cultura popular do df- uma análise discursiva da mídia

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  • 7/29/2019 Cultura popular do DF- uma anlise discursiva da mdia

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    Universidade de BrasliaFaculdade de Comunicao

    Departamento de Audiovisual e Publicidade

    Davi Carvalho de Mello

    Cultura popular do Distrito Federal: umaanlise discursiva da mdia

    Braslia

    Fevereiro 2013

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    Universidade de Braslia

    Faculdade de Comunicao

    Departamento de Audiovisual e Publicidade

    Davi Carvalho de Mello

    Cultura popular do Distrito Federal: umaanlise discursiva da mdia

    Braslia

    Fevereiro 2013

    Trabalho de concluso de curso

    apresentado ao Departamento de

    Audiovisuais e Publicidade paraobteno do grau de bacharel.

    Orientadora: Fabola Calazans

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    Essa monografia, intitulada Cultura popular do Distrito Federal: uma anlise

    discursiva da mdia foi apresentada ao Curso de Publicidade e Propaganda da

    Faculdade de Comunicao Social da Universidade de Braslia.

    Davi Carvalho de Mello

    Aprovada em ___/___/___.

    BANCA EXAMINADORA

    ________________________________________________________

    Professora Fabola Orlando Calazans

    ________________________________________________________

    Professora Ana Lcia de Abreu Gomes

    1 membro da banca examinadora

    _______________________________________________________

    Professor Fernando Oliveira Paulino

    2 membro da banca examinadora

    CONCEITO FINAL: ________________

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    Agradecimentos

    Primeiramente, agradeo minha famlia: papai, mame e Daniel, que

    desde que nasci me mostraram os mais verdadeiros e sinceros valores, como oamor e o companheirismo. Minha famlia a minha fortaleza, o meu maior

    ponto de referncia na vida, so os que sempre conto e os que sempre podem

    contar comigo. Digo, sem dvida nenhuma, que nasci na melhor famlia do

    mundo.

    Agradeo minha querida Universidade de Braslia, que j era to

    desejada, e que superou, de longe, qualquer expectativa que eu pudesse ter.

    Nela, tive a oportunidade de aprender muito, mas no apenas conhecimento

    terico, pois o autoconhecimento foi o aprendizado mais valoroso para mim

    nesses 4 anos e meio. Consegui conciliar as minhas vontades, com as

    necessidades da sociedade, e comear a pensar em como trabalhar uma

    comunicao realmente social. Alm dos grandes amigos que fiz, j que tive a

    sorte de cair no melhor semestre da UnB.

    Ainda dentro da Universidade, agradeo ao incrvel mundo verde que

    tive a oportunidade de fazer parte: a Doisnovemeia. Muito mais do que uma

    empresa jnior, a Doisnovemeia, para mim, foi o melhor lugar que j passei, e

    difcil enxergar algo to bom novamente. Aprendi, cresci, sofri, corri. Tudo

    sempre de uma maneira intensa e feliz. L, tambm fiz muitos dos meus

    melhores amigos, que tenho certeza que levarei para o resto da vida. Obrigado,

    Dois, espero que a porta verde esteja sempre aberta para quando eu quiser

    matar as saudades.

    Por fim, agradeo aos brincantes da cultura popular, que me mostraram

    muitos valores que foram perdidos e esquecidos na sociedade, e que, atravs

    do riso e da luta, mostram que uma vida de arte, devoo e cultura possvel,

    e cada vez mais necessria.

    Obrigado aos envolvidos.

    =)

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    eu vi nascendo por de trs das foia seca

    e vi saindo por de trs dos gaio vermelho

    eu vi nascendo uma cultura brasileira

    no corao de um povo to guerreiro

    (Cultura Candanga P de Cerrado)

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    SUMRIO

    1. Introduo...............................................................................................9

    1.2. Problema de pesquisa............................................................................9

    1.3. Justificativa............................................................................................10

    1.4. Objetivos................................................................................................11

    1.5. Metodologia de pesquisa.......................................................................11

    2. Fundamentao Terica........................................................................16 2.1. Distrito Federal: Segregao Planejada................................................16

    2.2. A construo da identidade...................................................................21

    2.3.Distrito Federal como sntese cultural popular do Brasil........................24

    2.4.Questes legais e polticas.................................................................... 32

    2.5. Indstria cultural, discurso e espetacularizao....................................37

    2.6. O silncio...............................................................................................44

    2.7. O agendamento e a participao da sociedade....................................45

    3. Anlises ..................................................................................................52

    3.1. Anlise de Contedo ............................................................................52

    3.2. Anlise de discurso.............................................................................. 53

    3.2.1.Estrutura do jornal...............................................................................53

    3.2.2. Espetacularizao..............................................................................543.2.3.Matrias...............................................................................................55

    3.2.4. Matrias-espetculo...........................................................................57

    3.2.5. Geral...................................................................................................59

    4. Concluso e consideraes finais........................................................60

    Referncias.................................................................................................64

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    Anexos.........................................................................................................67

    ANEXO A ................................................................................... ..................67

    ANEXO B......................................................................................................68

    APNDICE I.................................................................................................72

    APNDICE II................................................................................................73

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    Resumo

    O Distrito Federal pode ser encarado como uma sntese cultural do

    Brasil inteiro. Dentre as mais variadas culturas instaladas na cidade, pode-sedestacar as culturas populares, como o bumba-meu-boi, maracatu, coco e

    diversas outras, que formam um mosaico de cultura popular na capital.

    Neste trabalho, apresento um dos contextos em que essas culturas se

    inseriram no DF, que comea com a segregao planejada que compe a

    histria do Distrito Federal e suas regies administrativas, e tambm com a

    necessidade de identificao social e cultural que o novo territrio da jovem

    capital demandava de seus habitantes. Nesse contexto, apresento a cultura

    popular como expresso de resistncia ao discurso hegemnico, que, muitas

    vezes, excludente e superestima determinados valores em detrimento de

    outros, o que evidenciado no contexto do DF.

    A temtica do discurso da mdia abordada a partir de conceitos de

    indstria cultural e espetacularizao, que, no raro, descontextualizam a

    cultura popular, transformando-a em produtos culturais, sem evidenciar seus

    valores culturais, histricos e sociais. Mas, ao mesmo tempo, possibilidades da

    fuso da indstria cultural com as culturas populares so apresentadas neste

    trabalho, tomando com exemplo o movimento do Manguebeat, em Recife. Alm

    de demonstrar que a prpria cultura popular pode se apropriar das ferramentas

    da indstria cultural para resistncia.

    Por fim, estudo um recorte da mdia de dois meses e meio, analisando o

    discurso e o silncio miditico a respeito da cultura popular do Distrito Federal,mostrando os problemas, mas tambm o lado positivo e as possibilidades de

    construo de um novo discurso miditico sobre as culturas populares do DF.

    Para elaborao da pesquisa, utilizei diversos autores acadmicos, mas

    tambm entrevistei brincantes da cultura popular local, que so capazes de

    mostrar, a partir da vivncia do dia-a-dia, suas realidades, alm de pensar em

    maneiras de soluo e resistncia.,

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    1. Introduo

    Este trabalho possui o intuito de analisar como se d o discurso da mdia a

    respeito da cultura popular do Distrito Federal. Nesse contexto, o discurso entendido como produo de sentidos, logo, a ideia compreender a produo

    de sentidos miditica sobre as manifestaes de cultura popular do DF.

    Para a compreenso do discurso so analisados os contextos sociais,

    culturais e polticos que compe a histria do DF. Desde a chegada dos

    primeiros trabalhadores para a construo da capital, at formao e

    entendimento de polticas pblicas e legislao para a cultura popular.

    Tambm so analisadas temticas da mdia, como espetacularizao e

    agendamento, que so elementos importantes para a compreenso do

    discurso.

    O discurso foi estudado a partir de conceitos como a parfrase, polissemia

    e o silncio, sempre interligado mdia e aos contextos histricos de formao

    do DF.

    A anlise discursiva da mdia envolveu, de maneira interligada, todos os

    temas trabalhados na pesquisa, apontando no apenas problemas, mas

    tambm pontos positivos da midiatizao da cultura popular.

    1.1. Problema de pesquisa:

    O DF composto por pessoas das mais diversas regies do pas. Essa

    grande diversidade faz com que se tenham vrias manifestaes e expresses

    culturais no DF, tornando a unidade federativa uma espcie de sntese

    sociocultural do Brasil. Muitas dessas manifestaes so de origem popular, as

    quais so caracterizadas como cultura popular em suas determinadas regies,

    e tambm no Distrito Federal.

    Muitos dos que participam dessas manifestaes sofreram e ainda sofrem

    uma espcie de segregao social e cultural, que faz parte da histria do

    Distrito Federal. Essa histria se originou com os primeiros trabalhadores,

    geralmente de origem mais pobre, que foram isolados da capital, sendo

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    alocados em regies sem infraestrutura, aonde se esforaram e se esforam

    para se manter. So populaes marginalizadas desde a sua origem, e que

    no ganham destaque no discurso hegemnico histrico da capital, que se

    concentra localizado, principalmente, no Plano Piloto.

    E, mesmo com a segregao ocorrida, muitas das manifestaes culturais

    populares atuam com grande fora no DF, resistindo e se atualizando com o

    passar do tempo. Contudo, a resistncia da cultura popular no uma tarefa

    fcil, ainda mais em uma regio to nova como o DF. Os desafios so muitos,

    desde a carncia de polticas pblicas realmente efetivas divulgao dos

    prprios grupos para a populao.

    Assim, muitas questes surgem, sendo algumas mais especficas para este

    trabalho. Com o processo de segregao do DF, como essas populaes se

    expressam e tem participao na sociedade? Mais especificamente no mbito

    da cultural, como essas manifestaes culturais populares resistem e se

    propagam? Como surgiram? O que realmente dizem? Ser que so

    conhecidas pela populao? Como a mdia ajuda ou silencia essas

    expresses?

    Deste modo, o trabalho busca analisar e compreender expresses de

    cultura popular do Distrito Federal, para, assim, saber o foco de como so

    inseridas no discurso, como so divulgadas ou silenciadas pela mdia e pelos

    prprios grupos, ou seja, em como se d o agendamento miditico e o discurso

    da cultura popular do DF. Com efeito, constitui-se o seguinte problema de

    pesquisa:

    Como o discurso da mdia apresenta as expresses da cultura popular do

    Distrito Federal?

