currículo e distribuição social do conhecimento: investigando um

82
1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um Pré-Vestibular Social no RJ Vidal Assis Ferreira Filho Orientadora: Profª Drª Marcia Serra Ferreira Rio de Janeiro 2014

Upload: nguyenkhuong

Post on 07-Jan-2017

216 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

1

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando

um Pré-Vestibular Social no RJ

Vidal Assis Ferreira Filho

Orientadora: Profª Drª Marcia Serra Ferreira

Rio de Janeiro

2014

Page 2: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

2

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando

um Pré-Vestibular Social no RJ

Vidal Assis Ferreira Filho

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Educação

da Universidade Federal do Rio de

Janeiro, como requisito parcial à obtenção

do título de Mestre em Educação.

Orientadora: Profª Drª Marcia Serra Ferreira

Rio de Janeiro

2014

Page 3: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

3

Page 4: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

4

Agradeço...

Ao Criador, que me guiou pelos caminhos que percorri para chegar a esse momento de

superação tão importante para a minha vida profissional e pessoal.

À minha mãe, que, mesmo em todos os momentos de dificuldade, não perdeu a fé na

vida.

Aos meus amigos e parceiros de arte, que, durante a escrita dessa dissertação,

compreenderam minhas ausências.

À Clara Mutti, pela paciência e carinho nesse momento tão atípico da minha vida.

À professora e orientadora Marcia Serra, pessoa sem a qual eu não estaria no PPGE,

pela inteligência, pela paciência, pela compreensão, pelo apoio, pelo carinho e amizade

ao longo desses anos de convivência.

Aos professores Maria Margarida Gomes e José Roberto da Rocha Bernardo, por

aceitarem compor a banca para a defesa dessa dissertação.

Às professoras Ludmila Thomé e Sônia Lopes, pelos ensinamentos e pela extrema

paciência e compreensão em relação aos prazos acadêmicos.

À toda equipe da Secretaria do PPGE, em especial, à Solange Rosa Araújo, tão

atenciosa com os alunos.

Aos meus colegas do NEC, que, a partir dos encontros do grupo de estudos, me

ensinaram muito sobre as palavras e os sentidos que há por trás das palavras.

Aos tutores, ex-alunos e coordenadores, que, com paciência e boa vontade, cederam-me

seus depoimentos para a construção dessa dissertação.

Page 5: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

5

“Pra todos aqueles que me

estenderam a mão, dividi

meu coração.”

(“O Dono das Calçadas” – Nelson

Cavaquinho e Guilherme de Brito)

Page 6: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

6

RESUMO

Esse trabalho tem por objetivo investigar a articulação entre currículo e distribuição

social do conhecimento, tomando como referência o currículo de Biologia de Pré-

vestibulares Sociais. Especificamente, busca compreender os processos de seleção,

organização e distribuição dos conhecimentos escolares em Biologia produzidos por

professores que atuam em um Pré-vestibular Social específico no estado do Rio de

Janeiro: o Pré-Vestibular Social/Cederj da Fundação Cecierj. A partir da compreensão

desses processos, procura refletir acerca das formas de luta que foram sendo construídas

por essa comunidade disciplinar específica, e como essas formas de luta buscam

enfrentar um histórico hiato existente entre o currículo de Biologia do Ensino Médio

oferecido pelo Estado e o que vem sendo exigido nos programas de seleção para o

ingresso no ensino superior em universidades públicas do país, de modo a responder as

seguintes questões: (a) que conteúdos de Biologia os professores têm privilegiado no

PVS/CEDERJ?; (b) como esses conteúdos têm sido selecionados e organizados?; (c)

que critérios têm orientado a seleção e a organização curricular desses conteúdos de

ensino?; e (d) como esses critérios dialogam com as tradições curriculares da área?

Referenciando-se na Historiografia contemporânea e a História da Educação, utiliza

como fontes de estudo documentos pertinentes ao conteúdo curricular da disciplina

Biologia da Secretaria de Educação do Estado do Rio de Janeiro, do ENEM e do

PVS/Cederj, assim como entrevistas com atores (ex-alunos, professores de Biologia e

coordenador de Biologia) envolvidos no PVS/Cederj. Esse conjunto de análises

evidencia que o ensino da disciplina Biologia lecionada no PVS/Cederj se insere nas

lutas mais amplas por uma distribuição social do conhecimento na medida em que,

curricularmente, os conteúdos de Biologia abordados pelo PVS/Cederj ocupam

parcialmente o hiato existente entre o Currículo Mínimo de Biologia da SEEDUC e o

programa de Biologia do ENEM, por abranger uma série parcial de conhecimentos que

o Currículo Mínimo de Biologia da SEEDUC não aborda, e que são demandados pelo o

programa de Biologia do ENEM. E, mais do que isso, os resultados deste estudo

indicam que a comunidade disciplinar formada pelos tutores de Biologia do

PVS/Cederj, ao contrário de uma comunidade disciplinar tradicional, não é

caracterizada por uma formação específica, mas por um conjunto de interesses que

incluem o aprimoramento didático e a preocupação com a formação do aluno.

Palavras-chave: História do Currículo; Pré-Vestibulares Sociais; Comunidade Disciplinar;

Ensino de Biologia.

Page 7: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

7

Page 8: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

8

Abstract

This study aims to investigate the relationship between curriculum and social

distribution of knowledge, with reference to the Biology curriculum in “Pré-

Vestibulares Sociais (PVS)” (social preparatory courses for high schools graduates to

overcome the selective process of university entrance examinations). Specifically, it

seeks to understand selection, organization and distribution of Biology school

knowledge produced by teachers on a social preparatory course in the state of Rio de

Janeiro: the “PVS / Cederj”. By understanding these processes, it seeks to comprehend

the struggles that were built for this specific disciplinary community, and how these

struggles seek to confront a historic gap between the Biology curriculum of public

secondary schools and what has been required in public university entrance

examinations. Based on this discussion, it proposes to answer the following questions:

(a) which contents in Biology, teachers have privileged in PVS / CEDERJ ?; (b) how

those contents have been selected and organized ?; (c) which criteria have guided the

selection and organization of these curricular contents ?; (d) how these criteria dialogues

with the traditions of curriculum study? Referencing in Contemporary Historiography

and History of Education, this study sources are “Secretaria de Educação do Estado do

Rio de Janeiro (SEEDUC)” ( Department of Education of the State of Rio de Janeiro),

“Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM)” (the National Examination on Senior

High Schools), and “PVS / Cederj” documents about Biology curriculum, as well as

interviews with actors involved in PVS / Cederj (students, biology teachers and

coordinator). This set of analyzes demonstrates that teaching of Biology discipline

“PVS / Cederj” fits into broader struggles for social distribution of knowledge, since the

Biology contents addressed by “PVS / Cederj” partially occupy the gap between

“SEEDUC” Biology Curriculum and the “ENEM” Biology program.. More than that,

results of this study indicate that the disciplinary community of Biology tutors of “PVS

/ Cederj”, unlike a traditional disciplinary community, is not characterized by specific

education, but by a set of interests that include teaching improvement and student

education.

Keywords: History of Curriculum; social preparatory courses for university entrance

examinations; Disciplinary community; Biology Teaching.

Page 9: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................página 10

CAPÍTULO I - Diálogos com a produção acadêmica brasileira ........................página 16

I. 1. Sobre os pré-vestibulares sociais .................................................................página 16

I. 2. Sobre a inserção desse estudo no NEC/UFRJ .............................................página 26

I. 3. Sobre o ensino de Biologia ..........................................................................página 34

CAPÍTULO II - Referenciais teórico-metodológicos .........................................página 41

II. 1. Diálogos com a História do Currículo ........................................................página 43

II. 2. Metodologia................................................................................................página 50

CAPÍTULO III – Análise das fontes ..................................................................página 54

III.1. Disciplina escolar Biologia: o PVS/CEDERJ entre currículos oficiais......página 54

III.2. Sujeitos, tradições curriculares e comunidade disciplinar..........................página 62

CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................página 72

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................página 77

ANEXOS ............................................................................................................página 81

Anexo 1 ...............................................................................................................página 81

Anexo 2................................................................................................................página 82

Page 10: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

10

INTRODUÇÃO

No presente trabalho, investigo a interface entre currículo e distribuição social

do conhecimento, tomando como referência o currículo de Biologia de Pré-vestibulares

Sociais. Especificamente, interessa-me compreender os processos de seleção,

organização e distribuição dos conhecimentos escolares em Biologia produzidos por

professores que atuam em um Pré-Vestibular Social específico no estado do Rio de

Janeiro: o PVS/CEDERJ da Fundação CECIERJ. A partir da compreensão desses

processos, busco contribuir para reflexões acerca das formas de luta que foram sendo

construídas para enfrentar um histórico hiato existente entre o currículo de Biologia do

ensino médio oferecido pelo Estado e o que vem sendo exigido nos programas de

seleção para o ingresso no ensino superior em universidades públicas do país.

O tema foi espaço-temporalmente delimitado a partir da análise da produção

curricular e de entrevistas com professores de Biologia que atuaram no PVS/CEDERJ

da Fundação CECIERJ em um ano letivo (2013), dos currículos vigentes para a área no

Ensino Médio da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC) e do

programa de seleção para o ingresso à universidade pública, representado pelo conteúdo

programático contido no edital 2013 do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

Meu interesse pela temática começou a ser desenvolvido desde o 4º período de

minha graduação na Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal do

Rio de Janeiro, momento em que ingressei, como professor-bolsista de Biologia, em um

Pré-vestibular social denominado Curso Pré Universitário de Nova Iguaçu. Tal curso

pertencia à Pró-Reitoria de Extensão da universidade e era financiado pela Prefeitura do

Município de Nova Iguaçu, e pude atuar nesse projeto entre 2006 e 2011. Além do

Curso Pré Universitário de Nova Iguaçu, lecionei em outros pré-vestibulares de caráter

social, dentre os quais destaco o Pré-vestibular Social da Fundação CECIERJ, no qual

atuei como tutor de Biologia entre os anos de 2007 e 2013.

Conforme referido anteriormente, o Pré Vestibular Social (PVS) analisado no

presente trabalho é um projeto da Fundação CECIERJ (Centro de Ciências e Educação

Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro) e da Secretaria de Ciência e

Tecnologia do Governo do Estado do Rio de Janeiro. A atuação social dessa fundação,

Page 11: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

11

explicitada pela lei de sua criação1, tem por objetivos: “(a) oferecer educação superior

gratuita e de qualidade, na modalidade à distância, para o conjunto da comunidade

fluminense; (b) a divulgação científica para o conjunto da sociedade fluminense; e (c) a

formação continuada de professores do ensino fundamental, médio e superior”.

A Fundação CECIERJ é composta, além do PVS, de projetos de extensão e de

divulgação científica, dos CEJAS (Centros de Estudos de Jovens e Adultos) e do

Consócio CEDERJ. Este último é, provavelmente, o seu projeto mais conhecido, tendo

como objetivo levar educação superior, gratuita e de qualidade a todo o Estado do Rio

de Janeiro, e sendo formado por sete instituições públicas de ensino superior: Centro

Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (CEFET/RJ), Universidade

Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF), Universidade do Estado do Rio

de Janeiro (UERJ), Universidade Federal Fluminense (UFF), Universidade Federal do

Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e

Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). De acordo com a página

da instituição, o Consócio CEDERJ conta, atualmente, com cerca de vinte e seis mil

alunos matriculados em doze cursos de graduação a distância, a saber: Administração,

Administração Pública, Química, Letras, Matemática, História, Licenciatura em Física,

Licenciatura em Ciências Biológicas, Geografia, Pedagogia, Licenciatura em Turismo,

Tecnologia em Gestão de Turismo, Tecnologia em Segurança Pública e Tecnologia em

Sistemas de Computação.2

Especificamente em relação ao PVS/CEDERJ da Fundação CECIERJ, este é um

curso preparatório gratuito para as provas de acesso às universidades, sendo

oficialmente dirigido a interessados que já concluíram ou estão frequentando o último

ano do Ensino Médio ou equivalente e que desejam realizar as provas de acesso às

universidades, mas que não têm condições de arcar com os custos dos cursos

preparatórios particulares. Para tanto, antes de ingressar no PVS, o aluno passa por uma

triagem de análise socioeconômica, a qual avalia a sua demanda por estudar em um pré

vestibular de caráter social.

A abrangência geográfica do PVS/CEDERJ da Fundação CECIERJ é de trinta e

nove municípios no estado do RJ e conta com cinquenta e seis polos de aulas,

1 Lei Estadual Complementar nº 103, de 18 de março de 2002, decretada pela Assembleia Legislativa do

Estado do Rio de Janeiro e sancionada pelo então governador Anthony Garotinho. 2 As informações pertinentes à composição, universidades consorciadas e cursos oferecidos pelo

Consórcio Cederj foram retiradas da homepage oficial da instituição: www.cederj.edu.br/cederj

Page 12: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

12

localizados nos municípios de Angra dos Reis, Barra do Piraí, Barra Mansa, Belford

Roxo, Bom Jesus de Itabapoana, Campos dos Goytacazes, Cantagalo, Duque de Caxias,

Itaboraí, Itaguaí, Itaocara, Itaperuna, Macaé, Magé, Mesquita, Miguel Pereira,

Natividade, Nilópolis, Niterói, Nova Friburgo, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis,

Piraí, Queimados, Resende, Rio Bonito, Rio das Flores, Santa Maria Madalena, São

Fidélis, São Francisco de Itabapoana, São Gonçalo, São João de Meriti, São Pedro da

Aldeia, Saquarema, Teresópolis, Três Rios e Volta Redonda, além dos polos situados no

município do Rio de Janeiro (Bangu, Campo Grande, Centro, Complexo do Alemão,

Jacarepaguá, Madureira, Penha, Rocinha, Santa Cruz e Tijuca), em que são oferecidas

as disciplinas Biologia, Espanhol, Física, Geografia, História, Inglês, Matemática,

Português, Química e Redação. É importante mencionar também que, na maioria dos

polos, as aulas ocorrem aos sábados, das 8h às 17h, o que permite a conciliação entre a

frequência no PVS e a rotina comum de trabalho diário, o que possibilita a estudantes

de condições socioeconômicas desfavorecidas a chance de trabalhar e se preparar para

as provas de ensino superior.3

Ao longo da construção de minha experiência acadêmica e profissional nesses

Pré-vestibulares Sociais, pude verificar, entre características comuns aos vários projetos,

em especial, a significativa dificuldade de acesso à universidade pública por alunos de

baixa renda em relação a estudantes pertencentes a classes sociais de maior poder

aquisitivo. Também pude verificar tal fato a partir da análise dos perfis socioeconômicos

dos estudantes das universidades públicas federais do estado do Rio de Janeiro,

evidenciando flagrante distorção do percentual de estudantes universitários nas

diferentes classes econômicas em relação à sociedade brasileira, com clara concentração

de estudantes das classes A e B em detrimento das demais, conforme mostra a tabela

abaixo:

3 As informações pertinentes à seleção de alunos, polos de atuação e dias e horários de funcionamento das

aulas do Pré-Vestibular Social do CEDERJ foram retiradas da homepage oficial da instituição:

www.cederj.edu.br/prevestibular

Page 13: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

13

Sendo o acesso à educação de qualidade um dos principais veículos para a

redução dos mais diversos tipos de desigualdade entre os cidadãos, e,

consequentemente, para a produção de outras relações sociais (FREIRE, 2002, p. 41), é

importante ressaltar a relevância social desse estudo, na medida em que o mesmo

contribui para a tentativa de elucidação e de minimização de mecanismos de segregação

social, aqui representados pela exclusão educacional. Esse trabalho busca tornar visível

o modo como tais mecanismos são produzidos curricularmente, tentando promover um

aumento da reflexão e, mais do que isso, das formas de subversão dessas desigualdades,

mesmo em uma sociedade que tenta minimizar e/ou ‘escamotear’ tais questões, tratando

muitas vezes o ‘sucesso’ escolar como um mérito individual.

Com um especial interesse nas relações entre conhecimento e poder, o presente

trabalho se insere em meio às pesquisas que vêm sendo realizadas no âmbito do ‘Grupo

de Estudos em História do Currículo’, que compõe o ‘Núcleo de Estudos de Currículo’

da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NEC/UFRJ), investigando a história de

diferentes currículos e disciplinas científicas, acadêmicas e escolares. A partir das

discussões desenvolvidas nesse grupo, no qual tenho sido orientado pela Profa. Dra.

Marcia Serra Ferreira, pude refletir sobre as influências das disputas entre diferentes

atores sociais em torno da construção dos currículos, o que implica em pensar sobre as

relações de poder que permeiam a hegemonia de alguns conhecimentos presentes no

currículo em detrimento de outros, que, ao longo do processo de construção curricular,

perderam espaço (FERREIRA, 2005), o que têm me permitido desenvolver uma análise

mais ampla do tema. Levando em conta a modesta produção científica sobre pré-

vestibulares sociais no campo do Currículo, o que foi por mim atestado em

levantamento bibliográfico de dissertações e teses sobre o temática, julgo ser importante

analisar em quais contextos e condições se inserem os personagens que, ao concluírem a

educação básica, aspiram ingressar no ensino superior. Penso que as teorizações no

referido campo, ao focalizarem as relações entre conhecimento e poder, nos auxiliam a

refletir acerca dos mecanismos de inclusão/exclusão dos vestibulandos de origem

popular nas universidades públicas brasileiras. Todo esse debate pode nos auxiliar a

enfrentar os desafios colocados na tarefa de democratizar o acesso a um ensino superior

de qualidade por estudantes dos diversos extratos socioeconômicos, o que caracterizaria

um estado democrático como o Brasil.

Page 14: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

14

Minha opção por investigar, especificamente, o PVS/CEDERJ parte de fatores

que tanto possibilitaram um maior acesso ao material humano e documental, quanto

permitiram reflexões pertinentes à pesquisa. Destaco, em primeiro lugar, uma maior

facilidade no acesso às fontes de estudo, uma vez que, atuando no PVS/CEDERJ, tenho

maior acesso à coordenação que elabora o currículo de Biologia, aos professores que

desenvolvem o mesmo com os alunos, e ao acervo documental que a instituição possui.

Em segundo lugar, entendo que, diferentemente de outros Pré-vestibulares sociais, o

PVS/CEDERJ é uma iniciativa oficial, produzida pelo Estado do Rio de Janeiro que,

dessa maneira, reconhece que o seu sistema educacional possui lacunas, não dando ao

estudante do Ensino Médio da SEEDUC a formação necessária para que este consiga

acesso a uma universidade pública de qualidade. Por fim, em terceiro lugar, vejo

vantagens em investigar uma iniciativa oficial cuja organização curricular é produzida

coletivamente por uma coordenação, em mecanismos que se distinguem daqueles

vividos em outros Pré-Vestibulares Sociais, nos quais a seleção e a organização

curricular são, muitas vezes, definidas individualmente por cada professor envolvido.

Assim, delimitados o tema e o problema específico a ser desenvolvido nesse

trabalho, busco responder às seguintes questões:

1. Que conteúdos de Biologia os professores têm privilegiado no

PVS/CEDERJ?

2. Como esses conteúdos têm sido selecionados e organizados?

3. Que critérios têm orientado a seleção e a organização curricular desses

conteúdos de ensino?

4. Como esses critérios dialogam com as tradições curriculares da área?

Tomando como referência as questões anteriormente apresentadas, pretendo

articular a análise curricular com as possíveis condições sociais em que os personagens

dessa discussão estão inseridos, procurando responder a uma questão mais ampla, assim

formulada:

Como essa seleção e organização dos conhecimentos escolares em Biologia

participam das lutas mais amplas em torno da distribuição social do

conhecimento?

Para realizar essa tarefa, desenvolvi essa dissertação em três capítulos. No

primeiro capítulo, analiso dissertações e teses que abordam os temas Pré-vestibular

Page 15: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

15

Social, currículo e ensino de Biologia, procurando evidenciar as lacunas existentes na

abordagem do tema e as contribuições do presente trabalho para avançar o

conhecimento na área. No segundo capítulo, defino o campo teórico-metodológico de

minha investigação, dialogando com o campo do Currículo e, em especial, com

produções que problematizam os currículos de Ciências e Biologia, além de apresentar e

problematizar as minhas fontes de estudo. No terceiro capítulo, trato do currículo da

disciplina escolar Biologia do PVS/CEDERJ, analisando-a em meio ao hiato existente

entre o que é oferecido pela Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro para o

ensino médio e o ENEM. Na análise, busco considerar as relações entres esses

currículos, assim como as possíveis forças que permeiam a construção e a relação entre

esses currículos, o que, por sua vez, me permite refletir acerca de como a organização e

a seleção dos conhecimentos escolares em Biologia participam das lutas mais amplas

relativas à distribuição social do conhecimento em nosso estado.

Page 16: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

16

CAPÍTULO I

Diálogos com a produção acadêmica brasileira

Antes de iniciar a apresentação da abordagem teórica deste trabalho, e buscando

contribuições teórico-metodológicas em outros estudos que focalizam aspectos

semelhantes aos do presente projeto, analiso trabalhos que abordam os temas Pré-

Vestibular Social, Currículo e ensino de Biologia, buscando identificar: (a) a

metodologia adotada; (b) os principais conceitos utilizados; (c) as principais referências

bibliográficas, em especial aquelas que sinalizam diálogos com curriculistas; (d) a

noção de currículo assumida pelos autores. Para tanto, divido o presente capítulo em

três seções, as quais correspondem, em ordem de abordagem, aos seguintes

levantamentos: um primeiro, voltado para as dissertações e teses produzidas entre 1999

e 2012 que possuem como foco os Pré-Vestibulares Sociais; um segundo, focado nas

dissertações e teses que foram produzidas, entre 2008 e 2012, no grupo de pesquisa do

CNPq do qual participo – o Núcleo de Estudos de Currículo da Faculdade de Educação

da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NEC/UFRJ) –; um terceiro, no qual incluí,

além de dissertações e teses produzidas entre 2004 e 2011, textos que abordam o ensino

da disciplina escolar Biologia. Nesse empreendimento, busco mapear os estudos já

existentes na área, evidenciando semelhanças e dissemelhanças entre eles e com a

proposta que foi delineada nesse estudo.

I. 1. Sobre os Pré-Vestibulares Sociais

A fim de buscar trabalhos que abordem o tema Pré-Vestibular Social, consultei

os bancos de teses e dissertações dos portais da Capes e da Biblioteca Digital Brasileira

de Teses e Dissertações (BDTD), utilizando como critério de busca os termos ‘pré-

vestibulares sociais’ e ‘pré-vestibulares comunitários’. Como resultado dessa pesquisa,

encontrei um total de dezoito teses e sessenta dissertações, das quais uma tese e cinco

dissertações foram encontradas no portal da Capes, enquanto dezessete teses e cinquenta

e cinco dissertações foram encontradas no portal da BDTD.

