualidade de vida da população de baixa renda. O
Programa está amparado numa estratégia de assistência social focalizada e que exige o
cumprimento de determinadas condicionalidades pelas famílias beneficiadas, sendo concedido
conforme disponibilidade de recursos do orçamento.
Um elemento estruturante do Programa Bolsa Família são as condicionalidades que
devem ser cumpridas pelo núcleo familiar para que possam receber o benefício mensal.
Segundo os idealizadores do Programa essas condicionalidades representam contrapartidas
com vistas a certificar o compromisso e a responsabilidade das famílias atendidas e
representam o exercício de direitos para que as famílias possam alcançar autonomia e,
conseqüente inclusão social sustentável (BRASIL, 2005).
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Além da transferência monetária, o Bolsa Família propõe o desenvolvimento de ações
complementares no campo da educação, saúde e trabalho. Isso para possibilitar que crianças e
jovens de 06 a 15 anos tenham acesso a escolas e a postos de saúde e os adultos da família,
acesso à alfabetização, capacitação profissional, pequeno crédito, além de serem oferecidas
ações de saúde para mulheres grávidas, objetivando integrar esforços para permitir a
autonomização das famílias. Também tem como proposta promover a articulação com outras
políticas e programas sociais, criando a possibilidade de, em tese, romper com a fragmentação
típica das políticas sociais brasileiras e facilitar a adoção de ações intersetoriais (SENNA et al,
2007).
Nesta direção, os objetivos deste estudo se constituem em traçar uma análise da
concepção do Programa Bolsa Família, principal política pública de cunho social do Governo
Federal, indicando alguns pontos importantes para a compreensão das suas potencialidades e
limites, bem como identificar a sua eficácia/eficiência enquanto política pública capaz de
ampliar direitos sociais básicos, tendo em vista que, por vezes é passível de críticas por parte
de especialistas na área, ao impor condicionalidades a direitos inalienáveis ao ser humano e
incondicionais para a cidadania, mesmo sendo suas exigências consideradas, por seus
formuladores, como medida estratégica para favorecer o acesso aos serviços sociais e romper
o ciclo da pobreza. O fato de encontrar-se ancorado num diagnóstico de carências sociais e
supondo a fome como principal problema dos pobres brasileiros - quando se sabe que hoje a
desnutrição e a fome crônica atingem apenas uma parcela reduzida dos milhões de pobres
brasileiros - é mais um dos pontos que justificam a sua análise.
Além do que, uma de suas principais fragilidades está relacionada ao alcance de uma
qualidade na educação pública condizente com as exigências atuais do mercado de trabalho,
uma vez que o objetivo maior do Programa seria a futura independência das famílias com
relação ao benefício conseguido através de uma educação de qualidade. Enquanto também é
oportuno investigar a capacidade real dos serviços de saúde para absorver o aumento de
demanda que possivelmente ele provocará.
2 - FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
O Estado, enquanto instituição garantidora da ordem pública surge como um produto
da sociedade quando esta chega a determinado grau de desenvolvimento e a necessidade da
garantia de direitos considerados inalienáveis ao homem seja mantida vêm à tona, como o
direito a liberdade e a propriedade. É necessário um poder colocado acima da própria 3
sociedade para que os antagonismos gerados de classes sociais com interesses econômicos
colidentes não a devore e/ou a consuma numa luta estéril. Dessa forma é nascido e deve ser
posto o Estado acima da própria sociedade, a partir da transferência da força física de cada
indivíduo, utilizada como instrumento de representação popular, como fundamento do
exercício do poder político e cujo objetivo maior é a garantia da justiça social. Temos então o
Estado enquanto representante dos interesses sociais e garantidor dos direitos humanos
(COELHO, 2009).
A intervenção Estatal nas relações que intermediam as decisões do Mercado e
sociedade civil, em economias capitalistas como a nossa é imprescindível. Atualmente a
sobreposição de interesses econômicos com a incessante procura por satisfação financeira
através de uma verdadeira corrida em busca do lucro e acúmulo de riquezas, contrapondo-se a
interesses que valorizam a coletividade, como a implementação de políticas de cunho social e
igualdade de direitos e de oportunidades, têm gerado disparidades sociais gritantes. Portanto é
necessário exercer um mínimo controle, para que muitas vezes, direitos humanos básicos
possam ser garantidos em nossa sociedade, como alimentação, saúde, educação, moradia,
saneamento básico, entre outros.
A preocupação em prover assistência social aos mais pobres acompanha a história da
formação e posterior desenvolvimento do capitalismo. As primeiras iniciativas
governamentais voltadas à proteção social data do século XIV e XVII na Inglaterra com a
criação da Lei dos pobres e instituição do Estado Moderno, condição essencial para o
surgimento de políticas de proteção social conhecidas por nós como "Políticas Públicas
Sociais" (MONNERAT et al., 2007; SENNA et al., 2007).
