cunha gonçalves - responsabilidade contratual e extracontratual

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707LUIZ DA CUNHA GONALVES

Professor honorrio da Universidade Nacional do Brasil e da Faculdade de Direito do Rio de Janeiro; Doutor honoris causa pelas Universidades de S. Paulo e Recife

TRATADODE D IREIT O

CIVIL

EM COMENTRIO AO

CDIGO CIVIL PORTUGU~S2.a EDIO atualizada e aumentada e l.a EDIO

BRASILEIRAAdaptao ao direito brasileiro completada sob a superviso dos Ministros OROZIMBO NONATO, COSTA MANSO, LAUDO DE CAMARGO e Prof. VICENTE RAO VOLUME XII TOMO IICANTIDIANO Anotado por GARCIA DE ALMEIDA

1957MAX LIMONADEditor de Livros de Direito

RUA QUlNTINO

So PAULO BRASIL -

BOCAIUVA,

191

- 1.9,- . ':>',

OferfJda BibJiotecJdo Tribun,,1de lu~tic 1 da [sf. de S. r2~:J..

Ao Juiz Jos Gcnalve.

Santana.

922

LUIZ

DA CUNHA

GONALVES

TRATADO

DE DIREITO

CIVIL

923

TTULO lU

DA RESPONSABILIDADE MERAMENTECAPTULOI

CIVIL

Pargrafo nico - O caso fortuito, ou de f~ra maior, verifica-se no fato necessrio, cujos efeitos no era possvel evitar ou impedir.Das perdas e danos

por les responsabilizado, exceto nos casos dos arfa. 955, 956 e 957 (Vide arts. 863 e segs.; 1.091, 1.127, 1.277, 1.285 e 1.300, 1.).

DA RESPONSABILIDADE PROVENIENTE DA NO-EXECUO DE OBRIGAESArtigo 2.393

Salvo as excees previstas neste C6digo, de modo Art. 1.059 expresso, as perdas e danos devidos ao credor abrangem, alm do que le efetivamente perdeu, o que razovelmente deixou de lucrar (Vide arts. 927, 948, 1.535, 1.536 e 1.553). Pargrafo nico - O devedor, porm, que no pagou no tempo e forma devidos, s6 responde pelos lucros, que forem ou podiam ser previstos na data da obrigao. Art. 1.060

-

A. responsabilidade proveniente da no-execuo dos contratos regular-se- pelas disposies dos arts. 702 e seguintes; a responsabilidade} que derivar de quaisqtter outras obrigaes} reger-se- pelos mesmos princpios} em tudo aquilo a que stes forem aplicveis.NOTA Como observa AGUIARDIAS ("Da Responsabilidade Civil", vol. I, 1944, n.O 66, pg.140), o "Cdigo Civil distinguiu, a exemplo do portugus, entre responsabilidade contratual e extracontratual, regulando-as em seces marcadamente diferentes do seu texto", embora adotasse, como fundamento genrico da responsabilidade, o princpio da culpa. Va inexecuo das obrigaes, resultam ao devedor as conseqncias assim discriminadas na lei civil:

-

Ainda que a inexecuo resulte de dolo do de-

vedor, as perdas e danos s incluem os prejuzos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato. Art. 1.061 - As perdas e danos, nas obrigaes de pagamento em dinheiro, consistem nos juros da mora e custas, sem prejuzo da pena convencional (Vide arts. 963 e 1.064).

-

Das conseqncias Art. 1.056

da inexecuo

das obrigaes

-

No cumprindQ a obrigao, ou deixando de cum-

pri-la pelo modo e no tempo devidos, 'responde o devedor por perdas e danos (Vide arts. 865 e segs.; 916 e segs.; 955 e segs.; 1.092, pargrafo nico, e 1.097). Art. 1.057 - Nos contratos unilaterais, responde por simples culpa o contraente, a quem o contrato aproveite; e s por dolo aqule a quem no favorea (Vide arfa. 1.092, 1.251, 1.260 e 1.300). Nos contratos bilaterais, responde cada uma das partes por culpa. Art. 1.058 - O devedor no responde pelos prejuzos resultantes de caso fortuito, ou framaior, se expressamente no se houver

Dos juros legais Art. 1.062 - A taxa dos juros moratrios, quando no convencionada (art. 1.262), ser de seis por cento ao ano. Art. 1.063 - Sero tambm de seis por cento ao ano os juros devidos por fra de lei, ou quando as partes os convencionarem sem taxa estipulada (Vide art. 1.262). Art. 1.064 - Ainda que se no alegue prejuzo, obrigado o devedor aos juros de mora, que se contaro assim s dvidas em dinheiro, como s prestae,~de outra natureza, desde que lhes esteja fixado o valor pecunirio por sentena judicial, arbitramento, ou ac~rdo entre as partes (Vide arts. 1.061, 1.179, 1.311, 1.536 e 1.544).Os juros da mora, quando condenadaa Fazenda Pblica expressamente a pag-Ios, por les "s6 responde da data da sentena condenatria, comtrilnsito em julgado, se se tratar de quantia lquida; eda sentena irrecorrvel que, em execuo, fixar o respectivo valor, sempre que a obrigao f~r ilquida" (Decreto n.o 22.785, de 31-5-1933, art. 3.). No , por outro lado, livre a conveno, com referncia aos juros moratrios, nos contratos, limitando-a, sem margem a transp~la,. o Decreto n.O 22.626, de 7 de abril de 1933:

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N.o 22.626, DE 7 DE ABRIL DE 1933

Dispe sbre os juros nos contratos e d outras providncias O Chefe do Govrno Provisrio da Repblica dos Estados Unidos do Brasil: Considerando que tdas as legislaes modernas adotam normas severas para regular, impedir e reprimir os excessos praticados pela usura; Considerando que de intersse superior da economia do pas no tenha o capital remunerao exagerada, impedindo o desenvolvimento das classes produtoras; Decreta: Art. 1. - vedado, e ser punido nos trmos desta lei, estipular em quaisquer contratos taxas de juros superiores ao dbro. da taxa legal (Cdigo Civil, art. 1.062). . 1. Essas taxas no excedero de 10% ao ano se os contratos forem garantidos com hipotecas urbanas, nem de 8% ao ano se as garantias forem de hipotecas rurais ou de penhores agrcolas. 2. No excedero igualmente de 6% ao ano os juros das obrigaes expressa e declaradamente contradas para financiamento de trabalhos agrcolas, ou para compra de maquinismos e de utenslios destinados agricultura, qualquer que seja a modalidade da

sofrer imposio de multa, gravam e ou encargo de qualquer natureza por motivo dessa antecipao. 1. O credor poder exigir que a amortizao no seja inferior a 25% do valor inicial da dvida. J 2. Em caso de amortizao, os juros s sero devidos s6bre o saldo devedor. Art. 8. - As multas ou clusulas penais, quando convencionadas, reputam-se estabelecidas para atender a despesas judiciais, e honorrios de advogados, e no podero ser exigidas q!.wndo no fr intentada ao judicial para cobrana da respectiva obrigao. Art. 9. - No vlida a clusula penal superior importncia de 10% do valor da dvida. Art. 10 - As dvidas a que se refere o art. 1., 1., in fine, e 2., se existentes ao tempo da publicao desta lei, quando efetivamente cobertas, podero ser pagas em (10) dez prestaes anuais iguais e continuadas, se assim entender o devedor. Pargrafo nico - A falta de pagamento de uma prestao, decorrido um ano da publicao desta lei, determina o vencimento da dvida e d ao credor o direito de excusso. Art. 11 - O contrato celebrado com infrao desta lei nulo de pleno direito, ficando assegurado ao devedor a repetio do que houver pago a mais. Art, 12 - Os corretores e intermedirios, que aceitarem negcios contrrios ao texto da presente lei, incorrero em multa de cinco a vinte contos de ris, aplicada pelo Ministro da Fazenda e, em caso de reincidncia, sero demitidos, sem prejuzo de outras penalidades aplicveis...

dvida, desde que tenham garantia real. 3. A taxa de juros deve ser estipulada

.

em escritura pblica

ou escrito particular, e no o sendo, entender-se- que as partes acordaram nos juros de 6% ao ano a contar da data da propositura da respectivaao ou do protesto cambial. . Art. 2, - vedado, a pretexto de comisso, receber taxas maiores do que as permitidas por esta lei. Art. 3. - As taxas de juros estabelecidas nesta lei entraro em vigor com a sua publicao e a partir desta data sero aplicveis aos ,contratos existentes ou j ajuizados. Art. 4. - proibido contar juros dos juros; esta proibio no compreende a acumulao de juros vencidos aos saldos lquidos

