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CURRÍCULO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UM OLHAR SOBRE AS DIMENSÕES DA PESQUISA, DIDÁTICA E PRÁTICAS CURRICULARES NO CURSO DE PEDAGOGIA Este painel discute a formação de professores, especificamente o currículo do curso de Pedagogia, tomando como base a contribuição do Ciclo de Políticas de Ball (BALL, 2001), para evidenciar as dimensões da Pesquisa, Didática e Práticas Curriculares no âmbito da formação e do currículo pensado-vivido. Apesar das especificidades dos campos empíricos e das diferentes teorias, os trabalhos apresentam a formação e o discurso como movimento. O primeiro trabalho, intitulado “A pesquisa como componente curricular no curso de pedagogia” evidencia como o componente pesquisa se configura na história curricular do curso, da sua gênese ao currículo do curso de Pedagogia do CERES/UFRN. O segundo texto, intitulado “Relações entre o eixo pesquisa, prática pedagógica e as mudanças na prática curricular de professores experientes”, analisa o movimento entre os conteúdos da formação e a prática docente, tendo como foco o eixo de Pesquisa e Prática Pedagógica no projeto pedagógico do curso de Pedagogia e sua relação com estudantes-professores. O terceiro texto, intitulado “O componente curricular Didática no curso de Pedagogia: sentidos revelados nas publicações do ENDIPE”, aborda a relação entre os sentidos da Didática nas produções do ENDIPE e o curso de Pedagogia, uma vez que a Didática enquanto componente curricular da Pedagogia emerge como espaço de práxis docente, tendo o processo de ensino-aprendizagem como objeto. Ambos os trabalhos apontam o movimento entre os contextos curriculares, assim como as práticas curriculares que são contextualizadas no campo da formação e do currículo enquanto contexto de influência, contexto do texto e contexto da prática, no qual os mesmos são reconfigurados no âmbito da produção e das práticas curriculares. Palavras-Chave: Formação De Professores, Currículo, Curso De Pedagogia XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 968 ISSN 2177-336X

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CURRÍCULO DA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UM OLHAR SOBRE AS

DIMENSÕES DA PESQUISA, DIDÁTICA E PRÁTICAS CURRICULARES NO

CURSO DE PEDAGOGIA

Este painel discute a formação de professores, especificamente o currículo do curso de

Pedagogia, tomando como base a contribuição do Ciclo de Políticas de Ball (BALL,

2001), para evidenciar as dimensões da Pesquisa, Didática e Práticas Curriculares no

âmbito da formação e do currículo pensado-vivido. Apesar das especificidades dos

campos empíricos e das diferentes teorias, os trabalhos apresentam a formação e o

discurso como movimento. O primeiro trabalho, intitulado “A pesquisa como

componente curricular no curso de pedagogia” evidencia como o componente pesquisa

se configura na história curricular do curso, da sua gênese ao currículo do curso de

Pedagogia do CERES/UFRN. O segundo texto, intitulado “Relações entre o eixo

pesquisa, prática pedagógica e as mudanças na prática curricular de professores

experientes”, analisa o movimento entre os conteúdos da formação e a prática docente,

tendo como foco o eixo de Pesquisa e Prática Pedagógica no projeto pedagógico do

curso de Pedagogia e sua relação com estudantes-professores. O terceiro texto,

intitulado “O componente curricular Didática no curso de Pedagogia: sentidos revelados

nas publicações do ENDIPE”, aborda a relação entre os sentidos da Didática nas

produções do ENDIPE e o curso de Pedagogia, uma vez que a Didática enquanto

componente curricular da Pedagogia emerge como espaço de práxis docente, tendo o

processo de ensino-aprendizagem como objeto. Ambos os trabalhos apontam o

movimento entre os contextos curriculares, assim como as práticas curriculares que são

contextualizadas no campo da formação e do currículo enquanto contexto de influência,

contexto do texto e contexto da prática, no qual os mesmos são reconfigurados no

âmbito da produção e das práticas curriculares.

Palavras-Chave: Formação De Professores, Currículo, Curso De Pedagogia

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

968ISSN 2177-336X

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O COMPONENTE CURRICULAR DIDÁTICA NO CURSO DE PEDAGOGIA:

SENTIDOS REVELADOS NAS PUBLICAÇÕES DO ENDIPE

Maria Angélica da Silva – UFPE/CAA

Lucinalva Andrade Ataíde de Almeida – UFPE/CAA

RESUMO:

O presente estudo objetivou dialogar com os sentidos da Didática no curso de

Pedagogia revelados no ENDIPE, a partir da análise teórica das publicações entre os

anos de 2002 a 2010. Para tanto, buscamos compreender o movimento entre os sentidos

da Didática e seu diálogo com o curso de Pedagogia à luz da análise do discurso

(ORLANDI, 2010), uma vez que nos filiamos à compreensão de que nenhum discurso

se constrói isoladamente e tampouco fixa sentidos últimos. Nesse viés, acreditamos no

movimento, inconcluso e incompleto, da produção de sentidos que emergem dos

discursos. Assim, estabelecemos um diálogo teórico acerca da Didática e seu lugar na

Pedagogia, a partir de autores como Libâneo (2013) e Leite (2013) concomitante a

análise dos sentidos que tem sido construídos acerca deste componente curricular nos

estudos socializados no ENDIPE. Nessa direção, identificamos que vem se construindo

um sentido de Didática como espaço de práxis docente, como espaço que possibilita a

articulação teórico-prática tendo o processo de ensino-aprendizagem como objeto,

fornecendo bases para um exercício profissional prático a partir de uma sustentada

reflexão teórica. Frente a isto, os estudos analisados evidenciaram que a Didática tem

reafirmado o seu lugar a partir do sentido que lhe é reconhecido de contribuir para o

aprendizado docente na formação inicial, contributo que não apresenta um caráter

homogêneo. Pois, conforme autores como Mate (2008) e Rivas (2010), as

aprendizagens são constituídas pelas especificidades dos contextos sociais e históricos,

imbricadas com as tensões e negociações característicos das políticas educacionais e

curriculares para a formação de professores.

PALAVRAS-CHAVE: Sentidos. Didática. Pedagogia.

Introdução

O presente estudo trata-se do recorte de uma pesquisa maiori que abordou as

contribuições do componente curricular da Didática para a construção de

profissionalidades docentes. Nessa direção, aqui nos propusemos a dialogar com os

sentidos da Didática no curso de Pedagogia revelados nas publicações do ENDIPE.

Para tanto, realizamos uma análise das produções socializadas nas reuniões do

ENDIPE nos anos de 2002, 2006, 2008 e 2010, que se estabeleceu a partir da leitura de

38 artigos relacionados a temática Didática e Formação de Professores. Sendo assim, as

publicações, ao mesmo tempo que são objeto de análise, constituíram-se também como

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referencial teórico deste artigo. Diante disto, ao longo do texto sinalizaremos os autores

oriundos do ENDIPE através de asteriscos (*) ao lado de suas chamadas de autoria.

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Para o desenvolvimento deste estudo, após a leitura sistemática dos artigos,

realizamos uma categorização teórica dos núcleos de sentidos dos enunciados presentes

nos discursos dos autores. Mediante esta fase que permitiu lapidar os enunciados,

realizamos uma análise fundamentada em teóricos clássicos e contemporâneos (como os

próprios autores dos artigos publicados no ENDIPE).

Compreendendo as produções como discursos em movimento, nos quais os

sentidos se encontram imbricados entre si e com os contextos de produção, nosso estudo

pauta-se na análise do discurso (ORLANDI, 2010) que, enquanto abordagem teórico-

metodológica, nos possibilita compreender as influências das formações discursivas e

suas relações com o contexto na produção de sentidos.

O estudo por meio dos sentidos nos permite uma relação mais flexível com os

discursos, pois com base nessa abordagem teórico-metodológica “nem sujeitos nem

sentidos estão completos, já feitos, constituídos definitivamente. Constituem-se e

funcionam sob o modo do entremeio, da relação, da falta, do movimento” (ORLANDI,

2010, p. 52).

Sendo assim, a seguir tratamos dos sentidos de Didática no curso de Pedagogia

revelados pelas produções discursivas do ENDIPE, evidenciando extratos das

publicações e revelando enunciados que nos permitem construir reflexões acerca dos

lugares que tem assumido este componente curricular no curso de Pedagogia,

compreendendo os sentidos já construídos como possibilidades de um novo dizer que é

constantemente construído e ressignificado pelos sujeitos nos mais variados tempos e

contextos históricos.

O movimento de sentidos acerca da didática nas produções discursivas do ENDIPE

As pesquisas realizadas nos últimos anos na área de educação têm refletido a

preocupação de professores e pesquisadores quanto à importância e o lugar da Didática

na formação docente, tendo em vista ser um campo disciplinar que visa compreender a

educação no que há de mais específico, em seu processo de ensino-aprendizagem. Para

conhecermos como tem ocorrido o movimento de construção de sentidos em torno da

Didática na formação de professores, lançamos um olhar acerca do que vem sendo

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produzido no meio acadêmico o que nos possibilitou o diálogo entre o já dito e os

sentidos emergentes.

Face a este movimento, percebemos que no contexto acadêmico ampliam-se as

discussões acerca da relação entre a teoria e a prática nos cursos de formação de

professores e a Didática tem sido visto como um componente curricular que pode

possibilitar essa articulação na formação inicial.

Ancorada nesta discussão, uma das pesquisasii realizadas pelo grupo de estudos

ao qual fazemos parteiii

, que analisou a partir do currículo vivido do curso de Pedagogia,

a contribuição dessa formação para a prática pedagógica alunos/professores em

formação, apresentou em seus resultados componentes curriculares do curso de

Pedagogia que possibilitavam a articulação entre teoria e prática, a saber: Estágio

Supervisionado, as Metodologias de Ensino, as Pesquisas e Práticas Pedagógicas e a

Didática. Diante disto, foi percebido que “o currículo vivido do curso de Pedagogia a

partir dos componentes curriculares vem estabelecendo diálogos com o campo de

atuação dos alunos-professores, possibilitando assim a vivencia da relação teoria e

prática.” (SILVA; ALMEIDA, 2013, p.15).

