curriculo matematica

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ENSINO FUNDAMENTAL – CICLO II E ENSINO MÉDIO E SUAS TECNOLOGIAS MATEMÁ TICA CURRÍCULO DO ESTADO DE SÃO PAULO

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    TICA

    CURRCULOdo Estado dE so Paulo

  • S239c So Paulo (Estado) Secretaria da Educao. Currculo do Estado de So Paulo: Matemtica e suas tecnologias / Secretaria da

    Educao; coordenao geral, Maria Ins Fini; coordenao de rea, Nilson Jos Machado. So Paulo : SEE, 2010.

    ISBN 978-85-7849-449-0

    1. Ensino de matemtica 2. Ensino fundamental 3. Ensino mdio 4. Contedos curriculares 5. Estudo e ensino 6. So Paulo I. Fini, Maria Ins. II. Machado, Nilson Jos. III. Ttulo.

    CDU: 373.3/.512.14:51(815.6)

    GovernadorAlberto Goldman

    Secretrio da EducaoPaulo Renato Souza

    Secretrio-AdjuntoGuilherme Bueno de Camargo

    Chefe de GabineteFernando Padula

    Coordenadora de Estudos e Normas PedaggicasValria de Souza

    Coordenador de Ensino da Regio Metropolitana da Grande So PauloJos Benedito de Oliveira

    Coordenador de Ensino do InteriorRubens Antonio Mandetta

    Diretora da Escola de Formao e Aperfeioamento dos Professores do Estado de So PauloVera Lcia Cabral Costa

    Presidente da Fundao para o Desenvolvimento da Educao FDEFbio Bonini Simes de Lima

    EXECUOCoordenao GeralMaria Ins FiniConcepoGuiomar Namo de MelloLino de MacedoLuis Carlos de MenezesMaria Ins FiniRuy Berger (em memria)

    GESTOFundao Carlos Alberto VanzoliniPresidente da Diretoria Executiva: Antonio Rafael Namur MuscatDiretor de Gesto de Tecnologias aplicadas Educao: Guilherme Ary PlonskiCoordenadoras Executivas de Projetos: Beatriz Scavazza e Angela Sprenger

    COORDENAO TCNICACENP Coordenadoria de Estudos e Normas Pedaggicas

    A Secretaria da Educao do Estado de So Paulo autoriza a reproduo do contedo do material de sua titularidade pelas demais secretarias de educao do pas, desde que mantida a integrida-de da obra e dos crditos, ressaltando que direitos autorais protegidos* devero ser diretamente negociados com seus prprios titulares, sob pena de infrao aos artigos da Lei no 9.610/98.* Constituem direitos autorais protegidos todas e quaisquer obras de terceiros reproduzidas no material da SEE-SP que no estejam em domnio pblico nos termos do artigo 41 da Lei de Direitos Autorais.

    Coordenao do Desenvolvimento dos Contedos Programticos e dos Cadernos dos Professores e dos AlunosGhisleine Trigo Silveira

    AUTORES

    Cincias Humanas e suas Tecnologias

    Coordenador de rea: Paulo Miceli

    Filosofia: Paulo Miceli, Luiza Christov, Adilton Lus Martins e Ren Jos Trentin Silveira

    Geografia: Angela Corra da Silva, Jaime Tadeu Oliva, Raul Borges Guimares, Regina Araujo e Srgio Adas

    Histria: Paulo Miceli, Diego Lpez Silva, Glaydson Jos da Silva, Mnica Lungov Bugelli e Raquel dos Santos Funari

    Sociologia: Heloisa Helena Teixeira de Souza Martins, Marcelo Santos Masset Lacombe, Melissa de Mattos Pimenta e Stella Christina Schrijnemaekers

    Cincias da Natureza e suas Tecnologias

    Coordenador de rea: Luis Carlos de Menezes

    Biologia: Ghisleine Trigo Silveira, Fabola Bovo Mendona, Felipe Bandoni de Oliveira, Lucilene Aparecida Esperante Limp, Maria Augusta Querubim Rodrigues Pereira, Olga Aguilar Santana, Paulo Roberto da Cunha, Rodrigo Venturoso Mendes da Silveira e Solange Soares de Camargo

    Cincias: Ghisleine Trigo Silveira, Cristina Leite, Joo Carlos Miguel Tomaz Micheletti Neto, Julio Czar Foschini Lisba, Lucilene Aparecida Esperante Limp, Mara Batistoni e Silva, Maria Augusta Querubim Rodrigues Pereira, Paulo Rogrio Miranda Correia, Renata Alves Ribeiro, Ricardo Rechi Aguiar, Rosana dos Santos Jordo, Simone Jaconetti Ydi e Yassuko Hosoume

    Fsica: Luis Carlos de Menezes, Estevam Rouxinol, Guilherme Brockington, Iv Gurgel, Lus Paulo de Carvalho Piassi, Marcelo de Carvalho Bonetti, Maurcio Pietrocola Pinto de Oliveira, Maxwell Roger da Purificao Siqueira, Sonia Salem e Yassuko Hosoume

    Qumica: Maria Eunice Ribeiro Marcondes, Denilse Morais Zambom, Fabio Luiz de Souza, Hebe Ribeiro da Cruz Peixoto, Isis Valena de Sousa Santos, Luciane Hiromi Akahoshi, Maria Fernanda Penteado Lamas e Yvone Mussa Esperidio

    Linguagens, Cdigos e suas Tecnologias

    Coordenador de rea: Alice Vieira

    Arte: Gisa Picosque, Mirian Celeste Martins, Geraldo de Oliveira Suzigan, Jssica Mami Makino e Sayonara Pereira

    Educao Fsica: Adalberto dos Santos Souza, Carla de Meira Leite, Jocimar Daolio, Luciana Venncio, Luiz Sanches Neto, Mauro Betti, Renata Elsa Stark e Srgio Roberto Silveira

    LEM Ingls: Adriana Ranelli Weigel Borges, Alzira da Silva Shimoura, Lvia de Arajo Donnini Rodrigues, Priscila Mayumi Hayama e Sueli Salles Fidalgo

    Lngua Portuguesa: Alice Vieira, Dbora Mallet Pezarim de Angelo, Eliane Aparecida de Aguiar, Jos Lus Marques Lpez Landeira e Joo Henrique Nogueira Mateos

    Matemtica e suas Tecnologias

    Coordenador de rea: Nlson Jos Machado

    Matemtica: Nlson Jos Machado, Carlos Eduardo de Souza Campos Granja, Jos Luiz Pastore Mello, Roberto Perides Moiss, Rogrio Ferreira da Fonseca, Ruy Csar Pietropaolo e Walter Spinelli

    Caderno do GestorLino de Macedo, Maria Eliza Fini e Zuleika de Felice Murrie

    EqUIPE DE PRODUO

    Coordenao Executiva: Beatriz Scavazza

    Assessores: Alex Barros, Beatriz Blay, Carla Cristina Reinaldo Gimenes de Sena, Eliane Yambanis, Heloisa Amaral Dias de Oliveira, Ivani Martins Gualda, Jos Carlos Augusto, Luiza Christov, Maria Eloisa Pires Tavares, Paulo Eduardo Mendes, Paulo Roberto da Cunha, Ruy Csar Pietropaolo e Solange Wagner Locatelli

    EqUIPE EDITORIAL

    Coordenao Executiva: Angela Sprenger

    Assessores: Denise Blanes e Luis Mrcio Barbosa

    Editores: Ghisleine Trigo Silveira e Zuleika de Felice Murrie

    Edio e Produo Editorial: Conexo Editorial, Buscato Informao Corporativa e Occy Design (projeto grfico)

    APOIOFDE Fundao para o Desenvolvimento da Educao

    CTP, Impresso e AcabamentoEsdeva Indstria Grfica

    Catalogao na Fonte: Centro de Referncia em Educao Mario Covas

  • Carta do Secretrio

    Senhores professores e gestores,

    Com muita satisfao, apresentamos a verso definitiva dos textos-base do

    Currculo da Secretaria da Educao para o Ensino Fundamental Ciclo II e o Ensino

    Mdio da rede pblica do Estado de So Paulo.

    Acompanhamos atentamente a construo destes textos desde sua criao na

    forma de proposta e de dilogos estabelecidos com professores e especialistas durante

    o ano de sua implantao para as crticas e sugestes de complementao at esta

    fase final de reestruturao, que incorpora as excelentes contribuies dos profissionais

    de nossa rede.

    Estes documentos, que do origem aos Cadernos do Professor, do Aluno e do

    Gestor, so as referncias essenciais para o estabelecimento das matrizes de avaliao

    do Sistema de Avaliao de Rendimento Escolar do Estado de So Paulo (Saresp), dos

    programas de reforo e recuperao e dos cursos de formao continuada de nossa

    Escola de Formao de Professores.

    Desejamos que estes materiais sejam preciosos tambm para cada uma das

    escolas, tanto para a construo de suas propostas pedaggicas como para apoio aos

    professores, gestores, especialistas e famlias para reafirmar publicamente o compro-

    misso do Governo do Estado de So Paulo com a busca de mais qualidade na educao

    de nossas crianas e nossos jovens.

    Paulo Renato Souza Secretrio da Educao do Estado de So Paulo

  • Prezados professores e gestores,

    O Currculo do Estado de So Paulo hoje uma realidade nas escolas pblicas paulistas graas

    ao empenho de todos os seus profissionais.

    Como anunciado em 2008, o Currculo continuar a ser permanentemente complementado com

    um conjunto de aes, de projetos e de documentos com orientaes pedaggicas e de gesto para

    apoiar as equipes gestoras e os professores no que se refere qualidade do ensino em nossas escolas.

    A participao de todos no trabalho de anlise da Proposta Curricular do Estado de So Paulo,

    para os ajustes necessrios, reafirmou nossa crena de que a maneira mais saudvel de fazer oposi-

    o s ideias conhec-las, aplicando-as e discutindo-as para sugerir as mudanas necessrias.

    A Proposta Curricular foi planejada de forma que todos os alunos em idade de escolarizao

    pudessem fazer o mesmo percurso de aprendizagem nas disciplinas bsicas: Lngua Portuguesa, Ma-

    temtica, Cincias (Fsica, Qumica e Biologia, no Ensino Mdio), Histria (mais Filosofia e Sociologia,

    no Ensino Mdio), Geografia, Lngua Estrangeira Moderna (Ingls), Arte e Educao Fsica. Para todas

    essas disciplinas foram descritos os contedos, as competncias, as habilidades, as estratgias meto-

    dolgicas e o que se espera dos alunos em cada srie/ano.

    Vale ressaltar que a proposta de organizao curricular possibilitou que fossem garantidas

    iguais oportunidades a todos os alunos de todas as escolas, como tambm preservou o acesso aos

    mesmos conhecimentos atualizados e significativos, valorizados pela sociedade.