Deste total de trabalhos, apenas dez apresentam maior proximidade temática

com o presente estudo, uma vez que, diferentemente de outros trabalhos, se dedicam a

refletir sobre os Pré-Vestibulares Sociais a partir do histórico dos seus atores, desde

alunos e ex-alunos, até professores e coordenadores. Além disso, esses estudos também

Page 17: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

17

se aproximam da temática de minha dissertação por conceberem os Pré-Vestibulares

Sociais como espaços em que, através do ensino, tais atores participam de lutas mais

amplas por condições sociais mais justas e igualitárias. São elas: nove dissertações de

mestrado (NASCIMENTO, 1999; SANGER, 2003; VALERIANO, 2006;

BARCELLOS, 2007; SANTOS, 2007; SAFFIOTTI, 2008; NASCIMENTO, 2009;

CORRÊA, 2011; BARROUIN, 2012) e uma tese de doutorado (SILVA, 2006).

Nascimento (1999) abordou a história, as concepções e as práticas político-

pedagógicas dos Cursos Pré-Vestibulares Populares por meio da análise de documentos

e depoimentos de lideranças do Movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes

(PVNC). Com esse estudo, o autor analisa a relação entre movimentos sociais,

cidadania e educação, além de verificar as possibilidades que os Cursos Pré-Vestibulares

Populares têm de se constituírem como movimentos de construção de relações

educacionais democráticas. Como resultado dessa análise, o estudo conclui que os

Cursos Pré-Vestibulares Populares podem apresentar-se como movimentos sociais

expressivos, capazes de combater a exclusão social, a discriminação e o racismo.

Sanger (2003) se propôs a apresentar e discutir as iniciativas desenvolvidas em

dois Cursos Pré-Vestibulares para Negros e Carentes de Porto Alegre, no que diz

respeito ao ingresso de estudantes negros e pobres no ensino superior. Para isso, analisa

documentos e formula entrevistas com coordenadores e alunos de ambos os cursos pré-

vestibulares. Os resultados dessa pesquisa convergem para a reafirmação do

reconhecimento do preconceito e da discriminação sofridos pelos negros e pobres na

sociedade e, ao mesmo tempo, o reconhecimento de lideranças negras que vêm

propondo ações para a superação desse quadro social.

Valeriano (2006) procurou conhecer e analisar as motivações e aspirações dos

alunos inseridos nos Cursos Pré-Vestibulares Populares para Negros e Carentes da ONG

Educafro, assim como a inserção desses jovens no ensino superior e no mercado de

trabalho, considerando os mecanismos de inclusão e exclusão da população negra no

sistema educacional brasileiro. Ao longo dessa análise, o estudo trata de questões

relacionadas aos mecanismos de impedimento dos negros ao ensino superior e os

mecanismos capazes de reverter esse quadro. Para tanto, o trabalho realizou análise de

documentos, entrevistas com professores e coordenadores, além de questionários com

os alunos de Cursos Pré-Vestibulares Populares para Negros e Carentes da Ong

Educafro. Como resultado dessa pesquisa, o estudo apontou que os alunos dos núcleos

estudados buscam na ONG Educafro uma alternativa de inserção no ensino superior,

Page 18: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

18

vislumbrando um melhor posicionamento no mercado de trabalho.

Barcellos (2007) analisou a experiência de jovens oriundos de cursos pré-

vestibulares comunitários e que, atualmente, são universitários da PUC-Rio,

considerando, na trajetória desses estudantes, o papel do projeto Bolsa de Ação Social,

que possibilita a formação gratuita para jovens impossibilitados de arcar com os custos

relativos a um curso superior. O estudo considerou também o papel das propostas

político-pedagógicas de alguns cursos pré-vestibulares comunitários, que se

caracterizam por promover mudanças nas concepções dos alunos frente ao mundo. A

estruturação metodológica desse estudo se baseou em entrevistas com os bolsistas da

PUC-Rio e da observação-itinerante. O estudo concluiu que, em um espaço estruturado

para um perfil discente específico, como é o caso da PUC-Rio, os alunos bolsistas se

apropriam desse espaço na medida em que criam táticas para enfrentar impasses e

diferenças, corroborando antigos paradigmas e, ao mesmo tempo, ressignificando-os.

Santos (2007) abordou, como objeto de pesquisa, o projeto político do curso Pré-

Vestibular Social criado pela ONG Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré

(CEASM), cuja proposta, além de aumentar o acesso dos estudantes moradores da Maré

ao ensino superior, é formar cidadãos capazes de reverter as condições opressivas às

quais estão submetidos. Exposto esse cenário, o estudo busca, por meio de entrevistas

com universitários da PUC-Rio que foram alunos do CPV-Maré, verificar se as

expectativas do curso Pré-Vestibular se realizaram. Os resultados constataram que os

universitários entrevistados fizeram da universidade um espaço privilegiado de luta por

reconhecimento, o que vai ao encontro das expectativas do CPV-Maré.

Saffiotti (2008) objetivou identificar e discutir crises e transformações

psicossociais pelas quais passaram estudantes de um curso Pré-Vestibular Popular de

São Paulo, considerando que os cursos populares assumem a tentativa de favorecer o

acesso de estudantes de camadas sociais desprivilegiadas à universidade pública. Para

tanto, o estudo se baseou na memória dos atores envolvidos, de modo a promover, como

metodologia, a reconstrução autobiográfica do autor e entrevistas com ex-alunos do

curso Pré-Vestibular Popular analisado. Os resultados desse estudo mostraram que a

postura dos professores e demais agentes do curso em questão foi fundamental para a

mudança na relação dos alunos com o estudo e a cultura escrita, e que a experiência em

comunidade fomentou, nesses ex-alunos, a consideração de uma possibilidade de

superação, por meio do estudo, das experiências de humilhação social passadas.

Nascimento (2009) buscou delinear fatores que levaram jovens de camadas

Page 19: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

19

populares à aspiração por ingressar no ensino superior. Para tanto, aplicou questionários

abertos a coordenadores, além de entrevistar e aplicar questionários fechados a alunos

de pré-vestibulares sociais. A partir disso, concluiu que, apesar de as motivações

estarem ligadas ao cotidiano e à biografia individual de cada jovem, um importante

ponto comum a essas motivações é a percepção do ensino superior como uma estratégia

para a melhoria de sua condição econômica.

Corrêa (2011) procurou analisar a trajetória de ex-alunos de um curso Pré-

Vestibular Popular de Campinas, São Paulo, buscando identificar pontos comuns a essas

trajetórias que possam ter contribuído para a manutenção desses alunos na escola, além

de possíveis contribuições da instituição na formação de uma visão crítica em relação ao

sistema educacional do país. Para tanto, realizou entrevistas com ex-alunos do curso

Pré-Vestibular analisado. O estudo concluiu que esse curso contribuiu

significativamente para a formação do senso crítico e militância desses alunos, em

detrimento do corpo docente do ensino médio, que praticamente não orientava os alunos

em relação ao prosseguimento escolar. Além disso, a pesquisa aponta que as lutas

relacionadas aos obstáculos e desafios presentes nas trajetórias desses ex-alunos

continuam na universidade. Diante dessas conclusões, o estudo indica uma contradição

no próprio curso Pré-Vestibular Popular analisado, na medida em que esse busca

aumentar o acesso de estudantes de classe trabalhadoras ao ensino superior e, em

contrapartida, estimula a formação de um pensamento crítico em relação ao sistema

educacional brasileiro.

Barrouin (2012) investigou formas particulares de articulação entre juventude e

política, dentro do contexto contemporâneo brasileiro, tomando a educação popular

como centro, por meio dos cursos pré-vestibulares comunitários. Ao longo do trabalho,

o autor propôs uma reflexão sobre a construção da subjetivação política desses

estudantes dentro do espaço dos cursos pré-vestibulares comunitários, e como essa

construção se reflete nas práticas cotidianas desses alunos na universidade. Para tanto, a

pesquisa utilizou a metodologia da cartografia e da imagem. Como produto resultante

desse trabalho, foi realizado um documentário com os sujeitos da pesquisa, a fim de

ampliar, para além da academia, as reflexões e os debates relativos ao tema de estudo.

Silva (2006) procurou mensurar em que medida o ensino de Biologia contribui

para as mudanças dos níveis de analfabetismo científico. Para isso, tomando por

referência as matrizes de competências do ENEM, e tendo professores e alunos de

cursos pré-vestibulares como sujeitos de pesquisa, foram realizados simulados com os

Page 20: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

20

alunos de cursos pré-vestibulares comunitários, além de entrevistas com professores de

Biologia desses cursos. A pesquisa aponta, como resultado, a necessidade de revisão

crítica do ensino de Biologia nos cursos pré-vestibulares comunitários, no sentido de

desenvolver medidas para o estímulo da criticidade e da participação político-social dos

alunos, a fim de possibilitar a superação de práticas sociais excludentes.

O quadro a seguir caracteriza, de modo geral, os trabalhos aqui analisados,

definindo suas estratégias metodológicas, os principais conceitos utilizados e suas

principais referências bibliográficas.

Quadro 1 – Trabalhos relativos a Pré-Vestibulares Sociais

Estudo Metodologia Principais

Conceitos

Principais referências

bibliográficas

NASCIMENTO, A. Movimentos

Sociais, Educação e Cidadania:

um estudo sobre os cursos Pré-

Vestibulares Populares.

Dissertação de Mestrado. UERJ,

1999.

Análise

documental e

entrevistas.

Democracia,

cidadania,

autonomia,

identidade e

interculturalismo.

Castoriadis (1987, 1992,

1997); Oliveira (1991, 1994,

1995); McLaren (1997);

Amorim (1995); Benevides

(1994); Ferreira (1995);

Canivez & Frigotto (1995);

Gentili (1995); Gohn (1992

e 1997); Gramsci (1995).

SANGER, D. S. Para além do

ingresso na universidade –

Radiografando os cursos pré-

vestibulares para negros e Porto

Alegre. Dissertação de

Mestrado. UFRGS, 2003.

Etnografia,

análise

documental e

entrevistas.

Raça, racismo,

preconceito e

ação afirmativa.

Munanga (1996); Guimarães

(2000).

VALERIANO, S. M. S. Um

estudo de ideologia. Educação

cidadã: uma análise sobre as

motivações e aspirações dos

alunos da ONG Educafro.

Dissertação de Mestrado. Univ.

Metodista de SP, 2006.

Análise

documental,

formulação de

entrevistas e

questionários.

Cidadania,

inclusão e ação

afirmativa.

Freire (1996); Munanga

(1986); Nascimento, (1999);

Ribeiro (2000).

BARCELLOS, L. Jovens de

Pré-Vestibulares Comunitários

na PUC-Rio: experiências e

táticas no convívio com a

alteridade. Dissertação de

Mestrado. PUC-Rio, 2007.

Entrevistas e

observação-

itinerante.

Modos de

subjetivação,

contemporaneidad

e e alteridade.

Certeau (2004).

SANTOS, S. B. O Sentido

Político do Pré-Vestibular

Comunitário da Maré: adesões

e resistências. Dissertação de

Mestrado. UERJ, 2007.

Análise

documental e

entrevistas.

Intelectual

orgânico e política

de

reconhecimento.

Gramsci (1968); Taylor

(1994, 1995).

SAFFIOTTI, A. Crise e

transformação: um estudo sobre

a experiência de alunos de

baixa renda num cursinho

popular. Dissertação de

Mestrado. USP, 2008.

Autobiografia

e entrevistas.

Memória, cultura

de resistência,

ação e

comportamento.

Benjamim (1993, 1994);

Bosi (1994, 2003);

Thompson (2002); Queiroz

(1983, 1988).

NASCIMENTO, E. Jovens e

educação superior: as

Questionários

e entrevistas.

Juventude;

condição juvenil;

Abramo (1997);

Touraine (1994);

Page 21: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

21

aspirações de estudantes de

cursos pré-vestibulares

populares. Dissertação de

mestrado. USP, 2009.

trajetória-tentativa Guimarães (2006);

Bourdieu (2007).

CORRÊA, L. Cursinho

popular: Estudo sobre a

trajetória de estudantes das

classes trabalhadoras.

Dissertação de Mestrado. PUC-

Campinas, 2011.

Análise

documental e

entrevistas.

Volume e

composição de

capital (cultural,

econômico,

social, simbólico);

poder; reprodução

e regulação social

Bourdieu & Passeron

(2008).

BARROUIN, A. Juventude e

Política: o Pré-Vestibular

Comunitário enquanto espaço

de subjetivação. Dissertação de

Mestrado. PUC-Rio, 2012.

Pesquisa-

intervenção.

Tensionamento do

sistema

educacional,

agenciamentos

coletivos de

enunciação,

subjetividade

política e

revolução

silenciosa.

Santos (2005); Guattari &

Rolnik (1980, 1992, 2007);

Miranda (1996, 2000, 2002);

Dauster (2004).

SILVA, M. Aprender para a

vida ou para o vestibular? O

alfabetismo científico e a

construção social de conceitos

biológicos entre estudantes de

Cursos Pré-Vestibulares

Comunitários. Tese de

Doutorado. PUC-Rio, 2006.

Formulação de

simulados e

entrevistas.

Alfabetismo,

letramento,

literacia,

deficiência

cultural,

conhecimento

científico.

Chassot (2000); Soares

(1996, 1999); Graff (1990);

Bourdieu & Passeron

(1975).

Produzindo uma análise geral e comparativa entre esses trabalhos, podemos

perceber semelhanças e distinções quanto à abordagem metodológica e o embasamento

teórico. No que se refere ao primeiro aspecto – isto é, a abordagem metodológica –, as

pesquisas baseiam-se na análise de documentos, entrevistas e/ou questionários,

considerando as condições sócio-históricas nas quais os atores analisados estão

envolvidos. É o caso, por exemplo, de Saffiotti (2003, p. 43), cuja “pesquisa adotou

como instrumentos a reconstrução autobiográfica do pesquisador no Cursinho Popular

(como aluno no ano de 1995) e o depoimento de alunos egressos do cursinho, a partir de

um roteiro de entrevistas (Cf. GONÇALVES FILHO, 2003).” Tais metodologias ainda

se combinam com a observação, que aparece como “imersões nas salas de aula (...), das

quais resultaram registros e relatos das observações” (SANGER, 2003, p. 15), como

“observação-itinerante” (BARCELLOS, 2007, p. 71) ou como “observação direta”

(NASCIMENTO, 1999, p. 14). Observe o que destaca Nascimento (1999, p. 14):

A leitura de documentos, a convivência com coordenadores,

professores e alunos, a observação direta e as entrevistas realizadas

com as principais lideranças dos Cursos Pré-Vestibulares Populares,

forneceram elementos importantes e fundamentais para a análise. Das

Page 22: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

22

entrevistas utilizamos os fragmentos mais expressivos.

Além da observação, a análise de documentos, entrevistas e/ou questionários

também aparece combinado, nesses estudos, ao uso de métodos quantitativos. É o caso

de Nascimento (2009, p. 44-45), que produziu sua pesquisa “por meio do perfil

estatístico (quantitativo) e de entrevistas (qualitativas) versando sobre a trajetória de

jovens de camadas populares na sua aspiração à educação superior”. É também o caso

de Silva (2006, p. 66), que associa métodos quantitativos e qualitativos diversos:

As técnicas de pesquisas utilizadas neste estudo de campo foram as

mais usuais nos estudos de natureza qualitativa, embora tenhamos

também recorrido a dados estatísticos como fonte para as análises.

Empregou-se os métodos de análise documental, entrevistas coletivas

por meio de grupo focal e aplicação e análise de questionários.

Diferentemente dos demais, o trabalho de Barrouin (2012) é o único que não

utiliza documentos, entrevistas e/ou questionários, estando situado apenas na área da

pesquisa-intervenção. Nela, a cartografia de Deleuze & Guattari (1995) é a principal

referência metodológica, sendo utilizada a produção audiovisual de um documentário

envolvendo os sujeitos pesquisadores e pesquisados, conforme evidenciado abaixo:

O método da cartografia e as discussões sobre o lugar da imagem

técnica no contemporâneo (JOBIM E SOUZA, 2011; GODINHO,

2011) são as principais referências para nossa construção

metodológica. A cartografia nos guiou pelas diferentes experiências

no campo dos pré-vestibulares comunitários, até a definição da

Associação Mangueira Vestibulares como campo de pesquisa. Já as

considerações sobre a importância das imagens na contemporaneidade

motivaram a criação de uma narrativa audiovisual sobre a dimensão

política desse movimento social, construindo um documentário

coletivamente com os sujeitos da pesquisa na intenção de ampliar o

debate para além dos limites da academia (BARROUIN, 2012, p. 6).

Quanto ao segundo aspecto por meio do qual percebemos semelhanças e

distinções entre os trabalhos investigados – qual seja, o embasamento teórico –, há uma

interessante diversidade na apropriação de conceitos e de autores. A dissertação de

Nascimento (1999), por exemplo, apresenta e discute os conceitos de ‘democracia’,

Page 23: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

23

‘cidadania’, ‘autonomia’, ‘identidade’ e ‘interculturalismo’, dialogando com autores

como Castoriadis (1987, 1992, 1997), Oliveira (1991, 1994, 1995), McLaren (1997),

Amorim (1995), Benevides (1994), Ferreira (1995), Frigotto (1995), Gentili (1995),

Gohn (1992, 1997) e Gramsci (1995). Já a dissertação de Sanger (2003), ao abordar os

conceitos de ‘raça’, ‘racismo’, ‘preconceito’ e ‘ação afirmativa’, dialoga com os

referenciais teóricos de Munanga (1996) e Guimarães (2000) e se aproxima de

Valeriano (2006), uma vez que a mesma também se utiliza da noção de ‘ação

afirmativa’, aliando-a aos conceitos de ‘cidadania’ e ‘inclusão’ por meio do diálogo com

Freire (1996), Munanga (1986), Nascimento (1999) e Ribeiro (2000).

Em outro conjunto de textos, a dissertação de Santos (2007) emprega os

conceitos de ‘intelectual orgânico’ e ‘política de reconhecimento’, dialogando,

respectivamente, com Gramsci (1968) e Taylor (1994, 1995). Já a dissertação de

Saffiotti (2008) trabalha com os conceitos de ‘memória’, ‘cultura de resistência’, ‘ação’

e ‘comportamento’, dialogando com Benjamim (1993, 1994), Bosi (1994, 2003),

Thompson (2002) e Queiroz (1983, 1988). A dissertação de Nascimento (2009), por sua

vez, ao utilizar os conceitos de ‘juventude’, ‘condição juvenil’ e ‘trajetória-tentativa’, no

diálogo com Bourdieu (2007), Abramo (1997), Touraine (1994) e Guimarães (2006), se

aproxima da dissertação de Corrêa (2011), que se embasa em Bourdieu & Passeron

(2008) ao operar com os conceitos de ‘volume e composição de capital (cultural,

econômico, social, simbólico)’, ‘poder’, ‘reprodução social’ e ‘regulação social’.

Em um terceiro conjunto de estudos, a questão do sujeito é abordada mais

centralmente por meio dos conceitos como, por exemplo, ‘subjetivação’,

‘contemporaneidade’ e ‘alteridade’, que são apropriados por Barcellos (2007) no

diálogo com Certeau (2004). Ela também se destaca na dissertação de Barrouin (2012),

que utiliza os conceitos de ‘tensionamento do sistema educacional’ (SANTOS, 2005),

‘agenciamentos coletivos de enunciação’ (GUATTARI & ROLNIK, 1980),

‘subjetividade política’ (CASTRO, 2008a) e ‘revolução silenciosa’ (DAUSTER, 2004).

Por fim, em um último movimento, Silva (2006) aborda os conceitos de ‘alfabetismo’

ou ‘letramento’ tomando como referência Chassot (2000), Soares (1996) e Graff (1990).

Em uma análise mais geral, evidenciamos que os trabalhos aqui investigados

conversam mais com autores com os quais o campo do Currículo dialoga no país do que

com os próprios curriculistas brasileiros. A dissertação de Nascimento (1999), por

exemplo, conversa com McLaren & Gutierre (1996) quando expõe que o

multiculturalismo crítico está comprometido, acima de tudo, com a questão ética da

Page 24: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

24

solidariedade dos grupos culturalmente dominados. Esse mesmo trabalho também

conversa com Silva (1996a) ao defender que a presente ofensiva neoliberal necessita ser

vista como uma luta para criar as próprias categorias, noções e termos por meio dos

quais se pode definir a sociedade e o mundo. Ele conversa, ainda, com o conceito de

‘intelectual’ de Gramsci (1995), para quem o mesmo tem papel essencial na

organização da cultura, em um movimento semelhante ao que é feito por Santos (2007)

quando igualmente conversa com Gramsci (1968), entendendo que o ‘intelectual

orgânico’ é aquele que luta pela construção e consolidação do domínio de um grupo

social sobre outro ou, ainda, pela emancipação de grupos sociais dominados.

Já a dissertação de Valeriano (2006) dialoga com a concepção de ‘educação

cidadã’ de Paulo Freire (1996) para uma melhor reflexão sobre a importância

emancipatória e socialmente transformadora do trabalho desenvolvido pelo Pré-

Vestibular Social da ONG Educafro. A dissertação de Barcellos (2007), por sua vez,

conversa com os conceitos de ‘táticas’ desenvolvidos por Certeau (2004), para o qual,

em meio a um espaço visível, controlado, regrado e planejado, coexistem ‘maneiras de

fazer’ criativas dos sujeitos nele inseridos. Já Barrouin (2012) dialoga com o conceito

de ‘subjetividade capitalística’ de Guattari (2007), apontando para a existência de forças

hegemônicas que, amparadas pelos meios de comunicação de massa, influenciam os

processos de subjetivação dos indivíduos, normatizando condutas e formas de existir.

Por fim, evidenciamos que um conjunto significativo dessas produções dialoga

com Pierre Bourdieu. A dissertação de Nascimento (2009), por exemplo, dialoga com

Bourdieu (2007) ao abordar as diferenças de condições entre classes sociais, diferenças

essas potencializadas pela luta de concorrência por qualificação verificadas nas

trajetórias escolares de estudantes de origens sociais distintas. Já a tese de Silva (2006)

conversa com a teoria da reprodução de Bourdieu & Passeron (1975), segundo a qual a

função da escola tem sido de manter e perpetua a estrutura social e suas desigualdades,

conferindo privilégios a determinados grupos sociais em detrimento de outros. Também

a dissertação de Corrêa (2011) conversa com Bourdieu & Passeron (2008) por meio da

teoria da reprodução, explicitando os mecanismos perversos e obscurecidos de

desigualdade reproduzidos pelo sistema escolar, os quais possibilitam, dentro da escola,

a legitimação de diferenças de origem social, cultural e econômica, por meio de

classificações de empenho. Conversando especificamente com Bourdieu (2008), o

mesmo trabalho aborda o conceito de volume de capital (cultural, econômico, social,

simbólico), que marca a posição relativa das classes no espaço social e influencia a

Page 25: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

25

trajetória e o desempenho dos estudantes, mas que, no sistema escolar brasileiro, não é

considerado como critério de avaliação dos resultados dos estudantes.

Tomando como referência a análise das dez produções aqui realizada, em meio

ao levantamento inicial que produzi e no qual encontrei setenta e oito pesquisas, pude

verificar que a produção acadêmica brasileira relativa a esse tema, apesar de pequena, é

significativa e se localiza em diversos programas de pós-graduação do país.