Na trilha desta investigação nos deparamos com um, dos diversos, sentidos que à

Didática tem sido atribuídos no curso de Pedagogia. Assim, como é sustentado por

Libâneo (2013, p.162), “a Didática está no centro da formação profissional de

professores; ela é a ciência profissional do professor que investiga e define os saberes

profissionais a serem mobilizados para a ação profissional”. Nesse sentido, percebe-se

que a Didática inspira a discussão entre o conhecimento teórico e as situações práticas

na formação profissional, pois tendo como objeto de estudo os processos de ensino-

aprendizagem permite pensar a articulação entre o instrumental teórico e o

desenvolvimento do fazer docente. Desse modo, a Didática recontextualiza-se nas redes

de saberesfazeres, seus conceitos “são „vivos‟ e se (auto)produzem nas redes

cotidianas.” (HAAS; TEZZARI, 2014, p. 94), articuladamente ao desenvolvimento

profissional.

De acordo com *Nagel (2008), a Didática sempre esteve no centro de interesse

da educação, justificando a sua centralidade na formação de professores. Assim como

argumenta Libâneo (2013), “a Didática tem como especificidade epistemológica o

processo instrucional que orienta e assegura a unidade entre o aprender e o ensinar na

relação com um saber”. (p.151).

Nesse sentido, autores como *Toledo (2008) afirmam a necessidade de a

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Didática enfrentar tantos os desafios postos aos processos de ensino-aprendizagem,

quanto os epistemológicos que permeiam a construção de conhecimentos científicos. Ou

seja, a Didática, na formação de professores, também precisa ser repensada e

constantemente ressignificada enquanto ciência, tendo em vista a crise em seu estatuto

ao qual nos referimos inicialmente.

As críticas e ojerizas em relação a essa disciplina se referem à sua

legitimidade científica, seja apontando a suposta fragilidade de seu

objeto de estudo, a obsolescência de seu conteúdo, seja, ainda,

apontando um suposto esgotamento do seu papel na formação de

professores, já que outros campos investigativos estariam servindo

melhor a essa formação de professores. (LIBÂNEO, 2013, p.131)

Sobre esta questão, observamos nas pesquisas uma ampla discussão sobre a

“substituição” do componente curricular da Didática pelas metodologias específicas de

ensino, nos cursos de Pedagogia, sob a justificativa de que as discussões promovidas

pela Didática são muito gerais e por isso pouco se direcionam efetivamente para a

prática docente na educação básica. Nessa direção, alguns autores concluem que as

metodologias de ensino avançam no sentido de contribuírem mais diretamente para o

fazer pedagógico, nos processos de ensino-aprendizagem.

Em contraponto, compreendemos que é pelo fato da ação de ensinar não ser

entendida como transmissão de conteúdos, que não podemos rejeitar as discussões da

Didática em favor apenas das metodologias específicas, o que não significa afirmar que

as mesmas tratam apenas de conteúdos, mas que tanto a Didática quanto as

metodologias possuem especificidades que não se excluem e sim se complementam.

Nesse sentido compreende-se que, embora

cada área do conhecimento possua uma metodologia específica de

ensino, que acompanha o método utilizado na sua própria explicitação

como parte da disciplina científica, quando se refere ao ensino,

mostra-o diretamente ligado a elementos do campo educacional.

Elementos esses que dizem respeito ao espaço da Didática.

(TOLEDO, 2008, p.7)

Debate similar, no que diz respeito às questões epistemológicas e políticas, não

pode deixar de ser sinalizado, visto na relação entre os campos da Didática e do

Currículo, marcado pela presença de um discurso sistemático e histórico que corrobora

a relação de sobreposição entre estas duas áreas do saber, que possuem convergências,

embora as perspectivas nas quais são abordadas e os estatutos que lhe são atribuídos

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sejam fluidos e transitórios. Esta situação é revelada por enunciados que apontam para o

movimento de imbricação dos campos, ou seja, por diferenças que reafirmam o intento

complementar as discussões promovidas pelos campos da Didática e do Currículo,

conforme sustentado por Leite (2013).

Nesse viés, o diálogo entre estes campos mostra-se imprescindível na formação

profissional docente, pois, no que se refere à profissionalidade, as questões curriculares

e didáticas podem ser concebidas como chão no debate acerca do fazer docente nos

processos de ensino-aprendizagem. Nesse sentido, o Currículo e a Didática constituem a

práxis docente, ao tratarem respectivamente de projeto educativo e da sua

materialização. Além do que, como versam Pacheco e Oliveira (2013), em ambos os

campos a prática assume lugar de centralidade, sendo tomada como ponto de partida e

ponto de chegada nas discussões e na produção de novos saberes.

Sendo assim, “a Didática, não se esgota na disciplina, ela é fundamento para que

outras se consolidem, formando uma consciência crítica e indagadora, sobre a realidade

que se mostra no ambiente escolar” (MENDES; VALENTE, 2010, p.10). Nessa

perspectiva, o seu lugar e importância na formação de professores encontram-se

reafirmados, pois, componentes como a Didática possibilitam aos discentes/professores

teorizar a sua prática, reconhecendo-a como espaço de produção de conhecimentos

ancorados em elementos teóricos adquiridos ao longo da formação e nas experiências do

fazer docente cotidiano. O que estamos afirmando é que a Didática passa a ser

compreendida como “mecanismo tradutor de posturas teóricas em práticas educativas

mais significativas.” *(NASCIMENTO; MOURA, 2010, p.2), situando o seu objeto de

estudo através da relação micro (sala de aula) e macro (políticas educacionais), no

contexto de produção e vivência de práticaspolíticas – pois, tal como Ferraço e Carvalho

(2012), não existe distinção entre prática e política, pois políticas são práticas.

Nesse sentido, à Didática, por ser o componente curricular responsável pelo

processo de ensino-aprendizagem, atribui-se o sentido de “ensinar” aos professores “o

que” e “como” se deve ensinar. Sobre isto, *Mate (2008) afirma que a Didática ganha

destaque na formação de professores na medida em que se ampliam as discussões com

ênfase na crítica e na padronização das perspectivas de ensino, enfatizando que

desenraizar-se da didática que prescreve, controla, padroniza, talvez

signifique inventar outra linguagem já que o currículo está marcado

por um conjunto de conceitos, conhecimentos, palavras e repetições

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que, frequentemente não tem sentido quando confrontado com cada

realidade, mas que mesmo assim sobrevive. (MATE, 2008, p.7)

Ao lançar um olhar sobre a trajetória histórica da Didática podemos perceber

que ela foi incorporando dimensões juntamente com os movimentos das tendências

pedagógicas, aproximando-se ou distanciando-se das características de uma e de outra

nos mais variados momentos históricos. Então, por exemplo, no momento de grande

profusão da tendência tecnicista no debate educacional a Didática passou a ser vista

com um caráter meramente instrumental, apresentando resquícios ainda hoje presentes

nos cursos de licenciatura.

O fato é que a didática foi consolidando seu conteúdo mais como

prescrições metodológicas do que como orientação do processo de

ensino-aprendizagem. Foi provavelmente com esse sentido que, no

Brasil, pelo decreto-lei n.1.190, de 1939, a didática foi incluída como

disciplina obrigatória para a obtenção da licenciatura. (LIBÂNEO,

2013, p.133,)

Nessa direção, para *Rivas (2010) um importante avanço nas discussões sobre a

Didática ocorreu quando se passou a criticar as chamadas Didáticas tradicional,

tecnicista e escolanovista, ampliando-se o conceito e o objeto de estudo desta área

científica e disciplinar, nos quais o ensino-aprendizagem passou a ser compreendido, a

partir de 1980, como prática social concreta. Nesse contexto, o conteúdo da Didática

técnica foi duramente criticado e o seu papel político-social foi afirmado (MENDES;

VALENTE, 2010), passando-se a pensar numa Didática que propunha mudanças no

modo de pensar e agir dos professores.

Apesar das discussões em torno desse objeto terem apresentado avanços

significativos, principalmente com “o surgimento, na metade dos anos 1980, de

pesquisas e publicações no campo da teoria curricular crítica” (LIBÂNEO, 2013,

p.135), as pesquisas têm apontado que as ementas dos programas de ensino da Didática

ainda “expressam uma Didática instrumental, no sentido de descrever conhecimentos

técnicos, mormente modelos de planejamento e de procedimentos - regras de execução,

técnicas” (LIBÂNEO, 2010, p.17), ou seja, as pesquisas apontam que a Didática é

compreendida como a “disciplina” que deve “ensinar a ensinar”, sinalizando uma

“concepção de didática centrada na atuação do professor ou nos procedimentos, sem

incorporar efetivamente concepções que unem ensino à aprendizagem e outros temas

contemporâneos presentes na produção bibliográfica da área” (LIBÂNEO, 2010, p.18).

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Este dado possibilita-nos afirmar a necessidade da construção de uma nova Didática na

formação de professores, baseada em “uma perspectiva teórico-prática do processo de

ensino e de aprendizagem em suas múltiplas determinações” (RIVAS, 2010, p.2).

É neste sentido que *Carmo (2010) considera fundamentalmente necessária a

discussão sobre os sentidos da Didática nos cursos de formação docente por entenderem

que

o campo da Didática compreende o processo de ensino e suas

relações, bem como, as interfaces dos conhecimentos e experiências

que constituem o saber docente e que, portanto, esta possibilita refletir

acerca da prática pedagógica vivenciada em contextos educativos

transpondo-a como objeto de reflexão na e sobre a ação. (CARMO,

2010, p.4-5)

Em síntese, como nesta análise se evidencia, o movimento de construção de

sentidos tem ocorrido de forma dinâmica e toma como referência os sentidos já

existentes. Sendo assim, as críticas e crises que vêm permeando a Didática enquanto

componente curricular e campo teórico e epistemológico anunciam as bases para novas

concepções e novos sentidos que têm para a formação de professores. Este é o

entendimento também de Libâneo (2013) quando nos fala que a Didática vem sofrendo

profundas críticas e perdendo o seu lugar na formação de professores. Igualmente,

*Mendes e Valente (2010) apontam que a Didática passa por essa perda de objeto, pois

“tem deixado de estudar o processo de ensino em seu contexto histórico, para focar nos

estudos sobre a identidade docente e no fazer prático reflexivo, abandonando a realidade

sociopolítica, econômica e cultural do País”. (MENDES; VALENTE, 2010, p.5).