    A partir dessa base curricular comum tambm foi possvel definir as metas que os alunos tm

    direito a alcanar nas disciplinas estudadas e, consequentemente, avaliar o seu progresso em relao

    a essas metas e, quando necessrio, fazer as devidas intervenes com vistas a melhorar o desempe-

    nho daqueles que porventura no consigam atingi-las.

    A construo da autonomia da escola pressupe a articulao e a continuidade das polticas

    nacionais, estaduais e locais de desenvolvimento da educao, a fim de que se possam estabelecer

    unidade e direo coordenadas nos respectivos sistemas.

    No espao escolar, mesmo que as diferenas sejam considerveis, os profissionais devem ter cla-

    reza sobre os propsitos comuns da educao, para que se organizem em funo desses propsitos.

    De nossa parte, estamos todos empenhados em oferecer aos profissionais da educao de

    nossa rede de ensino mais e melhores condies de trabalho e em apoiar decisivamente aes que

    concorram para que esses propsitos sejam alcanados.

    Neste documento, so apresentados contedos que versam sobre currculo, planejamento e

    avaliao de forma a subsidiar o professor e o gestor em suas prticas para implementar o Currculo

    do Estado de So Paulo, organizar sua crtica e construir a Proposta Pedaggica que representa a

    identidade da sua escola em particular.

    Maria Ins FiniCoordenadora Geral

    Projeto So Paulo faz escola

  • Apresentao do Currculo do Estado de So Paulo 7

    Uma educao altura dos desafios contemporneos 8

    Princpios para um currculo comprometido com o seu tempo 10

    Uma escola que tambm aprende 10

    O currculo como espao de cultura 11

    As competncias como referncia 12

    Prioridade para a competncia da leitura e da escrita 14

    Articulao das competncias para aprender 18

    Articulao com o mundo do trabalho 20

    A concepo do ensino na rea de Matemtica e suas tecnologias 25

    O ensino de Matemtica: breve histrico 25

    Currculo de Matemtica 29

    Fundamentos para o ensino de Matemtica 29

    Matemtica para o Ensino Fundamental (Ciclo II) e o Ensino Mdio 35

    Sobre a organizao dos contedos bsicos: Nmeros, Geometria, Relaes 38

    Sobre o processo de ensino-aprendizagem dos contedos bsicos 40

    Ensinar fazer escolhas: mapas e escalas 48

    Sobre os subsdios para implantao do Currculo proposto 51

    Sobre a organizao das grades curriculares (srie/ano por bimestre): contedos associados a habilidades 55

    Quadro de contedos e habilidades de Matemtica 57

    Sumrio

  • 7ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo

    Apresentao do Currculo do Estado de So Paulo

    A Secretaria da Educao do Estado de

    So Paulo props, em 2008, um currculo b-

    sico para as escolas da rede estadual nos nveis

    de Ensino Fundamental (Ciclo II) e Ensino M-

    dio. Com isso, pretendeu apoiar o trabalho rea-

    lizado nas escolas estaduais e contribuir para a

    melhoria da qualidade das aprendizagens dos

    alunos. Esse processo partiu dos conhecimen-

    tos e das expe rincias prticas j acumulados,

    ou seja, partiu da recuperao, da reviso e da

    sistematizao de documentos, publicaes e

    diagnsticos j existentes e do levantamento

    e anlise dos resultados de projetos ou iniciati-

    vas realizados. No intuito de fomentar o desen-

    volvimento curricular, a Secretaria da Educao

    tomou assim duas iniciativas complementares.

    A primeira delas foi realizar amplo le-

    vantamento do acervo documental e tcnico

    pedaggico existente. A segunda deu incio a

    um processo de consulta a escolas e professo-

    res para identificar, sistematizar e divulgar boas

    prticas existentes nas escolas de So Paulo.

    Ao articular conhecimento e herana pe-

    daggicos com experincias escolares de suces-

    so, a Secretaria da Educao deu incio a uma

    contnua produo e divulgao de subsdios

    que incidem diretamente na organizao da es-

    cola como um todo e em suas aulas. Ao iniciar

    esse processo, a Secretaria da Educao pro-

    curou tambm cumprir seu dever de garantir

    a todos uma base comum de conhecimentos e

    de competncias para que nossas escolas

    funcionem de fato como uma rede. Com esse

    objetivo, implantou um processo de elaborao

    dos subsdios indicados a seguir.

    Este documento apresenta os princpios

    orientadores do currculo para uma escola ca-

    paz de promover as competncias indispen-

    sveis ao enfrentamento dos desafios sociais,

    culturais e profissionais do mundo contem-

    porneo. Contempla algumas das principais

    caractersticas da sociedade do conhecimen-

    to e das presses que a contemporaneidade

    exerce sobre os jovens cidados, propondo

    princpios orientadores para a prtica edu-

    cativa, a fim de que as escolas possam pre-

    parar seus alunos para esse novo tempo. Ao

    priorizar a competncia de leitura e escrita, o

    Currculo define a escola como espao de cul-

    tura e de articulao de competncias e de

    contedos disciplinares.

    Alm desse documento bsico curricu-

    lar, h um segundo conjunto de documentos,

    com orientaes para a gesto do Currculo

    na escola. Intitulado Caderno do Gestor, diri -

    ge-se especialmente s unidades escolares

    e aos professores coordenadores, diretores,

    professores coordenadores das oficinas peda-

    ggicas e supervisores. Esse material no tra-

    ta da gesto curricular em geral, mas tem a

  • 8Apresentao Currculo do Estado de So Paulo

    finalidade especfica de apoiar o gestor para

    que ele seja um lder capaz de estimular e orien-

    tar a implementao do Currculo nas escolas

    pblicas estaduais de So Paulo.

    H inmeros programas e materiais dis-

    ponveis sobre o tema da gesto, aos quais as

    equipes gestoras tambm podero recorrer

    para apoiar seu trabalho. O ponto mais impor-

    tante desse segundo conjunto de documentos

    garantir que a Proposta Pedaggica, que or-

    ganiza o trabalho nas condies singulares de

    cada escola, seja um recurso efetivo e dinmico

    para assegurar aos alunos a aprendizagem dos

    con tedos e a constituio das competncias

    previstas no Currculo. Espera-se tambm que a

    aprendizagem resulte da coordenao de aes

    entre as disciplinas, do estmulo vida cultural

    da escola e do fortalecimento de suas relaes

    com a comunidade. Para isso, os documentos

    reforam e sugerem orientaes e estratgias

    para a formao continuada dos professores.

    O Currculo se completa com um conjun-

    to de documentos dirigidos especialmente aos

    professores e aos alunos: os Cadernos do Pro-

    fessor e do Aluno, organizados por disciplina/

    srie(ano)/bimestre. Neles, so apresentadas

    Situaes de Aprendizagem para orientar o

    trabalho do professor no ensino dos conte-

    dos disciplinares especficos e a aprendiza-

    gem dos alunos. Esses contedos, habilidades

    e competncias so organizados por srie/ano e

    acompanhados de orientaes para a gesto da

    aprendizagem em sala de aula e para a avaliao

    e a recuperao. Oferecem tambm sugestes

    de mtodos e estratgias de trabalho para as

    aulas, experimentaes, projetos coletivos, ativi-

    dades extraclasse e estudos interdisciplinares.

    Uma educao altura dos desafios contemporneos

    A sociedade do sculo XXI cada vez

    mais caracterizada pelo uso intensivo do conhe-

    cimento, seja para trabalhar, conviver ou exercer

    a cidadania, seja para cuidar do ambiente em

    que se vive. Todavia, essa sociedade, produto

    da revoluo tecnolgica que se acelerou na se-

    gunda metade do sculo XX e dos processos po-

    lticos que redesenharam as relaes mundiais,

    j est gerando um novo tipo de desigualdade

    ou excluso, ligado ao uso das tecnologias

    de comunicao que hoje medeiam o acesso

    ao conhecimento e aos bens culturais. Na so-

    ciedade de hoje, indesejvel a excluso pela

    falta de acesso tanto aos bens materiais quanto

    ao conhecimento e aos bens culturais.

    No Brasil, essa tendncia excluso cami-

    nha paralelamente democratizao do acesso

    a nveis educacionais alm do ensino obrigatrio.

    Com mais pessoas estudando, alm de um diplo-

    ma de nvel superior, as caractersticas cognitivas

    e afetivas so cada vez mais valorizadas, como

    as capacidades de resolver problemas, trabalhar

    em grupo, continuar aprendendo e agir de modo

    cooperativo, pertinentes em situaes complexas.

    Em um mundo no qual o conhecimento

    usado de forma intensiva, o diferencial est na

    qualidade da educao recebida. A qualidade

  • 9ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo

    do convvio, assim como dos conhecimentos e

    das competncias constitudas na vida escolar,

    ser determinante para a participao do indiv-

    duo em seu prprio grupo social e para que ele

    tome parte em processos de crtica e renovao.

    Nesse contexto, ganha importncia re-

    dobrada a qualidade da educao oferecida

    nas escolas pblicas, que vm recebendo, em

    nmero cada vez mais expressivo, as camadas

    pobres da sociedade brasileira, que at bem

    pouco tempo no tinham efetivo acesso

    escola. A relevncia e a pertinncia das apren-

    dizagens escolares constru das nessas institui-

    es so decisivas para que o acesso a elas

    proporcione uma real oportunidade de insero

    produtiva e solidria no mundo.

    Ganha tambm importncia a ampliao

    e a significao do tempo de permanncia na

    escola, tornando-a um lugar privilegiado para

    o desenvolvimento do pensamento autnomo,

    to necessrio ao exerccio de uma cidadania

    responsvel, especialmente quando se assiste

    aos fenmenos da precocidade da adolescn-

    cia e do acesso cada vez mais tardio ao merca-

    do de trabalho.

    Nesse mundo, que expe o jovem s pr-

    ticas da vida adulta e, ao mesmo tempo, pos-

    terga sua insero no mundo profissional, ser

    estudante fazer da experincia escolar uma

    oportunidade para aprender a ser livre e, con-

    comitantemente, respeitar as diferenas e as

    regras de convivncia. Hoje, mais do que nun-

    ca, aprender na escola o ofcio de aluno,

    a partir do qual o jovem pode fazer o trnsito

    para a autonomia da vida adulta e profissional.

    Para que a democratizao do acesso

    educao tenha funo inclusiva, no sufi-

    ciente universalizar a escola: indispensvel

    universalizar a relevncia da aprendizagem.

    Criamos uma civilizao que reduz distn-

    cias, tem instrumentos capazes de aproximar

    pessoas ou distanci-las, aumenta o acesso

    informao e ao conhecimento, mas, em

    contrapartida, acentua consideravelmente

    diferenas culturais, sociais e econmicas.

    Apenas uma educao de qualidade para to-

    dos pode evitar que essas diferenas se consti-

    tuam em mais um fator de excluso.

