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132 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

é representado pelas organizações com finalidade pública mas com re

cursos privados - ou seja, são organizações públicas não-estatais.

Portanto, a divisão é a seguinte: a) o primeiro setor é considera

do o Setor Público; b) o segundo é o Setor Privado mercadológico; c) o

terceiro faz papel, muitas vezes, de Setor Público; entretanto, em re

gra6 atua com recursos privados.

Em alguns países já se tem sustentado que estas organizações se

riam públicas, até procurando enquadrá-las dentro do primeiro setor.

Nesse sentido, o americano Barry Bozeman relata que "(••-) todas as

organizações são públicas porque a autoridade política afeta parte do

comportamento e os processos de todas as organizações. Esta simples

alegação contém a semente de uma teoria do público. Implica que: (1)

o público concerne aos efeitos da autoridade política; (2) as organiza

ções podem ser mais públicas em relação a certas atividades e menos

públicas em relação a outras; (3) todas as organizações são públicas,

porém algumas o são mais que outras. (...). Uma organização (qual

quer organização, sem importar setor ou morfologia) é pública na me

dida que exerce autoridade política ou é restringida por ela. Uma or

ganização é privada na medida que exerce autoridade econômica ou

se vê limitada por ela. (...). Possivelmente o mais importante, sem

embargo, é que uma visão multidimensional do público oferece um

meio para abordar a confusão setorial e as organizações híbridas, e ao

menos neste aspecto representa uma melhoria sobre o conceito de pú-

blico-como-governo".7

" Entretanto, no Brasil ainda se procura um novo espaço institucional para o Terceiro Setor, como ressalta o jurista José Eduardo Mar-

Os entes que integram o Terceiro Setor são entes privados, não vinculados à organi

zação centralizada ou descentralizada da Administração Pública, mas que não alme

jam, entretanto, entre seus objetivos sociais, o lucro e que prestam serviços em áreas

de relevante interesse social e público" {Terceiro Setor. São Paulo, Malheiros Edito

res. 2003, p. 13).

6. Diz-se "em regra" porque há hipóteses em que ele recebe estímulos positivos

do Estado, o que representa recursos públicos. Entretanto, ele atuará com recursos

privados, majoritariamente.

7. Barry Bozeman. Todas Ias Organizaciones sou Públicas, trad. de Pastor

Jesus Covián Andrade da obra Ali Organizations are Public. de 1987. México. Fondo

de Cultura Econômica. 1998. pp. 130-131.

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O SETOR PUBLICO 133

tins Cardozo. Segundo esse professor, tem sido "comum afirmarem

os juristas que as Constituições são sempre a síntese das relações de

poder existentes na sociedade em um dado momento histórico. Por

isso, a Constituição Brasileira de 1988 - freqüentemente chamada de

'Constituição-cidadã' - deve ser compreendida como uma verdadei

ra fotografia jurídica do período que se segue ao fim do regime mili

tar instituído em 1964. Estabelecendo o rompimento frontal com as

estruturas autoritárias, centralizadoras e antidemocráticas que marca

vam nossos textos constitucionais anteriores, e afirmando o princípio

de que o Brasil é um Estado de Direito, a nossa Lei Maior buscou es

truturar de forma independente e autônoma os Poderes do Estado e

defender o princípio federativo".

"No entanto, embora tenham sido instituídos instrumentos inova

dores voltados para o exercício da democracia direta (como, por exem

plo, a iniciativa popular de projetos de lei), não podemos deixar de

reconhecer que o nosso texto constitucional foi tímido na definição

de um espaço próprio a ser ocupado por organizações da sociedade

civil no campo das relações de parceria e de colaboração que podem

ser mantidas com o Estado. Talvez, no momento em que foi produzi

do o texto da nossa atual Carta Constitucional, a sociedade, nas suas

definições sociais e políticas, não se apresentasse de forma a impor

um retrato institucional diferente.

"Este quadro, porém, foi bastante alterado na última década. O

exercício da democracia, o desenvolvimento da cidadania, a percep

ção das deficiências estruturais do nosso aparelho de Estado e a assi

milação de experiências desenvolvidas em outros países colocaram

na ordem-do-dia o questionamento acerca de qual deveria ser o papel

da sociedade civil organizada na solução de problemas que afetam di

retamente a vida dos brasileiros. A necessidade de serem concebidos

organizações ou espaços 'públicos não-estatais' que pudessem propi

ciar, de modo transparente e eficiente, a prestação de serviços sociais

relevantes para toda a coletividade passou assim a ser uma questão

que mobilizou pensamentos e induziu ações de expressivos setores da

nossa sociedade.

"Estas novas formas de ação, porém, exigem a definição de um

novo espaço institucional, infelizmente não definido na fotografia

captada pelo nosso texto constitucional vigente. O nosso Terceiro Se

tor ainda continua, no plano jurídico e institucional, desenhado de for-

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134 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

ma não muito nítida nas parcerias que desenvolve com o Poder Públi

co, na medida em que permanece comprimido pelas tradicionais es

truturas e regras que governam o mundo público e o mundo privado.

"Por isso, entendemos que é necessário avançar na formulação

de novos modelos institucionais no campo do Terceiro Setor, para que

o novo universo das atividades públicas não-estatais possa ser desen

volvido com eficiência, sem prejuízo das naturais competências pró

prias do Poder Público, e sem a destruição dos saudáveis controles

que devem incidir sobre as atividades dos agentes públicos. Para tan

to, preconceitos devem ser superados por meio de um debate crítico,

aberto, franco, plural, em que posições políticas e ideológicas acerca

do papel do Estado precisam ser explicitadas, aprofundadas e discu

tidas, sem censuras ou inibições de qualquer natureza.

"Como um ponto de partida para esse debate, ao lado de uma

madura reflexão sobre o papel do Estado nas sociedades modernas,

não poderemos também deixar de considerar aspectos específicos da

realidade brasileira. Como ninguém desconhece, o Estado Brasileiro,

apesar de reformulado pela Constituição de 1988, ainda é administra

do a partir de estruturas políticas pouco transparentes, definidas his

toricamente por relações fisiológicas e clientelistas. Do mesmo mo

do, na nossa cultura política, a distinção entre o público e o privado

não se apresenta de forma nítida, o que gera graves conseqüências no

plano da formulação de ações e programas que possam vir a ser de

senvolvidos no âmbito de relações de parceria e de cooperação com

o Poder Público.

"Por isso, a definição de novos espaços institucionais para o Ter

ceiro Setor ou a formulação de políticas estatais mais arrojadas nesta

área devem também pressupor um enfrentamento ético radical com a

realidade estrutural e cultural que marca o atual Estado Brasileiro. O

desenvolvimento de ações pedagógico-soeiais que propiciem a eleva

ção do nível de consciência coletiva acerca da ética na gestão da coisa

pública é, assim, indispensável e inadiável para a afirmação plena

desta nova realidade institucional.

"A Modernidade nos apresenta, portanto, um grande desafio na

busca de um novo espaço institucional para o Terceiro Setor. Um de

safio ético, democrático, organizacional e político que, com certeza,

nos próximos anos, permeará os sonhos e as decepções que estejam

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O SETOR PUBLICO 135

relacionadas diretamente à construção de um novo Estado e de uma

nova sociedade."8 M

A expressão "Setor Público" evoluiu muito nos últimos tempos,

tanto no Brasil como no resto do mundo, já que não se pode negar que

algumas empresas privadas prestam serviços essenciais, que num

passado próximo somente se admitia serem prestados pelo Poder Pú

blico - serviços, esses, que já foram definidos em lei como essenciais,

proibida, inclusive, a total paralisação na sua prestação.9

O italiano Francesco Galgano relata que o aumento do Setor Pú

blico tem sido expressivo na Itália, e explica que a noção de "Setor

Público alargado" se apresenta como uma noção mais ampla do Esta

do, que o inclui, e compreende ainda uma miríade de organismos que

estão ao seu lado, explicando que a definição mais difundida é aque

la que abrange outra porção além do setor estatal (Estado, Adminis

tração Autônoma, Caixa Depósito e Financiadora, Agência pelo Sul

da Itália), ou seja, compreende também as regiões, os entes locais, os

entes previdenciários e assistenciários, os entes hospitalares, os entes

portuários e outros, não estabelecendo a necessidade de essas pessoas

jurídicas serem públicas; o critério, para ele, foi o do serviço público.10

A privatização trouxe ao mundo um novo quadro. Isto porque,

além de os Governos Federais, Estaduais e Municipais e suas empre

sas participarem de atividades eminentemente públicas por natureza,

atualmente, empresas privadas atuam em serviços de utilidade públi

ca, e dada a importância desses serviços é que o Estado continua re-

gulando-os, através, por exemplo, das tão criticadas agências de regu-

8. José Eduardo Manins Cardozo, "Um novo espaço instiiucional para o Tercei

ro Setor", disponível em www.joseeduardocardozo.com.br, acesso em 15.10.2003.

9. O art. 10 da Lei 7.783/1989 (Lei de Greve em Serviços Essenciais) conside

ra como senúços essenciais: I - o de tratamento e abastecimento de água e de pro

dução e distribuição de energia elétrica, gás c combustíveis; II - o de assistência

médica e hospitalar; III - o de distribuição e comercialização de medicamentos e ali

mentos; IV - os funerários; V - o de transporte coletivo; VI - o de captação e trata

mento de esgoto e lixo; VII - os de telecomunicações; VIII - o de guarda, uso e con

trole de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares; IX - o de

processamento de dados ligados a serviços essenciais; X - o de controle de tráfego

aéreo; XI - e o de compensação bancária.

10. Francesco Galgano. Dizionario Enciclopédico dei Diritto, vol. 2. Pádua.

CEDAM. 1996.

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146 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

Nas atribuições de comando ou de tomada de decisões podem ser

englobados planejamento, estudos, previsões, organização, controle e

relações públicas.

(I A função do Setor Público liga-se à promoção das atividades administrativas de atuação do Estado como agente econômico prestador

de serviço público,30 à ação de regulamentação da atividade econômi

ca e à estimulação da economia e dos serviços sociais através de in

centivos de ordem fiscal, tributária e financeira. Na primeira o Estado

desempenha funções de caráter empresarial e atribuições de governo

geral, provendo, basicamente, serviços de saúde, educação segurança

e infra-estrutura. Já, na sua ação de regulamentação da atividade eco

nômica o Estado rege, regulamenta, regula, limita, estimula, discipli

na o Setor Privado. A última situação é auto-explicativa, e aqui é onde

se encontram os chamados estímulos positivos. ||

No aspecto econômico - e este aqui também nos interessa - con

sideram-se como função do Setor Público a eficiência, a estabilidade

e a eqüidade.

A eficiência é vista no sentido de que, como as economias de

mercado são geralmente afetadas pelas falhas de mercado, quais se

jam o monopólio ou as extemalidades, necessita-se da intervenção do

Estado como forma de se impor perante essas deficiências. O que di

retamente torna as economias contemporâneas marcadas pela mistu

ra do mercado com a regulamentação estatal, determinando, dessa for

ma, o papel econômico do Estado.

O Assim, surgem dois problemas nessa atuação. O primeiro é que o

poder monopolístico cresce em velocidade impressionante, o que aca-

30. Eros Roberto Grau pontifica que:

""A prestação de sen-iço público está voltada à satisfação de necessidades, o

que envolve a utilização de bens e serviços, recursos escassos. Daí podermos afirmar

que o sen-iço público é um tipo de atividade econômica.

'"Serviço público - dir-se-á mais - é o tipo de atividade econômica cujo desen

volvimento compete preferencialmente ao Setor Público. Não exclusivamente, note-

se, visto que o Setor Privado presta serviço público em regime de concessão ou per

missão.

""Desde aí poderemos afirmar que seniço público está para o Setor Público

assim como a atividade econômica está para o Setor Privado"" {A Ordem Econômi

ca na Constituição de 1988, 10a ed.. São Paulo. Malheiros Editores. 2005, p. 103).

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O SETOR PUBLICO 147

ba por determinar um aumento dos preços; e, conseqüentemente, vê-

se um nível de eficiência abaixo do esperado, tudo em favor da pro

cura de lucros exacerbados pelas grandes empresas. O segundo fator

relaciona-se com a denominada externalidade ou irresponsabilidade

social da empresa;31 ou seja, é o que se verificava quando as empre

sas poluíam o ar, os rios, e nunca pagavam por isso. Entretanto, atual

mente, além das sanções pecuniárias cabíveis, os países têm adotado

normas de comportamento para obrigar as empresas a terem mais res

ponsabilidade social em suas atividades: Como exemplo pode-se citar

a Lei de Crimes Ambientais de 1998, que em seu art. 54 prevê pena

de reclusão de um a cinco anos para quem causar poluição da Natu

reza, seja o autor pessoa física ou jurídica. \\

Quanto à estabilidade, essa se liga à possibilidade de os Gover

nos influenciarem as flutuações do ciclo econômico através do esta

belecimento de níveis de produção, emprego e inflação. E isso se dá

com a utilização de dois grandes poderes que lhes são inerentes: o fis

cal e o monetário. Pelo primeiro cobram impostos e realizam despe

sas. O segundo consiste na gestão monetária e bancária, além da de

terminação das taxas de juros e das condições de crédito. Pode-se

afirmar, por isso, que a manutenção dessa estabilidade é contribuição

da política econômica keynesiana.32

feV O professor Aécio Flávio Lemos ensina que "a responsabilidade social deuma empresa consiste em sua decisão de participar mais diretamente das ações co

munitárias na região em que está presente e minorar possíveis danos ambientais de

correntes do tipo de atividade que exerce". Explica, ainda, que "a responsabilidade

social é vista como um compromisso da empresa com relação a sociedade e à Huma

nidade em geral. É uma forma de prestação de contas do seu desempenho, baseada

na apropriação e uso de recursos que não lhe pertencem" (A Administração de Talen

tos Humanos nas Organizações em Constantes Mudanças, 3a ed.. Franca. Gráfica

Armando. 2002. p. 69). fl

32. O economista George Daltan ensina que "a conclusão política de Keynes é

que o Governo deve servir-se dos seus formidáveis poderes para tributar, gastar e

modificar a quantidade de moeda e a taxa de juros de maneira a assegurar que a pro

cura efetiva total de bens e serviços normalmente produzidos seja sempre suficiente

para manter o nível de produção de pleno emprego. O Governo pode influenciar dire

tamente os níveis de despesa privada - consumo das famílias e investimento das em

presas -. fazendo variar os impostos e a taxa de juros, e pode fazer variar a sua pró

pria despesa em serviços de bem-estar (educação, saúde) e de capital social (estradas.

habitações econômicas), desequilibrando deliberadamente o seu orçamento anual. (...)

