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CIBER CULTURA

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CIBERCULTURA

Revisão:Gabriela Koza

Revisão gráfica:Miriam Gress

Editor:Luis Gomes

Editoração:Vânia M611er

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação CIPBibliotecária Responsável: Denise Mari de Andrade Souza - CRB 10/960

R311c Recuero, Raquel.A conversação em rede: comunicação mediada pelo computador e

redes sociais na Internet / Raquel Recuero - Porto Alegre: Sulina,2012.

238 p. (Coleção Cibercultura)

ISBN:978-85-205-0650-9

1. Comunicação Digital. 2. Internet. 3. Cibercultura. 4. Redes Sociais.5. Conversação. I.Título

CDD:302.2303.483

CDU:316.77

Todos os direitos desta edição reservados àEditora Meridional Ltda.Av. Osvaldo Aranha, 440 cj. 101 - Bom FimCep: 90035-190 Porto Alegre-RSTel: (Oxx51) 3311-4082Fax:(OxxS1) 3264-4194www.editorasulina.com.bre-mail: [email protected]

{Maio/2012}

IMPRESSO NO BRASIL/PRINTED IN BRAZIL

,COMUNICAÇÃO MEDIADA PELOCOMPUTADOR E CONVERSAÇÃO

Ana chega da escola, corre para o computador.Ali, por meio de diversas ferramentas, conversa comas amigas e comenta os acontecimentos do dia. Joãofaz um pequeno intervalo para o café no seu trabalho.Enquanto toma café, checa seus e-mails e conversa comos amigos via Internet no celular, combinando um happyhauro Ester prepara-se para conversar com os netos, queestão visitando outro país, usando seu novo laptop. Ascenas, embora fictícias, descrevem práticas cotidianascada vez mais comuns em todas as partes do mundo. Ocomputador, mais do que uma ferramenta de pesquisa,de processamento de dados e de trabalho, é hoje umaferramenta social, caracterizada, principalmente pelosusos conversacionais. Isso quer dizer que os computa-dores foram apropriados como ferramentas sociais e queesse sentido, em muitos aspectos, é fundamental para acompreensão da sociabilidade na contemporaneidade.

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Assim, neste capítulo, discutiremos como a ComunicaçãoMediada pelo Computador dá espaço para as práticasconversacionais e como esses dois conceitos podem servistos diante das apropriações sociais que lhes dão formae conteúdo. Para iniciar a apresentação desse tema, épreciso, antes, discutir o que são e como se apresentamessas práticas conversacionais.

As práticas de conversação na mediação docomputador são comumente referidas na literaturadentro do estudo da chamada Comunicação Mediadapor Computador (CMCll). Essa perspectiva de estudosabarca todo um conjunto de práticas sociais decorrentedas apropriações comunicativas das ferramentas digitaise é discutida por diversos autores desde o princípio dosestudos a respeito do impacto do ciberespaço comoambiente comunicacional na vida social. Isso porque aprópria história da Internet confunde-se com a históriada apropriação conversacional da técnica que lhe deuorigem. O projeto da Web, por exemplo, foi comentadoe apresentado por Tim Berners-Lee em um fórum dediscussão", enquanto o mesmo era construído em 1991.Opróprio surgimento das primeiras redes se faz enquantomilhares desses programadores estão, justamente, tro-

11 É no sentido de "Comunicação Mediada pelo Computador" que asigla será usada neste trabalho.12 http:j jgroups.google.comjgroupjalt.hypertextjtreejbrowsejrmjthreadj7824e490ea164c06jf61c1ef93d2a8398?rnum=1&hl=en&q=group:alt.hypertext+author:Tim+author:Berners-Lee&_done=jgroupjalt.hypertextjbrowsejrmjthreadj7824e490ea164c06jf61c1ef93d2a8398?tvc%3D1 %26q%3Dgroup:alt.hypertext+author:Tim+author:Berners-Lee%26hl%3Den%26&pli=1. Acesso em dezembrode 2011.

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cando mensagens a respeito de como implementá-Ias.Assim, a Comunicação Mediada pelo Computador foiconsolidada como a área de estudo dos processos decomunicação humanos realizados através da mediaçãodas tecnologias digitais.

Para Baron (2002, p. 10), a CMC"é definida demodo amplo como quaisquer mensagens de linguagemnatural que sejam transmitidas e/ou recebidas através deum computador. Falando de modo geral, o termo CMCserefere à linguagem natural escrita enviada via Internet","O conceito de Baron dá uma percepção bastante in-teressante do que é o foco da Comunicação Mediada peloComputador, mas é datado, pois falha ao considerar outrosaspectos não escritos, como a linguagem oral e visual.December (1996) dá uma definição semelhante, focandotambém os aspectos técnicos da mediação, ampliando-a para a troca de informações usando serviços de te-lecomunicações em rede, outro elemento fundamental.Entretanto, o conceito de CMC não diz respeito apenasaos elementos técnicos das ferramentas e nem apenasà linguagem escrita. Há uma pluralidade de aspectossociais e culturais que também precisam ser observados.Herring (1996) dá um conceito mais completo. Paraa autora, a Comunicação Mediada pelo Computadoré "a comunicação que acontece entre seres humanosatravés da instrumentalidade dos computadores"14 (p. 1).

13 Tradução da autora para: "Is loosely defined as any naturallanguagemessaging that is transmitted andjor received via a computerconnection. Generally speaking, the term CMC refers to a writtennaturallanguage message sent via the Internet".14 Tradução da autora para: "Is communication that takes placebetween human beings via the instrumentality of cornputers"

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Herring também salienta a importância do estudodos aspectos sociais e culturais da CMC, bem comoa necessidade do estudo da linguagem que emergenessa ferramenta. Consideramos essa perspectiva comomais adequada, pois vai além do foco na CMC comouma ferramenta, ou como restrita às ferramentas, masobservando também as relações que ali emergem e aspráticas sociais e linguísticas que ali tomam forma. Defato, há inúmeras ferramentas que proporcionam esseambiente, algumas focadas apenas em texto, outras emimagem, outras em som e outras, ainda, que compreendemtodos esses elementos.

Mas a CMCnão é influenciada somente pelas suasferramentas. Ela é, também, um produto da apropriaçãosocial, gerada pelas ressignificações que são construídaspelos atores sociais quando dão sentido a essas ferra-mentas em seu cotidiano. [ones (1995) constrói, alémdisso, uma definição que foca esse elemento. Para ele,a CMC não é apenas constituída de um conjunto deferramentas, mas é um motor de relações sociais, quenão apenas estrutura essas relações, mas também pro-porciona um ambiente para que elas ocorram. É na CMCque as relações sociais são forjadas pelas trocas de infor-mação entre os indivíduos e é principalmente atravésdas conversações que essas práticas são estruturadas.A Comunicação Mediada pelo Computador é, assim, umconceito amplo, aplicado à capacidade de proporcionartrocas entre dois interagentes via computadores.

A pesquisa em Comunicação Mediada peloComputador tem sido desenvolvida de forma ampla,principalmente por linguistas e sociólogos, em váriaspartes do mundo. De um modo geral, podemos apontar

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algumas vertentes importantes. Há aqueles que estudamo discurso produzido na CMC (também apontado poralguns como "discurso mediado por computador").Herring (2001) explica que a diferença desta perspectivaé seu foco "na linguagem e no uso da linguagem nosambientes em rede dos computadores". Por outro lado,também há uma perspectiva interacional, focada nastrocas sociais que emergem dessas trocas linguísticas e,de modo mais pontual, nos efeitos dessas trocas [vide, porexemplo, o trabalho de Wellman, 2001), desenvolvidosprincipalmente por pesquisadores das ciências sociais.É difícil, no entanto, separar as duas perspectivas. Porexemplo, o livro Computer-Mediated Communication:Linquistic, Social and Cross-Cultural Perspectives, orga-nizado por Herring (1996), traz uma abordagem maisabrangente do conceito, apresentando não apenas pers-pectivas linguísticas e díscursívas, mas perspectivastambém sociais e culturais. Essa perspectiva tríplice éque faz tão rica a pesquisa na área de CMe.

Neste livro, optamos por focar a conversaçãocomo a principal forma de CMC, tomando esta visãotríplice como ponto de partida. De um lado, umaperspectiva linguística de estrutura e organização; deoutro, os aspectos culturais das apropriações; e, final-mente, os efeitos dessas trocas a partir desses doiselementos. É a partir daí que vemos a conversação emrede: trata-se de um fenômeno novo, que exige dosestudiosos e pesquisadores novas formas e perspec-tivas de estudo. Essa conversação em rede é uma dasformas de CMe. Entretanto, antes de irmos adiante, épreciso discutir como esses conceitos perrneiam-se econfundem-se em nossa perspectiva.