    O desenvolvimento pessoal um proces-

    so de aprimoramento das capacidades de agir,

    pensar e atuar no mundo, bem como de atribuir

    significados e ser percebido e significado pelos

    outros, apreender a diversidade, situar-se e per-

    tencer. A educao tem de estar a servio desse

    desenvolvimento, que coincide com a constru-

    o da identidade, da autonomia e da liberdade.

    No h liberdade sem possibilidade de escolhas.

    Escolhas pressupem um repertrio e um qua-

    dro de referncias que s podem ser garantidos

    se houver acesso a um amplo conhecimento,

    assegurado por uma educao geral, arti culadora

    e que transite entre o local e o global.

    Esse tipo de educao constri, de forma

    cooperativa e solidria, uma sntese dos sabe-

    res produzidos pela humanidade ao longo de

    sua histria e dos saberes locais. Tal sntese

  • 10

    Apresentao Currculo do Estado de So Paulo

    uma das condies para o indivduo acessar o

    conhecimento necessrio ao exerccio da cida-

    dania em dimenso mundial.

    A autonomia para gerenciar a prpria

    aprendizagem (aprender a aprender) e para

    a transposio dessa aprendizagem em in-

    tervenes solidrias (aprender a fazer e a

    conviver) deve ser a base da educao das

    crianas, dos jovens e dos adultos, que tm em

    suas mos a continui dade da produo cultural

    e das prticas sociais.

    Construir identidade, agir com auto-

    nomia e em relao com o outro, bem como

    incorporar a diversidade, so as bases para a

    construo de valores de pertencimento e de

    responsabilidade, essenciais para a insero ci-

    dad nas dimenses sociais e produtivas. Prepa-

    rar os indivduos para o dilogo constante com

    a produo cultural, num tempo que se carac-

    teriza no pela permanncia, mas pela constan-

    te mudana quando o inusitado, o incerto e o

    urgente constituem a regra , mais um desa-

    fio contemporneo para a educao escolar.

    Outros elementos relevantes que de-

    vem orientar o contedo e o sentido da escola

    so a complexidade da vida cultural em suas

    dimenses sociais, econmicas e polticas;

    a presena macia de produtos cientficos e

    tecnolgicos; e a multiplicidade de linguagens

    e cdigos no cotidiano. Apropriar-se desses co-

    nhecimentos pode ser fator de ampliao das

    liberdades, ao passo que sua no apropriao

    pode significar mais um fator de excluso.

    Um currculo que d sentido, significa-

    do e contedo escola precisa levar em conta

    os elementos aqui apresentados. Por isso, o

    Currculo da Secretaria da Educao do Estado

    de So Paulo tem como princpios centrais: a

    escola que aprende; o currculo como espa-

    o de cultura; as competncias como eixo de

    aprendizagem; a prioridade da competncia

    de leitura e de escrita; a articulao das com-

    petncias para aprender; e a contextualizao

    no mundo do trabalho.

    Princpios para um currculo comprometido com o seu tempo

    Uma escola que tambm aprende

    A tecnologia imprime um ritmo sem pre-

    cedentes ao acmulo de conhecimentos e gera

    profunda transformao quanto s formas de

    estrutura, organizao e distribuio do co-

    nhecimento acumulado. Nesse contexto, a ca-

    pacidade de aprender ter de ser trabalhada

    no apenas nos alunos, mas na prpria escola,

    como instituio educativa.

    Isso muda radicalmente a concepo da

    escola: de instituio que ensina para institui-

    o que tambm aprende a ensinar. Nessa

    escola, as interaes entre os responsveis

    pela aprendizagem dos alunos tm carter de

    aes formadoras, mesmo que os envolvidos

    no se deem conta disso. Vale ressaltar a res-

    ponsabilidade da equipe gestora como forma-

    dora de professores e a responsabilidade dos

    docentes, entre si e com o grupo gestor, na

  • 11

    ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo

    problematizao e na significao dos conhe-

    cimentos sobre sua prtica.

    Essa concepo parte do princpio de que

    ningum detentor absoluto do conhecimento

    e de que o conhecimento coletivo maior que

    a soma dos conhecimentos individuais, alm de

    ser qualitativamente diferente. Esse o ponto

    de partida para o trabalho colaborativo, para a

    formao de uma comunidade aprendente,

    nova terminologia para um dos mais antigos

    ideais educativos. A vantagem hoje que a tec-

    nologia facilita a viabilizao prtica desse ideal.

    Aes como a construo coletiva da

    Proposta Pedaggica, por meio da reflexo e

    da prtica compartilhadas, e o uso intencional

    da convivncia como situao de aprendizagem

    fazem parte da constituio de uma escola al-

    tura de seu tempo. Observar que as regras da

    boa pedagogia tambm se aplicam queles que

    esto aprendendo a ensinar uma das chaves

    para o sucesso das lideranas escolares. Os ges-

    tores, como agentes formadores, devem pr em

    pr tica com os professores tudo aquilo que reco-

    mendam a eles que apliquem com seus alunos.

    O currculo como espao de cultura

    No cotidiano escolar, a cultura muitas

    vezes associada ao que local, pitoresco, fol-

    clrico, bem como ao divertimento ou lazer, ao

    passo que o conhecimento frequentemente as-

    sociado a um saber inalcanvel. Essa dicotomia

    no cabe em nossos tempos: a informao est

    disponvel a qualquer instante, em tempo real,

    ao toque de um dedo, e o conhecimento cons-

    titui ferramenta para articular teoria e prtica, o

    global e o local, o abstrato e seu contexto fsico.

    Currculo a expresso do que existe na

    cultura cientfica, artstica e humanista trans-

    posto para uma situao de aprendizagem e

    ensino. Precisamos entender que as atividades

    extraclasse no so extracurriculares quan-

    do se deseja articular cultura e conhecimento.

    Nesse sentido, todas as atividades da escola

    so curriculares; caso contrrio, no so justi-

    ficveis no contexto escolar. Se no rompermos

    essa dissociao entre cultura e conhecimento

    no conectaremos o currculo vida e seguire-

    mos alojando na escola uma mirade de atividades

    culturais que mais dispersam e confundem do

    que promovem aprendizagens curriculares rele-

    vantes para os alunos.

    O conhecimento tomado como instru-

    mento, mobilizado em competncias, refora o

    sentido cultural da aprendizagem. Tomado como

    valor de contedo ldico, de carter tico ou de

    fruio esttica, numa escola de prtica cultural

    ativa, o conhecimento torna-se um prazer que

    pode ser aprendido ao se aprender a aprender.

    Nessa escola, o professor no se limita a suprir o

    aluno de saberes, mas dele parceiro nos faze-

    res culturais; quem promove, das mais variadas

    formas, o desejo de aprender, sobretudo com o

    exemplo de seu prprio entusiasmo pela cultura

    humanista, cientfica e artstica.

    Quando, no projeto pedaggico da escola,

    a cidadania cultural uma de suas prioridades,

  • 12

    Apresentao Currculo do Estado de So Paulo

    o currculo a referncia para ampliar, locali-

    zar e contextualizar os conhecimentos acumu-

    lados pela humanidade ao longo do tempo.

    Ento, o fato de uma informao ou de um

    conhecimento emergir de um ou mais con-

    textos distintos na grande rede de informao

    no ser obstculo prtica cultural resultante

    da mobilizao desses saberes nas cincias,

    nas artes e nas humanidades.

    As competncias como referncia

    Um currculo que promove competn-

    cias tem o compromisso de articular as dis-

    ciplinas e as atividades escolares com aquilo

    que se espera que os alunos aprendam ao

    longo dos anos. Logo, a atuao do professor,

    os contedos, as metodologias disciplinares

    e a aprendizagem requerida dos alunos so

    aspectos indissociveis, que compem um sis-

    tema ou rede cujas partes tm caractersticas

    e funes especficas que se complementam

    para formar um todo, sempre maior do que

    elas. Maior porque o currculo se comprome-

    te em formar crianas e jovens para que se

    tornem adultos preparados para exercer suas

    responsabilidades (trabalho, famlia, autono-

    mia etc.) e para atuar em uma sociedade que

    depende deles.

    Com efeito, um currculo referencia-

    do em competncias supe que se aceite

    o desafio de promover os conhecimentos

    prprios de cada disciplina articuladamente

    s competncias e habilidades do aluno.

    com essas competncias e habilidades que o

    aluno contar para fazer a leitura crtica do

    mundo, questionando-o para melhor com-

    preend-lo, inferindo questes e comparti-

    lhando ideias, sem, pois, ignorar a comple-

    xidade do nosso tempo.

    Tais competncias e habilidades podem

    ser consideradas em uma perspectiva geral,

    isto , no que tm de comum com as discipli-

    nas e tarefas escolares ou no que tm de espe-

    cfico. Competncias, nesse sentido, caracteri-

    zam modos de ser, de raciocinar e de interagir,

    que podem ser depreendidos das aes e das

    tomadas de deciso em contextos de proble-

    mas, de tarefas ou de atividades. Graas a

    elas, podemos inferir, hoje, se a escola como

    instituio est cumprindo devidamente o pa-

    pel que se espera dela.

    Os alunos considerados neste Currculo

    do Estado de So Paulo tm, de modo geral,

    entre 11 e 18 anos. Valorizar o desenvolvimen-

    to de competncias nessa fase da vida implica

    ponderar, alm de aspectos curriculares e do-

    centes, os recursos cognitivos, afetivos e so-

    ciais dos alunos. Implica, pois, analisar como o

    professor mobiliza contedos, metodologias e

    saberes prprios de sua disciplina ou rea de

    conhecimento, visando a desenvolver compe-

    tncias em adolescentes, bem como a instigar

    desdobramentos para a vida adulta.

    Paralelamente a essa conduta, preciso

    considerar quem so esses alunos. Ter entre 11

    e 18 anos significa estar em uma fase pecu-

    liar da vida, entre a infncia e a idade adulta.

  • 13

    ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo

    Nesse sentido, o jovem aquele que deixou de

    ser criana e prepara-se para se tornar adul-

    to. Trata-se de um perodo complexo e con-

    traditrio da vida do aluno, que requer muita

    ateno da escola.

    Nessa etapa curricular, a trade sobre a

    qual competncias e habilidades so desenvol-

    vidas pode ser assim caracterizada:

    a) o adolescente e as caractersticas de suas

    aes e pensamentos;

    b) o professor, suas caractersticas pessoais e pro-

    fissionais e a qualidade de suas mediaes;

    c) os contedos das disciplinas e as metodolo-

    gias para seu ensino e aprendizagem.

    Houve um tempo em que a educao

    escolar era referenciada no ensino o plano

    de trabalho da escola indicava o que seria en-

    sinado ao aluno. Essa foi uma das razes pelas

    quais o currculo escolar foi confundido com

    um rol de contedos disciplinares. A Lei de Di-

    retrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN)

    no 9394/96 deslocou o foco do ensino para a

    aprendizagem, e no por acaso que sua filo-

    sofia no mais a da liberdade de ensino, mas

    a do direito de aprender.