Relativamente aos trabalhos aqui analisados, posso afirmar que, de modo geral, o

presente estudo apresenta similaridades com os trabalhos já realizados sobre o tema,

uma vez que se apoia em uma perspectiva crítica de currículo e investe na associação de

documentos e entrevistas como fontes privilegiadas de estudo. Entretanto, encontrei

poucos trabalhos que focam na disciplina escolar Biologia que é ministrada em Pré-

Vestibulares sociais. Essa pode ser considerada uma das principais dissemelhanças entre

a minha pesquisa e a majoritária produção acadêmica sobre o tema, na medida em que,

à luz das teorias curriculares, busco pesquisar esse componente curricular em meio às

lutas sociais mais amplas pela equidade social, luta esta legitimada pelos princípios que,

de certo modo, sustentam a criação dos Pré-Vestibulares Sociais.

No que diz respeito a trabalhos que articulam reflexões sobre Pré-Vestibulares

Sociais e a disciplina escolar Biologia, consta, dentre as produções aqui analisadas, a

tese de doutorado de Silva (2006), que busca investigar em que medida o ensino de

Biologia contribui para o desenvolvimento do alfabetismo científico nos Pré-

Vestibulares Sociais. Este trabalho dialoga de modo estreito com minha dissertação por

questionar em que medida os programas de vestibular influenciam os currículos dos

Pré-Vestibulares Sociais, o que evidencia uma preocupação relativa ao currículo de

Biologia tanto dos Pré-Vestibulares Sociais quanto dos programas de vestibular,

característica comum aos dois trabalhos. Entretanto, Silva (2006) defende que a

influência dos programas de vestibular tende a ofuscar parcialmente o objetivo de

transformação social que caracteriza dos Pré-Vestibulares Sociais, pensamento que se

diferencia de minha dissertação, pois considero que a tentativa de corresponder às

demandas dos programas de vestibular compõe o arsenal de ferramentas que servem à

luta mais ampla pela transformação social através da distribuição social do

conhecimento.

Tomando a disciplina escolar Biologia como eixo analítico por meio do qual

reflito acerca dos Pré-Vestibulares Sociais, destaco o quanto o referencial teórico aqui

adotado constitui um importante aspecto que confere uma especificidade a esse estudo.

Page 26: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

26

Afinal, diferentemente dos trabalhos aqui analisados, minha pesquisa se alicerça, em

especial, nas tradições disciplinares propostas por Goodson (2001) e ressignificadas por

autores brasileiros como Ferreira (2005, 2012 e 2013) e Gomes (2008, 2012 e 2013). A

ideia é entender como os padrões de evolução sócio-histórica da disciplina escolar

Biologia influenciaram as suas funções e posições nos Pré-Vestibulares Sociais,

transcendendo uma visão disciplinar a-histórica ou, como Goodson (2001) chamava a

atenção, ultrapassando a visão das disciplinas como sendo monólitos homogêneos,

desinteressados, baseados em uma sequência lógica de conteúdos, sem disputas e/ou

jogos de interesses. É nesse movimento que o presente estudo se insere em meio às

produções do NEC/UFRJ.

I. 2. Sobre a inserção desse estudo no NEC/UFRJ

Como já anteriormente explicitado, esse trabalho foi produzido no Grupo de

Estudos em História do Currículo, que é parte do Núcleo de Estudos de Currículo da

Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (NEC/UFRJ). O

NEC/UFRJ foi criado em 1992, no âmbito do Programa de Pós Graduação em

Educação da instituição (PPGE/UFRJ), acompanhando a intensificação, a partir da

década de 1990, dos estudos sobre a História do Currículo. Entretanto, já no final da

década de 1980, pesquisadores do que seria o NEC/UFRJ, sob a coordenação do

Professor Antônio Flávio Barbosa Moreira, deram início aos primeiros estudos que

buscavam compreender, a partir de perspectivas históricas, o desenvolvimento do

campo do currículo no Brasil.4Atualmente, sob a orientação de pesquisadores como Ana

Maria Monteiro, Carmen Teresa Gabriel, Marcia Serra Ferreira e Maria Margarida

Gomes, entre outros, o NEC/UFRJ vem se consolidando como um grupo de pesquisa

especialmente interessado nas disciplinas e conhecimentos acadêmicos e escolares.

Tomando o meu especial interesse pela História do Currículo e das Disciplinas,

parto do levantamento realizado por Fonseca (2013), ao qual somei os títulos dos

trabalhos de Fonseca (2014) e Lucas (2014), para destacar as produções – sete teses e

dezessete dissertações – que foram elaboradas no âmbito do NEC/UFRJ, nos últimos 10

anos, relacionadas a essa temática:

4 As informações sobre o Núcleo de Estudos do Currículo (NEC/UFRJ) aqui presentes foram retiradas do

homepage da Faculdade de Educação da UFRJ http://www.educacao.ufrj.br/nec e da tese de doutorado

de Fonseca (2014).

Page 27: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

27

Quadro 2 – Dissertações e teses produzidas no NEC/UFRJ

Tipo Ano Título Autor

Tese 2005 A história da disciplina escolar ciências no Colégio

Pedro II (1960-1980). Marcia Serra Ferreira

Tese 2009

O currículo da disciplina escolar História no

Colégio Pedro II – a década de 1970, entre a

tradição acadêmica e a tradição pedagógica: a

História e os Estudos Sociais.

Beatriz Boclin Marques

dos Santos

Tese 2010

A história do currículo da Licenciatura em Química

da UFRJ: tensões, contradições e desafios dos

formadores de professores (1993-2005).

Elisa Prestes Massena

Tese 2011 Conhecimento e poder na história do pensamento

curricular Brasileiro. Lisete Jaehn

Tese 2012

A disciplinarização da música e a produção de

sentidos sobre educação musical: investigano o

papel da ABEM no contexto da lei. Nº

11.769/2008.

Silvia Garcia Sobreira

Tese 2013 Currículo de Geografia: analisando o conhecimento

escolar como discurso. Carolina Lima Vilela

Tese 2014

A disciplina acadêmica Didática Geral na

Faculdade Nacional de Filosofia (1939-1968):

arqueologia de um discurso

Maria Verônica

Rodrigues da Fonseca

Dissertação 2002

Entre o Ensino e a Assistência os dilemas das

disciplinas de propedêutica clínica e de medicina

interna I da faculdade de medicina da UFRJ.

Francisco Sérgio Strauss

Vasques

Dissertação 2002

História da Disciplina Didática Geral em um Escola

de Formação de Professores: (re)apropriação de

discursos acadêmicos nas décadas de 1980 e 1990.

Josefina Carmen Diaz de

Mello

Dissertação 2003 A Disciplina Psicologia e a Formação de

Professores- Uma Análise Sócio- histórica. Claudio Ramos Peixoto

Dissertação 2008 Sob o Nome e a Capa do Imperador: a criação do

Colégio Pedro II e a construção do seu currículo.

Fernando de Araújo

Penna

Dissertação 2008

Entre Especialistas e Docentes: Percursos

Históricos dos Currículos de Formação do

Pedagogo na FE/ UFRJ.

Maria Verônica

Rodrigues da Fonseca

Dissertação 2008

Políticas Curriculares para a Formação de

Professores em Ciências Biológicas: investigando

sentidos de prática.

Letícia Terreri Serra

Lima

Dissertação 2009

Sentidos de prática na formação de professores:

investigando a reforma curricular da licenciatura

em história da FAFIC - RJ, nos anos 2000.

Marcele Xavier Torres

Dissertação 2009 O Ensino de Sociologia no Colégio Pedro II (1925 -

1941).

Jefferson da Costa

Soares

Dissertação 2009 Educação ambiental na escola: Diálogos com as

disciplinas escolares Ciências e Biologia.

Cecilia Santos de

Oliveira

Dissertação 2009 Investigando Ações de Educação Ambiental no

Currículo Escolar.

Lucimar Bezerra

Araruna

Dissertação 2010

Investigando a Disciplina Escolar Educação

Ambiental em Armação de Búzios, RJ: entre

histórias e políticas de currículo.

André Vitor Fernandes

dos Santos

Dissertação 2011

Currículo de Ciências (1950/70): influências do

professor Ayrton Gonçalves da Silva na

comunidade disciplinar e na experimentação

didática.

Daniela Fabrini Valla

Dissertação 2011

Modernização e retórica evolucionista no currículo

de Biologia: Investigando livros didáticos das

décadas de 1960/70.

Diego Amoroso

Gonzalez Roquette

Page 28: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

28

Dissertação 2011 Sentidos de Prática em Currículo de Curso de

Pedagogia.

Maria da Conceição

Maggioni Poppe

Dissertação 2012 Currículo de Ciências: investigando sentidos de

formação continuada como extensão universitária.

Karine de Oliveira

Bloomfield Fernandes

Dissertação 2013 Sentidos de Educação Física Escolar nos currículos

de Pedagogia da UFRJ (1992-2008)

Marcelo da Cunha

Mattos

Dissertação 2014

Formação de professores de Ciências e Biologia nas

décadas de 1960/70: entre tradições e inovações

curriculares

Mariana da Costa Lucas

Desse total, sete dissertações e três teses se aproximam de maneira mais estreita,

quanto à temática, ao presente trabalho, uma vez que refletem sobre seus objetos de

estudo à luz da história do currículo, alicerçando-se em autores comuns à minha

dissertação, como Goodson (1995, 1997 e 2001) e Chervel (1990). São elas: as teses de

Ferreira (2005), Jaehn (2011) e Fonseca (2014); as dissertações de Lima (2008),

Oliveira (2009), Santos (2010), Valla (2011), Roquette (2011), Fernandes (2012) e

Lucas (2014). A seguir, descrevo sucintamente cada um desses trabalhos, abordando

seus respectivos objetivos, metodologias e resultados, com vistas a justificar a opção

que fiz em dialogar mais centralmente com tais produções do NEC/UFRJ.

No que se referem às teses, Ferreira (2005) teve por objetivo investigar os

mecanismos que propiciaram estabilidades e modificações no currículo, nos conteúdos e

nos métodos de ensino da disciplina escolar Ciências, ministrada nas quatro últimas

séries do Ensino Fundamental do Colégio Pedro II, no período de 1960 a 1980. Para

realizar essa tarefa, a autora realizou análise de documentos e entrevistas com

profissionais da referida instituição. Os resultados dessa pesquisa apontaram para a

presença dos catedráticos como um importante mecanismo estabilizador da disciplina

estudada, enquanto a ausência de espaço físico próprio, o caráter generalista, as

mudanças das maneiras de recrutamento docente e o fim das cátedras, foram alguns dos

fatores que colaboram para as renovações curriculares da disciplina escolar.

Em diálogo com Ferreira (2005), Jaehn (2011) investigou as diferentes formas

da relação entre conhecimento e poder na história do pensamento curricular brasileiro,

no período que compreende a década de 1920 até a primeira década de 2000. Para tanto,

realizou pesquisa bibliográfica e documental, a partir da qual evidenciou concepções de

currículo que se sucederam ao longo do período analisado: controle social até a década

de 1970; controle social dialético na década de 1980 e até meados da década de 1990; e

regulação social a partir da a partir da segunda metade da década de 1990. Também

nesse diálogo, Fonseca (2014) produziu um estudo arqueológico sobre a história da

disciplina acadêmica Didática Geral, entre 1939 e 1968, na Faculdade Nacional de

Page 29: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

29

Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de

Janeiro. Investigando documentos curriculares, a autora indicou a emergência da

Didática Geral buscando responder às demandas de um novo modelo de escolarização

em face da nova organização política e econômica brasileira dos anos de 1930 a 1950.

Fonseca (2014) investigou a história da disciplina acadêmica Didática Geral na

Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil, no período

compreendido desde 1939 a 1968, de modo a tentar compreender a prática discursiva

que, gerada em torno desta disciplina, colaborou para que esta fosse considerada central

na formação inicial de professores, em nível superior, no Brasil. Para tanto, a autora

analisa documentos do chamado currículo escrito, tais como: ementas, programas,

resoluções, pareceres, e outros documentos de cunho geral, elaborados na própria

instituição, bem como leis, relatórios, estatutos, manifestos de grupos acadêmicos,

livros editados com a finalidade didática e outros materiais didáticos diversos guardados

em arquivos e produzidos ao longo do período estudado. Os resultados desta pesquisa

apontam que três enunciados, já presente nos anos de 1920 e 1930, possibilitaram uma

construção discursiva acerca da disciplina Didática como saber necessário ao professor

– a centralidade da aprendizagem, a cientificidade da educação e a formação docente em

nível universitário.

No caso das dissertações, Lima (2008) tem por objetivo compreender os

processos de produção e materialização das políticas de currículo para a formação

docente, em especial, nos cursos de Licenciatura em Ciências Biológicas de três

universidades públicas do Rio de Janeiro, focalizando como os sentidos de prática que

são construídos nesses processos. Para tanto, realiza a análise de documentos, como as

legislações elaboradas pelo Conselho Federal de Educação e documentos curriculares de

três cursos oferecidos no estado do Rio de Janeiro (UERJ, UFF e UFRJ), além de

depoimentos concedidos por professoras da referida disciplina. Os resultados desse

estudo apontam que a construção dos sentidos de prática está relacionada a processos de

recontextualização por hibridismo que aconteceram no passado e que continuam

acontecendo atualmente, os quais envolvem a hibridização entre tradições e inovações.

Oliveira (2009) e Santos (2010) estiveram, em suas dissertações, especialmente

interessados na disciplinarização da Educação Ambiental nos currículos escolares.

Oliveira (2009), por exemplo, buscou compreender os processos de inserção da

Educação Ambiental na escola por meio das disciplinas escolares Ciências e Biologia.

Analisando publicações dos Encontros de Ensino de Biologia realizados no Rio de

Page 30: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

30

Janeiro e coletando depoimentos de quatro professores das referidas disciplinas, autores

de tais publicações, seus resultados indicaram que uma Educação Ambiental

tipicamente escolar vem sendo produzida nas disciplinas Ciências e Biologia, fortalece

tanto a primeira, que encontra espaço curricular para o seu desenvolvimento, quanto as

últimas, que se fortalecem por meio da inserção de questões sociais em seu currículo.

Santos (2010), por sua vez, objetivou compreender o conjunto de processos que levaram

à emergência da disciplina escolar Educação Ambiental no município de Armação dos

Búzios, RJ, ocorrida entre 2006 e 2008. Analisando documentos escritos e depoimentos

de profissionais que trabalharam na Secretaria Municipal de Educação no período, seus

resultados apontaram para as inúmeras razões que, somadas, contribuíram para a

emergência da disciplina escolar Educação Ambiental no citado município, sendo a

principal delas o fato de a organização disciplinar ter se imposto como uma forma

hegemônica de controlar o tempo e o espaço escolar.

Valla (2011) teve como objetivo compreender como a experimentação didática

foi introduzida nos currículos escolares, investigando a história da disciplina escolar

Ciências nos anos de 1950/70, e, mais especificamente, o ensino experimental e as

ações de um importante ator social do período: o professor Ayrton Gonçalves da Silva.

Analisando textos e materiais didáticos produzidos por esse professor, seus resultados

indicaram que o contexto histórico da Guerra Fria e, especialmente, o financiamento

estadunidense de projetos para a melhoria do ensino de Ciências em países do bloco

capitalista, propiciaram o desenvolvimento da experimentação didática nos currículos

escolares da época. Roquette (2011), investigando o mesmo período, analisou como

uma coleção de livros didáticos brasileiros de Biologia incorporou as mudanças que

ocorriam nas Ciências Biológicas e no seu ensino no âmbito do movimento renovador.

O autor constatou a presença de três fatores que, no material investigado, puderam

modernizar a disciplina escolar Biologia: um discurso relacionado aos avanços

tecnológicos e ao surgimento de novas técnicas; a matematização das Ciências

Biológicas, aspecto ligado, principalmente, aos adventos da Genética; e a presença de

uma retórica evolucionista marcada, especialmente, pelo uso da teoria da Evolução.

Fernandes (2012) objetivou investigar o percurso sócio-histórico inicial do

Projeto Fundão Biologia, visando compreender os sentidos de formação continuada de

professores que vieram sendo produzidos nos anos de 1980, em articulação com as

ações de extensão universitária realizadas nesse projeto. Para tanto, o trabalho realiza

análise de documentos do acervo do Projeto Fundão Biologia e entrevistas com

Page 31: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

31

professoras/coordenadoras do mesmo. Os resultados dessa pesquisa apontam que o

Projeto Fundão associou metodologias ‘inovadoras’ ao uso do ‘método científico’ como

método de ensino, além de hibridizar sentidos de formação continuada que atendiam às

necessidades de ‘treinamento em serviço’ do SPEC/PADCT/CAPES e,

simultaneamente, satisfaziam os interesses da sua própria equipe. Por fim, Lucas (2014)

investigou os sentidos de conhecimento produzidos na Licenciatura em Ciências

Biológicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) em meio à reforma

curricular que o curso passa, no final dos anos 1960, quando deixa de ser oferecido pela

Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) e passa a fazer parte do Instituto de Biologia

(IB) como curso de Ciências Biológicas. Também se valendo de documentos e

entrevistas, seus resultados indicam uma mescla de discursos naturalistas e

modernizadores do conhecimento biológico, que foi sendo regulado por um caráter

prático que constitui tanto a formação de professores quanto o ensino na área.

Lucas (2014) investiga os sentidos de conhecimento produzidos no curso de

Licenciatura em Ciências Biológicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)

durante o período em que deixa de ser oferecido pela Faculdade Nacional de Filosofia

(FNFi) como curso de História Natural e passa a fazer parte do Instituto de Biologia

(IB) como curso de Ciências Biológicas. Para tanto, vale-se da análise de documentos

como a legislação do período, assim como documentos históricos e curriculares,

produzidos em meio à reforma do curso, além de três entrevistas semiestruturadas. Os

resultados dessa pesquisa apontam o caráter prático como uma regularidade presente na

formação de professores na área nas décadas de 1960/70, o que indica uma

ressignificação de lógicas tradicionais.

No quadro a seguir, organizo as produções anteriormente analisadas, resumindo

suas metodologias, seus principais conceitos e referências bibliográficas:

Quadro 3 – Trabalhos do NEC/UFRJ mais fortemente relacionados ao meu estudo

Estudo Metodologia Principais

Conceitos Principais referências bibliográficas

FERREIRA, M. S. A

história da disciplina

escolar ciências no

Colégio Pedro II

(1960-1980). UFRJ,

2005.

Análise

documental

e entrevistas.

Tradição

inventada,

status,

finalidades de

ensino,

documento,

estabilidade e

mudança e

mercado de

identidade

social

Chervel (1990), Julia (2001 e 2002),

Santos

(1990 e 1994), Goodson (1983a, 1983b,

1988,

1990, 1994, 1995a, 1995b, 1996, 1997,

1998, 1999 e 2001), Warde e Carvalho

(2000), Moreira (1994), Macedo (2001),

Goff (1996),

Thompson (1992), Lopes (1990, 1998,

1999, 2000) e Prins (1992)

JAEHN, L. Análise Controle social, Bourdieu (1983, 2008, 2009 e 2010),

Page 32: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

32

Conhecimento e poder

na história do

pensamento curricular

Brasileiro. UFRJ, 2011.

documental. controle social

dialético,

regulação social

e campo social.

Chervel (1990 e 1999), Ferreira (2005),

Ferreira e Gomes (2000), Ferreira e

Moreira (2001), Ferreira e Jaehn (2010),

Goodson (1990, 1995, 1997, 1999, 2001

e 2008), Lopes (1999, 2007b e 2008),

Lopes e Macedo (2002, 2005 e 2007a),

Macedo (1996, 1997, 2002, 2004 e

2006), Moreira (1990, 1994, 1995, 1998,

2002a, 2002b, 2003, 2007, 2008, 2009a,

2009b, 2010a e 2010b) e Popkewitz

(1997, 2001 e 2008).

FONSECA, M. V. R.

A disciplina acadêmica

Didática Geral na

Faculdade Nacional de

Filosofia (1939-1968):

arqueologia de um

discurso. UFRJ, 2014.

Análise

documental.

Discurso,

enunciado,

estabilidade e

mudança,

derivação

discursiva,

regularidade

discursiva e

comunidade

disciplinar.

Chervel (1990), Ferreira (2005, 2007,

2008 e 2013), Foucault (2009 e 2012),

Goodson (1997, 2001, 2005, 2007a e

2007b), Lopes (2000, 2006, 2008 e

2009), Moreira (2004, 2005 e 2006),

Popkewitz (1997, 2001 e 2010).

LIMA, L. T. S.

Políticas Curriculares

para a Formação de

Professores em

Ciências Biológicas:

investigando sentidos

de prática. UFRJ, 2008.

Análise

documental

e entrevistas.

Recontextuali-

zação e

hibridismo.

Lopes (2002b, 2004b, 2005, 2006a,

2006b), Ferreira (2003a, 2003b, 2005a,

2005b e 2006) Elisabeth Macedo (2003,

2006a, 2006b), Gabriel et al. (2008) e

Stephen Ball (1992, 1995, 1998, 2001,

2004) e Goodson (1995 e 1997)

OLIVEIRA, C. S.

Educação ambiental na

escola: Diálogos com

as disciplinas escolares

Ciências e Biologia.

UFRJ, 2009.

Análise

documental

e entrevistas.

Tradições

disciplinares,

seleção,

transformação,

disciplinariza-

ção e relações

de poder.

Goodson (1995 e 1997), Juliá (2002),

Santos (1990), Ferreira (2005), Selles &

Ferreira (2005) e Bourdieu (1983).

SANTOS, A. V. F.

Investigando a

Disciplina Escolar

Educação Ambiental

em Armação de Búzios,

RJ: entre histórias e

políticas de currículo.

UFRJ, 2010.

Análise

documental

e entrevistas.

Status social,

recontextualiza-

ção e

hibridismo.

Ball (1992 e 2001), Chervel (1990),

Ferreira (2005 e 2007), Juliá

(2002), Goodson (2008), Lopes (2002 e

2008), Macedo e Lopes (2002) e Selles e

Ferreira (2005)

VALLA, D. F.

Currículo de Ciências

(1950/70): influências

do professor Ayrton

Gonçalves da Silva na

comunidade disciplinar

e na experimentação

didática. UFRJ, 2011.

Análise

documental

Documento,

status social e

mercado de

identidade

social.

Goodson (1995 e 1997), Ferreira (2005,

2007a e 2007b), Burke (1992) e Goff

(1996)

ROQUETTE, D. A. G.

Modernização e

retórica evolucionista

no currículo de

Biologia: Investigando

livros didáticos das

décadas de 1960/70.

UFRJ, 2011.

Análise

documental

Tradições

disciplinares e

status social.

Goodson (1995, 1997 e 2001) e Ferreira

(2005, 2007a e 2007b)

Page 33: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

33

FERNANDES, K. O.

B. Currículo de

Ciências: investigando

sentidos de formação

continuada como

extensão universitária.

UFRJ, 2012.

Análise

documental

e entrevistas.

Comunidade

disciplinar,

comunidade

epistêmica,

recontextualizaç

ão e hibridismo.

Goodson (1995 e 1997) e Ferreira (2005

e 2007) com Ball

(1992 e 2001) e Lopes (2002, 2004, 2005

e 2006).

LUCAS, M. C.

Formação de

professores de Ciências

e Biologia nas décadas

de 1960/70: entre

tradições e inovações

curriculares. UFRJ,

2014.

Análise

documental

e entrevistas.

Regime de

verdade,

documento e

discurso.