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A Comunicação Mediada pelo Computador, deum modo geral, é intrinsecamente relacionada com afala e com a oralidade e com a dinâmica dialógica quecaracteriza a conversação. Herring (2010) explica queessa comparação é extremamente comum e remonta jáa alguns dos primeiros trabalhos que focaram a CMe.Por exemplo, o trabalho de Scoble e Israel (2006) des-creve como "conversações nuas" (naked conversations)o conteúdo dos weblogs" que estabelecem uma con-versação com toda a blogosfera. Do mesmo modo, outrostrabalhos, como o de Baron (1998), também citamferramentas como o e-mail como conversacionais, oumesmo, mais recentemente, trabalhos como o de DeMoor e Efimova (2004), sobre os blogs. Riva e Galimberti(1998) também se referem à "conversação virtual" comouma das principais formas de CMC. Para os autores, aexistência da conversação no ambiente virtual dependede um contexto comum que precisa ser negociado pelosparticipantes na ferramenta. De um modo geral, astrocas no âmbito da CMC parecem ser construídas emum nível mais próximo da informalidade e da oralidade(Herring, 2001) do que, propriamente, da linguagemescrita. Além disso, essa característica parece perpassartodas as ferramentas de CMCe suas apropriações. Vê-se,portanto, que embora seja claro para muitos o referencial

15 Weblogs ou blogs são ferramentas de publicação que facilitaramo processo de colocar informações na web. São utilizados com osmais diversos fins, como diários, revistas e mesmo jornais. O que oscaracteriza é sua estrutura de postagens (pequenos textos) focadano tempo (organizada sempre com o mais recente no início) com apossibilidade de comentários (vide Amara!, Montardo e Recuero, 2009).

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da conversação mediada pelo computador como análogoà conversação oral, ele não é simples de ser observadoe pode compreender uma grande quantidade de fenô-menos diferentes.

Como Baron (2002), observamos que a CMCconfunde-se com a conversação na maior parte dos as-pectos, onde emergem práticas dialógicas e sociais. Den-tro desta perspectiva, a comunicação mediada pelo com-putador compreende práticas conversacionais demar-cadas pelas trocas entre os atores sociais. Suas caracte-rísticas advêm, deste modo, também da apropriação dasferramentas digitais como ambientes conversacionais.Examinar essas conversações, portanto, é essencial paraque se compreenda também as mudanças na linguagem enos grupos sociais que emergem nesses espaços. Assim,iniciaremos a discussão apontando o que é e como podeser percebida a conversação no ciberespaço.

1.1 A conversação como apropriação no ciberespaço

A conversação é uma das práticas mais recor-rentes na CMC e uma das apropriações mais evidentesem seu universo. Entretanto, para que possamos discutircomo ela aparece no cíberespaço", é preciso compreender

16 Utilizamos o conceito de ciberespaço porque as tecnologiasdigitais, em nosso ponto de vista, criam um ambiente que éapropriado pelos grupos sociais, uma forma de espaço simbólico.Esta ideia será discutida adiante neste livro a partir da perspectivade Fragoso (2000).

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o que constitui o fenômeno no espaço offlíne". Assim,iniciaremos debatendo o que é e como é compreendidaa conversação.

Quando pensamos em "conversar", rapidamenteimaginamos uma série de fenômenos característicos dalinguagem oral e da interação humanas. Por exemplo,a imagem de um diálogo evoca uma série de elementos,pertencentes tanto ao plano daquilo que é dito, quantotambém ao do modo como é dito e às circunstânciasque são relevantes. Enquanto interagentes, estamosconstantemente conectados a todas as informaçõesque nos auxiliam a perceber e a interpretar aquilo queé dito pelos outros e a negociar aquilo que dizemos deforma a apontar algum sentido que desejamos transmitir.Qualquer um de nós que já tenha, em algum momento,observado a ocorrência de uma conversação percebe,em certa medida, que elementos são esses. Num diálogo,tudo é informação: elementos prosódicos (como o tomda voz, a entonação e as pausas da fala), elementosgestuais e, evidentemente, as palavras. A ocorrênciade uma conversação necessita, deste modo, de que osparticipantes compreendam e legitimem os enunciadosum do outro, alternando-se na fala e negociando ocontexto no processo.

A conversação é comumente referenciada pelaliteratura como uma parte importante do processo decomunicação entre dois ou mais indivíduos. Marcuschi(2006), por exemplo, define a conversação como "uma

17 Empregamos o termo "offline" como referência ao espaço que não émediado pelas tecnologias digitais.

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interação verbal centrada, que se desenvolve durante otempo em que dois ou mais interlocutores voltam suaatenção visual e cognitiva para uma tarefa comum" (p.15). A conversação é, assim, como dissemos, a portaatravés da qual as interações sociais acontecem e asrelações sociais se estabelecem. É por meio dela queestabelecemos também nossas primeiras experiênciassociais. Pridham (2001, p. 30) explica que a conversaçãoé, basicamente, "qualquer troca interativa falada entreduas ou mais pessoas"," Como Marcuschi, o conceitode Pridham foca, principalmente, a conversação comoprática falada. O diálogo, enquanto prática falada, implica,necessariamente, uma alocução, interlocução e umprocesso de interação [Kerbrat-Orecchíoni, 2006). Essainteração consiste na situação comunicativa, construídae dividida pelos participantes, erguida pela negociaçãoentre eles. A alocução refere-se à existência de outroparticipante, e a interlocução, à troca de palavras. Assim,o exercício da fala e a conversação, portanto, não sãoapenas constituídas de linguagem oral, mas, igualmente,de uma série de elementos como tom de voz, entonação,silêncios e elementos, não verbais que vão delimitaro sentido daquilo que é dito, construindo a situaçãocomunicativa. Esses elementos são facilmente percebidosquando imaginamos uma situação conver-sacíonal,Ora, para que exista o diálogo, é preciso que alguémesteja falando com um outro (alocução}, que essas falasaconteçam em turnos (ou ainda, que estejam organizadas

18 Tradução da autora para: "( ...) any interactive spoken exchangebetween two or more people"

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e sejam interlocutórias) e que a situação contextual ondeacontece o processo seja demarcada pelos participantes.A conversação, portanto, é um processo complexo, queenvolve elementos diferenciados e possui característicasespecíficas, tanto em seus aspectos organizacionaisquanto sociais e culturais. Mas quais seriam os elementosda conversação?

Marcuschi (2006) cita cinco característicaspráticas, constitutivas da organização de uma conver-sação, a partir daquela definição, como sendo:

1. "interação entre pelo menos dois falantes;2. ocorrência de pelo menos uma troca de

falantes;3. presença de uma sequência de ações

coordenadas;4. execução em uma identidade temporal;5. envolvimento numa interação 'centrada'"

(Marcuschi, 2006, p. 15).

Os elementos de Marcuschi são bastanteperceptíveis nos processos conversacionais cotidianos.A interação entre os falantes e a ocorrência da troca deposição entre os dois focam a característica díalógiôa dafala. Ao mesmo tempo, os outros três elementos apontama construção de um contexto conversacional, ou seja,dos elementos externos, negociados pelos interagentesdurante o processo.

A conversação é também ritualística. Ou seja, seuprocesso é constituído de diversos rituais construídosculturalmente, que delimitam suas fronteiras e fornecemcontextos de interpretação, conforme nos explica

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Goffman (1974, 1981). Assim, há rituais de abertura daconversação (por exemplo, "ai, tudo bem?", cujo sentidoé delimitar uma abertura para a conversação) e rituais defechamento (por exemplo, "Então tá, tchau"). Há rituaispara a troca de falantes, para a linguagem e o formato dafala, e todos dependem do contexto onde a conversaçãoestá inserida. Assim, uma conversação que ocorra entredois debatores em um congresso não tem os mesmosrituais daquele diálogo que ocorre entre amigos, em umencontro informal. Do mesmo modo, não são os mesmosrituais da conversa entre pessoas de idades e classessociais diferentes.