    O conceito de competncias tambm

    fundamental na LDBEN, nas Diretrizes

    Curriculares Nacionais (DCN) e nos Parme-

    tros Curriculares Nacionais (PCN), elaborados

    pelo Conselho Nacional de Educao e pelo

    Ministrio da Educao. O currculo referen-

    ciado em competncias uma concepo

    que requer que a escola e o plano do profes-

    sor indiquem o que aluno vai aprender.

    Uma das razes para se optar por uma

    educao centrada em competncias diz res-

    peito democratizao da escola. Com a

    universalizao do Ensino Fundamental, a edu-

    cao incorpora toda a heterogeneidade que

    caracteriza o povo brasileiro; nesse contexto,

    para ser democrtica, a escola tem de ser igual-

    mente acessvel a todos, diversa no tratamento

    a cada um e unitria nos resultados.

    Optou-se por construir a unidade com

    nfase no que indispensvel que todos te-

    nham aprendido ao final do processo, con-

    siderando-se a diversidade. Todos tm direito

    de construir, ao longo de sua escolaridade, um

    conjunto bsico de competncias, definido pela

    lei. Esse o direito bsico, mas a escola dever

    ser to diversa quanto so os pontos de partida

    das crianas que recebe. Assim, ser possvel

    garantir igualdade de oportunidades, diversi-

    dade de tratamento e unidade de resultados.

    Quando os pontos de partida so diferentes,

    preciso tratar diferentemente os desiguais para

    garantir a todos uma base comum.

    Pensar o currculo hoje viver uma tran-

    sio na qual, como em toda transio, traos

    do velho e do novo se mesclam nas prticas

    cotidianas. comum que o professor, ao for-

    mular seu plano de trabalho, indique o que

    vai ensinar, e no o que o aluno vai aprender.

  • 14

    Apresentao Currculo do Estado de So Paulo

    E compreensvel, segundo essa lgica, que,

    no fim do ano letivo, cumprido seu plano, ele

    afirme, diante do fracasso do aluno, que fez

    sua parte, ensinando, e que foi o aluno que

    no aprendeu.

    No entanto, a transio da cultura do en-

    sino para a da aprendizagem no um processo

    individual. A escola deve faz-lo coletivamente,

    tendo frente seus gestores, que devem ca-

    pacitar os professores em seu dia a dia, a fim

    de que todos se apropriem dessa mudana de

    foco. Cabe s instncias responsveis pela po-

    ltica educacional nos Estados e nos municpios

    elaborar, a partir das DCN e dos PCN, propostas

    curriculares prprias e especficas, para que as

    escolas, em sua Proposta Pedaggica, estabele-

    am os planos de trabalho que, por sua vez, fa-

    ro, das propostas, currculos em ao como

    no presente esforo desta Secretaria.

    Prioridade para a competncia da

    leitura e da escrita

    Concebe-se o homem a partir do traba-

    lho e das mediaes simblicas que regem suas

    relaes com a vida, com o mundo e com ele

    prprio. So dois os eixos dessas atividades: o

    da produo (transformao da natureza) e

    o da comunicao (relaes intersubjetivas).

    A linguagem constitutiva do ser huma-

    no. Pode-se definir linguagens como sistemas

    simblicos, instrumentos de conhecimento e

    de construo de mundo, formas de classifi-

    cao arbitrrias e socialmente determinadas.

    Esses sistemas so, ao mesmo tempo, estrutu-

    rados e estruturantes, uma vez que geram e

    so gerados no constante conflito entre os pro-

    tagonistas sociais pela manuteno ou trans-

    formao de uma viso de mundo: o poder

    simblico do fazer ver e fazer crer, do pensar,

    do sentir e do agir em determinado sentido.

    Em sntese, as linguagens incorporam

    as produes sociais que se estruturam me-

    diadas por cdigos permanentes, passveis de

    representao do pensamento humano e ca-

    pazes de organizar uma viso de mundo me-

    diada pela expresso, pela comunicao e pela

    informao.

    A linguagem verbal, oral e escrita, repre-

    sentada pela lngua materna, viabiliza a com-

    preenso e o encontro dos discursos utilizados

    em diferentes esferas da vida social. com a

    lngua materna e por meio dela que as formas

    sociais arbitrrias de viso de mundo so in-

    corporadas e utilizadas como instrumentos de

    conhecimento e de comunicao.

    As relaes lingusticas, longe de ser uni-

    formes, marcam o poder simblico acumulado

    por seus protagonistas. No h uma competn-

    cia lingustica abstrata, mas, sim, limitada pelas

    condies de produo e de interpretao dos

    enunciados determinados pelos contextos de

    uso da lngua. Esta utiliza um cdigo com funo

    ao mesmo tempo comunicativa e legislativa.

    O domnio do cdigo no suficiente

    para garantir a comunicao; algumas situaes

  • 15

    ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo

    de fala ou escrita podem, inclusive, produzir

    o total silncio daquele que se sente pouco

    vontade no ato interlocutivo.

    O desenvolvimento da competncia lin-

    gustica do aluno, nessa perspectiva, no est

    pautado na exclusividade do domnio tcnico

    de uso da lngua legitimada pela norma-padro,

    mas, principalmente, no domnio da competncia

    performativa: o saber usar a lngua em situa es

    subjetivas ou objetivas que exijam graus de dis-

    tanciamento e de reflexo sobre contextos e es-

    tatutos de interlocutores, ou seja, a competncia

    comunicativa vista pelo prisma da referncia do

    valor social e simblico da atividade lingustica, no

    mbito dos inmeros discursos concorrentes.

    A utilizao dessa variedade d-se por

    meio de um exerccio prtico em situaes de

    simulao escolar. A competncia performativa

    exige mais do que uma atitude de reproduo

    de valores.

    A diversidade de textos concorre para o

    reconhecimento dos gneros como expresses

    histricas e culturais diversificadas, que vo se

    modificando ao longo do tempo. Hoje, mais do

    que nunca, as transformaes tecnolgicas po-

    dem atropelar o trabalho de uma escola que se

    cristaliza em modelos estanques. Nesse sentido,

    os gneros devem receber o enfoque especfico

    de cada disciplina e, ao mesmo tempo, precisam

    ser trabalhados de modo interdisciplinar.

    O carter linear dos textos verbais dever

    conviver com o carter reticular dos hiper textos

    eletrnicos, como, alis, acontece em leituras de

    jornais impressos, em que os olhos navegam

    por uma pgina, ou por vrias delas, aos saltos

    e de acordo com nossas intenes, libertos da

    continuidade temporal. Saber ler um jornal

    uma habilidade histrica, porque precisamos

    conhecer os modos como a manchete, a notcia,

    o lead, a reportagem etc. conectam-se e distri-

    buem-se, estabelecendo ligaes nada lineares,

    e tambm o carter multimdia do jornal, que

    se estabelece entre os diferentes cdigos utili-

    zados (uma imagem pode se contrapor a uma

    manchete, por exemplo, criando, at mesmo,

    um efeito de ironia).

    Em uma cultura letrada como a nossa, a

    competncia de ler e de escrever parte inte-

    grante da vida das pessoas e est intimamente

    associada ao exerccio da cidadania. As prticas

    de leitura e escrita, segundo as pesquisas que

    vm sendo realizadas na rea, tm impacto so-

    bre o desenvolvimento cognitivo do indivduo.

    Essas prticas possibilitam o desenvolvimento

    da cons cincia do mundo vivido (ler registrar

    o mundo pela palavra, afirma Paulo Freire),

    propiciando aos sujeitos sociais a autonomia

    na aprendizagem e a contnua transformao,

    inclusive das relaes pessoais e sociais.

    Nesse sentido, os atos de leitura e de

    produo de textos ultrapassam os limites da

    escola, especialmente os da aprendizagem

    em lngua materna, configurando-se como

    pr-requisitos para todas as disciplinas escola-

    res. A leitura e a produo de textos so ati-

    vidades permanentes na escola, no trabalho,

  • 16

    Apresentao Currculo do Estado de So Paulo

    nas relaes interpessoais e na vida. Por isso

    mesmo, o Currculo proposto tem por eixo a

    competncia geral de ler e de produzir textos,

    ou seja, o conjunto de competncias e habilida-

    des especficas de compreenso e de reflexo

    crtica intrinsecamente associado ao trato com

    o texto escrito.

    As experincias profcuas de leitura pressu-

    pem o contato do aluno com a diversidade de

    textos, tanto do ponto de vista da forma quanto

    no que diz respeito ao contedo. Alm do dom-

    nio da textualidade propriamente dita, o aluno

    vai construindo, ao longo do ensino-aprendiza-

    gem, um repertrio cultural especfico relacio-

    nado s diferentes reas do conhecimento que

    usam a palavra escrita para o registro de ideias,

    de experincias, de conceitos, de snteses etc.

    O texto o foco principal do processo

    de ensino-aprendizagem. Considera-se texto

    qualquer sequncia falada ou escrita que cons-

    titua um todo unificado e coerente dentro de

    uma determinada situao discursiva. Assim,

    o que define um texto no a extenso des-

    sa sequncia, mas o fato de ela configurar-se

    como uma unidade de sentido associada a uma

    situao de comunicao. Nessa perspectiva, o

    texto s existe como tal quando atualizado em

    uma situao que envolve, necessariamente,

    quem o produz e quem o interpreta.

    E, na medida em que todo texto escrito

    produzido para ser lido, ele reflete as possi-

    bilidades e as expectativas do leitor a que se

    dirige, identificvel por marcas como valores,

    referncias e formulaes caractersticos. Por

    sua vez, esse leitor est associado a domnios

    de circulao dos textos prprios de determi-

    nadas esferas discursivas, ou seja, de mbitos

    da vida social como o trabalho, a educao, a

    mdia e o lazer em que o texto escrito adquire

    formas particulares de produo, organizao e

    circulao. Nesse sentido, todo texto articula-se

    para atingir um leitor socialmente situado, tendo

    em vista um objetivo definido, atualizando-se,

    em seu meio de circulao, sob a forma de um

    gnero discursivo especfico.

    Textos so classificados segundo a esfe-

    ra discursiva de circulao e o gnero a que

    pertencem. A seleo das esferas e dos gne-

    ros procura contemplar a importncia social e

    educacional desses textos para a formao do

    aluno, considerando-se diferentes situaes

    de leitura, como:

    ler, em situao pessoal, textos que, no co-

    tidiano, so escolhidos pelo leitor de acordo

    com seu interesse, em busca de divertimen-

    to, de informao e de reflexo (esferas

    artstico-literria, de entretenimento, jorna-

    lstica e publicitria);

    ler textos relacionados vida pblica, que,

    no cotidiano, so utilizados para atender a

    uma demanda institucional predefinida ou

    a ela respeitar (esfera institucional pblica);

    ler, em situao de trabalho ou ocupacional,

    textos que, no cotidiano, so utilizados para

    fazer algo (esfera ocupacional);

  • 17

    ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo

    ler, em situao de educao formal, textos

    que, no cotidiano, so prescritos para o en-

    sino-aprendizagem de determinado assunto

    ou conceito (esferas escolar e de divulgao

    cientfica).