Art. 13 - considerado delito de usura, tda a simulao ou

prtica tendente a ocultar a verdadeira taxa do juro ou a fraudar os dispositivos desta lei, para o fim de sujeitar o devedor a maiores prestaes ou encargos, alm dos estabelecidos no respectivo ttulo ou instrumento. Penas: Priso de (6) seis meses a (1) um ano e multaa cntos a cinqenta contos de ris..

em conta-corrente ano a ano. de

.

cinco

Art. 5. - Admite-se que pela mora dos juros contratados stes sejam elevados de 1% e no mais. Art. 6. - Tratando-se de operes a prazo superior a (6) seis meses, quando os juros ajustados forem pagos por antecipao; o clculo deve ser feito de modo que a importncia dsses juros no exceda a que produziria a importncia lquida da operao no prazo convencionado, s taxas mximas que esta lei permite. Art. 7. - O devedor poder sempre liquidar ou amortizar a dvida quando hipotecria. ou pignoratcia antes d() vencimento, sem

No caso de reincidncia, tais penas sero elevadas ao dbro.Pargrafo nico

-

Sero responsveis

como co-autores

o agente

e o intermedirio, e em se tratando de pessoa jurdica os que tiverem qualidade para represent-la. Art. 14 - A tentativa dste crime punvel nos trmos da lei penal vigente. Art. 15 - So consideradas circunstncias agravantes o fato de, para conseguir aceitao de exigncias contrrias aes.ta lei, valer-

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-se o credor da inexperMncia ou das paixes do menor, ou da defici~ncia ou doena mental de algum, ainda que no esteja interdito, ou de circunstncias aflitivas em que se encontre o devedor. Art. 16 - Continuam em vigor os arts. 24, pargrafo nico, ns. 4 e 27 do Decreto n.O 5.746, de 9 de dezembro de 1929, e art. 44, n.O I, do Decreto n.O 2.044, de 17 de dezembro de 1908, e as disposies do Cdigo Comercial no que no contravierem com esta lei. Art. 17 - O Gov~rno federal baixar uma lei especial, dispondo sbre as casas de emprstimos s6bre penhores e cong~neres. Art. 18 - O teor desta lei ser transmitido por telegrama a todos os interventores federais, para que a faam publicar incontinenti. Art. 19 - Revogam-se as disposies em contrrio. Rio de Janeiro, 7 de abril de 1933, 122.0 da lndepend~ncia e 45.0 da Repblica. - GETLIOVARGAS, Francisco Antunes Maciel, Joaquim Pedro Salgado Filho, Juares do N. F. Tvora e Oswaldo Aranha. A apurao da responsabilidade extracontratual encontra disciplina nos arts. 1.518 a 1.532 e 1.537 a 1.543 do Cdigo Civil brasileiro, conforme estatui o arfo 159 do mesmo Cdigo (segunda alnea).

1.933.TRATUAL E

A QUESTO DA UNIDADE OU DUALIDADE DA RESPONA EXTRACONTRATUAL.

SABILIDADE CIVIL. DIFERENAS ENTRE A RESPONSABILIDADE CON-

Sumrio:

-

1.933. A questo da unidade ou dualidade da respon-

sabilidade civil. Diferenas entre a responsabilidade contratual 1.934. As questes da responsabilidade e a extracontratual. predominante e da esfera legal de cada responsabilidade.

-

-

1.935. Incompatibilidade ou cumulabilidade das duas responsabilidades. - 1.936. Possibilidade legal da opo entre as duas responsabilidades. - 1.937. Responsabilidade pela inexecuo das obrigaes de dar, fazer ou no fazer. Modos especiais da reparao. - 1.938. Responsabilidade pela inexecuo da obrigaode conservar. - 1.939. Responsabilidade de terceiros na inexecuo de co,ntratos. - 1.940. Responsabilidade dos mdicos. - 1.941. Responsabilidade dos dentistas, farmacuticos, parteiras, enfermeiros e veterinrios. - 1.942. Responsabilidade dos advogados, solicitadores, peritos e escrives. - 1.943. Responsabilidade dos notrios. - 1.944. Responsabilidades

banqueirose corretores.- 1.946. Responsabilidade de empreExame das principais manobras de concorrncia desleal.

desportivas.

-

1.945.

Responsabilidade

dos

A simples leitura da epgrafe dste Captulo I e do texto do art. 2.393 suscita, desde logo, esta questo: a responsabilidade extracontratual ser derivada da inemecuo duma obrigao preexistente? A atitude passiva imposta aos homens pela regra do convvio social ((no lesar a ningum" uma obrigao? E a sua inexecuo constituda pelo acto ilcito produtor dum prejuzo? Como se explica, ento, que o art. 2.393, na sua segunda parte, faa referncia a obrigaes emtmcontratuais, que s podem ser resultantes de diversos factos prejudiciais e injustos, mas sem existir inexecuo de obrigao preexistente, ao contrrio do que a epgrafe parece indicar? De outro lado, aludindo a epgrafe, genericamente, responsabilidade civil proveniente da inemecuo das obrigaes, e, aplicando o art. 2.393 inexecuo, tanto das obrigaes contratuais, como das extracontratuais, os arts. 702 e segs., quereria o legislador afirmar a unidade da responsabilidade civil? De facto, alguns escritores estrangeiros interpretaram assim aqule artigo.556 Contudo, o final dsse mesmo artigo, referindo-se a casos ou circunstncias em que os arts. 702 e segs. sero inaplicveis, mostra-nos que o legislador distingue a responsabilidade contratual da extracontratual. Onde est, pois, a teoria verdadeira? A responsabilidade civil una? Ou existem duas responsabilidades? Eis uma questo largamente discutida, sobretudo na Frana e na Itlia. Vamos examin-Ia sob o aspecto doutrinal e de direi. to. positivo, embora seja medocre a sua importncia prtica, visto que essa discusso tem surgido, principalmente, por causa do nus probatrio, e mais raras vzes a propsito da solidariedade dos co-responsveis e da competncia dos tribunais.556. DEMOGUE, eit., y, n. 1.251; PLANIOL, eit., II, ns. 878 e segs.; op. op. ANDRBRUN,Rapports et domaines des responsabilits eontraetuelle et dlietuelle, n. 87; CHIRONI, ColPa contrattuale, p. 41.

-

srios de barracas de feira e cabeleireiros. - 1.947. Responsabilidade pela concorrncia desleal: generalidades. - 1.948. 1.949. Responsabilidade oriunda da navegao area.

-

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relativamente recente a tese da unidade da responsabilidade 'Civil e so poucos os seus defensores, embora alguns sejam jurisconsultos de renome.557 Uns estabelecem as bases tericas da unidade; outros combatem as diferenas que os defensores da tese dualista apresentam. Os argumentos assim formulados so os seguintes: a) Entre a lei e o contrato no existe diferena radical; pois pode dizer-se que a lei um contrato entre os cidados dum Estado, ao passo que o contrato a lei dos contraentes; b) tanto a responsabilidade contratual, como a extracontratual, so baseadas na culpa, que, em ambos os casos, tem o mesmo conceito, - a falta de diligncia; em ambos os casos h, tambm, inexecuo duma obrigao preexistente; c) infundada a diferena de, na responsabilidade extracontratual, ser preciso provar uma culpa, ao passo que na contratual basta a prova da inexecuo, porque esta tambm culpa; d) no exacto o argumento de que a responsabilidade extracontratual deriva s da lei e a contratual resulta duma clusula tcita da conveno, em virtude da qual a prestao convencionada substituda pela indemnizao.; pois esta substituio preceituada na lei, independentemente de qualquer clusula; e) improcede a distino baseada em ser exigivel, na responsabilidade contratual, a mora do devedor, que no precisa na extracontratual; pois h contratos em que tambm se dispensa mora, enquanto que na extracontratual pode ter havido mora nas precaues a tomar; f) contestvel a diferena de que, na responsabilidade extracntratual, o credor ou lesado tem de provar a culpa do devedor ou autor da leso, e na contratual o credor no tem de provar a culpa do devedor, que se presume; pois, em ambos os casos, ao devedor se exige, ou uma obrigao