Parece-nos que esta pode ser uma das possibilidades para compreender esta crise, no

entanto acreditamos que, mesmo tendo como objeto os processos de ensino-

aprendizagem, a Didática não exclui o debate acerca de outras dimensões e, por isso,

não perderá sua legitimidade.

Considerações finais

Diante da análise das publicações produzidas no ENDIPE, referentes aos anos de

2002, 2006, 2008 e 2010, deparamo-nos com a ampliação das discussões acerca da

relação teoria e prática nos cursos de Pedagogia e no currículo do mesmo, construindo-

se em torno do componente curricular da Didática um sentido pautado pela perspectiva

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da articulação entre o instrumental teórico e o desenvolvimento do fazer docente,

aprofundando essa relação teoria e prática.

Nos sentidos desse movimento discursivo, os(as) pesquisadores(as) têm

sistematizado discussões que visam problematizar a superação da crise no estatuto da

Didática, preocupando-se não apenas com o processo de ensino-aprendizagem, mas

também com o repensar acerca da própria Didática enquanto objeto de estudo.

A Didática tem reafirmado o seu lugar a partir do sentido que lhe é reconhecido

de contribuir para o aprendizado docente na formação inicial, contributo que não

apresentam um caráter homogêneo. Conforme é evidenciado nas pesquisas, as

aprendizagens são constituídas pelas especificidades dos contextos sociais e históricos,

imbricadas com as tensões e negociações característicos das políticas educacionais e

curriculares para a formação de professores.

Com base nisso, a construção profissional do docente na formação inicial –

pautada no saber-fazer fundamentado na relação teoria-prática - resgata as discussões

políticas e epistemológicas que guiam, e ao mesmo tempo são ressignificadas no

processo educativo, fazendo emergir um sentido de Didática enquanto práxis. Este é um

dos aspectos que torna a Didática um componente de destaque na formação de

professores, uma vez que participa em discussões de crítica à padronização dos

processos de ensino-aprendizagem e engessamento da prática docente.

Em síntese, pode concluir-se que os sentidos construídos acerca da Didática

apontam para um movimento não-linear e não-uniforme. A circularidade e o movimento

das construções discursivas levam-nos a compreender que a memória discursiva acerca

deste componente, embasada nas margens do já-dito, configura uma dinâmica de

continuação, mas também da emergência de novos sentidos. Esses novos sentidos são

construídos e reconstruídos enquanto discursos, textos e práticas a partir da relação

entre sujeitos, instituições e contextos, reafirmando o diálogo entre local e global no

desenvolvimento do que é instituído e, ao mesmo tempo, ressignificado pelos sujeitos e

suas práticas.

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2008.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

979ISSN 2177-336X

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RELAÇÕES ENTRE O EIXO PESQUISA PRÁTICA PEDAGÓGICA E

AS MUDANÇAS NA PRÁTICA CURRICULAR DE PROFESSORES

EXPERIENTES

Maria Julia Carvalho de Melo – UFPE/CE

Priscilla Maria do Carmo - FACOL

RESUMO:

Este artigo surge como desdobramento da pesquisa: práticas curriculares de professores-

estudantes: uma análise do movimento entre os conteúdos da formação e a prática

docente, e tem como foco o eixo de Pesquisa e Prática Pedagógica (PPP) do curso de

Pedagogia e sua relação com estudantes professores. Dessa forma, nos propomos com

este artigo: analisar os discursos sobre as contribuições do eixo de Pesquisa e Prática

Pedagógica para a mudança na prática curricular dos estudantes professores. Para tanto,

trazemos as contribuições teóricas de Oliveira (2012), Santiago e Batista Neto (2006),

Morgado (2010), Esteban (2012), dentre outros. A fim de atender nossos objetivos,

inscrevemos nosso trabalho numa abordagem qualitativa de pesquisa associada à

Análise de Discurso (ORLANDI, 2007, 2010), como instrumento para a coleta de dados

utilizamos as entrevistas semi-estruturadas. Os resultados de pesquisa, evidenciaram

que as estudantes professoras constroem o sentido para o eixo de PPP como

possibilidade de mudança/transformação do currículo cotidianamente praticado, sendo

este o domínio comum do discurso, mas reconhecem diferentes mudanças que

ocorreram a partir da experiência com as disciplinas do eixo (singularidade discursiva).

PALAVRAS-CHAVE: Prática Curricular. Pesquisa e Prática Pedagógica. Análise do

Discurso.

1. INTRODUÇÃO

Este artigo surge de pesquisas anteriores, tendo como foco o eixo de Pesquisa e

Prática Pedagógica (PPP) do curso de Pedagogia e sua relação com estudantes

professores. Nos últimos anos, juntamente com o grupo de pesquisa intitulado

“Discursos e Práticas Educacionais”, identificamos a necessidade de investigar esses

sujeitos que estão numa dupla posição discursiva: a de serem estudantes e ao mesmo

tempo já atuarem na docência. Partindo dessa consideração inicial, construímos como

objetivo analisar os discursos sobre as contribuições do eixo de Pesquisa e Prática

Pedagógica para a mudança na prática curricular dos estudantes professores.

O eixo curricular de Pesquisa e Prática Pedagógica é composto na Universidade

Federal de Pernambuco – UFPE/Centro Acadêmico do Agreste – CAA pelas disciplinas

de PPPiv

e Estágios Supervisionados e vêm problematizando através da pesquisa e da

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reflexão da prática docente o cotidiano escolar considerando o estudante da licenciatura,

professor nos anos iniciais, como produtor de uma prática curricular que resulta deste

imbricamento entre pensado nos currículos oficiais e vivido por este sujeito nos

contextos de sala de aula, na Educação Básica.

Este eixo fora pensado considerando o dualismo histórico que separa a teoria da

prática na formação de professores, uma vez que apresenta como um de seus princípios

a aproximação entre os espaços de formação acadêmica e de exercício profissional, e

entende a Prática de Ensino como processo de investigação pedagógica que procura

retomar a indissociabilidade entre ensino e pesquisa (SANTIAGO e BATISTA NETO,

2006) se comprometendo com uma formação profissional centrada nos processos de

construção do conhecimento e da apropriação dos fatores que constituem a profissão.

Sobre a Prática Curricular, a entendemos, como o currículo praticado

cotidianamente, inclusive pelo professor, um currículo que não é documento estático e

burocrático, mas construção social, que concorre para as demandas da prática

(OLIVEIRA, 2012). Nessa direção, consideramos o currículo como lugar da

instabilidade, como “um espaço onde múltiplas perspectivas podem ser articuladas em

relação ao processo de ensino-aprendizagem [...] ” (PACHECO, 2002, p. 7).

Com esse sentido de currículo e de prática curricular, buscamos atender a nossos

objetivos inscrevendo nosso trabalho numa abordagem qualitativa de pesquisa associada

à Análise de Discurso, pois esta “[...] considera que a linguagem não é transparente.

Desse modo ela não procura atravessar o texto para encontrar um sentido do outro lado.

A questão que ela coloca é: como este texto significa?” (ORLANDI, 2010, p. 17). Dessa

forma, partimos do suposto de que há uma relação entre a materialidade da língua e da

história, mesmo que essa relação seja contraditória (ORLANDI, 2007).

Como procedimentos de coleta de dados, nos utilizamos de entrevistas semi

estruturadas com doze (12) estudantes já professores (todas mulheres) da Universidade

Federal de Pernambuco / Centro Acadêmico do Agreste – instituição esta localizada na

cidade de Caruaru, agreste pernambucano – que além de estarem atuando na docência,

tivessem cursado o eixo da PPP. Essa escolha de sujeitos nos ajudou a identificar e

analisar as mudanças em suas práticas curriculares considerando suas produções

discursivas, proporcionadas a partir da vivência com as disciplinas do referido eixo.

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 O Professor dos Anos Iniciais enquanto Pensante-Praticante de Currículos

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A formação de professores no atual contexto socioeconômico tem recebido os

impactos das políticas educacionais e curriculares que trazem a marca da

descontinuidade, da lógica de mercado neoliberal e das incansáveis tentativas de

regulação e homogeneização do currículo. Políticas essas que expressam o desejo de

centralizar a sua produção por alguns e afastam-se da ideia de um currículo pensado-

vivido por sujeitos comunsv que cotidianamente materializam seus saberes-fazeres nos

chãos das escolas/universidade.

Assim:

A escola vai-se tornando cada vez mais refém das diretrizes

emanadas pela administração educativa e converte-se num espaço

propício para a aplicação de políticas educativas definidas a nível

central. Os professores limitam-se a cumprir normas e a executar os

programas prescritos para cada disciplina e/ou ano de escolaridade –

prevalece o interesse pelos resultados (produtos) em detrimento da

importância dos processos de ensino aprendizagem e da seleção dos

conteúdos. (Morgado, 2010, p.10)

Desta forma, o currículo pensado-vivido se afasta da perspectiva de espaço

oportuno ao diálogo. Há (re) construções, onde o que está disposto no documento pode

ser revisto, repensado, reescrito pelos sujeitos na dimensão do vivido, visto que estes

sujeitos também são formuladores de currículo, a partir do momento em que (re)

significam as políticas curriculares no âmbito local, considerando as especificidades

presentes nos cotidianos escolares.

Silva (2010) ao discutir sobre o cotidiano, afirma que ele pode ser compreendido

numa dimensão para além do espaço/tempo, que vai deixando de ser simplesmente

associado à rotina, passando a ser “lócus” privilegiado no qual acontecem

interlocuções, construção de alternativas e proposições inovadoras. Esses outros

caminhos, desde que sejam elaborados por sujeitos críticos, mobilizados, qualificados

humanamente e comprometidos politicamente, possibilitam um projeto de sociedade,

um entendimento de conhecimento válido, que perpassa o ideário dos grupos, que se

mobilizam a fim de torná-lo socialmente reconhecido.