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148 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

Por fim, eqüidade consiste na atuação do Estado como promotor

da justiça social, no sentido de que o Estado não deve aceitar passi

vamente o que o mercado lhe propicia e as imperfeições deste merca

do. Por isso se vê, hodiernamente, um alargamento das políticas re-

distributivas - como, por exemplo, com o aumento da carga tributária

para quem mais ganha, o que é constitucionalmente possível, e dimi

nuição para quem menos ganha.

1.5 Quinto vetor: a reforma no Setor Público era necessária?

Primeiramente, é necessário frisar que, em que pese a todas essas

reformas implementadas na Constituição no sentido de se criar um

novo modelo de Administração Pública, ele ainda não existe. O Go

verno mudou a Constituição para mudar o Estado;33 mas, como se po

de perceber, de nada adiantou, já que só mudar a Constituição, por si

só, nada significa: é preciso implementar programas.

\\ Antes de tudo, nossa verdadeira Constituição de 1988 (e não essa

que está aí) era maravilhosa; entretanto, por ser composta por várias

normas de eficácia jurídica limitada, de princípios programáticos e

institutivos, tudo aliado à má vontade dos nossos governantes da épo

ca, seus principais programas não foram instituídos e/ou executa

dos - o que a tornou ineficaz ao sistema. Com essa justificativa, de

ineficácia, ficou fácil promover sua reforma.í|

as políticas keynesianas justificaram aquilo que a Esquerda não-comunista, na Ingla

terra e na América, movimento que. segundo penso, incluía muitíssimos economistas,

pretendia fazer de algum modo: conseguir que o Governo utilizasse os seus poderes

para tributar e gastar de maneira a tornar a distribuição do rendimento menos desigual

e aumentar a prestação de serviços de bem-estar social" (Sistemas Econômicos e So

ciedade, trad. de Álvaro de Figueiredo. Lisboa. Ulisseia. 1974. pp. 115-116).

33. A professora Maria Paula Dallari Bucci lembra que não se devem confun

dir a Reforma Administrativa e a Reforma do Estado, já que esta é "multívoca".

designando infinitos rearranjos possíveis dos elementos constitutivos do Estado". E

menciona que a Administração Pública pode ser reformada sem se reformar o Esta

do: entretanto, o vice-versa não é possível, ou seja. só se reformará o Estado se se

promover alterações nos aspectos jurídicos - e aqui acrescenta-se econômicos - da

Administração Pública (Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo. Sa

raiva, 2002. p. 30, nota de rodapé 67).

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O SETOR PUBLICO 153

suas características negociadoras - ou seja: passa-se de uma adminis

tração burocrata para uma gerencial.

1| Como ressaltaram Les Metcalfe e Sue Richards, o Setor Público

"não está numa situação em que as velhas verdades possam ser rea

firmadas. É uma situação que requer o desenvolvimento de novos

princípios. A Administração Pública deve enfrentar o desafio da ino

vação mais do que confiar na imitação. A melhoria da gerência públi

ca não é só uma questão de se estar em dia com o que está ocorrendo

na iniciativa privada: significa também abrir novos caminhos".34l

Todavia, essas mudanças poderiam ter sido feitas sem tantos

estardalhaços, já que nossa Constituição não restringia a promoção da

eficiência administrativa; pelo contrário, tinha e tem como dogma

que a Administração Pública deve estar voltada para satisfazer o cida

dão e suas necessidades, e para isso, se necessário, poderão ser feitas

parcerias com oSetor Privado, introduzindo tecnologia, novos mode

los de gestão e, conseqüentemente, tornando os serviços públicos, no

mínimo, satisfatórios à população.

Quanto ao órgão regulador, este não se legitima se não demons

trar resultados à sociedade. Ele deverá estar atrás de soluções, numa

busca constante de tornar a Administração eficiente; ou seja: terá que

mudar de concepção, olhar além da lei, olhar os motivos determinan

tes dos atos administrativos.

2. Estrutura geral do Setor Público

A realização de um estudo do Setor Público obriga à análise de

sua organização, principalmente tendo em vista o local de suas uni

dades na estrutura global da Administração. Por isso, toda a organi

zação administrativa deve ficar formulada em um esquema comum,

que, se não for sistemático e racional, poderá ensejar confusão entre

os órgãos e também inibir a participação dos administrados na pró

pria Administração; estes desconhecerão os canais da atuação admi

nistrativa, pela confusão causada.

39. Les Metcalfe e Sue Richards. La Modemización de Ia Gestión Pública,

Madri. 1NAP. 1989. p. 29.

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154 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

De outro lado, esta questão tem-se tornado cada vez mais impor

tante, dado o aumento do intervencionismo estatal na economia. Além

do quê, quanto maior for o número de atividades atribuídas à Admi

nistração, mais necessário será aumentar o tamanho dos organismos

que as gestionam e criar outros para os novos tipos de ação que se in

corporam aos afazeres públicos. Como reflexo disso pode-se citar a

grande ampliação do número de Ministérios em cada Governo que

passa por este país.

Com efeito, como no passado havia o antigo dogma liberal que

limitava a função dos entes públicos à garantia meramente formal do

livre e espontâneo desenvolvimento social, com o desmoronamento

do espírito liberal abstencionista e as novas idéias sociais houve alte

rações significativas no panorama, dando lugar a uma tendência cres

cente para a criação de Administrações especializadas e a um incre

mento da burocracia, entendida como organização do pessoal, que

necessita da Administração para a realização de suas atividades com

plexas, com a supervisão dos responsáveis políticos.

Entretanto, essa Administração de caráter eminentemente buro

crático sofreu várias críticas fundadas na tentativa de prover a eficiên

cia da Administração Pública, pretendida por todos e que fora objeto

de reforma constitucional, na esperança de legitimar essa pretensão.

\\ O Estado, caracterizado por essa Administração burocrática - co

mo prega o ex-Ministro da Administração Federal e Reforma do Esta

do, Luiz Carlos Bresser Pereira -, "concentra-se no processo; em

definir procedimentos para a contratação de pessoal, para a compra

de bens e serviços; e em satisfazer as demandas dos cidadãos, (...). A

burocracia atenta para os processos, sem considerar a alta ineficiên

cia envolvida, porque acredita que este seja o modo mais seguro de

evitar o nepotismo e a corrupção. Os controles são preventivos, vêm

a priori. Entende, além disso, que punir os desvios é sempre difícil,

para não dizer impossível; prefere, pois, prevenir. A rigor, uma vez

que sua ação não tem objetivos claros - definir indicadores de desem

penho para as agências estatais é tarefa extremamente difícil -, não

tem outra alternativa senão controlar os procedimentos"."^!

40. Luiz Carlos Bresser Pereira. "Gestão do Setor Público: estratégica e estru

tura para um novo Estado", constante da obra coletiva Reforma do Estado e Admi

nistração Pública Gerencial, coordenada pelo próprio autor em conjunto com Peter

Spink. 41 ed.. São Paulo. FVG, 2001. p. 28.

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156 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

da economia e da melhoria dos serviços públicos básicos. A Reforma

procurou criar condições para a reconstrução da Administração Públi

ca em bases modernas e racionais, substituindo modelos baseados em

princípios burocráticos, vistos como inadequados diante da comple

xidade da realidade brasileira, num quadro de internacionalização de

mercados".43

M Percebem-se, portanto, as constantes mudanças por que passa o

sistema administrativo brasileiro. Cabendo ressaltar que, em que pese

ao fato de a Administração gerencial ser apenas uma forma de Admi

nistração, ela causa reflexos inclusive na própria estrutura do Estado.

Isto se dá pela sua disposição em tornar mais eficiente essa defasada

Administração Pública. Como ressalta Lúcia Valle Figueiredo, "na

verdade, no novo conceito instaurado de Administração gerencial, de

'cliente', em lugar de administrado, o novo 'clichê' produzido pelos

reformadores, fazia-se importante, até para justificar perante o país as

mudanças constitucionais pretendidas, trazer ao texto o princípio da

eficiência"."^l

II Ou seja, de acordo com esse novo conceito, a Administração de

verá se adequar para tratar seus administrados como verdadeiros

clientes, na medida de sua adequação aos moldes da administração

privada.4\\

Fernando Luiz Abrucio explica como essas mudanças se deram

na Grã-Bretanha, salientando que, "mesmo no Setor Privado, houve,

ao longo da década de 80, uma modificação no que se refere à antiga

visão meramente quantitativa de avaliar o sucesso e o desempenho

dos empregados e da organização. Foi na iniciativa privada que nas

ceu a abordagem da Administração da qualidade total, posteriormen-

43. Suriman Nogueira de Souza Jr. "Administração Pública gerencial: refor

mas e desigualdades", in Marcos Juruena Villela Souto e Carla C. Marshall (coords.).

Direito Empresarial Público, Rio de Janeiro, Lumen Júris. 2002. p. 156.

44. Lúcia Valle Figueiredo, Curso de Direito Administrativo. 7a ed.. São Paulo.

Malheiros Editores. 2004. p. 64.

fJ. Não se pretende afirmar, aqui, que a Administração Pública moderna, como

tentaram propor alguns gerencialistas mais extremistas, deve seguir fielmente as ino

vações da administração privada, até porque ambas tpossuem traços diferentes. A

Administração Pública tem um sistema de valores e de objetivos diametralmente

opostos à administração privada, demonstrado classicamente pelos seus princípios

basilares: supremacia e indisponibilidade do interesse público. j|

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158 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

" Luiz Carlos Bresser Pereira, um dos maiores entusiastas dessaodiosa Reforma, sintetiza o que ela atingiu ou envolveu, ou deveria

atingir ou envolver, considerando como características principais da

reforma sete funções, quais sejam: "a) a descentralização dos servi

ços sociais para Estados e Municípios; b) a delimitação mais precisa

da área de atuação do Estado, estabelecendo-se uma distinção entre

as atividades exclusivas que envolvem o poder do Estado e devem

permanecer no seu âmbito, as atividades sociais e científicas que não

lhe pertencem e devem ser transferidas para o Setor Público não-esta-

tal, e a produção de bens e serviços para o mercado; c) a distinção

entre as atividades do núcleo estratégico, que devem ser efetuadas por

políticos e altos funcionários, e as atividades de serviços, que podem

ser objeto de contratações externas; d) a separação entre a formula

ção de políticas e sua execução; e) maior autonomia para as ativida

des executivas exclusivas do Estado, que adotarão a forma de 'agên

cias executivas'; 0 maior autonomia ainda para os serviços sociais e

científicos que o Estado presta, que deverão ser transferidos para (na

prática, transformados em) 'organizações sociais', isto é, um tipo par

ticular de organização pública não-estatal, sem fins lucrativos, con

templado no orçamento do Estado (como no caso de hospitais, uni

versidades, escolas, centros de pesquisa, museus etc); g) assegurar a

responsabilização {accountability) através da administração por obje

tivos, da criação de quase-mercados e de vários mecanismos de

democracia direta ou de controle social, combinados com o aumento

da transparência no serviço público, reduzindo-se concomitantemen-

te o papel da definição detalhada de procedimentos e da auditoria ou

controle interno - controles clássicos da Administração Pública buro

crática - que devem ter um peso menor".4!!

O marco legal dessa Reforma pode ser representado pelas

seguintes normas: a) Lei 8.031/1990, que tratava das privatizações,

substituída posteriormente, em 1997, pela Lei 9.491, que ampliou

esse processo; b) Emendas Constitucionais 5, 6, 7, 8 e 9, de 1995, e

19 e 20, de 1998; c) legislações que cuidaram de criar as agências re

guladoras.

48. Luiz Carlos Bresser Pereira. "Reflexões sobre a Reforma Gerencial Brasi

leira de 1995". disponível em bresseqiereira.ecn.br. p. 3.

Page 12: Curso de direto administrativo econômico

160 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

buída a promoção e realização dos interesses coletivos por iniciativa

própria, para execução de preceitos jurídicos ou por imposição do

bem comum, e utilizando todas as técnicas adequadas à obtenção dos

resultados visados, podendo também praticar atos jurisdicionais rela

cionados com a sua atividade fundamental".50

Tentaremos dar uma visão geral desses dois sentidos da Adminis

tração, bem como passar pela ação administrativa em sua concepção

moderna, que engloba a Administração de gestão, a Administração

estimuladora e Administração reguladora.51

2.1.1 Princípios norteadores da organização administrativa

Antes de falar em organização administrativa é necessário efe

tuar uma digressão, para posteriormente situar este tema.

A Administração está envolta em uma série de processos admi

nistrativos que objetivam resultados. Conforme já pregou no passado

o professor de administração da Universidade de Columbia William

H. Newman, a administração deve ser entendida como "a orienta

ção, a direção e o controle dos esforços de um grupo de indivíduos

visando a um objetivo comum".52

50. Idem, p. 15.

||. Cada uma dessas ações administrativas será devidamente estudada em capí

tulos a elas destinados. Entretanto, não nos eximimos de conceituá-las sinteticamen-

te, para facilitar metodologicamente o seu estudo.

Administração Pública de gestão é a que tem por finalidade gerir as atividades

de prestação de serviços públicos e sociais exercidas diretamente pelo Estado, bem

como dirigir outras atividades inerentes ao Estado, como: as emissões públicas (divi

da pública, bônus do Tesouro, prevenção de endividamento das estatais); a interven

ção no mercado financeiro; o controle de divisas e câmbios; promoção de desenvol

vimento; administração das finanças públicas; provisão de receitas - enfim, visa à

promoção da tão procurada eficientização através da boa gestão do dinheiro público.

A ação de estimulação corresponde a promoção de incentivos positivos às ati

vidades privadas que adotem comportamentos que o Estado considere de interesse

relevante à sua Administração.

A Administração reguladora pode ser entendida como aquela que visa a regu

lar o desenvolvimento das atividades privadas; para isso. pode utilizar-se da polícia

administrativa, da intervenção do Estado na Economia, entre outros instrumentos. 1|

52. William H. Newman. Ação Administrativa, trad. de Yandi de Almeida Ro

drigues. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan. 1964. p. 4.

Page 13: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 161

Num momento posterior Newman afirmava que se poderia ana

lisar a administração expondo as funções do administrador, ou seja,

fixando suas tarefas. Segundo este Professor, estas tarefas podem ser

separadas por processos preordenados, que seriam: o planejamento, a

organização, a reunião de recursos, a direção e o controle.

|| Newman enumera e explica cada um desses processos, observan

do sua concepção:

1. Planejar - determinar a tarefa a realizar. No sentido aqui em

pregado, o planejamento abrange uma vasta gama de decisões, tais

como esclarecer os objetivos, firmar as políticas, traçar programas e

campanhas, estabelecer métodos e procedimentos específicos e fixar

a programação diária.

2. Organizar - agrupar as atividades necessárias à realização dos

planos em unidades administrativas e definir as relações entre a che

fia e os empregados dessas unidades.

3. Reunir recursos - obter, para utilização pela empresa, o pes

soal de chefia, o capital, as instalações e tudo mais que seja necessá

rio à execução dos planos.