    O debate e o dilogo, as perguntas que

    desmontam as frases feitas, a pesquisa, entre

    outras, seriam formas de auxiliar o aluno a cons-

    truir um ponto de vista articulado sobre o texto.

    Nesse caso, o aluno deixaria de ser mero espec-

    tador ou reprodutor de saberes discutveis para

    se apropriar do discurso, verificando a coerncia

    de sua posio em face do grupo com quem

    partilha interesses. Dessa forma, alm de se

    apropriar do discurso do outro, ele tem a possi-

    bilidade de divulgar suas ideias com objetividade

    e fluncia perante outras ideias. Isso pressupe

    a formao crtica, diante da prpria produo,

    e a necessidade pessoal de partilhar dos propsi-

    tos previstos em cada ato interlocutivo.

    Pertencer a uma comunidade, hoje,

    tambm estar em contato com o mundo todo;

    a diversidade da ao humana est cada vez

    mais prxima da unidade para os fins solid-

    rios. A leitura e a escrita, por suas caracters-

    ticas formativas, informativas e comunicativas,

    apresentam-se como instrumentos valiosos para

    se alcanar esses fins. Na escola, o aluno deve

    compreender essa inter-relao como um meio

    de preservao da identidade de grupos sociais

    menos institucionalizados e como possibilidade

    do direito s representaes em face de outros

    grupos que tm a seu favor as instituies que

    autorizam a autorizar.

    Hoje, o domnio do fazer comunicativo

    exige formas complexas de aprendizagem. Para

    fazer, deve-se conhecer o que e como. Depois

    dessa anlise reflexiva, tenta-se a elaborao,

    consciente de que ela ser considerada numa

    rede de expectativas contraditrias. Entra-se

    no limite da transversalidade dos usos sociais

    da leitura e da escrita; s escolhas individuais

    impem-se os limites do social, envolvendo

    esquemas cognitivos complexos daqueles que

    podem escolher, porque tiveram a oportunida-

    de de aprender a escolher.

    Por esse carter essencial da competn-

    cia de leitura e de escrita para a aprendizagem

    dos con tedos curriculares de todas as reas e

    disciplinas, a responsabilidade por sua aprendi-

    zagem e avaliao cabe a todos os professores,

    que devem transformar seu trabalho em opor-

    tunidades nas quais os alunos possam aprender

    e consigam consolidar o uso da Lngua Portu-

    guesa e das outras linguagens e cdigos que

    fazem parte da cultura, bem como das formas

    de comunicao em cada uma delas.

    A centralidade da competncia leitora e

    escritora, que a transforma em objetivo de to-

    das as sries/anos e de todas as disciplinas, assi-

    nala para os gestores (a quem cabe a educao

    continuada dos professores na escola) a necessi-

    dade de criar oportunidades para que os docen-

    tes tambm desenvolvam essa competncia.

    Por fim, importante destacar que o do-

    mnio das linguagens representa um primordial

    elemento para a conquista da autonomia, a

  • 18

    Apresentao Currculo do Estado de So Paulo

    chave para o acesso a informaes, permitindo

    a comunicao de ideias, a expresso de senti-

    mentos e o dilogo, necessrios negociao

    dos significados e aprendizagem continuada.

    Articulao das competncias para aprender

    A aprendizagem o centro da atividade

    escolar. Por extenso, o professor caracteriza-se

    como um profissional da aprendizagem. O pro-

    fessor apresenta e explica contedos, organiza

    situaes para a aprendizagem de conceitos,

    de mtodos, de formas de agir e pensar, em

    suma, promove conhecimentos que possam ser

    mobilizados em competncias e habilidades que,

    por sua vez, instrumentalizam os alunos para

    enfrentar os problemas do mundo. Dessa forma,

    a expresso educar para a vida pode ganhar

    seu sentido mais nobre e verdadeiro na prtica

    do ensino. Se a educao bsica para a vida, a

    quantidade e a qualidade do conhecimento tm

    de ser determinadas por sua relevncia para a

    vida de hoje e do futuro, para alm dos limites

    da escola. Portanto, mais que os contedos iso-

    lados, as competncias so guias eficazes para

    educar para a vida. As competncias so mais

    gerais e constantes; os conte dos, mais espec-

    ficos e variveis. exatamente a possibilidade

    de variar os contedos no tempo e no espao

    que legitima a iniciativa dos diferentes sistemas

    pblicos de ensino de selecionar, organizar e or-

    denar os saberes disciplinares que serviro como

    base para a constituio de competncias, cuja

    referncia so as di retrizes e orientaes nacio-

    nais, de um lado, e as demandas do mundo

    contemporneo, de outro.

    As novas tecnologias da informao

    promoveram uma mudana na produo, na

    organizao, no acesso e na disseminao do

    conhecimento. A escola, sobretudo hoje, j no

    a nica detentora de informao e conheci-

    mento, mas cabe a ela preparar seu aluno para

    viver em uma sociedade em que a informao

    disseminada em grande velocidade.

    Vale insistir que essa preparao no

    exige maior quantidade de ensino (ou de

    contedos), mas sim melhor qualidade de

    aprendizagem. preciso deixar claro que isso

    no significa que os contedos do ensino no

    sejam importantes; ao contrrio, so to impor-

    tantes que a eles est dedicado este trabalho

    de elaborao do Currculo do ensino oficial do

    Estado de So Paulo. So to decisivos que in-

    dispensvel aprender a continuar aprendendo

    os contedos escolares, mesmo fora da escola

    ou depois dela. Continuar aprendendo a mais

    vital das competncias que a educao deste

    sculo precisa desenvolver. No s os conheci-

    mentos com os quais a escola trabalha podem

    mudar, como a vida de cada um apresentar

    novas nfases e necessidades, que precisaro

    ser continuamente supridas. Prepa rar-se para

    acompanhar esse movimento torna-se o gran-

    de desafio das novas geraes.

    Este Currculo adota como competncias

    para aprender aquelas que foram formuladas

    no referencial terico do Exame Nacional do

    Ensino Mdio (Enem, 1998). Entendidas como

    desdobramentos da competncia leitora e es-

    critora, para cada uma das cinco competncias

  • 19

    ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo

    do Enem transcritas a seguir apresenta-se a ar-

    ticulao com a competncia de ler e escrever.

    Dominar a norma-padro da Lngua Portu-

    guesa e fazer uso das linguagens matemtica,

    artstica e cientfica. A constituio da

    competncia de leitura e escrita tambm

    o domnio das normas e dos cdigos que

    tornam as linguagens instrumentos eficien-

    tes de registro e expresso que podem ser

    compartilhados. Ler e escrever, hoje, so

    competncias fundamentais para qualquer

    disciplina ou profisso. Ler, entre outras coisas,

    interpretar (atribuir sentido ou significado),

    e escrever, igualmente, assumir uma autoria

    individual ou coletiva (tornar-se respon svel

    por uma ao e suas consequncias).

    Construir e aplicar conceitos das vrias reas

    do conhecimento para a compreenso de

    fenmenos naturais, de processos histri-

    co-geogrficos, da produo tecnolgica e

    das manifestaes artsticas. o desenvol-

    vimento da linguagem que possibilita o ra-

    ciocnio hipottico-dedutivo, indispensvel

    compreenso de fenmenos. Ler, nesse sen-

    tido, um modo de compreender, isto , de

    assimilar experincias ou contedos discipli-

    nares (e modos de sua produo); escrever

    expressar sua construo ou reconstruo

    com sentido, aluno por aluno.

    Selecionar, organizar, relacionar, interpre-

    tar dados e informaes representados de

    diferentes formas, para tomar decises e

    enfrentar situaes-problema. Ler implica

    tambm alm de empregar o raciocnio hi-

    pottico-dedutivo que possibilita a compre-

    enso de fenmenos antecipar, de forma

    comprometida, a ao para intervir no fen-

    meno e resolver os problemas decorrentes

    dele. Escrever, por sua vez, significa dominar

    os inmeros formatos que a soluo do pro-

    blema comporta.

    Relacionar informaes, representadas em

    diferentes formas, e conhecimentos dispo-

    nveis em situaes concretas, para construir

    argumentao consistente. A leitura, nes-

    se caso, sintetiza a capacidade de escutar,

    supor, informar-se, relacionar, comparar etc.

    A escrita permite dominar os cdigos que

    expressam a defesa ou a reconstruo de ar-

    gumentos com liberdade, mas observando

    regras e assumindo responsabilidades.

    Recorrer aos conhecimentos desenvolvidos

    na escola para elaborar propostas de inter-

    veno solidria na realidade, respeitando os

    valores humanos e considerando a diversida-

    de sociocultural. Ler, nesse caso, alm de

    implicar o descrever e o compreender, bem

    como o argumentar a respeito de um fen-

    meno, requer a antecipao de uma inter-

    veno sobre ele, com a tomada de decises

    a partir de uma escala de valores. Escrever

    formular um plano para essa interveno,

    formular hipteses sobre os meios mais efi-

    cientes para garantir resultados a partir da

    escala de valores adotada. no contexto da

    realizao de projetos escolares que os alu-

    nos aprendem a criticar, respeitar e propor

  • 20

    Apresentao Currculo do Estado de So Paulo

    projetos valiosos para toda a sociedade; por

    intermdio deles, aprendem a ler e a escre-

    ver as coisas do mundo atual, relacionando

    aes locais com a viso global, por meio de

    atuao solidria.

    Articulao com o mundo do trabalho

    A contextualizao tem como norte os

    dispositivos da LDBEN, as normas das DCN, que

    so obrigatrias, e as recomendaes dos PCN

    do Ensino Mdio, tambm pertinentes para

    a educao bsica como um todo, sobretudo

    para o segmento da 5a srie/6o ano em dian-

    te. Para isso, preciso recuperar alguns tpicos

    desse conjunto legal e normativo.

    Compreenso dos significados das

    cincias, das letras e das artes

    Compreender o significado reconhecer,

    apreender e partilhar a cultura que envolve

    as reas de conhecimento, um conjunto de

    conceitos, posturas, condutas, valores, enfo-

    ques, estilos de trabalho e modos de fazer que

    caracterizam as vrias cincias naturais, exatas,

    sociais e humanas , as artes visuais, musicais,

    do movimento e outras , a matemtica, as ln-

    guas e outras reas de expresso no verbal.