Ferreira (2005, 2013, 2014), Foucault

(2010 e 2012), Goodson (1995, 1997,

2001, 2007) e Popkewitz (1997, 2001,

2008).

Um primeiro aspecto que chama a atenção é que todas essas produções se valem

de análise documental, entendendo por documento curricular um amplo espectro de

textos, que vão desde legislações oficiais até publicações acadêmicas – tais como as que

foram publicadas em anais de eventos como a Reunião da ANPEd ou os Encontros

Nacionais de Ensino de Biologia – e didáticas – tais como livros didáticos e materiais de

ensino –, além de acervos diversos, de caráter institucional ou pessoal, aqui

representados, respectivamente, pelo Projeto Fundão Biologia e pelo professor Ayrton

Gonçalves da Silva. Entretanto, boa parte dos trabalhos (FERREIRA, 2005; LIMA,

2008; OLIVEIRA, 2009; SANTOS, 2010; FERNANDES, 2012; LUCAS, 2014) optou

por combinar a análise documental com entrevistas com atores relacionados ao objeto

de seus respectivos estudos. Em certos casos, a ideia foi a de que o uso combinado

dessas fontes pôde auxiliar os autores na investigação dos “processos que levaram à

constituição dessa disciplina escolar [a disciplina escolar Ciências], incluindo as ações

produtoras desse material cultural, isto é, os conflitos, as disputas e as negociações

envolvidas na ‘implementação’ da mesma nas escolas do município.” (FERNANDES,

2012, p. 8). Em outros, a ideia é combinar fontes diversas “a partir da fabricação de uma

lente teórica que se pauta em duas perspectivas de História do Currículo: a história

social de Ivor Goodson e a epistemologia social de Thomas Popkewitz” (JAEHN, 2011,

Page 34: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

34

p. 6). Para Lucas (2014, p. 29), o trabalho que realiza com as fontes de estudo a

identifica do seguinte modo:

Como uma pesquisadora bricoleur, ou seja, como uma espécie de

“organizadora” de diferentes perspectivas, com o objetivo de situar os

‘sujeitos’ de minha pesquisa em meio a textos reflexivos. Nesse

sentido e para alcançar os objetivos deste estudo, utilizo uma

variedade de estratégias, de métodos e de materiais empíricos, de

forma que seja possível “encaixar” a pesquisa em uma situação

específica e complexa e podendo, desse modo, criar algo ‘novo’.

Outro aspecto refere-se às escolhas teóricas dos trabalhos analisados nesta seção,

que dialogam, preferencialmente, com a História do Currículo – Ivor Goodson e Marcia

Serra Ferreira – e, em certos casos, com as Políticas de Currículo (Stephen Ball). De

modo geral, posso afirmar que eles dialogam com a leitura que Ferreira (2005) faz das

noções formuladas por Goodson (1996 e 1997) de estabilidade e mudança, de inovação

curricular e de comunidade disciplinar, entendendo-as como “tradições inventadas” que

mesclam finalidades de ensino acadêmicas, utilitárias e pedagógicas. Em certos casos,

tais noções se deslocam em meio ao diálogo que as Políticas de Currículo fazem com

perspectivas discursivas que repensam a produção de políticas para além do Estado

(LIMA, 2008; SANTOS, 2010; FERNANDES, 2012) ou, então, mais recentemente,

com uma abordagem discursiva para a História do Currículo (LUCAS, 2014). Todas

essas leituras me ajudaram a produzir um objeto de estudo que, em perspectiva crítica e

também no diálogo com Goodson (1995 e 1997) e Ferreira (2005), toma como fontes de

estudo documentos curriculares variados e entrevistas semiestruturadas com diferentes

atores sociais – coordenadora, professores e alunos – envolvidos com o PVS/CEDERJ.

I. 3. Sobre o ensino de Biologia

Nesta seção, pesquisei trabalhos relacionados ao ensino de Biologia a partir da

consulta ao banco de teses e dissertações da CAPES e da Biblioteca Digital Brasileira

de Teses e Dissertações (BDTD), utilizando, como critério de busca, o descritor ‘ensino

de Biologia’, além de cruzá-lo com os termos ‘currículo’ e ‘pré-vestibulares sociais’. No

primeiro caso – isto é, na pesquisa realizada no banco de teses e dissertações da CAPES

–, encontrei o seguinte resultado: quatrocentos de dois (402) trabalhos relacionados ao

descritor ‘ensino de Biologia’, dos quais cinquenta e um (51) foram obtidos por meio do

Page 35: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

35

cruzamento dos termos ‘ensino de Biologia’ e ‘currículo’, e nenhum (00) trabalho

resultou da articulação dos termos ‘ensino de Biologia’ x ‘pré-vestibulares sociais’. No

segundo caso – qual seja, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações

(BDTD) –, encontrei quatrocentos e quarenta e um (441) trabalhos relacionados ao

descritor ‘ensino de Biologia’, dos quais sessenta (60) trabalhos foram obtidos por meio

do cruzamento dos termos ‘ensino de Biologia’ e ‘currículo’ e, assim como na busca no

Portal da CAPES, o cruzamento dos termos ‘ensino de Biologia’ x ‘pré-vestibulares

sociais’ não resultou em qualquer (00) trabalho encontrado.

A partir de uma análise dos estudos encontrados, verifiquei que o campo de

estudos sobre o ensino de Biologia é amplo, apresentando uma grande diversidade de

temas, tais como: questões relacionadas à didática, como ludicidade, argumentos,

explicações, uso de experiências de laboratório, museus científicos e projetos

interdisciplinares; questões relacionadas à educação à distância e ao uso de tecnologias

da informação; estudos de temas específicos em biologia, como corpo, vida, evolução,

citologia e história da biologia; formação docente; currículo; avaliação da

aprendizagem; educação inclusiva; estudos envolvendo os discentes; ciência, tecnologia

e sociedade; a própria pesquisa sobre o ensino de biologia etc. Apesar disso, pesquisas

que relacionam o ensino de Biologia ao tema do vestibular tem campo de estudos

reduzido, o que se reduz mais ainda quando focalizamos os Pré-Vestibulares Sociais.

Tomando como referência esses aspectos, dentre o universo de trabalhos,

selecionei seis estudos que apresentam relação mais direta com meu trabalho, uma vez

que tais trabalhos se dedicam a refletir sobre a gama de relações de influência existentes

entre o Ensino Médio, os exames vestibulares e os cursos de Ciências Biológicas, além

de analisar a comunidade disciplinar relativa ao ensino de Biologia. Um deles aborda a

produção das políticas de currículo em Biologia (BUSNARDO, 2010), enquanto os

cinco restantes abordam a relação entre o ensino de Biologia e os vestibulares (SETTIN,

2004; SILVA, 2007; SANTOS, 2008; RIBEIRO, 2011; SILVA, 2011). Coloco esses

trabalhos em diálogo com dois textos constituintes de livro sobre a pesquisa em ensino

de Ciências no Brasil: o de Ferreira (2007a), que trata de reflexões teórico-

metodológicas que podem colaborar com a investigação da história da pesquisa em

ensino de Ciências no Brasil, e o de Maldaner (2007), que aborda o funcionamento do

Ensino Médio no Brasil.

Dentre as produções que relacionam ensino de Biologia e os vestibulares, a

dissertação de Settin (2004) teve por objetivo avaliar um curso de aprofundamento, à

Page 36: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

36

distância, em conteúdos de Biologia do Ensino Médio para pré-vestibulandos, no que

diz respeito à sua contribuição para o desenvolvimento intelectual dos alunos e à

utilização de ferramentas de comunicação digital (em especial o e-mail e os grupos de

discussão pela internet) no processo de ensino-aprendizagem. Para tanto, o trabalho

analisou documentos pertinentes ao curso, além de produzir e aplicar questionários

junto aos estudantes. Os resultados dessa pesquisa apontam que o curso contribuiu para

o aprofundamento de conteúdos de Biologia cobrados no vestibular, mas abordados de

maneira incipiente pelo currículo do Ensino Médio. Além disso, a pesquisa indica que

as ferramentas de interação digital contribuíram significativamente para a leitura, a

fixação de informação, o desenvolvimento de habilidades de pesquisa e a capacidade

crítica dos alunos envolvidos.

A dissertação de Silva (2007), por sua vez, se propôs a investigar as mudanças

provocadas nos vestibulares da Universidade Federal do Ceará ao longo de 26 anos,

assim como as suas repercussões no Ensino Médio desse Estado. Para isso, realizou

entrevistas semiestruturadas com presidentes e vice-presidentes da comissão

coordenadora do vestibular da referida universidade e de professores elaboradores das

provas de Biologia. Também realizou análise documental de provas de vestibular e de

editais de convocação do vestibular da instituição que foram produzidos no recorte

temporal da pesquisa. Na análise, Silva (2007) conclui que o sistema de acesso à

universidade tem influência inegável no Ensino Médio, tanto no que se refere aos

conteúdos quanto no seu enfoque epistemológico. Já a dissertação de Santos (2008) teve

por objetivo analisar as avaliações que foram empregadas pelos professores de ensino

médio na disciplina escolar Biologia, quando é abordado o tópico Biologia Celular,

traçando um paralelo entre tais avaliações e os conteúdos de outras de âmbito mais

geral, com destaque para o Concurso Vestibular da UNICAMP e o Exame Nacional do

Ensino Médio – ENEM. Para tanto, a pesquisa realizou análise documental de livros e

de planos de ensino, além de entrevistas semiestruturadas com professores do Ensino

Médio do município de Campinas. Seus resultados indicaram uma estreita relação de

influência entre os exames vestibulares (UNICAMP) e o ENEM com os exercícios dos

livros didáticos e a forma de estabelecer os conteúdos das provas usadas nas escolas.

Nesse mesmo grupo de trabalhos – ou seja, nas produções encontradas que

relacionam o ensino de Biologia e os exames vestibulares –, a dissertação de Ribeiro

(2011) igualmente focou nos conteúdos de Biologia Celular investigando os que foram

ministrados nos cursos de Biologia em Instituições de Ensino Superior do Estado de São

Page 37: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

37

Paulo. A ideia foi relacioná-los com o desempenho dos estudantes em avaliações de

âmbito nacional, sugerindo eventuais relações desse desempenho com diferentes

parâmetros ligados à infraestrutura da instituição, ao corpo docente da mesma e às

condições socioeconômicas dos participantes. Para tanto, aplicou questionários aos

estudantes e analisou documentos relacionados à Biologia Celular das provas para

egressos de Cursos de Biologia aplicadas durante a vigência do Exame Nacional de

Cursos (Provão), entre 2000 e 2003, bem como a do Exame Nacional do Desempenho

de Estudantes (ENADE) de 2005 e 2008. Os resultados dessa pesquisa indicaram que há

um melhor desempenho dos alunos nas instituições com as seguintes características:

naquelas com vestibulares mais concorridos, que têm professores trabalhando em regime de

Dedicação Integral e, via de regra, que tem boas instalações laboratoriais e que incentiva a

participação em atividades de caráter extraclasse. Já a dissertação de Silva (2011) escolheu,

assim como Santos (2008), investigar o Exame Nacional do Ensino Médio – ENEM –,

problematizando se a matriz curricular do mesmo reflete o que a comunidade escolar do

Ensino Médio do município de Santa Maria, RS, entende que deva ser estudado na

disciplina escolar Biologia. Para isso, o trabalho empregou questionários e analisou

documentos. Os resultados desse trabalho indicam que a referida comunidade escolar

aprova que os conteúdos listados na matriz curricular do ENEM sejam estudados na

disciplina escolar Biologia do Ensino Médio. Além disso, foi verificada uma diferença na

valorização dos conteúdos por diferentes tipos de escolas e estudantes, uma vez que os

alunos de escolas particulares atribuíram maior valor a conteúdos clássicos em detrimento

de questões sociais. Nas escolas federais, diferentemente, observou-se uma valorização

geral de conteúdos, tanto dos clássicos quanto daqueles envolvidos em questões sociais.

A dissertação de Busnardo (2010) – a única analisada que aborda a produção

das políticas de currículo em Biologia – objetivou investigar a produção de políticas de

currículo pela comunidade disciplinar do ensino de Biologia. Para isso, analisou

documentos curriculares pertinentes ao nível médio no âmbito federal – os Parâmetros

Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCNEm), as Orientações

Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (PCN+) e

as Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (OCNEM) – e realizou

entrevistas com professores e pesquisadores reconhecidos nessa comunidade disciplinar

que participaram da elaboração dos documentos supracitados. Os resultados dessa

pesquisa apontaram que, mesmo em governos diferentes, representantes das

comunidades disciplinares podem se manter atuantes no contexto de produção de textos

Page 38: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

38

das políticas e produzir sentidos e significados semelhantes nas políticas.

Escolho colocar esses trabalhos em diálogo com dois textos publicados em livro

da área, um voltado para os estudos históricos e outro para o Ensino Médio. O primeiro

(FERREIRA, 2007a) tem por objetivo colaborar com os estudos sobre a história da pesquisa

em ensino de Ciências no Brasil, que inclui as disciplinas escolares Biologia, Ciências,

Física e Química. Em especial, o trabalho apresenta contribuições no que diz respeito a

possibilidades de embasamento teórico e ferramentas metodológicas. Para isso, se reporta a

estudos que apresentam como objeto a disciplina escolar Ciências. Os resultados dessa

pesquisa apontam que, apesar de as contribuições teórico-metodológicas de autores da

História do Currículo e da Historiografia contemporânea serem tão importantes quanto as

dos autores dos estudos sobre Disciplinas escolares, os estudos históricos têm tido pouco

espaço nas pesquisas em ensino de Ciências. Além disso, o trabalho evidencia que a

concepção histórica contribui para ampliar a compreensão das principais tendências teórico-

metodológicas pertinentes à pesquisa em ensino de Ciências. Já o segundo (MALDANER,

2007) se propõe a problematizar as principais concepções sobre o Ensino Médio no Brasil,

que são a de formação técnica e de trampolim para o Ensino Superior, defendendo que o

localizemos com parte da Educação Básica para todas as pessoas. Para tanto, o trabalho se

vale da análise de documentos oficiais, em especial os Parâmetros Curriculares Nacionais

para o Ensino Médio (PCNEM). Seus resultados apontam para uma proposta de

desenvolvimento de um novo currículo na Área das Ciências da Natureza e suas

Tecnologias em sucessivas Situações de Estudo (SE), a partir das quais ocorre a evolução

da capacidade de pensamento abstrato sobre o mundo, e, por conseguinte, da competência e

da criatividade da criação/recriação cultural que caracteriza cada momento histórico.

No quadro a seguir, assim como nas demais seções deste capítulo, abordo as

produções analisadas, definindo suas respectivas metodologias, seus principais

conceitos e suas principais referências bibliográficas:

Quadro 4 – Trabalhos relacionados ao Ensino de Biologia

Estudo Metodologia Principais Conceitos Principais referências

bibliográficas

SETTIN, I. C. Elaboração,

aplicação e avaliação de

um curso à distância para

pré-vestibulandos com

ênfase no ensino de

Biologia. Dissertação de

mestrado. Universidade

Estadual de Campinas,

2004.

Análise

documental e

questionários.

Interação,

interatividade,

cooperação e

colaboração.

Francisco (2001), Piletti

(1997), Ribeiro (1981), Zotti

(2004), Ribeiro (1981),

Ghiraldelli (1990), Perrenoud

(1999), Santos (1988),

Romanelli (2002), Moore

(1993), Niskier (1999), Alves

(2001), Kenski (2003),

Oliveira (2003), Belloni

(1999), Lévy (1999) e Saul

Page 39: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

39

(2000).

SILVA, J. E. M. Vestibular

na UFC: Implicações para

o Ensino Médio – Um

estudo de caso a partir das

mudanças realizadas de

1978 a 2004. Universidade

Federal do Ceará, 2007.

Análise

documental e

entrevistas.

Fonte, documento,

arte de dividir,

homem culto e status.

Ludke e André (1986), Andre

(2000), Bogdan (1994), Biklen

(1994), Gamboa (2002),

Santos (2002), Richardson

(1999), Nogueira (1968),

Queiroz (1982), Romanelli

(1998) e Saul (2001).

SANTOS, J. S. Avaliação

dos conteúdos de biologia

celular no Ensino Médio:

Estudo de caso sobre a

prática docente e sua

relação com exames de

ingresso no ensino

superior. Universidade

Estadual de Campinas,

2008.

Análise

documental e

questionários.

Variáveis afetivas,

reconhecimento,

transposição e

predição.

André (2005), Yim (2005),

Amorim (1995), Bol e Strage

(1996), Kitchen (2007), Gama

(1993), Palmero (2003),

Soncini e Castilho (1991),

Freitas (2002) e Luckesi

(2003).

RIBEIRO, V. K.

Abordagem dos conteúdos

de Biologia Celular em

cursos de Ciências

Biológicas e sua relação

com as avaliações

nacionais. Universidade

Estadual de Campinas,

2011.

Análise

documental.

Reconstrução, práxis,

valor, afastamento

padronizado.

Sobrinho (2000, 2003 e 2008),

Vigotsky (1987), Lopes

(2008), Luckesi (1995),

Zambelli (1997), Johnson e

Wichern (1998), Johnson e

Myklebust (1987) e Gramsci

(1978).

SILVA, C. B. Percepções

sobre a matriz curricular

do ENEM para a

disciplina Biologia nas

escolas de Santa Maria.

Universidade Federal de

Santa Maria, 2011.

Análise

documental e

e

questionários.

Currículo escolar,

teoria técnica, teoria

prática e teoria

crítica.

Rey (2009), Menezes (2002),

Kemmis (1988), Silva (2002),

Pacheco (2001), Saviani

(1980), Hornburg e Silva

(2007), Teixeira (1976),

Krasilchik (2004) e Taglieber

(1984).

BUSNARDO, F. M. G. A

comunidade disciplinar de

ensino de Biologia na

produção de políticas de

currículo. Universidade do

Estado do Rio de Janeiro,

2010.

Análise

documental e

entrevistas.

Interdisciplinaridade,

status,

recontextualização,

hibridismo e

hegemonia.

Lopes (1999, 2000, 2001 e

2002), Lopes e Macedo (2002,

2004, 2005, 2006 e 2010)

Goodson (1997 e 1999),

Laclau (2001, 2005 e 2006),

Ball (1989, 1992, 1994, 2000

e 2001)

FERREIRA, M. S. Como

investigar a história da

pesquisa em ensino de

Ciências no Brasil?

Reflexões teórico-

metodológicas. In:

NARDI, R. (org.). A

pesquisa em Ensino de

Ciências no Brasil: alguns

recortes. 2007a.

Análise

documental.

Perspectivas sócio-

históricas,

História das

Disciplinas Escolares,

História do Currículo,

comunidade

disciplinar.

Ferreira (2004 e 2005),

Ferreira e Moreira (2001),

Lemgruber (1999 e 2000),

Young (1989), Goodson

(1995, 1996 e 1997), Levi

(1992) e Macedo (2001).

MALDANER, O. A.

Situações de estudo no

ensino médio: nova

compreensão de educação

básica. In: NARDI, R.

(org.). A pesquisa em

Ensino de Ciências no

Brasil: alguns recortes.

2007a.

Análise

documental.

Interdisciplinaridade,

movimentos mentais

e conceito.

Vigotski (1996, 1998 e 2001),

Morin (2001, 2002 e 2003),

Maldaner (2003), Zanon

(2004), Schon (1987) e Araújo

(2005)

Page 40: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

40

Os trabalhos anteriormente listados possuem aproximações com o meu próprio

estudo que se referem a escolha das fontes de estudo. Afinal, todos os textos se valem

da análise de documentos a fim de coletar informações para suas respectivas pesquisas.

Entretanto, pude verificar a associação da análise documental com a realização de

questionários em Settin (2004), Santos (2008) e Silva (2011), e com a realização de

entrevistas em Silva (2007). No primeiro caso, a justificativa para o uso combinado de

documentos e questionários refere-se, por exemplo, a análise de documentos

curriculares como “os conteúdos dos livros, os seus exercícios, e os planos de ensino

dos professores”, que foi associada ao uso de “questionários, os quais abordaram um

conjunto de questões que visou mostrar a forma como o professor encara o processo

ensino/aprendizagem e como a avaliação se insere nesse contexto” (SANTOS, 2008, p.

1). No segundo caso – isto é, no texto que associa a análise documental ao uso de

entrevistas –, Silva (2007, p. 27) destaca o seguinte:

Fez-se a escolha de entrevistas como mecanismo de recuperação da

memória do vestibular através de seus atores. A análise documental foi

necessária para que dela tivéssemos a cronologia das mudanças

ocorridas ao longo destes 29 anos que foram pesquisados.

Relativamente ao embasamento teórico dos trabalhos analisados nesta seção, os

diálogos com o campo do Currículo aparecem fortemente nas produções de Busnardo

(2010) – que dialoga com Ivor Goodson e Stephen Ball, assim como com as brasileiras

Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo – e Ferreira (2007a), que dialoga

preferencialmente com Ivor Goodson, além de Michael Young e Elizabeth Macedo. As

demais produções tangenciam esse debate ao dialogarem (ou não) com autores do

campo em meio a uma série de outros autores, tais como: André (2000 e 2005), que

aparece em Silva (2007) e Santos (2008); Vygotsky (1987, 1996, 1998 e 2001), que é

utilizado por Ribeiro (2011) e Maldaner (2007); Romanelli (1998 e 2002) e Saul (2000

e 2001), autores com os quais Settin (2004) e Silva (2007) dialogam. Nessa produção,

os diálogos com Ivor Goodson são os que mais me interessam, uma vez que, em meu

estudo, opero com diversas noções produzidas por ele. É exatamente sobre elas que me

debruço no próximo capítulo, que se refere aos referenciais teórico-metodológicos.

Page 41: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

41

CAPÍTULO II

Referenciais teórico-metodológicos

Neste capítulo, apresento o quadro teórico-metodológico no qual se alicerça o

presente estudo, cuja noção de currículo se caracteriza por uma abordagem atenta à

construção histórica curricular e, mais especificamente, à História das Disciplinas

Escolares, considerando, conforme Goodson (1995, p. 120), que as disciplinas não

representam “entidades monolíticas, mas amálgamas mutáveis de subgrupos e

tradições”. Em diálogo com esse autor, Ferreira (2005) destaca que “a construção das

disciplinas escolares não se dá [...] de modo consensual, mas é fruto de disputas que

ocorrem dentro e fora dos sistemas escolares, envolvendo poder, controle, negociações e

alianças entre indivíduos e entre grupos distintos” (CUBAN, 1992 apud SANTOS,

1994). Afinal, de acordo com Goodson (1997, p. 43), elas são construídas “social e

politicamente e os atores envolvidos empregam uma gama de recursos ideológicos e

materiais à medida que prosseguem as suas missões individuais e coletivas”.