    1.2. Justificativa

    Este trabalho se justifica para os estudos de Comunicao Social pelo

    estudo do discurso da mdia e seus efeitos, passando pela compreenso de

    elementos da mdia, como a espetacularizao e o agendamento. Por

    existir uma lacuna de produo acadmica sobre estudos acerca da

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    temtica da cultura popular do DF, este trabalho parece abrir precedentes

    para outras pesquisas serem desenvolvidas.

    A sociedade se beneficia pelo fato de o trabalho apresentar contextos epontos de vista de uma histria no muito abordada pelos discursos

    hegemnicos, que so as histrias de quem vive fora do eixo das elites do

    DF. Alm de colocar a temtica da cultura popular, que, muitas vezes,

    marginalizada em vrios setores da sociedade.

    No mbito pessoal, o trabalho me ajuda a compreender e conhecer um

    pouco mais da histria da regio onde nasci, com sua variedade social e

    cultural.

    1.3. Objetivos

    1.3.1.Objetivo Geral

    Analisar o discurso da mdia a respeito dos grupos de cultura popular do

    Distrito Federal.

    1.3.2. Objetivos Especficos Compreender os contextos sociais e culturais de formao da

    cultura popular no Distrito Federal;

    Compreender os contextos polticos e legais da cultura popular do

    Distrito Federal;

    Estudar como se d o agendamento miditico da cultura popular do

    Distrito Federal

    1.4. Metodologia da Pesquisa

    Neste trabalho, por se tratar de um assunto no muito explorado, que

    a insero da cultura popular do DF no discurso da mdia, foi desenvolvida uma

    pesquisa exploratria, que procura compreender o contexto das manifestaes

    populares do DF a partir de diferentes pontos de vista e da prpria concepo

    da cidade, tudo relacionado anlise do discurso da mdia. Segundo Gil

    (2011), a pesquisa exploratria consiste em levantamento de bibliografia dos

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    mais variados tipos, para que sirvam de base para anlises futuras a respeito

    do assunto.

    Novamente referindo a Gil (2011), para melhor compreenso dofenmeno da midiatizao da cultura popular do DF, foram estudadas e

    relacionadas diversas variveis, como contextos histricos, sociais, polticos,

    legais e econmicos, para a partir disso interpretar as diversas variveis, sem

    interferncia, o que caracteriza a pesquisa como descritiva. Santaella (2001)

    diz que esse tipo de pesquisa pode ser realizada a partir de vrios tipos de

    documentos, desde livros a entrevistas, como no caso desse trabalho.

    Como fonte de estudo da cultura, foram escolhidos os Estudos Culturais,que, de acordo com Escosteguy (1998), procuram intersecionar vrios campos

    do conhecimento para se entender os aspectos culturais da sociedade. Os

    Estudos Culturais surgem a partir de uma insatisfao com a limitao que o

    estudo de muitas reas proporcionava. Assim, foi proposto uma maneira

    interdisciplinar de se estudar os fenmenos culturais.

    Para uma maior aproximao social, alm da obteno de dados

    qualitativos mais ricos a respeito da cultura popular do DF, visitei e assisti

    diversas manifestaes populares pela cidade, que foram registradas, gerando

    material audiovisual, em anexo neste trabalho. E tambm foram realizadas

    entrevistas com trs brincantes, que so os maiores representantes de seus

    respectivos grupos de cultura popular. Por meio da entrevista, os grupos

    passam a ser no apenas objetos de estudo da pesquisa, mas tambm

    personagens que constituem ativamente a histria.

    A escolha dos grupos se deu por sua relevncia e participao na cena

    cultural na cidade, pois so grupos que vo alm do fazer cultural e trabalham

    --------------------------------

    Modo como so chamados os participantes dos grupos de cultura popular.

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    a cultura popular em vrios outros mbitos, como na poltica e na comunicao.

    Os grupos escolhidos para esta pesquisa foram: Boi de Seu Teodoro, Seu

    Estrelo e o Fu do Terreiro e Mamulengo Presepada.

    Boi de Seu Teodoro Guarapiranga Freire

    Nascido em So Vicente Ferrer, no Maranho, Seu Teodoro veio para

    Braslia, com o apoio de Darcy Ribeiro, em 1962, e desde ento se tornou,

    atravs de seus feitos, cone da cultura popular no Brasil e no Distrito Federal.

    Criou, em Sobradinho, o Centro de Tradies Populares, que conserva,

    ensina e divulga manifestaes culturais para a populao, realizando grandes

    festas todos os anos e protegendo a tradio de suas origens, mas sempre

    acrescentando novas caractersticas que relacionem o grupo com a cidade.

    O grupo realiza dois grandes festejos no ano, o So Joo do Boi do Seu

    Teodoro, e a Festa do Boi do Seu Teodoro a matana do Gado. Todas com

    apresentaes do grupo e atraes vindas do Maranho e do prprio DF. Alm

    disso, repassa o ensinamento da cultura popular para quem quiser ingressar no

    grupo, com ensaios de dana, percusso, figurino, etc.

    Como reconhecimento, recebeu o ttulo da Ordem do Mrito Cultural,

    que reconhece sua contribuio para a cultura do pas, e o seu trabalho

    tambm foi reconhecido como Patrimnio Imaterial do Distrito Federal.

    Aps o falecimento de Seu Teodoro, no incio de 2012, o grupo continua

    comandado por seu filho, Guarapiranga, que toca os festejos, mantendo e

    atualizando o trabalho cultural desenvolvido por seu pai.

    Seu Estrelo e o Fu do Terreiro Tico Magalhes

    O Seu Estrelo e o Fu do Terreiro surge em 2004 e foi idealizado por

    Tico Magalhes, vindo de Pernambuco. Tico, ao morar no DF, sentiu falta de

    uma brincadeira popular tpica da cidade, que se relacionasse com temas e a

    histria local. Ento, a partir de suas referncias, como o maracatu e o cavalomarinho, criou o mito do Calango Voador, com diversos personagens do

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    Cerrado e do Planalto Central, com o intuito de inovar e ampliar o imaginrio

    popular local. Junto com o mito, tambm surgiu um novo ritmo, o Samba

    Pisado, que acompanha as apresentaes do grupo.

    Mas o grupo no se limita s apresentaes, pois outros trabalhos so

    desenvolvidos para a promoo da cultura popular no DF, como oficinas; o

    Festival Braslia de Cultura Popular; o Festival de Teatro de Terreiro e a

    Caravana Seu Estrelo

    O trabalho de desenvolvido pelo grupo gerou reconhecimento nacional,

    tendo o ttulo de Ponto de Cultura, concedido pelo Ministrio da Cultura, alm

    de ser reconhecido como grupo de cultura popular tradicional, tambm peloMinistrio da Cultura.

    Mamulengo Presepada - Chico Simes

    O grupo, que faz parte do coletivo Inveno Brasileira, que coordenado

    por Chico Simes, que um estudioso da cultura popular em geral, e que

    desde 1985 toca o grupo, no Mercado Sul, em Taguatinga. E Chico , alm demamulengueiro, educador comunitrio, ator, mgico, palhao e ventrloquo.

    Seu trabalho na cidade se d por suas apresentaes, oficinas e

    tambm participao na manuteno da cultura popular no DF, discutindo

    polticas pblicas para a cultura popular, por exemplo. Alm disso, j ganhou

    prmios e bolsas para conhecer a cultura popular na Europa e EUA analisando

    suas influncias no Brasil. Mas tambm j fez e faz diversas viagens locais

    para manter e divulgar a cultura popular brasileira, como no Encontro deCulturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros.

    E como foi dito, o grupo est inserido no Mercado Sul, que um espao

    colaborativo de arte e cultura localizado em Taguatinga, atuando em diversos

    segmentos, como cultura popular, educao, cinema, produo cultural, etc., e

    formado por alguns coletivos, que atuam de forma independente, mas

    tambm colaborativa, uns com os outros.

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    Por fim, para compreender como se d o agendamento miditico da

    cultura popular do DF, utilizou-se a anlise de discurso. Segundo Orlandi

    (1999), o objeto da anlise de discurso a produo de sentidos que um texto

    consegue emitir. Assim, o foco se d no texto, nos ditos e no ditos. Para

    anlise miditica foi escolhido o Correio Braziliense, que, de acordo com o

    Ipsos Estudos Marplan (2010), o jornal impresso lder em circulao paga do

    Distrito Federal. O jornal foi analisado por completo, diariamente, no perodo

    que compreende o ms de outubro at a primeira quinzena de dezembro,

    totalizando dois meses e meio de anlise.

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    2. Fundamentao Terica

    2.1. Distrito Federal: Segregao Planejada

    Para se compreender melhor como surgiram as manifestaes decultura popular do Distrito Federal, importante entender como se deu a

    formao da regio, analisando seus aspectos geogrficos e

    socioeconmicos, que interferiram diretamente na formao da cultura

    popular do DF.

    Fruto de um longo processo de interiorizao da capital federal, a

    histria da fundao de Braslia e do Distrito Federal composta de mitos e

    contradies. Grandes sonhos e projetos so comumente usados para

    contar a histria da jovem capital, contudo, no raro, no demonstram toda

    a complexidade da construo da unidade federativa, principalmente no que

    diz respeito aos problemas e aspectos socioeconmicos e culturais, que,

    no obstante, tem suas histrias silenciadas pela narrativa hegemnica da

    formao do DF.

    A histria de Braslia marcada por mitos e ideologias como a datransferncia da capital do litoral para o interior, a do lugar ideal, a domito do planejamento como soluo para as desigualdades sociais.Essas crenas escondem as verdadeiras intenes, que apoiadasnos mitos desencadeiam processos, muitas vezes conflituosos e quevo influir na formao da cidade. (BARBOSA, 2010,p.51)

    A histria do Distrito Federal datada muito antes dos anos 1950,

    dcada de sua construo, pois populaes j habitavam a regio e entorno

    h muitos anos. Pode-se, nesse contexto, destacar Mestre DArmas, a atual

    Planaltina. Desde 1758 , se h registro da regio, tendo um ncleo urbano

    formado na primeira dcada de 1800.