No Brasil, já na década de 80 com os sentimentos políticos advindos do Estado de
bem-estar social e a política do neoliberalismo, ocorreu o desenvolvimento e manutenção na
agenda de compromissos do Estado das Políticas Públicas Sociais. Algumas delas seriam
compensatórias, como afirma Coelho (2009, p. 103), temporárias e focadas nos mais pobres e
atingidas pelo processo de ajuste da economia patrocinado pelo Estado – como as de
transferência de renda para o combate da pobreza absoluta e de seguro desemprego -, mas
outras deveriam ser universais e permanentes – como as de educação, saúde pública e
formação profissional.
As políticas sociais desenvolvidas durante esse período fazem parte do Arcabouço
Legal de iniciativas presentes nos textos da Constituição de 1988. Elas deveriam caminhar na
direção da descentralização, da participação dos beneficiados nas decisões, do combate ao uso
clientelista das iniciativas na área social, da racionalização e aumento da eficiência do gasto, 4
da universalização e da busca de maior equidade na prestação de benefícios e serviços sociais.
Dessa forma, o desenvolvimento de Políticas Públicas Universais, baseadas na oferta Estatal
focariam a ênfase no “direito do cidadão” e no “dever do Estado” devendo-se eliminar
gradativamente práticas do clientelismo e do assistencialismo; priorizando-se a preocupação
com a eficiência, a eficácia e a efetividade dos programas e das ações do Governo, com o seu
monitoramento e avaliação e com a sua fiscalização ou controle por parte da sociedade. Sua
execução deveria ser pensada a partir da oferta “massiva e indiferenciada” e os bilhões
destinados para programas de previdência social, saúde e saneamento, educação, qualificação
para o trabalho, combate a pobreza e distribuição de terra e renda comporiam uma extensa
“rede de proteção social” (FRANCO apud MOURA, 2007).
Nesta concepção ampliada de desenvolvimento social seria necessário ao Estado a
busca de parcerias e sinergias entre todo os setores (Estado, Mercado e Sociedade Civil)
partindo do pressuposto que, políticas públicas não são necessariamente sinônimos de
“políticas governamentais”, para efetivamente garantir, de forma segura, os direitos sociais,
em especial aos grupos considerados na faixa de risco social e direcionando suas ações para
públicos-alvo específicos, tais como os envolvidos em trabalho infantil, portadores de
deficiências, crianças, gestantes e nutrizes em situação de risco, dentre outros (FRANCO apud
MOURA, 2007).
É no esteio desse processo que se verifica, desde os anos 1990, uma profusão de
experiências de implementação de programas de transferência condicionada de renda
dirigidos à população pobre. Entretanto é somente com a criação do Programa Bolsa Família
(PBF), que este tipo de programa se espalha por todo o País, atingindo grau de cobertura
significativo (MONNERAT et al., 2007).
Criado através de medida provisória nº 132 de 20 de outubro de 2003, transformado
em Lei nº 10.836 em 9 de janeiro de 2004 e regulamentado por Decreto nº 5.209 de 17 de
setembro de 2004, o Programa Bolsa Família é o principal Programa de Transferência de
Renda do Governo Federal. Constitui-se em uma Política Pública de cunho social no âmbito
da Estratégia Fome Zero. Tem por objetivos: combater a fome, a pobreza e as desigualdades
por meio da transferência de um benefício financeiro associado à garantia do acesso aos
direitos sociais básicos – saúde, educação, assistência social e segurança alimentar; promover
a inclusão social, contribuindo para a emancipação das famílias beneficiadas, construindo
meios e condições para que elas possam sair da situação de vulnerabilidade em que se
encontram (BRASIL, 2004).
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Destina-se a famílias extremamente pobres, com renda per capita mensal de até R$
60,00, independentemente de sua composição e a famílias consideradas pobres, com renda per
capita mensal de entre R$ 50,01 e R$ 120,00, desde que possuam gestantes, ou nutrizes, ou
crianças e adolescentes entre 0 a 15 anos. O primeiro grupo de famílias recebe um benefício
fixo no valor de R$ 50,00, podendo receber mais R$15,00 por cada filho de até 15 anos de
idade, até três filhos, totalizando o benefício mensal em até R$ 95,00 por família. As famílias
consideradas pobres recebem uma transferência monetária variável de até R$ 45,00, sendo
R$15,00 mensais por cada filho de até 15 anos de idade (BRASIL, 2006).
O PBF prioriza a família como unidade de intervenção, sendo destinado àqueles que se
encontram em situação de pobreza ou de extrema pobreza e, o seu objetivo primordial é a
garantia de uma renda mínima para as famílias em situação de vulnerabilidade social e fome.
A gestão do Programa deve se pautar na descentralização, intersetorialidade e controle social
e exige das famílias beneficiadas condicionalidades – traduzidas na obrigatoriedade da
inserção de crianças, adolescentes, gestantes e nutrizes em determinados Programas de Saúde
e de crianças e adolescentes na escola. Em situação de não cumprimento de tais exigências, as
famílias beneficiadas devem ser desligadas do Programa. O tempo de permanência no
Programa não é estipulado, mas a Legislação do PBF (Portaria Interministerial 551 de 9 de
novembro de 2005) é muito clara quanto aos motivos de desligamentos das família, sendo um
deles justamente o descumprimento das condicionalidades (MONNERAT et al., 2007).