Compreendendo, os professores da Escola Básica como pensantes-praticantes de

currículos, tomamos o termo currículo, na sua forma pluralizada, tendo em vista a

multiplicidade de sentidos e de práticas que o envolvem, a fim de que, ele possa dar

conta de textos políticos enquanto propostas de vir a ser, mas também de um cotidiano

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que demanda invenção, ousadia, tomada de decisões conscientes. Assim, Esteban

(2012), coloca:

Nessa perspectiva, o currículo se constitui como rede de

potencialidades em que diferentes sujeitos, grupos, conhecimentos,

atos, valores, significados, representações, experiências,

impedimentos e fraturas, como rede tecida em movimentos e direções

múltiplos não se conforma às hierarquias ou às relações binárias e

também não dissolve as tensões e os conflitos. Pelo contrário,

configura-se com o diálogo, nem sempre ameno, entre diferentes

perspectivas e interpretações, gerando possibilidades de invenção de

espaços liminares que mantêm a ambivalência, relacionada com o

fluxo permanente dos saberes e dos seus limites, sem início

demarcado ou fins previsíveis. (pp. 139-140)

E em meio aos espaços-tempos indefinidos, e intencionalidades demarcadas, a

tessitura curricular vai se configurando em torno de políticas curriculares resultantes de

influências de diferentes discursos, provenientes de múltiplos contextos que acalentam

especificidades e demandas peculiares, disputando espaço, seja na arena do texto

político, seja, no texto vivido enquanto prática curricular nos cotidianos escolares onde

se materializam as profissionalidades docentes.

Assim, ao aproximar-se do currículo pensado-vivido, nesta relação global-local,

vislumbramos políticas hibridizadasvi

, através das quais, são possíveis o deslocamento

de sentidos que materializam-se em práticas curriculares em sala de aula, onde o

professor (re) significa seu exercício profissional, trazendo elementos de sua

interpretação das políticas oficiais agregando-as ao microcontexto em que

profissionalmente se inserem.

A produção de sentidos se insere no entremeio dito - compreendido, desta forma,

o currículo pensado nos textos oficiais é interpelado pelos gestos de interpretaçãovii

, sob

os quais não é possível ter o controle, e neste processo de interpelação, o currículo

vivido vai recebendo as marcas do professor que pensando-praticando o currículo, vai

ressignificando-o, mediante as especificidades do cotidiano escolar.

Desta forma, o processo de criação curricular reinventa-se mediante a construção

de sentidos que tomam forma no cotidiano escolar, através da prática curricular, que vai

se constituindo/legitimando em meio a divergências, textos, discursos, silenciamentos,

ditos, não ditos, num movimento que inclui disputa, negociações, transgressão,

ressignificações.

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Assim, construímos como sentido de práticas curriculares aquelas que, tecidas

no cotidiano, podem ser encontradas nos saberes e fazeres daqueles que praticam o

currículo, sendo vistas nesta pesquisa enquanto lugar de criação, superando o sentido de

aplicação de currículo prescrito.

Compreendemos dessa forma, que os professores são autores das práticas

curriculares, uma vez que “promovem processos mediadores de captação e assimilação

crítica das necessidades do ensino e da formação dos alunos, no complexo contexto

contemporâneo, e que transpõem para suas práticas curriculares na sala de aula”

(HAGEMEYER apud HAGEMEYER, 2011, p. 233). Dessa forma, o professor

desenvolve sua atuação praticando o currículo da instituição, mas também trazendo para

esse currículo as marcas da sua subjetividade, do seu processo identitário, das suas

concepções teóricas sobre a formação. Afinal, “o currículo é um elemento constitutivo –

como é todo ato educativo – da subjetividade, das subjetividades, dos sujeitos, dos

sujeitos sociais.” (ALBA, 2014, p. 210)

Uma prática curricular, deste modo, só “pode ser encontrada no saber dos

sujeitos praticantes do currículo, sendo, portanto sempre tecida, em todos os momentos

e escolas.” (ALVES et al, 2011, p. 41). Dessa forma, é preciso estar atento para a

produção das práticas curriculares nos cotidianos, mas também enquanto materialização

de uma intenção inscrita no projeto curricular, ou seja, é preciso perceber as práticas

curriculares como representações do que temos chamado de articulação entre o pensado

e o vivido.

CAMINHO TEÓRICO-METODOLÓGICO

Inscrevemos nossa investigação dentro da abordagem qualitativa

compreendendo que esse tipo de pesquisa “implica uma partilha densa com pessoas,

fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os

significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível

[...]” (CHIZZOTTI, 2003, p. 221).

Contudo, é preciso dizer que a pesquisa qualitativa “abriga, deste modo, uma

modulação semântica e atrai uma combinação de tendências que se aglutinaram,

genericamente, sob este mesmo termo [...]” (CHIZZOTTI, 2003, p. 223), isso significa

dizer que, afirmar que nos encontramos dentro de uma abordagem qualitativa se tornou

insuficiente para delimitar e demonstrar o percurso percorrido. Consideramos, então,

juntamente com André, que não é mais suficiente usar este termo de forma tão ampla.

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[...] não me parece ser muito conveniente continuar usando o termo

„pesquisa qualitativa‟ de forma tão ampla e genérica como preferem

alguns [...]. Eu reservaria os termos quantitativo e qualitativo para

diferenciar técnicas de coleta ou, até melhor, para designar o tipo de

dado obtido, e utilizaria denominações mais precisas para determinar

o tipo de pesquisa realizada: histórica, descritiva, participante,

fenomenológica etc. (ANDRÉ apud FERRARO, 2012, p. 132).

Percebendo a variedade de tipos de pesquisa que a abordagem qualitativa abarca,

entendemos a necessidade de evidenciar a nossa vinculação à Análise de Discurso na

perspectiva francesa na linha pêcheuxtiana. Entretanto, é preciso considerar que no

Brasil a Análise de Discurso se desenvolveu e foi se produzindo sob influência da

tradição francesa, mas também foi capaz de criar um estatuto próprio. Compreendemos,

portanto, que “a ciência se produz em diferentes lugares com a força e a especificidade

de sua tradição. O Brasil é, sem dúvida, um desses lugares em que a ciência da

linguagem tem sido produzida com grande capacidade de descoberta e de elaboração. ”

(ORLANDI, 2004, p. 2).

É importante dizer ainda, que trabalhamos com algumas categorias importantes

da Análise de Discurso no decorrer desta investigação, tais como o interdiscurso e os

sentidos. Assim, analisamos os discursos pronunciados pelos estudantes professores,

mas também aqueles que deixaram de ser, demonstrando que “ao longo do dizer, há

toda uma margem de não-ditos que também significam. ” (ORLANDI, 2010, p. 82).

Assim, na perspectiva da Análise de Discurso, o lugar que o sujeito ocupa na

hierarquia social influencia sobremaneira a forma como este enuncia seus discursos e

produz sentidos. Nessa direção, demarcamos aqui os sujeitos que participaram da

investigação bem como o lugar de onde falam, o que nos ajudou a entender o porquê

dizem x e não dizem y, compreendendo, portanto, “que a língua não se limita a uma

estrutura fechada, mas se constitui um acontecimento que considera em sua análise os

elementos presentes na estrutura histórica na qual o discurso acontece, uma vez que este

sujeito é afetado, mas também afeta a história” (CARMO, 2013, p. 66).

Conscientes de que estes afetam e são afetados pela história construímos

inicialmente um questionário sócio-profissional que nos permitiu visualizar o perfil dos

sujeitos que já detinham experiência na docência. Ressaltamos ainda, que estes sujeitos

além de ocuparem o lugar discursivo de já professores nas escolas de Educação Básica,

também estavam cursando ou cursaram algum componente curricular do eixo de PPP.

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A partir desse questionário conseguimos selecionar os sujeitos da pesquisa,

sendo estas 12 professoras com experiência na docência, variando entre 15 dias letivos

até 6 anos letivos. Estas informações são pertinentes uma vez que na análise de

discurso, consideramos as condições reais de produção do discurso e entendemos que

esta condição, ou este lugar ocupado pelo sujeito anunciador interfere na produção de

sentidos.

ANÁLISE DOS DADOS

Recorrência da mudança/transformação na prática curricular

Através da análise do discurso de 12 (doze) professoras experientes na docência,

nos propomos analisar as contribuições do eixo de Pesquisa e Prática Pedagógica para a

mudança na prática curricular dessas estudantes professoras. Neste sentido, nosso

interesse centrou-se em analisar os sentidos presentes nos discursos a partir das relações

entre os enunciados que os constituem, visto que os enunciados enquanto unidades de

análise não existem isoladamente, mas se articulam a fim de estabelecerem significados,

numa rede discursiva através de gestos de interpretação e/ou reprodução textuais.

Assim, apesar dos sujeitos da pesquisa apresentarem certas reservas quanto à

relevância dos estágios e das PPPs (disciplinas que se inserem no eixo da PPP) no

mesmo nível de ensino em que possuem experiência, foram recorrentes enunciados que

evidenciaram o sentido de mudança na prática curricular, decorrentes das vivências

durante essas disciplinas.

[...] tem sim mudanças, eu acredito por conta dos textos, dos autores

que a gente estuda, né. Porque mesmo eu tendo alguns anos já de

experiência, mas não é com uma base teórica que a gente adquire na

universidade, né, com, a partir dos estágios. Acho que a mudança

principal foi essa (Professora IES B1).

A professora IES B1, parece reconhecer que somente o conhecimento tácito não

é suficiente para o fazer do professor, é preciso além disso que este conhecimento seja

posto em reflexão e juntamente com a teoria ofereça ao sujeito diferentes perspectivas

de análise, pois “a teoria além de seu poder formativo, dota os sujeitos de pontos de

vista variados sobre a ação contextualizada” (PIMENTA; LIMA, 2004, p. 49).

As mudanças também são proporcionadas a partir da observação da prática de

outro professor, o que é vivido através do estágio.