A conversação é, portanto, um processo orga-nizado, negociado pelos atores, que segue determinadosrituais culturais e que faz parte dos processos de interaçãosocial. Não se trata apenas daqueles diálogos oraisdiretos, mas de inúmeros fenômenos que compreendemos elementos propostos e constituem as trocas sociaise que são construídos pela negociação, através dalinguagem, de contextos comuns de interpretação pelosatores sociais."

Essas características e elementos, no entanto,não são imediatamente evidentes no ambiente dociberespaço. A Comunicação Mediada pelo Computadoropera sobre várias ferramentas, com característicase limitações próprias, que vão também influenciar aspráticas conversacionais que emergem no ciberespaço.Ora, se há comunicação mediada pelo computadorconstruída no ciberespaço, há também conversações

19 De forma análoga aos state oftalk de Goffman.

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que têm lugar neste ambiente. Mas como podemosobservá-Ias?

A primeira concepção de conversação nociberespaço deu-se através da percepção da interação edo diálogo como construídos através da linguagem escritapossibilitada por essas tecnologias. Herring (2010)argumenta que, no início, essa concepção era polêmica, e apercepção das trocas textuais no ambiente da comunicaçãomediada por computador era vista simplesmente comouma metáfora para a conversação, mas não como umaconversação em si mesma, que só acontecia através dafala. Entretanto, com o desenvolvimento da pesquisa naárea, a autora explica que há evidências cada vez maioresde que a conversação no ciberespaço possui elementostípicos da conversação oral e que, portanto, é e deve sercompreendida como conversação e não como simulaçãoou metáforas.

Na conversação casual, os usuanos da Internetfrequentemente referem-se às trocas textuais comoconversações, usando verbos como "falei", "disse"e "ouvi" ao invés de "digíteí" "escrevi" ou "li" paradescrever suas atividades na CMe. Mesmo autorespublicados, algumas vezes, referem-se, de formainconsciente, parece-me, aos "falantes" mais do queaos "escreventes", "conversa" mais do que "trocasdigitadas", "turnos" mais do que "mensagens" e daí pordiante quando reportam-se à CMe. O uso linguísticoatesta ao fato que a experiência dos usuários na CMCé fundalmentalmente similar àquela da conversaçãofalada, apesar da CMCser produzida e recebida pormeios escritos" (Herring, 2010, online).

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-:Observamos, deste modo, que essa similaridade

vem, em parte, da incorporação dessas ferramentas aocotidiano das pessoas, construída pela ressignificação desuas potencialidades diante dos interesses e motivaçõesdos grupos sociais. É por isso que defendemos que essaconversação é uma apropriação. Ou seja, as ferramentasda CMC são apropriadas com caráter conversacionalpelos usuários.

Diversos autores têm consistentemente com-parado as interações online com conversações comoPrimo e Smaniotto (2006), Araújo (2004), Scoble eIsrael" (2006), dentre outros. Isso porque as trocasinterativas entre os atores nesses ambientes possuemmuitas similaridades com a conversação oral. Herring(1996, p. 3), por exemplo, argumenta que a linguagemda CMC apresenta uma linguagem "digitada, escrita,mas rápida e informal como a linguagem falada", queconstitui a criação de elementos únicos, como o usodos emotícons, elementos gráficos, léxicos especiais e

20 Tradução da autora para: "In casual parlance, Internet usersoften refer to textual exchanges as conversations, using verbs suchas 'talked,' 'said,' and 'heard' rather than 'typed,' 'wrote,' ar 'read' todescribe their CMC activities. Even published authors sometimesrefer, unconsciously, it seerns, to 'speakers' rather than online 'writers','talk' rather than 'typed exchanges','turns' rather than 'messages,'and so forth, when reporting on CMe. This linguistic usage attests tothe fact that users experience CMC in fundamentally similar ways tospoken conversation, despite CMC being produced and received bywritten rneans,'21 Os autores usam o termo "naked conversations" (conversaçõesnuas).

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/'

acrônimos. Mas, a autora ressalta que a linguagem da CMCnão é homogênea e se manifesta através de diferentesestilos e gêneros, alguns, inclusive, determinados pelaferramenta tecnológica. Baron (2002) também associaas ferramentas de CMCa diálogos, dizendo que algumasdessas ferramentas geram conversação entre dois oumais participantes. Essa conversação é fruto do uso dasferramentas, que não são necessariamente voltadaspara a conversação oral. Na verdade, a percepção deconversações que não se desenham apenas no espaço daoralidade é uma das primeiras observações a respeitoda conversação no espaço da mediação do computador.Nesse sentido, December (1996) aponta ainda queessas características "orais" da CMC implicam o fato deque o discurso não precisa ser baseado em som parater características orais. Boyd, Golder e Lotan (2010),outro exemplo, analisam as conversações no Twitterdemonstrando a negociação de contexto e de práticas dedirecionamento dos participantes, de uma forma similara Honeycutt e Herring (2009). Ora, o Twitter é outro meioonde as interações são predominantemente textuais.Primo e Smaniotto (2006), seguindo essa perspectiva,também analisam as interações que acontecem nos blogscomo conversações, discutindo que essas trocas são simparte de um diálogo. Do mesmo modo, Araújo (2004)defende os chats como transmutações das conversaçõesorais, onde outros elementos são incorporados, comoimagem e som.

O que se observa na literatura, portanto, éque, embora as tecnologias não tenham sido, em suamaioria, construídas para simular conversações, são

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utilizadas deste modo, construindo, portanto, ambientesconversacionais.

Essas práticas de conversação, deste modo,vão aparecer, conforme dissemos, como apropriações,como formas de uso das ferramentas de CMC paraconstruir contexto e proporcionar um ambiente de trocasinteracionais. Lemos (2002) define a apropriação comoa essência da cibercultura. Para o autor, a apropriação éo produto do uso da tecnologia pelo homem, tendo duasdimensões, uma simbólica e uma técnica. É nesse sentidoque também utilizamos o conceito aqui. A apropriaçãotécnica compreende o aprendizado do uso da ferramenta.A simbólica compreende a construção de sentido do usodessa ferramenta, quase sempre de forma desviante, ouseja, com práticas que vão sair do escopo do design deuso desta. Se observarmos, por exemplo, os recados doOrkut, é imediatamente perceptível que se trata de umaforma assíncrona de ínteração", e que as conversaçõesque ali são desenvolvidas espalham-se pelos perfis dosenvolvidos, que respondem cada qual no perfil do outro'interagente. No entanto, já foram observadas práticassíncronas", como aquela de "marcar um encontro" emum perfil aleatório e fazer dele um chato Trata-se de umaapropriação ao mesmo tempo técnica - o aprendizadodo uso - e simbólica - o uso para a conversação. A

22 Assíncrona no sentido de que não se constitui em uma troca ondeos dois atores dividem o mesmo espaço ao mesmo tempo, mas umatroca onde um deles não está presente. Esta ideia será discutidaadiante neste capítulo.23 Os conceitos de conversação síncrona e assíncrona na mediação docomputador serão retomados adiante neste capítulo.

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apropriação, em sua dimensão simbólica é, portanto,criativa, inovadora e capaz de suplantar os limitestécnicos da CMe.

A conversação, no ciberespaço, é tambémcapaz de simular, sob muitos aspectos, elementosda conversação oral. Convenções são criadas parasuplementar, textualmente, os elementos da linguagemoral e da interação, gerando uma nova "escrita oralizada".Contextos são convencionados pelos interagentes atravésda negociação. É uma conversação em rede, múltipla,espalhada, com a participação de muitos, e que permanecegerando novas apropriações e migrando entre as diversasferramentas. Essas práticas provêm características quepermitem examinar a conversação online como análoga àconversação oral, com elementos semelhantes, mas ainda,como apropriação simbólica e técnica. Essas práticas sãoconstantemente alteradas e renegociadas pelos atoresque passam a usar essas ferramentas, criando novasconvenções e novas formas de expressão.

São também práticas oriundas de uma novaestrutura, proveniente do advento da interconexão entreos atores no espaço online, possibilitadas pelas redessociais. Essa estrutura de rede, característica tambémque influencia essas apropriações, gera um contextonovo de negociação dessas práticas. Interconectados,os atores precisam, também, aprender a conversar emrede. E a rede não oferece um contexto simples, pois aconversação é capaz de migrar, estrutura-se de formamultimodal e coletiva. Essas características, entretanto,serão aprofundadas no capítulo 4. Antes delas, é precisodiscutir elementos mais gerais da conversação em rede,decorrentes dessas práticas de apropriação.