Nesta perspectiva temos nas exigências de contrapartidas um ponto central do desenho
do Programa Bolsa Família. Em seu trabalho Monnerat. G. L; et al (2007, p. 1460) induz a
nossa reflexão ao afirmar que,
[...] ao exigir uma contrapartida dos beneficiários, os Programas de
transferência de renda monetária introduzem, ao mesmo tempo, a difícil
escolha entre, de um lado, romper com a noção de direito incondicional, à
medida que os compromissos tornam os beneficiados co-responsáveis pela
superação de suas dificuldades e, de outro lado adotar a estratégia de exigir
contrapartidas com a perspectiva de atacar, de uma só vez, várias dimensões
da pobreza. Esta última vertente visa, portanto, suprir uma deficiência de
longa data, atendendo a um conjunto de carências jamais consideradas no rol
das Políticas e Programas brasileiros.
Para os formuladores do Programa, o cumprimento de tais condicionalidades significa
favorecer a cidadania, relacionando-se a ampliação do exercício do direito à saúde e educação
estando, pois, ligadas a um amplo processo de inclusão social e emancipação das famílias
beneficiadas.
São, então, destacadas as seguintes condicionalidades:
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a) Na área da educação - freqüência mínima de 85% da carga horária mensal de
crianças ou adolescentes de 6 a 15 anos de idade que acompanham as famílias beneficiárias,
matriculadas em estabelecimento de ensino;
b) Na área da saúde - o cumprimento da agenda de saúde e nutrição para famílias
beneficiárias que tenham em sua composição gestantes, nutrizes e ou crianças menores de 7
anos, constituída principalmente por exame de rotina, pré-natal, vacinação e acompanhamento
nutricional das crianças.
A expectativa, segundo justificativa explicitada na legislação e documentos oficiais do
programa, é de que o cumprimento de condicionalidades tanto possibilite o acesso e a
inserção da população pobre nos serviços sociais básicos como favoreça a interrupção do
ciclo de reprodução da pobreza, configurando, assim, uma espécie de “porta de saída” do
programa (SENNA et al., 2007).
Entretanto, a exigência de contrapartidas se traduz em uma questão bastante polêmica.
A controvérsia aparece, por um lado, no reconhecimento de que as condicionalidades do
programa têm potencial de pressionar a demanda sobre os serviços de educação e saúde, o
que, de certa forma, pode representar uma oportunidade ímpar para ampliar o acesso de um
contingente importante da população aos circuitos de oferta de serviços sociais e, por outro
lado, se traduz na ideia de que, à medida que um direito social é condicionado ao
cumprimento de obrigatoriedades, podem ser ameaçados os princípios de cidadania
(MONNERAT et al., 2007).
Pode-se dizer que se, por um lado, tais exigências têm potencial para facilitar o acesso
das camadas da população que dificilmente conseguiriam chegar aos serviços, por outro,
coloca a dúvida sobre a capacidade de os serviços de educação e saúde absorverem
adequadamente o aumento de demanda resultante da implementação do programa. O mais
grave é que estamos diante de uma situação em que se questionam as condições e a
capacidade mesma dos municípios ofertarem o que de mais básico está presente no elenco dos
direitos sociais, isto é, as ações de saúde e educação (MONNERAT et al., 2007).
Entre as principais propostas do PBF encontramos a Intersetorialidade, propondo-se a
atuar como eixo integrador de outros programas, perpassando as condicionalidades e atuando
como condição ao desenvolvimento de ações complementares presentes no arcabouço legal
do Programa; e a Integralidade , uma vez que amplia a intervenção sobre o indivíduo, agora
pertencente a um determinado grupo familiar, inscrito em um território específico e cuja
situação de pobreza ou extrema pobreza – como define o Programa a partir da renda - tem
7
vários determinantes sociais necessitando, portanto, de uma ação integrada para dar conta da
multicausalidade e complexidade da situação de vulnerabilidade social (SENNA et al., 2007).
Recomenda-se a adoção de programas complementares, tais como aqueles voltados à
geração de emprego e renda; cursos profissionalizantes; micro-crédito; compra de produção
agrícola familiar, entre outros. Estas ações, no entanto, não integram o conjunto de
condicionalidades imposto pelo Bolsa família, fato que levanta questões sobre o alcance das
contrapartidas como estratégia de inclusão social, tal como enunciado em documentos oficiais
do programa (MONNERAT et al., 2007).
A legislação do programa define ainda que todas as instâncias de governo têm
responsabilidades na gestão das condicionalidades, porém é sobre os municípios que recai a
maior parte das tarefas, principalmente àquelas relativas à oferta de serviços de educação e
saúde previstas (MONNERAT et al., 2007).
Ademais, estamos também diante de uma problemática crucial do Programa – avaliar
a capacidade real dos municípios brasileiros em suprir as demandas pressionadas pelo
programa através de ações de saúde e educação de qualidade capazes de atender às
necessidades da população e às exigências atuais do mercado de trabalho, tendo em vista
promover a independência das famílias com relação ao benefício (MONNERAT et al., 2007).