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[...] eu acredito que eu vi mudança, principalmente como eu já atuo na

área da educação infantil muitas vezes eu via com relação, coisas que

eu fazia como se eu tivesse me vendo e ao mesmo ponto eu via que

realmente há coisas que eu não via que precisava ser melhorado. É

como se assim, fosse eu vendo um espelho e a partir dali eu precisava

melhorar em alguns pontos ou então talvez “eita, faltou uma ideia ali,

eu não tive uma ideia em tal ponto”. Então, a partir dali a gente

começa a ver coisas que a gente não começa a enxergar, a gente só

começa a enxergar a partir do outro não a partir de si mesmo

(Professora IES B2).

Nesse dizer fica evidente que o estágio proporcionou uma revisão do currículo

praticado através da observação da prática de outro professor. A professora passa por

um processo de desacomodação na medida em que enxerga na prática do outro docente

a possibilidade de melhorar sua própria prática (MELO, 2014). Reflete sobre o fazer do

outro e começa a refletir sobre o seu fazer o que provoca uma tensão entre o novo e o

antigo, nos moldes pensados por Ghedin (2012, p. 170): “diante da tensão permanente

entre mudança e acomodação é que se faz necessária a instauração do processo

reflexivo-crítico-criativo, pois, através dele, a tensão é mantida viva e na sua vivacidade

possibilita a construção de novos horizontes de ação”. É esse processo que a professora

IES B2 se instaura: primeiro reflete sobre a prática do outro professor, depois a partir de

análise crítica examina o que pode ser mudado em seu próprio fazer, para no fim criar

uma nova prática que seja síntese.

Essa reflexão da prática também permite às professoras pensarem sobre a

relação que estabelecem com seus alunos. Assim, a maneira como concebem as crianças

muda de acordo com o conhecimento teórico adquirido na formação inicial, e

especificamente a partir da vivência com o eixo da PPP.

Eu mudei muito desde que eu entrei aqui, que comecei a estudar né.

Por exemplo, eu tenho um aluno agora na educação infantil que só

gosta de brincar com boneca, se fosse antigamente eu ia dar bronca

toda vez “solta essa boneca, larga essa boneca, solta ela no chão”.

Então eu já vou aceitando, eu deixo ele brincar, ele não escolheu

brincar com isso? Isso não quer dizer que ele já vai ser gay ou então se

for é escolha dele. Então eu já comecei a respeitar mais o aluno, a não

ficar gritando, que eu gritava demais, demais. (Professora IES B3).

A professora IES B3 enxerga, por exemplo, que antes da formação atuava de

maneira autoritária e se fazia obedecer através da subordinação dos corpos, mentes e

desejos das crianças. Estas deveriam apenas seguir a autoridade definida através de uma

relação hierárquica rígida entre professora e alunos, o que nos dizeres de Freire (1987)

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opera na deformação dos indivíduos aprendentes. A mudança da professora também

incide na compreensão de que o habitus – que se caracteriza como a cultura, o costume

e o conservadorismo (SACRISTÁN, 2012) – pode, através de uma formação que atue

sobre o comportamento cultural dos professores, produzir novas práticas.

Dessa forma, as professoras sinalizam que o eixo da PPP pode sim operar na

ressignificação das práticas curriculares cotidianas, este que entendido como atividade

teórico-prática implica no “desenvolvimento pessoal, com a preparação para a

realização profissional de uma prática educativa contextualizada reflexiva, crítica e

transformadora” (SOUZA, 2006, p. 3).

Em outro enunciado, a professora IES B5, ao fazer menção ao seu trabalho com

alunos do 2º ano do ensino fundamental, fala da busca pelo exercício profissional que

“dê certo”, e percebe que as influências dos alunos modificam o ritmo escolar,

conforme anuncia Pacheco (1995). Dessa forma, a interferência deles (alunos),

enquanto sujeitos de um processo, no qual aprendizagens são construídas no coletivo,

vão dando movimento ao trabalho docente na escola, permitindo ao professor

ressignificar os saberes-fazeres da profissão.

[...] Na teoria vem tudo muito certinho, muito arrumadinho, só que

quando você vai para a prática, você acaba enfrentando uma realidade

que traz muitas surpresas. É o cotidiano da escola, dos alunos, é como

os alunos reagem a sua forma de trabalhar, aí você vai tentar buscar as

formas de trabalhar com aquela realidade, às vezes dá certo, às vezes

num dá certo, você vai ter que mudar, repensar, procura em tudo o que

você já estudou, no que os professores vinham falando [...]

Não existe uma forma certa e única de fazer, ou de dar uma aula sobre

um conteúdo, se você não consegue alcançar os alunos daquela forma,

você vai ter que pensar em outra metodologia, mas isto também é

trabalhado pelos professores [na universidade], eles vivem

trabalhando isto, que a gente não pode esperar que tudo seja tão

simples e tão fácil, nós vamos ter que encontrar meios de chegar ao

nosso objetivo (Professora IES B5)

O dito no enunciado pela professora IES B5, nos remete mais uma vez à ideia de

mudança, desta vez atrelada às necessidades do grupo de aluno com os quais o professor

trabalha. Assim, mediante estas necessidades, a professora, também estudante no curso

de Pedagogia, rememora outros dizeres de seus professores-formadores na universidade,

quando os orientava a buscar outras metodologias a fim de dar conta das especificidades

do trabalho com as crianças no cotidiano escolar.

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Diante das mudanças sinalizadas pelas professoras observamos que o eixo da

PPP tem um papel a ser cumprido na formação de indivíduos já experientes na

docência, quando ele considera o fazer desses indivíduos e o conhecimento tácito que

produziram a partir do tempo em que atuam na educação básica. Deste modo, é

necessário possibilitar a partir do currículo pensado nos documentos oficiais para a

formação de professores, a materialização da aprendizagem coletiva do fazer docente

entre professores experientes e inexperientes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os discursos das estudantes professoras nos dão indícios de que o eixo curricular

de PPP vem trazendo elementos significativos para pensar as mudanças na prática

curricular, como por exemplo, a aproximação da escola para observar prática de outro

professor, além de constituir base teórico-epistemológica importante no que tange a

fundamentação do fazer docente na Escola Básica.

Partimos do entendimento de que o eixo da PPP para o professor com

experiência possibilita o entrecruzamento entre o cotidiano de trabalho e a

fundamentação teórica aprendida na academia, compreendemos este eixo como um dos

caminhos que levam a reflexão da prática curricular, que contempla as experiências e o

conhecimento tácito do professor, sem desconsiderar o conhecimento historicamente

produzido.

Como conhecimento tácito entendemos o conjunto de conhecimentos adquiridos

pelo professor ao longo de sua prática curricular cotidiana, se constituindo por teorias

implícitas a respeito do como fazer, sendo o conhecimento historicamente produzido

aquele sistematizado e elaborado pela humanidade que tem uma referência teórica a

partir de pesquisas científicas (DUARTE NETO, 2010).

Sem embargo, reconhecemos a possibilidade do eixo de PPP se constituir como

lócus privilegiado onde a relação cotidiano de trabalho e fundamentação teórica se

constrói, estabelecendo o diálogo entre o conhecimento tácito do professor e o

conhecimento historicamente produzido pela humanidade com vistas à reflexão da

prática docente e à reinterpretação desta (MELO, 2014).

Dessa forma, as professoras constroem o sentido para o eixo de PPP como

possibilidade de mudança/transformação do currículo cotidianamente praticado, sendo

este o domínio comum do discurso, mas reconhecem diferentes mudanças que

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ocorreram a partir da experiência com as disciplinas do eixo (singularidade discursiva),

quais sejam: embasamento teórico, revisão da própria prática a partir da observação do

outro, respeito ao aluno como um ser pensante.

REFERÊNCIAS

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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

990ISSN 2177-336X

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A PESQUISA COMO COMPONENTE CURRICULAR NO CURSO DE

PEDAGOGIA: SUA CONFIGURAÇÃO HISTÓRICA

Ana Maria Pereira Aires - CERES/UFRN

Maria de Fátima Garcia - CERES/UFRN

RESUMO:

Esse texto evidencia a configuração do componente pesquisa na história curricular do

curso de Pedagogia no Brasil. Para tanto, analisamos o Decreto-Lei 1.190/1939, as

proposições da ANFOPE, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Pedagogia e o

projeto pedagógico do curso de Pedagogia do CERES/UFRN. Trabalhamos com a

pesquisa documental e bibliográfica (FÁVERO, 2003; MINAYO, 1998; ROMANELLI,

1999; SILVA, 1999). A análise de conteúdo, na perspectiva de Bardin (1977),

fundamentou a organização, o tratamento e a análise dos dados. Na gênese do curso de

Pedagogia há uma ausência da pesquisa como componente curricular, que atribuímos

ser, historicamente, um silêncio ruidoso. Assim permanece até os anos de 1980. No

início dessa década, por força da abertura política, renasce o movimento dos educadores

e as reflexões sobre a formação nos cursos de Pedagogia. Os educadores, através da

ANFOPE, materializam novas concepções curriculares e deixam emergir a pesquisa. As

DCNs para a Pedagogia consolidam grande parte das proposições da ANFOPE. O

componente pesquisa passa a figurar no currículo do curso de Pedagogia do

CERES/UFRN. De um modo geral, o currículo do curso de Pedagogia do CERES

apresenta sintonia histórica, com formação ampla, de qualidade e de base docente aliada

a pesquisa. Esse proposta, no entanto, precisa ser permanentemente avaliada com vistas

a continuidade do processo histórico nos cursos de Pedagogia que apresenta, na sua

gênese, uma ausência e um ruído da pesquisa; já nas proposições da ANFOPE e nas

DCN, torna-se emergente e no curso de Pedagogia do CERES se efetiva como

componente curricular.

Palavras-chave: Pesquisa, Curso de Pedagogia, Currículo

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Este texto objetiva evidenciar a configuração do componente pesquisaviii

no curso

de Pedagogia no Brasil, da sua gênese ao atual projeto pedagógico do curso de

Pedagogia do Centro de Ensino Superior do Seridó - CERES, da Universidade Federal

do Rio Grande do Norte - UFRN. As fontes, para o alcance desse propósito, são o

Decreto-Lei n° 1.190 de 1939, as produções da Associação Nacional pela formação dos

profissionais da Educação – ANFOPE, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o

Curso de Pedagogia, aprovadas em 2006 e o Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia

do CERES/UFRN.