A emergência da História das Disciplinas Escolares se dá no âmbito da Nova

Sociologia da Educação, movimento que se desenvolve no final da década de 1960,

tendo como referência a publicação do livro Knowledge and Control: New Directions

for the Sociology of Education, organizado por Michael Young (1971), que inaugurou

uma linha de pesquisa atenta aos “processos especificamente educacionais do currículo

e da pedagogia” (FERREIRA, 2005, p. 14 apud YOUNG, 1989). Entretanto, as

pesquisas sócio-históricas no campo do Currículo apenas se desenvolveram na década

de 1980, quando sociólogos e historiadores ingleses, franceses e estadunidenses

produziram trabalhos sobre a História do Currículo a partir de referenciais teórico-

metodológicos diversificados. Conforme Bittencourt (2003), a incorporação dessa

preocupação histórica sobre o currículo remete ao final da década de 1970 e início da

década de 1980, pois foi nesse momento que ocorreram mudanças no processo de se

raciocinar sobre a escola, que passa a ser pensada como um espaço de reprodução e, em

especial, de produção de conhecimento. A partir disso, as disciplinas escolares passaram

a ganhar dimensão de objeto, a fim de que se compreendesse a escola através de seus

próprios processos internos, isto é, com o intuito de possibilitar que se abrisse a ‘caixa

preta’ da escola (FONSECA, XAVIER, VILELA & FERREIRA, 2013).

Page 42: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

42

No Brasil, os estudos em História do Currículo tiveram início apenas no final da

década de 1980, fomentados pelo surgimento de diversas reformas curriculares

resultantes do processo de redemocratização do país. Tais estudos procuraram dialogar,

inicialmente, com duas vertentes internacionais da História do Currículo: a vertente

francesa, cujos principais representantes são André Chervel e Dominique Julia; e a

vertente inglesa, tendo Ivor Goodson como principal referência teórico-metodológica. A

partir da década de 1990, uniu-se a essas duas vertentes uma terceira, estadunidense,

representada por Thomas Popkewitz. A construção de referenciais embasados por essas três

vertentes possibilitou uma diversificação das concepções teórico-metodológicas dos

trabalhos dedicados ao campo da História do Currículo. É nesse contexto que, desde os anos

de 1990, o Núcleo de Estudos de Currículo da Universidade Federal do Rio de Janeiro

(NEC/UFRJ) vem produzindo conhecimento na área, intensificando cada vez mais os

diálogos do campo com a História da Educação e a Historiografia contemporânea.

Especificamente quanto à produção de Ivor Goodson – a que se tornou a mais

conhecida e utilizada no Brasil –, Jaehn & Ferreira (2012) destacam que esta se insere em

uma perspectiva educacional crítica, de aproximação neomarxista. Em consonância com

essa perspectiva, o referido autor desenvolve uma visão crítica do currículo, defendendo a

existência de uma estreita relação entre os processos de seleção, organização e distribuição

do conhecimento e as formas de controle social. Goodson argumenta, então, em favor de

que mobilizações pertinentes à visão crítica da educação poderiam transformar o cenário

social, em especial “quanto ao acesso desigual ao conhecimento entre classes sociais

distintas” (JAEHN & FERREIRA, 2012, p. 259). É nesse contexto que escolho dialogar

de modo preferencial com esse autor, entendendo que as suas produções contribuem

para a ampliação de nossas reflexões acerca dos mecanismos que permeiam as

desigualdades de acesso ao nível superior por alunos oriundos de camadas

socioeconômicas diferentes. De igual modo, elas fomentam a problematização da

construção dos currículos nos diferentes espaços relativos ao objeto analisado, o que

possibilita relacionar a distribuição do conhecimento com lutas sociais mais amplas.

Tal abordagem está associada a uma perspectiva crítica, a qual considera o

currículo uma construção sócio-histórica resultante de disputas por poder travadas entre

diferentes atores sociais capazes de influenciar a elaboração curricular (FONSECA,

XAVIER, VILELA & FERREIRA, 2013). Entendo, ao lado de Ferreira (2005 e 2007b),

que tal concepção sócio-histórica do currículo possibilita a valorização tanto das

influências que venceram tais disputas e se mantiveram no currículo quanto daquelas

Page 43: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

43

que foram silenciadas durante o processo de construção do mesmo. Essa noção de

currículo se contrapõe, portanto, às abordagens curriculares das décadas de 1950 e

1960, cuja atenção era voltada para aspectos estruturais do currículo, destacando a

influência de fatores externos às instituições escolares.

Diante dessa contextualização da noção de currículo com a qual o presente

estudo trabalha, busco dialogar com autores do campo do Currículo que investem em

pesquisas de caráter sócio-histórico, em especial, Ferreira (2005, 2007a, 2007b e 2013);

Fonseca, Torres, Vilela & Ferreira (2013); Gomes (2009); Gomes, Selles & Lopes

(2013); Jaehn & Ferreira (2012) e Vasconcelos & Gomes (2013), além das produções de

autores como Ivor Goodson (1995, 1997 e 2001), referência na área de História do

Currículo no Brasil. De igual modo, busco, fundamentado nestes autores, refletir sobre

as minhas escolhas metodológicas e o uso de certas fontes de estudo.

II. 1. Diálogos com a História do Currículo

Considerando a hipótese de que as diferenças do índice de acesso ao ensino

superior por alunos de distintas classes sociais, assim como a consequente demanda por

Pré-Vestibulares Sociais, sejam influenciadas pelos currículos que têm sido oferecidos a

alunos de camadas de menor poder socioeconômico, interessa-me analisar

historicamente o currículo da disciplina escolar Biologia, considerando-o como um

resultado decorrente de um conjunto de condições socioeconômicas amplas e de

disputas por status, território e poder, em que alguns conhecimentos se tornaram

hegemônicos enquanto outros foram silenciados. Para realizar essa tarefa, busco

dialogar com autores como Goodson (1995, 1997 e 2001) e alguns de seus

interlocutores no Brasil (FERREIRA, 2005, 2007a, 2007b e 2013; GOMES, 2009;

GOMES, SELLES & LOPES, 2013; JAEHN & FERREIRA, 2012; VASCONCELLOS

& GOMES, 2013), os quais me auxiliam a descontruir e a reestruturar uma visão

cronologicamente uniformizada das disciplinas escolares, desnaturalizando os currículos

presentes de modo a não considerá-los como produções estáticas e portadores de alguma

espécie de ‘essência’. Tal perspectiva, na abordagem adotada por Ferreira (2005 e

2007b), está em consonância com uma noção de história que:

De acordo com Burke (1992), contraria a história tradicional nas

seguintes ações: ao desconfiar da objetividade dos fatos históricos,

problematizando tanto as fontes quanto a própria escrita da história; ao

Page 44: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

44

abandonar a narrativa dos acontecimentos e, sob influência de outras

ciências sociais, investir em uma análise que coloca os fatos históricos

em uma perspectiva relacional e contextual; e, por fim, ao ampliar os

materiais de estudo para além dos documentos escritos, possibilitando

a produção de uma ‘história vista de baixo’ que se volta para as visões

e as experiências de pessoas comuns (FERREIRA, 2007b, p. 455).

Nesse estudo, interessa-me produzir uma espécie de ‘história vista de baixo’

voltada para, como já destacado, o modo como a seleção e organização dos

conhecimentos escolares em Biologia participa das lutas mais amplas em torno da

distribuição social do conhecimento. Nesse movimento, em conformidade com Jaehn &

Ferreira (2012), considero que a História do Currículo se compõe articuladamente com

outras vertentes do conhecimento – como a Sociologia do Currículo, a Epistemologia

Social e a História Cultural e Social –, de maneira que tais áreas se inter-relacionam e

produzam estudos que se constituem como híbridos culturais. Para Fonseca, Xavier, Vilela

& Ferreira (2013), a produção em História das Disciplinas tem sido gestada no âmbito de

diferentes “comunidades disciplinares” – no sentido proposto por Goodson (1996 e 1997)

– que disputam o próprio significado desse tipo de pesquisa em campos teóricos distintos:

Assim, sejam mais fortemente filiadas à Sociologia do Currículo,

sejam mais estreitamente relacionadas à História da Educação,

entendemos que as produções em história das disciplinas estão em

constante diálogo com e contra os discursos legitimadores dessa

temática em ambos os campos. Afinal, para Bourdieu (1983), não

existem escolhas – tais como métodos, campo da pesquisa, lugar de

publicação, entre outros – que não estejam relacionadas ao interesse

pelo reconhecimento dos pares, bem como a uma opção

estrategicamente orientada vislumbrando grandes lucros. Portanto, em

síntese, compreendemos que pensar a produção recente em história do

currículo e das disciplinas acadêmicas e escolares significa considerar

os recursos ideológicos e materiais empregados pelos diferentes

sujeitos e subgrupos na busca por hegemonia entre campos científicos

– a Sociologia do Currículo e a História da Educação –, com

produções que obedecem aos padrões elaborados em cada um deles, e

que são legitimadas cientificamente por pesquisadores cuja autoridade

passa pelos espaços ocupados e pelo poder de avaliar e de legitimar a

atividade dos seus pares (FONSECA, XAVIER, VILELA &

Page 45: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

45

FERREIRA, 2013, p. 201).

Entendendo, portanto, a História das Disciplinas no âmbito de lutas sociais mais

amplas entre campos e comunidades disciplinares, busco compreender o currículo da

disciplina escolar Biologia sendo produzido e disputado sócio-historicamente, em

espaços institucionais distintos, tal como o PVS/CEDERJ, em meio a outras disciplinas

escolares e as diversas finalidades da escolarização. A ideia é articular explicações

sociais mais amplas com aquelas de natureza curricular mais localizadas, de maneira a

possibilitar uma análise histórica da disciplina escolar em questão, investigando “a

apreensão de aspectos antes não observados – as ações menos significativas e mais

localizadas -, permitindo que fenômenos já considerados suficientemente descritos

possam ser novamente interpretados” (FERREIRA, 2007b, p. 458).

Em seus escritos sobre a trajetória histórica de diferentes disciplinas escolares –

dentre as quais as disciplinas escolares Ciências e Biologia –, Goodson (1995) propõe

que tais processos podem ser estudados por meio de três conclusões gerais, a partir das

quais busco refletir sobre o meu objeto de estudo. São elas:

A primeira conclusão é que as matérias não constituem entidades

monolíticas, mas amálgamas mutáveis de subgrupos e tradições que,

mediante controvérsia e compromisso, influenciam a direção de

mudança. Em segundo lugar, o processo de se tornar uma matéria

escolar caracteriza a evolução da comunidade, que passa de uma

comunidade que promove objetivos pedagógicos e utilitários para uma

comunidade que define a matéria como uma disciplina acadêmica

ligada com estudiosos de universidades. Em terceiro lugar, o debate

em torno do currículo pode ser interpretado em termos de conflito

entre matérias em relação a status, recursos e território (GOODSON,

1995, p. 120, grifo do autor).

Como destacado, a primeira conclusão geral do autor defende que as disciplinas

são formadas por um conjunto de diversos elementos, subgrupos e tradições, os quais

influenciam a constituição das mesmas, assim como suas possíveis mudanças. Isso

permite que o currículo seja compreendido como “uma invenção de tradições e

subculturas disciplinares” (JAEHN & FERREIRA, 2012, p. 459), com Goodson (1995,

p. 27) adotando a expressão “tradição inventada”, original de Hobsbawm (2008), para

dizer que “a elaboração de currículo pode ser considerada um processo pelo qual se

Page 46: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

46

inventa tradição”. Além disso, ao abordar a história curricular das disciplinas nesse

caminho, Goodson (1995, 1997 e 2001) destaca a ideia de uma constante mudança

curricular, sugerindo a ocorrência de um padrão de transformações sofrido pelas

disciplinas, o que aponta para uma trajetória disciplinar iniciada por uma condição não

integrada no currículo, seguida pela agregação de objetivos utilitários, e, por fim,

consolidada por um processo de ‘academização’, caracterizado, especialmente, pela

valorização do abstrato e do rigor científico. De acordo com essa perspectiva, o padrão

de transformações supracitado “possui estreita relação com as disputas por recursos

materiais e por um interesse na constituição de uma carreira profissional de maior

prestígio” (FERREIRA, 2005, p. 18), fazendo com que os atores sociais envolvidos

formem uma “comunidade disciplinar”, a qual designa um conjunto de sujeitos e de

subgrupos que, em meio às disputas por hegemonia, organizam um campo disciplinar.

Goodson (1997) enfatiza, então, que os estudos históricos no campo do

Currículo devem atentar tanto para as influências dessa “comunidade disciplinar”

quanto para as do contexto social mais amplo sob o qual o currículo é produzido. Tal

preocupação é também evidenciada por Ferreira (2005, p. 19), para quem:

De acordo com Santos (1990), existem inúmeros aspectos que

interferem nas mudanças curriculares: os denominados pela autora de

“fatores internos” dizem respeito às condições de trabalho na própria

área disciplinar– tais como o surgimento de diferentes grupos de

liderança intelectual, a criação de centros acadêmicos de prestígio

atuando na formação de seus profissionais, a organização de

associações profissionais e a política editorial na área, para dar alguns

exemplos –, enquanto os “fatores externos” não se encontram

diretamente relacionados à área disciplinar, mas à política educacional

e aos contextos econômico, social e político mais amplos.

Investigando o ensino secundário inglês, Goodson (2001) destaca que, já no

século XIX, os currículos produzidos com o objetivo de preparar para a vida

profissional e acadêmica eram destinados às classes média e alta, ao passo que as

escolas elementares que educavam a maioria dos alunos acentuavam uma formação de

direcionamento prático. Para o autor, portanto, os currículos encontram-se relacionados

com a origem social e com os destinos ocupacionais dos alunos, promovendo distintas

tradições que vão sendo mais ou menos destinadas a grupos de estudantes com perfis

Page 47: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

47

socioeconômicos diferenciados.

Nessa perspectiva, os currículos são produtores de diferenciações sociais entre

os estudantes, definindo quem sabe e quem não sabe, quem é mais ou menos inteligente,

quem pode e quem não pode prosseguir os estudos. Eles também produzem

diferenciações entre os professores das variadas disciplinas escolares que, participando

de certas comunidades disciplinares – Matemática, Biologia ou Educação Física, para

dar alguns exemplos –, promovem algumas tradições curriculares “em busca de status,

recursos e território” (GOODSON, 1995, p. 120). Nesse caso, tal promoção está

intimamente relacionada aos interesses materiais e de carreira, o que significa que

currículos voltados para a vida profissional e acadêmica possuem um status mais

elevado quando comparados a currículos que servem a uma formação vocacional não

profissional. Citado por Goodson (2001, p. 178), Eggleston (1977, p. 25) afirma o

seguinte sobre a educação secundária inglesa do século XIX:

Uma característica nova e importante que viria persistir, neste período,

foi a redefinição do conhecimento de status elevado como não tendo

utilidade imediata numa vocação ou ocupação. Nessa altura, o estudo

das matérias clássicas passou a ser considerado, essencialmente, como

um treino da mente. O fato de um rapaz poder ser poupado ao trabalho

o tempo suficiente, que lhe permitisse isto, era visto como uma

demonstração não só do status elevado do próprio conhecimento, mas

também, do status do seu receptor – a marca de um “gentleman” , não

de um trabalhador.

A partir dessa análise histórica, Goodson (2001) define três tradições

disciplinares: (i) a tradição acadêmica, que se presta à preparação dos alunos de classes

médias e altas para a vida profissional e acadêmica, de status elevado; (ii) a tradição

utilitária, que está relacionada “com as vocações não profissionais em que a maioria das

pessoas trabalha durante grande parte de sua vida adulta e que, para além das

competências básicas da enumeração e da literacia, inclui a educação comercial e a

técnica” (GOODSON, 2001, p. 179) de status baixo; (iii) a tradição pedagógica,

também de status baixo, caracterizada como uma abordagem educativa centrada na

criança, “não considerando a tarefa da escola como uma preparação para a ‘escala’ das

profissões e da academia ou como a aprendizagem de um trabalho vocacional,

considerando-a, sim, como uma forma de ajudar as ‘inquirições’ e ‘descobertas’ da

Page 48: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

48

própria criança, defendendo, para isso, a utilização de métodos ativos” (GOODSON,

2001, p. 180).

A fim de relacionar o panorama teórico das tradições disciplinares definidas por

Goodson (2001) e o campo empírico desta pesquisa, defendo que o currículo da

disciplina escolar Biologia do PVS/CEDERJ se localiza na articulação entre a tradição

acadêmica, na medida em que busca preparar o público discente para os exames de

acesso ao ensino superior e, por conseguinte, contribuir para o seu desenvolvimento

profissional e acadêmico, e as tradições utilitárias e pedagógicas, utilizando

determinados conteúdos e métodos para o ensino de finalidades igualmente voltadas

para o valor social e/ou pedagógico dos conhecimentos escolares em Biologia.

Entretanto, é importante destacar que, especificamente, a aproximação teórica

entre os Pré-Vestibulares Sociais e as tradições acadêmicas evidencia descontinuidades

contextuais e históricas, especialmente em relação ao público-alvo que frequenta o Pré-

Vestibular Social, que é de menor alcance socioeconômico, diferentemente do público-

alvo dos currículos de tradição acadêmica da Inglaterra do século XIX, que pertencia às

classes sociais média e alta. Assim, nesse contexto, a apropriação dos princípios da

tradição acadêmica por parte dos Pré-Vestibulares Sociais se configura em um

mecanismo de minimização das desigualdades sociais entre estudantes de origens

socioeconômicas diferentes, no que diz respeito ao acesso ao ensino superior.

De modo geral, a função de um Pré-Vestibularse encontra entre as disciplinas

ensinadas na escola e o exame para ingresso no ensino superior. De acordo com

Goodson (2001), a conexão entre as disciplinas ensinadas e os exames externos foi

estabelecida, em sua versão atual, com o nascimento do School Certificate, na

Inglaterra, em 1917. Desde então, o embate acerca do currículo do ensino secundário

começou a assemelhar-se à condição contemporânea, ao focalizar a definição e a

avaliação do conhecimento examinável. No contexto analisado pelo autor, o School

Certificate tornou-se a principal preocupação das escolas que se prestavam às elites

inglesas e confirmou que os conteúdos acadêmicos dominariam o calendário escolar.

Dessa forma, os exames externos – e, analogamente, o currículo dos programas dos

exames brasileiros voltados para o ingresso no ensino superior – influenciam fortemente

os currículos das disciplinas ensinadas nos Pré-vestibulares, sociais ou não. Isso

significa que a seleção de conteúdos dos Pré-Vestibulares é interessada, privilegiando

conteúdos e finalidades acadêmicas em detrimento daquelas de caráter mais utilitário

e/ou pedagógico, o que será mais bem analisado no decorrer desse estudo.

Page 49: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

49

Ainda tomando como precedente histórico a criação, em 1917, do School

Certificate, o exame de ação reguladora dos currículos de ensino secundário na

Inglaterra, podemos utilizar o estudo de Goodson (2001) para refletir acerca da

disciplina escolar Biologia em Pré-Vestibulares Sociais, ainda que guardando as

distâncias espaço-temporais. No caso inglês, configurou-se a necessidade de se ensinar

as disciplinas acadêmicas de uma forma e com o nível de exigência que garantissem o

sucesso no já referido exame. Uma consequência importante do aumento do nível de

exigência do ensino das disciplinas acadêmicas foi, nos anos que se seguiram a 1917, o

desenvolvimento da profissionalização dos professores, o que, por sua vez, culminou na

criação de cursos de formação especializados por disciplinas, a partir das quais os

docentes passaram a se considerar como membros de uma “comunidade disciplinar”,

contribuindo para a segregação entre os professores de disciplinas distintas do nível

secundário.

Essa identificação das disciplinas escolares e de seus profissionais com

“comunidades disciplinares” específicas fomentou a demanda por título e formação

adequadas, acompanhadas de uma organização departamental, o que fortaleceu a

importância do rótulo da disciplina como categoria do exame escolar, do título de grau

ou do curso de formação, do modo de identificação do professor pelos alunos, além da

posição hierárquica de status em relação às demais disciplinas. Dessa maneira, entende-

se que, no caso inglês, a disciplina à qual pertence o docente lhe fornece meios pelos

quais o seu salário e a sua estrutura de carreira é definida, o que reforça a luta por status

e recursos entre as disciplinas escolares. Conforme citação do autor, o Relatório

Norwood, de 1943, ao avaliar tal processo, expressou a seguinte preocupação:

As disciplinas têm-se tornado protetorados pertencentes aos

professores especialistas. Entre elas foram erguidas barreiras e os

professores têm-se sentido pouco qualificados ou pouco livres para

penetrarem nos domínios dos outros colegas. Os valores específicos

de cada disciplina têm sido acentuados, negligenciando-se os que são

comuns a várias ou a todas. O dia escolar acabou por se assemelhar a

uma “corrida dos 100 metros”, em que cada disciplina segue a sua

pista delimitada por uma linha. Entretanto, na nossa opinião, os alunos

correm o risco de serem esquecidos (apud GOODSON, 2001, p. 184).

Entendo que, de certo modo, a estrutura do Pré-Vestibular Social questiona

Page 50: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

50

certos valores que compõem as “comunidades disciplinares”, na medida em que, nesse

modelo, em termos gerais, o rótulo de “disciplina” não é tão rígido quanto ao “grau” ou

ao “curso de formação” específicos. Afinal, analisando o quadro de tutores que

lecionam a disciplina escolar Biologia no PVS/CEDERJ, constatamos que eles provém

de diversos cursos no âmbito da área biomédica (como a Medicina e a Nutrição, além,

obviamente, da própria Biologia – Licenciatura e/ou Bacharelado). Entretanto, torna-se

interessante observar que, em sala de aula, a ação de tais profissionais os insere e os

aproxima da comunidade disciplinar do ensino de Biologia, tornando-os parte das lutas

internas por significar o currículo desse componente curricular em um espaço particular

– o Pré-Vestibular Social – e um público específico.

II. 2. Metodologia

A fim de investigar a disciplina Biologia no PVS/CEDERJ, o presente trabalho

analisa depoimentos de atores envolvidos no PVS/CEDERJ – coordenadores da

disciplina escolar Biologia, tutores dessa mesma disciplina escolar e ex-alunos, que

também são ex-alunos do Ensino Médio da SEEDUC/RJ –, além de documentos

relativos, direta ou indiretamente, ao Pré-Vestibular Social aqui investigado. Nesse uso

combinado de depoimentos e documentos, busco problematizar a noção de fonte, que,

por poder ser das mais diversas, merece, aqui, ser destacada e definida. Em

conformidade com a noção de currículo como uma construção sócio-histórica, o

presente trabalho considera suas fontes como resultados não concluídos, decorrentes de

questões epistemológicas e inúmeros embates envolvendo relações de poder. Tal

perspectiva permite ampliar as informações sobre o objeto analisado, na medida em que

traz à luz a possibilidade de triangulação entre as fontes, o que, por sua vez, demanda

um olhar cauteloso sobre ambas. Afinal, assim como os documentos podem

desconsiderar, em menor ou maior proporção, as ações humanas, de forma análoga, os

depoimentos podem nos direcionar para informações que desconsiderem as estruturas

sociais mais amplas. Sobre essa mesma questão, Ferreira (2005, p. 67), em um profícuo

diálogo com Antônio Flávio Moreira (1994), destaca que:

Esse uso combinado de materiais escritos e orais como fontes em

estudos históricos no campo do Currículo pode nos alertar para os

perigos tanto das explicações que desconsideram a força das

limitações estruturais como daquelas que secundarizam as ações

humanas.