    Nessa regio, manifestaes populares j tinham fora e tradio muito

    antes da chegada da nova capital, sendo a maior a Festa do Divino, que

    ----------------------------

    Neste trabalho entende-se hegemonia a partir do conceito de Gramsci (1995): Ahegemonia de uma classe, frao de classe ou conjunto de classes no poder semanifestaria atravs do consentimento espontneo dado pelas grandes massas dapopulao direo geral imposta vida social pelo grupo dominante (Gramsci, 1995, p.

    12).

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    festejada desde 1882 em Planaltina.

    De acordo com Pinto (2011), na dcada de 1920, Planaltina passou por

    um perodo econmico difcil, que obrigou a maior parte da populao a sedeslocar para o campo, deixando a cidade estagnada economicamente.

    Nem com a fundao de Goinia, em 1933, a cidade obteve melhoras

    sociais significativas, sendo segregada dos investimentos para

    infraestrutura da regio de Gois. J nos anos 1950, a cidade relembrada,

    pois includa no quadriltero que abrigaria o Distrito Federal. Contudo, a

    mudana da nova capital trouxe, inicialmente, poucas transformaes. E em

    1966, foi elaborado um plano de urbanizao para Planaltina, que iriaatender as novas exigncias sociais da regio. Contudo, o que se notou foi

    outro tipo de segregao.

    Na prtica, a unio do tecido urbano de herana goiana e a novaproposta representa desagregao social e desvalorizao da culturapreexistente construo da capital, causando a segregao de seuncleo antigo e criando a ideia de que representa vestgios de umpassado que a populao quer esquecer. No plano diretor de 1966 ha distino entre razes goianas e a nova cultura das cidades que sepropunha seguir, construindo-lhes memrias com base nas

    referncias histricas ps Braslia. [...] Os habitantes da parte nova dePlanaltina, com distantes ligaes culturais e cronolgicas com aantiga, associam antigo a passado, sem significados de identidade.(PINTO, 2011, p.8)

    A parte antiga de Planaltina a que mais sofre com a segregao, pois

    desconhecida histrica e culturalmente pela maior parte da populao.

    Como consequncia, a Festa do Divino desapareceu por certo tempo,

    retornando nos anos 1980. Contudo, as festividades retornaram

    diferenciadas, com muitas perdas culturais e interesses polticos envolvidos.

    E at a parte mais nova de Planaltina sofre com a segregao e falta de

    infraestrutura, como a maior parte das regies administrativas do Distrito

    Federal.

    Ainda se pode citar Brazlndia, Luzinia e Formosa, que tambm j

    eram povoadas antes da vinda da capital para dentro de suas terras e

    fronteiras, as quais tambm sofreram e ainda sofrem com problemas

    sociais, culturais e econmicos.

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    J a respeito do perodo de construo de Braslia, h a histria dos

    construtores da nova cidade. Atrados por uma grande divulgao e alarde

    sobre a construo da nova capital, migrantes de praticamente todas as

    regies do pas, que buscavam novas e melhores condies sociais, se

    dirigiram para o Planalto Central a fim de construir a capital da esperana,

    onde viveriam melhores dias e com mais qualidade de vida. Segundo

    Paviani (1985), em pouco tempo houve uma taxa de migrao muito intensa

    na nova capital, chegando aos 103% ao ano, passando de 12.700

    habitantes em 1957, para 127 mil em 1960.

    Contudo, as melhores condies no apareceram como o esperado.Mesmo, muitas vezes, sendo condies melhores do que encontravam em

    suas terras de origem, os construtores da cidade passaram grandes

    dificuldades no DF. Os migrantes sofreram um processo de segregao

    planejada, que refletido e continuado por futuras geraes

    governamentais, que pouco fizeram para que a situao tivesse alguma

    mudana.

    Desde o incio da construo, quem veio para edificar a cidade j sofreucerto preconceito, que comeava pela maneira como eram chamados:

    candangos. De acordo com o Dicionrio Aurlio Escolar da Lngua

    Portuguesa (2010), a palavra candango, alm de ser a designao dada

    aos operrios das obras da construo de Braslia, tambm sinnimo de

    indivduo ruim, ordinrio ou pessoa que tem mau gosto. Alm de ser o

    termo empregado pelos africanos para designar o colonizador portugus.

    No se sabe bem por que a palavra candango foi utilizada paradesignar aqueles que trabalharam na construo da cidade. Nopassado, este termo era utilizado pelos africanos para designar osportugueses. Entretanto a grande massa de construtores da novacapital era constituda tanto por descendentes de africanos, como deportugueses, alm dos descendentes de muitas outrasnacionalidades. Ser candango passou a ser sinnimo de pioneiro.Mas a tendncia estratificadora de nossa sociedade levou, a partir deum dado momento, a elite que participou da empreitada histrica aabjurar essa denominao e a preferir o rtulo de pioneiro. Com isto,os membros dessa elite passaram a se auto representar comodesbravadores, os que abrem os caminhos, mas que no devem ser

    confundidos com a massa humilde dos que trabalharam a madeira, ocimento e o ferro. por isto que hoje existe uma diferena radicalentre a Casa dos Candangos e o Clube dos Pioneiros. Enquanto este

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    ltimo serve para a realizao de reunies sociais, nas quais sorememoradas a participao de seus membros na poca histrica deBraslia, o primeiro funciona como uma entidade filantrpica, na qualas esposas dos pioneiros tem a oportunidade de aprimorar suasvirtudes cuidando dos filhos dos candangos pobres. (LARAIA, 1996,

    p.2)

    Sem saber da etimologia e da histria, repete-se a parfrase de um

    preconceito, mesmo sem relacionar o seu sentido a algo ruim. Assim, a

    expresso candango dita com certo orgulho e nostalgia, sendo que a

    palavra um dos sintomas da segregao que compe a histria do Distrito

    Federal.

    O preconceito se somava s ms condies, como na maneira com que

    as pessoas foram alojadas na cidade, e tambm nos seus ritmos de

    trabalho. O chamado ritmo de Braslia fazia com que os trabalhadores se

    exaurissem com as duras jornadas de trabalho. O cronograma exigia que

    os trabalhadores se desdobrassem exausto com horas extras, as

    viradas e as horas prmio. (SOUSA, 1983, p.235). Alm disso, as

    condies de habitao eram pssimas, pois os trabalhadores e suas

    famlias moravam em barracos e alojamentos, muitas vezes distantes do

    local de trabalho. Esse processo foi um dos responsveis pelo surgimento

    de diversas regies administrativas e do entorno, pois eram aonde muitos

    trabalhadores, e suas famlias, eram colocados sem qualquer condio, e

    formavam aglomerados de moradias, em um processo de favelizao

    crescente.

    Na construo da nova capital, o trabalhador foi utilizado pelo poderpblico como mo de obra barata, fazendo o papel semelhante ao de

    um trator, pois simplesmente limpava a terra para a ocupao declasses mais abastadas. Dessa forma, a partir do momento em queas obras foram ficando prontas, o candango era compelido a deixar acapital, nos sucessivos programas de retorno de migrantesimplementados a partir de 1963, ou eram removidos para localidadesdistantes do Plano Piloto, entre 12 e 50 quilmetros, emassentamentos desenvolvidos a partir de 1958 e intensificados nadcada de 1960, que originaram e/ou expandiram vrias cidadessatlites. (GOUVA, 2010, p.91)

    De acordo com Gouva (2010), um dos maiores e mais importantes

    casos o da Vila o IAPI, aonde cerca de 80 mil pessoas foram removidas

    contra suas vontades de uma regio com certas qualidades urbansticas e

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    comunitrias (desenvolvidas por eles mesmos), para uma localidade a

    cerca de 30 quilmetros do Plano Piloto, sem nenhuma infraestrutura,

    chamada Ceilndia, nome surgido por conta da Campanha de Erradicao

    das Invases (CEI). A CEI repetiu o processo em outras regies, originando

    outras cidades satlites (ou regies administrativas), onde as populaes

    removidas tiveram uma forte reduo em suas rendas, pois a distncia dos

    centros de trabalho aumentou em grande proporo, gerando dificuldades

    para que mais membros das famlias contribussem de forma efetiva com a

    renda, alm de diversos outros problemas sociais derivados da falta de

    infraestrutura. O planejamento de Braslia gerou um processo de

    erradicao da populao mais pobre, deixando o Plano Piloto para as

    elites, compostas principalmente por servidores pblicos.

    Consequncia planejada dessa segregao espacial foi o controle

    social, evitando manifestaes e reivindicaes, de modo a manter a

    populao em suas devidas e estratgicas localidades.

    Pode-se imaginar a dificuldade que teriam, por exemplo, osmoradores da Ceilndia para organizar uma manifestao de protestoem frente ao Palcio do Buriti, se o governo bloqueasse o transportecoletivo [...] Assim, tanto a distncia como o prprio traado urbanoforam usados como instrumentos que, se no impediam amobilizao da populao segregada, pelo menos no aestimulavam, facilitando, por outro lado, a ao do aparelho repressordo Estado. (GOUVA, 2010, p.95)

    Conforme Gouva, o controle social pelo espao tambm se deu por

    meio da especulao imobiliria, com os preos dos imveis do Plano Piloto e

    das regies administrativas mais prximas sofrendo um grande incremento,

    forando as populaes menos favorecidas a se dirigirem para as regiesadministrativas e entorno, provocando um crescimento urbano cada vez mais

    desordenado. Um exemplo o de Luzinia, que obteve um crescimento de

    600% na dcada de 1960. Ainda houve a venda de lotes para a populao

    mais carente, com um alto nmero de prestaes, evitando que as famlias

    tivessem a posse definitiva do lote em curto prazo, o que tambm impedia a

    sublocao, mais uma maneira de manter as populaes mais pobres em

    determinados lugares espaciais e sociais.

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    Uma passagem curiosa que, de acordo com o urbanista Lcio Costa,

    esse processo de formao das regies administrativas no se daria de forma

    desordenada e segregadora. Mas, devido s as presses governamentais e

    das elites para a rpida segregao dos candangos, bem como pela falta de

    organizao e planejamento, o fato que, na maioria das regies, o processo

    apresentado pelo urbanista no ocorreu.