Os dados da investigação foram produzidos por meio da pesquisa documental e

bibliográfica. Essas formas de produção de um objeto, no campo da educação, se

diferenciam pelas fontes. Na pesquisa documental predominam as fontes primárias

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autênticas, acervos relacionados a objetos legais, estatísticos, discursivos e propositivos

no âmbito dos sistemas de ensino, instituições educativas, associações e entidades de

educadores, repartições públicas, entre outros.

A pesquisa bibliográfica, por se reportar diretamente às contribuições de diversos

autores sobre um determinado tema, caracteriza-se pela atribuição de sentido do que os

outros veem e compreendem sobre esse tema. Ela é fundamental para saber o que já foi

produzido e publicado e para construir o estado da arte, além de impulsionar as ideias e

amadurecer o pesquisador em termos de conhecimento.

A abordagem é qualitativa, por meio da análise de conteúdo (BARDIN, 1977).

Essa forma de abordar um objeto, parte do pressuposto que todo discurso comunicativo,

escrito, oral e simbólico, abriga sentidos e significados que convêm ser desvelado e

exposto, com a finalidade de tornar conhecido e compreendido o fenômeno, seu

contexto e sua história, demonstrando que a pesquisa social é complexa.

A metodologia da análise de conteúdo, segundo Bardin (1977, p. 42), “é um

conjunto de técnicas de análise das comunicações”. Seu procedimento se faz por meio

de três fases cronológicas: a pré-análise, procedimento de exploração e organização dos

materiais. A exploração do material, procedimento de leitura com o objetivo de

decodificar e categorizar todo o material. Nessa fase há um movimento contínuo e

triangular entre os referenciais teóricos, os dados produzidos e os propósitos do estudo.

O tratamento dos resultados, fase de interpretação e análise do conteúdo, artifício de

inferência com o fim de aproximar o pesquisador/pesquisadora dos temas centrais e

periféricos que permeiam os discursos das comunicações.

O texto está organizado em três partes. A primeira aborda o componente pesquisa

na gênese do curso de Pedagogia. O objeto de análise é o Decreto-Lei n° 1.190/1939. A

segunda versa sobre as proposições da ANFOPE e das Diretrizes Curriculares Nacionais

para o Curso de Pedagogia e de como a pesquisa se manifesta. Os objetos de análises

são os Anais Eletrônicos do X Encontro Nacional da ANFOPE a Resolução n° 01/2006.

A terceira discute o projeto pedagógico do curso de pedagogia do CERES, com

particularidade na formalização curricular e no componente pesquisa. As considerações

finais trazem a síntese do estudo, procurando responder a problematização sobre à

configuração do componente pesquisa na história do curso de Pedagogia no Brasil.

A AUSÊNCIA DA PESQUISA NA GÊNESE DO CURSO DE PEDAGOGIA

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Os anos de 1930, no Brasil, são marcados por um cenário de grandes

movimentações políticas e ideológicas e por um acentuado desenvolvimento

econômico. Esse cenário, sobretudo o econômico, de emergência da industrialização e

uma das suas maiores consequências, o processo social de urbanização, impõe pensar a

educação como horizonte para o desenvolvimento nacional. Nessa conjuntura, e sob a

égide desenvolvimentista, são proclamadas as grandes reformas na educação, em todos

os níveis do ensino, primário, secundário e superior (ROMANELLI, 1999).

No contexto das reformas está o ensino superior, até então estruturado sob a égide

das instituições isoladas. A Universidade do Brasil nasce em 1937, através da Lei n°

452/1937. A Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras provém dessa

regulamentação, mas foi reformulada, em sua denominação e estrutura, no ano de 1939,

através do Decreto-Lei n° 1.190 de 04 de abril de 1939. Com a nova denominação

passou se chamar Faculdade Nacional de Filosofia.

O curso de Pedagogia tem origem nesse decreto e se constitui no único curso da

secção Pedagogia, uma das quatro que passa a compor a Faculdade Nacional de

Filosofia. As outras são secção de Filosofia, secção de Ciências e secção de Letras,

todas estruturadas com cursos de bacharelado, cuja duração, são de três anos.

No Decreto há apenas uma secção ligada à licenciatura, chamada de secção

especial e comporta somente o curso de Didática que, diferentemente do bacharelado,

tem duração de um ano. Sua finalidade é preparar os bacharéis para atuar no campo do

ensino, ou seja, o curso de didática forma o professor/professora para o ensino

secundário. Não havendo, preocupação com a formação docente, em nível superior,

para o ensino primário.

Com exceção dos bacharéis em Pedagogia que precisavam cursar apenas duas

disciplinas do curso de Didática, haja vista que as outras quatro já compunham o

currículo do bacharelado, todos os outros bacharéis, que decidissem fazer a licenciatura,

através do curso de Didática, tinham que cursar as seis disciplinas do seu currículo. O

diploma da licenciatura, pelo Decreto-Lei n° 1.190/1939, ficava dependente do

bacharelado.

Dois grandes problemas emergem dessa configuração orgânica do curso de

Pedagogia, na sua gênese. O primeiro está no campo da licenciatura, quando o currículo

que formava o profissional da Pedagogia para atuar no curso Normal, curso que prepara

o professor/professora para o ensino primário, não continha, no conjunto das

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disciplinas, nenhuma que trabalhasse com os saberes e metodologias desse nível de

ensino.

O segundo está no campo do bacharelado, cuja finalidade era preparar, em nível

superior, os técnicos em educação. A estrutura curricular do curso de preparação desse

profissional, tal como pode ser visto no Art. 19 do Decreto-Lei 1.190/1939, não

continha disciplinas voltadas para o campo da pesquisa:

Art. 19. O curso de pedagogia será de três anos e terá a seguinte

seriação: Primeira série: 1. Complementos de matemática. 2. História

da filosofia. 3. Sociologia. 4. Fundamentos biológicos da educação. 5.

Psicologia educacional. Segunda série: 1. Estatística educacional. 2.

História da educação. 3. Fundamentos sociológicos da educação. 4.

Psicologia educacional. 5. Administração escolar. Terceira série: 1.

História da educação. 2. Psicologia educacional. 3. Administração

escolar. 4. Educação comparada. 5. Filosofia da educação.

Assim, é possível afirmar, que a pesquisa não foi uma preocupação no âmbito da

formação no curso de Pedagogia, na sua gênese, mesmo com a formação do bacharel.

Também não fica bem definido, no Decreto-Lei, que o perfil de técnico em educação

deveria ser pesquisador. Essa é uma interpretação, mas podemos entender que na década

de 1930, não havia valorização do senso crítico, pelo contrário, este era desestimulado.

O mundo convivia com a recente fase da industrialização e, mesmo com a advento da

Escola Nova e das ideias de Dewey, voltadas a uma educação mais progressista, as

políticas educacionais, ainda incipientes, não absorvia tias ideia.

De todo modo, é possível afirmar que a estrutura curricular do curso de

Pedagogia, na sua gênese, revela um paradoxo, formar um bacharel sem pesquisa. O

exemplo está nas finalidades do Decreto-Lei 1.190/1939, Art. 1°, e nas finalidades do

Decreto nº 19.851/1931, que dispõem sobre o Ensino Superior no Brasil, também em

seu Art. 1°.

Art. 1º A Faculdade Nacional de Filosofia, Ciências e Letras,

instituída pela Lei n. 452/1937, passa a denominar-se Faculdade

Nacional de Filosofia. Serão as seguintes as suas finalidades:

a) preparar trabalhadores intelectuais para o exercício das altas

atividades de ordem desinteressada ou técnica;

b) preparar candidatos ao magistério do ensino secundário e normal;

c) realizar pesquisas nos vários domínios da cultura, que constituam

objeto de ensino (BRASIL, 1939, p. 01. Grifo nosso).

Art. 1º O ensino universitário tem como finalidade: elevar o nível da

cultura geral, estimular a investigação scientifica em quaisquer

domínios dos conhecimentos humanos; habilitar ao exercício de

actividades que requerem preparo technico e scientifico superior;

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concorrer, enfim, pela educação do indivíduo e da collectividade, [...]

(BRASIL, 1931, p.01. sic. Grifo nosso)

Quer dizer, as finalidades apontam a pesquisa como integrante do ensino superior,

já a estrutura curricular ausenta, tal componente, da estrutura curricular. Mas, ainda

assim, podemos admitir que, se de um lado, havia, na estrutura curricular do curso,

ausência da pesquisa, do outro, havia, nas finalidades do ensino superior, a pesquisa.

Isso leva a afirmar que havia práticas científicas no campo da educação e mostra que a

produção científica, no Brasil, teve desenvolvimento através da organização dos

sistemas universitários, não sendo possível falar de um sem falar do outro.

Isso está manifesto na exposição de motivos do Ministro da Educação do governo

de Getúlio Vargas (1930-1934), Francisco Campos, quando diz que as finalidades da

Reforma do Ensino Superior, na década de 1930, transcende a ação didática.

Portanto, o curso de Pedagogia, na sua gênese, ainda que não apresente a pesquisa

como componente curricular, manifesta a possibilidade histórica para tal e seus indícios

deixam agir, ruidosamente, nas décadas seguintes, conforme veremos nos próximos

itens.

A EMERGÊNCIA DA PESQUISA NO CURSO DE PEDAGOGIA: A ANFOPE E

AS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS

O formato dicotômico que outorga a dicotomia entre bacharelado e licenciatura na

gênese do curso de Pedagogia, com poucas mudanças, permanece até a década de 1960

quando os militares assumem o poder da República no país. A educação superior, com a

promulgação da Lei nº 5.540/1968, reflete o pensamento dos militares e é fixada em

termos de normas, organização e funcionamento do ensino superior, tendo na base o

ideário tecnicista, articulado ao modelo desenvolvimentista (ROMANELLI, 1999).

Com essa Lei, “o ensino superior tem por objetivo a pesquisa, o desenvolvimento

das ciências, letras e artes e a formação de profissionais de nível universitário”

(BRASIL, 1968, p. 01). A regulamentação do curso de Pedagogia acontece através da

Resolução n° 02/1969, que estabelece as habilitações técnicas para a educação, nas

áreas da supervisão, administração, orientação, inspeção e docência para o magistério

do 2° grauix

. Essa organização deixa revelar a continuidade da dicotomia no curso de

Pedagogia e a ausência da pesquisa na estrutura curricular, no âmbito da graduação.