4. Dirigir - emitir instruções. Isto inclui a questão vital de expli

cação aos responsáveis pela sua execução, bem como o contato pes

soal, diário, entre o "patrão" e seus subordinados.

5. Controlar - assegurar que os resultados obtidos correspon

dam, tanto quanto possível, aos planos. Isto implica estabelecer pa

drões, dar às pessoas motivação para atingir esses padrões, comparar

os resultados obtidos com o padrão estabelecido e a necessária ação

corretiva quando a execução desviar-se do plano.f|

Dizer que a esses processos bem se ajusta a Administração Públi

ca não seria irrazoável, pois o bom administrador público sempre faz

seu planejamento para gestão da res publica, devendo fixar metas e

meios para serem cumpridos, sempre dirigindo, controlando a execu

ção de seus planos.

Pode-se apontar alguns vetores nos quais se baseia a Administra

ção Pública para reger seu quadro organizacional. O Decreto-lei 200,

de 25.2.1967, que dispõe sobre a organização da Administração Fede

ral, encarregou-se de estipular cinco princípios para as atividades do

53. Idem. p. 5.

Page 14: Curso de direto administrativo econômico

162 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

Setor Público. Entretanto, há outros princípios que são indispensáveis

à organização administrativa - e, portanto, serão também estudados.

2.1.1.1 Princípio da hierarquia

H A hierarquia caracteriza-se por uma organização vertical, onde se

têm dois sujeitos, o superior e o inferior/subalterno. O primeiro tem,

em regra, poderes de direção, enquanto o segundo tem o dever de

obedecer aos direcionamentos traçados pelo primeiro.

Este princípio liga-se intrinsecamente ao poder hieráquico, uma

vez que tal poder é conferido ao administrador para organizar a estru

tura funcional da Administração Pública bem como fiscalizar a atua

ção dos seus funcionários.

É um dos princípios mais importantes da Administração, pois

através dele é que o administrador, desde os tempos mais remotos,

vem compondo e escalonando a Administração Públ icaIfcxempli ficando: em 1967 havia no Brasil 16 Ministérios, conforme previa o

art. 35 do Decreto-lei 200, de 25.2.1967. Em 2006 encontramos 23

Ministérios, conforme prevê a Lei 10.683, de 28.5.2003, que tratou

da organização da Presidência da República e dos Ministérios. No

Governo anterior já se encontravam 20 Ministérios.

\ | Celso Spitzcovsky menciona a dupla importância desse princípio,

tanto para a Administração como para os administrados, pregando ele

que: "Na primeira hipótese, destarte, permite o esclarecimento quanto

à forma de ingresso, quanto aos critérios para ascensão na carreira,

quanto ao cumprimento de ordens estabelecidas por superiores hierár

quicos. (...) se encontra intimamente relacionado com as questões

envolvendo a delegação, bem como a avocação de competências, pois

só poderão se realizar dentro dos limites previamente estipulados pela

Administração. Para a segunda hipótese, a importância desse princípio

se revela, em especial, para aqueles que, embora não integrantes da

Administração, litigam com ela. (...) exemplo, o conhecimento da

forma pela qual se estrutura a Administração assume contornos impor

tantes em relação à propositura de ações judiciais contra o Poder

Público, em especial quando se trata de mandado de segurança"41

p.47.

54. Celso Spitzcovsky. Direito Administrativo. 3»ed.. São Paulo. Paloma. 2001.

Page 15: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 163

H O princípio da hierarquia tem algumas características. Diogo Frei

tas do Amaral leciona que são três estas características: "a) existência

de um vínculo entre dois ou mais órgãos e agentes administrativos; b)

comunidade de atribuições entre os elementos da hierarquia; c) vín

culo jurídico constituído pelo poder de direção e pelo dever de obe

diência".5- A estas três pode-se acrescentar sua principal característi

ca, ou seja, de que ela é uma organização administrativa vertical.

A primeira característica apontada pelo mencionado Professor

significa que sem um órgão e um agente administrativo, ou dois ór

gãos administrativos de níveis escalonados, é impossível falar em

hierarquia, já que ela pressupõe uma relação entre superior e subal

terno.

A segunda característica só é necessária para deixar claro que as

partes de uma hierarquia (superior e subalterno) devem caminhar

junto na luta por objetivos comuns.

A terceira característica nada mais é que a necessidade de se ter

um vínculo jurídico, que aqui é denominado de relação hierárquica.

Quanto à última característica - organização administrativa ver

tical -, só é necessário mencioná-la em virtude de se ter modelos de

organização administrativa horizontal, onde se trabalha em equipe,

colegiadamente, consensualmente ou sob coordenação paritária. Nes

ses casos não há hierarquia. | f

A hierarquia comporta duas distinções ou espécies: a hierarquia

interna e a externa. A primeira liga-se à organização hierárquica entre

os agentes públicos; já a segunda trata da hierarquia entre os órgãos

públicos.

\\ É interessante ainda mencionar que o superior hierárquico é por

tador de quatro poderes inerentes ao seu cargo ou função: o poder de

direção, o de supervisão, o de inspeção e o poder disciplinar.

O primeiro representa o poder do agente superior de dar ordens,

passar instruções normativas, monitorar seus subalternos em relação

aos serviços que serão prestados. Já o poder de supervisionar consis

te em suspender ou revogar os atos praticados pelos subalternos que

55. Diogo Freitas do Amaral. Curso de Direito Administrativo, cit.. 2a ed.. vol.

1. p. 635.

Page 16: Curso de direto administrativo econômico

164 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

estejam eivados de vícios. A inspeção tem por finalidade promover a

constante fiscalização dos serviços e atitudes dos subalternos. E o po

der disciplinar é a atribuição que tem o superior para punir seus infe

riores por qualquer ato contrário aos princípios constitucionais da Ad

ministração Pública, bem como por atos praticados contra legem. \\

|t Cabe, aqui, ressaltar que o princípio da hierarquia é indispensá

vel para que se tenha uma boa administração e organização adminis

trativa. Qualquer que seja o estágio encontrado na Administração

Pública de um país, esteja em um alto grau de evolução ou não, sem

esta hierarquia não há como se chegar a uma eficientização da Admi

nistração. \y

2.1.1.2 Princípio da desconcentração

Historicamente, com o crescimento desmesurado do Estado, foi

necessário que o Rei dividisse suas funções administrativas entre pes

soas de sua confiança, para que pudesse, assim, manter sua posição

dentro do Estado. Desse modo, diagnosticando o problema, encon

trou como saída a criação de Ministérios, os quais iniciaram a chama

da desconcentração.

\\ Na moderna Administração, com o grande número de afazeres

estatais, torna-se praticamente impossível uma única pessoa concen

trar todos os poderes de decisão em suas mãos, como ocorria no pas

sado, com o sistema da centralização; surgindo, então, o sistema da

desconcentração.

A desconcentração figura como um dos principais sistemas de

organização administrativa. Pressupõe hierarquia, pois "consiste em

distribuir poderes de decisão pelos vários graus de uma hierarquia,

em vez de os reservar sempre ao superior máximo".5<1|1

Para o francês Jean Rivero a desconcentração figura como mo

dalidade da centralização. Explica este Jurista que a desconcentração

em seu país consiste "na transferência para um agente local do Esta

do de um poder de decisão até aí exercido pelo supremo da hierar-

56. Marcello Caetano, Princípios Fundamentais do Direito Administrativo.

reimpr. portuguesa da ed. brasileira de 1977. Coimbra. Livraria Almedina. 1996. p. 71.

Page 17: Curso de direto administrativo econômico

166 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

zar construções, através do Decreto de 15.1.1933, teria autorizado um

camponês a construir, às margens de uma estrada de ferro, um gali

nheiro de 3m6: - o que demonstra claramente os problemas burocrá

ticos causados por este instituto, que já nessa época, onde o volume

de pessoas num Estado não era tão grande, gerava casos patéticos.

Adentrar o tema descentralização tem sido um grande problema

para qualquer estudioso do direito público. Isto porque a doutrina não

chegou a uma pacificação quanto à definição e divisão do tema, po-

dendo-se, assim, encontrar classificações de várias ordens. Procurare

mos demonstrar algumas dessas divisões, sem prejuízo da existência

de outras. Para isso as classificaremos em momentos e transcrevere

mos conceitos de alguns autores.

Num primeiro momento pode-se encontrar aqueles que mencio

nam apenas a descentralização administrativa, considerando-a como

um gênero que engloba até a desconcentração, ou considerando-a em

sentido amplo. Entre eles encontram-se Guido Zanobini e Marcos

Juruena Villela Souto, que a consideram um gênero; e Vital Moreira,

que fala em descentralização em sentido amplo.

\\ O primeiro fala em descentralização administrativa subdividin-

do-a em duas espécies: a burocrática, que é a própria desconcentra

ção, pois há uma divisão interna de competências dentro da mesma

pessoa jurídica; e a autárquica, que se subdividiria em territorial e

institucional. A territorial existe quando aos entes locais - Municí

pios, Estados ou outra circunscrição administrativa - são atribuídos

poderes, sendo que o serviço utilizará dessa autonomia para melhor

atender aos interesses da região em que está atuando. E institucional

quando se trata de institutos privados, empresas públicas e socieda

des de economia mista, ou pessoas de direito público, autarquias e

fundações, todos responsáveis pela prestação de serviços públicos.6||

I* Marcos Juruena Villela Souto explica bem essa posição unicista

da descentralização: "Não é apenas através da criação de autarquias

ou de entidades paraestatais que ocorre a descentralização. (...). Esta

é a descentralização por outorga ou institucional, na qual o Estado,

62. ldem. ibidem.

63. Guido Zanobini. ■"Decentramento amministrativo". in Scrítii Minori. reimpr.

da ed. de 1950. vol. 2*. Milão. Giuftrè Editore. 1990. pp. 7 e ss.

Page 18: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 167

através de lei, cria uma entidade (nova pessoa jurídica) e a ela trans

fere a titularidade de uma atividade administrativa. Assim, as autar

quias e paraestatais passam a personalizar uma determinada função.

(...). A descentralização por desconcentração ocorre dentro da própria

estrutura administrativa, sem criação de uma pessoa jurídica, objeti

vando o descongestionamento do serviço através da repartição das

funções entre os órgãos. (...). Por fim, tem-se a descentralização por

delegação ou por colaboração, pela qual se transfere para terceiros,

estranhos à estrutura da Administração Pública (Direta, Indireta ou

Fundacional), a execução transitória de atividades que a ela cabem. É

que nem sempre (aliás, raras vezes) os órgãos e entidades que inte

gram a Administração Pública são auto-suficientes para solucionar as

demandas que decorrem do dinamismo do interesse público. Daí a

necessidade de chamar a iniciativa privativa a prestar a sua colabora

ção, o que ocorre através de atos administrativos, unilaterais (permis

sões), bilaterais (contratos) ou multilaterais (convênios e consórcios).

Existe, ainda, o reconhecimento de serviços de utilidade pública (exem

plo: organizações não-governamentais)".f|

Nosso ordenamento positivo recepcionou a descentralização ad

ministrativa sem fazer distinção entre a mesma e a desconcentração,

que é o que se infere da leitura do art. 10, § 1Q, do Decreto-lei 200/

1967:

"Art. 10. A execução das atividades da Administração Federal

deverá ser amplamente descentralizada.

"§ l2. A descentralização será posta em prática em 3 (três) pla

nos principais: a) dentro dos quadros da Administração Federal, dis-

tinguindo-se claramente o nível de direção do de execução; b) da Ad

ministração Federal para a das unidades federadas quando estejam

devidamente aparelhadas e mediante convênio; c) da Administração

Federal para a órbita privada, mediante contratos ou concessões."

Marcello Caetano, ao interpretar o Decreto-lei 200/1967 e escre

ver sobre o direito administrativo brasileiro em 1976, relatou, naque

le momento, que: "Na doutrina européia é corrente a distinção entre

64. Marcos Juruena Villela Souio. Desestatização, Privatização, Terceirizações

e Regulação. 4J cd.. Rio de Janeiro. Lumen Júris. 2001. p. 9. Para melhor aprofunda

mento, v., do mesmo autor. Direito Administrativo Regulatório. Rio de Janeiro. Lu

men Júris. 2002. pp. 219-224.

Page 19: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 171

"(...) a existência de uma pessoa, distinta da do Estado, a qual,

investida dos necessários poderes de administração, exercita ativida

de pública ou de utilidade pública. (...).

"Diversa da descentralização é a desconcentração administrati

va, que significa repartição de funções entre os vários órgãos (des-

personalizados) de uma mesma Administração, sem quebra de hie

rarquia. Na descentralização a execução de atividades ou a prestação

de serviços pelo Estado é indireta e mediata; na desconcentração é

direta e imediata.

"(-..) a descentralização e a desconcentração realizam-se, nor

malmente, por lei".71

f| Jean Rivero distingue descentralização de desconcentração.

Entretanto, quanto à desconcentração, conforme já fora salientado ao

tratar desse princípio, ele a considera uma espécie de centralização - ou

seja, a desconcentração teria surgido em França antes da descentrali

zação. Seu surgimento adveio, segundo Rivero, porque "muitas vezes

a prática faz com que se introduzam atenuantes, concedendo a certos

agentes administrativos do Estado o poder de decidirem por si mes

mos, no local, questões que não é necessário fazer chegar até o Minis

tro"72 (já que a forma de governo na França é um misto entre Presi

dencialismo e Parlamentarismo).!*

Entretanto, como cabe aqui analisar, se há o englobamento da

desconcentração pela descentralização, Rivero deixou clara sua posi

ção contrária à inserção daquela como espécie de descentralização.

Para este autor a diferença entre elas é clara, conforme pode-se per-

71. Hely Lopes MekeUes. Direito Administrativo Brasileiro, 31*6(1., São Paulo.

Malheiros Editores. 2005. pp. 737-738.

72. Jean Rivero. Direito Administrativo, cit., p. 355.

73. Melhor explicando, há atualmente na França - e também em outros países

que adotam essa forma mista de governo - uma combinação de um Executivo-Par

lamentarista com um chefe de Estado (Presidente) eleito pelo voto direto e com

poderes políticos alargados. O Presidente também tem autoridade sobre o Governo,

é ele quem nomeia e exonera o chefe de governo e pode também, se houver motivos

para isso. dissolver o Parlamento e convocar novas eleições. O chefe de governo é

um primeiro-ministro, responde tanto ao Parlamento quanto ao Presidente. Conclui-

se, entào. que nessa forma de governo mista há uma concorrência de poderes entre o

Parlamento e o Presidente no desempenho de atividades do Poder Executivo.