    Ao dispor sobre esse objetivo de compre-

    enso do sentido, a LDBEN est indicando que

    no se trata de formar especialistas nem pro-

    fissionais. Especialistas e profissionais devem,

    alm de compreender o sentido, dominar a es-

    trutura conceitual e o estatuto epistemolgico

    de suas especialidades no esse o caso dos

    alunos da educao bsica. Como esto na es-

    cola, preparando-se para assumir plenamente

    sua cidadania, todos devem passar pela alfa-

    betizao cientfica, humanista, lingustica, ar-

    tstica e tcnica para que sua cidadania, alm

    de ser um direito, tenha qualidade. O aluno

    precisa constituir as competncias para reco-

    nhecer, identificar e ter viso crtica daquilo

    que prprio de uma rea do conhecimento

    e, a partir desse conhecimento, avaliar a im-

    portncia dessa rea ou disciplina em sua vida

    e em seu trabalho.

    A lei determina um prazo generoso para

    que os alunos aprendam o significado das cin-

    cias, das artes e das letras: comea na Educa-

    o Infantil, percorre o Ensino Fundamental e

    prossegue no Ensino Mdio.

    Durante mais de doze anos dever haver

    tempo suficiente para que os alunos se alfa-

    betizem nas cincias, nas humanidades e nas

    tcnicas, entendendo seus enfoques e mtodos

    mais importantes, seus pontos fortes e fracos,

    suas polmicas, seus conceitos e, sobretudo,

    o modo como suas descobertas influenciam

    a vida das pessoas e o desenvolvimento social

    e econmico.

    Para isso, importante abordar, em cada

    ano ou nvel da escola bsica, a maneira como

    as diferentes reas do currculo articulam a

    realidade e seus objetos de conhecimento es-

    pecficos, a partir de questes como as exem-

    plificadas a seguir.

  • 21

    ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo

    Que limitaes e potenciais tm os enfoques

    prprios das reas?

    Que prticas humanas, das mais simples s

    mais complexas, tm fundamento ou inspi-

    rao nessa cincia, arte ou outra rea de

    conhecimento?

    Quais as grandes polmicas nas vrias disci-

    plinas ou reas de conhecimento?

    A relao entre teoria e prtica em cada

    disciplina do Currculo

    A relao entre teoria e prtica no envolve

    necessariamente algo observvel ou manipulvel,

    como um experimento de laboratrio ou a cons-

    truo de um objeto. Tal relao pode acontecer

    ao se compreender como a teoria se aplica em

    contextos reais ou simulados. Uma possibilidade

    de transposio didtica reproduzir a indagao

    de origem, a questo ou necessidade que levou

    construo de um conhecimento que j est

    dado e precisa ser apropriado e aplicado, no obri-

    gatoriamente ser descoberto de novo.

    A lei determina corretamente que a rela-

    o entre teoria e prtica se d em cada disci-

    plina do currculo, uma vez que boa parte dos

    problemas de qualidade do ensino decorre da

    dificuldade em destacar a dimenso prtica

    do conhecimento, tornando-o verbalista e abs-

    trato. Por exemplo, a disciplina Histria , por

    vezes, considerada terica, mas nada to pr-

    tico quanto entender a origem de uma cidade

    e as razes da configurao urbana. A Qumica

    erroneamente considerada mais prtica por

    envolver atividades de laboratrio, manipula-

    o de substncias e outras idiossincrasias; no

    entanto, no existe nada mais terico do que o

    estudo da tabela de elementos qumicos.

    A mesma Qumica que emprega o nome

    dos elementos precisa ser um instrumento

    cognitivo para nos ajudar a entender e, se preciso,

    decidir sobre o uso de alimentos com agrotxicos

    ou conservantes. Tais questes no se restringem

    a especialistas ou cientistas. No preciso ser qu-

    mico para ter de escolher o que se vai comer.

    No entanto, para sermos cidados ple-

    nos, devemos adquirir discernimento e co-

    nhecimentos pertinentes para tomar decises

    em diversos momentos, como em relao

    escolha de alimentos, ao uso da eletricidade,

    ao consumo de gua, seleo dos progra-

    mas de TV ou escolha do candidato a um

    cargo poltico.

    As relaes entre educao e tecnologia

    A educao tecnolgica bsica uma das

    diretrizes que a LDBEN estabelece para orientar

    o currculo do Ensino Mdio. A lei ainda associa

    a compreenso dos fundamentos cientficos

    dos processos produtivos ao relacionamento

    entre teoria e prtica em cada disciplina do cur-

    rculo. E insiste quando insere o domnio dos

    princpios cientficos e tecnolgicos que presi-

    dem a produo moderna entre as compe-

    tncias que o aluno deve demonstrar ao final

    da educao bsica. A tecnologia comparece,

  • 22

    Apresentao Currculo do Estado de So Paulo

    portanto, no currculo da educao bsica com

    duas acepes complementares:

    a) como educao tecnolgica bsica;

    b) como compreenso dos fundamentos cien-

    tficos e tecnolgicos da produo.

    A primeira acepo refere-se alfabetiza-

    o tecnolgica, que inclui aprender a lidar com

    computadores, mas vai alm. Alfabeti zar-se

    tecnologicamente entender as tecnologias

    da histria humana como elementos da cul-

    tura, como parte das prticas sociais, culturais

    e produtivas, que, por sua vez, so insepar-

    veis dos conhecimentos cientficos, artsticos e

    lingusticos que as fundamentam. A educao

    tecnolgica bsica tem o sentido de preparar

    os alunos para viver e conviver em um mun-

    do no qual a tecnologia est cada vez mais

    presente, no qual a tarja magntica, o celu-

    lar, o cdigo de barras e outros tantos recur-

    sos digitais se incorporam velozmente vida

    das pessoas, qualquer que seja sua condio

    socioeconmica.

    A segunda acepo, ou seja, a com-

    preenso dos fundamentos cientficos e tec-

    nolgicos da produo, faz da tecnologia a

    chave para relacionar o currculo ao mundo

    da produo de bens e servios, isto , aos

    processos pelos quais a humanidade e cada

    um de ns produz os bens e servios de que

    necessita para viver. Foi para se manter fiel

    ao esprito da lei que as DCN introduziram a

    tecnologia em todas as reas, tanto das DCN

    como dos PCN para o Ensino Mdio, evitando

    a existncia de disciplinas tecnolgicas iso-

    ladas e separadas dos conhecimentos que lhes

    servem de fundamento.

    A prioridade para o contexto do trabalho

    Se examinarmos o conjunto das reco-

    mendaes j analisadas, o trabalho enquanto

    produo de bens e servios revela-se como a

    prtica humana mais importante para conectar

    os contedos do currculo realidade. Desde sua

    abertura, a LDBEN faz referncia ao trabalho,

    enquanto prtica social, como elemento que

    vincula a educao bsica realidade, desde

    a Educao Infantil at a concluso do Ensino

    Mdio. O vnculo com o trabalho carrega vrios

    sentidos que precisam ser explicitados.

    Do ponto de vista filosfico, expressa

    o valor e a importncia do trabalho. par-

    te qualquer implicao pedaggica relativa a

    currculos e definio de contedos, o va-

    lor do trabalho incide em toda a vida esco-

    lar: desde a valorizao dos trabalhadores da

    escola e da famlia at o respeito aos traba-

    lhadores da comunidade, o conhecimento do

    trabalho como produtor de riqueza e o reco-

    nhecimento de que um dos fundamentos da

    desigualdade social a remunerao injusta

    do trabalho. A valorizao do trabalho tam-

    bm uma crtica ao bacharelismo ilustrado,

    que por muito tempo predominou nas escolas

    voltadas para as classes sociais privilegiadas.

    A implicao pedaggica desse princpio

    atribui um lugar de destaque para o traba-

    lho humano, contextualizando os contedos

  • 23

    ApresentaoCurrculo do Estado de So Paulo

    curriculares, sempre que for pertinente, com

    os tratamentos adequados a cada caso.

    Em sntese, a prioridade do trabalho na

    educao bsica assume dois sentidos com-

    plementares: como valor, que imprime im-

    portncia ao trabalho e cultiva o respeito que

    lhe devido na sociedade, e como tema

    que perpassa os contedos curriculares, atri-

    buindo sentido aos conhecimentos especfi-

    cos das disciplinas.

    O contexto do trabalho no Ensino Mdio

    A tradio de ensino academicista, des-

    vinculado de qualquer preocupao com a

    prtica, separou a formao geral e a forma-

    o profissional no Brasil. Durante dcadas,

    elas foram modalidades excludentes de ensi-

    no. A tentativa da LDB (Lei no 5692/71) de unir

    as duas modalidades, profissionalizando todo

    o Ensino Mdio, apenas descaracterizou a for-

    mao geral, sem ganhos significativos para a

    profissional.

    Hoje essa separao j no se d nos

    mesmos moldes porque o mundo do trabalho

    passa por transformaes profundas. medida

    que a tecnologia vai substituindo os trabalha-

    dores por autmatos na linha de montagem

    e nas tarefas de rotina, as competncias para

    trabalhar em ilhas de produo, associar con-

    cepo e execuo, resolver problemas e tomar

    decises tornam-se mais importantes do que

    conhecimentos e habilidades voltados para

    postos especficos de trabalho.

    A LDBEN adota uma perspectiva sintoni-

    zada com essas mudanas na organizao do

    trabalho ao recomendar a articulao entre edu-

    cao bsica e profissional, definindo, entre as

    finalidades do Ensino Mdio, a preparao

    bsica para o trabalho e a cidadania do edu-

    cando, para continuar aprendendo, de modo a

    ser capaz de se adaptar com flexibilidade a

    novas condies de ocupao ou aperfeioa-

    mento posteriores (grifo nosso). A lei no re-

    cupera a formao profissional para postos ou

    reas especficas dentro da carga horria geral

    do Ensino Mdio, como pretendeu a legislao

    anterior, mas tambm no chancela o carter

    inteiramente propedutico que esse ensino

    tem assumido na educao bsica brasileira.

    As DCN para o Ensino Mdio interpre-

    taram essa perspectiva como uma preparao

    bsica para o trabalho, abrindo a possibilidade

    de que os sistemas de ensino ou as escolas te-

    nham nfases curriculares diferentes, com au-

    tonomia para eleger as disciplinas especficas

    e suas respectivas cargas horrias dentro das

    trs grandes reas institudas pelas DCN, desde

    que garantida a presena das trs reas. Essa

    abertura permite que escolas de Ensino Mdio,

    a partir de um projeto pedaggico integrado

    com cursos de educao profissional de nvel

    tcnico, atribuam mais tempo e ateno a dis-

    ciplinas ou reas disciplinares cujo estudo possa

    ser aproveitado na educao profissional.