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Mais uma vez a pesquisa é finalidade no Ensino Superior, mas não é objeto do currículo

na formação inicial.

Com a luta pela redemocratização do país e o sepultamento da ditadura militar,

em meados dos anos de 1980, os movimentos sociais de educação começam a promover

reflexões com vistas a gerar mudanças no sistema educacional brasileiro e na educação

superior. Dentre as propostas de mudança está a reestruturação da formação de

professores e dos especialistas em educação, entre outros.

Nessa proposta se concentra o nosso objeto, pois o curso de Pedagogia era o

responsável pela formação de professores para o magistério de 2° grau e dos

especialistas em educação. É da crítica a essa dicotomia e ao currículo técnico, além dos

clamores já pontuados, que nasce o Movimento Nacional pela Reformulação dos Cursos

de Formação dos Profissionais da Educação – CONARFE que, na década de 1990,

passou a se chamar Associação Nacional pela Formação dos Profissionais de Educação

- ANFOPE.

No campo da formação e do currículo do curso de Pedagogia, a ANFOPE tem,

historicamente, produzido e lutado por transformações. Suas proposições estão

sistematizadas nos anais dos Encontros Nacionais e tratam dos princípios, conteúdos e

competências, entre outros (ANFOPE, 2000).

Para este trabalho, cuja categoria analítica é a pesquisa como componente

curricular, nos centramos nos princípios da ANFOPE, que têm na Base Comum

Nacional, seu princípio fundamental. Os outros são: a docência como base da identidade

profissional, a sólida formação teórica e interdisciplinar, a relação teoria-prática como

eixo integrador do processo formativo, a Iniciação Científica e o compromisso social.

Tais princípios se constituem nos elementos basilares em torno dos quais se

estruturam a formação e o currículo. A Base Comum Nacional se configura como eixo

organizador que busca contribuir para a superação da fragmentação do currículo e

traduz um corpo orgânico de conhecimentos que abrange a totalidade do campo de

estudo e dá sentido a uma concepção de formação unificada, cuja prioridade é a

formação de qualidade, contextualizada e ampla, ou seja, uma formação rigorosa, com

sólida formação teórico-cultural pautada em situações de interação de modo que

conteúdo e forma sejam indissociáveis e relacionado a um projeto social mais amplo.

A docência tomada como identidade profissional, se funda na ideia de que todo

profissional da educação deve ser docente e objetiva o cultivo de atitudes e valores que

têm em vista a ação pedagógica para além da sala de aula, com sólida formação teórica

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e interdisciplinar. Essa formação propicia as condições necessárias à relação teoria-

prática, compreendida como processo, porque "perpassa todo o curso e não somente a

prática de ensino" (Ibdem), como historicamente foi nos cursos de formação docente.

Nesse sentido, a teoria é elemento de reflexão da prática e esta é objeto da teoria,

num processo permanente de ação-reflexão-ação. Esse processo se fundamenta na

pesquisa, como "atividade básica de indagação e descoberta da realidade [...], uma

atitude e uma prática teórica de constante busca que define um processo intrinsecamente

inacabado e permanente" (MINAYO,1998, p.23). Assim, a relação teoria-prática passa a

ser um modo de lidar com o conhecimento em todo o percurso da formação, tendo a

pesquisa no currículo como ação formadora e meio de produção do conhecimento

Nessa compreensão, situamos o princípio da iniciação científica como

fundamental a graduação, por proporcionar uma formação voltada para a pesquisa como

ideia de que a preparação dos professores deve ser problematizada e refletida,

"objetivando a produção do conhecimento e a invenção da prática social" (ANFOPE,

2000, p.12). No campo do ensino a iniciação científica contribui para melhor lidar com

os problemas educacionais reais, relacionando-os com os problemas sociais, afinal “é a

pesquisa que alimenta a atividade de ensino e a atualiza frente à realidade do mundo”

(MINAYO, 1995, p. 17).

O compromisso social e político do profissional da educação somente pode ser

justificado em intrínseca relação com a concepção sócio-histórica de educador

(ANFOPE, 2000). Nessa concepção, esse profissional está sintonizado com a realidade

do seu tempo e põe-se como intelectual transformador (GIROUX,1988), cuja tarefa é

tornar a reflexão crítica e a ação, parte fundamental de um projeto social mais amplo.

Em síntese, a ANFOPE, através dos princípios da formação, torna visível a ideia

de uma concepção docente ampla e contextualizada. Ser esse professor/professora, no

entanto, exige a capacidade pedagógica e política de relacionar o trabalho educativo

com a problemática social. Nessa proposição encontramos a razão de ser da pesquisa

como atividade coletiva, capaz de promover a reflexão, a crítica e a produção social e

educacional através da relação teoria-prática e da iniciação científica.

Mas é com a implantação das Diretrizes Curriculares Nacionais, através da

Resolução CNE/CP n° 01/2006 que muitas das proposições dos movimentos sociais

educacionais, inclusive da ANFOPE, se concretizam no âmbito dos projetos

pedagógicos dos cursos de Pedagogia. Tais Diretrizes destinam-se a ultrapassar os

impasses históricos e subsidiar a formação dos profissionais da educação, a organização

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curricular e o campo de atuação dos pedagogos/pedagogas. Também amplia a

concepção de docência, propõe uma nova composição das atividades acadêmicas.

Pelo Parecer que orienta a Resolução n° 01/2006, a pesquisa é princípio

fundamental na formação dos pedagogos/pedagogas e comporta uma pluralidade de

possibilidades curriculares, de seleção de saberes e metodologias próprias do campo

educacional. Tais processos e os conhecimentos produzidos manifestam perspectivas

para repensar as condições históricas do curso de Pedagogia. A pesquisa que era

ausente e ruidosa, na gênese do curso, emerge no âmbito das proposições da ANFOPE e

das DCN para o curso de Pedagogia.

A EFETIVAÇÃO DA PESQUISA NO CURSO DE PEDAGOGIA DO CERES

Esse item analisa o Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia do CERES/UFRN

vigente desde 2008, tomando como categoria de análise a pesquisa na formalidade do

projeto pedagógico. O propósito é evidenciar, a partir dessa categoria, as relações da

localidade do projeto com a globalidade histórica do curso e suas proposições.

O curso de Pedagogia do CERES/UFRN nasceu em 1973 e passou a funcionar

em 1974. Até a atualidade foram três currículos formais. O primeiro no início do curso,

sob a perspectiva tecnicista, dado o contexto de ditadura militar. O segundo em 1996, já

sob as influências do contexto de aberturas política e das proposições dos movimentos

sociais de educadores e o terceiro, em 2008, sob a vigência das Diretrizes Curriculares

Nacionais para o curso de Pedagogia, aprovadas em 2006. A estrutura curricular da

primeira proposta foi apenas uma grade das disciplinas da habilitação Administração

Escolar. Esse grade curricular foi sendo atualizado, na medida em que as outras

habilitações foram sendo criadas, Supervisão Escolar, em 1979 e Orientação

Educacional em 1984.

A segunda proposta curricular foi implantada em 1996 e representou um avanço

em realção ao anterior, por ter sido um projeto, elaborado, discutido e aprovado nas

diversa instâncias da UFRN e do Ministério da Educação. Essa proposta assumiu, de

forma clara, as proposições da ANFOPE, no entanto, não foi elaborada pelos membros

do curso de Pedagogia do CERES, mas por uma comissão do curso de Pedagogia do

Campus Central. Entendia-se que um curso da mesma naturea, na mesma instituição,

ainda que em unidades diferentes, deveria possuir o mesmo projeto pedagógico.

O terceiro é o vigente. Implantado em 2008, é considerado um projeto de

importância social porque atende a Região do Seridó e outras regiões do Rio Grande do

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Norte e Paraíba. Os pilares que sustentam esse projeto pedagógico são: perfil

profissional, princípios, objetivo, competências e estrutura curricular. Tais pilares

evidenciam o sentido formativo da base docente, articulado a pesquisa. Vejamos.

O perfil visa a “docência como referência central”, cuja capacidade traduza uma

formação de cultura geral e de instrumentalização pedagógica, além de possibilitar a

criação de alternativas para novos problemas no campo da educação. Nesse sentido,

“entende-se que a formação do profissional da pedagogia implica diretamente numa

articulação curricular que envolva as aprendizagens significativas, os conteúdos, hábitos

de investigação e pesquisa e a relação teoria-prática” (UFRN, 2008, p. 27).

Os princípios que norteiam o currículo dizem respeito ao compromisso social e

político com a educação; a gestão democrática; a formação pautada na relação teoria-

prática; a articulação da docência com a gestão; o trabalho coletivo e interdisciplinar; o

trabalho pedagógico como eixo da formação; a articulação ensino/pesquisa/extensão; a

articulação entre conteúdos, experimentos, descobertas e produção de saberes; a

avaliação permanente do Projeto Pedagógico e do processo formativo (Ibdem, p. 26).

Observando tais princípios, vemos que eles endossam o perfil delineado e

evidenciam as condições necessárias para uma dinâmica interativa do processo de

formação profissional. Ressalta o caráter fundamental da pesquisa tanto em seu aspecto

articulador, como de produção de conhecimento.

No que diz respeito ao objetivo, a proposta curricular aponta para um pedagogo/

pedagoga com domínio teórico-metodológico e conceitual da ação educativa,

encadeador e organizador dos processos pedagógicos e competente na atuação das

diversas funções que constituem o trabalho educacional, sobretudo o escolar.

No âmbito das competências, o currículo propõe vinte e duas competências,

dentre elas, a capacidade de identificar problemas socioculturais e educacionais; de

dialogar com a área educacional e as demais áreas do conhecimento; de articular ensino

e pesquisa; de criar, planejar, gerir e avaliar situações didáticas; de usar procedimentos

de pesquisa.