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o estudo dessas práticas, ainda incipiente emsuas variadas formas, foi aqui brevemente explicadoatravés de uma tentativa de sistematização de suascaracterísticas, que serão aprofundadas a seguir. Noentanto, por ser fruto da apropriação, a conversaçãomediada pelo computador é mutante, transformadorae produtora de novas redes sociais. Esses elementosauxiliam a compreensão dela, mas não dão conta de suaintegralidade. Práticas conversacionais característicasde um determinado grupo podem ser diferentes emoutro grupo dentro de uma mesma ferramenta, porcaracterísticas específicas da rede social que a apropriou.Justamente por isso, é preciso estudar essas significaçõese sistematizá-Ias, buscando compreender aquilo quese chama de conversação mediada pelo computador eseus efeitos.

1.2 Características da conversação mediadapelo computador

A mediação digital, ou seja, a intermediaçãoda conversação por suportes de informação digitaistransforma essa conversação". O suporte, que não écaracterístico da prática, é subvertido pela apropriação,que lhe dá sentido e lhe confere formas de organização e

24 McLuhan (1964, p. 21) em seu trabalho aponta para os impactosda mediação no espaço da comunicação, explicando que o meiointerfere profundamente também no sentido da mensagem. "O meioé a mensagem."

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estruturação coletivamente estabeleci das, transformandoa prática e, subsequentemente, as próprias apropriações.

Quando focamos o espaço da mediação digitalcomo um espaço conversacional, há, como dissemos,pontos diferentes daqueles da conversação oral. Umprimeiro ponto é o fato de que a larga maioria dasferramentas de CMC (ainda) opera sobre bases delinguagem predominantemente textual. É o caso doschats, e-mails, mícrornensageíros" e fóruns. Ainda queferramentas predominantemente orais tenham surgidonos últimos tempos" - como o Skype", por exemplo,que proporciona interações com vídeo e voz, é segurodizer que a maior parte da CMCainda ocorre de formatextual. Do mesmo modo, a copresença dos interagentesenvolve uma complexa representação de identidades eindivíduos, que não é evidente em todas as ferramentas.O próprio conceito de unidade temporal torna-seelástico, alterando também a percepção de contexto,pois as ações acontecem, muitas vezes, durante espaçosde horas e até dias.

25 Ferramentas como o Twitter (http://www.twitter.com) ou o Plurk(http://www.plurk.com). São definidas como semelhantes aosweblogs, mas permitindo apenas que se publique mensagens comum pequeno número de caracteres, que são visíveis para uma redede seguidores.26 E mesmo essas ferramentas, por envolver mediação, não dão amesma dimensão de um diálogo oral, pois não conseguem transmitirtodos os elementos não verbais que normalmente acompanham esseseventos. Assim, por exemplo, é muito mais difícil negociar os turnosde fala (quem fala quando) em uma ferramenta mediada como umHangout do Google+ (plus.google.com).27 http.Z/www.skype.com.

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A conversação, no ambiente mediado pelocomputador, assim, assume idiossincrasias próprias quesão decorrentes da apropriação dos meios para o usoconversacional. Ela é, portanto, menos uma determinaçãoda ferramenta e mais uma prática de uso e construção designificado dos interagentes, sejam essas ferramentasconstruídas para isso ou não. Falamos em apropriaçãoporque essas ferramentas são construídas pelos agentescomo ambientes conversacionais, e a conversação temcomo suporte um conjunto de convenções simbólicasque são por eles construídas. Portanto, é preciso criarnovos rituais e novas formas de negociar um contextona ínteração. É o caso, por exemplo, dos chamadosmicroblogs ou micromensageiros, que tambémpossuem apropriações conversacionais. Estudoscomo os de boyd," Golder e Lotan (2010), Honeycutte Herring (2009) e Mischaud (2007), por exemplo,têm demonstrado a apropriação do uso da u@" comoferramenta de direcionamento do diálogo ou dashashtags (#jan2S)29.30como ferramentas contextuais noTwitter. Essas apropriações não são usos originais daferramenta, mas usos construídos coletivamente comoformas de driblar limitações para a conversação.

28 O nome da autora é intencionalmente grafado com minúsculas, poisseu registro é realizado assim pela própria.29 Hashtag utilizada para a organização dos protestos que terminaramcom a revolução no Egito, em janeiro de 2011.30 Hashtag é uma informação de contexto, normalmente compostado sinal # (hash) e uma "tag" (etiqueta - uma ou várias palavras).Exemplo: #desabamentosRio (hashtag utilizada no Twitter paracontextualizar falas referentes aos desabamentos de um prédio naregião central do Rio de Janeiro, no início de 2012.

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1.2.1 O ambiente da conversação

A primeira mudança no processo de conversaçãomediada pelo computador é a utilização e a criação de umnovo ambiente de conversação. Trata-se de um ambientemediado, que, portanto, possui características e limitaçõesespecíficas, que serão apropriadas, subvertidadase amplifica das pela conversação. O ambiente daconversação, assim, é o cíberespaço." E, por isso, muitosrituais construídos no espaço digital perpassam váriasferramentas utilizadas para a conversação.

Embora o cíberespaço, em princípio, seja umespaço virtual, constituído pelos fluxos de informaçãoe comunicação que circulam pela infraestrutura dacomunicação digital (Lévy, 1999), ele é um espaçotambém construído e negociado pela participação dosatores através da conversação.

Deste modo, um dos elementos mais difíceisde sistematizar são as características da conversaçãomediada pelo computador. Isso porque de um lado, essascaracterísticas são também decorrentes das apropriaçõesdessas ferramentas e, portanto, são mutantes. Além disso,há elementos que são diferenciais por conta da própriatecnologia que apoia essas trocas. A seguir, faremosuma discussão das características mais importantes·observadas pela literatura e pelos estudos empíricosdessas práticas conversacionais.

31 A "alucinação consensual" proposta por William Gibson em seulivro Neuromancer, de 1984.

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Apesar de a noção de ciberespaço parecer in-teiramente desconectada daquela que temos do espaçofísico, esse não é o caso. A noção de espaço é construí-da pela nossa percepção e por ela delimitada (Fragoso,2000). Portanto, o espaço é sempre um constructo e ja-mais algo universal. Fragoso (2000) questiona a aparentefalta de conexão entre o ciberespaço e o espaço físico, de-monstrando que as metáforas utilizadas pelos interagen-tes para referir-se a seus contextos os reconstroem comoespaço e, inclusive, como território (vide Fragoso, Rebs eBarth, 2010). Fragoso argumenta ainda em seu trabalhoque o ciberespaço é um espaço relacíonal, ou seja, queemerge das inter-relações entre os dados, suas represen-tações gráficas, os fluxos de informação e as interaçõesdos indivíduos. Dentro desta perspectiva, o ciberespaçoé constituído também das nossas percepções de espaço,trazidas pelos conceitos de espaço geográfico, informa-cional e social [Fragoso, Rebs e Barth, 2010).

Com isso, podemos perceber que o cíberespaço,como ambiente da conversação, é construído enquantoambiente social e apropriado enquanto ambientetécnico. Há, portanto, duas dimensões que nos sãorelevantes: como esse espaço fornece elementos paraa construção da conversação através das ferramentasutilizadas pelos grupos sociais e como esses gruposconstroem e se apropriam do contexto gerado por elase por sua experiência no ciberespaço como elemento daconversação. Enquanto os aspectos técnicos, de certaforma, podem direcionar a interação, os aspectos sociaise culturais podem perpassar diversas ferramentas. Assim,por exemplo, embora a hashtag seja uma apropriação

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característica do Twitter, ela também é usada em outrasferramentas com o mesmo sentido.

Outra ideia interessante para analisar o ambienteda conversação a partir de sua apropriação é usada porboyd (2007) na noção de "públicos em rede" inetworkedpublics). Para a autora, esses "públicos" compreendemespaços e audiências que são mediados através datecnologia digital (e cuja noção é também reconstruídapor essa tecnologia). E essa mediação gera elementosfundamentais para seus variados públicos, que sãoinstrinsecamente diferentes dos públicos não mediados.

Quando digo que passei vergonha ao tropeçar no meiofio da calçada, o público a que estou me referindoinclui todos os estranhos que testemunharam,visualmente, o meu tropeço. A audiência está restritaàqueles presentes em um raio geográfico limitado emum determinado momento. (...) Enquanto eu possoimaginar que o mundo inteiro deve saber, não éprovável que isso seja verdade. Mais importante, emum mundo não mediado, não é possível que o mundointeiro realmente testemunhe um acidente; no piorcaso, as pessoas podem ouvir sobre o acontecidoatravés do boca a boca."