Sobre a focalização do Programa, um primeiro aspecto a considerar é o uso da renda
monetária como critério único de seleção das famílias, o que é largamente criticado na
literatura especializada. Ademais a definição arbitrária de um valor per capta muito baixo
tende a impossibilitar a inclusão de famílias que, apesar de situadas em uma faixa de renda
acima do valor definido, encontram-se também em situação de pobreza (SENNA et al., 2007).
Com efeito, somente a renda não é suficiente para qualificar a pobreza, fenômeno
multifacetado que engloba outras dimensões de vulnerabilidade social, tais como: saúde,
esperança de vida, educação, saneamento e acesso a bens e serviços públicos, que vão além da
privação de bens materiais (TOWSEND, 1993; SEN, 2001 apud SENNA et al., 2007).
Neste contexto a pobreza é entendida na sua dimensão histórica, econômica, social,
cultural e política; é complexa e multidimensional; é essencialmente de natureza estrutural,
sendo, portanto, mais que insuficiência de renda. É produto da exploração do trabalho; é
desigualdade na distribuição da riqueza socialmente produzida; é não acesso a serviços sociais
básicos; à informação; ao trabalho e à renda digna; é não participação social e política
(SILVA, 2002); Em verdade, uma das mais difíceis tarefas a ser enfrentadas por programas
focalizados como o PBF é a construção de critérios e mecanismos de seleção de grupos
sociais que serão ou não contemplados, de forma a considerar o conjunto de vulnerabilidades 8
sociais a que esses segmentos estão expostos (MAGALHÃES et al., 2004 apud SENNA et al.,
2007). Sobre este ponto, talvez o principal problema seja o baixo valor do corte de renda para
pobreza extrema (RS60), o que, na prática, representa um grande risco de excluir muitas
dessas famílias pobres (SENNA et al., 2007).
Também aqui falta clareza na definição das estratégias de implementação da
intersetorialidade, assim como são frágeis os mecanismos de indução por parte do Governo
Federal. Em realidade ainda não foram construídos canais de diálogo eficientes entre os
diferentes setores de governo nas três esferas político-administrativas. O desenvolvimento
concreto da intersetorialidade ainda se encontra dependente da iniciativa do nível local, o que
não é suficiente para sustentar experiência exitosas nesta área (SENNA et al., 2007).
No entanto, uma questão crucial colocada pelo Bolsa Família é a conhecida fragilidade
da institucionalidade pública para acompanhar o cumprimento das condicionalidades, o que
permite que se questione a capacidade dos municípios para realizar esta tarefa a contento
(MONNERAT et al., 2007).
Além do que, a perspectiva de punir as famílias que não cumprirem as
condicionalidades parece incompatível com os objetivos de promoção social do programa,
uma vez que nesta direção não se pode deixar de considerar as condições que as famílias
pobres dispõem para atender as requisições impostas, tendo em vista as dificuldades
cotidianas de sobrevivência a que a maioria está exposta (MONNERAT et al., 2007).
Com relação à autonomia das famílias, como afirma Senna et al., 2007, pode-se dizer
que a ausência de indução de programas de geração de emprego e renda representa uma
importante debilidade do PBF, uma vez que não há uma diretriz clara pautada na
intersetorialidade e intergovernabilidade para atuar sobre as causas da precariedade de
inserção da população adulta no circuito produtivo.
A forma de execução do programa em nível nacional é outro grave problema que
merece nossa atenção, enquanto seres capazes de modificar a realidade. O desvio de
benefícios a famílias que não se enquadram no perfil de renda que o programa contempla, é
grave e carece de controle maior por parte da sociedade, uma vez que sabemos que o controle
social é de importância ímpar na garantia da justa distribuição do benefício, apesar de sua
difícil institucionalidade diante da insuficiente tradição democrática do poder público
brasileiro. Para Senna et al. (2007), a busca de maior transparência ao processo e
responsabilização dos diferentes atores envolvidos, através da exigência de indicação, pelo
nível local, do gestor municipal do PBF e do conselho de política pública que formalmente
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responderá pelo acompanhamento do programa é uma questão que merece destaque uma vez
que, temos o Controle Social, possivelmente como uma das facetas mais frágeis do Programa.
3 - PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Esta pesquisa é de natureza qualitativa. Segundo Neves (1996, p. 2) “os métodos
qualitativos trazem como contribuição ao trabalho de pesquisa uma mistura de procedimentos
de cunho racional e intuitivo capaz de contribuir para a melhor compreensão dos fenômenos”.
De acordo com este mesmo autor esse tipo de pesquisa tem por objetivo, “traduzir e expressar
o sentido dos fenômenos no mundo social”. Possui cunho bibliográfico e envolve a
investigação a partir de documentos publicados e disponíveis na área em questão (Políticas
Sociais). Dessa forma reúne a bibliografia correlata ao tema em estudo - O Programa Bolsa
Família: Uma Análise de seus Limites e Potencialidades enquanto Política Pública
Intersetorial, Transversal e Focalizada - buscando subsídios teórico-documentais que irão
amparar o objeto da pesquisa e ampliar o conhecimento na área.