Page 51: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

51

Ao longo dessa análise, conforme supracitado, tanto os depoimentos quanto os

documentos são tomados como construções sociais, produtos de embates entre atores

que buscam legitimar certas visões do passado. No que se refere, especificamente, aos

documentos, interessa-me trata-los como “monumentos”, no sentido proposto por Le

Goff (1996), como produtos sociais gerados a partir de relações de poder, o que,

segundo Ferreira (2005, p. 72), costuma ser pouco abordado em estudos sobre a história

do ensino de Ciências no país. Nessa perspectiva, segundo Le Goff (1996, p. 548):

O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades

históricas para impor ao futuro – voluntária ou involuntariamente –

determinada imagem de si próprias. No limite, não existe um

documento-verdade. Todo o documento é mentira. Cabe ao historiador

não fazer o papel de ingênuo.

A metodologia do presente trabalho se apropria do conceito de

“construcionismo social” desenvolvido por Goodson (1995), o qual se refere à

associação entre as condições político-sociais em que são produzidos os currículos e as

históricas pessoais e profissionais dos sujeitos envolvidos na produção curricular. De

acordo com Jaehn & Ferreira (2012, p. 260-261), esse programa de pesquisa:

Prevê uma análise que combina tanto a construção prescritiva e

política dos currículos quanto suas negociações no âmbito da prática.

Segundo afirmação do próprio autor, o que se deseja é a constituição

de uma “história de ação dentro de uma teoria de contexto”

(GOODSON, 1995, p. 72), focalizando aspectos relacionados às

histórias de vida e às carreiras dos indivíduos, que influenciam a

constituição de grupos como, por exemplo, as profissões ou as

disciplinas acadêmicas e escolares. As transformações que as relações

entre esses indivíduos ou grupos sofrem ao longo do tempo também

são foco desta perspectiva de estudo. Assim, estabelecendo

interligações entre o individual e as estruturas sociais, Goodson (1995,

p. 74) elabora um tipo de análise na qual busca “desenvolver um

entendimento cumulativo dos contextos históricos nos quais está

inserido o currículo contemporâneo”.

Nesse diálogo com Goodson (1995), estou especialmente interessado nas

relações que se estabelecem entre conhecimento e poder, , atentando para as influências

Page 52: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

52

macrossociais na constituição do currículo, o que implica na concepção de que as tais

relações produzem controle social. Sob tal perspectiva, considero a importância de

pensar os depoimentos coletados e os documentos investigados em meio à relações de

poder que os constituíram, utilizando a divisão dos mesmos em três níveis, conforme

formulados por Macedo (2001) e descritos por Ferreira (2005). São eles:

(1o) aqueles que foram produzidos no próprio momento histórico a ser

estudado, englobando desde materiais que nos permitem entender os

contextos macrossociais até aqueles mais vinculados tanto à

instituição focalizada quanto ao próprio currículo e seus atores; (2o) os

documentos posteriormente produzidos, recuperando algo de

considerável importância histórica por meio de trabalhos críticos, de

tentativas analíticas ou de materiais comemorativos; e (3o) os relatos

orais que são produzidos a posteriori, com uma explícita

intencionalidade de pesquisa. Os dois primeiros níveis incluem tanto

os textos oficiais quanto os materiais produzidos no interior da própria

instituição investigada, fazendo parte do chamado currículo escrito

(FERREIRA, 2005, p. 68).

Tomando como referência esses três níveis, investigo as seguintes fontes de

estudo, considerando, como recorte temporal analisado, os períodos de planejamento e

de aulas ministradas no PVS/CEDERJ no ano de 2013: (a) o conteúdo programático de

Biologia do edital de 2013 do ENEM, as apostilas da disciplina escolar Biologia

utilizadas em 2013 no PVS/CEDERJ e o modelo de planejamento das aulas de Biologia

ministradas em 2013 no PVS/CEDERJ; (b) o modelo de relatório sobre as aulas dadas

no PVS/CEDERJ; e (c) entrevistas com professores, coordenadores e ex-alunos, atores

sociais envolvidos na orientação, no planejamento e na execução das aulas de Biologia

no PVS/CEDERJ. Destaco que, conforme colocado anteriormente, tais ex-alunos do

PVS/CEDERJ são também ex-alunos do Ensino Médio da SEEDUC/RJ.

Compreendendo que tais documentos constituem um testemunho dos conflitos e

disputas que envolvem as decisões e ações curriculares, baseio-me em Goodson (2001)

e Ferreira (2005) para ratificar a importância de estudos sobre o currículo escrito.

Considerando que o currículo é resultante de “múltiplas influências – incluindo

embates e disputas decisivas na definição de quais conteúdos, métodos e objetivos são

legítimos” (GOMES, SELLES & LOPES, 2013, p. 479), busco analisar as fontes de

estudo supracitadas de maneira a não naturalizá-las, na medida em que, apoiando-me

Page 53: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

53

em uma abordagem sócio-histórica, procuro sistematizar manutenções e ausências

existentes no currículo do PVS/CEDERJ. Para tanto, na tentativa de se articular

embasamento teórico e metodologia, os documentos aqui analisados são tratados “de

forma a articular relacionalmente a teoria e análise” (NUNES, 1985 apud GOMES,

SELLES & LOPES, 2013), levando em conta continuidades e distinções entre o

currículo de Biologia do PVS/CEDERJ e o currículo mínimo da disciplina escolar

Biologia da SEEDUC/RJ, buscando compreender, entre estes currículos, padrões de

estabilidade e mudança curricular (GOODSON, 1997). Para Ferreira (2005, p. 19):

Essa forma de entender as disciplinas escolares nos permite refletir,

por exemplo, sobre as razões de muitas propostas curriculares

construídas a partir de objetivos supostamente mais integrados

acabarem se estruturando também de modo disciplinar, não se

constituindo como alternativas concretas de mudança curricular. Isso

se deve, em grande parte, à estabilidade desse modelo de organização

curricular – a organização disciplinar –, que foi produzido com base

nos vários embates que se vêm estabelecendo entre as comunidades

disciplinares e os grupos sociais externos a elas. Afinal, Goodson

(1999, p. 115) destaca que “a disciplina se coloca como um arquétipo

da divisão e fragmentação do conhecimento dentro da nossa

sociedade”, encerrando um conjunto de debates e de conflitos que

extrapolam o âmbito de disciplina escolar específica, dizendo respeito

também aos objetivos mais amplos da escolarização.

No que se refere, especificamente, aos depoimentos coletados, considero,

conforme Goodson (1997 apud GOMES, SELLES & LOPES, 2013) destaca, que as

estabilidades e modificações em um padrão disciplinar demandam consentimento dos

atores sociais que exercem influência nos espaços nos quais a disciplina escolar é

construída e/ou ressignificada. Desse modo, o presente trabalho destaca o valor das

entrevistas com professores de Biologia, coordenadores de Biologia e ex-alunos do

PVS/CEDERJ e, simultaneamente, do Ensino Médio da SEEDUC, no sentido de

ampliar a compreensão de possíveis fatores que vêm, sócio-historicamente,

influenciando os padrões de estabilidade e mudança observados nos documentos. Nesse

movimento, ao analisar ambas as fontes já citadas, estive atenta tanto as informações

escritas quanto as que se situam nas ‘entrelinhas’, procurando evidenciar e considerar as

omissões e seleções que permeiam os documentos e as entrevistas analisadas.

Page 54: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

54

CAPÍTULO III

Análise das fontes

No presente capítulo, tenho por objetivo dialogar com as fontes de estudo

utilizadas neste trabalho, buscando evidenciar tanto os resultados obtidos quanto os

mecanismos de análise das mesmas. Como já destacado no Capítulo II, essas fontes

podem ser divididas em três grupos: (a) um primeiro, voltado para os documentos

produzidos no próprio momento histórico investigado, quais sejam, o conteúdo

programático de Biologia do edital de 2013 do ENEM, as apostilas e o modelo de

planejamento das aulas da disciplina escolar Biologia utilizados em 2013 no

PVS/CEDERJ; (b) um segundo, com documento com fins analíticos, que é o modelo de

relatório sobre as aulas dadas no PVS/CEDERJ; e (c) um terceiro, com entrevistas

produzidas a posteriori, com uma explícita intencionalidade de pesquisa, com

professores, coordenadores e ex-alunos, atores sociais envolvidos na orientação, no

planejamento e na execução das aulas de Biologia no PVS/CEDERJ.

Para realizar essa tarefa, organizei o capítulo em duas seções. Na primeira delas,

busco analisar documentos cujas informações curriculares me permitiram refletir sobre

as relações entre o conjunto de conteúdos de Biologia empregados com os alunos de

Ensino Médio das escolas estaduais de ensino básico do Rio de Janeiro, o conjunto de

conteúdos de Biologia oficialmente exigidos pelo ENEM e o conjunto de conteúdos de

Biologia abordados no PVS/CEDERJ. Na segunda seção, dedico-me à análise dos

depoimentos recolhidos para este trabalho, buscando: (i) apresentar os sujeitos

entrevistados e suas respectivas posições; (ii) destacar aspectos recorrentes e peculiares

nas falas dos entrevistados; (iii) compreender como esses sujeitos participam da

comunidade disciplinar do ensino de Biologia. Em ambas, busco estabelecer relações

entre as fontes e o embasamento teórico abordado no capítulo anterior, com vistas a

entender que conteúdos de Biologia os professores têm privilegiado, quais as formas de

organização e seleção dos mesmos, como os critérios utilizados dialogam com as

tradições curriculares da área e, em especial, como todo esse processo se presta às lutas

mais amplas em torno da distribuição social do conhecimento.

III. 1. Disciplina escolar Biologia: o PVS/CEDERJ entre currículos oficiais

A fim de problematizar os conteúdos da disciplina escolar Biologia abordados no

Page 55: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

55

PVS/CEDERJ, busco relacionar o currículo vigente em 2013 com aqueles que

compõem o currículo mínimo dessa disciplina escolar na Secretaria de Educação do

Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC), assim como o programa contido no edital do

ENEM, ambos vigentes também em 2013. Ao analisar dissemelhanças e

correspondências entre os três currículos supracitados, investigo possíveis lacunas no

currículo mínimo da SEEDUC em relação ao programa do edital do ENEM, de modo a

contribuir para uma reflexão consistente acerca de como o PVS/CEDERJ procura

preencher essas possíveis lacunas por meio da construção de seu próprio currículo.

Ressalto, de antemão, que o currículo mínimo da Secretaria de Educação do

Estado do Rio de Janeiro (SEEDUC) já se relaciona com o currículo do ENEM, na

medida em que propõe uma conformidade curricular com os exames nacionais:

Sua finalidade é orientar, de forma clara e objetiva, os itens que não

podem faltar no processo de ensino-aprendizagem, em cada disciplina,

ano de escolaridade e bimestre. Com isso, pode-se garantir uma

essência básica comum a todos e que esteja alinhada com as atuais

necessidades de ensino, identificadas não apenas nas legislações

vigentes, Diretrizes e Parâmetros Curriculares Nacionais, mas também

nas matrizes de referência dos principais exames nacionais e estaduais

(Currículo Mínimo. Ciências e Biologia. Página 2).

Iniciando a análise, destaco que o Currículo Mínimo propõe a seguinte

orientação curricular, em termos de “habilidades e competências” com foco na temática

“Biotecnologia”, para o terceiro bimestre do terceiro ano do Ensino Médio:

Habilidades e Competências.

Foco: Biotecnologia.

- Conhecer a natureza dos projetos genomas, em especial aqueles

existentes no Brasil, e sua importância para o homem e o ambiente.

- Perceber a importância da ética na utilização de informações

genéticas na promoção da saúde humana.

- Identificar as técnicas moleculares utilizadas na detecção e

tratamento de doenças, assim como os testes de DNA, sua importância

e abrangência e os custos envolvidos.

No que se refere a esse mesmo tema – a “Biotecnologia” –, o programa da

disciplina escolar Biologia que se encontra no edital do ENEM de 2013 explicita, como

Page 56: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

56

requisito de conhecimento, a necessidade do aprendizado sobre células-tronco,

clonagem, tecnologia do DNA recombinante, determinação de paternidade e

investigação criminal. Essas são temáticas específicas que, embora implicitamente

contidas nos temas gerais do Currículo Mínimo, não são claramente citadas neste,

fazendo com que sua abordagem dependa da seleção promovida por cada professor

durante a composição do conjunto de temas específicos pertencentes ao tema geral

“Biotecnologia”, condição admitida pelo próprio ideário do Currículo Mínimo. Afinal:

O Currículo Mínimo visa estabelecer harmonia em uma rede de ensino

múltipla e diversa, uma vez que propõe um ponto de partida mínimo –

que precisa ainda ser elaborado e preenchido em cada escola, por cada

professor, com aquilo que lhe é específico, peculiar ou lhe for

apropriado (Currículo Mínimo. Ciências e Biologia. Página 2).

De maneira análoga, ao orientar o conteúdo da disciplina escolar Biologia a ser

ministrado no quarto bimestre da primeira série do Ensino Médio, o Currículo Mínimo

de 2013 da SEEDUC foca em uma outra temática – a “Diversidade dos Seres Vivos” –,

abordando-a, também, de modo relativamente generalista:

Habilidades e Competências.

Foco: Diversidade dos seres vivos.

- Reconhecer a diversidade de seres vivos no planeta, relacionando

suas características aos seus modos de vida e aos seus limites de

distribuição em diferentes ambientes, principalmente os brasileiros.

- Associar os processos genéticos à grande diversidade de espécies no

planeta.

Ao tratar desse mesmo tema – a “Diversidade dos Seres Vivos” –, o programa da

disciplina escolar Biologia que se encontra no edital do ENEM de 2013 expõe mais

detalhadamente que subtemas o estudante precisaria dominar como requisito para um

desempenho satisfatório no referido exame. Assim, ao abordar essa temática, o edital do

ENEM de 2013 fornece orientações mais especificas quando comparado ao Currículo

Mínimo da SEEDUC, enfatizando o estudo sobre vírus, sobre os seres procariontes e

eucariontes, seres autótrofos e heterótrofos, seres unicelulares e pluricelulares, tipos de

ciclo de vida, além das mutações gênicas e cromossômicas, que, dentre outros, são

processos específicos que contribuem para o entendimento da diversidade biológica.

Esse aspecto chama novamente a atenção para a abordagem generalista do Currículo

Page 57: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

57

Mínimo de 2013 da SEEDUC, quando comparada à abordagem da disciplina escolar

Biologia que aparece no conteúdo programático do edital do ENEM de 2013.

O estudo das relações dos seres vivos entre si e com o meio ambiente é

defendido, em ambos os documentos, de modo semelhante ao já analisado. Afinal, o

Currículo Mínimo de 2013 da SEEDUC, no que se refere a disciplina escolar Biologia,

orienta, para o primeiro e o segundo bimestres da terceira série do Ensino Médio, o

estudo da integração “Humanidade e ambiente” e dos “Ecossistemas”, indicando, à

exceção do estudo dos Ciclos Biogeoquímicos, abordagens relativamente gerais da

temática Ecologia:

1º Bimestre.

Habilidades e Competências.

Foco: Humanidade e ambiente.

- Identificar critérios utilizados como indicadores sociais e de

desenvolvimento humano e analisar de forma crítica as consequências

do avanço tecnológico sobre o ambiente.

- Analisar perturbações ambientais, identificando agentes causadores e

seus efeitos em sistemas naturais, produtivos ou sociais.

- Reconhecer a importância dos ciclos biogeoquímicos para a

manutenção da vida, identificando alterações decorrentes de ações

antrópicas e suas consequências.

- Avaliar métodos, processos ou procedimentos utilizados no

diagnóstico e/ou solução de problemas de ordem ambiental

decorrentes de atividades sociais e econômicas.

2º Bimestre.

Habilidades e Competências.

Foco: Os ecossistemas.

- Identificar a importância dos diferentes grupos funcionais e suas

interações na manutenção dos ecossistemas.

- Reconhecer padrões em fenômenos e processos fundamentais em sua

organização.

- Reconhecer a importância do fluxo de energia para a vida e a ação de

agentes ou fenômenos que podem causar alterações nesse processo,

indicando mecanismos de obtenção, transformação e utilização de

energia pelos seres vivos, considerando aspectos biológicos, físicos ou

químicos.

Page 58: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

58

Porém, o programa da disciplina escolar Biologia do Edital do ENEM de 2013

orienta o estudo de temas específicos dentro do mesmo tema geral – a Ecologia –, tais

como: fatores e abióticos dos ecossistemas, habitat, nicho ecológico, teia alimentar,

sucessão ecológica, efeito estufa, desmatamento, erosão, poluição da água e do solo.

Além desses aspectos, que se referem às diferenças encontradas na seleção e na

organização dos conteúdos relativos a temáticas semelhantes – a “Biotecnologia”, a

“Diversidade dos Seres Vivos”, a “Humanidade e ambiente” e os “Ecossistemas” – no

Currículo Mínimo da SEEDUC e no Edital do ENEM de 2013, outros temas que estão

presentes na disciplina escolar Biologia no primeiro documento curricular não

apresentam clara correspondência com o que aparece no segundo. Este é o caso, por

exemplo, do tema Imunologia, que, no programa do edital do ENEM de 2013, é

abordado envolvendo o estudo de conteúdos como antígenos e anticorpos, grupos

sanguíneos, transplantes e doenças autoimunes. Tais assuntos estão, no entanto, ausentes

no Currículo Mínimo que é apresentado para a disciplina escolar Biologia da SEEDUC,

denunciando que, além das diferenças de abordagens de temas semelhantes, ocorrem

também distinções no que diz respeito a temas abordados e não abordados pelos dois

currículos aqui analisados, o que produz uma espécie de ‘hiato’ entre tais currículos.

Pude verificar que, em termos gerais, o Currículo Mínimo que é apresentado

para a disciplina escolar Biologia da SEEDUC aborda os conteúdos de ensino por meio

da designação de temas gerais, sem, no entanto, listar conhecimentos específicos. Essa

configuração vai de encontro ao que é apresentado no programa do ENEM que é

apresentado para o ano de 2013, o qual aborda a disciplina escolar Biologia por meio de

temas específicos que, comparados com a generalização que aparece na organização do

Currículo Mínimo da SEEDUC, podem ou não ser abordados pelo professor em sua

prática docente, autonomia esta, inclusive, defendida oficialmente no documento:

O Currículo Mínimo visa estabelecer harmonia em uma rede de ensino

múltipla e diversa, uma vez que propõe um ponto de partida mínimo –

que precisa ainda ser elaborado e preenchido em cada escola, por cada

professor, com aquilo que lhe é específico, peculiar ou lhe for

apropriado (Currículo Mínimo. Ciências e Biologia. Página 2).

Além do exposto, o Currículo Mínimo da SEEDUC também defende a

minimização das orientações curriculares e a ampliação da autonomia docente, sob a

Page 59: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

59

justificativa de maior adaptação à realidade regional dos educandos. Esse é um aspecto

que, apesar de fazer sentido em meio à lógica no qual é apresentado, não corresponde à

realidade curricular de um exame de caráter nacional, como é o caso do ENEM.

Observe o que é dito no documento curricular da SEEDUC:

Lembramos que estabelecer esse tipo de currículo básico para todas as

escolas da rede estadual do Rio de Janeiro não significa

homogeneização cultural; ao contrário, por ser mínimo, possibilita ao

professor fazer escolhas mais adequadas à diversidade cultural dos

alunos e à realidade de cada escola, já que terá espaço em seu plano de

ensino para inserir os temas que considerar necessários para

aprofundá-lo ou ampliá-lo, considerando a particularização por região

ou mesmo a individualização por turma (Currículo Mínimo. Ciências

e Biologia. Página 3).

Retomando a discussão sobre os ‘hiatos’ que são produzidos na disciplina

escolar Biologia tal como a mesma aparece no Currículo Mínimo da SEEDUC –

informando as escolas de Ensino Médio do Estado do Rio de Janeiro – e nas formas de

ingresso no ensino superior – aspecto aqui abordado por meio no Edital do ENEM de

2013 –, entendo que esta se insere em meio aos debates mais amplos em torno da

distribuição social do conhecimento, tais como formulados por curriculistas como

Goodson (1995, 1997 e 2001). Afinal, para o autor, como apontado no Capítulo II, existe

uma estreita relação entre os processos de seleção e de organização dos conhecimentos

escolares e uma distribuição mais ampla do conhecimento, o que interfere nas formas de

controle social. Isso significa que, em um contexto de Currículo Mínimo, já estamos

produzindo diferenciações que nos colocam e nos posicionam nas disputas sociais mais

amplas.

É nesse contexto que investigo o material didático voltado para a disciplina

escolar Biologia que é utilizado pelo PVS/CEDERJ no ano de 2013, com o propósito de

elucidar em que medida esse currículo procura suprir as ‘lacunas’ existentes entre os

documentos anteriormente analisados: o Currículo Mínimo de Biologia da SEEDUC e

os conteúdos de Biologia do programa do ENEM de 2013. Nesse movimento, busco

constatar que conteúdos de Biologia do programa do ENEM 2013 não são abordados no

Currículo Mínimo, mas constam nas apostilas da disciplina escolar Biologia do

PVS/CEDERJ utilizada no ano de 2013, conteúdos estes os quais localizo, inclusive,

quanto ao módulo e ao capítulo da apostila no qual se encontram.

Page 60: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

60

No que diz respeito aos conteúdos da disciplina escolar Biologia listados no

programa do ENEM 2013 e que não constam no Currículo Mínimo do Ensino Médio

estadual, estes estão presentes na apostila de Biologia do PVS/CEDERJ:

Teia alimentar (Módulo 1. Capítulo 7);

Fatores bióticos e abióticos (Módulo 1. Capítulo 8);

Nicho ecológico e hábitat (Módulo 1. Capítulo 8);

Dinâmica das populações (Módulo 1. Capítulo 8);

Noções sobre células-tronco (Módulo 2. Capítulo 3);

Antígenos e anticorpos (Módulo 2. Capítulo 4);

Transplantes (Módulo 2. Capítulo 4);

Identificação genética dos indivíduos (Módulo 2. Capítulo 5).

Além desses, existem conteúdos de ensino da disciplina escolar Biologia listados

no programa do ENEM 2013 que não constam no Currículo Mínimo para o Ensino

Médio das escolas básicas estaduais, assim como igualmente não constam na apostila de

Biologia do PVS/CEDERJ. São eles:

Histologia animal e vegetal;

Clonagem;

Tecnologia do DNA Recombinante;

Aplicações da Biotecnologia à determinação de paternidade e investigação

criminal;

Grupos sanguíneos (Sistema ABO e Fator Rh);

Doenças autoimunes;

Aconselhamento genético.

Ainda que essa listagem de conteúdos de ensino presentes no edital do ENEM de

2013 e ausentes do Currículo Mínimo para o Ensino Médio da SEEDUC e, em certos

casos, da apostila de Biologia do PVS/CEDERJ não me permita compreender todos os

dilemas envolvidos na distribuição social do conhecimento, ela me fornece interessantes

‘pistas’ para entender os currículos como construções sócio-históricas que, de acordo

com Goodson (1995, 1997 e 2001), são elaboradas por atores e grupos que, em

comunidades disciplinares, disputam status, recursos e território. Compreendendo que,

em certa medida, os conteúdos de Biologia do PVS/CEDERJ se situam em uma espécie

Page 61: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

61

de ‘hiato’ existente entre o Currículo Mínimo de Biologia do Ensino Médio da

SEEDUC e o programa do ENEM, busco trazer elementos para problematizar a questão

de como a seleção e a organização dos conhecimentos escolares em Biologia participam

das lutas mais amplas em torno da distribuição social do conhecimento.