32 Tradução da autora para: "Thus when I say that I embarrassed myselfin public by tripping on the curb, the public that I am referencingincludes ali ofthe strangers who visually witnessed my stumble. Theaudience is restricted to those present in a limited geographical radiusat a given moment in time. (...) While I might think that the wholeworld must know, this is not likely to be true. More importantly, in anunmediated world, it is not possible for the whole world actually towitness this incident; in the worst-case scenario, they might ali hearof my mishap through word of mouth"

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Entretanto, a mediação muda isso tudo. Atravésdela, é possível gravar, transformar e replicar a informação.Por isso, boyd explica que esses públicos mediadospossuem características diferenciadas: persistência, re-plicabilidade, audiências invisíveis e, no caso dos públicosem rede, a "buscabilídade" Essas características sãoextremamente úteis para que possamos compreendero ambiente das conversações online. Mais do que dospúblicos, essas são características da interseção entre oespaço e a mediação. É nessa interseção que está geradoo ambiente no qual a conversação poderá tomar espaço.Assim, é relevante compreender como são constituídasessas características da mediação no espaço digital.

A persistência é o oposto da efemeridade (atri-buto tão comum da conversação oral, por exemplo).Essa característica é proporcionada pela mediação dossuportes tecnológicos. É graças a esses meios que épossível gravar uma fala e distribuí-Ia, ampliando o alcanceda voz. Por isso, diz-se que a mediação acrescenta, assim,a persistência ao espaço público, já que as capacidadesfísicas de comunicação dos indivíduos são ampliadas poresses elementos (como já havia discutido McLuhan em"Os meios de comunicação como extensões do homem")."A replicabilidade é a caracerística que proporciona areplicação (cópia) das informações constituídas nessesespaços públicos mediados. Além disso, esses públicostambém constroem as chamadas "audiências invisíveis".

33 Entretanto, não há aqui uma determinação. A mediação digitalquase sempre implica algum tipo de arquivamento e algum tipo depersistência. Mas essa persistência pode não ocorrer, uma vez que osenvolvidos podem apagar os arquivos ou mesmo perdê-los.

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Boyd explica que, enquanto nos públicos não mediadosé possível perceber a audiência pela sua copresençafísica, no espaço da mediação essas audiências sãoinvisíveis. É possível perceber a existência desses grupos,mas não sua presença diretamente. Finalmente, comocaracterística específica da rede está a buscabilidade, quepermite que as informações e expressões sejam buscadase recuperadas através de ferramentas de busca.

Como esses "públicos em rede" constituem-seno ambiente da conversação, é possível depreender queessas características influenciam, também, a conversaçãoque emerge nesses espaços. Entretanto, há outros ele-mentos que também podem ser apresentados e que sãodecorrentes da mediação do computador.

a espaço digital é um espaço fundamentalmenteanônimo, graças à mediação. Como o corpo físico,elemento fundamental da construção da situação deinteração, não é um partícipe do processo no espaçomediado, há uma presunção de anonimato gerada pelaprópria percepção deste. É por isso que as audiênciassão invisíveis por princípio. Há um distanciamentofísico causado pela mediação entre os interagentes, eessa não proximidade está relacionada ao descolamentodo processo conversacional da copresença. Assim, écomum que a linguagem e os contextos utilizados paraa comunicação neste ambiente sejam apropriados pelosatores como elementos de construção de identidade(Donath, 1999; Herríng, 1999; boyd, 2007). Essaconstrução, necessária para a visibilidade daquele comquem se fala, é fundamental à interlocução. A partir dessaconstrução, tem-se a presença, ainda que "virtual", quepermite a situação da conversação.

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Já dissemos, também, que a conversação éuma apropriação, não apenas um fato. Ela é construída,significada e moldada de acordo com as limitações epossibilidades da mediação, mas também a subverte ereconstrói.

1.2.2 Escrita "oralizada"

As tecnologias de informação e comunicação eseu desenvolvimento sempre tiveram efeitos variadossobre a linguagem das populações e sobre as relaçõesestabeleci das através dessa linguagem entre osinterlocutores. Baron (2001) explica que parte dessasmudanças quanto à mediação do digital está focada noapagamento ou hibrídízação das linguagens escrita e oral,tradicionalmente diferentes, ainda que intrinsecamenterelacionadas.

Embora a separação entre fala e escrita sejasecular em termos linguísticos, é característica dessaapropriação do cíberespaço o estabelecimento de uma"escrita falada" ou "oralízada"," O que isso quer dizer? Asferramentas de comunicação mediada pelo computador,inicialmente, suportavam apenas a linguagem escrita.Com isso, a conversação no ciberespaço acontece, emgrande parte, através da linguagem escrita."

34 Enquanto alguns autores consideram que há uma hibridizaçãodessas linguagens (vide Herring, 2008), outros ainda consideram queé uma nova linguagem (ou "netspeak", como afirma Crystal, 2006).35 Herring (2010) explica que, embora hoje em dia outras formas deconversação que focam a linguagem oral (como o VoIP,por exemplo)estejam acontecendo, a comunicação textual tem precedênciahistórica e continua a mais típica da Internet e a mais interessante doponto de vista teórico.

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Com a apropriação para a conversação, essalinguagem precisou ser adaptada. Em outras palavras, elaprecisou incorporar formas de indicar elementos que sãoessenciais para a "tradução" da língua escrita em línguafalada, como elementos que dão dimensão prosódica dafala e elementos não verbais, como gestos e expressões.Sem esses elementos, a "fala" seria extremamenteruidosa no espaço online. Por exemplo, como indicar aum interlocutor que se está sendo sarcástico? No diálogooral, o sarcasmo pode ser construído pela entonaçãovocal, pela expressão facial ou mesmo, pelos gestos queacompanham o enunciado. Entretanto, como dissemos,esses elementos não acompanham a linguagem escrita.Assim, como transmitir essa informação na conversaçãomediada, cujo universo possível de transmissão com-preendia apenas a linguagem escrita?

Ora, foi preciso uma apropriação. E uma dasprimeiras apropriações dos interagentes foi o uso doscaracteres simbólicos de que dispunham para, justamen-te, criar formas de simular esses elementos não verbais.Uma dessas primeiras convenções foi o uso de emoticons.Emoticons são conjuntos de caracteres do teclado quesimbolizam expressões faciais como, por exemplo:

:-) - sorriso:-( - tristeza:-P -língua de fora

Embora não tenham sido, exatamente, umacriação exclusiva da Internet (o uso de emoticons jáacontecia, por exemplo, nas cartas), foi a mediação docomputador que os popularizou. Mesmo que inicialmente

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fossem limitados a caracteres do teclado, hoje quase todaa ferramenta inclui emoticons (inclusive animados!)de todos os tipos." Além disso, outras estratégias ca-racterísticas da comunicação oral foram incorporadas,como o uso de onomatopeias e a repetição de letras paracaracterizar a prosódia. Afinal, sem o contato direto comos interagentes, a falta de contexto é um problema sérioda conversação online.

Com o tempo, essas apropriações tornaram-se mais complexas e mais detalhadas, sendo, inclusive,utilizadas com características de dialetos específicos dedeterminados grupos de usuários" (como Baron, 2001,demonstra). Hoje, há diferentes tipos de convençõespara a conversação onlíne, que se diferem (embora nãototalmente) também entre as várias línguas (vide Crystal,2006 e Herring, 1999).

sempre liiiiiiiiiiiiiiiiiiinda mari *-* bom final desemana :*38(comentário observado em um fotolog}"

36 Essa pluralidade pode ser vista em ferramentas como o MicrosoftLive Messenger e o Plurk, por exemplo, que permitem, inclusive, umapersonalização dos emoticons de acordo com a vontade do usuário.37 Há vários trabalhos que relatam, no Brasil, o surgimento de formasdiferentes de "falar" na Internet, associadas, em geral, a gruposerários, como o de Pimentel (2006), que foca os adolescentes eos blogs.38 Todos os exemplos utilizados neste livro foram anonimizados, comraras exceções, e são todos frutos de pesquisas de campo anterioresda autora.39 Fotologs são ferramentas de publicação de fotografias e imagens,acompanhadas de pequenos textos e comentários providas peloFotolog (http://www.fotolog.com).