Page 20: Curso de direto administrativo econômico

172 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

ceber quando ele relata essa diferença: "Vemos portanto a diferença

entre descentralização e desconcentração. Na desconcentração a deci

são é sempre tomada em nome do Estado por um dos seus agentes;

há apenas substituição por um agente local (por exemplo, o prefeito)

do chefe da hierarquia (normalmente o Ministro). Na descentraliza

ção a decisão já não é tomada em nome e por conta do Estado por um

dos seus agentes; mas em nome e por conta de uma colectividade

local por um órgão que dela emana. Os dois processos conduzem, na

verdade, a 'aproximar a Administração do administrado', mas por duas

vias radicalmente diferentes".74

Márcio Fernando Elias Rosa, como os outros, apenas lembra que

há a Administração desconcentrada quando "a competência para o

exercício da atividade é repartida ou espalhada por diversos órgãos

(Ministérios, Secretarias e outros órgãos despersonalizados)". Ele ex

plica que a Administração centralizada é aquela onde todas as ativi

dades são exercidas pela própria entidade estatal. E frisa também que

a Administração descentralizada ocorre quando "a atividade adminis

trativa é deferida a outras entidades dotadas de personalidade jurídi

ca, seja por outorga (lei), seja por delegação (contrato)".75

II Carmen Díez Valle explica a forma tomada pela descentralização

e pela desconcentração na Espanha, bem como menciona o aparato

constitucional que lhes foi dado. A descentralização naquele país ocor

re quando há uma "cessão de determinadas competências próprias da

Administração do Estado às Comunidades Autônomas ou a entes lo

cais, ou das Comunidades Autônomas aos entes locais". Relata, em

seguida, a base constitucional dada a este processo descentralizador,

dizendo que "a Constituição tem aberto um importante processo de

descentralização ao reconhecer às Comunidades Autônomas e entes

locais autonomia para a gestão de seus respectivos interesses". Em

relação à desconcentração, Carmen Díez Valle sustenta ser este insti

tuto consistente na "transferência da titularidade e exercício de uma

determinada competência de um órgão hierarquicamente superior a

um inferior pertencente à mesma Administração Pública". Afirmando

a mesma autora que a Constituição Espanhola estabelece que o prin-

74. Jean Rivero. Direito Administrativo, cit.. pp. 356-357.

75. Márcio Fernando Elias Rosa. Direito Administrativo. São Paulo. Saraiva.

2001. p. 24.

Page 21: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 173

cípio da desconcentraçao deve reger a atuação da Administração Pú

blica junto aos princípios da eficácia, hierarquia, descentralização e

coordenação.7f| |

Celso Spitzcovsky, adotando essa divisão, esclarece que a des

centralização "tem lugar sempre que a execução de um serviço públi

co for retirada das mãos da Administração direta, sendo transferida

para terceiros que com ela não se confundem". E alerta também que

esse fenômeno é inconfundível com a desconcentraçao, já que esta

"significa a transferência de competências de um órgão para outro,

mas dentro da Administração direta, mediante diversos critérios, co

mo o territorial, o geográfico, o hierárquico, por matéria, como se ve

rifica, a título de exemplo, com a criação de Administrações Regio

nais ou Subprefeituras".77

Lúcia Valle Figueiredo é bem pragmática ao tratar do assunto,

entendendo, por sua vez, que "Há descentralização administrativa

quando, por lei, determinadas competências são transferidas a outras

pessoas jurídicas, destacadas do centro, que podem ser estruturadas

à maneira do direito público (autarquia e fundações de direito públi

co), ou estruturadas sob forma do direito privado (empresas públicas

e sociedades de economia mista), sem embargo de não se submete

rem inteiramente a esse regime jurídico".7"

Diógenes Gasparini, a respeito da descentralização, é taxativo ao

dizer que ela não deve ser confundida com a desconcentraçao, cha

mando a atenção para suas distinções. Segundo ele: "Na descentraliza

ção têm-se duas pessoas: a entidade central e a descentralizada; a que

outorga e a que é outorgada. Na desconcentraçao só há uma: a central.

Na descentralização a atividade transferida ou a sua simples execução

está fora da Administração Pública, ao passo que a atividade descon-

centrada está no seu interior. Lá não há hierarquia, aqui há".79

Passando para um terceiro momento, encontram-se aqueles que,

definindo descentralização, chegaram a conceitos de duas ordens: a

76. Carmen Díez Valle, Diccionario Jurídico Espasa. Madri. Espasa Calpe.

1997. p. 340.

77. Celso Spitzcovsky. Direito Administrativo, cit.. 31 ed.. p. 79.

78. Lúcia Valle Figueiredo. Curso de Direito Administrativo, cit.. l1 ed.. pp. 84-85.

79. Diógenes Gasparini. Direito Administrativo. 81 ed.. São Paulo. Saraiva.

2003. p. 286/

Page 22: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 179

Na Espanha subsiste o Estado Autonómico, chamado pela dou

trina de Federalizável ou Autonomizável,96 Regional,*7 ou também

chamado Estado Unitário Politicamente Descentralizado, que é aque

le onde "o órgão central, através de uma simples lei ordinária, prevê

Legislativos regionais, bem seja para editar leis ou tão-somente exe

cutá-las. Trata-se de uma delegação de poderes feita pelo Governo

central, a critério seu, mas por disposição de lei ordinária e não da

própria Constituição".98

Melhor explicando, conforme ensina o jurista Dalmo Dallari, o

Estado Regional é menos centralizado que o Unitário; entretanto, não

chega aos extremos de descentralização do Federalismo. Dallari diz,

ainda, que grande parte dos escritores que tratam do tema Estado

Regional entende ser ele "apenas uma forma unitária um pouco des

centralizada, pois não elimina a completa superioridade política e ju

rídica do poder central"."

O interesse nesse ponto em relação ao Estado Autonómico Espa

nhol justifica-se pelo fato de que a doutrina espanhola, em relação à

desçoncentração, sustenta haver duas formas pelas quais esse institu

to se manifesta.

Carmen Díez Valle parece ter-se apercebido do problema concei

tuai, e esclarece que, tratando-se da ordem jurídica daquele país, po

dem ser encontradas duas formas de desconcentração: a primeira seria

„_$. Assim chamado pela constitucionalista Cármen Lúcia Antunes Rocha, ao

explicar que "mesmo Estados que não expressam o princípio federativo adotam fór

mulas constitucionais de descentralização de exercício do poder no território, positi

vando, então, modelos que não cabem na forma unitária, contrapondo à descentrali

zação federativa na classificação tradicionalmente aceita no direito constitucional.

Fala-se, então, em Estado Federalizável ou Estado Autonomizável. como se dá em

Espanha. A descentralização política do exercício do poder no território dos Estados

dá a tônica predominante mesmo nesse caso" (República e Federação no Brasil:

Traços Constitucionais da Organização Política Brasileira, cit.. p. 171). ||

97. José Afonso da Silva aponta como exemplo de Estados Autonómicos a Es

panha e a Itália (Curso de Direito Constitucional Positivo. 251 ed.. São Paulo. Ma-

Iheiros Editores. 2005. p. 99).

98. Celso Ribeiro Bastos. Dicionário de Direito Constitucional, São Paulo.

Saraiva. 1994. p. 70.

99. Dalmo Dallari. Elementos de Teoria Geral do Estado. 191 ed.. São Paulo.

Saraiva. 1995. p. 215.

Page 23: Curso de direto administrativo econômico

184 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

to aos graus, ele entende que há seis graus de descentralização, que

seriam os seguintes: "a) simples atribuição de personalidade jurídica

de direito privado. É uma forma meramente embrionária de descentralização; b) atribuição de personalidade jurídica de direito público.

Aqui, sim, começa verdadeiramente a descentralização administrati

va; c) além da personalidade jurídica de direito público, atribuição de

autonomia administrativa; d) além da personalidade jurídica de direi

to público e da atribuição de autonomia administrativa, atribuição de

autonomia financeira; e) além das três anteriores, atribuição de facul

dades regulamentares; 0 para além de tudo o que ficou enumerado,

atribuição também de poderes legislativos próprios. Aqui já estamos

a sair da descentralização administrativa para entrarmos na descentra

lização política".114

Fixadas todas essas posições, cabe, ainda, registrar uma posição

singular na doutrina a respeito da descentralização administrativa - po

sição, esta, sustentada pelo catedrático Diógenes Gasparini. Segundo

esse autor, a descentralização pode ser para pessoa pública e para pes

soa privada. Na primeira hipótese, através de lei a Administração cria

uma autarquia e, segundo ele, transfere a titularidade e a execução do

serviço a esta pessoa jurídica de direito público prestadora de serviço

público; a fundação também se enquadra aqui. Na segunda hipótese

a Administração Pública, através de privatizações, transfere somente

a prestação de serviços (a titularidade não!) a pessoas jurídicas de

direito privado, ou seja, às sociedades civis, comerciais, industriais,

ao terceiro setor, e ainda as componentes da própria Administração

Pública Indireta, neste caso, às empresas públicas e às sociedades

de economia mista.115

2.1.1.4 Princípio da delegação

" "Delegar funções" significa transmitir a outrem poderes para praticar atos administrativos. Sustenta-se a delegação no fato de que, co

mo o Estado é muito amplo e não seria possível uma só pessoa prati

car todos os atos, ele designa outras para que atuem também em nome

do Poder Público, sem que a prestação do serviço público sofra abalos. i\

114. Idem.p. 698.

115. Diógenes Gasparini. Direito Administrativo, cit.. 8a ed.. pp. 286-394.

Page 24: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 185

' Marcello Caetano apontava a importância de distinguir órgão deagente; isto porque, enquanto este é mero colaborador "na formação

da vontade a manifestar pelos órgãos, ou a dar execução às decisões

destes sob sua direção e fiscalização", pode-se dizer que aquele tem

como característica fundamenta] a "função de exprimir uma vontade

imputável à pessoa coletiva". Ao mencionar o instituto da delegação,

o precitado Professor dizia que: "(...) é hoje muito freqüente em todos

os países a delegação de competência ou delegação de poderes em

virtude da qual um órgão pode autorizar os agentes que a lei especi

ficar a tomar decisões em seu lugar. Isto é: a lei, indicando qual o ór

gão normalmente competente para a prática de certos actos, prevê que

haja outro elemento, órgão ou agente, eventualmente competente pa

ra os praticar, desde que se produza uma manifestação de vontade do

órgão normal a encarregar o outro de fazer, manifestação que consti

tui o acto de delegação propriamente dito"."fj

Ampliando o estudo sobre delegações, Diogo de Figueiredo Mo

reira Neto propõe critérios subjetivos e objetivos para explicar esse

instituto. Os primeiros considerando o delegante e os segundos con

siderando a natureza das atribuições transferidas.

ií Para esse autor, sob o critério subjetivo se poderia encontrar a

delegação de funções de Poder a Poder; dentro de um Poder, de órgão

a órgão; de uma unidade federada a outra; e delegação de funções a

particulares. A primeira, segundo ele, encontraria barreira no Pacto

Federativo, cabendo somente na hipótese, excepcionada pela própria

Constituição, da lei delegada."1 A segundo hipótese foi recepcionada

116. Marcello Caetano. Princípios Fundamentais do Direito Administrativo,

cit.. p. 52.

117. Segundo Michel Temer:

"As leis delegadas derivam de exceção ao princípio da indelegabilidade de atri

buições.

"(...) prevista no art. 59. IV. e depois no art. 68 da Constituição, (...).

"Delegar atribuições, para o constituinte, significa retirar parcela de atribui

ções de um Poder para entregá-lo a outro Poder.

"(...) é. efetivamente, a transferência de parte da atividade legislativa ao Presi

dente da República.

"A delegação ao Presidente da República se faz por meio de resolução do Con

gresso Nacional (art. 68. § 2*).

"(...) só é possível delegar ao Presidente da República se este solicitar" {Ele

mentos de Direito Constitucional, cit.. 20a ed.. p. 150).

Page 25: Curso de direto administrativo econômico

186 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

pela Constituição, e pode ocorrer, por exemplo, dentro do Poder Exe

cutivo entre o Presidente e seus Ministros de Estado, Procurador-Ge-

ral da República e Advogado-Geral da União. Para a delegação de

funções de uma unidade federada a outra, o precitado Professor

exemplifica que ela pode se dar mediante convênio, que, segundo ele,

foi recepcionado implicitamente no art. 25, § 1-, da Carta Constitu

cional. Por último, as atribuições que não têm caráter decisório, de

simples execução material - tais como serviços públicos não-essen-

ciais -, segundo o autor, poderiam ser transferidas a particulares por

lei, contrato ou ato administrativo, f I

Em relação ao critério objetivo das delegações, Diogo de Figuei

redo Moreira Neto as divide em três: delegações de funções normati

vas, administrativas e jurisdicionais.nti

Portanto, in casu, ao se mencionar a delegação como princípio se

pretende apenas demonstrar que no Setor Público é comum a prática

de delegações com o intuito de distribuir melhor as funções, para que

haja uma melhor especialização da Administração.

2.1.1.5 Princípio da legalidade (constitucional)

W Como um dos princípios norteadores da organização administrativa e também, como bem ressalta Canotilho, um dos "subprincípios

concretizadores do princípio do Estado de Direito","9 o princípio da

legalidade não deve ser compreendido apenas como aquele sustenta

do no não-fazer sem previsão legal, ou seja, que a legalidade é atuar

em conformidade com a lei e com os princípios do campo adminis

trativo. O aspecto que se deseja conceder à legalidade, neste caso, so

brepuja o não-fazer administrativo, já que neste a legalidade se miti

ga quando se depara com a solução de um fato que não está previsto

legalmente, pois tem-se tornado consensual que, se não houver regra

escrita em lei, não quer dizer que o administrador não possa atuar: ele

deve, sim, atuar, mas de acordo com a analogia, os costumes e os prin

cípios gerais do direito público. |(

118. Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Curso de Direito Administrativo. 1 Ia

ed.. Rio de Janeiro. Forense, 1998. pp. 25-26.

119. Canotilho. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 2a ed.. Coim

bra. Livraria Almedina. 1998. p. 249.

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O SETOR PUBLICO 187

' As leis de que se trata aqui são aquelas conhecidas pela doutrina

como "leis constitucionais", que, como prega Sampaio Dória, são

"todas as que se referem à estrutura e ao funcionamento do Estado, e

nada mais. (...). O Estado pode ser Unitário ou Federativo, e é a lei

que o determina. O Estado pode ser Republicano ou Monárquico,

e é a lei que o institui. Como organização da soberania, pode o Esta

do ter um só órgão supremo, ou dois, ou três independentes e coorde

nados, por onde se exerça a soberania, e é a lei que o estabelece. O

Estado pode funcionar sob o regime parlamentar, como sob o presi

dencial, e é a lei que os adota. Todas as leis sobre a estrutura do Esta

do são leis constitucionais. (...). São, em suma, leis constitucionais:

Io) as que talham a estrutura do Estado; 2U) as que determinam as com

petências dos poderes; 3Ü) as que definem os direitos fundamentais do

homem, e instituem garantias a este direitos".'H

Explicado o que é uma lei constitucional, restou subentendido

que só ela pode reger a estrutura organizativa de um Estado - e, é

claro, respaldada nos ditames constitucionais.