Em uma análise que triangula três documentos curriculares distintos para pensar

a questão anteriormente levantada, considero que o currículo de Biologia do

PVS/CEDERJ ocupa parcialmente as ‘lacunas’ curriculares existentes entre os dois

outros currículos analisados, o que pode ser visto como um importante mecanismo de

luta por uma distribuição socialmente mais justa do conhecimento. Ressalto que o

PVS/CEDERJ é voltado para estudantes cujo perfil é caracterizado por limitações

socioeconômicas e pouco acesso a capital cultural.

A participação da disciplina escolar Biologia do PVS/CEDERJ nas lutas por

uma distribuição socialmente mais justa do conhecimento é evidenciada, por exemplo,

nos modos de abordagem dos assuntos em seu material didático específico, que se

caracteriza pelo desejo de uma construção de maiores diálogos com os alunos,

estimulando o desenvolvimento de habilidades como a leitura de gráficos e

interpretação de charges e fotografias, valorizando os conhecimentos que este traz da

sua vivência, e, consequentemente, estimulando a autoconfiança e a participação desse

aluno nas aulas. Com tal intenção, o material didático de Biologia do PVS/CEDERJ

propõe atividades que, ao serem respondidas a partir da mediação do tutor, o estudante

consegue unir a sua maneira de ver o mundo a um acervo novo de conhecimentos, ao

mesmo tempo em que desenvolve habilidades e competências cognitivas necessárias

não somente à resolução de provas de vestibular, como também à reflexão sobre a sua

própria trajetória. Um exemplo dessa questão aparece a seguir, em um exemplo de

exercício que aborda a temática “dinâmica das populações” a partir de um gráfico e nele

são propostas quatro atividades, assim enunciadas:

Atividade 1: Descreva, de modo sucinto, as variações que ocorrem

com a população de lebres ao longo do tempo de observação. Não

precisa detalhar ano a ano, apenas identificar e descrever o padrão de

variação existente – se houver algum.

Atividade 2: Faça o mesmo para a população de linces.

Atividade 3: Reflita e proponha uma hipótese que relacione as

variações nos tamanhos das populações das duas espécies.

Atividade 4: Proponha uma explicação para a variação na população

Page 62: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

62

de lebres, que não considere a população de linces.

A preocupação com a formação do aluno do PVS/CEDERJ me remete às

tradições curriculares propostas por Goodson (2001), e, mais especificamente,

representa uma articulação entre três tradições: a acadêmica, a utilitária e a pedagógica.

É sobre esse aspecto que me detenho na próxima seção do presente capítulo.

III. 2. Sujeitos, tradições curriculares e comunidade disciplinar

Nesta segunda seção, analiso os depoimentos de atores cujas trajetórias estão

estreitamente relacionadas ao PVS/CEDERJ: dois tutores de Biologia (tutor A e tutor

B), dois ex-alunos (aluno D e aluno E), e um coordenador da disciplina escolar Biologia

(coordenador C). Tal análise foi feita tomando como referência os seguintes aspectos:

(a) aspectos relativos à seleção e organização dos conteúdos; (b) aspectos relativos à

distribuição social do conhecimento; e (c) aspectos relacionados à comunidade

disciplinar do ensino de Biologia, em especial a participação dos tutores nesta. Nela,

procuro explicitar características dos entrevistados quanto às suas concepções de

currículo, às relações com a construção do currículo, aos conteúdos que são mais ou

menos privilegiados ao longo de suas aulas, aos conteúdos que não são abordados nas

suas aulas, e às características do PVS/CEDERJ que o diferenciam de outros pré

vestibulares. A essas características, busco incorporar minhas interpretações sobre

como, a partir de suas abordagens, os professores mesclam as tradições utilitárias,

pedagógicas e acadêmicas, conforme descritas por Ivor Goodson (2001).

Page 63: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

63

De acordo com os depoimentos analisados, a seleção dos conteúdos de Biologia

do PVS/CEDERJ é definida, principalmente, de modo a contemplar um conjunto de

conhecimentos que permitam aos alunos resolverem as questões propostas nas provas

de vestibular, em especial a prova do ENEM, o que me parece indicar, da parte dos

sujeitos entrevistados, uma concepção de currículo como um guia de preparação dos

alunos para a vida profissional e acadêmica, de status elevado. Essa concepção está

estreitamente relacionada à tradição disciplinar acadêmica proposta por Goodson

(2001), a qual, no contexto do PVS/CEDERJ, assume outros contornos, uma vez que se

volta para a preparação de alunos de classes sociais menos favorecidas, e não para a

preparação de alunos das classes média e alta, com a finalidade de torna-los aptos à vida

acadêmica e profissional (GOODSON, 2001). Nesse contexto, são valorizados, em

especial, conteúdos relacionados à Ecologia, aos Impactos Ambientais, à Evolução

Biológica, à Fisiologia Humana e ao Metabolismo Energético; ao passo em que foram

excluídos do currículo da disciplina escolar Biologia do PVS/CEDERJ conteúdos

voltados ao ensino de Histologia Animal e Vegetal, Fisiologia Vegetal e Embriologia.

Neste momento, considero importante direcionar a atenção para quem são os

sujeitos entrevistados e quais as respectivas posições das quais os mesmos estão se

expressando. Com esse intento, ressalto que tanto a entrada no PVS/CEDERJ quanto a

preocupação dos dois tutores entrevistados em relação à aprovação do aluno do

PVS/CEDERJ esbarram em características de suas próprias trajetórias. Para ambos os

tutores – tutor A e tutor B –, é significativo o sentimento de identificação entre as suas

trajetórias e aquelas dos alunos do PVS/CEDERJ, todas marcadas pela sensação de

dificuldade de acessar uma vaga no Ensino Superior por limitantes socioeconômicos –

como baixa renda, distância e baixo capital cultural – e pela demanda por incentivo,

conforme evidenciado nos três fragmentos transcritos a seguir:

No Ensino Médio, a gente não tinha um incentivo para procurar fazer

o vestibular, só quem tinha alguma influência de fora que mostrasse o

caminho. Então, no Ensino Médio, além do ensino não ser direcionado

para o vestibular, não acontece nem um encaminhamento para fazer as

provas. O jovem de hoje tem acesso a muitas coisas, então ele tenta

ocupar o seu tempo com outras coisas. Então, se não tiver alguém para

ajudar, dar um toque nele, no sentido de despertar, ele não procura

garantir o seu futuro (Trecho de depoimento do aluno D).

Page 64: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

64

Eu acho a proposta do PVS/CEDERJ muito interessante, pois são

alunos de baixa renda, alunos que muitas vezes não têm todas as

disciplinas na escola, não têm um ensino regular de boa qualidade, e

querem. E, se existe uma coisa que tem que se valorizar é o querer do

indivíduo. E querer é poder. Porque quando você quer, se determina e

se esforça, o querer te incentiva a correr atrás, e correr atrás faz você

obter o êxito. E foi assim que eu obtive o êxito de passar para

medicina, pois muitos não acreditaram em mim, mas eu tive um pai

que acreditou em mim, eu tive professores que acreditaram em mim, e

isso fez a diferença. E eu gosto de incentivar os sonhos alheios, pois

um dia, um professor, incentivando o meu sonho, acreditando que ele

poderia se tornar realidade, que foi o ponto de partida para ele se

tornar (Trecho de depoimento do tutor A).

A questão social é o meu principal foco de interesse, porque dar

oportunidade a pessoas que não têm condições de alcançar o objetivo

de passar no vestibular foi o que me levou a permanecer no

PVS/CEDERJ. E eu também tenho uma estória parecida com a dos

alunos, vim de escola pública, de uma família que, mal ou bem,

trabalhou, sofreu para pagar, com desconto, um pré vestibular, e eu

estudando por conta própria consegui entrar na universidade. Então, a

gente sabe o quanto é sofrido, o quanto é difícil. Eu me lembrando das

pessoas que conviveram comigo no Ensino Fundamental e no Ensino

Médio, são raríssimas aquelas que chegaram ao nível superior. Que

tenha chegado ao Ensino Superior público, das pessoas que eu

conheço, que tenho contato, ninguém, só eu. Então, quando eu

conheci o PVS/CEDERJ, eu vi que era uma oportunidade de pessoas

com uma estória similar ou pior que a minha terem essa oportunidade

de entrar na universidade (Trecho de depoimento do tutor B).

Mesmo não evidenciando uma identificação pessoal com a trajetória da maior

parte dos alunos do PVS/CEDERJ, o coordenador da disciplina escolar Biologia do

PVS/CEDERJ também explicita um interesse pessoal pelo combate às desigualdades

socioeconômicas e culturais que o PVS/CEDERJ tenta travar, conforme o trecho

transcrito a seguir:

Me interessa o fato de que se trata de uma iniciativa do Estado voltada

Page 65: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

65

para uma faixa da população que dificilmente tem acesso à

universidade. Eu sempre trabalhei em escola pública. Minha

motivação para abraçar esses projetos, essas iniciativas, tem a ver com

o serviço público, com aquilo que eu acho que o Estado deve oferecer

à população, principalmente em áreas que estão fechadas à população

menos favorecida (Trecho de depoimento do coordenador C).

Dessa maneira, a seleção dos conteúdos de Biologia mais abordados, dentro da

concepção dos dois tutores e do coordenador entrevistados, obedece, primordialmente,

ao critério de aumentar a possibilidade de acesso do aluno de baixa renda à

universidade. Entretanto, para o tutor A, além desse critério, a carência que a maior

parte dos alunos apresenta em um ou outro conteúdo específico também condiciona uma

abordagem mais aprofundada de alguns assuntos em detrimentos de outros, conforme

exemplifica o trecho seguir:

Aí eu dou privilégio, por exemplo, ao conteúdo sobre genética, que,

apesar de não ser a matéria mais frequente, cai nas provas, e quando

cai, faz diferença para o aluno, e o aluno geralmente não tem contato

nenhum com genética durante o Ensino Médio. Outro tema: célula. O

aluno não sabe o que é uma célula, o que é uma organela celular. E é

uma matéria bastante frequente. Então, apesar de não haver um

capítulo específico sobre célula no material didático do

PVS/CEDERJ, dentro das aulas, eu vou abordando aquilo que é

interessante, eu tomo essa liberdade. Eu dou o conteúdo que somos

orientados a dar, mas eu vou inserindo observações, detalhes que,

ainda que não estejam na apostila, são relevantes para a prova e,

muitas vezes, o aluno não apresenta um conhecimento prévio. Os

sistemas eu também valorizo muito, pois os alunos também têm

muitas dificuldades. Ecologia, que é uma das matérias que mais caem

no vestibular, sempre caem questões de ecologia, e os alunos não tem

muita noção, então é uma aula que eu tenho todo um carinho para dar,

geralmente faço em Datashow, para ilustrar (Trecho de depoimento do

tutor A).

É importante pontuar que a seleção de conteúdos feita pela coordenação de

Biologia e trabalhada pelos tutores de Biologia do PVS/CEDERJ é também

consequência da noção curricular desses atores, que, no caso do PVS/CEDERJ,

Page 66: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

66

concebem o currículo como um programa regido, primordialmente, por influências

externas, como os conteúdos mais frequentes das provas de vestibular e as trazidas

pelos alunos que chegam ao PVS/CEDERJ, conforme evidencia o trecho a seguir:

É até difícil você falar, em termos acadêmicos, em currículo, quando

se diz respeito a um Pré Vestibular. Porque os conteúdos abordados

por um Pré Vestibular são pautados externamente. Quando o ENEM

passa a fazer parte do vestibular, ele passa a discriminar. Mas, mesmo

assim, ele se pauta pelo currículo das escolas. E aí, você tem um

conflito entre o que a universidade quer e o que a escola pode fazer.

Então, o ENEM tenta pautar o currículo das escolas, conseguindo

parcialmente. O estado não alcança isso esse currículo satisfatório. E o

pré vestibular vem para tapar o buraco daquelas escolas que não

conseguem alcançar isso. Então, nós não temos um currículo pré

concebido, nós não temos uma articulação no sentido acadêmico de

currículo, nós fazemos uma série de recortes sobre aquilo que mais cai

nas provas, e é assim que todos pré vestibulares funcionam (Trecho de

depoimento do coordenador C).

Quanto à organização dos conteúdos de Biologia do currículo do PVS/CEDERJ,

o principal aspecto considerado como responsável pela ordem dos assuntos dispostos no

material didático de Biologia do PVS/CEDERJ é uma preocupação com a formação dos

alunos. De acordo com o coordenador C, por exemplo, a presença de assuntos como

noções gerais de Bioquímica Celular, Evolução Biológica e Fisiologia Humana são

essenciais para que o aluno do PVS/CEDERJ solidifique conceitos básicos, os quais o

permitirão aprender conteúdos mais aprofundados sobre os mesmos assuntos, os quais

são tratados nos capítulos posteriores. Observe:

A ênfase que nós da Biologia optamos por dar foi na formação mais

do que na informação. Com o tempo, nós fomos pensando: “Qual é a

linha mestra da Biologia?”. Evolução é importante. Não dá para você

abordar uma série de temas da Biologia, sem pensar no aspecto

evolutivo. Então, nossos primeiros materiais tinham uma parte sobre

célula: núcleo, hereditariedade, divisão celular, metabolismo celular.

Então, nós organizamos os módulos de maneira que o módulo 1 seja

fundamental. No módulo 2, os dez primeiros capítulos são

fundamentais. Os outros, como nós mesmos dizemos, são capítulos de

aprofundamento, que se remetem aos capítulos anteriores. Então, nós

Page 67: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

67

não esperamos que sejam dadas aulas sobre esses capítulos (Trecho de

depoimento do coordenador C).

A preocupação com a formação dos alunos do PVS/CEDERJ como um dos

principais fatores condicionantes da organização curricular dos conteúdos também

aparece nos depoimentos dos tutores entrevistados, conforme os dois trechos a seguir:

O PVS/CEDERJ trabalha com alunos de baixa renda, oriundos, em

maioria, da rede pública de ensino, alunos que vêm com déficits desde

o Ensino Fundamental. Então é preciso ter essa preocupação com a

formação deles, pois não adianta colocar as matérias que mais caem

no vestibular, e não me preocupar com o fato de que ele não tem base

nenhuma. Então, há essa preocupação, sim, de dar uma base inicial

para o aluno. Eu entendo o PVS/CEDERJ como uma porta de entrada

para o aluno, para ele ver que pode estudar, e que, principalmente por

vontade e iniciativa própria, ele pode passar no vestibular (Trecho de

depoimento do tutor A).

Então, os meus alunos saem da aula com a noção de Biologia não só

como conteúdo para passar numa prova, mas também com uma visão

de como viver bem, como ter uma boa relação com o planeta. Uma

questão para a vida, mesmo (Trecho de depoimento do tutor B).

A coexistência, por parte do coordenador e dos tutores entrevistados, de uma

preocupação em facilitar o acesso do aluno do PVS/CEDERJ à universidade e da

atenção em contribuir para um aprimoramento da formação desses alunos, parece

representar, dentro da disciplina escolar Biologia, um movimento que busca mesclar as

tradições acadêmica – na medida em que o prepara para a vida profissional e acadêmica

–e utilitária – por colaborar para o seu desenvolvimento no que diz respeito a

competências relativas à sua vida prática e à sua visão de mundo (GOODSON, 2001).

Quanto aos materiais utilizados para a seleção e a abordagem dos conteúdos de

ensino, assim como para privilegiar mais alguns conteúdos em detrimento de outros, os

depoimentos divergem significativamente. Preocupado com a formação dos alunos e

aproximando a produção do material didático a aspectos relativos à sua própria

trajetória acadêmica, o coordenador C analisa e utiliza, além das provas de vestibular,

documentos originais sobre experimentos que permitiram a descoberta do conhecimento

Page 68: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

68

abordado na aula, como mostra o trecho a seguir:

Para a seleção de temas, nós vemos aquilo que os vestibulares estão

cobrando, pelas provas e conteúdos programáticos, e baseados na

experiência que nós temos com o Ensino Médio. Nós pensamos sobre

o que é significativo para aquele aluno, naquele contexto, para aquele

objetivo. Para a construção do material, nós, muitas vezes,

pesquisamos os artigos originais dos experimentos que resultaram na

descoberta daqueles conhecimentos (Trecho de depoimento do

coordenador C).

No que concerne aos tutores, esses analisam e utilizam, além do material

didático produzido pela equipe de coordenação de Biologia do PVS/CEDERJ, provas

anteriores de vestibular e livros didáticos de autores legitimados pelo meio docente,

conforme explicitam os dois fragmentos a seguir:

Eu consulto livros de Biologia que são conceituados em Ensino

Médio, como o da Sônia Lopes. Consulto também as provas

anteriores, para me direcionar sobre o que eu posso ou não apresentar

pelas frequências (Trecho de depoimento do tutor A).

Eu estou sempre atento às provas, pela prática de dar aula para o

terceiro ano. Eu tenho uma experiência com os livros didáticos, já

experimentei muitos, e me servem até hoje de apoio para aprofundar

os temas que eu considero importantes. Um exemplo de autor que eu

gosto é o Amabis (Trecho de depoimento do tutor A).

Quanto à preocupação de tornar o ensino de Biologia no PVS/CEDERJ uma

ferramenta de distribuição social do conhecimento, os tutores e o coordenador

consideram, em seus depoimentos, significativamente a situação desigual de acesso a

um ensino médio de qualidade, à qual está exposta a maior parte dos alunos do

PVS/CEDERJ, como relata os dois seguintes trechos:

Nós lidamos com meninos que, por mais que tenham capacidade,

potencial, ao longo da sua escolaridade boa parte deles não teve

oportunidade de desenvolver esse potencial. E ao concorrer com

alunos oriundos de escolas particulares, se eles não desenvolverem,

em um curto período de tempo certas capacidades, hábitos,

“sacações”, habilidades, eles não vão conseguir concorrer (Trecho de

Page 69: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

69

depoimento do coordenador C).

Eu tento puxar mais pelas matérias que são mais cobradas e as

matérias que os alunos têm maior deficiência, que eles não tiveram

contato no Ensino Médio. Eu sempre trabalhei muito com esquema de

aula-extra, porque aqui eu tenho um cronograma de aulas a seguir,

então eu não posso me dar o privilégio de selecionar as matérias que

eu acho que são mais relevantes, que têm maior frequência nas provas

de vestibular. Porém, eu posso dar aula-extra, depois do horário, sem

vínculo com o projeto (Trecho de depoimento do tutor A).

A noção de acesso desigual ao conhecimento e a consequente demanda por

estratégias que busquem amenizar essas diferenças também são refletidas pelos alunos,

como evidencia os dois fragmentos abaixo:

Eu entrei no PVS/CEDERJ porque queria conquistar uma vaga na

faculdade. Sabia que era muito concorrido e eu tinha que ter um bom

preparo além do que eu tinha. O preparo que eu tinha não me

proporcionava a realização do meu sonho (Trecho de depoimento do

aluno D).

Eu percebi que quando eu fosse disputar uma vaga com alunos de

outras escolas, principalmente as escolas particulares, eu iria ter uma

certa desvantagem. E eu achava que o tempo de estudo das escolas

estaduais era muito curto, de sete da manhã até meio-dia é pouco. Eu

via que alguns alunos estudavam de sete da manhã até às três da tarde,

e depois faziam intensivo até as cinco da tarde (Trecho de depoimento

do aluno E).

A fim de analisar o conjunto de aspectos que caracterizam o grupo de tutores da

disciplina Biologia do PVS/CEDERJ, recorro ao conceito de comunidade disciplinar de

Goodson (2001), que defende a ideia de que uma consequência importante do aumento

do nível de exigência do ensino das disciplinas de caráter acadêmico foi a

profissionalização dos professores, os quais passaram a se considerar como membros de

uma comunidade disciplinar específica. Essa profissionalização desenvolveu-se

acompanhada de uma demanda por formação específica que diferenciasse e legitimasse

cada comunidade disciplinar. A partir desse apoio teórico, buscarei, a seguir, traçar

Page 70: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

70

similaridades e dissemelhanças entre o conceito de comunidade disciplinar definido por

Goodson (2001) e o grupo de tutores de Biologia do PVS/CEDERJ, procurando

evidenciar as especificidades desse grupo.

Diferentemente do que Goodson (2001) coloca, os tutores da disciplina escolar

Biologia do PVS/CEDERJ não apresentam, necessariamente, uma única formação

específica. Dessa maneira, além dos tutores provenientes da Licenciatura em Ciências

Biológicas, há inúmeros casos, entre os tutores de Biologia do PVS/CEDERJ, de tutores

oriundos de outros cursos da área Biomédica diferentes da Biologia, como Medicina e

Nutrição. Essa flexibilidade do rótulo de comunidade disciplinar caracteriza uma das

especificidades desse grupo de tutores, e pode ser evidenciada pelo trecho a seguir,

retirado do depoimento do tutor A, que cursa o 11º período de Medicina:

Eu não faço licenciatura nem bacharelado em Biologia. Faço

Medicina. Mas sempre gostei de ensinar, sempre gostei de passar

conhecimento. Porque passando conhecimento, eu aprendia mais, eu

conseguia fixar mais o meu conhecimento, então era algo que me dava

prazer (Trecho de depoimento do tutor A).

Outro aspecto que também caracteriza o grupo de tutores de Biologia do

PVS/CEDERJ, diferenciando-o da concepção usual de quem são os membros da

comunidade disciplinar tal como proposta por Goodson (2001), é o fato de que muitos

desses tutores, tanto os oriundos da Licenciatura em Ciências Biológicas quanto os

provenientes de outros cursos, ainda são graduandos. Esse aspecto vai de encontro à

demanda por uma comprovada formação específica observada na formação de uma

comunidade disciplinar tradicional, e corrobora para a função de que, de acordo com a

proposta da coordenação de Biologia, o PVS/CEDERJ é também um espaço de

formação tanto para alunos quanto para os tutores, como mostra o trecho a seguir:

O PVS/CEDERJ é, sobretudo, um espaço de formação. Achamos que

é essencial considerar que os alunos necessitam de formação antes da

informação. E é um espaço de formação também para o tutor, que

está, a cada aula, avaliando seus resultados, sua retórica, suas

estratégias, enfim, avaliando a sua prática. E isso nós compartilhamos

não só através da leitura dos relatórios mas também através das

capacitações (Trecho de depoimento do coordenador C).

A partir da continuidade da análise dos depoimentos utilizados nesse estudo, o

Page 71: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

71

interesse desse grupo academicamente heterogêneo de tutores em compor a comunidade

disciplinar que caracteriza a equipe de tutores de Biologia do PVS/CEDERJ se justifica

principalmente pela sensibilidade dos tutores e coordenadores à causa da desigualdade

de acesso educacional. Tal evidência sugere que essa sensibilidade, juntamente ao

consequente conjunto de esforços no sentido de democratizar o ensino de qualidade,

tornando-o mais acessível a estudantes de camadas menos favorecidas da população,

sejam alguns dos principais motivos para que, no âmbito do PVS/CEDERJ, o ensino da

disciplina Biologia se insira nas lutas pela distribuição social do conhecimento.