Para Gil (1999, p. 43),
[...] um trabalho é de natureza exploratória quando envolver levantamento
bibliográfico entrevista com pessoas que tiveram (ou tem) experiências
práticas com o problema pesquisado e análise de exemplos que estimulem a
compreensão. Possui ainda a finalidade básica de desenvolver, esclarecer e
modificar conceitos e ideias para a formulação de abordagens posteriores.
Dessa forma, este tipo de estudo visa proporcionar um maior conhecimento
para o pesquisador acerca do assunto, a fim de que esse possa formular
problemas mais precisos ou criar hipóteses que possam ser pesquisadas por
estudos posteriores.
Portanto esta pesquisa se caracteriza como sendo qualitativa exploratória uma vez
que, pretende obter mais informações acerca do assunto abordado, além de gerar informações
para estudos futuros.
4 - ANÁLISE DE RESULTADOS
Temos na literatura uma ampla variedade de trabalhos que tratam de discutir os
impactos do Programa Bolsa Família na melhoria das condições sócio-econômicas do povo
brasileiro, desde a sua implementação pelo Governo Federal, em 2003, até os dias atuais. Bem
como avaliam seus desafios e limites. O universo de avaliações sobre o tema é vasto, porém
aqui se faz apenas um resumo breve dos resultados considerados mais relevantes para esta
pesquisa.
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A discussão sobre o indicador desigualdades é ampla e inúmeros autores desde o
início da implementação do PBF buscam avaliá-lo. Para Soares; Sátyro (2009), levando em
consideração resultados de vários outros trabalhos , as transferências sociais focalizadas, cujo
peso na renda total é de cerca de 1%, contribuíram com um terço da queda na desigualdade.
Só o PBF influenciou 20% desta redução. O mesmo autor defende que tal fato se deve à
progressividade dos benefícios, que por sua vez está ligada à focalização do Programa.
Em pesquisa intitulada Programas de transferência de renda e redução da pobreza e
desigualdades sociais no Brasil, no período de 2004 a 2011 de Paes-Sousa; Queiroga (2010)
os Autores defendem que, o país vem assistindo à redução da desigualdade social medida pelo
Índice de Gini, que reflete a concentração de renda de uma população. Segundo o estudo,
calculado com dados da PNAD, o Índice de Gini da renda domiciliar per capita no Brasil
passou de 0,597, em 1995, para 0,538, em 2009 e relata que, 16% desta queda se deve às
transferências do Programa Bolsa Família.
Analisando os dados de 2008 da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um grupo de técnicos
de Planejamento e Pesquisa da Diretoria de Estudos e Políticas Sociais (Disoc) do Ipea mostra
que, em 2008, houve uma queda da pobreza e uma diminuição da desigualdade de renda dos
domicílios brasileiros.
Os resultados mostraram que, as transferências governamentais foram responsáveis
por um terço da redução na desigualdade e ainda é possível aumentar sua progressividade
para que continuem agindo para gerar uma sociedade mais justa e não mais para reproduzir
desigualdades, que é o que ocorreu nas cinco décadas antes do final dos anos noventa.
Dados desta mesma pesquisa demostram que sem as transferências governamentais a
queda na desigualdade teria sido 34% menor. Porém, utilizamos aqui a concepção de
desigualdade citada em estudo realizado pelo IPEA (2010) – Bolsa Família 2003-2010:
avanços e desafios no qual defende que esta não diz respeito apenas a aspectos econômicos de
renda e riqueza, mas relaciona-se também à desigualdade nos indicadores de saúde, educação,
qualificação profissional e de acesso às políticas públicas em geral, a condições precárias de
moradia e à baixa participação, entre outros, tornando-se fundamental, tendo em vista a
complexidade do problema, uma articulação de tais políticas, de forma a empoderar as
famílias em situação de pobreza para o desenvolvimento de seus projetos de vida, de modo
inclusivo e emancipatório.
Nessa perspectiva igualmente defendemos que o PBF deve apresentar-se apenas como
parte de uma estratégia maior de combate à pobreza, que proporciona a complementação de 11
renda e que incorpora, por meio das condicionalidades, a questão do reforço ao exercício dos
direitos sociais e da articulação com as redes de proteção e desenvolvimento social das
famílias. Há que considerar para Silva (2007, p. 1437) que,
[...] para alcançar essa intencionalidade é necessário que ocorram mudanças
significativas no Sistema Educacional, de Saúde e de Trabalho, para permitir
a melhoria do ensino, do atendimento à saúde e do acesso e permanência no
trabalho, o que também demanda continuidade e sustentabilidade dos
Programas.
Indicações de diversos estudos anteriores evidenciam ainda um grande descompasso
entre a manutenção da transferência monetária e o oferecimento de serviços sociais básicos,
suficientes e de qualidade, para atender às necessidades das famílias e criar condições
favoráveis a sua autonomização.