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No exemplo acima, vemos uma mensagem que éparte de uma conversação entre dois usuários do Fotolog,uma ferramente mais recente. Observa-se o uso da repe-tição da letra "i" como forma de simular uma entonaçãooral e o uso dos emoticons não tão convencionais ("*-*" e":*") representando, respectivamente, olhos arregaladose um beijo. No caso, são signos criados a partir de con-venções de uso da linguagem no ciberespaço e fornecemo contexto para o diálogo, bem como transformam a lin-guagem em ação. O usuário não apenas "manda" um bei-jo, ele literalmente coloca uma convenção de alguém (elemesmo?) que "dá" um beijo.

A informalidade da linguagem também é umacaracterística dessa oralização. A "fala" na Internet étambém associada a um uso informal da língua, quetambém é mais característico da linguagem oral.

@usuarioA: Tá chovendo nas Pelotas?@usuárioB: Hihihi Nao sei, mas ta sempre umidonas Pelotas RT

No exemplo acima, temos uma resposta dadapor um usuário (usuárioB) a outro (usuárioA) no Twitter.Observa-se o uso coloquial da língua já adaptado para aInternet, o "tá", por exemplo, e a expressão "nas Pelotas',que se refere a uma cidade - PelotasfRS. Mesmo o nãouso de acentos pode ser atribuído a uma forma maiscoloquial e prática de "falar".

Crystal (2006) discute que a conversação naInternet obedece a restrições que são características domeio ou das ferramentas utilizadas. Essas restrições aca-bam por influenciar a capacidade linguística produtiva e

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receptiva dos interagentes, mas não necessariamente do-miná-Ia. Afinal, como espaço simbólico, essas ferramen-tas vão oferecer espaços de construção de práticas quevão ampliar a negociação de sentido de seus usuários,criar convenções (como os emoticons) e ajustar contex-tos que vão permitir a conversação. Assim, ferramentasdiferentes vão oferecer contextos de apropriação dife-rentes da linguagem. E grupos diversos podem, também,ressignificar esses elementos de acordo com sua própriapercepção da ferramenta e seu universo contextual.

Essa simulação do oral dá às trocas interacionaisrealizadas no ciberespaço contornos semelhantes aosda conversação oral. A estrutura aparente dessas trocas,relativamente organizada e onde há turnos e convençõesde contexto (como demonstra o trabalho de Herring,1999), é similar à de uma conversação. A linguagemé adaptada, convencionada e alterada para dar àconversação dimensões da oralidade.

Talvez por conta dessas características, aconversação no ciberespaço seja tão relacionada àconstrução de relações sociais e agrupamentos (videRheingold, 1995; Recuero, 2009). Assim, podemos dizerque, embora não seja constituída de "fala" na maioria dasvezes, a conversação no ambiente virtual é constituída deinterações próximas desta, que simulam a organizaçãoconversacional oral e que têm efeitos semelhantes nasinterações sociais e na constituição dos grupos.

1.2.3 Unidade temporal elástica: os tipos deconversação mediada

Outro elemento apresentado na conversaçãoonline é a sua característica de acontecimento, pois

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compreende trocas em uma unidade temporal na qualos participantes constroem e dividem um contextoem uma copresença. No ambiente do ciberespaço, noentanto, essa "unidade temporal" torna-se mais elástica,e a presença é compartilhada apenas pela persistênciadas trocas e dos contextos. A conversação mediada pelocomputador, deste modo, não necessariamente ocorreem um mesmo momento temporal onde os interlocutoresestão presentes, com um contexto negociado e construídonaquele momento. Ao contrário, são unidades temporaiselásticas, que podem ser estentidas pelo tempo desejadopelos interlocutores, cujo contexto precisa ser adaptadopara essas trocas no tempo. Essa "elasticidade" é carac-terística também do ambiente dessas conversações.

A conversação, no caso da mediação docomputador é constituída de práticas que vão organizaras trocas informativas entre os agentes para a construçãode contextos sociais. Para compreendê-Ia, é precisoverificar a interação e os elementos apontados entreas representações de interlocutores no ambiente vir-tual, dentro de um mesmo contexto interacional queé negociado pelos interagentes. Assim, os contextossão geralmente construídos sobre duas apropriações:a conversação síncrona e a assíncrona. O conceito deformas de CMC síncronas e assíncronas é trabalhadopor muitos autores e fornece alguns elementos paracompreender essa característica. Baron (2002), porexemplo, explica que formas síncronas são aquelas quepossuem o potencial para a interação "em tempo real"dos participantes, enquanto as assíncronas são aquelasferramentas que não possuem esse potencial. Herring(1999) refere-se aos "ambientes" da CMCcomo síncronos

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ou assíncronos, dentro da mesma perspectiva de Baron,demonstrando que ambientes com potencial de temporeal ainda são capazes de simular mais a conversação. Oque temos aqui, portanto, é a noção de que os ambientesda comunicação mediada pelo computador são capazesde proporcionar contextos "ampliados", que podem serrecuperados, buscados e atualizados por novas inte-rações, gerando conversações que podem estender-sepor largos períodos de tempo.

A conversação síncrona é aquela que é carac-terizada pelo compartilhamento do contexto temporal emidiático. Ou seja, são conversações que acontecem entredois ou mais atores através de uma ferramenta de CMC,ecuja expectativa de resposta dos interagentes é imediata.

A conversação assíncrona é uma conversaçãoque se estende no tempo, muitas vezes através de váriossoftwares (migrando, por exemplo, entre vários deles,conforme veremos adiante). Com isso, o sequenciamentoda conversação é diferente, pois está espalhado notempo. Essas conversações já foram observadas poroutros pesquisadores (vide Herring et ai., 2005; Primo& Smaniotto, 2006; Efimova & De Moor, 2005). Elassão, geralmente, perpetradas através de sistemas comoos weblogs, fotologs," listas de discussão por e-mails,micromensageiros ou, mesmo, nos sites de redessociais. Na conversação assíncrona, a reconstrução dospares conversacionais é dificultada, pois a ordenaçãoé diferente no tempo (Herring, 1999). Ou seja, os

40 De estrutura semelhante aos weblogs, mas focados em publicaçõesde fotos acompanhadas ou não de comentários.

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atores envolvidos precisam de mais envolvimento pararelacionar as mensagens com seus pares e compreender osequenciamento das mesmas. A conversação assíncrona,embora igualmente comum na CMC, tem sido menosadotada como objeto de estudo do que a síncrona.

A conversação mediada por computador emsua forma síncrona é, geralmente, mais associada coma conversação oral (víde, por exemplo, o trabalho de Ko,2006), enquanto a modalidade assíncrona é normalmenterelacionada pelos estudiosos à forma escrita (porexemplo, Herríng, 2001). Herring (2010), entretanto,explica que isso parece acontecer porque enquanto aconversação síncrona exige uma ação mais dinâmica naelaboração e envio das mensagens, na assíncrona há umtempo maior para revisar, editar e, até mesmo, apagaraquilo que foi dito. A autora salienta, entretanto, que asformas assíncronas de conversação são, por isso, aindamais interessantes e desafiadoras em seu estudo, pois sãoconversações onde a hibridização entre a linguagem orale escrita parece ser mais complexa e mais diferenciada.

Reid (1991), em seu trabalho sobre o IRC41,

apontou que a comunicação mediada pelo computadorpode ser compreendida como síncrona ou assíncronaa partir de suas ferramentas. As ferramentas síncronasseriam aquelas que permitem uma expectativa de res-posta imediata ou, em uma mesma identidade temporal,como as salas de chato Seriam ferramentas que simu-lariam uma troca de informações de forma semelhante

41 Internet Relay Chat: Protocolo de chat muito popular no ínicio dadécada de 90.

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a uma interação face a face. Já nas ferramentas assín-cronas, a expectativa de resposta não é imediata, masalargada no tempo. Essas seriam ferramentas como oe-mail e os fóruns da Web.

No entanto, o conceito de sincronia e assincroniaé um tanto quanto limitado. Por exemplo, quandopensamos na conversação como prática, vê-se claramenteque, embora o e-mail seja tradicionalmente apontadopelos autores como um meio assíncrono, ele pode adquirircaracterísticas síncronas em seu uso diário. Imaginemos,por exemplo, que um indivíduo A envia um e-mail a umindivíduo B, que imediatamente responde. Percebendoque B está onlíne, A passa a responder imediatamente,dando prosseguimento ao diálogo. Neste caso, o e-mailpassa a ser uma ferramenta síncrona. Murphy & Collins(1999) e Ko (1996) também fazem consideração seme-lhante, mas ressaltam que tais características podemdecorrer do uso e não da ferramenta em si. Diríamos,portanto, que a sincronicidade é mais uma característicada apropriação do meio e menos uma característicada tecnologia.