Essas e as demais competências, de um modo geral, respondem ao perfil e a

concepção de formação ampla, de base docente, requerida pelo projeto. Ressalta a

relação do trabalho educativo com a problemática social e a dinâmica da produção de

conhecimento. A pesquisa torna-se inerente à formação para docência no currículo de

Pedagogia do CERES.

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A estrutura curricular se apoia em três núcleos e no Trabalho de Final de Curso -

TCC: o Núcleo de Estudos Básicos; o Núcleo de Aprofundamento e Diversificação de

Estudos e o Núcleo de Estudos Integradores. Esses núcleos objetivam comportar os

componentes pedagógicos e articular os saberes teóricos, práticos e complementares

tendo no TCC uma produção monográfica que reflita “sobre um tema ou problema

específico, resultando de um processo de investigação sistemática” (UFRN, 2008, p.

35).

A pesquisa perpassa todos os núcleos que estruturam o currículo. No Núcleo de

Estudos Básicos estão os componentes de fundamentos, entre eles, a “pesquisa

educacional” que pretende que os estudantes tenham “Compreensão do processo de

pesquisa científica, através de seus elementos básicos” (Ibidem, p. 62), e o “projeto

educacional”, que objetiva promover “pesquisa, análise e investigação dos processos

educativos e de organização e funcionamento da instituição escolar” (Ibidem, p. 39).

O Núcleo de Aprofundamento e Diversificação de Estudos se compõe pelos

estágios que têm a função de articular o “contexto do exercício profissional em âmbitos

escolares e não-escolares, [com o] saber acadêmico, pesquisa e prática educativa”

(Ibdem, p. 33). É a relação teoria-prática através da proposta de pesquisa e da ação-

reflexão-ação. O Núcleo de Estudos Integradores é indispensável ao currículo do curso

de Pedagogia por ser a etapa que abastece a formação com saberes elaborados para além

da sala de aula e da formalidade dos planos e propostas didáticas dos professores. São

os saberes complementares a formação que são selecionados pelos próprios estudantes

na instituição de origem ou em outras, através de eventos científicos e acadêmicos, de

ensino, pesquisa e extensão.

O TCC culmina a proposta de conexão da docência com o ensino no currículo do

curso de Pedagogia. Trata da elaboração de uma monografia, trabalho acadêmico, de

investigação sistemática que “pode decorrer de experiências propiciadas pelas

modalidades de prática pedagógica ou de alternativas de interesse do aluno, entre as

quais as de atividades complementares, os estágios e os projetos educacionais” (Ibdem,

p. 35).

A estrutura curricular revela uma formação que se pretende conexa entre reflexões

teóricas, interpretação da realidade e produção de conhecimento, nesse sentido,

intenciona a sólida e ampla formação (ANFOPE, 2000). Assim, a proposta curricular,

como um todo, irradia a compreensão de que a docência é intrínseca a pesquisa no

processo de formação no curso de Pedagogia do CERES/UFRN.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao investigar sobre o componente pesquisa na história do curso de Pedagogia no

Brasil, observamos uma evolução positiva, do ponto de vista da constituição formativa e

curricular. Na sua gênese, a proposta curricular advinda do Decreto-Lei n° 1.190/1939,

silencia sobre a possibilidade, ou não, da pesquisa na formação inicial. Esse silêncio, no

entanto, é ruidoso, haja vista, que no Art. 1º do Decreto nº 19.851/1931, que trata do

Ensino Superior no Brasil e na Lei n° 453/1937, em seu Art. 8°, deixam evidente que a

pesquisa é da natureza e das finalidades da universidade no Brasil.

Esse ruído ecoa, historicamente, tanto é, que na década de 1980, com a

emergência dos movimentos de educadores e a elaboração das proposições para a

reformulação dos cursos de licenciaturas, entre eles, o de Pedagogia, a pesquisa entre

em pauta. A ANFOPE, em particular, constrói um aparato teórico significativo e ratifica

a importância da pesquisa no ensino superior, sobretudo, como prática de ação e

reflexão no âmbito da formação inicial, através da iniciação científica e da relação

teoria-prática.

Mas somente em 2006 com as Diretrizes Curriculares Nacionais, através da

Resolução n° 01/2006, a pesquisa é validada como componente da formação nos cursos

de Pedagogia. Segundo essa Resolução, em seu Art. 3°, que trata da relação dos

estudantes com o repertório das informações transmitido pelo curso, em seu Inciso II, a

pesquisa passa a ser questão central na formação.

Considerando a história da pesquisa como prática própria da natureza da

universidade e o seu processo evolutivo de inclusão nos cursos de formação de

pedagogos/pedagogas, a proposta curricular do curso de Pedagogia do CERES/UFRN

deixa emergir esse componente no contexto da formação inicial. A proposta curricular

elaborada em 2008 segue visivelmente as proposições da ANFOPE e se orienta

legalmente nas Diretrizes Curriculares Nacionais. Prova disso são os elementos

constituidores do currículo: perfil, princípios, objetivo e estrutura curricular, tendo no

trabalho de final de curso a proposta de uma pesquisa culminância.

De um modo geral, o currículo do curso de Pedagogia do CERES apresenta

sintonia histórica, com formação ampla, de qualidade e de base docente aliada a

pesquisa. Esse proposta, no entanto, precisa ser permanentemente avaliada com vistas a

continuidade do processo histórico nos cursos de Pedagogia que apresenta, na sua

gênese, uma ausência e um ruído da pesquisa; nas proposições da ANFOPE e nas DCN,

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torna-se emergente e no curso de Pedagogia do CERES se efetiva como componente

curricular.

REFERÊNCIAS

ASSOCIAÇÃO NACIONAL PELA FORMAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA

EDUCAÇÃO – ANFOPE. X Encontro Nacional, 2000, Brasília. Documento Final.

Anais eletrônicos... disponível em http://lite.fae.unicamp.br/anfope. Acesso em: 02 de

jan. 2007

BARDIN. Laurence. Análise do conteúdo [L‟Analyse de Contenu]. Tradução de Luiz

Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa-Portugal: Persona, 1977.

FÁVERO, Maria de Loudes de Albuquerque. A Faculdade Nacional de Filosofia:

origens, construção e extinção. Série-Estudos Periódico do Mestrado em Educação da

UCDB. Campo Grande-MS. N° 16, p. 110-131, jul-dez de 2003.

SILVA, Carmem Silvia Bissolli da. Curso de Pedagogia no Brasil: História e

Identidade. Campinas, São Paulo: Autores Associados, 1999 (Coleção Polêmica de

Nosso Tempo).

MINAYO, Maria Cecília de Souza (org). Pesquisa Social: teoria, método e

criatividade. 4ª ed. Petrópolis-RJ: Vozes,1995.

MINAYO, Maria Cecília de Souza. O Desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa

em saúde. 5ª ed. São Paulo-Rio de Janeiro: HUCITEC-ABRASCO, 1998.

ROMANELLI, Otaíza de Oliveira. História da educação no Brasil. 22ª ed. Editora

Vozes: Petrópolis/RJ, 1999.

BRASIL. LEI nº 5.540, de 28 de Novembro de1968. Fixou as normas de organização e

funcionamento do ensino superior. Brasília-DF, 1968.

_______. RESOLUÇÃO Nº 02/69 de 12 de Maio de 1969. Fixa os mínimos de

conteúdo e duração do curso de Pedagogia. Brasília-DF, 1969

_______. PARECER CNE/CP nº 05/2005. Diretrizes curriculares nacionais para o

curso de Pedagogia. Brasília. Dezembro de 2005

_______. RESOLUÇÃO/CNE/CP n° 01/2006. Diretrizes curriculares nacionais para o

curso de Pedagogia. Maio de 2006.

UFRN/CERES/DEDUC. Projeto Político Pedagógico do Curso de Pedagogia. Caicó-

RN, 2008 i SILVA, Maria Angélica da. Sentidos de profissionalidades revelados no movimento discursivo das

contribuições da Didática na formação de Pedagogos (as). (200f.) Dissertação (Mestrado em Educação) –

Programa de Pós-Graduação em Educação Contemporânea, Universidade Federal de Pernambuco –

Campus Acadêmico do Agreste, Caruaru, Setembro. (2015) ii SILVA, Geisa Natália da Rocha; ALMEIDA, Lucinalva Andrade Ataide de. Contribuições do currículo

vivido no curso de pedagogia para a prática pedagógica do aluno-professor em formação nas IES públicas

e privadas na região do agreste. Relatório PIBIC-UFPE-CNPq. 2013. iii

Grupos de Estudo Discursos e Práticas Educacionais, que atualmente desenvolve pesquisa aprovada no

Edital Chamada Pública MCTI/CNPq Nº 14/2013 - Universal / Universal 14/2013, intitulada “As práticas

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curriculares de professores do ensino fundamental que se encontram na condição de estudantes do curso

de Pedagogia: uma análise do movimento entre os conteúdos da formação e a prática docente.” iv Quando usarmos a sigla PPP estamos nos referirmos ao Eixo Curricular Pesquisa e Prática Pedagógica

v O adjetivo comum, neste caso, se afasta da ideia de usual ou habitual, mas é tomado no sentido de

partilhado. Sujeitos que partilham um espaço comum, no caso a universidade e / ou escola. vi A partir de Lopes (2008), tomamos o hibridismo, como zona de escape dos sentidos, em que não se

estabelece a perda dos sentidos, em detrimento de outros, mas acontece num processo de ressignificação

dos discursos e dos sentidos a partir dos múltiplos contextos nos quais se inscrevemos sujeitos. vii

Orlandi (2010) viii

Utilizamos a expressão componente, ao longo do texto, para caracterizar a pesquisa como disciplina ou

como atividade na estrutura curricular do curso de pedagogia, da sua gênese as propostas atuais. ix

Para mais detalhes consultar: 1. CHAVES, Eduardo O. C. O Curso de Pedagogia: um breve histórico e

um resumo da situação atual. In: CADERNO DO CEDES. A Formação do educador em debate. São

Paulo: Cortez Editora, Ano I, Nº 02, 1980. p.47-69; 2. SILVA, CARMEM Sílvia Bissolli da. Curso de

Pedagogia no Brasil: história e identidade. Campinas-SP: Autores Associados, 1999.

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