Em relação aos impactos no quesito Pobreza, Soares; Sátyro (2009) demonstram que,
não houve impacto significativo no percentual de pessoas existentes na linha de pobreza
traçada pelo próprio Programa, ou seja, aquelas que sobrevivem com valores abaixo de R$
120,00, isso porque as transferências executadas por este são substantivamente menores que a
linha de R$120,00 per capta.
Para Silva (2007, p. 1438), tal fato se encaixa no campo dos limites do Programa, onde
destaca que, “um valor monetário muito baixo transferido às famílias, permite tão somente
manter as famílias beneficiadas num nível de mera reprodução biológica, sendo insuficiente
para produzir impacto efetivo na redução da pobreza”.
Ainda que se leve em consideração o que demonstra o estudo realizado por Sousa;
Queiroga (2010), quando definem a relação do PBF com melhoria de renda das famílias
apontando para um acréscimo de 21% na renda das famílias beneficiadas pelo Programa,
estamos aquém dos índices aceitáveis de pobreza. Porém de acordo com dados de 2008 da
PNAD o País foi capaz de reduzir a pobreza e, em particular, a extrema pobreza de forma
espetacular.
De acordo com o Perfil das Famílias Beneficiárias do PBF em 2009 dos 12,4 milhões
de famílias então beneficiárias, cerca de 4,3 milhões superaram a linha da extrema pobreza
(R$ 70,00 per capita/mês) graças à participação no Programa. Os benefícios do Bolsa Família
provocaram um aumento médio de 48,7% na renda familiar mensal per capita da população
atendida (de R$ 48,69 para R$ 72,42). Em 2008, a extrema pobreza foi reduzida à metade de
seu valor em 2003, portanto, fizemos em cinco anos o que o Primeiro Objetivo de
Desenvolvimento do Milênio (ODM) estabelece que seja feito em 25 anos. Entretanto, ainda
de acordo com esta mesma pesquisa, apesar da estrondosa melhora, o nível de desigualdade
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brasileiro continua muito elevado. Enquanto os 40% mais pobres vivem com 10% da renda
nacional, os 10% mais ricos vivem com mais de 40%. Embora a situação uma década atrás
fosse certamente pior, ainda hoje, a renda apropriada pelo 1% mais rico é igual à dos 45%
mais pobres.
Para Paes-Sousa; Queiroga (2009), a análise da série histórica da PNAD permite
constatar que 27,9 milhões de pessoas superaram a pobreza entre 2003 e 2009. Contudo, é
alarmante a persistência de extrema pobreza em cerca de 16,2 milhões de indivíduos,
conforme os dados do Censo 2010. Nesse sentido, os Programas de Transferência de Renda
devem integrar uma estratégia ampliada de combate à desigualdade e à pobreza, composta por
ações diversas.
Em relação às condicionalidades que o Programa impõe a os seus beneficiários, uma
síntese do 1º Relatório sobre os Impactos do Programa Bolsa Família – 2ª rodada,
demonstram os resultados positivos de tais condicionalidades nas áreas da saúde e educação à
saber:
A quantidade de crianças nascidas a termo, ou seja, após um período de gestação
entre 37 e 41 semanas, foi 14,1 pontos percentuais maior nas famílias beneficiárias, em
comparação com as famílias não beneficiárias;
A proporção de crianças beneficiárias consideradas nutridas foi, por sua vez, 39,4
pontos percentuais mais alta em comparação com crianças não beneficiárias, considerando-
se o Índice de Massa Corporal (IMC), que estabelece uma relação entre o peso e a altura das
crianças;
Vacinação em dia, especialmente quando se observam os índices de vacinação contra
Poliomielite. A proporção de crianças beneficiárias que receberam a primeira dose da Polio
no período apropriado foi 15 pontos percentuais maior do que a proporção de crianças de
famílias não beneficiárias. No caso da terceira dose, a proporção foi 25 pontos percentuais
superior. A vacinação contra Tétano, Difteria e Coqueluche (DTP) também foi mais
frequente entre as famílias beneficiárias do PBF, com uma diferença de 18 pontos
percentuais na segunda dose e de 19 pontos percentuais na terceira;
A frequência escolar de crianças de 6 a 17 anos das famílias beneficiárias foi 4,4
pontos percentuais maior em comparação com a frequência escolar das crianças das famílias
não beneficiárias. Somente na região Nordeste, essa diferença foi de 11,7 pontos percentuais
a favor das crianças das famílias beneficiárias;
Além disso, a progressão de ano para crianças de 6 a 17 anos de famílias
beneficiárias foi 6,0 pontos percentuais maior em comparação com famílias não 13
beneficiárias. O impacto é maior entre as meninas de 15 e 17 anos, quando a diferença chega
a 19 e 28 pontos percentuais, respectivamente.
No Estudo de Paes-Sousa; Queiroga (2009), os autores expõem comparações de dados
das duas pesquisas de Avaliação de Impacto do Programa Bolsa Família, realizadas em 2005
e 2009 respectivamente a 1ª e a 2ª etapas e concluem que a comparação entre os resultados
mostra melhoras significativas na vida das famílias entrevistadas, conforme os dados
anteriormente apresentados.