gao de resultado, isto , um certo proveito, sendo idntico o nus probatrio do credor; por exemplo, o banqueiro que cede ao cliente um cofre para depsito dos seus ttulos s contrai uma obrigao de meio, que a de guardar a casa-forte, exactamente como o mdico, que no promete a cura do doente, mas apenas os seus esforos para o curar, ou o motorista, que s se obriga a ser prudente e no a manter so e escorreito o passageiro; pelo contrrio, na responsabilidade pelo risco criado, ou na responsabilidade por facto de cousa prpria ou de animal, existe uma obrigao de resultado. :stes argumentos, porm, so na maioria improcedentes, e os que tm aparente exactido no tm o valor de impugnao sria da dualidade das responsabilidades. Contra les podem ser triunfantemente opostos os seguintes: a) inexacta a equiparao da lei e do contrato, que entre si profundamente divergem; o mtuo consentimento dos cidados na elaborao das leis pura fico democrtica, - embora nesta fico fsse baseada uma revoluo, que fz correr rios de sangue humano, - pois a grande maioria dos cidados ignora as leis, sobretudo aquelas que regem factos, cousas e relaes estranhos sua actividade; a lei caracterizada pela sua generalidade e abstraco, ao passo que o contrato s obriga duas ou algumas pessoas certas e determinadas, em relao a um facto concreto; b) A identidade do conceito da culpa nas duas espcies de responsabilidade no obsta a que tenham diversas naturezas as culpas contratual e extracontratual, pois a primeira pressupe, forosamente, um contrato preexistente, que no foi executado, ao passo que a segunda, na quase totalidade dos casos, estranha a qualquer contrato, designadamente quando proveniente de danos causados s pessoas, ou seja, sua personalidade fsica e moral; c) absolutamente inexacto que, na responsabilidade extracontratual, constitua elemento natural a mora do autor da leso, para que a indemnizao lhe seja exigivel, pois a chamada "mora nas precaues", alm de rarissima, facto r

de meio, isto , mera diligncia ou prudncia, ou uma obri.557. DEMOGUE,op. cit., V, capo XIX; GRANDMOULIN, Nature dlictuelle de la resp. pour violation des oblig. contract.; AUBIN, Responsabilit dlictuelle et resp. contract.; LEFEBVRE, De la resp. dlict. et contract., na Rev. crit., 1886, p. 485; CHIRONI,Carpa extracontrattuale, I, n. 15; 11, n. 404; SERAFINI, ella conD correnza della azione aquiliana colla azione contrattuale; POLLOCK, aws of torts, L p. 494; etc.

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do pr6pr:lo acto ilicito e no influi no vencimento da obrigao; quer se trate de mora ex re) quer de mora ex persona) nunca para tal fim foi precisa a interpelao do autor duma leso, nunca esta pode ter prazo, como o tem uma obrigao contratual, inclusive aquela cujo objecto uma prestao de no fazer; d) A incapacidade do devedor, que pode influir na formao do contrato, no pode jamais obstar sua responsabilidade; o menor, o demente, o prdigo, sero sempre responsveis pela inexecuo dos seus contratos, embora celebrados pelos seus representantes legais, que nunca respondem pessoalmente; pelo contrrio, os arts. 2.377 e 2.379 mostram-nos que a responsabilidade extracontratual, em alguns casos, no exigvel aos incapazes, mas sim aos seus representantes legais, e j vimos que, alm disto, podem stes ter responsabilidade pessoal pelos actos ilicitos daqueles; e) A responsabilidade extracontratual dos co-devedo. res, em regra, solidria, pelo menos quando conexa com a criminal (arts. 2.371, 2.372, 2.380 e 2.381); pelo contrrio, a responsabilidade contratual dos co-devedores no solid~ ria, salvo quando expressamente convencionada (art. 731). Outras diferenas poderiam ser apontadas; mas estas sobejam para se afirmar que, embora a responsabilidade con. tratual e a extracontratual tenham razese elementos comuns, - o acto ilicito, o dano e a relao de causalidade, - e sejam baseadas no princpio geral do art. 2.361, do qual o art. 2.393 aplicao, constituem ramos do mesmo instituto, de tal sorte que um escritor francs comparou sse instituto a JANO de cabea bifronte. Esta a doutrina dominante e aquela que se nos afigura exacta.558 art. 2.393.NOTA

1.934.E DA ESFERA

As QUESTES DA RESPONSABILIDADE PREDOMINANTE

LEGAL DE CADA RESPONSABILIDADE. - No basta averiguar, porm, que a responsabilidade contratual distinta da extracontratuaI. Outra questo conexa surge: sero essas as nicas responsabilidades possveis? sabido que, segundo a doutrina mais em voga, as obrigaes tm como fontes o contrato, o quase-contrato e a lei (V. o voI. I, ns. 39 e 54). Vimos j que a inexecuo dum contrato produz a responsabilidade contratual, e que a prtica dum delito ou quase-delito provoca a responsabilidade delituaI. Mas, a infraco duma obrigao quase-contratual ou puramente legal tambm determina a responsabilidade do infractor. Qual , ento, a respectiva natureza? Haver tambm uma responsabilidade quase-contratual e outra que s responsabilidade legal? Em caso afirmativo, quais so as regras por que se regulam?

- Veja-se o que ficou escrito, de como, na nota ao

Divergem neste ponto os escritores estrangeiros. Dizem uns que se devem aplicar as regras da responsabilidade contratual, por serem o direito comum ou basilar nesta matria; e procuram justificar esta, tese com vrios argumentos do Reu direito positivo, nada convincentes.559 Outros, pelo contrrio, sustentam que as obrigaes quase-contratuais ou puramente legais nada tm de contratuais; que, por isso, s suas infraces se devem aplicar as regras da responsabilidade delitual, que so mais gerais e constituem direito comum.560 Esta questo pode considerar-se resolvida pelo citado artigo 2.393, que, manifestamente, s se refere a duas espcies de responsabilidades, e considera como extracontratuais tdas as responsabilidades que no sejam rigorosamente contratuais, se bem que umas e outras estejam, em regra, sujeitas a idnticas regras: as do arts. 705 e segs., como j vimos.op. cit., I, n. 9; GIORGI, cit., V, n. 140; RAMELLA, op. Dir. com., 1911, II, p. 105; J. GOUVEIA, cit., I, ns. 92 e segs.; ANDR op. BRUN, apports et domaines, R p. 109; etc. 559. DEMOLOMBE, cit., I, n. 404; COLMET SANTERRE, cit., V, n. op. & op. 54 bis; BAUDRY BARDE, cit., n. 358; LAURENT, cit., XVI, n. 232. & op. op. 560. H. & L. MAZEAUD, cit., I, n. 103; PIRSON DE VILL,op. cit., I, op. & n. 11; H. DE PAGE,op. cit., lI, p. 748.

558. Sic: AUBRY& RAU, op. cit., 5.a ed., IV, p. 162; VI, p. 352; DEMOLOMBE,op. cit., XXXI, ns. 472 e segs.; COLIN & CAPITANT,op. cit., -lI, p. 638; BAUDRY BARDE,op. cit., I, n. 536; Huc, op. cit., VII, n. 95; H. & L. MAZEAUD, & op. cit., I, ns. 101 e 102; SAINCTELLETTE, Responsabilit et garantie; ROUARDDE CARD,Resp. contr. etdelict.; LAURENT, p. cit., XX, n. 523; PmSON & DE VILL, o

IJ ~; 932LUIZ DA CUNHA GONALVES'I

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o direito comum o princpio geral do art. 2.361; esta a regra aplicvel a tdas as responsabilidades, sejam ou no contratuais ou delituais. Mas, quando que a responsabilidade se pode considerar cont1-atual) mesmo entre os contratantes? Em regra, na responsabilidade contratual so precisas as trs condies seguintes: a) que exista um contrato; b) que sse contrato seja vlido e exigvel; c) que, em caso de inexecuo, se mostre celebrado entre o responsvel e a vtima. Quanto ao primeiro requisito, porm, convm saber que em certos casos no se pode afirmar que houve contrato. Tais so os chamados contratos de favor) que so freqentes nas relaes entre transportador e viaja~te ou transportado. ~stes contratos, umas vzes, so feitos no intersse do transportador ou em cumprimento de outro contrato, por exemplo, os artistas transportados gratuitamente pela emprsa, o mdico transportado casa do doente, a criana de idade inferior a 3 anos que no paga o seu lugar no comboio, no carro elctrico ou no omnibus (autobus), o indivduo que tem passe gratuito) por contrato, por lei ou por oferta. Mas, como atrs deixamos dito (V. o voI. VII, ns. 1.081 e 1.087), stes contratos, ora so doaes de passagens, ora suplementos de remunerao; e, se no implicam responsabilidade contratual, de nenhum modo excluem a responsabilidade extracontratual do transportador, derivada do seu dever geral de ser prudente e cauteloso, dever de que no fica exonerado pela gratuidade dos transportes. Outras vzes, o transporte feito sem que o transportador tenha nle intersse algum pecunirio, por simples deferncia e at de m vo'ntade) por exemplo, o caso do automobilista que d bolia a um conhecido e at a um viandante fatigado e desconhecido, que lho solicita por grande favor. Esta ltima hiptese est expressamente prevista no art. 142 do Cdigo da estrada, (Decreto-lei n.Q 18.406), que recusa indemnizao aos indivduos transportados gratuitamente em vatura particular, se forem vtimas, durante o transporte,