No Brasil, a lei constitucional organizativa do Estado em termos

federais era a Lei 9.649, de 27.5.1998. Entretanto, a Medida Provisó

ria 103, de 1.1.2003, convertida, em 28 de maio desse mesmo ano, na

Lei 10.683, alterou substancialmente, pois revogou expressamente o

que não se coadunava com essa lei, conforme consta de seu art. 57.121

H Quanto aos Estados, Municípios e o Distrito Federal, cada um tem

(ou deveria ter) sua própria lei organizativa. Todavia, a ausência da

lei não impede que estes entes federados se auto-organizem, aplican

do, neste caso, o princípio do paralelismo das formas,122 devendo es

tes entes seguir a estrutura traçada na Constituição e nas lei cons

titucionais para a Administração Pública Federal. E, tratando-se de

120. Antônio de Sampaio Dória. Direito Constitucional. 5* ed.. vol. 1.1. I. São

Paulo. Max Limonad. pp. 265-267.

121. Com a conversão da Medida Provisória 103 em lei. esse artigo foi renu-

merado: "Ari. 59. Revogam-se as disposições em contrário, especialmente as da Lei

n. 9.649. de 27 de maio de 1998. com as alterações introduzidas pela Medida Provi

sória n. 2.216-37. de 31 de agosto de 2001. e os §§ lüe 2^ do art. 2U da Lei n. 8.442.

de 14 de julho de 1992".

122. Também chamado de princípio constitucional extensível.

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188 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

Municípios, devem observar a respectiva lei estadual, se inexistente

sua lei municipal organizativa.12^)

Questão similar foi levada ao Supremo Tribunal Federal por meio

de ação direta de inconstitucionalidade, tendo este Tribunal unanime

mente decidido pela aplicação desse precitado princípio, in casu, para

os Tribunais de Contas Estaduais, dizendo que o parâmetro para se

organizar (compor) os Tribunais de Contas do Estado é o previsto na

Constituição Federa! - ou seja, o do art. 73, § 2Ü; sendo que eles de

vem ter sete conselheiros, conforme dispõe seu art. 75, parágrafo úni

co, e nos Estados e Municípios124 o governador e o prefeito devem es

colher três conselheiros, e suas respectivas Casas Legislativas os quatro

restantes. Eis o teor da ementa do julgamento: "Tribunal de Contas

Estadual: composição. Tratando-se de Tribunal de Contas Estadual

composto por sete conselheiros - composição, esta, que impede arit-

meticamente a adoção do modelo federal da terça parte (CF, art. 73,

§ 2a, I, e art. 75) -, é firme a jurisprudência do Supremo Tribunal Fe

deral no sentido de que quatro conselheiros devem ser escolhidos

pela Assembléia Legislativa e três pelo chefe do Poder Executivo Es

tadual, cabendo a este escolher um dentre auditores e outro dentre

membros do Ministério Público, alternadamente, e um terceiro à sua

livre escolha. Com base nesse entendimento, o Tribunal julgou pro

cedente a ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Rio

Grande do Sul para declarar a inconstitucionalidade do art. 74 da

Constituição do mesmo Estado, bem como do art. 21 do ADCT da

mesma Constituição, que, dispondo sobre o Tribunal de Contas Esta

dual, previam a escolha de cinco conselheiros pela Assembléia Legis

lativa e de dois conselheiros pelo Governador, com a devida aprova

ção pela Assembléia Legislativa. Precedentes citados: ADI n. 219-PB

(DJU 23.9.1994); ADI n. 419-ES (RTJ 160/772); ADI/MC n. 1.043-

MS (RTJ 158/764)" (ADI 892-RS, rei. Min. Sepúlveda Pertence,

18.3.2002).

123. No caso dos Municípios, sua organização com freqüência encontra-se na

sua própria Lei Orgânica, que. na verdade, é uma verdadeira Constituição Municipal.

124. Nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro subsistem ainda os Tribu

nais de Contas Municipais. Justifica-se, dadas as proporções físicas, demográficas e

financeiras dessas cidades.

Page 28: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 189

2.1.1.6 Princípio da desburocratização

" Como bem explica o jurista português Diogo Freitas do Amaral,o princípio da desburocratização "significa que a Administração Pú

blica deve ser organizada e deve funcionar em termos de eficiência e

de facilitação da vida aos particulares - eficiência na forma de pros

seguir os interesses públicos de caráter gera!, e facilitação da vida ao

particulares em tudo quanto a Administração tenha de lhes exigir ou

haja de lhes prestar (...). É um princípio difícil de aplicar, mas (...)

impõe ao legislador, e à própria Administração, que esta permanente

mente se renove nas suas estruturas e nos seus métodos de funciona

mento, para conseguir alcançar tal objetivo".l2f|

|| No Brasil podemos entendê-lo como um princípio constitucional

implícito que se encontra dentro do explicitado princípio da eficiên

cia. Nesse sentido, o constitucionalista Alexandre de Moraes o consi

dera como uma das características do princípio da eficiência. i:ll

Atualmente, podemos encontrar o Programa Nacional de Desbu

rocratização, criado pelo Presidente Figueiredo em 1979, na tentativa

de proporcionar serviços e assistência sem tantas dificuldades. Esse

Programa foi instituído pelo Decreto 83.740/1979 e revigorado em

2000 com a criação do Comitê Interministerial de Desburocratização,

no âmbito do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e os

Comitês Executivos Setoriais de Desburocratização, com o Decreto

3.335, de 11.1.2000. Seus objetivos ligam-se ao impulsionamento da

redução da interferência do Governo na vida do cidadão e nas ativi

dades das empresas e outras entidades organizadas, com vistas a abre

viar a solução dos casos em que essa interferência se fizer necessária,

125. Diogo Freitas do Amaral. Curso de Direito Administrativo, cit.. 21 ed.. vol.

I. p. 726.

126. Moraes considera que deve ser dado à desburocratização o mesmo senti

do dado pelos publicistas portugueses José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Morei

ra, que. em sua obra Constituição da República Portuguesa Anotada, sustentaram:

"(..-) burocracia administrativa, considerada como entidade substancial, impessoal e

hierarquizada. com interesses próprios, alheios à legitimação democrática, divorcia

dos dos interesses da população, geradora dos vícios imanentes às estruturas buro

cráticas, como mentalidade de especialistas, rotina e demora na resolução dos assun

tos dos cidadãos, compadrio na seleção de pessoal. (...)" (Alexandre de Moraes.

Direito Constitucional Administrativo. São Paulo. Atlas. 2002. pp. 109 e 111).

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190 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

viabilizar a redução de custos e, principalmente, promover a contri

buição para a melhoria do atendimento ao público nos órgãos e nas

entidades da Administração Pública Federal.

Entretanto, parece que ele ainda não engrenou. Quem sabe agora,

com essas mudanças de governo (Federal e Estadual), ele passe a fun

cionar: é o que todos esperam.

2.1.1.7 Princípio do desenvolvimento

" No moderno Estado constitucional o princípio do desenvolvimen

to une-se às finalidades que o sentido sócio-econômico aduz, regulan

do, controlando e dirigindo o Estado com o objetivo de favorecer e

melhorar as condições de vida e o equilíbrio entre áreas territoriais

e setores econômicos e se determinando pelas características da popu

lação sobre a qual incidem a competência e a jurisdição do Estado. l|

f I Em um sentido mais técnico, desenvolvimento liga-se diretamente

a planiftcação, aqui considerada como uma nova modalidade de atua

ção administrativa e que supera ou engloba as tradicionais atividades

de polícia, estímulos positivos e serviços públicos. O Estado diagnos

tica sua situação sócio-econômica e, a partir desse estudo, fixa o ponto

de partida e as providências que deverão ser tomadas, delimitando os

objetivos e ações a realizar durante determinado período de tempo. !■

|| Adotando-se um conceito de desenvolvimento, o que melhor se

ajusta ao sistema acolhido por todos os países é o proposto por Mo

desto Carvalhosa, segundo o qual "poder-se-ia, assim e desde logo,

conceituar o desenvolvimento nacional ou econômico (...) como o

princípio no qual se fundamenta o conjunto de medidas legislativas,

administrativas e operacionais promovidas pelo Estado, de caráter

global, setorial ou regional, vinculando as entidades econômicas - pú

blicas e privadas - a um constante incremento de suas atividades, pela

implantação, melhoramento e expansão da produção de bens e servi

ços, visando ao constante aumento e à racional distribuição da renda

nacional, em níveis condizentes com as necessidades superiores do

Estado, da coletividade e da personalidade de cada um".l-j|

127. Modesto Carvalhosa, A Ordem Econômica na Constituição de 1969. São

Paulo. Ed. RT. 1972. p. 70.

Page 30: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 191

M Amoldo Wald professou, quanto à noção de desenvolvimento,

entendimento similar ao de Carvalhosa, entretanto com uma conota

ção mais política, considerando relevantes o momento histórico pelo

qual passa um país, as ações governamentais e a atuação popular na

persecução dos objetivos traçados, entendendo o desenvolvimento

como um "conjunto de normas voltadas para a realidade nacional do

momento, orientadas para a ação que o Governo e o povo pretendem

exercer sobre a situação atual e inspiradas por princípios de justiça

distributiva e comutativa".'f I

Já para o argentino Roberto Dromi o desenvolvimento deve re

presentar a passagem da estabilidade momentânea para incorporar o

crescimento social no futuro. E, no seu entendimento, o desenvolvi

mento exige regras oferecidas pelo Direito moderno, entre elas os

"princípios de concertación econômica, orden econômico 'juridizado',

ambiente 'sostenible' y 'racionalizado', inversión 'optativa', deuda

'posible', crédito 'accesible', ciência y técnica 'asistidas', ingreso

'distribuído', tributación 'equitativa' e integración 'regional'".12y

No Brasil houve maior preocupação com o planejamento do de

senvolvimento nas décadas de 1930 e 1940, período no qual inicia

ram-se pesquisas objetivando direcionar o desenvolvimento brasilei

ro partindo da delimitação da estrutura econômica. Segundo Werner

Baer: "Um dos primeiros a vir à luz, nos anos 30, foi o Relatório Nie

meyer, publicado em 1931, e preparado por Sir Otto Niemeyer, con

vidado pelo Governo a visitar o Brasil, a fim de estudar a precária si

tuação econômica do país e sugerir medidas para superar a crise

provocada pela depressão. Niemeyer foi o primeiro a declarar, publi

camente, aquilo que já era percebido por muitos brasileiros, ou seja,

que a principal fraqueza do país consistia em apoiar-se ele na expor

tação de um ou dois produtos agrícolas. Esta a razão de a crise atin

gir o Brasil com maior violência que outros países. Mas o Relatório

foi recebido sem muito entusiasmo, pois consistia verdadeiro sacrilé-

128. Amoldo Wald, O Direito do Desenvolvimento. São Paulo. Ed. RT. 1967,

pp. 9-10.

129. Roberto Dromi. Derecho Administrativo, cit.. 9J ed.. p. 41.

Page 31: Curso de direto administrativo econômico

196 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

2-1-1.8 Princípio da aproximação dos serviços às populações

Consiste na estruturação da Administração de forma a tornar os

serviços por ela prestados mais acessíveis à população. "Acessibili

dade", aqui, deve ser entendida como: a) uma aproximação geográfi

ca dos serviços, onde o estudante tenha direito a uma vaga em esco

la situada em seu bairro, ou o doente o direito de ser internado em

hospital no seu bairro, e neste ponto retirar seus medicamentos; b) uma

desburocratização, para facilitação do acesso do usuário aos serviços

públicos, no sentido de não fazer com que um idoso, que mal conse

gue chegar ao hospital, tenha que entrar na fila às 4h da manhã para

ser atendido, quiçá, no outro dia, se era mais fácil ele marcar sua con

sulta dando apenas um telefonema; c) uma aproximação humana, ou

seja, deve o funcionário público receber treinamento para que trate

todos usuários de serviços públicos com mais irmandade e cordiali

dade - pouco existentes no funcionalismo público brasileiro. ||

I* Por fim, cabe ressaltar que os serviços públicos concedidos, sujeitos a tarifas ou preços públicos, não podem ser considerados ina

cessíveis caso o cidadão não tenha recursos para prover ao seu paga

mento. Um exemplo que pode ser aqui citado são os pedágios em

algumas rodovias brasileiras: há pequenos fazendeiros que diaria

mente têm que transitar por estas rodovias e que, por isso, acabam ten

do que pagar valores incompatíveis com sua renda. Essa situação deve

ser analisada tendo em vista o princípio da proporcionalidade, sope-

sando-se o fato de eles estarem sendo indiretamente impedidos de tra

balhar, por essa condição imposta pelo Estado. Neste caso, a situação

exposta deve ser particularizada, "desigualando os desiguais" e os

submetendo a uma taxação menor que a daquelas pessoas que ocasio

nalmente transitam por essas rodovias. ||

2.1.1.9 Princípio da participação dos interessados

na gestão da Administração Pública

Significa, aqui, dizer que a função do cidadão não fica restrita à

de mero eleitor. Ele deve participar do cotidiano da Administração,

inclusive quando da tomada de decisões administrativas. Continua

havendo a democracia representativa, entretanto com algumas prerro

gativas dadas aos cidadãos no sentido de legitimar sua participação

na gestão administrativa.i*

Page 32: Curso de direto administrativo econômico

198 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

administrar sem planejar é inconcebível. Tanto o é que, atualmente,

tem-se tentado inibir administrações desplanejadas e, conseqüente

mente, desastrosas, com altos gastos públicos, sem resultados concre

tos. Numa dessas tentativas é que sobreveio a Lei de Responsabilida

de Fiscal (Lei Complementar 101), que até, de certa forma, incrimina

situações em que não houve prévio planejamento pelo administrador.141^

Em razão dessa importância, a planificação da Administração Pública

foi estudada em capítulo próprio, para o qual remetemos o leitor..

2.1.1.11 Princípio da coordenação

I* O princípio da coordenação pode ser entendido em dois sentidos:primeiro no seu sentido tradicional, aquele previsto no Decreto-lei

200/1967, arts. 8Ü e 9U; e o segundo sentido é o da Administração Pú

blica coordenada.|l

11 No sentido legal e estudado pela doutrina tradicional, coordena

ção significa que as atividades da Administração deverão estar devi

damente ordenadas para a execução dos planos e programas de go

verno. Hely Lopes Meirelles entende que o princípio da coordenação

tem por objetivo "entrosar as atividades da Administração, de modo

a evitar a duplicidade de atuação, a dispersão de recursos, a divergên-

za as expressões como sinônimas. Já Eros Roberto Grau fala em planejamento indi

cativo e em planejamento compulsório. Mas, como bem leciona Oscar Dias Corrêa:

'O planejamento é indicativo, e. em geral, fica à ação privada larga margem de atua

ção. Já na planificação - e a Língua Portuguesa permite a diferenciação nítida dos dois

processos - há um plano geral, integral, total, que o Estado traça e impõe a toda a cole

tividade, compulsoriamente'. Data venia. há de prevalecer o interesse na precisão ter-

minológica, com a correspondente diferenciação, que. de resto, é amplamente conhe

cida" (São Paulo. Método, 2003. pp. 307-308j.'Ainda podemos acrescentar o jurista

Sérgio de Andréa Ferreira, que entende que "planejamento é o processo, planificação

é o resultado, e o plano o documento que o formaliza" ("Eficácia jurídica dos planos

de desenvolvimento econômico". RDA 140/16). O português Simões Patrício entende

que "planejamento - que mais se dirá programação - é apenas indicativo e o plano

constituído por previsões, diretivas, conselhos oficiais. No segundo caso. teremos pro

priamente uma planificação. de caráter imperativo: o plano como lei. (...)" (Curso de

Direito Econômico. 21 ed.. Lisboa. AAFDL. 1981. p. 727).||

148. Para estudo sobre a matéria, v. Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini. Cri

mes de Responsabilidade Fiscal. São Paulo. Ed. RT. 2001.