    O Plano estabelecido era para que Braslia se mantivesse dentro doslimites para os quais foi planejada, de 500 a 700 mil habitantes. Aoaproximar-se desses limites, ento, que seriam planejadas asCidades-Satlites, para que estas se expandissem ordenadamente,racionalmente projetadas, arquitetonicamente definidas. (COSTA,1974, p 26).

    Toda essa dinmica socioespacial gerou, e ainda gera diversos

    problemas para as regies do DF e entorno, que ainda sofrem muitas

    consequncias da carncia de infraestrutura urbana e social. Dados do IPEA

    (2012) mostram que o DF a unidade federativa socialmente mais desigual do

    pas. E essa desigualdade oriunda tanto de fatores histricos da cidade,

    quanto das ms gestes governamentais que se seguiram no DF.

    2.2. A construo da identidade

    Outra questo, que no decorre somente da segregao deliberada

    sofrida por muitos no DF, mas tambm do prprio processo de migrao rpido

    e variado que compe a capital, o da identidade, que, a partir dos estudos

    culturais, definida como

    pontos de identificao, os pontos instveis de identificao ousutura, feitos no interior dos discursos da cultura e da histria. No

    uma essncia, mas sim um posicionamento. Donde haver sempreuma poltica da identidade, uma poltica da posio, que no contacom nenhuma garantia absoluta numa lei de origem sem problemas,transcendental (HALL, 1996, pag.70)

    De acordo com Hall, a identidade tambm

    definida historicamente, e no biologicamente. O sujeito assumeidentidades diferentes em diferentes momentos, identidades que noso unificadas ao redor de um eu coerente. Dentro de ns hidentidades contraditrias, empurrando em diferentes direes, de tal

    modo que nossas identificaes esto sendo continuamentedeslocada. (HALL, 2001)

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    E j Bradley (1996) se refere a identidade social

    ao modo como ns, enquanto indivduos, nos posicionamos nasociedade em que vivemos e o modo como percebemos os outros

    nos posicionando. As identidades sociais provm das vrias relaessociais que as pessoas vivem e nas quais se engajam. (BRADLEY,1996, p.24)

    Tanto Hall quanto Bradley falam de formao de identidade a partir de

    relaes sociais variadas, que surgem no cotidiano e formam os indivduos e

    sociedades. A partir de suas relaes, as pessoas se posicionam na sociedade

    de diversas maneiras, que so mutveis em diferentes contextos de espao e

    tempo.

    Diante os conceitos, a identidade, no caso do DF, pode ser analisada a

    partir de dois pontos de vista, que se cruzam e misturam o tempo todo, mas

    que merecem destaques que os diferenciam: social e cultural.

    Socialmente, os novos habitantes e construtores da nova capital

    sentiram dificuldade por conta do isolamento forado que sofreram. Pela elite

    segregadora, no eram vistos como populaes importantes, que tiveram papel

    fundamental na construo da nova capital, mas sim como merostrabalhadores que j haviam feito a sua parte, e que posteriormente, no raro,

    seriam esquecidos e isolados do progresso que a capital proporcionou.No se

    viam inseridos na modernidade proposta pela capital da utopia, que era

    pensada e planejada em tudo, pois ainda eram trabalhadores que lutavam

    diariamente por melhores condies sociais. Logo, o processo identitrio surgia

    a partir de histrias e problemas em comum, por serem populaes silenciadas

    e marginalizadas. A identidade se construiu e se fortaleceu em moldessemelhantes aos de suas origens, tanto na busca por ascenso social, quanto

    nas manifestaes culturais que os conectavam com suas origens.

    Assim, dentro da relao de poder criada pela segregao espacial

    planejada que os candangos sofreram, estes comearam a se reconhecer e a

    se posicionar na sociedade. A partir de suas motivaes similares, como as de

    vinda para o DF, e tambm semelhanas que surgiram de maneira impositiva,

    (segregao social e espacial e silenciamento de suas histrias) os moradores

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    passaram a se distinguir e a se diferenciar das elites e do pensamento

    hegemnico. Logo, surgiram os primeiros sindicatos e associaes das classes

    trabalhadoras, alm do esprito comunitrio nas regies formadas, que

    proporcionaram uma espcie de autogesto para melhorias sociais e de

    infraestrutura, alm de novas maneiras de lazer e diverso.

    Processo semelhante tambm ocorreu no centro da capital, pois os que

    viviam no Plano Piloto e proximidades tambm passaram por um processo de

    formao de identidade, se reconhecendo, mas tambm se diferenciando dos

    demais moradores do Distrito Federal e entorno.

    J culturalmente, o Distrito Federal apresenta uma caracterstica

    interessante, que influencia diretamente o processo de criao de identidade,

    que o da migrao rpida e muito variada:

    Os habitantes de Braslia so oriundos de todos os lugares, compemum complexo mosaico de fentipos e utilizam-se de muitas maneirasde falar. Pode-se dizer que o ecletismo a primeira caractersticadessa gente. (LARAIA, , 1996, p.1).

    Esse ecletismo e essa diversidade tornaram difcil o reconhecimento dos

    habitantes dentro da sociedade, pois muitos de seus costumes e tradies de

    suas terras natais eram difceis de serem praticados, alm do fato deles no se

    conhecerem. Deste modo, outro processo de identidade se tornou necessrio,

    para que o indivduo se reconhecesse, agora culturalmente.

    Nesse contexto surgiram muitos grupos de cultura popular que, a partir

    de origens, costumes e tradies comuns, conseguiram congregar muitos

    indivduos. Locais como o Vale do Amanhecer, surgido em 1959, ou gruposcomo a Associao Recreativa Cultural Unidos do Cruzeiro (ARUC), que

    representa a comunidade carioca no Cruzeiro desde 1961, e o Boi de Seu

    Teodoro, representando a comunidade maranhense em Sobradinho desde

    1963. Esses e muitos outros grupos no surgem sem motivos, so cones de

    representao e identidade para muitos que vieram para o DF na poca de sua

    construo.

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    Os grupos de cultura popular podem ser vistos, a partir do conceito de

    Nora (1993), como meios de memria. Meios de memria seriam, de acordo

    com Nora, os modos de se refazer a memria, ter vivncia de certos costumes

    a partir da ao, os meios so aonde a memria circula viva e no se estagna.

    O conceito relacionado ao de lugar de memria, que o local no qual a

    memria se cristaliza, como em documentos, museus, etc. Assim, os grupos de

    cultura popular do DF se caracterizam como meios de memria para os

    migrantes que compe a populao da capital, os quais tem a possibilidade de

    vivenciar a cultura e tradies de suas origens, de maneira a garantir

    identidade e continuidade.

    2.3. Distrito Federal como sntese cultural popular do Brasil

    Assim, o estudo da cultura se destaca neste trabalho, em especial o da

    cultura popular. Muitos so os conceitos de cultura popular, por ser um termo

    de bastante complexidade e atribuies.

    Muitas vezes, o termo est diretamente relacionado ao conceito de

    patrimnio cultural imaterial, como observado a partir da conceituao daOrganizao das Naes Unidas para a educao, a cincia e a cultura

    (UNESCO), atravs da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural

    Imaterial:

    Entende-se por patrimnio cultural imaterial as prticas,representaes, expresses, conhecimentos e tcnicas - junto com(sic) os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhesso associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos,os indivduos reconhecem como parte integrante de seu patrimnio

    cultural. Este patrimnio cultural imaterial, que se transmite degerao em gerao, constantemente recriado pelas comunidadese grupos em funo de seu ambiente, de sua interao com anatureza e de sua histria, gerando um sentimento de identidade econtinuidade e contribuindo assim para promover o respeito diversidade cultural e criatividade humana. (UNESCO, 2003, p.4)

    Este primeiro conceito se mostra de fundamental importncia, pois, alm

    de ser um conceito abrangente e utilizado por um importante rgo de

    compreenso mundial, que permite caracterizar a cultura popular independente

    de onde se esteja, apresenta elementos importantes para a teorizao do

    trabalho, que merecem destaque, como o sentimento de identidade e a

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    recriao por parte das comunidades e grupos em funo de seu ambiente, de

    sua interao com a natureza e de sua histria. Vale ressaltar que, apesar de

    muitos grupos e manifestaes no serem registrados oficialmente como

    patrimnio imaterial pelo Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico

    Nacional (IPHAN), a natureza imaterial de tais grupos e manifestaes

    (prticas, representaes, expresses ,etc.) permite que o conceito da

    UNESCO seja utilizado sem prejuzos.

    De acordo com Bosi (1972), a cultura popular est imbricada com as

    relaes de poder, e, nesse sentido, o pensamento de Gramsci explicado

    pela autora:

    Existe uma cultura criada pelo povo, que articula uma concepo domundo e da vida em contraposio aos esquemas oficiais. H nestaltima, verdade, estratos fossilizados, conservadores e at mesmoretrgados, que refletem condies de vida passadas, mas tambmh formas criadoras progressistas, que contradizem a moral dosestratos dirigentes. (BOSI, 1972, p.63)

    Da mesma forma, Hall (2004, p.261) prope que se pense a cultura popular em

    meio lutas e resistncia

    A cultura popular um dos locais onde a luta a favor ou contra acultura dos poderosos engajada; tambm o prmio a serconquistado ou perdido nessa luta. a arena do consentimento e daresistncia.

    Tanto Hall, quanto Gramsci e Bosi compreendem a cultura popular como

    uma maneira de resistncia ao que se imposto pelas elites da sociedade,

    como ocorreu no DF, a partir da excluso social e geogrfica que sofreram.

    Assim, pode-se notar que, muitas vezes, as expresses, representaes,

    conhecimentos, tcnicas, etc., so utilizadas para demonstrao das

    disparidades sociais que afetam as populaes.

    Tambm nesse sentido, a cultura popular pode ser vista como modo de

    se enxergar o ambiente em que se vive, podendo ser entendida como uma

    lente, atravs da qual o homem v o mundo (LARAIA, 1986, p.67). Ou, de

    acordo com Velho (1999, p.64)

    A noo de cultura popular remete dicotomia elites e classes e/oucamadas populares. Essa viso dualista distingue dois nveis de

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    cultura dentro de uma sociedade, relacionados no s desigualdadeeconmica e poltica como, de um modo geral, a vises de mundo eexperincias sociais peculiares.