de acidente ocasionado pela mesma viatura. 'Afirma-se que, neste caso, no h contrato de transporte, nem contrato inominado, nem contrato sui generis. Esta questo ser adiante discutida; mas insistimos no que j dissemos (V. o voI. VII, n.Q 1.087): a, responsabilidade ser, neste caso, extracontratual e sempre exigvel, porque a gratuidade do transporte no exonera o transportador da sua obrigao de ser prudente e reparar em que tem a seu cargo, embora por favor, a integridade e a vida de outras pessoas. Responsabilidade pr-contratual - A necessidade de haver contrato suscita a questo da responsabilidade pr-contratual, quando as partes no passaram da fase de negociaes e nem sequer convencionaram uma promessa) por exemplo, quando a proposta ou oferta de contrato foi feita sem compromisso ou retirada antes da aceitao, ou antes de findar o prazo para sse fim marcado. Qual a natureza dessa responsabilidade? J foi isto discutido atrs, quando a propsito dos contratos expusemos a famosa teoria da Cttlpa in contrahendo de JHERINGe as divergncias dos jurisconsultos sbre ser contratual ou extracontratual a responsabilidade do contraente a quem fsse atribuda a nulidade do contrato (V. o voI. IV, n.Q 554). Mantendo a nossa opinio de que, salvos os casos de dolo ou coaco, no pode um dos contraentes imputar ao outro a culpa do facto de que resultou a nulidade, entendemos necessria a distino seguinte: a) se o contrato no chegou a ser celebrado, e, todavia, um dos interessados nas negociaes preliminares sofreu prejuzo por facto do outro, a responsabilidade dste ser extracontratual, porque no havia contrato algum; b) se o contrato fra celebrado e depois anulado, a responsabilidade civil, nos casos em que seja exigvel, ser ainda extracontratual, porque s pode ser contratual a responsabilidade pela inexecuo dum contrato vlidO.561 No suficiente que a relao causal seja a nulidade561. Sie: AUBRY & RAu, op. eit., 5.Q ed., IV, p. 483; PACIFICI-MAZZONI & VENZI, op. cit., 4.a ed., p. 459; CHIRONI,op. cit., I, Ds. 147 e segs.; AscoLI, na

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dum contr:ato. Rejeitamos, pois, a opinio dos que, em qualquer dos casos, classificam de contratual a responsabilidade derivada de factos relacionados com as negociaes preliminares do contrato.562 Assim, ser extracontratual a responsabilidade conseqente da anulao do contrato: a) por nulidade absoluta, como quando contrrio ordem pblica ou moral, ou tem objecto fisica ou legalmente impossivel; b) por nulidade relativa, ou seja, por vicio de consentimento, sendo um dos contraentes culpado de rro, dolo ou coaco; c) por ausncia de consentimento, como quando houve mal-entendido resultante da obscuridade dum telegrama; d) por venda de cousa alheia, quer feita de m f, quer de boa f.563 Responsabilidade ps-contratual - tambm extracontratual a responsabilidade ps-contratual, assim chamada porque o acto ilicito posterior a um contrato que, alis, s6 tem com le remota relao, por exemplo, a responsabilidade do antigo empregado dum industrial, que revelou a outro os segredos de organizao ou fabrico do. seu ex-patro, ou a do empregado tcnico estrangeiro que, tendo-se obrigado a no servir a outro patro no mesmo pais, findo o seu contrato, foi pr-se ao servio de outro. Neste segundo caso, embora o empregado pratique um acto de concorrncia desleal, pode dizer-se tambm que violou uma clusula contratual, embora dum contrato extinto. No pode ser, portanto, contratual a responsabilidade s6 porque o autor do acto ilicito celebrara com a vitima um contrato, quando aqule acto no execuo, nem inexecuo dste, ou s6 tem com ste contrato relao ocasional, por exemplo, quando um empregado falsifica a assinatura do seuRiv. diTo civ., 1910, p. 835; 1915, p. 559; H. & L. MAZEAUD, p. cit., I, TIS. o 116-120; PIRSON& DE VILL, op. cit., I, TIS. 14 e 15; e os escritores citados TIO voI. IV, TI. 554.562. JHERING, De la culPa in contrahendo TIas Oeuvres choisies, 11, p. 1; BAUDRY & BARDE, op. cit., I, TI. 68; PLANIOL, op. cit., 11, TI. 938; DEMOGUE, op. cit., V, TI. 1.240; COLIN & CAPITANT, op. cit., 11, p. 270; etc. 563. MAZEAUD, op. cit., I, TIS. 121-134.

patro num cheque, ou os administradores duma sociedade falsificam um balano para ocultarem os seus abusos de confiana.564.

Se o prejuizo resultou dum contrato celebrado entre ter-

1

t

ceiros, a responsabilidade para com a vitima, que no interveio em tal contrato, no pode deixar de ser extracontratual. Diversa ter de ser, porm, a soluo quando se trate duma estipulao a favor de terceiro, sendo ste o lesado. A res, ponsabilidade para com ste ser contratual, porque o beneficirio equiparado a um contra ente directo.565 Quando o dano fr causado a um contraente que faleceu, por exemplo, um viajante vitimado por acidente durante o transporte, a responsabilidade que os seus herdeiros podem exigir contratual ou extracontratual? Se instaurarem a aco como he1-deiros e pelo dano sofrido pelo morto, a aco ser de responsabilidade contratual; mas, se exigirem reparao do seu dano pessoal, material e moral, derivado rlaquela morte, a responsabilidade ser extracontratual. Tem-se objectado contra esta distino que o patrimnio do morto no sofre prejuizo algllm, porque cessa de crescer desde a data da sua morte; a aco que os herdeiros exercem no existia no patrimnio do morto, de sorte que les no podem invoc-Ia como tais. Mas, responde-se que no patrimnio do morto estava a sua vida e tudo o que dela dependia: o seu trabalho, a sua inteligncia, os seus ganhos. Tudo isto faltou nesse patrimnio por efeito da sua morte. De contrrio, poder-se-ia sustentar que o morto nada sofreu, nada perdeu.566 Na verdade, os herdeiros do morto podem exercer tanto a aco herdada, como a aco pessoal.NOTA

I

- A respeito da responsabilidade pr-contratual, no di-

reito brasileiro, decidiu o Tribunal de Justia do Estado de So Paulo, que no se nivela quela do contrato definitivo. "Desaten564. RAMELLA,Da resp. extracontrattuale nei transp. ferrov.; DEMOGUE, op. cit.,V, n. 1.243; GARRA,Nuove questioni, I, ps. 178 e 285. 565. ESMEIN (PLANIOL& RIPERT),op. cit., VI, ll. 492; H. & L. MAZEAUD, op. cit., I, TIS. 135-137; PIRSON & DE VILL, op. cit., n. 16. 566. H. & L. MAZEAUD, cit., I, TIS.138-141; PIRSON& DE VILL, ibidem. op.

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LUIZ

DA CUNHA

GONALVES

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TRATADO DE DIREITO

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dido o pr-contrato, responde a parte inadimplente pelos danos acarretados pela falta, danos ~sses que se medem pelo alcance dos esforos e despesas efetuadas". 11;que as conseqncias da promessa no podem ser iguais s da prpria conveno f efetivada, "nem as partes podem obter as mesmas vantagens, ou, qui, maiores, com o contrato preliminar, do que teriam com o definitivo.. ." ("Revista dos Tribunais", vol. 206/207-212).

1.935.

INCOMPATIBILIDADE U CUMULABILIDADE ASDUAS O D

RESPONSABILIDADES.