Page 72: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

72

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na conclusão do presente trabalho, pretendo delinear o percurso por mim

desenvolvido na construção desta pesquisa, que teve por objetivo contribuir para a

compreensão de como a disciplina Biologia lecionada no Pré Vestibular Social do

CEDERJ participa das lutas mais amplas pela distribuição social do conhecimento. Para

tanto, exponho, a seguir, uma série consecutiva de passos que precedem e permeiam

toda a produção desta dissertação, passos que se iniciam pela minha trajetória como

professor de pré vestibulares sociais e como participante de um dos grupos de pesquisa

do Núcleo de Estudos do Currículo (NEC/UFRJ), passando para as escolhas do objeto

de pesquisa e das ferramentas teórico-metodológicas que caracterizaram a produção

inicial deste estudo. Após tratar desses momentos, faço uma análise de outros trabalhos

que apresentam aproximação temática com esta pesquisa, e, em seguida, a determinação

das fontes de estudo e das formas de análise que caracterizaram o desenvolvimento

desta dissertação. Por fim, verso sobre os resultados aos quais esta pesquisa chegou, de

maneira a reconhecer suas limitações e a importância da continuação deste estudo por

outros trabalhos.

A produção inicial deste trabalho, que abarca, em especial, o meu interesse pelo

tema tratado e a determinação do recorte espaço-temporal analisado, deveu-se a fatores

que influenciaram minha vida acadêmica e pessoal antes mesmo de meu ingresso no

curso de Mestrado do Programa de Pós Graduação em Educação (PPGE) da Faculdade

de Educação da UFRJ. O primeiro fator que influenciou esta produção foi a minha ativa

participação, durante cerca de sete anos, no corpo docente de pré vestibulares sociais,

principalmente o Curso Pré Universitário de Nova Iguaçu – um curso pertencente à Pró

Reitoria de Extensão da UFRJ, o qual funcionava no Município de Nova Iguaçu – e o

Pré Vestibular Social do CEDERJ – um projeto pertencente à Secretaria de Ciência e

Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro, o qual funciona em diversas áreas ao longo de

todo o estado. Conviver nesses espaços me fez, mais do que lecionar acerca da

disciplina escolar Biologia, refletir sobre os possíveis motivos da necessidade de

existência de projetos como os pré vestibulares sociais, e, mais do que isso, me fez

pensar por que razões essa demanda provém de estudantes de perfil socioeconômico

bastante determinado.

A partir dessa vivência, desenvolvi, nos espaços dos pré vestibulares sociais em

Page 73: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

73

que atuei, minha militância a favor de ações que buscassem reduzir as desigualdades

sociais entre estudantes de classes sociais distintas. E na medida em que, ao longo dos

anos, fui constatando de perto a eficácia dessas ações – ao ver centenas de alunos

socioeconomicamente desfavorecidos, oriundos de famílias sem qualquer histórico ou

perspectiva de vida acadêmica, ingressando em universidades de qualidade, e, com isso,

gerando exemplos simbólicos para outros estudantes de condições socioeconômicas

similares –, tive a necessidade de compreender mais amplamente como a disciplina

escolar que eu leciono – a Biologia – se insere nessas lutas amplas em prol de uma

distribuição mais justa do conhecimento.

Esta necessidade está estreitamente relacionada ao segundo fator que influenciou

a produção inicial deste trabalho. Refiro-me à minha aproximação com o campo do

Currículo, que se deu pelo meu ingresso no grupo de estudos do Núcleo de Estudos do

Currículo (NEC/UFRJ), mais especificamente no Grupo de Estudos em História do

Currículo, que é coordenado pela Prof.ª Dr.ª Marcia Serra Ferreira, minha orientadora

nesta dissertação. A aproximação com o campo do Currículo me apontou caminhos po

meio dos quais dos quais pude tentar compreender como os conteúdos da disciplina

escolar Biologia lecionados nos pré vestibulares sociais participam das lutas mais

amplas pela distribuição social do conhecimento. Estes caminhos me conduziram ao

estudo da História do Currículo, e, mais precisamente, das tradições disciplinares

propostas por Ivor Goodson (2001), que me auxiliaram na tentativa de entender os

precedentes de um cenário educacional caracterizado por profundas diferenças na

abordagem das disciplinas oferecidas para estudantes de camadas sociais distintas.

Desse modo, pude perceber que, desde a Inglaterra do século XIX, aos alunos de menor

poder aquisitivo, filhos de trabalhadores, era oferecido um conjunto de conhecimentos

relacionados à sua vida prática, configurando o que foi denominado por Goodson

(2001) de tradição utilitária. Ao passo que, aos estudantes oriundos de famílias de maior

poder aquisitivo, era oferecido um conjunto de conhecimentos cuja função principal era

prepara-los para a sua carreira acadêmica e profissional, configurando o que foi

denominado por Goodson (2001) de tradição acadêmica. O fato de um aluno de pré

vestibular social trazer diversas lacunas de conhecimento demanda uma preocupação,

por parte dos professores, no que diz respeito à abordagem das disciplinas, o que me

remeteu à terceira tradição disciplinar de definida por Goodson (2001), a tradição

pedagógica, a qual é centrada no aprendizado do estudante.

A partir dessa aproximação com o campo do Currículo, pude verificar que o

Page 74: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

74

conceito de comunidade disciplinar de Goodson (2001) apontava importantes

características peculiares ao PVS/CEDERJ, uma vez que nos pré vestibulares sociais

nem sempre os profissionais são graduados em suas áreas de atuação. De acordo com

Goodson (2001), uma comunidade disciplinar demanda uma formação específica,

aspecto que não se verifica no PVS/CEDERJ, cujo corpo de tutores da disciplina escolar

Biologia é formado por graduandos e graduados em Biologia e em outras carreiras da

área Biomédica, como Nutrição e Medicina. Este aspecto me estimulou a investigar que

características seriam responsáveis por esses estudantes e profissionais formarem uma

mesma comunidade disciplinar. A partir da análise das fontes, a principal questão

comum a esses tutores é o interesse em diminuir as desigualdades educacionais de

acesso ao ensino superior por estudantes de diferentes perfis socioeconômicos, interesse

este que, na maioria dos casos, é fruto da identificação dos tutores – que, em muitos dos

casos, também são oriundos de camadas menos privilegiadas da população – com a

trajetória dos alunos.

O desenvolvimento desta pesquisa se inicia pela análise de trabalhos afins,

considerando que este estudo apresenta, quanto à sua proposta temática, ao seu

embasamento teórico e à sua metodologia, aspectos comuns a outros trabalhos. A partir

desta ideia, analisei outros estudos que abordam, isoladamente ou de maneira articulada,

os temas “pré vestibulares sociais”, “currículo” e “ensino de Biologia”. Ao analisar tais

trabalhos, levei em conta dois interesses: primeiramente, investigar como o meu estudo

se insere no conjunto de trabalhos com temáticas e propostas teórico-metodológicas

próximas às de minha pesquisa, buscando definir que semelhanças e que diferenças meu

estudo traz a esse conjunto de trabalhos; e buscar contribuições teórico-metodológicas.

O progresso deste trabalho também é fruto de um conjunto de escolhas sobre as

direções da análise de minha questão central. Esse conjunto de escolhas diz respeito,

primeiramente, à definição do objeto deste estudo, o PVS/CEDERJ, que, além de eu

conhecer bem por ter feito parte de seu corpo de tutores, é uma instituição

hierarquicamente organizada e que apresenta um currículo de Biologia materializado em

um material didático construído por uma coordenação específica e utilizado por todos os

tutores, o que me garante boas fontes de estudo.

Um segundo aspecto relacionado ao direcionamento desta pesquisa é a

determinação das fontes. A fim de tentar compreender as peculiaridades do objeto de

pesquisa, escolhi analisar, considerando o recorte temporal do ano de 2013, o Currículo

Mínimo de Biologia produzido pela SEEDUC, o programa relativo aos conteúdos de

Page 75: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

75

Biologia do ENEM, e o material didático produzido pela coordenação de Biologia do

PVS/CEDERJ, além de depoimentos de alunos, tutores e coordenador de Biologia. Para

definir estas escolhas metodológicas, considerei a relação de complementariedade entre

essas duas fontes, na medida em que o material didático geralmente desconsidera a

ações humanas, assim como os depoimentos costumam se configurar como seleções das

informações pertinentes ao objeto de pesquisa.

Um terceiro aspecto concernente ao conjunto de escolhas que permearam o

desenvolvimento deste estudo foi o perfil de análise das fontes escolhidas.

Relativamente aos documentos, me interessou investigar quais eram os conteúdos da

disciplina escolar Biologia que, ao mesmo tempo, constavam no programa de Biologia

do ENEM mas não constavam no Currículo Mínimo de Biologia da SEEDUC, e mais

do que isso, quais destes conteúdos eram contemplados pelo currículo observado no

material didático de Biologia do PVS/CEDERJ, no sentido de compreender em que

medida esse o currículo de Biologia supre as possíveis ‘lacunas’ entre o Currículo

Mínimo de Biologia da SEEDUC e o programa de Biologia do ENEM.

Ainda sobre o perfil de análise das fontes, no que diz respeito às entrevistas,

preocupei-me em investigar a concepção de currículo dos entrevistados, quais os

conteúdos mais abordados, quais os conteúdos menos abordados, quais conteúdos não

são abordados, qual o pensamento dos entrevistados sobre a função do PVS/CEDERJ e

o que pode diferencia-lo de outros pré vestibulares, quais as especificidades da

comunidade disciplinar da qual fazem parte. A partir dessa preocupação, criei categorias

de análise para estudar os depoimentos. A primeira categoria de análise diz respeito à

organização, seleção e finalidades dos conteúdos de Biologia lecionados no

PVS/CEDERJ. A segunda categoria de análise diz respeito às noções de distribuição

social do conhecimento que influenciam as funções dos tutores. Por fim, a terceira

categoria de análise se configura acerca da comunidade disciplinar formada pelos

tutores de Biologia do PVS/CEDERJ, em especial, como os tutores percebem a sua

prática no âmbito de um pré vestibular social, e quais fatores influenciaram tais tutores a

fim de que se interessassem em compor esta comunidade disciplinar específica.

Os resultados das análises dos documentos e dos depoimentos recolhidos para

esta pesquisa apontam que o ensino da disciplina escolar Biologia lecionada no

PVS/CEDERJ se insere nas lutas mais amplas por uma distribuição social do

conhecimento. Isso ocorre na medida em que, curricularmente, os conteúdos de

Biologia abordados pelo PVS/CEDERJ ocupam parcialmente o ‘hiato’ existente entre o

Page 76: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

76

Currículo Mínimo de Biologia da SEEDUC e o programa de Biologia do ENEM, por

abranger uma série parcial de conhecimentos que o Currículo Mínimo de Biologia da

SEEDUC não aborda, e que são demandados pelo programa de Biologia do ENEM.

Mais do que isso, os resultados deste estudo indicam que a comunidade disciplinar

formada pelos tutores de Biologia do PVS/CEDERJ, ao contrário de uma comunidade

disciplinar tradicional, não é caracterizada por uma formação específica, mas por um

conjunto de interesses que incluem o aprimoramento didático e a preocupação com a

formação do aluno. Os depoimentos mostraram que tal conjunto de interesses parte,

primordialmente, de um movimento em defesa de uma distribuição mais justa do

conhecimento e de uma identificação pessoal destes tutores com a trajetória dos alunos.

Assim, a análise dos depoimentos dos ex-alunos do PVS/CEDERJ aponta que esta

preocupação social é refletida pelos alunos, cujos depoimentos demonstram certa

consciência em relação às diferenças de abordagem, orientação e empenho didático

entre os profissionais de seu Ensino Médio e a figura do tutor de Biologia.

Para concluir estas considerações, ressalto que este trabalho não visa, em

hipótese alguma, esgotar o estudo realizado. Desse modo, defendo que um grande

número de questões pode ser levantado à luz desta temática, como, por exemplo, como

outros pré vestibulares sociais participam desta luta por uma distribuição igualitária do

conhecimento, que ferramentas didático-metodológicas são e/ou podem ser utilizadas no

processo de distribuição social do conhecimento, além de quais outros possíveis

precedentes influenciaram a distribuição do conhecimento necessário para o acesso ao

Ensino Superior no país. Termino, por fim, esta dissertação destacando que este estudo,

por tanger a desigualdade social através da distribuição do conhecimento, assunto ainda

muito mal resolvido no Brasil, necessita de continuidade em sua reflexão, o que sugere

o desenvolvimento de pesquisas futuras sobre a temática aqui abordada.

Page 77: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

77

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BARCELLOS, L. F. Jovens de Pré-Vestibulares Comunitários na PUC-Rio:

Experiências e Táticas no Convívio com a Alteridade. Dissertação de Mestrado. PUC-

RIO, 2007.

BARROUIN, A. W. Juventude e Política: O Pré-VestibularComunitário enquanto

espaço de subjetivação. Dissertação de mestrado. PUC, 2012.

BUSNARDO, F. de M. G. A comunidade disciplinar de ensino de Biologia na produção

de políticas de currículo. Dissertação de mestrado. Universidade do Estado do Rio de

Janeiro, 2010

CORRÊA, L. J. L. Cursinho Popular: Estudo sobre a trajetória de estudantes das classes

trabalhadoras. Dissertação de mestrado. PUC-Campinas, 2011.

CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de

pesquisa. Teoria e Educação (2). Porto Alegre, 1990. (p. 177-229).

FERNANDES, K. O. B. Currículo de Ciências: Investigando Sentidos de Formação

Continuada como Extensão Universitária. Dissertação de mestrado. Universidade

Federal do Rio de Janeiro, 2012.

FERREIRA, M. S. A História da Disciplina Escolar Ciências no Colégio Pedro II

(1960- 1980). Tese de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2005.

FERREIRA, M. S. Como investigar a história da pesquisa em ensino de Ciências no

Brasil? Reflexões teórico-metodológicas. In: NARDI, R. (Org.). A pesquisa em Ensino

de Ciências no Brasil: alguns recortes. São Paulo: Escrituras, 2007

FERREIRA, M. S. & JAEHN, L. Perspectivas para uma história do currículo: as

contribuições de Ivor Goodson e Thomas Popkewitz. Currículo sem Fronteiras, v. 12, n.

3, p. 256-272, Set/Dez 2012.

FONSECA, M. V. R.; XAVIER, M. T.; VILELA, C. de L. & FERREIRA, M. S.

Panorama da produção brasileira em história do currículo e das disciplinas acadêmicas e

escolares (2000-2010):entre a História da Educação e a Sociologia do Currículo. Rev.

bras. hist. educ., Campinas-SP, v. 13, n. 1 (31), p. 193-225, jan./abr. 2013.

FONSECA, M. V. R. A disciplina acadêmica Didática Geral na Faculdade Nacional de

Filosofia (1939-1968): arqueologia de um discurso. Tese de Doutorado. niversidade

Page 78: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

78

Federal do Rio de Janeiro, 2014.

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra. 2002.

GOMES, M. M. Conhecimentos ecológicos em livros didáticos de ciências: aspectos

sócio-históricos de sua constituição. Tese de Doutorado. Universidade Federal

Fluminense, Niterói, 2008.

GOMES, M. M.; SELLES, S. E. & LOPES, A. C. Currículo de Ciências: estabilidade e

mudança em livros didáticos. Educ. Pesqui., São Paulo, v. 39, n. 2, p. 477-492, abr./jun.

2013.

GOMES, M. M. & VASCONCELOS, M. de A. Ecologia: investigando aspectos

constitutivos do currículo de biologia em livros didáticos. VIII ENPEC – Encontro

Nacional de Pesquisa em Educação em Ciências. 2012.

GOODSON, I. F. The Making of Curriculum: Collected Essays. London: Falmer Press,

1988.

GOODSON, I. F. Currículo: Teoria e História. Petrópolis: Vozes, 1995a.

GOODSON, I. F. A Construção Social do Currículo. Lisboa: Educa, 1997.

GOODSON, I. F. O Currículo em Mudança. Lisboa, PT: Porto Editora, 2001.

JAEHN, L. Conhecimento e poder na história do pensamento curricular Brasileiro. Tese

de Doutorado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

LE GOFF, J. Documento/monumento. In: LE GOFF, J. História e Memória. Campinas:

Editora da UNICAMP, 1996. (p. 535-553)

LIMA, L. T. S. Políticas Curriculares para a Formação de Professores em Ciências

Biológicas: investigando sentidos de prática. Dissertação de Mestrado. Universidade

Federal do Rio de Janeiro, 2008.

LUCAS, M. C. Formação de professores de Ciências e Biologia nas décadas de

1960/70: entre tradições e inovações curriculares. Dissertação de Mestrado.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2014.

MACEDO, E. Aspectos metodológicos em História do Currículo. In: OLIVEIRA, I. B.

& ALVES, N. (orgs.) Pesquisa no/do Cotidiano das Escolas. Rio de Janeiro: DP&A,

2001. (p. 131-148)

MALDANER, O. A. Situações de estudo no ensino médio: nova compreensão de

educação básica. In: NARDI, R. (Org.). A pesquisa em Ensino de Ciências no Brasil:

Page 79: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

79

alguns recortes. São Paulo: Escrituras, 2007

NASCIMENTO, A. Movimentos Sociais, Educação e Cidadania: Um estudo sobre os

cursos Pré-Vestibulares Populares. Dissertação de mestrado. Universidade do Estado do

Rio de Janeiro, 1999.

NASCIMENTO, E. Jovens e educação superior: as aspirações de estudantes de cursos

pré-vestibulares populares. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 2009.

OLIVEIRA, C. S. de. Educação Ambiental na Escola: diálogos com as disciplinas

escolares Ciências e Biologia. Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio de

Janeiro, 2009.

RIBEIRO, V. K. Abordagem dos conteúdos de Biologia Celular em cursos de Ciências

Biológicas e sua relação com as avaliações nacionais. Tese de doutorado. Universidade

Estadual de Campinas, 2011.

ROQUETTE, D. A. G. Modernização e retórica evolucionista no currículo de Biologia:

Investigando livros didáticos das décadas de 1960/70. Dissertação de mestrado.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

SAFFIOTTI, A. Crise e transformação: um estudo sobre a experiência de alunos de

baixa renda num Cursinho Popular. Dissertação de mestrado. Universidade de São

Paulo, 2008.

SANGER, D. S. Para além do ingresso na universidade – Radiografando os Cursos Pré-

Vestibulares para negros em Porto Alegre. Dissertação de mestrado. Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, 2003.

SANTOS, A. V. F. dos. Investigando a disciplina escolar Educação Ambiental em

Armação dos Búzios, RJ: entre histórias e políticas de currículo. Dissertação de

mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010.

SANTOS, J. S. dos. Avaliação dos conteúdos de Biologia Celular no Ensino Médio:

Estudo de caso sobre a prática docente e sua relação com exames de ingresso no Ensino

Superior. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Campinas, 2008.

SANTOS, L. L. C. P. História das disciplinas escolares: perspectivas de análise. Teoria e

Educação (2). Porto Alegre, 1990. (p. 21-29)

SANTOS, S. B. O Sentido Político do Pré-VestibularComunitário da Maré: Adesões e

resistências. Dissertação de mestrado. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2007.

SETTIN, I. C. Elaboração, aplicação e avaliação de um curso à distância para pré-

Page 80: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

80

vestibulandos com ênfase no ensino de Biologia. Dissertação de mestrado. Universidade

Estadual de Campinas, 2004.

SIVA, C. B. Percepções sobre a matriz curricular do ENEM para a disciplina de

Biologia nas escolas de Santa Maria. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de

Santa Maria, 2011.

SILVA, J. E. M. Vestibular na UFC: Implicações para o Ensino Médio – Um estudo de

caso a partir das mudanças realizadas de 1978 a 2004. Dissertação de mestrado.

Universidade Federal do Ceará, 2007.

SILVA, M. A. J. Aprender para a vida e para o vestibular: o alfabetismo científico e a

construção social de conceitos biológicos entre estudantes de cursos Pré-Vestibulares

Comunitários. Tese de doutorado. PUC-RIO, 2006.

TEIXEIRA, P. M. M. Pesquisa em ensino de Biologia no Brasil [1972-2004]: um estudo

baseado em dissertações e teses. Tese de doutorado. Universidade Estadual de

Campinas, 2008.

TERRERI, L. S. L. Políticas Curriculares para a Formação de Professores em Ciências

Biológicas: Investigando Sentidos de Prática. Dissertação de mestrado. Universidade

Federal do Rio de Janeiro, 2012.

VALERIANO, S. M. S. Um estudo de ideologia – Educação cidadã: Uma análise sobre

as motivações e aspirações dos alunos da ONG EDUCAFRO. Dissertação de mestrado.

Universidade Metodista de São Paulo, 2006.

VALLA, D. F. Currículos de Ciências (1950/70): influências do professor Ayrton

Gonçalves da Silva na comunidade disciplinar e na experimentação didática.

Dissertação de mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2011.

Page 81: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

81

ANEXO 1

Roteiro das entrevistas realizadas com coordenador de Biologia e tutores de Biologia

atuantes no PVS/Cederj 2013:

1- Como você veio atuar no PVS/CEDERJ? O que tem te interessado nessa experiência

profissional?

2- Que conteúdos de Biologia você privilegia no currículo dessa disciplina?

3- Que conteúdos de Biologia você aborda menos ou deixa de fora?

4- Que critérios você usa para selecionar quais conteúdos privilegiar e não privilegiar?

5- Que materiais você consulta para auxiliar nessas decisões?

6- Como você percebe a relação entre o currículo de Biologia elaborado no

PVS/CEDERJ e os exames pré-vestibulares?

7– Como você percebe a relação entre o currículo de Biologia elaborado no

PVS/CEDERJ e a formação dos alunos?

8– Como você percebe a relação entre o currículo de Biologia elaborado no

PVS/CEDERJ e o currículo oferecido pelo estado?

9– Como você percebe a relação entre o currículo oferecido pelo estado e os exames

pré-vestibulares?

10– Como você percebe, ao longo do ano, o papel das aulas de Biologia do

PVS/CEDERJ na reflexão dos alunos em relação às condições sociais em que estão

inseridos? Há algum exemplo de reflexão, vinda dos alunos, na tentativa de

problematizar as condições sociais que permeiam as suas trajetórias?

Page 82: Currículo e Distribuição Social do Conhecimento: Investigando um

82

ANEXO 2

Roteiro das entrevistas realizadas com ex-alunos do PVS/Cederj 2013:

1-Quais fatores o levaram a buscar uma vaga no PVS/CEDERJ?

2- Que diferenças você percebe nas aulas de Biologia do PVS/CEDERJ em relação as

do Ensino Médio? Que aspectos são semelhantes?

3- A que você atribui essas diferenças e semelhanças?

4- Após concluir um ano de estudos no PVS/CEDERJ e, tendo feito os exames

vestibulares, como você percebe as contribuições das aulas de Biologia do

PVS/CEDERJ para os conhecimentos cobrados na prova do ENEM de seu ano de

vestibular? E o que faltou nessas aulas?

5- Você acha que as aulas do PVS/CEDERJ contribuíram para a sua reflexão atual sobre

as condições sociais em que está inserido? Em caso afirmativo, quais foram essas

contribuições?