    Para as DCN, o que a lei denomina pre-

    parao bsica para o trabalho pode ser a

    aprendizagem de contedos disciplinares

  • 24

    Apresentao Currculo do Estado de So Paulo

    constituintes de competncias bsicas que

    sejam tambm pr-requisitos de formao

    profissional. Em inmeros casos, essa opo

    pouparia tempo de estudo para o jovem que

    precisa ingressar precocemente no mercado de

    trabalho. Para facilitar essa abertura, as Diretri-

    zes Curriculares Nacionais para a Educao Pro-

    fissional de Nvel Tcnico (DCNEP) flexibilizaram

    a durao dos cursos profissionais desse nvel,

    possibilitando o aproveitamento de estudos j

    realizados ou mesmo o exerccio profissional

    prvio. Essas duas peas normativas criaram

    os mecanismos pedaggicos que podem via-

    bilizar o que foi estabelecido na LDBEN (Lei

    no 9394/96) e em decretos posteriores.

    A preparao bsica para o trabalho em

    determinada rea profissional, portanto, pode

    ser realizada em disciplinas de formao bsica

    do Ensino Mdio. As escolas, nesse caso, atri-

    buiriam carga horria suficiente e tratamento

    pedaggico adequado s reas ou disciplinas

    que melhor preparassem seus alunos para o

    curso de educao profissional de nvel tcni-

    co escolhido. Essa possibilidade fundamenta-se

    no pressuposto de que nfases curriculares

    diferenciadas so equivalentes para a consti-

    tuio das competncias previstas na LDBEN,

    nas DCN para o Ensino Mdio e na matriz de

    competncias do Enem.

    Isso supe um tipo de articulao entre

    currculos de formao geral e currculos de

    formao profissional, em que os primeiros

    encarregam-se das competncias bsicas, fun-

    damentando sua constituio em contedos,

    reas ou disciplinas afinadas com a formao

    profissional nesse ou em outro nvel de esco-

    larizao. Supe tambm que o tratamento

    oferecido s disciplinas do currculo do Ensino

    Mdio no seja apenas propedutico, tampou-

    co voltado estritamente para o vestibular.

  • 25

    MatemticaCurrculo do Estado de So Paulo

    A concepo do ensino na rea de Matemtica e suas tecnologias

    O ensino de Matemtica: breve histrico

    Em todas as pocas, em todas as cul-

    turas, a Matemtica e a lngua materna

    constituem dois componentes bsicos dos

    currculos escolares. Tal fato era traduzido,

    em tempos antigos, pela trplice caracteriza-

    o da funo da escola como o lugar em

    que se devia aprender a ler, escrever e con-

    tar, o que significava, sinteticamente, uma

    dupla alfabetizao, no universo das letras

    e dos nmeros.

    Naturalmente, h muito essa alfabeti-

    zao que se espera da escola ampliou seu

    raio de ao, incorporando o interesse pelas

    mltiplas formas de linguagem presentes na

    sociedade contempornea e estendendo-se

    para os universos das cincias e das tecno-

    logias, particularmente no que se refere s

    tecnologias informticas.

    Em decorrncia de tais fatos, em orga-

    nizaes curriculares mais recentes, como os

    Parmetros Curriculares Nacionais para o Ensi-

    no Mdio (PCNEM, 1998), o mapeamento do

    conhecimento a ser apresentado disciplinada-

    mente e disciplinarmente na escola sugeriu

    a organizao dos contedos disciplinares em

    trs grandes reas:

    Linguagens e Cdigos, incluindo-se as Ln-

    guas Portuguesa e Estrangeiras, a Educao

    Fsica e a Arte;

    Cincias Humanas, incluindo-se a Histria,

    a Geo grafia, a Sociologia e a Filosofia;

    Cincias da Natureza e Matemtica, grande

    rea que incluiu a Fsica, a Qumica, a Biolo-

    gia e a Matemtica.

    No que se refere Matemtica, houve,

    na poca, discusses referentes especifici-

    dade excessiva que tal disciplina aparentava,

    gerando frequentemente nos alunos uma sen-

    sao de desamparo absolutamente indevida.

    Foram examinadas diversas aes para mini-

    mizar tal sensao, entre as quais a possibili-

    dade de a Matemtica ser includa na rea de

    Linguagens e Cdigos ou na de Cincias da

    Natureza, em vez de constituir uma rea com

    identidade prpria.

    Certamente, faria sentido inclu-la na rea

    de Linguagens e Cdigos, uma vez que, com a

    lngua materna, a Matemtica compe o par de

    sistemas simblicos fundamentais para a repre-

    sentao da realidade, para a expresso de si e

    compreenso do outro, para a leitura em sen-

    tido amplo, tanto de textos quanto do mundo

    dos fenmenos.

  • 26

    Matemtica Currculo do Estado de So Paulo

    Igualmente faria sentido inclu-la na

    rea de Cincias da Natureza, em decorrncia

    de sua grande e histrica proximidade com a

    Fsica, por exemplo, desde as origens da cin-

    cia moderna, com Galileu, at os trabalhos

    de Descartes, com seu sonho de expresso de

    todo conhecimento confivel na linguagem

    mate mtica, ou de Newton, com sua imensa

    competncia em traduzir matematicamente

    fenmenos de mltipla natureza. No final das

    discusses, prevaleceu, na apresentao dos

    PCNEM, a incorporao da Matemtica pela

    rea de Cincias da Natureza.

    No Estado de So Paulo, nas propostas

    curriculares elaboradas a partir de 1984 e que

    agora esto sendo substitudas , a Matemtica

    era considerada uma rea especfica. Tais pro-

    postas constituram um esforo expressivo e, em

    alguns sentidos, pioneiro, na busca de uma apro-

    ximao entre os contedos escolares e o uni-

    verso da cultura, especialmente no que tange s

    contextualizaes e busca de uma instrumenta-

    o crtica para o mundo do trabalho.

    Essa rica herana pedaggica sobreviveu

    a uma avalanche de novidades passageiras e

    serve agora de ponto de partida para que, in-

    corporadas as necessrias atualizaes, novos

    passos possam ser dados para sua realizao

    efetiva no terreno das prticas escolares.

    O novo Currculo, agora apresentado,

    certamente inspirou-se na proposta ante-

    rior, mantendo a rea de Matemtica como

    um territrio especfico, distinto tanto das

    Linguagens e Cdigos quanto das Cincias da

    Natureza, apesar de partilhar com tais reas

    mltiplas ideias fundamentais.

    Trs so as razes principais da opo

    pela constituio de uma rea do conhecimen-

    to especfica para a Matemtica.

    Em primeiro lugar, a incorporao da Ma-

    temtica tanto pela rea de Cincias da Natureza

    quanto pela rea de Linguagens e Cdigos pode

    elidir o fato de que, mesmo tendo as caractersticas

    de uma linguagem e sendo especialmente impor-

    tante e adequada para a expresso cientfica, a Ma-

    temtica apresenta um universo prprio muito rico

    de ideias e objetos especficos, como os nmeros

    e as operaes, as formas geomtricas, as relaes

    entre tais temas, sobretudo as mtricas. Tais ideias

    e objetos so fundamentais para a expresso pes-

    soal, a compreenso de fenmenos, a construo

    de representaes significativas e argumentaes

    consistentes nos mais variados contextos, incluin-

    do-se as chamadas Cincias Humanas.

    No caso dos Parmetros Curriculares Na-

    cionais para o Ensino Mdio (PCNEM), a incluso

    da Matemtica na rea de Cincias da Natureza

    teve o efeito salutar de diminuir o risco de ter

    o contedo matemtico na escola bsica como

    um fim em si mesmo, enfatizando sua condi-

    o instrumental. Entretanto, a partir da con -

    solidao da ideia de competncias apresentada

    pelo Exame Nacional do Ensino Mdio (Enem),

    tal risco deixou de existir, explicitando-se com

  • MatemticaCurrculo do Estado de So Paulo

    27

    nitidez o que era apresentado tacitamente em

    propostas anteriores: todos os contedos dis-

    ciplinares, nas diversas reas, so meios para a

    formao dos alunos como cidados e como

    pessoas. As disciplinas so imprescindveis e

    fundamentais, mas o foco permanente da ao

    educacional deve situar-se no desenvolvimento

    das competncias pessoais dos alunos.

    Uma segunda razo para a apresentao

    da Matemtica como uma rea do conhecimento

    o fato de que uma parte importante da especifi-

    cidade da Matemtica resulta esmaecida quando

    ela se agrega tanto s linguagens em sentido am-

    plo quanto s cincias da natureza. A Matemtica

    compe com a lngua materna um par funda-

    mental, mas complementar: impossvel reduzir

    um dos sistemas simblicos ao outro.

    Uma lngua que se pretenda aproximar de-

    masiadamente do modo de operar da Matemtica

    resulta empobrecida, o mesmo ocorrendo com um

    texto matemtico que assuma uma ambivalncia

    apropriada apenas expresso lingustica. A multi-

    plicidade de sentidos de cada elemento simblico

    prpria da lngua corrente e intencionalmente

    controlada na expresso matemtica. A pretenso

    da expresso precisa natural na Matemtica, mas

    pode empobrecer o uso corrente da lngua; afinal,

    a linha reta faz bem ao carter, mas faz mal ao

    poeta... No que a lngua no possa ser preci-

    sa: ela o exemplarmente, como bem o revela o

    texto potico, em que uma palavra no pode ser

    substituda nem por um perfeito sin nimo sem

    desmontar o poema.

    Naturalmente, existem diferenas fun-

    damentais entre os significados da preci-

    so na Lngua e na Matemtica e os alunos

    devem ser conduzidos a apreciar a bele-

    za presente tanto na exatido dos clculos

    quanto no rigor expressivo do texto potico,

    por exemplo.

    Uma terceira razo para o tratamento

    da Matemtica como rea especfica a pos-

    sibilidade de tal opo facilitar a incorpora-

    o crtica dos inmeros recursos tecnolgicos

    atualmente existentes para a representao

    de dados e o tratamento das informaes dis-

    ponveis, na busca da trans formao de infor-

    mao em conhecimento.

    De fato, se, em vez do Trivium original,

    constitudo pela Lgica, pela Gramtica e pela

    Retrica, decidssemos propor um novo conjun-

    to de trs matrias bsicas para a formao da

    cidadania, mais apropriado s caractersticas da

    sociedade contempornea, certamente parece-

    ria mais justo incluir como seus componentes a

    Lngua, a Matemtica e a Informtica.

    Os computadores atualmente so con-

    siderados instrumentos absolutamente im-

    prescindveis para jornalistas e escritores, mas

    no terreno da Matemtica que se abrem

    as mais naturais e promissoras possibilida-

    des de assimilao consciente dos inmeros

    recursos que as tecnologias informticas po-

    dem oferecer no terreno da Educao. Ainda

    que as tais tecnologias estejam presentes e

  • Matemtica Currculo do Estado de So Paulo

    28

    representem papel importante em todas as

    reas do conhecimento, a natureza algortmi-

    ca dos com putadores aproxima-os especial-

    mente dos contedos matemticos.