-

Psto que a responsabilidade contra-

tual possa ser, pelo menos na maioria dos casos, distinguida da responsabilidade extracontratual, alguns casos ocorrem em que se fica na dvida sbre a natureza da responsabilidade exigvel, porque uma e outra concorrem no mesmo acto. Assim, quando um prejuzo seja causado durante a execuo dum acto contratual, porque o devedor no usou da necessria prudncia ou diligncia, tem-se considerado esta circunstncia como estranha ao contrato. Os tribunais franceses tm julgado incursos em responsabilidade extracontratual mdicos, arquitectos, empreiteiros, que desempenharam maios servios para que tinham sido contratados. Em matria de transportes, discutido se o transportador responsvel pela segurana dos passageiros. Tem-se julgado, ora que esta responsabilidade delitual, ora que contratual, porque o transportador se obriga tcitamente a conduzir o viajante so e salvo ao seu destino, e, por isso, responde por actos e omisses, por exemplo, se no houver numa carruagem de 1.~ classe o obrigatrio aquecimento, do que resultou o resfriamento dum passageiro. No contrato de ensino e educao em colgio, a respon-. sabilidade pelo acidente sofrido por um internado pode ser contratual, se fr originado por negligncia ou imprudncia durante lies de equitao ou exerccios desportivos, ou extracontratual, se a causa prxima do dano fr estranha obrigao do director do colgio, por exemplo, a queda duma telha.

De igual modo, a responsabilidade dos donos de barracas de feira: cavalinhos, montanha russa, tiro ao alvo, etc., conforme os casos, pode ser contratual ou extracontratual. Assim tambm a responsabilidade do proprietrio dum hotel ser extracontratual, se o hspede foi vtima de furto ou ferimento praticado por pessoa que le deixara entrar com infraco do regulamento policial (art. 2.381), mas contratual se o dano resultou do mau funcionamento do elevador ou do radiador do aquecimento central. Ora, em relao a hipteses como as que ficam expostas, os doutrinrios da dualidade das responsabilidades discutem animadamente sbre se o lesado tem, ou no, a faculdade de invocar, ora uma, ora outra dessas responsabilidades, conforme as suas convenincias processuais. Da as duas teses opostas da incompatibilidade absoluta das duas responsabilidades e da cumulabilidade delas, com a conseqente opo pela vtima, havendo tambm sistemas eclcticos, ou seja, de restries de qualquer daquelas teses extremas. Teo1-ia da incompatibilidade absoluta - Alguns escritores sustentam que legalmente impossvel a coexistncia das duas responsabilidades, que so entre si absolutamente incompatveis, porque: a) as partes, celebrando um contrato e prevendo a sua inexecuo, tiveram em vista a sua responsabilidade contratual e no a extracontratual, ainda quando aquela inexecuo fsse dolosa ou efeito dum crime, como o abuso de confiana; b) o legislador, que regulamentou de modo especial a responsabilidade contratual, no o teria feito, se admitisse por hiptese que o contratante lesado poderia mudar. sua vontade, a base da aco, invocando a responsab-ilidade extracontratual; c) a possibilidade de coincidirem as duas responsabilidades no justifica a cumulao delas, nem o livre exerccio da opo entre uma e outra, porque s se verifica o paralelismo de dois domnios diversos, no numa dada relao jurdica, mas sim PO1-ocasio d'ifma dada relao; d) quando a lei estabelece, imperativamente, uma prescrio de curto prazo para a responsabilidade contratual, proibido s partes ampliar sse prazo; no se ompreende,

" I,

I938LUIZ DA CUNHA GONALVES

rTRATADO. DE DIREITO CIVIL

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pois, que uma delas possa faz-Io pela via indirecta da responsabilidade extracontratual; e o mesmo se pode dizer quando a lei preceitua a competncia dos tribunais, exclui a solidariedade dos co-devedores, limita a extenso das perdas e danos, exige a interpelao e amora. 567 Esta tese, contudo, peca por exagerada, porque tende a contestar a coincidncia das duas responsabilidades no mesmo acto, que inegvel. Por exemplo, o depositrio, que no restitui a cousa depositada, porque a vendeu, gastando o respectivo preo, sem dvida alguma, tem responsabilidade contratual ao lado da extracontratual, conexa com a criminal. Teoria da cumulabilidade - A argumentao dos partidrios desta tese mui simples, pois consiste nisto: a) a responsabilidade extracontratual, sendo preexistente ou anterior contratual, no pode ser prejudicada pela supervenincia dum contrato; b) o facto de os contraentes haverem inserido num contrato algumas regras de responsabilidade legal ou extracontratual, no transforma estas em responsabilidade contratual.568 uma argumentao superficial, que de nenhum modo convence da possibilidade legal e prtica da cumulao ou aplicao simultnea das duas responsabilidades, - o que alis no significa que o' autor da leso teria de pagar duas indemnizaes por uma s leso, como exageradamente diz um dos impugnadores desta tese.569 Tese da incompatibUidade tltitigada - As responsabilidades contratual e extracontratual so incompatveis, somente, quando tal incompatibilidade no contende com os princpios da ordem pblica, nem favorece o dolo. inadmissvel567. DEMOLOMBE, p. cit., XXXI, n. 477; AUBRY& RAu, op. cit., 5.a ed., o VI, 446; DEMOGUE,op. cit., V, ns. 1.244 e segs.; JOSSERAND, Cours, 11, ns. 482 e segs.; SALEILLES, horie gn. de l'oblig., n. 322; H. & L. MAZEAUD, p. T o cit., I, n. 174; LALOU,op. cit., ns. 263 e segs.; CHIRONI,op. cit., I, n. 181; GABBA, Nuove questioni, I, p. 285; RAMELLA,na revista Dir. Com., 1911, 11, ps. 109 e segs.; H. DE P AGE,op. cit., 11, n. 927, 568. PLANIOL,Trait, 11, n. 1.857 e nota no Rec. Fer. Dalloz, 1.907; BARTlN, nota a AUBRY& RAU, op. cit., 5.a ed., VI, 446; RIPERT, Droit maritime, 2.a ed., 11, n. 1.740. 569. J. GOUVEIA, p. eit., I, n. 114. o . ..,.. "",,"'... o'i>" """"roI .r:!I>' D'~\ "ih (r1"pf,'; ""

que um contratante, tendo cometido um crime, ou culpa grave, pretenda abrigar-se com o seu contrato para fugir completa reparao do dano causado. Assim, o transportador que, por clusula expressa, limitou a sua responsabilidade a uma pequena quantia, no caso de extravio da causa transportada, - como acontece no transporte das encomendas postais sem valor declarado, - no pode invocar essa clusula quando no se trata de extravio fortuito, mas sim de furto ou abuso de confiana.570NOTA - 1. No que alude aos transportes, no direito brasileiro, a responsabilidade contratual, obrigado o transportador, seja por terra, mar ou ar, a levar o passageiro ao destino, so e salvo (Decreto legislativo n.o 2.681, de 7-12-1912; C6digo do Ar, Decreto-lei n.O 483, de 8-6-1938) "... o Decreto n.O 2.681, de 1912, se aplica tambm s emprsas de transportes e no, apenas, s vias frreas, sem prejuzo do reconhecimento de que, no caso, a culpa nitidamente, contratual. .." (Ac6rdo do Supremo Tribunal Federal, in "Arquivo Judicirio", vaI. 86/138). 2. O C6digo do Ar (decreto-lei citado) no se restringe s atividades da aviao comercial. que no traz "riscos somente a aviao comercial. Os avies, sem exceo, carregam-nos, pondo em perigo de tda natureza, insuscetvel de resguardo, a vida e a propriedade alheias" (Ac6rdo do Tribunal de Justia de So Paulo, in "Revista dos Tribunais", vaI. 199/220. 3. A Lei n.o 2.866, de 13 de setembro de 1956, deu ao art. 114 do Decreto-lei n.O 483, de 8 de junho de 1938 (C6digo do Ar), nova redao, nestes trmos: "Art. 114 - Nas ap6lices de seguro de vida ou de seguro de acidentes, os interessados no podero excluir os riscos resultantes do transporte do segurado nas linhas regulares de navegao area, em aeronaves de propriedade privada, desde que previamente inspecionada pela repartio legalmente competente da Diretoria de Aeronutica Civil, bem como em aeronaves oficiais ou militares em operaes de simples transporte ou Pargrafo nico' - No se aplicam as disposies dste artigo nos casos de viagem em aeronaves furtadas ou dirigidas por pilto no legalmente habilitado". '570. Sic: PIRSON & DE VILL, op. cit., I, n. 27; ESMEIN (PLANIOL & RIPERT) ,

de conduo de autoridades ou de passageiros.

,

op. cit., VI, p. 686; BONNEcASE, Supplment Baudry, lU, p. 620; J. GoUVEIA, ibidem. Ofert] da BitHotec1 do TribuniJlde ju~t11no [si:

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Ao Juiz Jos Gcnalve~

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940 1.936.POSSIBILIDADE LEGAL

LUIZ

DA CUNHA

GONALVES

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RESPONSABILIDADES.