    Esses pensamentos demonstram que o integrante de um grupo de

    cultura popular constitui sua identidade e se expressa atravs de sua cultura.

    Por exemplo: mamulengueiro expressa sua viso de mundo por meio do

    mamulengo, ou um violeiro, que expressa sua viso de mundo por meio de sua

    msica.

    Assim, neste trabalho, entende-se a cultura popular como uma soma de

    fatores, sendo os principais a voz contra a excluso social, a viso de mundo a

    partir de uma manifestao cultural popular e a formao de identidade cultural.

    No Distrito Federal, a cultura popular se origina por meio de alguns

    fatores relacionados. O primeiro o da migrao em grande escala, que trouxe

    pessoas das mais variadas regies do pas. O segundo o fator da identidade,

    j que, a partir da cultura popular de suas determinadas regies, os candangos

    puderam criar laos, repetindo e atualizando determinadas manifestaes

    culturais, as quais permitem um vnculo com as suas origens. Um terceiro fator

    o da segregao, pois a cultura popular, como dito por Gramsci, uma

    maneira de ir, a partir de suas manifestaes culturais, contra os esquemas e

    ideologias oficiais, sendo uma maneira de ter voz quando se excludo ou

    silenciado.

    O fator da migrao muito interessante, pois, no DF, possvel

    encontrar uma variedade enorme de culturas e manifestaes, tornando a

    regio uma espcie de capital da cultura popular do Brasil.

    Por que so oriundos de diferentes regies, os habitantes no deixamde tentar transplantar os costumes e rituais de suas origens. Estapreocupao transforma a cidade em uma espcie de sntese dopas. As tradies populares de todos os recantos so revitalizadasem Braslia, sendo transformadas por um inevitvel sincretismo. Talsntese no deixa de corresponder utopia de Juscelino Kubistchekde construir uma capital capaz de ser um forte fator de integraonacional. (LARAIA, 1996, p.6)

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    Assim, observando o DF possvel se fazer um recorte bem amplo da

    cultura popular nacional, com grupos de Bumba Meu Boi, Maracatu, Congada,

    teatro de mamulengo, coco, samba, dentre muitas outras manifestaes.

    O carnaval e as escolas de samba do DF so um bom exemplo dessa

    hibridizao cultural, j que apresentam boa representatividade, mesmo se

    tratando de uma regio nova, principalmente se comparada ao com Rio de

    Janeiro e So Paulo.

    Cada escola de samba chega a levar entre 600 e 1200 componentes[...] o que revela uma mdia de aproximadamente 5000 participantesdiretos no desfile. Esses nmeros, embora paream irrisrios, no o

    so, levando-se em conta que a cidade tem apenas 50 anos de vida,contm diversas expresses culturais que mobilizam os vriossegmentos da populao e sua identidade cultural ainda est emprocesso de formao. (MALTA, 2012, p.64)

    E, atualmente, a migrao ainda um fator social presente e muito

    significativo dentro do Distrito Federal. Segundo dados do PNAD (2011), o DF

    a unidade da federao com o maior nmero proporcional de migrantes,

    sendo 49,5% de sua populao oriunda de outras regies. Deve-se lembrar

    que a migrao no ocorreu apenas nos primeiros anos de formao da

    capital, pois nos anos que se seguiram muitos continuaram a se dirigir para a

    regio. E, por consequncia, surgiram muitos outros grupos de cultura popular

    na cidade. Nesse contexto, pode-se citar para ilustrar o Esquadro da Vida,

    fundado em 1976 por Ary Pra-Raios, vindo do Paran; Mamulengo

    Presepada, criado por Chico Simes, em 1986; Cacuri Filha Herdeira, com

    origens do Maranho, em 1993; Mestre Z do Pife e as Juvelinas, com

    fundamentos culturais de Pernambuco, em 2007; Seu Estrelo e o Fu do

    Terreiro, em 2004; alm de uma infinidade de outros grupos que compe a

    cena da cultura popular no Distrito Federal.

    Na questo da identidade, interessante analisar a fundao e os

    porqus dos grupos na cidade, alm de suas temticas, que no s remetem

    determinadas regies do pas, mas tambm se atualizam com o novo contexto

    em que esto inseridas, retomando a recriao por parte das comunidades e

    grupos em funo de seu ambiente, de sua interao com a natureza e de suahistria. (UNESCO, 2003, p.4)

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    Um depoimento que demonstra a busca por identidade a partir da cultura

    popular o de Chico Simes do grupo Mamulengo e Presepada, retirado do

    documentrio Retratos de um povo inventado, feito pelo grupo Seu Estrelo e

    o Fu do Terreiro em 2011:

    (...) pude escolher minhas razes, minhas tradies. Sempre sentiessa possibilidade, essa vontade e esse desejo de conhecer astradies populares brasileiras, de conhecer mais da terra de ondevieram os meus pais, meus vizinhos, meus conterrneos. E assim, fuibuscar no nordeste isso que me faltava: um pouco de sotaque, umpouco de uma memria musical, um pouco de conhecer as histriasque me eram contadas. A eu passei a fazer, a brincar o mamulengo(...).

    Outro exemplo da questo da identidade o grupo Seu Estrelo e o Fudo Terreiro, que, em 2004, surgiu a partir da necessidade e da falta de um

    grupo identificador na cidade, que mostrasse os elementos da cidade aos

    moldes da cultura popular. Assim, Tico Magalhes, fundador do grupo, tomou

    como referncia expresses como o maracatu e o cavalo-marinho, ambas de

    Pernambuco, e criou o Mito do Calango Voador, com personagens especficos

    da capital, alm de um novo ritmo, o Samba Pisado.

    Com grande expresso na cidade, o Boi de Seu Teodoro tambm

    demonstra que a identidade fator fundamental para a formulao da cultura

    popular do Distrito Federal. Teodoro Freire, nascido no Maranho e trazido

    para Braslia por Darcy Ribeiro, criou, em 1963, o grupo e o Centro de

    Tradies Populares, atraindo muitas pessoas que se identificaram

    culturalmente com o Boi. Durante sua vida, sempre procurou tocar os festejos

    da maneira mais fiel possvel aos festejos de sua terra. Mas isso no impediu

    que o grupo tivesse uma identidade local, que possvel ver nos objetos eadornos nas vestimentas, que sempre mostram locais e monumentos da

    cidade, alm das temticas musicais, que so atualizadas a cada ano.

    Esses exemplos remetem tambm a um equvoco comumente cometido,

    que diz respeito tradio, a qual costuma ser confundida como algo antigo e

    antiquado, sendo que, na verdade:

    a tradio um elemento vital da cultura, mas ela tem pouco a vercom a mera persistncia das velhas formas. Esta muito maisrelacionada s formas de associao e articulao dos elementos.

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    Esses arranjos em uma cultura nacional-popular no possuem umaposio fixa ou determinada, e certamente nenhum significado quepossa ser arrastado, por assim dizer, no fluxo da tradio histrica, deforma inaltervel. Os elementos da "tradio" no s podem serreorganizados para se articular a diferentes praticas e posies e

    adquirir um novo significado e relevncia. (HALL,, 2003, p. 260)

    Assim, percebe-se que a tradio tem muito mais a ver com a maneira

    que as manifestaes so apresentadas do que com o seu contedo em si. No

    caso do DF, tudo isso fica muito evidente, pois novas histrias so contadas a

    partir de formas e elementos tradicionais provenientes de outras regies. As

    histrias se inovam e se diferenciam muito das de outros estados, mesmo com

    as formas tradicionais, pois o contexto de Braslia e do DF bem diferente,

    sendo um novo mundo a ser visto pelos olhares dos brincantes provenientes deoutros estados. Com efeito os temas se refazem, nem tudo herdado. S no

    museu o folclore est morto. (BOSI, 1972,p.79)

    Hall tambm argumenta sobre a temtica da tradio, dizendo que

    sempre se deve analisar as questes histricas, sociais e tambm as atuais

    das manifestaes, para assim compreend-las da melhor maneira possvel:

    Isso nos alerta contra as abordagens autossuficientes da culturapopular que, valorizando a "tradio" pela tradio, e tratando-a deuma maneira no histrica, analisam as formas culturais popularescomo se estas contivessem, desde o momento de sua origem, umsignificado ou valor fixo e inaltervel. A relao entre a posiohistrica e o valor esttico uma questo difcil e importante nacultura popular. Mas a tentativa de elaborar uma esttica popularuniversal, fundada no momento de origem das formas e prticasculturais, e quase sempre profundamente equivocada. (HALL, 2003,p.61)

    Chico Simes, brincante do grupo Mamulengo Presepada, em

    entrevista feita para este trabalho, tambm refere-se ao tema da tradio,dizendo que:

    (...) e necessrio para que uma tradio sobreviva, necessrio que voc

    adapte essa tradio realidade, ao tempo que ela est, ao presente. E

    prepare essa tradio pra ela passar pro futuro mantendo o que essencial

    nela, n, que a sua estrutura interna, mas trabalhando com as novidades que

    o futuro vai apresentar (...)

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    Mais uma vez nota-se o valor da tradio das culturas populares no

    Distrito Federal, que, a partir dos grupos locais, toma novos valores e sentidos,

    de acordo com as localidades e contextos em que esto inseridos.

    Na questo da segregao, a observao espacial da cultura popular do

    DF demonstra elementos importantes. De acordo com o mapeamento feito pela

    Rede Candanga sobre a cultura do Distrito Federal no ano de 2011, nota-se

    que a maioria das manifestaes de cultura popular est nas regies

    administrativas fora do plano piloto. Isso demonstra o papel que os grupos

    desempenham nessas regies, os quais sofreram um processo histrico de

    excluso e necessitaram de maneiras de incluso e identidade cultural. A figuraa seguir demonstra uma amostra da realidade de grupos de cultura popular no

    DF:

    Figura I: Cartografia da Cultura Candanga, subcategorizado para cultura popular (No

    representa a totalidade dos grupos de cultura popular do Distrito Federal) Fonte: Artria

    Cultura

    importante ressaltar os papis sociais locais dos grupos de cultura

    popular, que no se limitam apresentaes e aos festejos. Os grupos

    costumam oferecer oficinas das mais variadas expresses populares, alm deoutros trabalhos de cunho social. Essas atividades apresentam uma grande

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    importncia nas regies onde esto inseridas, pois, muitas vezes, so locais

    com populaes menos favorecidas, com carncias sociais, como educao e

    cultura. Assim sendo, os grupos procuram suprir parte dessas demandas

    sociais da populao. Para exprimir essa situao, segue a fala de

    Guarapiranga Freire, coordenador do Boi do Seu Teodoro, em entrevista a este

    trabalho, a propsito do papel social do grupo:

    Acreditamos que importante pra comunidade e para a sociedade no geral, porque alm detransmitir a tradio cultural do Maranho, tambm resgata desse mundo vicioso de muitascoisas acontecendo, e a gente consegue livrar atravs da arte, da cultura, livrar, as vezes, osjovens, at mesmo famlias desestruturadas, a gente consegue, atravs do nosso trabalho,fazer com que elas no caiam em coisas erradas.