Entretanto, as famílias beneficiárias informaram que, em geral, não têm dificuldades
em cumprir as condicionalidades do PBF, mas nas regiões rurais a dificuldade em cumprir
condicionalidades de saúde é superior à encontrada nas regiões urbanas, especialmente devido
a problemas de acesso aos postos e unidades de saúde. Nesse sentido para Soares; Sátyro,
(2009, p. 14) “a função de proteção social do Programa se enfraquecer na medida em que
serão provavelmente as famílias mais vulneráveis as que não conseguirão cumprir as
contrapartidas mais rigorosas”.
Ocorre aqui a importância de reafirmar a relevância do posicionamento dos autores
citados quando declaram ser, apenas a transferência de renda insuficiente para o
enfrentamento da pobreza. É preciso associar as transferências à oferta de serviços e, se
necessário, à ampliação da rede de equipamentos públicos. Nesse sentido, as
condicionalidades não se aplicam somente às famílias beneficiárias, mas também ao Estado –
que deve prover a oferta de serviços e equipamentos. Atente-se ao fato de que os serviços,
neste caso, incluem os serviços de assistência social que, pela concepção do PBF, atuam de
maneira sinérgica com a transferência de renda. A integração entre benefícios e serviços é
essencial para assegurar a ruptura do ciclo intergeracional de pobreza, atacando não somente a
insuficiência de renda, mas também os aspectos multidimensionais da vulnerabilidade.
Além do que, ainda na concepção Soares; Sátyro (2009 p. 15),
[...] obrigatório ou não, o cumprimento dessas contrapartidas por parte das
famílias que vivem em situação de extrema vulnerabilidade social e de renda
não é tão simples quanto o é para as famílias menos vulneráveis. São
famílias cujo vínculo com a formalidade e a institucionalidade é mais frágil.
Vivem longe das escolas e dos postos de saúde. Frequentemente vivem além
do alcance dos correios. Supõe-se, portanto, que o Estado deva entrar
cumprindo seu dever constitucional de criar condições para que as famílias
façam a parte que lhes cabe, ainda que o acompanhamento de tais
contrapartidas seja crescentemente satisfatório atualmente.
Este mesmo estudo demonstrou que, na educação, o cumprimento de tais
condicionalidades passou de 62% das crianças em 2006 para quase 85% no final de 2008. Na
saúde, os indicadores de cumprimento das agendas passou de meros 6% das famílias no
14
primeiro semestre de 2005 até quase 60% no segundo semestre de 2008. Para o mesmo autor
não é que não existe necessidade de contrapartidas, mas deve-se entender que é exatamente
em função do alto grau de vulnerabilidade social que muitas famílias não conseguem atender
às exigências e, portanto, devem ser encontradas formas de lhes prestar ainda maior
assistência social, e não alijá-las do processo de resgate social.
Na visão de Silva (2007, p. 1430),
[...] é necessário não apenas a concessão do benefício às famílias em
condições de vulnerabilidades mas, sobretudo a articulação de transferência
monetária com políticas e programas estruturantes, enquanto um dos
pressupostos centrais dos Programas de Transferência de Renda no Brasil,
demandado a expansão e a democratização de serviços sociais básicos. Isso
exige a expansão quantitativa e qualitativa dos Sistemas de Saúde, de
Educação e de Trabalho, ainda muito precários entre nós.
Em relação à atuação da Intersetorialidade como possível estratégia necessária e
condicionante da futura emancipação das famílias beneficiadas pelo PBF, a que se pese a
concepção de alguns autores ao defender que, a posição do governo brasileiro é rejeitar a
busca pelas portas de saída, mas ao mesmo tempo deixar a porta entreaberta para políticas
sociais que busquem auxiliar as famílias beneficiárias a saírem da condição de pobreza. Isto
se faz mediante os programas complementares, que focalizam, nas famílias beneficiárias do
PBF, políticas de treinamento, de microcrédito ou de outros tipos. Alguns exemplos de
programas complementares são o Programa Brasil Alfabetizado, o ProJovem, o Projeto de
Promoção do Desenvolvimento Local e Economia Solidária, o Programa Nacional da
Agricultura Familiar, Programas de Microcrédito do Banco do Nordeste, a Tarifa Social de
Energia Elétrica e o Programa Luz para Todos, embora nenhum destes programas tenha sido
desenvolvido explicitamente para os beneficiários do Bolsa Família. Até agora, o único
programa desenhado explicitamente para os beneficiários do Bolsa Família foi o Plano
Setorial de Qualificação (PLANSEQ), que visa formar beneficiários do Bolsa Família para o
setor de construção civil.
Em relação ao perfil de Focalização do Programa a de se considerar os resultados da
pesquisa intitulada Bolsa Família 2003-2010: avanços e desafios, realizada pelo Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada em (2010). A pesquisa demostra que, quanto mais pobres as
pessoas, mais recebem o benefício. No entanto, há considerável erro de focalização quando se
considera a elegibilidade. Quase metade das famílias que recebe o PBF não atendia aos
critérios de entrada no programa. Resultados mostram que em 2004 e 2006, respectivamente,
42,5% e 49,2% das famílias que recebiam o PBF tinham uma renda per capita líquida da
transferência acima do critério de elegibilidade então vigente para o programa.