-

DA OpO

ENTRE

AS

DUAS

Sendo incontestvel a coexistncia das

duas responsabilidades no mesmo facto e no sendo possvel a simultnea aplicao ou cumulao de ambas, foroso reconhecer ao lesado a faculdade de escolher ou optar por uma delas, embora seja aquela que mais favorece os seus direitos e intersses, mormente quando a responsabilidade civil conexa da criminal.

f. "

Objecta-se opo, apenas, que, ainda quando a inexecuo do contrato resulta duma infraco penal, esta destaca-se da inexecuo. A pena aplicada no intersse social, mas estranha s relaes civis. Nada obsta a que a responsabilidade civil conexa da criminal seja a contratual, em vez da extracontratual.571 Mas, improcede tal objeco, porque: a) os tribunais criminais no tomam conhecimento da inexecuo dos contratos, mas apenas da violao da lei penal; b) a responsabilidade civil conexa da criminal, nos trmos dos arts. 2.363 e 2.365, sempre a extracontratual, fixada segundo regra especial, como a do 2.9 do art. 34 do Cdigo do processo penal, e no segundo o art. 706 do Cdigo civil; c) no curial, todavia, que o credor seja compelido a exigir a responsabilidade extracontratual, quando a aplicao da pena no lhe interessa e se contenta com a indemnizao liquidada segundo as regras da responsabilidade contratual; e basta isto para justificar a faculdade da opo; d) inversamente, no justo que o credor seja forado a contentar-se com a indemnizao conforme a responsabilidade contratual, quando tenha sido maior o seu prejuzo e exista um dano moral, que talvez no seria atendido naquela responsabilidade, e tambm neste caso a opo defensvel; e) a res-' ponsabilidade contratual , s vzes, excluda por uma clusula de irresponsabilidade; mas, sabido que estas clusulas no cobrem actos dolosos, em relao aos quais tem de pre.. valecer a responsabilidade delitual. 572571. H. & L. MAZEAUD, eit., I, n. ~O2. op. 572. DEMOLOMBE, cit., XXXI, n. 478; AUBRY RAu, op. eit., 5.a 00., op. & VI, p. 371; CHIRONI, eit., I, n. 17; DEMOGUE, eit., V, n. 1.244. op. op.

No deve, contudo, inferir-se desta argumentao que a coexistncia de responsabilidades e a conseqente opo s6 possvel quando elas coincidam, tambm, com a responsabilidade criminal. Esta coincidncia s influi na competncia do juizo. Ainda que ela no exista, a opo ser licita, se bem que sejam mais raros os respectivos casos, que se do, sobretudo, nos acidentes de trabalho e nos de viao. De igual modo, o vendedor que, em virtude do constituto possessrio, tem a obrigao de conservar a cousa vendida, sob pena de incorrer em responsabilidade contratual in concreto, nos trmos do art. 717, 3.9, se dolosamente deixar perecer essa cousa, no comete crime, mas incorre na responsabilidade extracontratual, como atrs ficou dito (V. o vol. IV, n. 574); e o comprador ter o direito de opo, pois a culpa daquele ter de ser apreciada in abstracto. Um dos casos mais interessantes em que a coexistncia das responsabilidades e a opo se verificam o da venda de cousa alheia (V. art. 1.555). ste acto nem sempre dolos o e criminoso; pode tal venda ter sido feita, at, em boa f; e, psto que sse art. 1.555 disponha que o vendedor responder por perdas e danos quando proceder com dolo ou m f, certo que a boa f no o liberta da responsabilidade, visto o disposto nos arts. 1.047, 2.361 e 2.393, pois todo o dano exige adequada reparao. Ora, o comprador evicto pode optar entre a aco de responsabilidade contratual por inexecuo do contrato e a de evico, que de responsabilidade extracontratual. Idntica opo possvel, em todos os outros ~asos de dolo, como na aco reseisria por simulao} na aco pauliana, na aco anulatria por vcio de consentimento (V. art. 697, 2.9). O contraente dolos o vil tanto o contrato, como o dever geral de no enganar, no lesar a ningum; e o contraente lesado pode optar entre as' duas responsabidades.573573. Sie: J. GoUVElA, cit., I, n. I.l89. p.

.

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Enfim, nos prejuizos causados por tcnicos de qualquer espcie, no desempenho de servios profissionais remunerados,mdicos, advogados, engenheiros, arquitectos, empreiteiros, etc., no s a opo entre as duas responsabilidades se verifica, mas a aco predominantemente de responsabilidade extracontratual, baseada na respectiva impercia ou negligncia, no se fazendo sequer meno do contrato e da sua inexecuo.NOTA - A opo no invivel perante o direito brasileiro, que a acolhe, de seguido, mxime nos casos de acidentes do trabalho. No fica o empregado fungido aos preceitos da legislao especial, facultando-se-lhe ingressar pela via comum, com a demonstrao da culpa ou dolo do empregador, para colhr o respectivo reparo (Jurisprudncia do "Virio da Justia" da Unio, de 16-2-1951, pg. 316; de 13-6-1955, pg. 1.985; de 28-5-1956, pg. 773; "Revista dos Tribunais", vols. 186/440, 189/1.019, 242/142; "Arquivo Judicirio", vols. 86/20, 89/42, 90/269, 108/468, 112/233, 114/77), embora, s vzes, se mostre rebelde a jurisprudncia na aceitao da tese ("Revista dos Tribunais", vol. 190/797).

dade dos factos,574 que muito se distinguem uns dos outros. Exemplifiquemos. i" a) Se um empregado indevidamente despedido era remunerado com participao nos lucros, deve a reparao ser calculada com esta base, sem se admitir a restrio de que ela excede o valor dos servios do autor. b) Nas perdas e danos no se podem incluir honorrios pagos a advogados ou solicitadores, por servios extrajudiciais, pois estas despesas no podem ter-se como efeito necessrio da inexecuo do contrato, mas tm esta natureza as despesas de viagens, perdas de tempo e incmodos exigidos pela cobrana amigvel. c) Para clculo dos danos futuros, deve atender-se aos lucros mdios normais, e no aos excepcionais; por exemplo, no caso de violao do contrato de venda ou traspasse dum estabeleciI)1ento comercial, com a clusula de o vendedor no se estabelecer novamente em designada rea territorial, a indemnizao deve ser calculada, no s em relao aos clientes antigos, mas tambm aos novos, pois normalmente uma casa comercial adquire novos fregueses. d) Se as despesas a fazer numa reparao tiverem aumentado no intervalo entre o dano e a sentena, com referncia data desta que a indemnizao deve ser calculada e no conforme o custo provvel da mesma reparao na data do prejuizo. A frase ((necessriamente res1Lltem)' do art. 706, como a frase ((conseqncia directa e imediata" do art. 1.161 do Odigo civil francs e do art. 1.229 do Cdigo civil italiano, sendo aparentemente clara, no d ao julgador uma indicao precisa, mas sim uma vaga directiva de pouco segura aplicao. Ela no exprime uma simples relao de causalidade. No se pode a tal respeito, porm, firmar regras abstratas, porque se trata de mera quest,o de facto, depen~~'

n

1.937.

RESPONSABILIDADE PELA INEXECUO

DAS OBRIGADA REPA-

ES DE DAR, FAZER OU NO FAZER.

MODOS ESPECIAIS

RAO. Psto que no comentrio aos arts. 705 a 708 (voI. IV, ns. 559 e 560) tenhamos exposto os principios gerais sbre a indemnizao, quanto responsabilidade contratual, fra esclarecer sses principios em confronto com alguns casos da vida prtica. No basta, na verdade, dizer c!lcisamente que a reparao pela inexecuo das obrigaes, designadamente das de darr}taze'f' ou no taze'f'} deve consistir na indemnizao dos danos eme'rgentes e dos 1uc'f'oS cessantes, e que os danos devem ser os p'f'evistos ou p'f'evisveis ao tempo da celebrao do contrato, ou ser 'f'es1t1tado necessMio da falta de cumprimento do contrato, e no os imp'f'ev'istos ou event1~ais, nem os tutU'f'os} que sejam insusceptiveis de exacta determinao e avaliao. preciso, ainda, averiguar quais so os elementos dos danos, quando que stes so eme'f'gentes} directos ou necess'f'ios} etc., atendendo-se sempre reali-

574.

DEMOGUE,op. cit., VI, n. 268.