Page 33: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 199

cia de soluções e outros males característicos da burocracia". Explica

o precitado Professor que coordenar é "harmonizar todas as ativida

des da Administração, submetendo-as ao que foi planejado e poupan-

do-a de desperdícios, em qualquer de suas modalidades".149 Deve-se

ressaltar que a coordenação deve dar-se no mínimo nos moldes dos

arts. 8* e 9D do Decreto-lei 200/1967. ||

II Para Manuel de Oliveira Franco Sobrinho, coordenar "não éaqui apenas uma palavra de dicionário, mas 'ação de controle dire

tivo' das variadas e dispersas funções administrativas. Tanto que o le

gislador, após o 'planejar', tendo em apreço o 'quadro brasileiro',

passou a considerar, face à hierarquia de posições, os aspectos na Ad

ministração da coordenação, da descentralização, da delegação de

competência e do controle". Ressalta o autor, em outro momento, que

"o importante mesmo é o planejamento ou a planificação das ativida

des governamentais. Surge a coordenação como a conseqüência de

dois fatos: a) um, cuja natureza é da essência dos regimes institucio

nais administrativos; b) outro, marcado pelos liames que dão sistema

aos planos de governo e de administração".'fl

II Lembra William H. Newman que "a necessidade de coordenaçãonão constitui novidade. Já no século XVIII o pessoal de produção de

James Watt dirigia aos projetistas memorandos do seguinte teor: 'En

carecemos a necessidade de dispensarem mais cuidado aos flanges

das peças fundidas. Estamos tendo inúmeras razões de queixa nesse

sentido, e fomos obrigados a desbastar os ferros para dar-lhes o devi

do formato. Um pouco mais de atenção da usa parte ter-nos-ia evitado

essa despesa'. O agente de compras reclamava: 'As rodas do movi

mento alternativo são tão ruins que será necessário substituí-las. Que

brou-se a parte superior da bieía. Seus munhões apresentam ranhaduras

da espessura de uma moeda desgastada. É mau o ajuste das crema-lheiras e setores dentados, havendo ainda uma série de outras falhas'.

Ao que replicavam os engenheiros: 'Por que, em vez de declararem

simplesmente e em termos gerais, que há desajuste de peças, não nos

fornecem especificações detalhadas?""51 Newman explicava que a

149. Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, cit.. 311 ed.. p. 736.

150. Manuel de Oliveira Franco Sobrinho. Comentários à Reforma Administra

tiva Federai São Paulo. Saraiva. 1975. pp. 72-73 e 79.

151. William H. Newman, Ação Administrativa, trad. deYandi de Almeida Ro

drigues. Rio de Janeiro. Guanabara Koogan. 1964. p. 417.

Page 34: Curso de direto administrativo econômico

200 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

execução das atividades administrativas deve ser sincronizada, unifi

cando as atividades de determinado grupo de trabalho. ||

Os juristas Eduardo Garcia de Enterría e Ramón Fernandez expli

cam que: "(...) si Ias directrices se revelan como instrumentos idôneos

para asegurar una coordinación puntual de Ias acciones de una plura-

lidad de sujetos dotados de autonomia funcional, solo los planes, en

cuanto actos complejos que incorporan un diagnóstico de Ia situación,

un pronostico de su evolución, un cuadro de prioridades y objetivos y

un programa sistemático de acción en función de aquéllos, pueden

asegurar globalmente Ia convergência imprescindible de Ias distintas

acciones, sin Ia cual no puede conseguirse ei óptimo de eficácia en

ningún sistema. Los planes, Ia planificación, constituyen por ello Ia

máxima expresión de Ia coordinación en su aspecto funcional".152

\\ Assim, administração pública coordenada pode ser entendida

como a cooperação e a colaboração entre órgãos e entidades públicas

e outras entidades públicas ou privadas, respectivamente. Desta for

ma, a Administração busca alcançar seus objetivos realizando gestão

associada,153 parcerias154 e privatizações em sentido amplo; sendo que

estas últimas foram justificadas pela busca da eficiência e pela insu-

152. Garcia de Enterría e Ramón Femandez, Curso de Derecho Administrativo

/, Madri, Civitas, 1998, p. 324.

153. Prevista no art. 214 da CF. deve-se entendê-la como atuação conjunta dos

entes federativos nas matérias de competência comum. Ela se dá por meio de con

sórcio, se os entes estiverem no mesmo nível governamental (o Município de São

Gotardo celebra um consórcio intermunicipal de saúde com o Município de Matuti

na, por exemplo), ou por convênio, se se tratar de entes de níveis diversos (União e

Municípios, por exemplo, para promoção de educação continuada).

154. "Parcerias", aqui, no mesmo sentido dado por Maria Sylvia Zanella Di

Pietro, ou seja. "para designar todas as formas de sociedade que, sem formar uma

nova pessoa jurídica, são organizadas entre os Setores Público e Privado, para a con

secução de fins de interesse público. Nela existe a colaboração entre o Poder Públi

co e a iniciativa privada nos âmbitos social e econômico, para satisfação de interes

ses públicos, ainda que. do lado do particular, se objetive o lucro. Todavia, a natureza

econômica da atividade não é essencial para caracterizar a parceria, como também

não o é a idéia de lucro, já que a parceria pode dar-se com entidades privadas sem

fins lucrativos que atuam essencialmente na área social e não econômica" (Parcerias

na Administração Pública, Concessão. Permissão, Franquia, Terceirização e Outras

Formas, cit., 4U ed.. pp. 33-34).

Page 35: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 201

ficiência do Estado em continuar gerenciando eficientemente essas

empresas. j|

2.1.1.12 Princípio da cooperação

M Para explicar o que significa "cooperação", recorremos, aqui, às

lições de Waldo Dwight: "Administração Pública é uma espécie do

gênero Administração, gênero esse que, por sua vez, pertence a uma

família que podemos chamar de 'ação humana cooperativa'. A pala

vra 'cooperativa' é aqui definida em termos de resultado: a ação hu

mana é cooperativa se produzir efeitos que estariam ausentes caso a

cooperação não se efetuasse. Assim - para tomar de um exemplo fre

qüente citado -, quando dois homens rolam uma pedra que nenhum

dos dois poderia rolar sozinho, eles cooperam. O resultado, a pedra

rolada, é o teste. Mas suponha que um dos homens emprestou seu es

forço contra a vontade, talvez sob ameaça de castigo físico por parte

do outro: isso é cooperação? É, no sentido aqui referido. A coopera

ção, como é usada comumente, sugere boa vontade, talvez até entu

siasmo; portanto, estamos forçando o sentido habitual". Explicado o

que é cooperação, Dwight entendeu-se apto a explicar a Administra

ção voltada para seu aspecto cooperativo, relatando ele, naquele mo

mento, que "estamos agora em posição de descrever a Administração.

Administração é um tipo de esforço humano cooperativo que possui

um alto grau de racionalidade".'fl

11 Pensar em cooperação nessa nova Administração Pública impli

ca dizer que ela se dá no âmbito interno da Administração, ou seja, no

Setor Público. Se sair deste, estar-se-á falando em colaboração, que

se dá através de parcerias. Nesse sentido, Don K. Price, ex-Professor

da Escola Superior de Administração Pública de Harvard, sustenta

que, "de forma geral, o sistema que tem sido às vezes denominado

(...) de 'governo cooperativo' caracteriza-se pela execução de progra

mas de grandes dimensões, e não por uma única repartição nacional,

tal como o Departamento de Correios, mas por uma constelação de

repartições federais, estaduais e municipais, em cooperação entre si e

155. Waldo Dwight. Estudo da Administração Pública. Rio de Janeiro. USAID.

1964, p. 10.

Page 36: Curso de direto administrativo econômico

202 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

com instituições mistas ou privadas, com as organizações econômi

cas e com as trabalhistas".l56ji

■I2.1.1.13 Princípio do controle

Controlar é ter em mente o planejamento e avaliar os resultados,

na tentativa de estabelecer uma harmonia entre eles.

Celso Antônio Bandeira de Mello explica que "o princípio do

controle administrativo ou tutela vincula-se também ao princípio da

indisponibilidade do interesse público. Efetivamente, o Estado, atra

vés da chamada função administrativa, procede à persecução de inte

resses que consagrou como pertinentes a si próprio. A implementação

deles é feita pelo próprio Estado (mediante os órgãos da Administra

ção)". l57||

«I

2.1.1.14 Princípio da competência

Constitui o último que nos propusemos a estudar, mas de grande

importância para a organização administrativa. A competência pode

ser definida como um conjunto de faculdades, de poderes e de atri

buições que correspondem a um determinado órgão em relação aos

demais.|f

A competência pode ser atribuída por lei ou por delegação, sendo

elemento essencial para a validade do ato administrativo praticado.

|í Em poucas palavras Caio Tácito resume o que se que fazer enten

der com este princípio. Segundo ele, "a competência não adere à pes

soa do agente, visto que se refere ao conteúdo da função pública. (...)

no direito privado a competência deve, necessariamente, decorrer de

dispositivo expresso atributivo do poder de ação em nome do Estado.

A competência é, ainda, uma obrigação funcional, isto é, o agente não

dispõe da faculdade de deixar de exercer as suas atribuições, uma vez

156. Don K. Price. "Administração democrática", in Elementos de Administra

ção Pública, trad. de Ewerton Dias de Andrade e Augusto Reis. São Paulo. Atlas.

1968. p. 99.

157. Celso Antônio Bandeira de Mello. Natureza e Regime Jurídico das Autar

quias, cit.. p. 304.

Page 37: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 203

verificadas as condições legais para a realização, sem prejuízo da lati

tude de opção que lhe conceda o poder discricionário".l5||

O jurista espanhol José Antônio García-Trevijano Fos sustenta

que "ei principio de competência hace posible que cada órgano pueda

manifestar ai exterior a Ia persona jurídica de que forma parte; de no

ser así, se llegaría ai absurdo de que todos los actos (y contratos) de

una organización tendrían que Ilevarse a cabo por Ia cabeza visible de

Ia misma: ei jefe de Estado seria ei único que podría manifestar Ia

capacidad de este. Tomando ei concepto de competência, en cambio,

en sentido amplio, cada uno de los órganos inferiores puede realizar

actos y celebrar contratos que se imputan a Ia persona jurídica".IM

A competência pode ser orgânica ou funcional. A primeira refere-

se à competência do Governo como órgão supremo do Poder Executi

vo, sendo ele constituído na esfera federal pelo conselho de ministros

e pelo chefe de Estado e de governo. A competência funcional é a que

indica os atos políticos ou fundamentos referentes à organização.

A competência pode ser classificada também em razão da maté

ria, em razão do lugar, em razão do grau, em razão do tempo, neces

sária e eventual, interna e externa, pessoal, concorrente e alternativa.

Em razão da matéria significa dizer que a cada fim deve corres

ponder um órgão.

Em razão do lugar refere-se à circunscrição territorial em que o

agente pode exercer sua função administrativa.

A competência em razão do grau verifica-se devido à verticali-

zação da organização administrativa, diferenciando-se pelo grau ocu

pado na mesma. Por exemplo: o chefe de gabinete é subordinado ao

Ministro correspondente.

Em razão do tempo, se nota quando um órgão é direcionado a uma

atividade específica, mas com duração predeterminada. É o caso dosministérios extraordinários, por exemplo (como o Ministério Extraor

dinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome: realizado seus

objetivos, em tese, ele deveria ser extinto).

158. CaioTácito, Direito Administrativo, cit.. p. 58.

159. José Antônio García-Trevijano Fos. Princípios Jurídicos de Ia Organiza

ción Administrativa. Madri. Instituto de Estúdios Políticos. 1957. p. 187.

Page 38: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 215

A Secretaria Especial de Políticas Públicas para as Mulheres, que

constitui inovação na organização federal brasileira, tem como estru

tura básica o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, o Gabinete

e até três Subsecretárias. Sendo que a ela compete auxiliar o Presi

dente na formulação, coordenação e articulação de políticas para as

mulheres, elaborando e implementando campanhas educativas e anti-

discriminatórias de caráter nacional; ainda, elaborar o planejamento

da ação governamental para que haja a condução de políticas que pro

movam a igualdade material; articular, promover e executar progra

mas de cooperação com organismos nacionais e internacionais, pú

blicos e privados, voltados à implementação de políticas para as

mulheres; promover o acompanhamento da implementação de legis

lação de ação afirmativa1" e definição de ações públicas que visem

ao cumprimento dos acordos, convenções e planos de ação assinados

pelo Brasil nos aspectos relativos à igualdade das mulheres e de com

bate à discriminação.183

M 182. Em breves linhas. Paulo Fernando Silveira explica o que representa aAffi-mative Action, segundo ele: "Por ação afirmativa entende-se a decisão judicial, ou ato

legislativo, que. a fim de extinguir uma situação de desigualdade gritante que sofre um

grupo minoritário, por discriminação quanto ao sexo. raça, cor ou religião, acelera o

processo visando a atingir a igualdade, mediante ações preferenciais a favor do grupo

discriminado. Na realidade, alcança-se a igualdade, de modo rápido, através da desi

gualdade, isto é. privilegiando os marginalizados. O objetivo principal é compensar,

de modo rápido, a discriminação do passado, fazendo cessar, de imediato, seus efei

tos funestos" {Devido Processo Legal, Belo Horizonte. Dei Rey, 1996. p. 150). f

183. Essas ações públicas devem ser definidas em lei, dado o fato de que acor

dos, convenções e planos assinados pelo Brasil não integram nosso sistema enquanto

não forem convertidos em decretos, após - é claro - ter passado pelos procedimentos

necessários. Vale. aqui, lembrar que. para a doutrina majoritária, o tratado internacio

nal, ainda que se fulcre no art. 5U em seu § 2a, tem força de lei infraconstitucional ordi

nária; e, se inconstitucional, caberia a retirada de sua eficácia através de controle.