    Se uma mquina, no sentido da Revo-

    luo Industrial do sculo XVIII, era essencial-

    mente um transformador de energia de um

    tipo em energia de outro tipo, um computa-

    dor essencialmente um transformador de

    mensagens. E o processo de composio e de-

    composio dessas mensagens, para viabilizar

    sua insero ou sua extrao dos computa-

    dores, tem muitos elementos comuns com os

    objetos matemticos e sua manipulao. Ao

    falarmos de Matemtica e suas tecnologias,

    estamos utilizando a palavra tecnologia,

    portanto, em sentido mais prximo do literal

    do que no caso das extenses metafricas

    associadas s Linguagens e Cdigos, s Cin-

    cias da Natureza e s Cincias Humanas.

    Insistimos, entretanto, no fato de que a

    apresentao da Matemtica como uma rea

    especfica no busca uma amplificao de suas

    supostas peculiaridades, nem sua caracteriza-

    o como um tema excessivamente especiali-

    zado ou particularmente relevante.

    Vivemos uma poca em que as ativida-

    des interdisciplinares e as abordagens transdis-

    ciplinares constituem recursos fundamentais

    para a construo do significado dos temas es-

    tudados, contribuindo de modo decisivo para

    a criao de centros de interesse nos alunos.

    Ao respeitar a rica histria da disciplina e

    al-la a uma rea do conhecimento, busca-se

    apenas criar as condies para uma explorao

    mais adequada das possibilidades de a Mate-

    mtica servir s outras reas, na grande tarefa

    de transformao da informao em conhe-

    cimento em sentido amplo, em todas as suas

    formas de manifestao.

  • MatemticaCurrculo do Estado de So Paulo

    29

    Currculo de Matemtica

    Fundamentos para o ensino de Matemtica

    O objetivo principal de um currculo

    mapear o vasto territrio do conhecimento,

    recobrindo-o por meio de disciplinas e articu-

    lando-as de tal modo que o mapa assim ela-

    borado constitua um permanente convite a

    viagens, no representando apenas uma deli-

    mitao rgida de fronteiras entre os diversos

    territrios disciplinares.

    Em cada disciplina, os contedos de-

    vem ser organizados de modo a possibilitar

    o tratamento dos dados para que possam se

    transformar em informaes e o tratamento

    das informaes para que sirvam de base para

    a construo do conhecimento. Por meio das

    diversas disciplinas, os alunos adentram de

    maneira ordenada de modo disciplinado,

    portanto o fecundo e complexo universo do

    conhecimento, em busca do desenvolvimen-

    to das competncias bsicas para sua forma-

    o pessoal.

    A Matemtica e a lngua materna en-

    tendida aqui como a primeira lngua que se

    aprende tm sido as disciplinas bsicas na

    constituio dos currculos escolares, em to-

    das as pocas e culturas, havendo um razo vel

    consenso relativamente ao fato de que sem o

    desenvolvimento adequado de tal eixo lingus-

    tico/lgico-matemtico a formao pessoal no

    se completa.

    Desde as sries/anos iniciais de escolari-

    zao, ao mesmo tempo que aprendem a se

    expressar e a se comunicar na lngua materna,

    gostando ou no da Matemtica, as crianas a

    estudam compulsoriamente.

    Existe um acordo tcito com relao ao

    fato de que os adultos necessitam da Matem-

    tica em suas aes como consumidores, como

    cidados, como pessoas conscientes e autno-

    mas. Todos lidam com nmeros, medidas, for-

    mas, operaes; todos leem e interpretam textos

    e grficos, vivenciam relaes de ordem e de

    equivalncia; todos argumentam e tiram conclu-

    ses vlidas a partir de proposies verdadeiras,

    fazem inferncias plausveis a partir de informa-

    es parciais ou incertas. Em outras palavras, a

    ningum permitido dispensar o conhecimento

    da Matemtica sem abdicar de seu bem mais

    precioso: a conscincia nas aes.

    O Estado de So Paulo apresenta expres-

    siva herana pedaggica, consubstanciada em

    suas propostas curriculares e nos materiais

    produzidos pela Coordenadoria de Estudos e

    Normas Pedaggicas (Cenp) para apoiar os

    professores em suas aes docentes.

    Ensino Fundamental (Ciclo II) e Ensino Mdio

  • Matemtica Currculo do Estado de So Paulo

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    A aproximao entre os contedos esco-

    lares e o universo da cultura, a valorizao das

    contextualizaes e a busca permanente de

    uma instrumentao crtica para o mundo

    do trabalho no constituem exatamente uma

    novidade entre ns. Tais princpios servem, na-

    turalmente, de ponto de partida para a recon-

    figurao que agora se realiza, tendo em vista

    os novos passos a serem dados para o enrique-

    cimento da prtica pedaggica.

    Reiteramos que um novo Currculo deve

    estar especialmente atento incorporao

    crtica dos inmeros recursos tecnolgicos

    disponveis para a representao de dados e o

    tratamento das informaes, na busca da trans-

    formao de informao em conhecimento.

    A Matemtica nos currculos deve consti-

    tuir, em parceria com a lngua materna, um re-

    curso imprescindvel para uma expresso rica,

    uma compreenso abrangente, uma argumen-

    tao correta, um enfrentamento assertivo de

    situaes-problema, uma contextualizao signi-

    ficativa dos temas estudados. Quando os con-

    textos so deixados de lado, os contedos

    estudados deslocam-se sutilmente da con-

    dio de meios para a de fins das aes do-

    centes. E, sempre que aquilo que deveria ser

    apenas meio transmuta-se em fim, ocorre o

    fenmeno da mediocrizao.

    Para exemplificar, mencionamos que

    vivemos em busca de um ideal, temos um

    projeto de vida e, para tanto, precisamos

    garantir nossa subsistncia, dispondo de

    alimentao, moradia, entre outras condies

    bsicas; se toda a nossa vida se resume bus-

    ca da garantia de tais condies mnimas de

    sobrevivncia, no temos mais do que uma

    vida medocre.

    Analogamente, trabalhamos para realizar

    nossos projetos e a justa remunerao que de-

    vemos receber um meio para isso; quando o

    dinheiro deixa de ser o meio e passa a ser o fim

    de nossa atividade, no temos mais do que uma

    vida profissional medocre. No mesmo sentido,

    a transformao dos contedos das matrias

    escolares em fins da educao bsica somente

    pode conduzir a um ensino medocre.

    A caracterizao dos contedos disciplina-

    res como meio para a formao pessoal coloca

    em cena a necessidade de sua contextualiza-

    o, uma vez que uma apresentao escolar

    sem referncias, ou com mnimos elementos

    de contato com a realidade concreta, dificulta

    a compreenso dos fins a que se destina.

    fundamental, no entanto, que a valo-

    rizao da contextualizao seja equilibrada

    com o desenvolvimento de outra competn-

    cia, igualmente valiosa: a capacidade de abs-

    trair o contexto, de apreender relaes que

    so vlidas em mltiplos contextos e, sobre-

    tudo, a capacidade de imaginar situaes fic-

    tcias, que no existem concretamente, ainda

    que possam vir a ser realizadas.

    To importante quanto referir o

    que se aprende a contextos prticos ter

  • MatemticaCurrculo do Estado de So Paulo

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    capacidade de, a partir da realidade factual,

    imaginar contextos ficcionais, situaes in-

    ventadas que proponham solues novas

    para problemas efetivamente existentes.

    Limitar-se aos fatos, ao que j est feito, pode

    conduzir ao mero fatalismo. Sem tal abertura

    para o mundo da imaginao, do que ainda

    no existe enquanto contexto, estaramos con-

    denados a apenas reproduzir o que j existe,

    consolidando um conservadorismo, no sentido

    mais pobre da expresso.

    Ainda que o desenvolvimento de tal

    capacidade de abstrao esteja presente

    nos contedos de todas as disciplinas, ela

    encontra-se especialmente associada aos

    objetos e aos contedos de Matemtica. Na

    verdade, na construo do conhecimento,

    o ciclo no se completa seno quando se

    constitui o movimento contextualizar/abs-

    trair/contextualizar/abstrair.

    Quando se critica a abstrao de grande

    parte dos contedos escolares, reclama-se

    da falta de complementaridade da contex-

    tualizao; igualmente criticvel pode ser

    uma fixao rgida de contextos na apresen-

    tao dos diversos temas.

    De modo geral, uma rgida associao

    entre contedos e contextos, que tolha a li-

    berdade de imaginao de novas contextua-

    lizaes, pode ser to inadequada quanto

    uma ausncia absoluta de interesse por con-

    textos efetivos para os contedos estudados

    na escola.

    A partir das ideias gerais apresentadas

    na formulao do Enem, dando-se destaque

    valorizao da capacidade de extrapolao

    de contextos acima referida, possvel vis-

    lumbrar um elenco de competncias bsicas

    a serem desenvolvidas pelos alunos ao longo

    da escola bsica, incluindo trs pares comple-

    mentares de competncias, que constituem

    trs eixos norteadores da ao educacional:

    o eixo expresso/compreenso: a ca-

    pacidade de expresso do eu, por meio

    das diversas linguagens, e a capacidade

    de compreenso do outro, do no eu, do

    que me complementa, o que inclui des-

    de a leitura de um texto, de uma tabela,

    de um grfico, at a compreenso de fe-

    nmenos histricos, sociais, econmicos,

    naturais etc.;

    o eixo argumentao/deciso: a capa-

    cidade de argumentao, de anlise e de

    articulao das informaes e relaes

    disponveis, tendo em vista a viabiliza-

    o da comunicao, da ao comum, a

    constru o de consensos e a capacidade

    de elaborao de snteses de leituras e de

    argumentaes, tendo em vista a tomada

    de decises, a proposio e a realizao

    de aes efetivas;

    o eixo contextualizao/abstrao: a

    capacidade de contextualizao dos con-

    tedos estudados na escola, de enraiza-

    mento na realidade imediata, nos universos

    de significaes sobretudo no mundo do

  • Matemtica Currculo do Estado de So Paulo

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    trabalho , e a capacidade de abstrao,

    de imaginao, de considerao de novas

    perspectivas, de virtualidades, de poten-

    cialidades para se conceber o que ainda

    no existe.

    Nesses trs eixos, o papel da Mate-

    mtica facilmente reconhecido e, sem d-

    vida, fundamental. No primeiro eixo, ao

    lado da lngua materna, a Matemtica com-

    pe um par complementar como meio de

    expresso e de compreenso da realidade.

    Quando ainda muito pequenas, as crian-

    as interessam-se por letras e nmeros sem

    elaborar qualquer distino ntida entre as

    duas disciplinas. Se depois, no percurso es-

    colar, passam a temer os nmeros ou a des-

    gostar-se deles, isso decorre mais de prti-

    cas escolares inadequadas e circunstncias

    diversas do que de caractersticas inerentes

    aos nmeros.

    Os objetos matemticos nmeros,

    formas, relaes constituem instrumentos

    bsicos para a compreenso da realidade,

    desde a leitura de um texto ou a interpre-

    tao de um grfico at a apreenso