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dente do prudente arbtrio do julgador.575 Tem-se dito que conseqncia directa da inexecuo do contrato tudo o que conseqncia normal dela; mas restringir muito o mbito da disposio, porque determinada inexecuo pode ter conseqncias que no produziria outro caso anlogo, em diversas circunstncias de tempo, lugar e pessoas, conseqncias que, todavia, no podem dizer-se anormais. O art. 1.150 do Cdigo civil francs, porm, estabeleceu uma restrio, excluindo da reparao todos os danos no previstos ou no previsveis ao tempo da celebrao do contrato. Mas, esta restrio no foi imitada pelo legislador portugus e com razo, porque a previso depende da inteligncia e perspiccia dos homens; e a circunstncia de o devedor ser pouco inteligente no razo, evidentemente, para o lesado no receber a devida reparao. Quando tal previso exige conhecimentos tcnicos, o devedor no pode desculpar-se com a falta dstes, porque negligncia ou imprudncia no se ter feito aconselhar por quem tais conhecimentos possui; mas, com maior razo, no ser admissivel desculpa ao devedor que, sendo um tcnico, tem obrigao de conhecer as cousas da sua profisso. Em todo o caso, os danos p1"e1J-istosu p1"ovveis e por o isso previsveis podem considerar-se incluidos nos que devem ter-se como 1"esultado necessrio da inexecuo do contrato. :sses danos so directos) se bem que possam ser previstos, tambm, os danos indi1-ectos).576 todavia, no sero stes abrangidos na reparao, porque lhes falta o requisito de efeito necessw-io da inexecuo. No caso de se discutir a previsibilidade do dano, deve. atender-se inteligncia mdia das pessoas, mormente quando se trate de quem est habituado a lidar com casos idnticos. Assim, julgou-se em Frana que um empregado ferro575. VENZI, nota a PACIFICI-MAZZONI, eit., IV, p. 460; GIORGI,Obbligaop. zioni, lI, n. 98; POLACCO,Obbligazioni, p. 595; COLMO, Obligaeiones, I, n. 140; DEMOGUE,op. eit., VI, n. 271. 576. DEMOGUE, p. cit., VI, n. 276; VANAZZI, i!:glement des dommages-into R rts, p- 123.

1

I I L

I:

I'II

. I:

I'

virio encarregado de despachar bagagens, pode e deve prever, pelo aspecto exterior das malas e pelo facto de pertencerem a passageiro de vago de 1.'10lasse ou de luxo, que elas c contm objectos de valor, embora no preciosos, como jias ou dinheiro, pelos quais o transportador s responde havendo declarao prvia dles e sendo confiados sua guarda. O requisito da previsibilidade do dano pode, talvez, suscitar dificuldades quando o devedor fr pessoa mor~l. Dever, nesta hiptese, atender-se s pessoas que so rgos da vontade colectiva ou seus instrumentos e auxiliares (empregados e operrios) no cumprimento do contrato, ainda que o empregado culpado no seja aqule que deveria executar a obrigao.577 O dano deve ter-se como previsto e efeito necessrio da inexecuo do contrato quando o credor tenha feito declaraes expressas ou o devedor haja procedido com dolo. E, para sse fim, deve considerar-se dolo, 'no s6 a inteno de prejudicar, mas tambm a conscincia do l)}'ejuzo do credor e at o simples intuito de t'ira-f proveito dessa inexecuo. Pouco importa que essa conscincia do prejuizo seja acompanhada de circunstncias que excluem a culpa grave do devedor.578.

- A indemnizao, na maioria dos casos, como atrs vimos, consiste numa soma de dinheiro, que o devedor ter de pagar ao credor. Mas, em certos casos, pode ter outras formas, principais ou acessrias. Assim, na obrigao de dar ou prestao de cousa, se esta fr defeituosa, avariada, diversa da convencionada, fraco' da totalidade, ou tardiamente entregue, pode o credor recus-Ia ou abandon-Ia na estaoou local onde o devedor a deixou,

-

acto a que os franceses

do a designao de ((laisser pour compte") e adquirir outra com as devidas condies, embora por maior preo, exigindo depois ao devedor a diferena, alm das outras perdas e da577. DEMOGUE, cit., VI, n. 288. op. 578. DEMOLOMBE, cit., XXIV, n. 604; CoLMO,op. cit., I, D. 103; DEop. MOGUE, cit., VI, n. 278; GIORGI, cit., 11, D. 38. op. op. \

'$ 1:11

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nos.519 Isto muito freqente na compra e venda comercial e est de algum modo previsto no art. 474 do Cdigo comercial portugus. Quando o contrato prev uma certa reparao, no ser exigvel outra, nem quantia de dinheiro. Por exemplo, se um empreiteiro se sujeitou a demolir e reconstruir uma obra mal constru da, esta a reparao a que dever ser condenado, salvo se maior fr o prejuzo, como o derivado do atraso da utilizao, caso em que esta parte ter de ser indemnizada em dinheiro. Nas obrigaes de dar, poder o credor, quer reivindicar a cousa convencionada, quer exigir outra igualou de idntica utilidade, quer aceitar cousa diversa, de valor igual, superior ou inferior, que o devedor lhe oferea. Nas obrigaes de fazer, pode a reparao consistir em outro acto de idntica eficcia, por exemplo, se o vendedor no fz a remessa por via martima, pode o.comprador exigir que seja feita por via terrestre ou area, embora mais onerosa, contanto que seja recebida na data prevista. 580 Os modos de reparao podem variar, ainda, segundo a natureza dos contratos: compra e venda, locao, transporte, empreitada, etc., ou conforme a natureza da prestao, ou de harmonia com os usos comerciais ou industriais.NOTA - Tambm no direito brasileiro,ainda "que a inexecuo resulte de dolo do devedor, as perdas e danos s incluem os prejuzos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato" (Cdigo Civil, art. 1.060). "... sse princpio se aplica tanto em matria contratual, como em matria aquiliana, por isso que o dano indireto no constitui efeito certo, conseqncia necessria do ato. . ." (acrdo do Tribunal de Justia do Distrito Federal, in Jurisprudncia do "Dirio da Justia" da Unio, de 18-11-1954, pg.' 4.047).

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RESPONSABILIDADE

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ficou dito, a obrigao de custdia de cousa mvel alheia era considerada de especial gravidade, de sorte que, na responsabilidade civil pelo receptum) no s a culpa. era apreciada in abstracto) pelo padro do bom pai de famlia) mas at com mais rigor do que a vulgar diligentia. H textos romanos em que se encontra a frase ((custodia et diligentia))) que exprime a distino entre as duas obrigaes. No tempo de LABEO que se operou a equiparao dos dois conceitos. Mas, excepcionalmente, a responsabilidade do depositrio era avaliada segundo o conceito da culpa in concreto) porque se trata de uma obrigao, a um tempo, incmoda e gratuita.581 A doutrina romanista foi nitidamente mantida no Odigo civil francs, art. 1.137, e em todos os mais que o imitaram,582 dizendo: "A obrigao de velar pela conservao da cousa, quer a conveno tenha por objecto a utilidade de uma das partes, quer a utilidade comum, sujeita aqule que a contrau a empregar todos os cuidados dum bom pai de famlia. Esta obrigao mais ou menos extensa relativamente a certos contratos cujos efeitos so explicados nos respectivos ttulos". . A obrigao de conservar, porm, pode ser contratual ou extracontratual; mas, em ambos os casos, desdobra-se em aces e omisses, a saber: a) no praticar ou evitar que algum pratique, qualquer acto prejudicial integridade e ao bom estado da cousa; b) p-Ia a coberto da aco do tempo (chuva, vento, poeiras, sol, etc.) e dos insectos e outros animais; c) no transformar a cousa, ainda que seja com o intuito de a valorizar, porque a transformao s compete ao proprietrio; d) usar de todos os cuidados ordinrios ou excepcionais necessrios para que a cousa no se deteriore ou perea. Por exemplo, o depositrio de valores deve encerr-l os num cofre ou em casa fechada; quem pediu emprestado um cavalo, se ste adoecer, deve logo confi-Io aos581. CHIRONI,ColPa contrattuale, ns. 24 e 40; SIMO~CELLI,Contributo alla teoria della custodia, na Riv. ital. per le scienze giur., 1892, lI, p. 3. 582. Cdigo civil italiana, arts. 1.219 e 1.224; espanhol, arts. 1.094 e 1.104; holand~, art. 1.271; chileno, art. 1.547; etc. '

O DE CONSERVAR.

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No antigo direito romano, como atrs

579. 580.