Aqui, advogam André Ramos Tavares ("É certo que os tratados internacionais que não

contemplem direitos humanos inserem-se, no Direito pátrio, como normas de hierar

quia infraconstitucional. consoante decorre do art. 102, III. "b". Lembre-se que. nes

sas hipóteses, têm-se meros compromissos recíprocos entre os Estados, de caráter

geralmente comercial e de cunho disponível" - Curso de Direito Constitucional. São

Paulo. Saraiva. 2002. p. 385). Francisco Rezek ("... alguém estava ali raciocinando

como se a Convenção de São José da Costa Rica fosse um produto que por obra nefan-

da de alienígenas desabasse sobre nossas cabeças, à nossa revelia, como se aquilo não

fosse um pleno exercício de legislação ordinária, como se pudesse o texto de São José

Page 39: Curso de direto administrativo econômico

224 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

Para reduzir a intervenção do Governo nas atividades agroindus-

triais e facilitar o trabalho administrativo e o custo econômico-social,

foi instituído o Programa Nacional de Desburocratização, visando à

maior eficiência nestes serviços.

• Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome: Este

Ministério tem como competência atuar como formulador, coordena

dor, diretor, planejador e supervisor nas políticas de desenvolvimen

to social, segurança alimentar e nutricional, de assistência social, de

distribuição de renda; e ainda promover a articulação com os gover

nos federal, estaduais, do Distrito Federal e municipais e a sociedade

civil no estabelecimento de diretrizes para estas políticas; realizar a

gestão do Fundo Nacional de Assistência Social; coordenação, super

visão, controle e avaliação da operacionalização de programas de

transferência de renda; aprovação dos orçamentos gerais do Serviço

Social da Indústria - SESI, do Serviço Social do Comércio - SESC e

do Serviço Social do Transporte - SEST.

M Na realidade, o termo genérico "Assistência Social" sempre compreendeu essas outras nomeclaturas. Uadi Lammêgo Bulos lembra

que a assistência social é "concedida a hipossuficientes", ressaltando

que ela "nada tem que ver com seguro social, porque seu ato conces

sivo independe do pagamento de contribuições, sendo financiada

com recursos do orçamento da Seguridade, além de outras fontes de

custeio". E alerta para o fato de que "o propósito constitucional não

é levar o necessitado à inutilidade, fomentando a política de 'esmolas',

mas sim dar-lhe os meios para caminhar por suas próprias forças. Do

contrário seria estimular a ociosidade, porque assistir socialmente a

alguém não é simplesmente oferecer gorjetas, nem, tampouco, ensejar

ações benevolentes, em cujas oportunidades elas se transformam em

bandeiras políticas ou estribilhos de exaltação religiosa, à custa da

miséria alheia". E afirma que a assistência social nada mais é que "um

amparo estatal, baseado no princípio humanitário de se ajudar a indi

gentes, reconhecidamente pobres, que não podem gozar dos benefí

cios previdenciários".l9ff

O referido autor, após explicar a utilidade da assistência social,

mostra-se indignado pelo fato de que, em que pese à sua inserção na

196. Uadi Lammcgo Bulos. Constituição Federal Anotada, cil.. 4J cd.. p. 1.230.

Page 40: Curso de direto administrativo econômico

226 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

haver presenteado o Estatuto da Cidade - um dos maiores avanços

em direção ao planejamento do desenvolvimento urbano sustentado e

da melhoria da qualidade de vida - com um poderoso meio de imple

mentação em seu segundo ano de vigência. (...) o novo Ministério das

Cidades poderá orientar e apoiar os Municípios na aplicação do Esta

tuto da Cidade às urbes com mais de 20 mil habitantes. (...). Alegra-

me, portanto, a decisão do novo Presidente de colocar o Poder Cen

tral a serviço da aplicação do Estatuto, mesmo estando sua execução

restrita a decisões de prefeitos e vereadores. Agora, terão estes orien

tação e apoio federais para direcionar a arrecadação municipal a obras

de saneamento, urbanização e edificação de habitações populares des

tinadas aos munícipes de baixa renda. (...). Coordenando a aplicação

do Estatuto, o Governo Lula poderá levar-nos a ver os impostos pa

gos às Prefeituras resultarem em bons serviços e em espaços urbanos

favorecedores de boas condições de vida. (...). Assim, com o Minis

tério das Cidades, ocupado pelo ex-Prefeito e ex-Governador gaúcho

Olívio Dutra, abre-se o canal para realizar, na parte que toca às Muni

cipalidades, aquilo que está registrado no Relatório Final da Transi

ção, lido pelo Ministro Antônio Palocci, no que se refere ao bom rela

cionamento da União com os Estados e com os Municípios, para

obter coesão social, estabilidade econômica e impulso às campanhas

tidas como prioritárias pelo novo Governo".m

|l Já, o urbanista Teixeira Coelho expõe sua opinião ainda com um

certo receio, relatando que: "O fato é que percebemos quão pequena

é nossa taxa real de liberdade, tudo somado, quando pensamos nas

condições de vida nas cidades, onde não decidimos nada, onde quase

nada podemos fazer fora dos trilhos e trilhas definidos e do modo que

outros nos impõem. (...). Quando a população do mundo caminha

para a vida urbana, sem volta à vista, a condição da cidade deveria ser

o centro de todos os planos. (...). No entanto, tudo se passa como se,

na melhor das hipóteses, o desenvolvimento da indústria, da educa

ção, da tecnologia, e tanta coisa, produzisse automaticamente, por

acúmulo e acaso, uma cidade melhor. O mais provável é que nenhum

desses desenvolvimentos 'vingue' se não houver um plano anterior

para a cidade, que dela parta e para ela convirja. Não se trata de fazer

199. In "Estatuto da Cidade aanha Ministério". Folha de S. Paulo 13.1.2003.

p. A3.

Page 41: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 227

aquilo para se chegar a isto, mas de preparar isto, a cidade, para se ob

ter aquilo. O direito à cidade ainda é ilusão. Bem real é o peso da ci

dade sobre nossas vidas. Nesse quadro, um Ministério da Cidade é

bem-vindo. Mas não apenas para fazer 'piscinões' e propor habita

ções populares. Uma idéia ampla, generosa e criativa tem de estar por

trás da iniciativa".2f|

Por fim, cabe dizer que compete ao Ministério das Cidades zelar

pela política de desenvolvimento urbano e pelas políticas setoriais de

habitação, saneamento ambiental, transporte urbano e trânsito; promo

ver parcerias com as diversas esferas de govemo, com o Setor Privado

e organizações não-governamentais, de ações e programas de urbani

zação, de habitação, de saneamento básico e ambiental, transporte ur

bano, trânsito e desenvolvimento urbano; responsabilizar-se pela polí

tica de subsídio à habitação popular, saneamento e transporte urbano;

pelo planejamento, regulação, normatização e gestão da aplicação de

recursos em políticas de desenvolvimento urbano, urbanização, habi

tação, saneamento básico e ambiental, transporte urbano e trânsito;

participar na formulação das diretrizes gerais para conservação dos sis

temas urbanos de água, bem assim para a adoção de bacias hidrográfi

cas como unidades básicas do planejamento e gestão do saneamento.

Cabendo ainda dizer que ele é integrado por uma Secretaria-Exe-

cutiva, pelo Gabinete do Ministro, pela Consultoria Jurídica e por três

Conselhos: o Conselho Curador do Fundo de Desenvolvimento So

cial, o Conselho das Cidades e o Conselho Nacional de Trânsito e seu

Departamento; ainda por quatro Secretarias: a de Habitação, a de Sa

neamento, a de Transporte e a de Programas Urbanos.

• Ministério da Ciência e Tecnologia: compete ao Ministério da

Ciência e Tecnologia promover a política nacional de pesquisa cientí

fica e tecnológica, o planejamento, coordenação, supervisão e contro

le das atividades da ciência e tecnologia, a política de desenvolvimen

to de informática e automação, a política nacional de biossegurança,201

200. Teixeira Coelho. "O direito à cidade". Gazeta Mercantil 14.3.2003, p. 6.

201. Biossegurança pode ser entendida como o conjunto de medidas destina

das à prevenção, repressão, diminuição ou eliminação dos riscos inerentes às ativi

dades de ensino, pesquisa, desenvolvimento tecnológico, produção e prestação de

serviços que de alguma maneira podem comprometer a salubridade dos seres vivos

e do meio ambiente.

Page 42: Curso de direto administrativo econômico

228 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

a política espacial, a política nuclear e o controle da exportação de

bens e serviços sensíveis.

Esse Ministério tem uma estrutura enorme,202 talvez pelo afã de

se buscar o desenvolvimento científico e tecnológico neste país, que,

conseqüentemente, geraria o desenvolvimento econômico do próprio

país.

|| O jurista Pinto Ferreira relatava, em 1993, a importância das pes

quisas em tecnologia para o desenvolvimento do país, expondo ele,

naquele momento, que "dois países apresentam amplo desenvolvi

mento na tecnologia e também investem bastante na pesquisa, tais

como os Estados Unidos e o Japão, seguidos pelos grandes países

europeus. A grande Nação Norte-Americana emprega mais pessoal

em tecnologia que qualquer outro país, aproximadamente 3,5 milhões

de cientistas e engenheiros, e o Japão apenas 1,5 milhão. Os gastos

anuais em pesquisa e desenvolvimento nos Estados Unidos são o tri

plo do valor utilizado pelos japoneses. (...). No Brasil é pequeno o

investimento em tecnologia e pesquisa, o que prejudica o seu desen

volvimento, pois o avanço tecnológico é importante para o desenvol

vimento. (...). A espiral tecnológica deve ser examinada, a tecnologia

é como um elástico em que uma de suas pontas está ligada ao atual

estágio de desenvolvimento, podendo-se prever o futuro esticando-se

ao máximo tal espiral" .2Ü^I

A agência executora da política de ciência e tecnologia é o Con

selho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Ele tem a incumbência de apoiar os projetos de pesquisa e a forma-

202. Sua estrutura básica é a seguinte: uma Secretaria-Executiva, o Gabinete do

Ministro, a Consultoria Jurídica, o Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, o

Conselho Nacional de Informática e Automação, o Instituto Nacional de Pesquisas

Espaciais, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, o Instituto Nacional de

Tecnologia, o Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia, o Centro

de Pesquisas Renato Archer, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, o Centro de

Tecnologia Mineral, o Laboratório Nacional de Astrofísica, o Laboratório Nacional

de Computação Científica, o Museu de Astronomia e Ciências Afins, o Museu

Paraense Emílio Goeldi. o Observatório Nacional, a Comissão Técnica Nacional de

Biossegurança e até quatro Secretarias.

203. Pinto Ferreira. Sociologia do Desenvolvimento. 5l ed.. São Paulo. Ed. RT.

1993. pp. 177-178.

Page 43: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 229

ção de pesquisadores a eles vinculados. Prioritariamente, essa agên

cia atua em cinco áreas: saúde, educação, meio ambiente, tecnologia

de informação e agronegócio.

• Ministério das Comunicações: o Ministério das Comunicações,

criado pelo Decreto-lei 200/1967, tem por competência promover a

política nacional de telecomunicações, inclusive radiodifusão; regula

mentar, outorgar e fiscalizar os serviços de telecomunicações; contro

lar e administrar o uso do espectro de radiofreqüências e os serviços

postais. Esse Ministério é composto por duas Secretarias, além da Se-

cretaria-Executiva, do Gabinete do Ministro e da Consultoria Jurídica.

• Ministério da Cultura: são de responsabilidade do Ministério

da Cultura a promoção da política nacional de cultura; a proteção do

patrimônio histórico e cultural; a aprovação e a delimitação das ter

ras dos remanescentes das comunidades dos quilombos. Sendo ele

integrado pela Secretaria-Executiva, pelo Gabinete do Ministro, por

sua Consultoria Jurídica, pelo Conselho Nacional de Política Cultu

ral, pela Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, pela Comissão de

Cinema e até quatro Secretarias.

|| Para o publicista José Afonso da Silva, o direito à cultura deve

ser tido como um direito fundamental, "que exige a ação positiva do

Estado, cuja realização efetiva postula uma política cultural oficial".™

Elencando como direitos culturais: a liberdade de expressão da ativi

dade intelectual, artística e científica; a criação artística, científica e

tecnológica (direito de criação cultural), devendo estas ser protegi

das; o direito de acesso às fontes da cultura pátria; o dever do Estado

de formar e velar pela conservação do patrimônio cultural brasileiro;

o direito de proteção às manifestações das culturas populares; e o di

reito de propagação das manifestações culturais, sem discriminação

ou censura. ||

|f José Cretella Jr., comentando o art. 215 da CF Brasileira, relata

que se insere como fonte de cultura "todo local, documento ou monu

mento de que brota a informação relativa à história de um povo,

como, por exemplo, as bibliotecas, os catálogos, os livros, revistas,

jornais, fotografias, recortes, mapas, filmes, discos, vídeos". E expli-

204. José Afonso da Silva. Ordenação Constitucional da Cultura, São Paulo.

Malheiros Editores. 2001. pp. 48 e ss.

Page 44: Curso de direto administrativo econômico

230 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

ca que "a manifestação cultural é a projeção, no mundo, da criação

artística, como concertos, exposições, mostras, exibições", afirmando

categoricamente que o Estado deve garantir "não só o pleno exercí

cio dos direitos culturais, como também as manifestações, direitos

incentivados e valorizados pelos Poderes Públicos, quanto à difusão

(...)"-:o*l

Quanto à proteção ao patrimônio histórico e cultural, Tomás-

Ramón Fernandez ressalta que "ei deber general de conservación que

pesa sobre todos los propietarios de cuaiquier tipo de construccion,

obra o edificación se hace especialmente intenso, logicamente, cuan-

do se trata de edifícios de caracter, merezcan o no Ia consideración de

monumentos. (...). La cuestión es, sin embargo, bastante más comple-

ja, porque en este caso, junto a Ia legislacion urbanística, coexiste otra

legislacion protectora paralela, Ia dei patrimônio histórico-artístico

(...), [entre nós essa legislação é o Decreto-lei 25/1937] cuyo mane

jo remite a un orden competencial diferente dei urbanístico, orden

competencial situado en Ia órbita dei Ministério da Cultura".206

É através do instituto do tombamento que se faz a proteção ao

patrimônio histórico e cultural. Hely Lopes Meirelles leciona que

compõem o patrimônio histórico e cultural "todos os bens, móveis e

imóveis, existentes no país, cuja conservação seja de interesse públi

co, por sua vinculação a fatos memoráveis da história pátria, ou por

seu excepcional valor artístico, arqueológico, etnográfico, bibliográ

fico ou ambiental. Tais bens podem ser realizações humanas como

obras da Natureza; tanto podem ser preciosidades do passado como

criações contemporâneas". Posteriormente, o precitado autor expõe

como se dá a proteção desse patrimônio, dizendo que: "A proteção de

todos esses bens é realizada por meio de tombamento, ou seja, da ins

crição da coisa em livros especiais - Livros do Tombo - na reparti

ção competente, para que a sua utilização e conservação se façam de

acordo com o prescrito na respectiva lei". Explica o autor, ainda, que,

a palavra "tombamento" é de origem lusitana e que significa inventa

riar, inscrever ou arrolar nos arquivos do Reino, guardados na "Torre

205. José Cretella Jr.. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. 3* ed.,

vol. VIU. Rio de Janeiro. Forense. 1992. p. 4.434.