    Esse papel local dos grupos remete a outro conceito, que o deterritrio. O territrio um elemento importante da identidade, pois nele que

    ocorre a dinmica cultural e social que caracteriza os grupos. Segundo Santos

    (1999),

    o territrio no apenas o resultado da superposio de um conjuntode sistemas naturais e um conjunto de sistemas criados pelo homem.O territrio o cho e mais a populao, isto , uma identidade, ofato e o sentimento de pertencer aquilo que nos pertence.Fundamento do trabalho, o lugar da residncia, das trocas materiais eespirituais e do exerccio da vida. (SANTOS, 2000, p.96)

    Na cultura popular, esse conceito muito importante, pois o territrio

    um referencial para cada brincante e para os que participam das atividades dos

    grupos. O Distrito Federal, dessa maneira, passa a ser o territrio para que

    ocorram as manifestaes de cultura popular dos moradores advindos de

    outras regies e territrios do pas. E, especificamente, as regies

    determinadas, como as cidades satlites e o plano piloto, so os locais onde

    acontecem a identificao dos migrantes e suas famlias, com as prticas

    sociais e culturais nascendo e acontecendo, como ensaios, oficinas, projetos

    sociais, etc. Os locais onde esto inseridos os grupos so os territrios para a

    recriao e atualizao da memria de outras regies, e, ao mesmo tempo,

    para a criao e reconfigurao de identidades e memrias locais e atuais.

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    2.4. Questes legais e polticas

    So muitos os elementos legais para a proteo da cultura popular,

    como concesso de ttulo de mestre, leis nacionais e regionais, editais, etc. OMinistrio da Cultura, junto s secretrias regionais, so os responsveis por

    todos esses elementos legais, sem contar com a participao pblica, que tem

    ganhado fundamental importncia nos ltimos anos.

    E no de agora que a legislao do pas procura abranger as

    manifestaes culturais populares. O decreto de lei n 25, de 30 de novembro

    de 1937, j falava da definio de patrimnio histrico, artstico e nacional, e

    tambm do tombamento. Mas, desde a ltima constituio, de 1988, o

    patrimnio imaterial e a cultura popular comearam a ganhar mais

    consistncia. Destacam-se o Decreto n 3.551 da Presidncia da repblica, de

    4 de agosto de 2000, que institui o registro dos bens de natureza imaterial, e

    tambm os artigos 215 e 215, da Constituio Federal de 1988, referentes

    valorizao das manifestaes culturais do Brasil

    Nesses artigos, para a temtica deste trabalho, se sobressai o que dizrespeito divulgao dos bens culturais populares. De acordo com esses

    artigos, o Estado tem papel e obrigao de proteger, registrar e divulgar os

    bens culturais. Alm deles, tambm h os artigos 220, 221, 222 e 223 da

    Constituio de 1988, sobre a comunicao social, sendo que merecem

    destaque os trechos a respeito do contedo e programao das emissoras, que

    devem dar preferncia finalidades educativas e culturais; promover a cultura

    nacional e regional, alm de estimular a produo independente; e a

    regionalizao da produo cultural.

    Contudo, mesmo com artigos que garantam a divulgao da cultura

    nacional e regional o que inclui a cultura popular no existem

    mecanismos legais que regulamentem esse mbito de tais artigos. Logo, os

    veculos de comunicao no so fiscalizados, e o contedo e programao

    seguem os modelos institucionalizados pela vontade e interesses dos

    proprietrios. Assim, diversos grupos e camadas da sociedade so

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    marginalizados do discurso miditico, o que dificulta o processo de identidade

    cultural para muitos grupos.

    Atualmente, nesse contexto, existe a discusso a respeito do Marco

    Regulatrio da Comunicao Social, que so normas e diretrizes que

    regulariam o funcionamento dos meios e veculos de comunicao do pas. De

    acordo com o documento, deve-se existir o direito comunicao e liberdade

    de expresso, e que os mais variados grupos, ideias e pontos de vista devem

    ter igualdade de condies no espao miditico.

    Assim, por meio da implementao do Marco Regulatrio, diversossegmentos e camadas da sociedade, o que inclui os relacionados cultura

    popular, teriam amplo espao nos meios de comunicao, podendo ser

    divulgados e, ento, conhecidos pela populao. Contudo, o Marco Regulatrio

    ainda no est em vigor, o que mantm muitos grupos de fora do discurso

    miditico.

    Existem muitos entraves para a implementao, pois h quem diga que

    o Marco Regulatrio poderia ser uma espcie de censura, alm de haverdiversos interesses polticos e privados que impossibilitam a regulamentao

    da comunicao do pas.

    Em mbito nacional tambm h o Projeto Cultura Viva, criado e

    regulamentado por meio das Portarias n 156, de 6 de julho de 2004 e n 82 ,

    de 18 de maio de 2005 do Ministrio da Cultura. Surgiu para estimular e

    fortalecer no pas uma rede de criao e gesto cultural, tendo como base os

    Pontos de Cultura, que correspondem a

    um conceito de poltica pblica. So organizaes sociais dasociedade que ganham fora e reconhecimento institucional aoestabelecer uma parceria, um pacto com o Estado. Aqui h uma sutildistino: o Ponto de Cultura no pode ser para as pessoas, e simdas pessoas; um organizador da cultura no nvel local, atuando comoum ponto de recepo e irradiao da cultura. Como um elo naarticulao em rede, o Ponto de Cultura no um equipamentocultural do governo, nem um servio. Seu foco no est na carncia,na ausncia de bens e servios, e sim na potncia, na capacidade de

    agir de pessoas e grupos. Ponto de Cultura cultura em processo,desenvolvida com autonomia e protagonismo social. (TURINO, 2010,p.64)

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    Assim, os Pontos de Cultura so centros culturais selecionados por

    edital no pas todo, que recebem recursos do Estado para promoo e

    proteo da cultura.

    Os Pontos de Cultura possuem grande relevncia para a cultura popular

    do Distrito Federal. Segundo o mapeamento da Rede Candanga, elaborado em

    2009, o DF possui 20 Pontos de Cultura, sendo que 1/5 destes possuem

    atuao direta com cultura popular, como representado na figura que se

    segue:

    Figura II: Mapeamento dos Pontos de Cultura do Distrito Federal Fonte: Artria

    Cultura

    H duas leis especficas do Distrito Federal que apresentam maior

    relevncia, a a Lei n 158, de 29 de julho de 1991, que estabelece as normas e

    diretrizes do incentivo fiscal para pessoas fsicas e jurdicas, a fim de que

    possam destinar verbas cultura. E a Lei Complementar n 267 de 15 de

    dezembro de 1999. Esta, como estabelecido na Lei n 158, referente ao

    Fundo de Apoio Cultura (FAC), que um instrumento para fomento das

    atividades culturais do DF. Atravs de apoio financeiro, o FAC auxilia muitos

    projetos, que so selecionados por edital.

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    Diversos grupos culturais e de cultura popular do DF utilizam os recursos

    do FAC para manter os seus projetos, e tambm para incrementar suas aes

    no mbito da cultura.

    Os editais so divididos em: Difuso e Circulao (difuso de todas as

    atividades artsticas e culturais); Criao e Produo (audiovisual: cinema,

    msica, televiso e rdio); Montagem de Espetculos (linguagens

    espetaculares: dana, teatro, circo e cultura popular); Registro e Memria

    (publicaes literrias e demais publicaes e registros em todas as

    linguagens); Informao, Indicadores e Qualificao (gesto cultural,

    formao e qualificao dos segmentos artsticos); e Manuteno de Grupos eEspaos (sustentabilidade dos grupos artsticos e espaos privados de uso

    pblico).

    Essas divises possuem uma lgica importante, que consegue permear

    vrias fases de formao dos grupos, sendo significativa para a constituio

    dos grupos em geral. Contudo, no h nenhum mecanismo que garanta a

    divulgao dos grupos culturais. E tambm no h editais especficos para os

    grupos de cultura popular, os quais competem com diversos outros segmentosculturais, sem garantia que grupos culturais populares sero contemplados.

    O Distrito Federal tambm no possui uma legislao especfica para o

    patrimnio imaterial, logo, os grupos de cultura popular no tem acesso a

    ferramentas e mecanismos que garantam ou auxiliem suas manutenes.

    Pode-se citar com exemplo o Boi de Seu Teodoro, que por decreto foi

    considerado patrimnio imaterial do Distrito Federal, mas isso no lhe garante

    nenhum benefcio legal por parte do Estado.

    Pode-se citar tambm o Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico

    Nacional (Iphan), que um rgo vinculado ao Ministrio da Cultura e

    responsvel pela preservao do patrimnio material e imaterial do Brasil. No

    DF, existe a superintendncia do Iphan, que procura, em mbito local,

    administrar trmites a respeito do patrimnio cultural do Distrito Federal. Dentre

    o trabalho realizado, destacam-se algumas publicaes de catalogao do

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    patrimnio imaterial do DF, que inclui feiras, terreiros, mas no contempla as

    manifestaes de cultura popular como as referidas nessa pesquisa.

    As leis e polticas pblicas representam um avano importante para acultura popular do pas. A partir delas, as manifestaes tem possibilidade de

    ganhar mais fora e valor, alm de novas possibilidades de proteo de

    manuteno. Contudo, todas as leis e polticas pblicas tambm apresentam

    problemas, que interferem na manuteno cultural. Nesse contexto, existe a

    burocracia que faz parte do acesso aos instrumentos legais de cultura. Os

    editais, por exemplo, so ferramentas teis, mas muito difceis de se participar,

    pois exige uma formatao rgida, que nem todos esto aptos a fazer.O FAC,para tentar resolver esses problemas burocrticos, fornece cursos de como

    preencher e participar de editais, tamanha a dificuldade que estes apresentam.