DEMOGUE, p. eit., VI, ns. 292 a 295; VANAZZI, p. cit., p. 95. o o DEMOGUE, p. eit., VI, ns. 300 e, 300 bis. o

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cuidados dum veterinrio; o banqueiro a quem foram confiados ttulos de crdito, dever evitar a prescrio de cupes e dividendos; etc. O devedor, contudo, no obrigado a conservar a cousa alheia com sacrifcio da sua prpria, salvo o que excepcionalmente o art. 1.516, nico preceitua a respeito da cousa emprestada em comodato; nem a exercer cuidados incompatveis com o desempenho da sua funo normal de servio pblico, por exemplo, a emprsa ferroviria no obrigada a dar de comer e beber aos animais transportados.583 Por singular excepo, porm, o legislador portugus, no s estabeleceu o critrio da culpa in concreto ou do cuidado habitual do devedor a respeito da obrigao de conservar no constituto possessrio convencionado na compra e venda (art. 717, 3.9), - o que erradamente se tem interpretado como regra geral da responsabilidade contratual, - mas ampliou sse critrio a alguns contratos especiais, tais como: pararia pecuria (art. 1.306), mandato (art. 1.336), depsito (art. 1.435, n.9 1.9), e porventura aos contratos de recovagem e albergaria (arts. 1.412 e 1.420), que equiparam o recoveiro, o barqueiro e o albergueiro ao depositrio, se bem que stes artigos no devam ser interpretados letra. Pelo contrrio, a diligncia de bom pai de familia exigvel nos contratos de penhor (art. 861, n.9 1.9), casamento sob regime dotal (art. 1.157), sociedade (art. 1.258), pararia agrcola (art. 1.302), servio domstico (arts. 1.383, n.9 4.9 e 1.384, n.9 2.9), empreitada (rt. 1.408), comodato (art. 1.514), compra e venda (arts. 1.047, 1.568, ns. 2.9 e 4.9 e 1.579), locao (arts. 1.608, n.9 2.9 e 1.613). No mesmo sentido se pronunciam as doutrinas francesa e italiana.584 Alm disto, a culpa in abstmcto exigvel nos contratos comerciais de corretagem (arts. 76 e 77), sociedade (art. 173), mandato (art. 236), transporte (arts. 383 e 386) ; etc.583. 584. DEMOGUE, p. cit., VI, ns. 150 e 151. o CHIRONI, ColPa contrattuale, capo V; DEMOGUE,op. cit., VI, D. 513;

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Para se contrair a obrigao de conservar no basta que a cousa pertencente a um contraente esteja no domicitio do outro, se ela no foi objecto especial da conveno de guardar. Alguns exemplos elucidaro esta regra. Assim: a) o patro no responde pelos objectos do seu criado, que esto no quarto dste e sob a sua guarda pessoal; b) o director dum colgio, que toma conta do enxoval dum internado, responsvel pela respectiva conservao; c) o dono dum caf ou restaurante, tambm, no responde pelas cousas pertencentes aos fregueses (chapu, bengala, sobretudo ou gabardine), salvo se as recebeu em troca duma senha, numerada ou no, sendo confiadas ao empregado do vestirio; d) o garagista responsvel pelo automvel que recebeu por efeito do contrato de recolha e lavagem; mas no pelo carro para o qual apenas momentneamente concedeu abrigo; e) a companhia de caminho de ferro no responde pelos volumes de mo, que um passageiro tinha no seu vago, se forem furtados, mas poder ser responsvel no caso de descarrilamento ou outro acidente, em que ficaram destruidos, pois o transportador conta sempre com a conduo de tais volumes, visto que para les estabelece o pso mximo de 30 quilos; f) o cocheiro ou chautteur de praa responde pelas bagagens que o passageiro lhe confiou para as meter no carro, mas no pelos objectos que um passageiro deixou esquecidos e le no encontrou, pois outro passageiro ou terceiro pode ter-se dles apropriado; etc.585 Por excepo, o albergueiro ou hoteleiro responde pelas bagagens dos seus hspedes, at pelos objectos de fcil extravio, se tiver culpa, e ainda que o directo culpado seja algum criado, servial ou estranho admitido no albergue ou hotel (arts. 1.420 e 1.421). A responsabilidade neste caso , at, excepcional, porque se estende ao furto, ainda que por esca~ lada ou chave falsa, ao incndio e a qualquer deteriorao devida a acto de outrem.586585. DEMOGUE, p. cit., VI, ns. 158 a 160; JOSSERAND, o Transports, a jurisprudncia francesa. 586. DEMOGUE; p. cit., VI, n. 162. o \ n. 964; e

ESMEIN (PLANIOL & RIPERT)

, op. cit., VI, n. 833; JOSSERAND, cit., lI, n. 613. op.

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4 obrigao de conservar , em regra, uma obrigao de j"esultado; mas pode ser mera obrigao de meio)' por exemplo, o banqueiro que aluga cofres, no se obriga a guardar o contedo dles, mas apenas a t-Ios externamente vigiados, a no deixar entrar na casa-forte pessoas suspeitas, que ali nada tm a fazer, enfim, a fechar solidamente o respectivo porto. A diligncia in abstracto a que estaria obrigado o devedor pode ser modificada por conveno, ou para mais, at culpa levssima, ou para menos, com excluso das precaues normais. Esta segunda hiptese verifica-se freqentemente nos transportes ferrovirios ou martimos, at por disposio da lei. Tal a excluso da responsabilidade do capito pelas fazendas carregadas no convs, com declarao expressa no conhecimento (Odigo comercial, art. 497, nico). A obrigao de conservar implica a obrigao de restituir; mas, se a cousa extraviada fr fungvel, pode ser restituda outra igual. Se a cousa foi pesada, com interveno do devedor, deve ser restitudo o mesmo pso; mas se o pso foi, apenas, declarado pelo credor, pode o devedor provar a sua inexactido; se o pso era desconhecido, cumpre ao credor a prova do que fra entregue. Tratando-se de diversos volumes, se stes foram previamente contados, dever ser restitudo o mesmo nmero; se no' houve contagem, no pode o credor exigir seno os volumes existentes.587 A obrigao de conservar principia desde que o devedor assume a guarda dela e cessa com a sua restituio ou no momento em que o credor deixa de ter esta qualidade. A responsabilidade do capito do navio, porm, s principia desde que a mercadoria seja embarcada e termina quando esteja fora de bordo, entregue ao portador regular do conhecimento. Quanto s pessoas que o devedor tem de conduzir ss e salvas a determinado local, tem-se discutido qual o mome.ilto em que comea e cessa tal obrigao. Certamente, no existe ainda quando o viajante se dirige estao ou cais de em587. DEMOGUE, p. cit., VI, n. 168, e a jurisprudncia o francesa.

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barque. Mas, comea quando o passageiro entrou no veculo ou barco, embora no tenha ainda pago o seu lugar, se podia faz-Io aps o embarque. Se o passageiro ultrapassar o percurso, cessar a obrigao contratual; mas no fica prejudicada a responsabilidade extracontratual, se o passageiro nessa altura fr ferido. A obrigao de conduzir so e salvo no existe para com o passageiro clandestino, nem para qll.em viaja sem bilhete, salvo sendo criana com passagem gratuita, cujo preo se considera includo no bilhete de quem a conduz. - A obrigao extracontratual de conservar incumbe a todos os que administram bens alheios: curador de ausente, tutor de menor ou demente, cabea do casal, administrador de pessoa colectiva, funcionrio pblico, designadamente os almoxarifes, tesoureiros, conservadores, guardas. A responsabilidade, em todos stes casos, deve ser apreciada in abstracto.NOTA - Consulte-se, a propsito do assunto, 08 arts. 774, n.o I, e 1.266 do Cdigo Civil brasileiro.

1.939.CONTRATOS.

RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS NA INEXECUO DE

- A responsabilidade civil contratual exigvel, como j vimos, ao devedor que, total ou parcialmente, faltou ao cumprimento do contrato. Mas, se esta infraco fr cometida de conluio com um terceiro, que por ,meio dela lucrou ou pretendeu lucrar, ser sse terceiro responsvel para com o credor da obrigao assim violada? Eis uma questo relativamente nova em direito. sobretudo no terreno da concorrncia desleal que esta questo tem sido discutida nos pases estrangeiros, designadamente na Frana.588588. HUGUENEY,Responsabilit du tiers comPlice ~e la violation d'une obligation contractuelle, 1910; DEMOGUE, p. cit., VII, capo VI; ESMEIN (PLANIOL o & RIPERT), op. cit., VI, n. 590; RIPERT, La regle morare, n. 1~O; BARTIN,nota a AUBRY& RAu, op. cit., 5.a ed., VI, p. 339; VALVERDE VALVERDE, cit., 111, Y op. Apndice, p. 11. i