206. Tomás-Ramón Femandez. Manual de Derecho Urbanístico. 5* ed.. Madri.

Abella. 1985. pp. 179-180.

Page 45: Curso de direto administrativo econômico

234 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

lidaria". Concluindo que, "para a primeira fase de operação, foram

selecionados 60 Municípios, tendo sido aplicados R$ 20 milhões até

o final de 1997".210

• Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior:

a responsabilidade desse Ministério é de promover políticas de desen

volvimento da indústria, do comércio, dos serviços e do comércio ex

terior, regulamentando e fiscalizando a execução dos programas e ati

vidades relativas a este último, devendo ainda participar efetivamente

das negociações internacionais; deve o Ministério, ademais, formular

políticas de apoio à microempresa, à empresa de pequeno porte e ar

tesanato; aplicar os mecanismos de defesa comercial; cuidar da exe

cução das atividades de registro do comércio; zelar pela propriedade

intelectual e transferência de tecnologia e pela metrologia, normali

zação e qualidade industrial.

Integram esse Ministério a Secretaria-Executiva, o Gabinete do

Ministro, sua Consultoria Jurídica, o Conselho Nacional de Metrolo

gia, Normalização e Qualidade Industrial e o Conselho Nacional das

Zonas de Processamento de Exportação. Pode ele inserir em seu qua

dro até quatro Secretarias.

• Ministério da Educação: o Ministério da Educação tem por com

petência promover a política nacional de educação; a educação infan

til; a educação em geral, compreendendo ensino fundamental, ensino

médio, ensino superior, educação de jovens e adultos, educação pro

fissional, educação especial e educação à distância, exceto ensino mi

litar; avaliação, informação e pesquisa educacional; pesquisa e exten

são universitária; magistério; assistência financeira a famílias carentes

para a escolarização de seus filhos ou dependentes. Ele é composto

por sua Secretaria-Executiva, pelo Gabinete do Ministro, por sua

Consultoria Jurídica, pelo Conselho Nacional de Educação, pelos Ins

titutos Nacional de Educação de Surdos e Benjamin Constant e por até

seis Secretarias.

M Pontificava Pinto Ferreira que "a educação e a tecnologia sãograndes fatores do desenvolvimento. (...). O princípio de tudo é con-

210. Ricardo Alves da Conceição. "O Banco do Brasil e o agronegócio". inRuy

de Araújo Caldas (ed.). Agronegócio Brasileiro, cit.. 31 ed.. p. 162.

Page 46: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 235

seguir trabalhadores educados e bem-formados".211 Nessa mesma li

nha Uadi Lammêgo Bulos, ao comentar a inserção de capítulo refe

rente à educação no texto constitucional, assevera que, "ao encampar

o ambicioso (e dispendioso) projeto do art. 205, a Constituição teve

em vista o desenvolvimento do indivíduo, capacitando-lhe para o exer

cício da cidadania, a fim de qualificá-lo para o mercado de trabalho.

Noutras palavras, estatuiu o importante programa de preparar o ho

mem, o cidadão e o produtor de bens e serviços".2!|

M Gabriel Chalita, estudando a importância da educação e sua in

serção na Constituição, ressalta que, "apesar da importância da pre

paração para o mercado de trabalho, a Constituição deu primazia ao

preparo do cidadão para o exercício da cidadania. A consciência de

direitos e deveres, a possibilidade de participar de pleitos decisórios

sem ser conduzido por falta de informação, o direito à voz, à mani

festação do próprio pensamento, o preparo para a autonomia, para a

independência, é a grande meta da educação. Todo conteúdo a ser en

sinado se justifica se esse objetivo for mantido. Sem esse norte amplo

e irrestrito a educação seria um instrumento de poder nas mãos de

uma elite que determinaria o que a classe dos subjugados deveria sa

ber ou deixar de saber".2l|Í

Expondo essas posições de renomados juristas, pretendeu-se de

monstrar o quanto a educação é importante para o desenvolvimento

de um país. Não há como pensar em desenvolvimento sem se ligar à

educação. Em países onde se priorizou a educação o resultado foi o

amplo desenvolvimento sócio-econômico. Como exemplo disso temos

o Canadá, a Austrália, a Alemanha, a Coréia do Sul - entre outros.

As políticas educacionais do Ministério da Educação têm que al

cançar seus objetivos inexoravelmente, promovendo uma universali

zação da educação em termos nacionais, inclusive atingindo o gran

de número de analfabetos deste país. Deve-se fiscalizar as instituições

educacionais, na busca de realizar a melhor promoção possível da

educação aos estudantes brasileiros, seja através de estímulos ou atra

vés de sanções.

211. Pinto Ferreira. Sociologia do Desenvolvimento, cit.. 51 ed.. p. 180.

212. Uadi Lammêgo Bulos. Constituição Federal Anotada, cit.. 4ae<±. p. 1.235.

213. Gabriel Chalita. Educação: a Solução Está no Afeto. São Paulo. Gente.

2001. p. 107.

Page 47: Curso de direto administrativo econômico

236 CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO ECONÔMICO

• Ministério do Esporte: ao Ministério do Esporte, agora separado

do Ministério do Turismo, competem: a política nacional de desen

volvimento da prática dos esportes; o intercâmbio com organismos

públicos e privados, nacionais, internacionais e estrangeiros, voltados

à promoção do esporte; o estímulo às iniciativas públicas e privadas

de incentivo às atividades esportivas; o planejamento, coordenação,

supervisão e avaliação dos planos e programas de incentivo aos es

portes e de ações de democratização da prática esportiva e inclusão

social por intermédio do esporte. Sendo sua estrutura básica compos

ta por uma Secretaria-Executiva, por um Gabinete, por sua Consulto

ria Jurídica, pelo Conselho Nacional do Esporte e por até três Secretarias.

A importância deste Ministério consiste em tentar legitimar os

direitos desportivos resguardados na nossa Constituição. Álvaro Me

lo Filho foi quem propôs a inserção constitucional do desporto à As

sembléia Constituinte, acolhida e materializada sua proposta no art.

217 da CF.

II Comentando o que pretendeu com a inserção constitucional do

direito do desporto, o referido Professor explica que "este dispositivo

constitucional sobre desporto, ao mencionar o 'dever do Estado', fá-Io

com o significado de obrigação jurídica, sem contudo esclarecer, den

tre os órgãos estatais, quem seria obrigado a fomentar as práticas des

portivas, comprometendo, nessa ótica, a eficácia e dimensão aplicati

va dos ideais desportivos (...). Com efeito, quando se usa a expressão

'dever' (obrigação jurídica), automaticamente exsurge o direito, em

harmonia com o velho aforismo Mino jus et obligatio simt correlata.

Vale dizer, deveres e direitos são termos que, necessariamente, pres

supõe-se e se alternam (...). Já o uso da expressão 'fomento', dentro

da terminologia jurídico-administrativa, corresponde à ação de esti

mular, promover ou proteger uma coisa, ou, de modo mais genérico,

a atividade de fomento é a que se encaminha para melhorar o nível

espiritual ou material da Nação (...). É de extrema significação sócio-cultural o uso, também, no caput do art. 217, da expressão "práticas

desportivas formais e não-formais', porque, até pouco tempo, o des

porto brasileiro era sinônimo de desporto-espetáculo e de grandes

eventos, especialmente de futebol, e futebol restrito ao Rio, a São

Paulo e a participações da Seleção Brasileira em campeonatos mun

diais (...) o desporto deve ser vislumbrado não apenas por sua verten-

Page 48: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 237

te competitiva, mas também por seu caráter participativo e educacio

nal, que não tem a ambição do placará, não pretende quebrar records

e nem se nutre com a volúpia do score. (...)■ Há muitas outras dimen

sões desportivas formais e informais pouco divulgadas e conhecidas,

mas de extrema relevância social, tais como: o desporto-pedagógico

da criança e do menor carente; o desporto-terapêutico do velho e do

portador de deficiência; o desporto-recreação ou desporto-lazer des-

compromissado de resultados, enfim, o desporto enquanto fenômeno

social que educa, estimula participação e desenvolve valores de con

vivência e de cidadania (...)"-:'ÍI

• Ministério da Fazenda: são assuntos que constituem áreas de

competência do Ministério da Fazenda: (1) moeda, crédito, institui

ções financeiras, capitalização, poupança popular, rede de seguros

privados e previdência privada aberta; (2) política, administração, fis

calização e arrecadação tributária e aduaneira; (3) administração fi

nanceira, controle interno, auditoria e contabilidade pública; (4) ad

ministração da dívida pública interna e da dívida pública externa; (5)

negociações econômicas e financeiras com governos, organismos mul-

tilaterais e agências governamentais; (6) preços em geral e tarifas pú

blicas e administradas; (7) fiscalização e controle do comércio exte

rior; (8) realização de estudos e pesquisas para acompanhamento da

conjuntura econômica; (9) concessão das seguintes autorizações: para

a distribuição gratuita de prêmios a título de propaganda quando efe

tuada mediante sorteio, vale-brinde, concurso ou operação assemelha

da; às operações de consórcio, fundo mútuo e outras formas associa

tivas assemelhadas, que objetivem a aquisição de bens de qualquer

natureza; à venda ou promessa de venda de mercadorias a varejo, me

diante oferta pública e com recebimento antecipado, parcial ou total,

do respectivo preço; à venda ou promessa de venda de direitos, inclu

sive cotas de propriedade de entidades civis, tais como hospital, motel,

clube, hotel, centro de recreação ou alojamento e organização de ser

viços de qualquer natureza com ou sem rateio de despesas de manu

tenção, mediante oferta pública e com pagamento antecipado do preço;

à venda ou promessa de venda de terrenos loteados a prestações me

diante sorteio: a qualquer outra modalidade de captação antecipada

214. Álvaro Melo Filho. "Desporto constitucionalizado". Revista de Informação Legislativa 26-101/207 e ss.. janeiro-março/1989.

Page 49: Curso de direto administrativo econômico

O SETOR PUBLICO 249

José Maria Pinheiro Madeira, tratando das Administrações Públi

cas diretas, ressalta que estas são "o conjunto de órgãos das pessoas

políticas que têm como função típica a atividade administrativa do

Estado, por determinação do direito positivo".22y

Portanto, conclui-se que as funções da Administração direta são

as inerentes à execução das funções administrativas. Cabe lembrar,

entretanto, que as chamadas funções governamentais, previstas na

Constituição, também acabam surgindo como funções da Administra

ção direta, uma vez que muitas delas são refletidas em leis dispostas

no ordenamento jurídico. Com isso, poderia parecer que se tornaram

funções administrativas; todavia, sua natureza continua sendo de fun

ção governamental.

2.1.2.2 Administração direta Estadual

O Brasil, por ter adotado como forma de Estado o Federalismo,

tem na sua estrutura Estados-membros com capacidade de auto-orga-

nização da sua estrutura fundamental.

f| Essa auto-organização, em geral, é feita dentro das Constituições

Estaduais, observando o princípio do paralelismo das formas. Ou se

ja, como leciona Odete Medauar,230 os Estados-membros devem ter

"a estrutura básica da Administração direta" que, conforme ela enfa

tiza, "observa o mesmo esquema da Administração Federal: o chefe

do Executivo encabeça a Administração e tem como auxiliares os se

cretários de Estado". ||

Em geral, nas Constituições Estaduais constam governador, vice-

govemador, secretários estaduais e, em algumas, o Conselho de Go

verno como integrantes do Poder Executivo.

As leis estaduais é que irão fixar a composição e as competên

cias dos órgãos que elas também criam, como, por exemplo, o núme

ro de Secretarias Estaduais e suas competências.

Mencionaremos, em apertada síntese, as atribuições gerais dos

governadores e dos secretários, pois como cada Estado tem sua lei or-

229. José Maria Pinheiro Madeira. Administração Pública Centralizada e Des

centralizada, Rio de Janeiro. América Jurídica. 2001. p. 131.

230. Odeie Medauar. Direito Administrativo Moderno, cil.. 6a ed.. pp. 70-71.

Page 50: Curso de direto administrativo econômico

PARCERIAS PUBLICO-PRIVADAS (PPPS): NATUREZA JURÍDICA 739

Judiciário não é aquele Poder nulo, no pensar de Montesquieu,82

precisando, nos dias atuais, estar disponível para controlar toda e

qualquer atividade administrativa, vinculada ou de discricionarieda-

de vinculada, pela insuperável razão de que nada pode ser subtraído

da sua apreciação vocacionada à defínitividade, ainda que seja ape

nas "administrador negativo". ||

5.11 Parceria público-privada

e o princípio da economicidade ou da eficiência

»' No tocante ao princípio da eficiência*1 (art. 37 da CF) ou da economicidade (art. 70 da CF) e da otimização da ação estatal, em maté

ria de parceria público-privada, impende rememorar*4 que o adminis

trador público está obrigado a trabalhar tendo como parâmetro a busca

da melhor atuação (fundamentável como tal) - e, portanto, responsá

vel. Em outro dizer, tem o compromisso indeclinável de encontrar

solução mais adequada econômica e fiscalmente à coisa pública. A

violação manifesta do princípio dá-se quando se constata vício de

escolha dos meios ou dos parâmetros voltados para a obtenção de

determinados fins. Não aparece, no controle à luz da economicidade,

qualquer traço de invasão do espaço da discricionariedade, pois, se é

certo que esta precisa ser preservada, não menos certo que a discricio

nariedade legítima guarda vinculação com os imperativos da sensatez

e da responsabilidade, incompatíveis com qualquer desperdício ou

falta de planejamento. Com base nisso, não se está a pedir, em especial

ao Poder Judiciário, o controle de juízos de conveniência em si mes-

82. Era esta a concepção de Montesquieu: "Des trois puissances dont nous

avons parle, celledejugerest en quelque façon nulle" ("De 1'Esprit des Lois", Oeu-

vres Completes, p. 588).

83. Embora "eficácia" fosse termo preferível, interpreta-se a eficiência em sen

tido largo a ponto de abarcar a eficácia, em face da opção terminológica do consti

tuinte derivado.

84. Com efeito, Norbert Achterberg (Allgemeines Verwaltimgsrecht Lehrbuch,

cit., pp. 279-289) avança no intuito de pôr em evidência os objetivos fundamentais

do Estado; e. ao versar especificamente sobre o tema da ação administrativa, acres

centa, como máxima a ser respeitada pela autoridade pública, entre outras, o princípio

da economicidade (Wirtschaftlichkeit).