15
Para Silva (2007, p. 1436),
[...] o mais problemático seriam os critérios de elegibilidade utilizados para
inclusão das famílias. Além da centralidade dada à renda para qualificar
famílias pobres e extremamente pobres, o patamar de renda indicado para
inclusão é muito baixo. Isso faz com que, mesmo que o Programa consiga
alcançar todas as famílias brasileiras com renda per capita de R$ 120,00, fica
limitado ao atendimento do que se pode considerar da extrema pobreza.
Ademais, na medida em que o benefício da transferência monetária é em
médio R$ 61,43 mensais por família, estas estão destinadas a permanecer
num nível de extrema pobreza, com poucas possibilidades de autonomização
pelos limites de oportunidades concretas de inserção em políticas
estruturantes, como o trabalho, e devido a situações decorrentes dos próprios
traços da população atendida: pobreza severa e estrutural, baixo nível de
qualificação profissional e de escolaridade dos adultos das famílias, além de
limitado acesso a informações.
Este mesmo autor atenta para o risco de o PBF adotar uma perspectiva neoliberal/
conservadora de focalização cujo objetivo é tão somente atenuar a pobreza. Orientando-se
pela desresponsabilização do Estado e por corte de recursos dos programas sociais, centrando-
se em programas sociais compensatórios, emergenciais, assistencialistas, insuficientes,
descontínuos, direcionados para populações que vivem em situação de extrema pobreza. Essa
focalização fragmenta mais que focaliza na população pobre por ser incapaz de alcançar a
totalidade dos segmentos populacionais que estão demandando atenção especial.
5 – CONCLUSÕES
Há que se considerar que o Programa Bolsa Família se constitui hoje em um Programa
de extrema importância no panorama das Políticas Sociais no Brasil. Levando em
consideração o número de beneficiários assemelha-se às grandes Políticas Públicas do País,
como a saúde, educação pública e a previdência social e, por este motivo, compõe junto com
essas a espinha dorsal da política social brasileira. Ademais sabemos de seus impactos nos
indicadores que compõe a agenda de saúde, bem como as de educação, além da garantia dos
avanços na redução da pobreza, na diminuição da desigualdade de renda e na garantia de que
as crianças beneficiárias não se submetam ao trabalho infantil como antes.
Entretanto, não deixando de creditar as suas potencialidades e impactos como
demostrado na bibliografia citada ao longo desta pesquisa, devemos também expor os seus
limites e desafios e o fato é que, embora os números que medem a pobreza e a extrema
pobreza no País estejam em progressivo decréscimo desde a implantação do Programa, o fato
é que, ainda se constitui num desafio atacar os seus diferentes determinantes num País
marcado por profundas desigualdades sociais.
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O desenho do Programa, levando em consideração as suas diretrizes – Focalização,
Condicionalidades e Intersetorialidade – ainda possui inúmeras fragilidades a serem
superadas, mesmo sabendo de suas pretensões acerca da garantia do acesso a direitos sociais
básicos, no sentido de potencializar impactos positivos sobre a autonomização das famílias
atendidas.
Em relação às Condicionalidades, o que se discute é o fato de estarem ligadas ao
cumprimento de uma agenda de obrigações ligadas ao campo da saúde e educação, estando,
muitas vezes, os serviços indisponíveis em quantidade e qualidade suficientes para atender à
necessidades de emancipação futura das famílias beneficiadas. Além disso, fere o princípio da
não condicionalidade peculiar ao direito de todo cidadão ter acesso ao trabalho e a programas
sociais que lhe garantam uma vida com dignidade. O fato é que, em tese deveriam está
intrinsicamente ligados à Intersetorialidade, porém, apenas um único Programa complementar
foi pensado, até então, para instrumentalizar uma demanda reprimida de oportunidades, tendo
em vista as condições de vulnerabilidades a que estão expostos.
Por conseguinte, o conceito de Focalização traduz a escolha da implantação de uma
política restrita a um determinado grupo alvo, determinado mediante critérios estabelecidos
sejam eles de pobreza, deficiência, idade, renda, etc. Apesar de sabermos quão relevantes para
as famílias beneficiadas são suas ações, sabemos que investimentos em Políticas Públicas
Universais como saúde e educação mostrar-se-iam, claro que em longo prazo, mais efetivos
não apenas para que estas famílias pudessem, de fato, obter um futuro mais justo, próspero e
independente, mas, e, sobretudo porque Políticas Sociais de cunho Universal são aplicadas a
toda população, sem restrições de qualquer natureza, garantindo direitos sociais universais e
incondicionais, reduzindo as desigualdades e a pobreza por meio da inclusão e justiça social,
mediante a prática e implementação de suas ações de forma equânime e sustentada.
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MINI CURRICULO
Ivanilda Sousa Alves
Graduada em Enfermagem pela Universidade Federal da Paraíba
Pós Graduada em Gestão Pública Municipal pela Universidade Federal da Paraíba –
UFPB VIRTUAL
Coordenadora da Atenção Básica do município de Teixeira PB
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