    Tambm h a divulgao das ferramentas legais culturais, que muitas vezes,

    no chega aos grupos, e quando chega, as informaes no se apresentam

    muito claras. Ainda h a morosidade do Estado em fornecer e liberar recursos

    que, em muitos casos, atrasam e prejudicam as aes culturais de grande

    parte dos grupos. E a ausncia de um Marco Regulatrio, que regulamente os

    meios de comunicao, no permite ampla divulgao e manifestao de

    muitos segmentos da sociedade, o que inclui os grupos de cultura popular.

    2.5. Indstria cultural, discurso e espetacularizao

    Outro tipo de desafio que a cultura popular enfrenta referente

    disseminao do discurso miditico. Muitas vezes, as manifestaes culturais

    populares ficam de fora do contedo e do discurso da mdia, que costuma dar

    mais importncia a determinadas manifestaes e valores, em detrimento de

    outros.

    O termo indstria cultural deve ser entendido como concebido por

    Adorno e Horkheimer (1985). Os autores utilizam o termo para caracterizar o

    sistema que transforma as manifestaes artsticas e culturais em produtos.

    Assim, os valores da arte e da cultura so ofuscados, j que so substitudos

    pela produo em escala, que visa, principalmente, o lucro. Nesse tipo desistema, no h a participao efetiva da sociedade no que produzido, e

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    tambm h uma padronizao esttica e discursiva, que distribui valores

    hegemnicos para a sociedade.

    Essa padronizao pode ser muito nociva para alguns segmentos, comoo da cultura popular. A cultura popular, por sua essncia, no est plenamente

    inserida no discurso hegemnico das elites da indstria cultural, o que pode

    provocar a distribuio de discursos preconceituosos e estereotipados, e

    tambm o silenciamento das manifestaes populares.

    A propsito do contexto brasileiro, Ribeiro (1996), aborda adesvalorizao da cultura nacional pela indstria cultural

    Todo esse processo se agrava, movido em nossos dias pelaprodigiosa da indstria cultural que, atravs do rdio, do cinema, dateleviso e de inmeros outros meios de comunicao cultural,ameaa tornar ainda mais obsoleta a cultura brasileira para nos impora massa de bens culturais e respectivas condutas que dominam omundo inteiro. Ns que sempre fomos criativos nas artes populares ede tudo que estivesse ao alcance do povo-massa, nos vemos hojemais ameaados do que nunca de perder essa criatividade embeneficio de uma universalizao de qualidade duvidosa. (RIBEIRO,1996, p.239-240)

    A indstria cultural e seus meios de comunicao valoriza ou deprecia

    certos valores por intermdio do discurso. Por discurso, no se deve entender

    apenas o modo como a comunicao flui, dos emissores at os receptores. O

    discurso deve ser compreendido como construo de sentidos, sendo

    construdos a partir de diferentes contextos.

    Desse modo, diremos que no se trata de transmisso de informaoapenas, pois, no funcionamento da linguagem, que pe em relaosujeitos e sentidos afetados pela lngua e pela histria, temos umcomplexo processo de constituio desses sujeitos e produo desentidos e no meramente transmisso de informao. Soprocessos de identificao do sujeito, de argumentao, desubjetivao, de construo da realidade, etc. [...] As relaes delinguagem so relaes de sujeitos e de sentidos e seus efeitos somltiplos e variados. Da a definio de discurso: o discurso e efeitode sentidos entre locutores. (ORLANDI, 2005, p.21)

    Os meios de comunicao, como meios de propagao dos valores da

    indstria cultural, trabalham o discurso de determinados interlocutores e

    interesses, com o intuito de produzir certos efeitos e sentidos para quem

    recebe a informao. A produo de sentidos, segundo Orlandi (2005),

    constituda pelo que dito e no dito, por meio da tenso entre parfrase epolissemia:

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    O funcionamento da linguagem se assenta na tenso entre processosparafrsticos e polissmicos. Os parafrsticos so os que em tododizer h algo que se mantm, o dizvel, a memria. A parfraserepresenta assim o retorno aos mesmos espaos de dizer, produzem-se diferentes formulaes do mesmo dizer. A parfrase est do lado

    da estabilidade. Ao passo que, na polissemia, o que temos deslocamento, ruptura de processos de significao. Ela joga com oequvoco. (ORLANDI, 2005, p.36)

    Assim, muitos temas so apresentados na mdia, mas vrios outros

    ficam de fora. Os que so escolhidos costumam estar atrelados a determinados

    valores hegemnicos, que so reproduzidos de forma a serem percebidos

    como os mais importantes. Passam a ser, a partir da parfrase, pontos de vista

    cristalizados na sociedade, reduzindo a possibilidade de outras histrias,

    valores e verdades serem contadas. Nesse contexto, Orlandi (2005, p.37)

    analisa o conflito da criatividade e da produtividade como reiterador dos

    processos j cristalizados, visto que (...) mantm o homem num retorno

    constante ao mesmo espao dizvel: produz a mesma variedade do mesmo ..

    Chico Simes, nesse contexto, em entrevista feita para este trabalho, afirma

    que a parfrase muito prejudicial e que acontece por valores mercadolgicos:

    (...) ento devia cuidar mais da diversidade do que ficar s bombando um tipo. Por que bomba

    um tipo? Porque bomba o que vende! (...) olha, a salvao t na diversidade cultural, napermacultura, toda monocultura prejudicial ao desenvolvimento. Monocultura de msica,monocultura de literatura, toda monocultura prejudicial. De mamulengo! Se s tivessemamulengo ia ser um saco, ningum aguenta! preciso diversidade, a diversidade quepropicia o equilbrio (...)

    Nota-se que os brincantes de cultura popular sentem que os seus

    discursos esto fora da produtividade miditica, e que os processos

    parafrsticos acabam por segregar as suas manifestaes do discurso

    miditico.

    Nesse sentido, a produtividade o que mantm o discurso da mdia

    sobre determinados valores estticos e culturais, mantendo outros de fora, ou

    de maneira distorcida. No caso da cultura popular esse efeito recorrente, pois

    so culturas produzidas pelo povo e que, no obstante, promovem reflexo, se

    chocando com os valores estabelecidos pela indstria cultural. No raro, as

    manifestaes populares perdem muita fora nessa batalha simblica, pois so

    silenciadas pelo discurso hegemnico da indstria cultural e da mdia. Tudo oque dito e reproduzido pela mdia possui uma inteno, privilegiando certos

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    valores em detrimento de outros. Segundo Orlandi (2005, p.9) No h

    neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos..

    Contudo, a cultura popular no est totalmente excluda dos discursoshegemnicos retratados na sociedade e na indstria cultural. Como tudo na

    indstria cultural, a cultura popular tambm passa a ser coptada como um

    produto, sendo importante o seu valor comercial. Nesse sentido, Carvalho

    (2007) fala da espetacularizao da cultura popular. Muitas vezes, a cultura

    popular inserida no sistema da indstria cultural, passando a ser um produto

    de entretenimento, por meio de apresentaes para as classes mais

    socialmente e economicamente privilegiadas. Para o autor, a cultura popularvista apenas como forma de entretenimento perde o seu valor e a sua

    essncia. A cultura popular possui contextos especficos, a partir de processos

    histricos, sociais e culturais que as formam e caracterizam. Nesse sentido,

    segundo Carvalho, quando a cultura popular colocada como produto cultural,

    quando espetacularizada, os contextos especficos se apagam, e as

    manifestaes perdem a sua essncia e no alcanam, de maneira plena, os

    seus objetivos fundamentais, de transformao e reflexo da sociedade. Do

    outro lado, os espectadores tambm saem perdendo, pois no apreendem os

    cdigos e sentidos das manifestaes, agem apenas com o olhar e no com a

    experincia cultural. A vivncia costuma ser fundamental nas expresses de

    cultura popular, mas quando espetacularizada, a vivncia se perde, e, tanto

    quem se apresenta quanto quem consome, fica, de certa forma, passivo no

    processo de consumo da cultura popular. Assim, pode-se citar Debord (1997),

    que fala de espetculo, vivncia e representao. Segundo o autor,

    Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernascondies de produo se apresenta como uma imensa acumulaode espetculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-serepresentao. (DEBORD, 1997, p.13).

    Tambm pode-se falar do pensamento de Benjamin (1936), que fala da

    perda da aura, ou seja, dos valores mais profundos de uma obra de arte

    quando distribuda em massa. Assim, possvel contextualizar a cultura

    popular nesse sentido, pois, quando posta como produto, perde a sua aura e

    os seus significados mais essenciais. Chico Simes , em entrevista para este

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    trabalho, tambm fala da perda da aura, quando a cultura popular aparece

    apenas como produto:

    (...) se tiver uma divulgao massificada, a pronto, a gente vira um produto massificado, comotodo produto massificado voc tem que pasteurizar, pasteurizando ele perde a alma, ele perdea aura, ele perde o brilho, e ele vira uma mercadoria.

    Mas Benjamin tambm analisa que a reprodutibilidade das obras pode

    estimular um processo de democratizao da arte e, consequentemente, de

    novos pensamentos e reflexes. Nesse sentido, tambm possvel traar um

    paralelo com a cultura popular. A distribuio em larga escala da cultura

    popular pode fazer com que as manifestaes ganhem certa visibilidade e

    reconhecimento dos mais variados setores da sociedade, por meio daespetacularizao e da mdia.Assim, pode-se citar Santos (2000), que fala da

    formao de culturas sincrticas, pois a imposio da indstria cultural nunca

    completa, j que h a resistncia da cultura preexistente, o que forma novas

    formas de cultura popular, compostas pela sua genuinidade, mas tambm por

    elementos da indstria cultural.