Essa diferenciação, na realidade, é importantepara que se compreenda que a conversação no ambientedo ciberespaço nem sempre ocorre em uma unidadetemporal onde há a copresença dos participantes. Comohá a predominância da escrita "oralízada', as ínteraçõespossuem memória ou permanência, nos termos de boyd(2007), ou seja, são capazes de persistir no tempo comoregistros das trocas. Com isso, um conjunto de trocasconversacionais pode acontecer em um período de tempoalargado e sem a copresença física dos envolvidos. Essa"presença" pode ser compreendida como virtual, uma

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vez que, como discutiremos a seguir, os interagentes sãorepresentados, e essas representações também tendem apermanecer no espaço virtual mesmo quando estes nãoestão online.

A conversação assíncrona, assim, aconteceporque o ambiente registra as mensagens e as repre-sentações, permitindo que' indivíduos que visitem oambiente em momentos diferentes possam dar con-tinuidade à conversação. A copresença, assim, não acon-tece apenas quando os indivíduos estão sincronizados namesma ferramenta ao mesmo tempo mas, igualmente,quando estes estão acessando a conversação em temposdiferentes. Ou seja, o que permanece é o ambiente daconversação, e não os interagentes.

Usuário A: Tenho trufas de chocolate nageladeira. :-D (3h ago)Usuário B: É um convite? :-P RT @usuarioA:Tenho trufas de chocolate na geladeira. :-D (3hago)Usuário A: @usuarioB Se tu conseguir chegaraqui antes do @usuarioC terminar com elas,pode ser. :D (2h ago)Usuário C: @usuarioA @usuarioB Too late!(38min ago)Usuário B: @usuarioA @usuarioC Damned!(4min ago)

A conversação acima, observada no Twitter,também uma ferramenta assíncrona, demonstra bema elasticidade da unidade temporal. Vemos que é umaconversação desenvolvida entre três participantes

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durante um período de três horas. O "RT" (abreviação deretweet - reenvio de uma mensagem publicada por outrapessoa) repete a mensagem como forma de contextualizaraquilo que está sendo dito em meio a outras mensagenspublicadas pelos interagentes. As mensagens são dire-cionadas entre os participantes através do uso da "@",

de forma que permaneçam visíveis aos demais que, aologar no sistema, respondem. Apesar de assíncrona, aconversação acontece.

Outros trabalhos, como o de Primo e Smaniotto(2006) e o De Moor e Efimova (2004), tambémobservaram conversações em ferramentas assíncronas,que aconteciam entre weblogs. Nos casos, a informaçãode contexto era assegurada por links e por um espaçotípico para a conversação, originalmente destinado aoscomentários dos leitores em relação às postagens doweblog. Nestes casos, a unidade temporal é construídaatravés do contexto, que é dado pelo processo de Iinkagem.Os autores conectam textos e comentários de modo areferenciar os elementos contextuais que são relevantespara a interação. São, também, práticas conversacionais,intertextuais e coletivas de criação de contextos quefavorecem a emergência da conversação em si.

É importante notar que essa divisão entre"tipos" estanques de conversação é apenas didática. Nociberespaço raramente as conversações são puramentesíncronas ou puramente assíncronas, por conta de seucaráter mutante. Essas conversações, assim, estabelecem-se através de várias ferramentas, migram entre tipossíncronos e assíncronos. Uma mesma conversa que seinicia de forma assíncrona no Twitter pode rapidamentetornar-se síncrona (por exemplo, com a conexão dos

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demais atores) e, posteriormente, assíncrona novamente(suponhamos que alguém saia e depois recupere as falase o contexto, e continue a conversação). A conversaçãono cíberespaço, assim, é um evento complexo, múltiplo emultimodal.

1.2.4 Públicas e privadas: os tipos de conversação mediada

As conversações mediadas pelo computadorpodem acontecer de forma pública ou privada. Emboraessas fronteiras não sejam absolutamente claras, umavez que as conversações podem migrar entre diversasferramentas, é importante que se perceba que háespaços construídos de forma diferente nas ferramentas,que permitem determinados limites a quem vê umaconversação. As conversações privadas são aquelasque acontecem em espaços delimitados, fechados, queenvolvem apenas os atores participantes da conversaçãoe deixam-na visível apenas para estes. É o caso, porexemplo, de uma conversação entre dois atores no LiveMessenger.? Em princípio, trata-se de uma conversaçãoprivada porque apenas os participantes têm acesso aela. Já as conversações públicas são aquelas que podemser vistas, em princípio, por qualquer ator que estejavinculado à mesma ferramenta. Assim, por exemplo, aopostar um comentário público em uma conversação queacontece em um fórum da Internet, um determinado ator

42 o Live Messenger é um mensageiro da Microsoft que permite quesejam enviadas mensagens a outros atores que estejam conectadose que abre janelas específicas para a conversação com cada ator ouatores selecionados.

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toma parte em uma conversação pública, pois qualqueroutro participante pode tomar o próximo turno e teracesso ao que foi publicado. Assim, boyd e Heer (2006)argumentam que em uma conversação pública mediadapor computador, o falante não tem a noção exata de quemconstitui sua audiência. Não sabe quem são os demaispor uma das duas razões: ou porque não controla quemacessa sua mensagem ou porque esses estão utilizandouma máscara (como, por exemplo, um nickname). Emconversações públicas, assim, os falantes necessitamimaginar sua audiência e a percepção que esses terão desua mensagem, negociando essa percepção.

Entretanto, essas fronteiras nem sempre são tãoclaras. Boyd e Heer (2006) argumentam que a mediaçãodo computador gera elementos que caracterizam, de for-ma simultânea, as conversações em públicas e privadas.Uma conversação privada, assim, por conta da mediação,tem o potencial de ser tornada pública, uma vez que seuregistro é característico do ciberespaço. O que se tem,em conversações privadas, portanto, é uma limitação davísualízação= da conversação realizada pela ferramenta.Isso significa, entretanto, que essas conversações podemser capturadas por outros indivíduos e publica das. É oque muitas celebridades que expõem sua intimidadenas webcams muitas vezes sofrem. Têm suas interaçõesgravadas e posteriormente publicadas, embora estas,originalmente, fossem privadas. Do mesmo modo, umaconversação pública pode ser passada para o espaço

43 Essa questão da visualização será trabalhada com maiorprofundidade nos próximos capítulos.

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privado, na medida em que alguns dos atores envolvidosdesejam limitar a visibilidade de suas interações.

Em várias ferramentas, há uma configuraçãopública preestabelecida para as interações. Stefanoni eYeng (2008), por exemplo, discutiram em seu trabalhoas conversações na blogosfera, explicando que, emprincípio, são conversações públicas. Para torná-Iasprivadas, os atores precisam alterar as configuraçõesbásicas da ferramenta. Isso significa que nem todo aqueleque passa a utilizar a ferramenta tem esse conhecimentoe, com isso, passam a experimentar as conversaçõespúblicas. Há ferramentas também, como o Facebook,onde é possível gerir as fronteiras das conversações,classificando as conexões e publicando determinadasinformações apenas a determinados grupos.

São essas fronteiras permeáveis que tendem atornar essas conversações mais públicas e que, assim,influenciam oadvento das conversações em rede enquantoconversações públicas. Esses tipos de conversação serãomais trabalhados nos próximos capítulos, pois estãointrinsecamente conectados com outros elementos.

1.2.5 A representação da presença

Outro elemento característico da mediaçãodo computador é a construção de representações dosinteragentes. No ciberespaço, os indivíduos não sedão a conhecer de forma imediata. É preciso que essa"presença" seja construída através de atos performáticose identitários, tais como a construção de representaçõesdo eu. Estas se dão através de elementos que representamos indivíduos no ciberespaço, mesmo quando não estãoconectados naquele momento. Essa representação pode

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ser constituída de um perfil em um site de rede social, umweblog pessoalizado, um nickname em uma sala de chat,uma foto etc. Ela delimita o indivíduo naquela ferramenta.