    De acordo com Santos, tambm existe a possibilidade de revanche da

    cultura popular imposio da indstria cultural, quando, por exemplo, ela

    se difunde mediante o uso dos instrumentos que na origem soprprios da cultura de massas. Nesse caso, a cultura popular exercesua qualidade de discurso dos de baixo, pondo em relevo ocotidiano dos pobres, das minorias, dos excludos, por meio daexaltao da vida de todos os dias. (SANTOS, 2000, p.144)

    E Santos tambm diz que o contedo produzido pela reutilizao dos

    instrumentos da indstria cultural pelas culturas populares no global, mas

    ele se difunde com fora na cultura e no territrio local, que onde surgem epossuem maior sentido. O que remete novamente ao conceito e da importncia

    do territrio citado anteriormente, j que a cultura popular possui maior fora

    quando inserida e atuante em seu contexto local. Nesse sentido, em

    consonncia com a fala de Santos, Tico Magalhes, do grupo Seu Estrelo e o

    Fu do Terreiro, diz, em entrevista para este trabalho, que

    (...) h dois anos, quando a gente virou Ponto de Cultura, a gente tambm comeou a se abrir

    prum (sic) outro lugar, que o Ponto de Cultura oferece, que exatamente uma cmera, umcomputador, algumas coisas que te do mais ferramentas pra voc interagir (...) e que hoje a

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    gente comea a explorar um pouco isso. A gente comea a sair um pouco da dependncia deuma mdia tradicional mesmo, assim, e a gente comea a dizer o que a gente quer. Quegeralmente com a mdia tradicional, nego acaba chegando j no que quer dizer, em algunsmomentos, inclusive, nem a gente se reconhece dentro daquelas matrias(..)

    E, no mesmo sentido, tambm em entrevista para este trabalho, Chico

    Simes, do Mamulengo Presepada, diz que

    (...) a tecnologia, a globalizao veio contribuir com as culturas tradicionais, ao contrrio do queeu pensava, por exemplo, eu pensava que ia acabar, digo, agora lascou tudo, agoraglobalizou, vai globalizar ainda mais o Walt Disney ou o que mais que for, e a cultura tradicionalvai sumir. S que a globalizao trouxe tambm, com a tecnologia, a possibilidade da genteusar ferramenta, ento, pra poder devolver pro mundo, atravs da internet, pelos meios decomunicao, o meio de comunicao o computador, n, a rede, so as redes, devolver asimagens. No s a gente passou a ser consumidor de imagem, liga a televiso (...) quando eupassei a pegar uma cmera de vdeo, filmar um mestre e colocar o que ele faz no Youtube, era

    apropriao dos meios de produo (...)

    Assim, nota-se que os grupos de cultura popular conseguem se

    apropriar de forma benfica de algumas caractersticas da indstria cultural,

    usando os mecanismos de produo e disseminao a favor de suas

    manifestaes.

    Um exemplo importante de fuso cultural, que deu fora e visibilidade s

    culturas populares e marginalizadas o do Manguebeat, em Recife. O

    movimento, que ganhou fora e destaque em meados dos anos 1990, uma

    fuso de ritmos regionais pernambucanos, como o maracatu, samba e o coco,

    com ritmos pop, como o rock, funk e hip hop. O movimento possua o intuito de

    universalizar esses elementos para dar visibilidade aos problemas perifricos

    locais, tendo como tema principal a problemtica do mangue. Desse modo,

    com Chico Science e Nao Zumbi como o seu principal expoente, o

    movimento e a cultura perifrica de Recife alcanou altos patamares de

    visibilidade, no s em nvel local, mas nacional e tambm mundial. Essa

    visibilidade descrita na seguinte fala de Leo (2003, p.2) Nesse mercado

    global de estilos, vemos outdoors eletrnicos disputando sua visibilidade com

    fotos de um caboclo do maracatu rural coladas nos muros da cidade. E

    tambm na do Secretrio de Cultura do ano de 1995, Ariano Suassuna, em

    entrevista cedida ao jornalista Joo Mauro Arajo, para a Revista Problemas

    Brasileiros, em 2007:

    Chico veio me conhecer e disse: Mestre [era assim que ele me chamava], eu sou armorial.Ento eu disse a ele: Mas por que se chama Chico Science? Mude seu nome para Chico

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    Cincia que subo com voc no palco. Evidentemente, quando falei isso estava simbolizandoduas coisas: achava que na parte Chico estava o que ele tinha de maracatu rural, e na Scienceo que tinha de rock, que no gosto. Ele achou graa e fizemos uma grande amizade." - Apesarde continuar discordando da posio de Science, Suassuna reconhece: "A juventude classemdia, que talvez nunca prestasse ateno ao maracatu rural, passou a dar importncia a ele.

    E Mauro (2007) ainda discorre sobre a fala de Suassuna:

    mais que isso. O intercmbio entre o Mangue Beat e artistas dacultura popular pernambucana mostra ainda hoje muitos reflexospositivos. Se por um lado as bandas tiveram sua musicalidadeenriquecida, por outro os artistas populares ganharam uma projeonunca antes vista. (MAURO, 2007, p.2)

    Figura III: Encontro de Ariano Suassuna e Chico Science - Foto: Fred Jordo Fonte:

    G1

    O exemplo do Manguebeat importante, pois mostra como os

    elementos da cultura popular, fundidos com elementos da indstria cultural,

    conseguem impulsionar as culturas marginalizadas atravs de um novodiscurso. Existem diversos outros exemplos que poderiam ser citados pelo

    Brasil, mas o do mangue se destaca por ser um dos maiores e mais

    importantes, alm de estar de fora do eixo Rio/So Paulo, que geralmente

    possui maior visibilidade no discurso miditico do pas. Vale destacar que, no

    entanto, o movimento no atua sozinho, existem outros fatores e instncias as

    quais interferem diretamente na expanso das culturas perifricas, como a

    Secretaria de Cultura, que foi muito atuante nesse sentido.

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    2.6. O silncio

    Referente aos ditos e no ditos na mdia pode-se falar do silncio.

    Diante a mdia e a espetacularizao, muito dito e, ao mesmo tempo, muito

    distorcido e silenciado a respeito da cultura popular. Existe, em alguns casos,

    certa superficialidade no que diz respeito cultura popular, assunto que exige,

    de acordo com Tico Magalhes, em entrevista a este projeto, uma

    profundidade.

    (...) uma coisa que diferente na cultura popular, porque ela trs uma profundidade (...) acultura popular ela tem um aprofundamento, infinito, mesmo, assim. E pra isso, um jornalista,um jornal, ele tinha realmente que vir mais aberto e com um pouquinho mais de tempo, assim,

    pra entender esse encantamento, na verdade, assim, pra entender um pouco essa ligao, osagrado que t dentro disso (...)

    Na histria do DF tambm existe o discurso hegemnico e oficial, que

    deixa muitas parcelas da sociedade de fora do que contado, o que inclui a

    formao dos grupos de cultura popular.

    Mas, de acordo do Orlandi (2011), o silncio o que d margem para

    que outras histrias ganhem espao. Assim, o que dito seria um recorte de

    um todo muito maior. Recorte esse que se apresenta necessrio, para efeito

    ideolgico da construo de sentidos de quem detm o poder de divulgao

    discursiva.

    Segundo a autora, o silncio indica que o sentido sempre pode ser

    outro. Ento se pode voltar ao conceito da polissemia, que se choca com a

    parfrase discursiva e mostra que a incompletude que produz a

    possibilidade do mltiplo (ORLANDI, 2011, p.47) Assim, o silncio permite que

    as histrias e discursos dos grupos de cultura popular tenham espao na

    sociedade, o que inclui o espao na mdia.

    A partir do silncio tambm se pode voltar temtica da identidade,

    pois, novamente de acordo com Orlandi, o desejo de ir contra a incompletude

    discursiva permite um sentimento de identidade, e, assim, o sujeito que no se

    identifica com o que dito, passa a querer se identificar nos espaos onde est

    silenciado, podendo agir na possibilidade de contar suas histrias e discursos.

    Tico Magalhes, do grupo Seu Estrelo, tambm aborda esse tema da

    identidade em entrevista a este trabalho. O brincante diz que a mdia um

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    referencial de identidade para muitos, e que difcil para que um filho, por

    exemplo, queira continuar a praticar as brincadeiras de cultura popular se ele

    no se v esse tipo de manifestao na televiso ou na mdia em geral.

    Nesse sentido, tambm de acordo com Orlandi, o silncio possui uma

    dimenso poltica, que pode ser considerado tanto parte da retrica da

    dominao (a da opresso) como de sua contrapartida, a retrica do oprimido (

    a da resistncia). E nesse contexto, Orlandi fala de um procedimento

    importante, a auto-referncia, que a maneira por meio da qual o sujeito

    possui de significar a ele mesmo. De acordo com a autora, a auto-referncia

    acontece sem intervenes diretas externas, o sujeito tem, a princpio, uma

    liberdade discurssiva. Logo, os grupos de cultura popular possuem, a partir do

    prprio discurso, a possibilidade de agir contra o discurso hegemnico que

    exclui e distorce suas histrias.

    Ento, o discurso no deve ser tratado apenas como um processo

    estagnado de privilgio e subjugao de grupos e classes. O discurso no

    apenas aquilo que traduz as lutas ou sistemas de dominao, mas aquilo pelo

    que se luta, o poder do qual queremos nos apoderar. (FOUCAULT, 1970, p.10)

    Assim, se os grupos de cultura popular esto fora do discurso

    hegemnico, no significa que sempre tenham que estar assim. A luta pelo

    discurso possui uma dinmica orgnica, que pode variar em diferentes tempos

    e contextos. O processo de produo e propagao do discurso se d por meio

    de certos procedimentos, que so explicados por Foucault (1970). O principal

    dos procedimentos para este trabalho o direito privilegiado, no qual nem

    todos tm o direito nem os meios para se expressar. Isso porque

    ningum entrar na ordem do discurso se no satisfazer a certasexigncias ou se no for, de incio, qualificado para faz-lo. Maisprecisamente: nem todas as regies do discurso so igualmenteabertas e penetrveis, algumas so altamente proibidas.(FOUCAULT, 1970, p.37)

    Portanto, pode-se entender que o discurso na mdia produzido atravs

    de relaes de poder, nas quais no apenas determinados temas e assuntos

    so divulgados, mas tambm h a escolha seletiva de quem pode falar.

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    No entanto, por mais que muitos grupos de cultura popular no estejam

    nos meios de produo de conted