Essas "representações do self" têm característicassemelhantes àquelas explicitadas por Goffman (1967)em sua construção: elas referenciam indivíduos que in-teragem através da CMCe são cuidadosamente montadascomo espaços pessoalízados, que trazem impressõesconstruídas para dar uma ou outra impressão para apossível audiência através de pequenas pistas, através deperformances de identidade. Trata-se de uma reinscriçãode elementos que são característicos dos indivíduos nociberespaço, o que já foi estudado por alguns autores.Turkle (1996) discute essa representação em MUDs44,

assim como Donath (1999) as discute na Usener", eDõríng (2002), em páginas pessoais. Boyd e Heer (2006),por sua vez, discutem os perfis do Friendster+ (um dosprimeiros sites de redes sociais a despontar nos EstadosUnidos) como formas de conversação focada, justamente,na performance identitária. Assim, as conversaçõesestudadas pelos atores seriam, também, formas deconstruir performances que constroem para a audiênciaimpressões a respeito de quem são os interagentes.

44 Multi-User Dungeon: Uma espécie de jogo de role playing (RPG)textual popular no início da popularização da Internet.4S Rede de discussão dentro da Internet que suporta grupos dediscussão.46 O Friendster foi um dos primeiros sites de rede social com a formaque popularizou o sistema (perfis, grupos ou comunidades e espaços deinteração). Para mais informações sobre sites de rede social, consulte areferência a boyd & Ellison, 2007. http.Z/wwwfríendstencom.

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Embora existam muitas formas de construiressas representações, até mesmo apelidos (nicknames)utilizados em salas de chat, bem como "modos de dizer"que são percebidos como característicos de determina-dos indivíduos (Recuero, 2001), auxiliam na indivídua-lização dos interagentes. Algumas ferramentas de CMC,notadamente aquelas com características mais síncronas,apresentam representações de presença numa mesmaunidade temporal. É o caso dos chats ou dos mensagei-ros instantâneos. Quando algum indivíduo está presenteem um determinado momento, sua presença é apontadapelo seu apelido como online. Em outras ferramentas,com características menos síncronas, a presença dá-seatravés da apropriação do espaço - como em um weblog,por exemplo (vide Primo e Smaniotto, 2006). Nesse caso,os vários espaços de comentários e os links pessoaliza-dos para cada blog podem representar seus respectivosblogueiros e interagentes. Essa personalização e indivi-dualização, ainda que representada no espaço virtual, éessencial para a conversação, pois fornece informaçõescruciais a respeito dos interagentes envolvidos e doscontextos criados.

1.2.6 Migração e multimodalidade

Tradicionalmente, a multimodalidade da comu-nicação refere-se ao fato da conversação fazer uso de váriasinterfaces (por exemplo, a audibilidade, a visualidadeetc). A multimodalidade, assim, compreenderia os váriosmodos sobre os quais uma conversação se estrutura.Mas como acontece essa multimodalidade na mediaçãodigital? Se a comunicação é basicamente escrita, comopode ser pensada de maneira multimodal?

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A comunicação mediada por computador, comojá dissemos, possui uma série de características que sãodiferenciadas. Há vários modos de conversação que po-dem coexistir num mesmo evento. Comumentemente,graças à interface gráfica que permeia a maior parte daconversação digital, a multimodalidade refere-se às for-mas de linguagem que podem coexistir (por exemplo:imagem e texto). Assim, é comum para muitos usuários,enquanto conversam no Skype" (visual), também digitarlinks para seus interlocutores, que aparecem em outrajanela. Essa é uma conversação mantida em vários mo-dos. A própria linguagem da conversação mediada porcomputador é, muitas vezes, ao mesmo tempo, escrita evisual, o que já caracteriza a multimodalidade. Por exem-plo, mesmo em chats puramente textuais, o uso de dese-nhos em ASClI48e de elementos gráficos como os emoti-cons também caracteriza o uso de vários modos na con-versação. Entretanto, esta não é a única forma de mul-timodalidade. A comunicação pode acontecer de váriosmodos também quanto à sua organização e estrutura.

Nesse sentido, Herring (2002) aponta comomodos principais da comunicação mediada pelo com-putador (e, portanto, da conversação) as formas síncronae assíncrona. A síncrona é aquela conversação ondeambos atores estão presentes na ferramenta de modosimultâneo, enquanto a assíncrona foca a conversação

47 Sistema de chamadas semelhantes ao telefone com a opção do usode vídeo e das teleconferências, mas focado na Internet. http.Z/www.skype.com48Sigla para American Standard Code for Information Interchange:sistema de codificação de caracteres baseado no alfabeto inglêsutilizado para o texto nos computadores.

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que ocorre sem a copresença online, mas espalhadano tempo (conforme discutimos no item 1.2.3). Assim,a ocorrência dos dois modos, de forma simultânea,caracteriza a conversação multimodal e é bastantecomum. A multimodalidade, portanto, refere-se aqui aouso corrente (e, por vezes, concorrente) de vários modosde conversar pelos atores envolvidos na interação.

Fotolog 1 said on 12/12/07 7:02 PM ...pode leva pra mim?vamu sai???ahuiahaiuhiuaH

Fotolog 16 said on 12/12/079:14 PM ...posso posso,tá no MSN?a gente marca direito por lávamo que vamo gatinha que eu to encapetada(666)sakjslajkslaa

Como se vê no exemplo, a conversação assíncronaentre os dois atores no Fotolog migra para o MicrosoftLive Messenger (MSN)e torna-se síncrona, A conversa-ção, assim, acontece em várias plataformas. Da mesmaforma, é também comum uma determinada conversainiciar-se de forma pública, com vários interagentes, edepois estabelecer-se em um espaço privado, onde menosusuários participam da mesma conversação paralela.Neste caso, também há uma multimodalidade relacionadacom os modos através dos quais a conversação acontece,tanto público quanto privado, utilizando-se de espaçosdiferentes e, por vezes, também simultâneos.

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A multimodalidade aponta para o fato de que aconversação não possui uma estrutura fixa, estática, massim dinâmica. Tem uma estrutura fluida, sistêrnica, capazde se adaptar e se readaptar. Depende, como dissemos,das práticas sociais que vão valorizar e construir o espaçoda interação e que podem ser negociadas diante dos maisvariados contextos.

Não é incornum, também, que a conversação emum mesmo evento migre entre várias plataformas. Destemodo, é multimodal também porque se utiliza, ao mesmotempo, de tipos diferentes de linguagem e de organizaçõesdiferenciadas da conversação em um mesmo evento (DeMoor & Efímova, 2004).

Por conta disso, dizemos que a conversação naInternet também tende a migrar. Oque isso quer dizer? Asconversações tendem a migrar entre várias plataformas eferramentas, ocorrendo, por vezes, de forma simultâneaentre mais de uma e, por vezes, de forma subsequente.A multimodalidade, portanto, acarreta a migração daconversação entre várias ferramentas, o que indica queé difícil seguir essa conversação. A característica damigração, assim, refere-se à capacidade das conversaçõesde se espalharem entre as várias ferramentas, sofrendoalterações na sua estrutura e organização, mas perma-necendo como um único evento de fala. Ela também estárelacionada com as características das ferramentas, suasapropriações e limitações.

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Neste primeiro capítulo dedicamo-nos a estudaralgumas das características da conversação mediadapelo computador em seus múltiplos aspectos. A partir

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da percepção da conversação como uma apropriação,resultante das práticas sociais construídas pelos atoresem rede, elencamos algumas características, como alinguagem oralizada, a migração, o ambiente e o modocomo a presença é apontada.

Não se pode, é claro, esquecer que essas práticassão emergentes da rede, ou seja, das interconexões entreos atores, que delimitam, constroem e negociam suaemergência. Ninguém fala sozinho. Assim, todos somossubjugados pela rede, pelas suas convenções e pelas suaspráticas coletivas, que dão às características estudadasimportância fundamental neste livro.

Esses elementos são chave e guia para quecompreendamos como essa conversação em rede éestruturada. Ela é consequência das características dasconversações expostas neste capítulo e do advento dossites de rede social e dessas redes sociais online. É menosuma apropriação e mais uma consequência ou efeito dasdiversas apropriações conversacionais que surgem narede. É influenciada por elas e estabelecida nos mesmospadrões, diferenciando-se, todavia, em alguns aspectos,conforme veremos no capítulo 4. Antes disso, entretanto,precisamos focar e discutir os aspectos conversacionaisdas conversações mediadas pelo computador. Assim,sabemos que a conversação é uma apropriação comcaracterísticas próprias no ciberespaço. Mas como ela seestrutura? Como podemos perceber sua organização?

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